O RESGATE DA FESTA DE SANTA CRUZ

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ESTE LIVRO ESTÁ REGISTRADO NA FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL SOB O Nº 498.422 LIVRO 943 FOLHA 95 ENFOCANDO A SUSTENTABILIDADE, AUTOVALORIZAÇÃO E A PRESERVAÇÃO DAS TRADIÇÕES E COSTUMES DE UMA COMUNIDADE. COMO VALORIZAR O HOMEM NO CAMPO? COMO VALORIZAR OS JOVENS E O CONHECIMENTO DOS MAIS ANTIGOS QUE SÃO TRANSMITIDOS DE GERAÇÃO A GERAÇÃO? MEU AGRADECIMENTO AO SENHOR JESUS, REI DA GLÓRIA, QUE TORNOU POSSÍVEL E ME DEU CONDIÇÕES DE ESCREVER ESTE LIVRO. À ÊLE SEJA DADO TODA A HONRA E TODA A GLÓRIA, PELOS SÉCULOS DOS SÉCULOS, AMÉM. POIS TODO JOELHO SE DOBRARÁ, SEJA NO CÉU, SEJA NA TERRA OU DEBAIXO DA TERRA, DIANTE DO NOME SAGRADO DO SENHOR JESUS! 1

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ESTE LIVRO ESTÁ REGISTRADO NA FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL SOB O Nº 498.422LIVRO 943 FOLHA 95

ENFOCANDO A SUSTENTABILIDADE, AUTOVALORIZAÇÃO E A PRESERVAÇÃO DAS TRADIÇÕES E COSTUMES DE UMA COMUNIDADE. COMO VALORIZAR O HOMEM NO CAMPO? COMO VALORIZAR OS JOVENS E O CONHECIMENTO DOS MAIS ANTIGOS QUE SÃO TRANSMITIDOS DE GERAÇÃO A GERAÇÃO?

MEU AGRADECIMENTO AO SENHOR JESUS, REI DA GLÓRIA, QUE TORNOU POSSÍVEL E ME DEU CONDIÇÕES DE ESCREVER ESTE LIVRO.À ÊLE SEJA DADO TODA A HONRA E TODA A GLÓRIA, PELOS SÉCULOS DOS SÉCULOS, AMÉM.POIS TODO JOELHO SE DOBRARÁ, SEJA NO CÉU, SEJA NA TERRA OU DEBAIXO DA TERRA, DIANTE DO NOME SAGRADO DO SENHOR JESUS!

“BENDIZE Ó MINHA ALMA AO SENHOR,E TUDO O QUE HÁ EM MIM BENDIGA AO SEU SANTO NOME, BENDIZE Ó MINHA ALMA AO SENHOR E NÃO TE ESQUEÇAS DE NEM UM SÓ DE SEUS BENEFÍCIOS” SALMO 103, VS.1;3

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Agradeço a DEUS pelos objetivos já alcançados; tenho um filho, plantei uma árvore, escrevi um livro...

AOS MEUS AMIGOS DE ADOLESCÊNCIA, COLEGAS DE CLASSE E PROFESSORES, COMO NÃO LEMBRO O NOME DE TODOS RESOLVI COLOCAR ESTA FOTO

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Esta é uma história de ficção, muito embora alguns episódios sejam baseados em acontecimentos reais; mas sem preocupação com a parte histórica e o tempo em que aconteceram; os nomes citados são de forma genérica, mas condizente com o povo que habita a região.Algumas palavras citadas aqui, talvez não sejam encontradas nos dicionários, pois o objetivo é justamente o de registrar alguns dialetos que são usados em algumas comunidades, o que não é diferente na comunidade em que me inspirei. Esta localidade está situada entre CURITIBA E LAGES.

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Conta-se que em tempos antigos esta festa era realizada sempre no dia três de maio, qualquer que fosse o dia da semana que caísse; reuniam-se os moradores da redondeza e ali onde está plantado uma cruz faziam uma grande

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celebração. A origem desta comemoração era para festejar o fim das hostilidades entre os índios e os moradores. Da mesma forma que existiam os caçadores de índios, conforme o relato de alguns, os índios também hostilizavam os moradores da região. Foi somente com a chegada do Monge João Maria que a paz chegou ao local, pois por onde ele passava tinha por costume de plantar uma cruz, ali não se sabe o motivo ele plantou duas cruzes. A festa era gratuita para todos, comiam e se divertiam à vontade, com o passar dos anos esta festa foi transferida para o Domingo mais próximo e deixou também de ser gratuita, sendo apenas mais uma festa comum a todas as outras. Ali onde foi plantadas as duas cruzes originais, ergueram uma igreja, chamada de IGREJA DE SANTA CRUZ, hoje existem dois grandes cedros que foram as cruzes originais que brotaram, cresceram e se tornaram árvores, local que muitos ajoelham-se, queimam velas e fazem suas orações. HARRY DI M CASTELLO nasceu nas redondezas onde está localizada a igreja, filho de homem austero, rígido e gostava muito de trabalhar na lavoura, coisa que fazia com muita paixão. Moraram no próprio terreno desta igreja, que foi cedido pelo responsável, pois era um terreno bem grande, depois saíram para aventurar-se na cidade grande, quando retornaram o ambiente já era outro em vários aspectos, algumas modernidades já tinham chegado ao lugar, principalmente na agricultura, principal atividade econômica da região. HARRY era filho do meio de uma família de onze irmãos, gostava de estudar e chegou até a escrever uma carta para uma escola que ensinava a consertar rádio e televisão por correspondência, só que naquela época não tinha nem energia elétrica na região. Seu pai quando passou no correio o agente lhe entregou

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um grande envelope destinado a seu filho, com todas as informações necessárias; quando seu pai chegou em casa deu-lhe uma bronca que HARRY perdeu até a vontade de estudar. Também nem dava, pois como iria pagar as mensalidades. Quando HARRY se tornou adolescente foi trabalhar nas plantações de batatas na função de Catador de Batatas, (a um catador de batatas também é permitido ter grandes sonhos), mas ali conheceu um senhor que o indicou para trabalhar numa churrascaria, a famosa CHURRASCARIA DO BASTIÃO, depois foi convidado à ir trabalhar em FOZ DO AREIA, no centro recreativo dos funcionários que estavam construindo a usina hidrelétrica, mas para sair da churrascaria teve de fugir a noite, pois sabia que seu BASTIÃO não iria liberar sua saída imediatamente , além do mais o seu futuro patrão tinha urgência. Quando voltou de FOZ DO AREIA para fazer uma visita a seus pais, seu pai não deixou retornar, ficando por ali mesmo na lida do campo até sua emancipação. Depois de emancipado e trabalhando e em alguns empregos na cidade grande, HARRY sempre se lembrava de sua localidade, talvez fosse saudades, pois sentia, principalmente dos tempos que morou no terreno da IGREJA DE SANTA CRUZ, talvez seja um sentimento de culpa, por ter deixado sua gente para aventurar-se em outras terras, mas a verdade é que HARRY sempre teve em mente um grande projeto para sua terra. Ao lembrar sua gente, HARRY quer homenagear seus conterrâneos, citando aqui o nome dos principais personagens e as estórias que contavam. HARRY também quer avivar na memória das pessoas que ali vivem, as lendas e os causos contados pelos antigos moradores. Na casa próxima a IGREJA DE SANTA CRUZ onde HARRY morava quando era criança na época do natal as crianças da casa e

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da vizinhança aguardavam com grande expectativa a chegada do “Bom velhinho”, o “ Papai Noel”; pois era praticamente a única data que as crianças ganhavam presentes; não era como agora, que as propagandas ensinam que seus pais devem lhe dar presentes quase todos os dias, é o tal consumismo desenfreado sendo colocado na cabecinha das crianças desde cedo; elas valorizavam mais os seus presentes e ficavam eternamente agradecidas. Na noite de natal reuniam-se a vizinhança e papai de HARRY vestia-se de papai Noel para entregar os presentes, só que naquela época HARRY nem desconfiava que o papai Noel fosse o seu próprio pai. Quando papai de HARRY tinha que sair para trabalhar fora e ficar alguns dias longe, ia uma ou outra senhora pousar na sua casa para fazer companhia, pois a casa ficava bem retirada e havia notícias que ainda haviam bugres que vinham rondar a casa durante a noite. Além do que havia muitas estórias de lobisomem e boitatá que assustavam qualquer um. Diziam que os bugres vinham de outras bandas e apenas passavam por ali, ninguém sabia a verdade, só sabiam que quando ouviam os cantos das corujas e sentiam cheiro de cafofo as crianças ficavam com medo, pois diziam que os bugres imitavam o cantar das corujas e tinham o cheiro de cafofo, muitos chamam este inseto de maria-fedida, além do mais, tinham também o costume de sapecar os pés das crianças para que ficassem bem grossos; papai de HARRY já achava essa brincadeira de muito mal gosto. Também havia notícias de que havia um gritador que passava a uma determinada hora da noite, diziam que o gritador era uma alma penada. Ouviam-se muitas estórias de encantamento, causos e piadas e ainda as charadas; como ainda não havia televisão para passar o tempo, o que mais se fazia nas horas de folga era ouvir e contar estórias. As crianças

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faziam seus próprios brinquedos; carrinhos com rodas de carretel, carrinhos com rodas de sabugos de milho; alguns gostavam de brincar com as argolas da chapa do fogão a lenha; colocavam um arame na ponta de um pau e com aquilo equilibravam a argola para não cair, o atrito do arame com a argola fazia um barulho parecido com um esmeril quando se está afiando uma faca. Certa vez HARRY teve um sonho, sonhou que as árvores estavam sonhando; em seu sonho HARRY viu que as árvores estavam reunidas em assembléia, desde as mais velhas assim como as pequenas e de todas as espécies, tinha uma que parecia ser a líder e estava com a palavra; dizia às outras que tinha feito uma experiência, tinha esticado sua raiz mais comprida para o fundo até que ela crescesse o máximo que pudesse para ver onde iria chegar e tomou um susto quando percebeu que não tinha mais onde se apoiar, percebeu que tinham umas crateras, umas cavernas que provavelmente tinham sido feita pelos homens na busca por minérios, aquela cavernas davam medo as árvores, pois tinham medo que desabasse e fosse tudo para o fundo do abismo. A líder então propôs uma solução, pediu que todas as árvores dessem as raízes, entrelaçando umas as outras, para assim se fortalecerem e aquelas que pudessem que encontrasse um lugar seguro para se apoiar, que fizessem isso para se ajudar e assim a dar sustentação a todas as outras. A líder também explicou que sabia que este procedimento já era adotado por árvores que habitavam as barrancas dos rios para evitar que as barrancas desabassem. Outro membro da assembléia interviu perguntando como é que ela sabia se nunca tinha saído dali, então ela respondeu que foi um pássaro amigo que ela conhecia há muito tempo que havia lhe contado. Também estavam discutindo o que poderiam

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fazer para diminuir os efeitos causados pelos dióxidos de carbono que as chaminés das fábricas despejavam dia e noite sobre a atmosfera, alguém opinou que se pudesse produziria uma porção dobrada de oxigênio para poder ajudar, mas sabia que para isso teria que viver um tempo maior. Em seu sonho, HARRY também viu que havia outra assembléia, não de árvores, mas de homens; discutiam como fariam para aumentar a quantidade de produtos para exportação, chegaram a conclusão que naquele momento a melhor maneira seria aumentar as áreas plantadas, então resolveram arrancar as árvores com seus grandes tratores, acabando assim com os sonhos que as árvores tinham sonhado. Quando HARRY acordou do sonho ficou a meditar o que significava, no momento não entendeu, mas veio-lhe na mente umas palavras que podiam se tornar uma canção, então resolveu colocá-las num papel para não esquecer:

Quisera eu poder sonhar o sonho das árvores,Mas sem essa de se preocupar com crateras e os buracos negros da atmosfera.Sentir-se seguro, na terra onde nasceu, sentir o chão firme, mas se por acaso houver uma caverna, sentir que do seu lado existe uma trama de raízes fortes para se apoiar.Quisera eu poder sonhar o sonho das árvores,Mas sem essa de se preocupar com crateras e os buracos negros da atmosfera.Seremos todos felizes, se pudermos dar as mãos, seguindo o exemplo das árvores que seguram as barrancas dos rios, sabendo que a recompensa é sentir os pés daqueles que pisam o chão com o carinho e amor de nos sentirmos irmãos.

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Quisera eu poder sonhar o sonho das árvores,Mas sem essa de se preocupar com crateras e os buracos negros da atmosfera.

Nos pântanos existem dores; mas também existem flores, precisamos procurar, mesmo em meio à lama, deve existir uma trama onde possamos segurar.

As meninas gostavam de pular corda e brincar de lets, o costume de papai de HARRY era levantar cedo e tomar o seu chimarrão por volta das cinco horas da manhã, acompanhado de uma chapada de pinhão assado ou de amendoim torrado, o café da manhã só era servido depois que eram tratados todas as criações e colocado o arreio nos cavalos, deixando-os prontos para ir à roça Quando tinha muito serviço, o pessoal costumava fazer pixirum (puxirum) e convidavam a vizinhança para participar. Alguns colonos quando faziam o tal de pixirum davam um baile no final de semana para agradecer àqueles que compareciam, tinha gente que nunca faltava. HARRY não gostava de pegar férias da escola, pois como se dizia, as férias da piazada eram no cabo da enxada, carpindo, roçando, malhando feijão, arrancando linho, quebrando fumo, isto é de sol a sol. Dava até uma tristeza quando ia chegando a época das férias, pois ficar três meses sem brincar com seus amigos da escola era muito tempo. Papai de HARRY era muito crítico com àqueles que não sabiam trabalhar a terra, faziam as coisas de qualquer jeito, dizia ele, sem se importar com o meio ambiente. Papai de HARRY sabia até uma técnica para matar as formigas sem usar inseticida: Isto é fácil, dizia ele, basta seguir o carreiro delas e localizar o ninho, daí pega uma vasilha

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com água e um pedaço de pau para socar, vai colocando água e socando até formar um lodo. Claro que sobram algumas que estão fora do ninho, mas é só esperar elas se agruparem novamente e repetir o processo, até sobrar apenas algumas que não conseguirão fazer grandes estragos na plantação e ainda ficarão para se reproduzir e preservar a sua espécie, não há o extermínio, mas apenas o controle, quem sabe se no futuro não descobriremos alguma utilidade para elas. Quase todo o povo da região consumia alimentos saudáveis, sem o uso de agrotóxicos, usavam como inseticida o fumo de corda para matar algumas pragas. Aquilo que na cidade hoje são denominados de alimentos orgânicos, já era comum naquele tempo, O uso de pesticidas e inseticidas era muito raro pelo pessoal da comunidade. A falta de cuidado com as queimadas era outra preocupação de papai de HARRY; embora naquela época não fosse proibida as queimadas, já se tomavam as providências para que o fogo não atingisse as florestas, pois se queimava só o que era para ser queimado, isto é aquilo que foi roçado. Primeiro tinha que ser feito um aceiro bem largo e rebaixado, e se o terreno fosse inclinado iniciava-se o fogo sempre do lado mais alto do terreno, esperava-se queimar um pouco, depois ia colocando o fogo nas laterais, sempre em dias que não tivesse vento e o roçado tivesse bem seco; por último colocava-se o fogo na parte de baixo do roçado para os fogos se encontrarem bem no meio, sem o perigo de passar fogo na floresta. Mesmo com todo este cuidado ainda era necessário acompanhar de perto o desenvolvimento do fogo sempre acompanhado de boas ferramentas até o fogo se extinguir, pois em se tratando de fogo todo o

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cuidado é pouco. (Ao contrário do que ocorre com o carvão, o petróleo e o gás natural, a combustão da biomassa não contribui significativamente para o efeito estufa, pois a queima só libera a quantidade de CO2 que a planta absorveu durante o seu ciclo de vida.) ( Almanaque Abril, pg. 14 Atualidades Vestibular 2003) Esta área queimada deveria ser usada por muitos e muitos anos, bastando para isso saber preparar a terra para não enfraquecer, muito pelo contrário, ela poderia ficar ainda melhor. Quando o pixirum (PUXIRUM) era para roçar capoeira ou capoeirão aqueles que tinham bastantes práticas gostavam de aprontar pra cima daqueles que eram meio molengas ou de pouca prática, iam derrubando as árvores por cima deles, obrigando eles a acompanhar todo o pessoal, levando o roçado parelho, senão iam ficar roçando um capão sozinho no meio do roçado. No final do serviço era aquela algazarra e tiração de sarro daqueles que ficaram atrasados. Na roçada de tigüera para preparar a terra, raramente precisava fazer queimada, pois se arava a terra cobrindo aqueles matos para servir de esterco quando apodrecesse deixando a terra fofa e cheia de nutrientes. Certa vez em um pixirum o seu Joaquim, marido da dona Bina surpreendeu a todos fazendo a seguinte pergunta. Disse ele: quero ver se tem alguém que sabe me responder, o que é. “Com a pita matei sete, das sete escolhi a melhor, atirei na que vi e matei a que não vi, com santas palavras assei e comi, bebi água que da terra não verteu e do céu não caiu, vi um morto carregando sete vivos”. Ninguém conseguiu decifrar o enigma, alguns arriscaram algumas respostas, mas nenhuma que chegasse a uma conclusão satisfatória Nhô Janguinho que sabia fazer gamelas e cestos de taquara disse: nós estamos aqui para trabalhar ou para conversar?

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Se for para conversar então também vou fazer uma pergunta para ver se vocês sabem: “Ontem fui filha, hoje sou mãe, tratando de filhos alheios, marido de minha mãe” alguém é capaz de responder? Todos se entreolharam e também ninguém conseguiu se arriscar a dar uma resposta. Sebastião Gole não aceitando ficar para trás também saiu com a seguinte pergunta: “O que é, o que é, sem alma e sem espírito, sai na porta e dá um grito”?Como ninguém sabia responder as perguntas e ninguém queria revelar as respostas, as coisas ficaram do jeito que estava. Na localidade também não havia médicos, então o pessoal se valia dos curandeiros, na realidade eram chamados de curadores e benzedores, alguns até respeitáveis como o seu Alípio e o seu Agostinho que eram os mais conhecidos, mas também existiam aqueles que tinham a mão boa para determinados tipos de doença. A Nhá Sinhana era especialista em curar doença de minguar; a dona Lídia era especialista em curar íngua, para curar dor de barriga quase todos sabiam o remédio certo, bastava fazer um chá de quina ou de jervão ou ainda de losna, era tiro e queda. A dona Luiza quando ia pousar na casa de HARRY para fazer companhia gostava de contar seus causos; ela contou que certa vez uma mulher foi se confessar com o padre, mas não tinha coragem de contar seus pecados. O padre logo imaginou que deveriam ser pecados muito graves, então disse ele: Para que os seus pecados sejam perdoados você terá que confessá-los em público, mas tenha coragem irmã que eu lhe ajudarei. Ficou acertado então que ela iria contar seus pecados publicamente na próxima missa, o padre preparou as pessoas para ouvir os pecados “meus irmãos disse o padre, prestem atenção porque tudo o que esta mulher

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vai falar é a pura verdade e chamou a mulher para falar. A mulher não arranjando coragem para contar seus pecados disse então:” Meus irmãos, vocês estão vendo aquelas crianças de olhos azuis que estão ali? Elas são todas filhas do padre. Não precisa nem contar que o padre teve que abandonar a missa pela metade. Dona Luiza também contava que havia uma senhora que sentia muitas saudades do tempo que ela era jovem; dizia ela que antigamente até os galos cantavam mais bonitos, mas hoje em dia os galos só abrem aquele bicão, ela nem se tocava que tinha ficado surda. Dona Luiza também contava que havia um bêbado que gostava de pegar umas moedas emprestadas de Santo Antônio, aquelas que os devotos colocavam nos pés da estátua; havia outro homem que sempre observava a atitude do bêbado e resolveu aprontar para cima dele, trocou a estátua grande por uma estátua bem pequenininha e recolheu as moedas. Quando o bêbado chegou, encontrou somente a miniatura de Santo Antônio e sem nenhuma moeda; falou então para a estátua: Escuta aqui menino, faça-me o favor de chamar o seu pai que eu preciso falar com ele. As horas mais apropriadas para contar estórias eram durante a noite após o jantar, no inverno se reuniam ao redor do fogo, mas nem sempre era possível ficar contando lorotas e alguns trabalhos exigem concentração e sincronismo; um destes trabalhos era fazer farinha de milho, mamãe de HARRY era farinheira, sabia todo o processo artesanal da arte de fazer farinha, coisa que as novas gerações nem imaginam como é, pois é só ir ao supermercado e pegar um saquinho prontinho. O primeiro passo para fazer farinha é pindocar o milho. Para pindocar o milho coloca-se uma quantidade no pilão e ergue-se o monjolo devagar para não espirrar o milho para fora, vai pindocando e

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molhando um pouco; tal procedimento é necessário para tirar a casca do milho, é um processo demorado, pois não pode quebrar muito o milho, é só mesmo para tirar a casca e tem que ficar um trabalhando no pilão para mexer, tomando o cuidado de mexer o milho somente quando a mão do monjolo for levantado, os pindocadores devem ter prática, pois senão há o perigo de se machucar, tem a hora certa de colocar o pé no monjolo, isto é, na hora que a mão do pilão bate no fundo, coloca-se o pé no monjolo para erguer novamente, depois de um certo tempo deve-se peneirar o milho para retirar as cascas e repetir o processo até notar que saíram todas as cascas. O próximo passo é deixar o milho de molho por uns oito ou dez dias, de preferência em água corrente, coloca-se num saco de algodão bem fechado e amarra-se em algum suporte, depois deste tempo precisa-se lavar o milho esfregando-o dentro de um balaio de taquara, tirando todas as impurezas. Depois de limpo, o milho precisa ser socado no pilão do monjolo, pode ser no monjolo de pé ou no monjolo d’água; soca-se até tornar-se um pó úmido, vai socando e mexendo a massa, passando na peneira fina. As partes do milho que ainda estão inteiras devolvem-se ao pilão para continuar a socagem. Quando terminar a socada está na hora de torrar a farinha, processo manual para formar o biju ou beiju como é chamado por alguns. Para torrar a farinha usa-se um recipiente chamado de forno de torrar farinha. Na realidade este forno tem o formato de uma frigideira de tamanho enorme e fica em cima de um suporte para fazer fogo em baixo. Quando o forno estiver bem quente se pega um punhado de massa de milho e estende-se sobre o forno.

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(Hoje em dia, segundo o jornal Folha Universal do dia 26 de Abril de 2009 o Brasil ultrapassou os Estados Unidos no uso de agrotóxicos segundo o jornal o Brasil tornou-se um “campeão do veneno”. Segundo o jornal “do jeito que está, a conta fica para o sistema de saúde, com o número de intoxicações disparando, e para o sistema previdenciário, com casos de ausências no trabalho e incapacidade permanente, isso sem falar nos danos ambientais” resume Luis Cláudio Meireles, gerente-geral de toxicologia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) ou saúde? Pg. 14). Outra reportagem importante neste mês é sobre A Guerrilha dos Jardineiros “Guerrilha Gardening”. Suas armas são simples “uma pá, mudas de planta e um pouco de água. Ou “então para os locais menos acessíveis, uma” Bomba de Sementes”, mistura de fertilizantes, terra e sementes dentro de uma bexiga”.

Pode-se usar uma espátula e um pano úmido para auxiliar o trabalho e retirar o biju que já estiver pronto. Precisa-se de um pouco de prática para não deixar queimar e saber a hora certa de tirar. Depois se espera secar bem e esfriar para moer (quebrar) com as mãos, pois quando está ainda quente ele fica meio úmido e não quebra. A maioria dos produtos que consumimos hoje em dia são industrializados, só que as indústrias não tem interesse de divulgar suas fórmulas e as técnicas de fabricação, obrigando a todos ficar refém de uma fórmula patenteada, até mesmo o próprio produtor rural poderá consumir um produto que a matéria prima saiu da sua terra mas foi processada a milhares de quilômetros de distância. O que desejo demonstrar aqui é que as novas gerações estão desaprendendo as técnicas de preparo de muitas coisas,

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deixando tudo na mão das indústrias; muitas coisas poderiam ser feitas em casa, utilizando a mão de obra ociosa que encontramos nos lares, com isso se economizaria dinheiro, e quando alguém precisasse de algum saberia que existem formas dignas de se ganhar, não precisando traficar drogas, nem assaltar. Conforme o Programa de televisão Domingo Espetacular da TV RECORD do dia 08/06/2009, muitas pessoas para sobreviver vivem do tráfico de animais silvestres, acabando com a fauna, maltratando os animais e correndo o risco de ser preso. Se as indústrias não conseguem dar empregos a todas as pessoas para que todas tenham uma vida digna, então está na hora de revermos alguns conceitos; precisamos reaprender a fazer muitas coisas que deixamos de fazer; não é um retrocesso, retrocesso sim é condenar muitas pessoas a mendigar o próprio pão ao invés de produzi-las; receber tudo pronto e dizer que precisamos aprender somente coisas que tenham alta tecnologia é um desrespeito a própria evolução, quanto mais tecnologia, mais se produz, só que com menos mão de obra; o que precisamos é uma maneira de dar sustentabilidade àqueles que são excluídos e privados de utilizar e usufruir das conquistas do desenvolvimento tecnológico. Que sejam bem-vindas as novas tecnologias, mas que todos possam usufruir delas, e não somente aquele que podem pagar caro por elas. Voltando à questão das queimadas, papai de HARRY sempre dizia: as queimadas feitas para queimar um roçado com a finalidade de plantar, não é igual aquelas que o pessoal coloca nas florestas em pé; queima-se o roçado uma única vez, e continua-se plantando neste local por vários anos, não é igual a chaminé das grandes indústrias que ficam soltando fumaças e gases tóxicos vinte e quatro horas por dia, mas

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apenas por poucos minutos ou no máximo algumas horas. Papai de HARRY também gostava de observar que quando se queimava um roçado, a primeira plantação que era feita de milho ou feijão vinha muito bonita, será que era o calor do fogo que matava as bactérias e as pragas que tinha na terra? Ou eram as cinzas que além de matarem as pragas ainda serviam de fertilizantes?Uma coisa era certa, quando se faziam aquelas caieiras das coivaras que sobravam do roçado, a primeira coisa que ele fazia era plantar sementes de abóbora, de moganga, de moranga e melancia nas cinzas das caieiras; se em outro lugar que ele plantasse não colhesse nada; dali ele tinha certeza que colhia; outra coisa importante era que aproveitava-se os terrenos íngremes e cheio de pedras, onde praticamente seria impossível uma agricultura mecanizada. Papai de HARRY já dizia, de que adianta não fazer as queimadas de um roçado, mas encharcar as terras de veneno? E ele estava certo, pois segundo o livro “O MEIO AMBIENTE EM DEBATE” de SAMUEL MURGEL BRANCO CAP. 10 PAG. 70 “O Brasil consome oitenta mil toneladas de veneno (agrotóxicos) por ano, parte deste material incorpora-se às plantas, outra ao solo, grande parte é transportada aos rios pelas chuvas, como resultado, cada fruto, cada grão ou folha ingerido pelo homem neste planeta contém uma dose destes venenos”. Mamãe de HARRY também gostava de colocar cinzas do fogão em sua horta, servia para adubar a terra e para matar os piolhos da couve. Ao cozinhar a canjica também gostava de colocar um saquinho de cinza dentro da panela.

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PESQUISA ENCOMENDADA PELO MDS CONFIRMA MUDANÇA NA VIDA DE QUASE TRINTA MIL AGRICULTORES FAMILIARES DA REGIÃO

MAIS RENDA E PRODUÇÃO NO SEMIÁRIDO

TEXTO DE DIMAS XIMENES-JORNAL MDS/ OUTUBRO DE 2009 PÁGINA 07

PAA LEITE

O produtor Luis Simão Carneiro, 63 anos, pensava em desistir de trabalhar com a pequena produção de leite em Ichu, município de seis mil habitantes, na Bahia. O motivo era o baixo preço do leite pago pelo mercado. Ele conseguia vender por no máximo R$ 0,20 o litro, valor insuficiente para cobrir as despesas da propriedade e manter sua renda. O produtor mudou de idéia quando entrou no Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) Modalidade Leite, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), presente em 1.158 municípios do Semiárido e do Norte de Minas Gerais e que atende cerca de 700 mil famílias e 29 mil produtores. Assim, Luis Carneiro começou a receber preço mais justo pela produção: R$ 0,65 por litro de leite. Com o aumento da renda, conseguiu até comprar uma vaca com melhor produtividade. Esses dois impactos (aumento da renda e melhoria na produção) se repetem na vida de outros beneficiários, conforme demonstram os resultados da Pesquisa de Avaliação do PAA Leite, feita pela Datamétrica Consultoria. O levantamento, de 2009, foi feito com dois mil produtores de leite. Em comparação com a última pesquisa, de 2005,

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o novo levantamento mostrou que o PAA Leite tem mudado a realidade das famílias daquelas regiões, melhorando as condições de segurança alimentar e nutricional, emprego e renda, e ampliando as possibilidades de investimentos na produção leiteira e no consumo de bens duráveis. O secretário nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do MDS, Crispim Moreira, destaca que a pesquisa confirmou a grande mudança que o PAA Leite promove na vida de quase 30 mil pequenos agricultores familiares do Semiárido e Norte de Minas Gerais.

A outra utilidade da cinza era para fazer sabão, mesmo naquela época, pouquíssimas pessoas sabiam desta técnica; o sabão de cinzas era utilizado mais em uso animal, para matar a sarna da cachorrada, mas as coisas começaram a mudar com a chegada das novas tecnologias, trazidas por um povo mais desenvolvido, aqueles que para plantar devastam as matas, derrubam as árvores centenárias, colocam veneno para matar o mato e até para a planta parar de crescer, paradoxo à parte, o certo é que não faziam iguais os colonos que usam de uma seleção natural, Isto é, usam as batatas pequenas como semente; eles não, estão produzindo em escala industrial; estão fabricando semente de batatas e para tal utilizam sementes importadas da Holanda. Quando produziam para o consumo, deixavam as batatas crescerem bastante, sua produção ia tudo para uma cooperativa, de lá ia com certeza para as fábricas de batatas chips ou para exportação.. Era bom que tinha trabalho para muita gente, o caminhão passava pegando gente as cinco horas da manhã para levar para as plantações e só voltava as sete ou oito horas da noite. Tinham alguns que trabalhavam até

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finais de semana, sempre se tinha um dinheirinho no bolso. O duro foi quando tudo acabou, afinal depois que a terra está devastada, tem de ser abandonada e procurar outras regiões e começar tudo de novo. Agora o povo que ficou já está desacostumado com a vida normal do campo, com a sua agricultura de subsistência, têm alguns que nem sabem mais como se trabalha na roça tradicional, a geração mais nova nem chegou a aprender, alguns não sabem a época certa de preparar a terra, de plantar e de colher as culturas que são tradicionais da região, o jeito é procurar emprego nas cidades maiores. Alguns até acham que temos que voltar a aprender com os índios, talvez não precisássemos ser tão extremistas, nossos pais e avós já tem muito a nos ensinar. Vejamos o que diz também Júlio César Chiavenato no seu Livro “O MASSACRE DA NATUREZA” PG.31 “As histórias da pessoa esclarecida, do cara feliz e da musa revelam como é problemático alimentar-se. E não estamos tratando ainda da maioria absoluta da população, que se envenena com o que a indústria alimentar produz ,impondo hábitos de consumo que,

TEXTO EXTRAÍDO DO LIVRO “RESERVA DA BIOSFERA DA MATA ATLÂNTICA” PG. 27 E 28(UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS)

Nunca é demais lembrar que na Mata Atlântica ocorreu uma das maiores devastações perpetradas pelo homem, e que é desse bioma a maior parte das espécies ameaçadas de extinção no Brasil.

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Um fato surpreendente é que até 1985 o conhecimento científico biológico da Mata Atlântica estava limitado a estudos esparsos, no geral de cunho taxonômico, envolvendo espécies animais e vegetais. Foi a partir desta época, em face da crescente devastação e da pressão exercida pela comunidade brasileira e internacional, principalmente através dos órgãos de divulgação, que nasceu um acentuado interesse pelo Domínio Atlântico. Desta data até o momento a questão básica que vem sendo discutida é a da conservação de sua biodiversidade.Para isso os estudos biológicos são da mais absoluta urgência. Esta urgência nasce da escassez de áreas bem preservadas e da extrema vulnerabilidade do bioma como um todo. Além disto, o conhecimento e a distribuição da biodiversidade são condições para medidas de conservação, uso, manejo e recuperação do ecossistema. Ao fomentar a educação e a formação ambiental das populações locais, a reserva da biosfera da Mata Atlântica vai gerar e partilhar os conhecimentos relativos à conservação e à gestão da biosfera. É o instrumental que permitirá vigiar, em longo prazo, o meio ambiente que abarca, para conservar suas diversidades biológicas e culturais. Consideram-se populações locais desta Reserva da Biosfera as que exercem atividades agrícolas ou de pastoreio; as dos habitantes de bosques e dos caçadores; as dos pescadores artesanais; aquelas urbanas e suburbanas, que são levadas a ocupação das terras para atender no mais das vezes os interesses de especuladores imobiliários e grileiros. Das populações acima listadas, algumas são tradicionais na ocupação da Mata Atlântica. São roceiros, caiçaras, ribeirinhos e indígenas, que os ciclos econômicos- os de cana-de-açúcar e do café, por exemplo- quando ditaram o uso e a ocupação do solo, deixaram de

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lado e expulsaram para espaços territoriais tidos, então, como marginais.Essas populações tradicionais têm relação profunda com o ambiente em que vivem, porque dele são extremamente dependentes. Seu modo de vida define-se por seu trabalho autônomo, por sua relação com a natureza e pelo conhecimento que conservam através da tradição.Nenhuma dessas populações tradicionais tem, apenas uma fonte de sobrevivência. Ao diversificar o uso que faz dos recursos disponíveis, sem se especializar e, portanto, depender de apenas um deles, torna-se um conservacionista por vocação. Essa prática, que estabelece um calendário de uso para os recursos, fazendo com que não sejam explorados com a mesma intensidade, ao mesmo tempo, é a postura cultural que se tem que preservar, porque é o modelo de postura a ser incorporado nos trabalhos de conservação da Reserva.

pela necessidade de praticidade na sociedade moderna, acabam absorvidas através da propaganda. Acredito que reaprender aquilo que foi esquecido ou abandonado não é um retrocesso, mas uma maneira de garantir a sobrevivência e a dignidade da vida humana. Numa sociedade rural, desde criança somos ensinados como lidar com os animais; e como trabalhar na terra; alguns artesanatos também são ensinados. Uma sociedade para desenvolver-se não precisa necessariamente abandonar suas tradições e conhecimentos adquirido dos antepassados, muito pelo contrário, voltemos novamente ao livro de Samuel Murgel Branco “O Meio Ambiente em Debate” pg. 91 onde diz: “ Os países realmente desenvolvidos do mundo não sacrificam suas culturas em favor de um desenvolvimento que beneficia muito mais os

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industriais e comerciantes do que a nação. Na Europa as regiões vinícolas continuam a produzir vinho, há séculos pelos mesmos processos artesanais, segredos de cada família de vinicultores tradicionais. Da mesma forma não se alteram as características das áreas leiteiras, com suas centenas de fórmulas para a fabricação caseira de queijos; nem se transformam granjeiros, pescadores ou pequenos fabricantes em operários de indústrias siderúrgicas”. Antigamente em cada propriedade rural existia um monjolo, movido á força do pé ou á força da água, com a industrialização como já foi citado, hoje quase tudo o que se consome vem das indústrias, mas veja a utilidade de se manter um monjolo em atividade em uma família ou em uma comunidade: Com um monjolo pode-se fazer a farinha de milho; a quirera; a canjica; a paçoca de amendoim e com um pouco de interesse e força de vontade descascar o arroz para se obter o arroz integral. Dá um pouco de trabalho, mas o produto obtido dá para vários dias e sabe-se que está consumindo um produto isento de produtos químicos. A taquara que foi muito utilizada antigamente nas pequenas propriedades agrícolas também tinha muita serventia; nada impede que ainda hoje seja novamente utilizada. Com a taquara pode-se fazer cestos que agüentam até sessenta quilos de milho e duram muitos anos, desde que se teçam com taquaras já bem formadas e fortes que indicam já com vários anos de vida,, fazem-se balaios e peneiras; também é muito útil para fazer cobertura de paiol onde se guardam os produtos da colheita; coberturas de galinheiros e até cercados para horta. Pode-se usar a taquara também como suporte para trepadeiras como ervilhas e vagens e ainda poderão dar sustentação para as plantações de tomate. As utilidades dos taquarais podem ir além, e tudo isso nasce sozinho,

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basta que não arranquemos suas raízes, selecionam-se as taquaras que irão ser utilizadas deixando as mais novas para que fiquem fortes e robustas. Uma ótima cerca é feita com uma planta chamada de caraguatá, plantada em linha reta, uma bem próxima da outra, depois de alguns anos nenhum tipo de animal consegue passar, pois além de ser alta é cheia de espinhos. Como estou tratando de sustentabilidade gostaria de dizer que o povo da região também fabricava o seu próprio sabão para lavar a roupa, mamãe de HARRY era especialista; colocava as gorduras que eram retiradas das matanças de porcos, como as barrigadas e tudo aquilo que não era comestível para cozinhar por longas horas até derreter tudo, depois acrescentava certa quantidade de soda cáustica e continuava mexendo até formar um creme, depois era só esperar esfriar e cortar os pedaços. Os travesseiros também eram feitos com paina, uma espécie de capim que cresce bem alto com um pito na forma de uma antena de rádio FM, ali dentro encontra-se a paina, material fofo que serve para encher as fronhas e formar os travesseiros. Os colchões eram feitos de palha de milho, desfia-se as palhas selecionadas e bem secas de milho e enche-se o colchão, fica um pouco barulhento no começo, mas depois de alguns dias vira um colchão normal. Os acolchoados podem ser feitos com as penas dos gansos, muito quente para o inverno, só é desaconselhável para quem tem alergia, mas isto já é outra história. As palhas de milho, também serviam para fazer as petecas para o lazer das crianças e até dos adultos; também é muito utilizada para iniciar o fogo no fogão à lenha, antes de colocar alguns chamiscos, colocava-se um pouco de palha desfiada. A palha do feijão na época da malhança era colocada em algum lugar para apodrecer e virar esterco para a horta

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servia também para fazer ninhos de galinhas; papai de HARRY gostava de colocar as palhas embaixo dos parreirais, pois além do esterco, ainda impedia que o mato crescesse, na época das colheitas das uvas estava tudo limpinho. Para malhar o feijão, papai de HARRY gostava de utilizar o cambau, consegue-se malhar uma grande quantidade, desde que o tempo ajude, pois precisa ter vários dias de sol para secar o feijão, dá bastante trabalho, aliás, a vida no campo não é fácil. Aqui está o segredo da vida no campo ser possível gastando pouco dinheiro, desde que seja possível a utilização dos recursos naturais disponíveis. Na cidade grande onde tudo sai dos supermercados e das lojas não é possível viver ganhando pouco, por isso a luta desenfreada e a concorrência acirrada em busca dos melhores empregos ou das melhores colocações; só que não há lugar para todos, alguns ficarão marginalizados, pois na média os salários darão somente para a cesta básica, ocorre que num lar existem muitos outros itens a serem providos, além da cesta básica. Conheci uma família que fabricava o seu próprio café, utilizando milho torrado e batata doce torrada, claro que não era igual o cafezinho puro e verdadeiro, mas dava para enganar. Uma coisa interessante no meio rural é a forma de conservação dos alimentos; hoje em dia a eletrificação já chegou a grande parte, mas nem sempre foi assim. Como conservar a carne para consumir daqui a algum tempo? Duas maneiras eram utilizadas, a defumação e também a fritura. A carne defumada ainda hoje nós encontramos até nas grandes redes de supermercados, mas a carne frita não. No caso da carne de porco, consistia em salgar bem a carne, depois fritar muito bem e acondicionar em vasilhas grandes e bem fechadas, guardava-se a carne com a banha que saiu

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da fritura, depois que esfria a gordura se solidifica, fica consistente, a carne dura por muito tempo sem estragar. Papai de HARRY contava que antigamente extraía-se muita erva daquela região, erva para fazer o chá-mate e o chimarrão, mas com o passar do tempo foram acabando com os pés de erva para dar lugar á outras plantações, os pés de ervas não eram cultivados, mas somente utilizadas as árvores nativas; com isso houve a quase extinção. A extinção dos pinheirais também é quase certa, pois só ia se derrubando, sem nunca ser replantado, afinal um pinheiro demora muito tempo para crescer. Teremos que plantar agora para que as futuras gerações venham a se beneficiar, é o que teremos que fazer daqui para frente. Surgiram na região algumas áreas de reflorestamento, mas só de pinus e eucaliptos, ora, mas o pinus é considerado uma espécie exótica, não é natural da região, portanto não pode ser considerado um reflorestamento, mas sim uma invasão. O problema do pinus é que onde existe uma plantação desta espécie, nenhuma planta nasce e se desenvolve, pois o pinus derruba suas folhas formando uma camada sobre a terra dificultando o nascimento de outras plantas. Já o eucalipto, segundo afirmam alguns resseca a terra, pois consome muita água.

COHAPAR VAI CONSTRUIR 76 CASAS QUILOMBOLAS EM ADRIANÓPOLISTexto extraído do Jornal Metrópole do dia 06 de Janeiro de 2010 (caderno imobiliário)

“O presidente da Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar), Rafael Greca, assinou segunda-feira (4) ordem de serviço para construção de 76 casas, em seis

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comunidades quilombolas em Adrianópolis, município do Vale do Ribeira, a 127 quilômetros de Curitiba”. O governo do Paraná vai cumprir o desafio inédito no País de construir casas em áreas de difícil acesso. Em alguns lugares, os carros só passam se não chover, em outros, apenas atravessando os rios em pontes feitas de troncos de árvores ou subindo e descendo morros “, descreve o presidente da Cohapar”.O canteiro de obras começa a ser montado nos próximos 10 dias, conforme informa o diretor de obras, Eduardo Quezada. São casas de 52 metros quadrados, com projeto arquitetônico que respeita as tradições quilombolas.

Falando em extinção, também sabemos que nesta região havia tucanos, graxains, gatos do mato, ouriços, bugios e outros animais; hoje já não existe, será que algum dia eles voltarão? Talvez o homem precise dar uma força para que eles voltem, criando uma reserva natural; ainda temos alguns lugares propícios para isso. Papai de HARRY, embora fosse muito cuidadoso com a terra, já não se pode dizer o mesmo sobre a fauna, tinha instinto de caçador, quando ia para a roça, carregava sempre a sua espingarda cartucheira e não podia ver um bicho que já atirava. Certa vez chegou em casa com um tucano morto a tiro; naquela época ninguém se preocupava com a preservação da fauna, os bichos eram tidos como inimigos, pois comiam as plantações, matava-se por esporte, a casca de tatu pendurada nas paredes eram como se fossem troféus. Contava-se que os bugios quando viam alguém com uma espingarda arrumavam as mãos como que pedindo a benção em sinal de misericórdia. HARRY certa vez também cometeu uma grande burrada, pegou um lindo

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jacu numa arapuca; não sabendo o que fazer com a ave, torceu seu pescoço e levou para casa para fazer uma cozinhada, mas para quê? Se todos tinham criação de galinhas, patos, marrecos e outros animais? Não é como os índios que viviam da caça e da pesca; não matavam para desperdiçar de maneira predatória. Hoje já é possível ver que a consciência ecológica também está se alastrando por aquelas regiões, vemos algumas placas indicando que é proibida a captura de insetos, pois eles não sobrevivem fora dos seus habitats naturais e também que é proibido aproximar-se demais dos ninhos dos pássaros, pois eles poderão abandonar seus ninhos, interferindo assim na multiplicação das suas espécies. Aos Domingos, o pessoal tinha o costume de ir às bodegas tomar cachaça e jogar sinuca, ir ao campo de futebol ou nas domingueiras na casa do João Maria. Para rezar o terço as três horas na igreja, a moça responsável tinha que ficar chamando, reunia-se muita gente na frente da igreja, mas para contar estórias, na hora da reza pouca gente participava. Tinha um Padre que era muito benquisto, muito carismático, o único defeito era ser palmeirense, não sei se foi por sua influência, mas vieram os missionários para evangelizar o povo da região, todos paravam suas atividades para participar das reuniões, no final da evangelização houve muita reconciliação, pessoas que tinham brigado fizeram as pazes, Deus tocou nos corações, não houve coração duro que não se aquebrantasse diante da pregação do evangelho. Disse que era um defeito do Padre ser palmeirense porque na região a maioria era colorado ou gremista, mas nada contra corintianos, palmeirenses ou atleticanos. Se houvesse mais pregadores do evangelho como aqueles missionários capazes de fazer parar uma comunidade inteira por alguns dias, talvez pudéssemos

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mudar algumas situações, até os males contra a natureza pudessem ser aliviados. Veja novamente o que diz o livro “O MASSACRE DA NATUREZA “ de Julio José Chiavenato pg. 121 Editora Moderna “ Não demorou e começaram a nascer crianças sem cérebro, abortos, problemas da pele, intoxicações várias e, mais que tudo a terrível degradação do meio ambiente”, “multinacionais e até empresas do governo lançavam no ar toneladas de poluentes”. Como se vê a poluição em suas variadas formas deve ser evitado, devemos pensar nas futuras gerações, o que deixaremos para eles como herança? Nós cidadãos conscientes devemos tomar atitudes, por pequenas que sejam no sentido de mudarmos a cultura do envenenamento. Os missionários aproveitaram para ensinar ao povo que João Maria de Agostinho foi um personagem histórico, e que deveria ser lembrado sim, pela sua importância, mas não como um santo, e mesmo que fosse santo, pois todos nós devemos procurar a santidade; mas deveríamos adorar somente a Jesus Cristo, pois foi somente ele que morreu por nós na Cruz do Calvário para o perdão dos nossos pecados. Os missionários aproveitaram, também para ensinar um novo cântico para o povo que traduzia bem aquilo que estavam pregando; este cântico ficou gravado na mente do povo, claro que a maioria só lembrava-se do refrão que era assim “Vós sois o Caminho, a Verdade e a Vida, O Pão da Alegria, descido do céu. Nós somos caminheiros que marcham para a Luz, Jesus é a Verdade, Verdade é só Jesus; por todo lugar que fosse, sempre tinha alguém recitando em vós baixa: Nós somos caminheiros que marcha para a Luz, Jesus é a Verdade, Verdade é só Jesus!”. Vós sois o Caminho, a Verdade e a Vida, O Pão da Alegria, descido do céu...

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PREPARATIVOS PARA A FESTA

A comissão organizadora da festa reuniu-se bastante tempo antes para decidir em que dia seria realizada a festa. Decidiram que de agora em diante duraria três dias, sempre com a celebração religiosa no dia três de maio; se o dia três de maio fosse antes do Domingo, aconteceria a celebração religiosa e no Domingo posterior aconteceria a confraternização. Se o dia três de maio fosse depois do Domingo, a celebração religiosa principal ficaria para depois do Domingo, mas nunca deixar a data passar em branco; afinal daqui para frente esta comemoração seria o símbolo do lugar, seria anunciada aos quatro ventos sob o céu; e que são três dias de comemoração para um povo que vive trabalhando os outros trezentos e cinqüenta e nove dias do ano? Todos concordaram, afinal é uma festa histórica, legendária até; contavam os antigos que quando João Maria de Agostinho passou no lugar tinha até um posso preferido para beber água e era conhecido como o Pocinho de São João Maria. Este personagem fez história na Guerra do Contestado, alguns historiadores contam que ele viveu por volta dos anos de 1844, chegou da Itália segundo conta o livro “Monge João Maria, Recusa dos Excluídos” de José Fraga Fachel, editora da UFRS E UFSC pág. 15. “Frei João Maria D’Agostinho veio de Piemonte na Itália, chegando à Sorocaba, São Paulo. Depois de algum tempo veio para o sul do Brasil, estando no RS, sendo expulso de lá é trazido para SC, esteve em vários lugares”. Na página 34 do mesmo livro lemos “O tempo de permanência do monge em Mafra é ignorado. Q eu caminhos tomou ninguém sabe. Se regressou á Lapa, ou se embrenhou pelas matas indo sair em Lages, continua

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a ser uma incógnita que jamais será resolvida, como muitos outros pontos da vida deste piedoso e misterioso personagem”. Ao lembrar-se do fundador da capela, nada mais justo que a Festa tome a forma como foi idealizada pelo fundador, o monge João Maria, a Festa deverá ser como a Festa do Campestre idealizada pelo mesmo personagem, na capela do Alto do Morro do Campestre em Santa Maria RS, antes de ser trazido para SC por ordem de força policial como um desordeiro e agitador, mas na realidade ele era um pacificador e o povo pobre encontrava nele um lenitivo para suas dores. No mesmo livro lemos sobre a Festa de Santo Antão na página 39 “No referido documento que o monge João Maria deixou” ao dos campestres”, “se carneará bastante à custa das esmolas para os pobres do lugar e concorrentes e devotos empregados do mesmo santo, bastante seja a comida e nenhuma bebida de licores”. Durante vários anos a Festa de Santo Antão se realizou de acordo com as recomendações e desejos do santo”Também decidiram que a festa voltaria a ser gratuita; não para todos, mas aqueles que não pudessem pagar também poderiam participar, afinal esta festa não é somente para arrecadar dinheiro, mas uma festa de confraternização de todos os moradores; um congraçamento que será a marca registrada do povo. Além dos festeiros convocados pela comissão organizadora também se abriu oportunidade para voluntários que quisessem trabalhar na festa. Desta forma criaram-se várias subcomissões cada uma com a sua finalidade. Além dos tradicionais angariadores de prenda que iam de casa em casa começando uns três meses antes para que não faltasse nada, também foram designadas as seguintes subcomissões:-Equipe de lazer e esportes

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-Equipe de recreacionistas-Leiloeiros-Concurso para eleger a Rainha da Festa-Miss Santa Cruz-Equipe de Guias para visitar as plantações de maçã -Equipe de Guias para visitar os campos verdes e azuis das plantações de linho e os batatais-Equipe de Guias para visitar os santuários das Borboletas Azuis, etc.-Concursos de piadas, causos e anedotas.-Coordenação de hikking-Coordenação de trekking

Os vários regulamentos foram apresentados à comissão organizadora e posteriormente aprovada pelo Pe. Remigio e dado a ordem para que fossem executadas. Várias pessoas fizeram inscrição antecipadamente para contar seus causos, charadas e anedotas. O prefeito da cidade fazia parte dos jurados e prometeu brincando que se aparecesse uma charada que ninguém conseguisse decifrar, além de levar o prêmio, ele o levaria para compadre. Foram construídos vários galpões com materiais renováveis oferecidos pela própria natureza para abrigar os festeiros e os visitantes. Chalés com cobertura de esteira de taquara e rodeado com bracatinga lascada, que foram plantadas há alguns anos atrás. Tinha gente dando a idéia de fazer uma construção de madeiras nobres, outros achavam que ficaria mais visível aos olhos dos visitantes se as construções fossem de alvenaria; principalmente aqueles que tinham interesse em vender tais materiais; mas como o espírito de sustentabilidade já estava começando a ser incutido na cabeça das pessoas, principalmente nas escolas, não demorou em que a idéia

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de construir chalés com materiais renováveis da própria região se concretizasse. Afinal, falavam alguns, a Festa é somente uma vez ao ano, para que investir em uma coisa que ficará todo o resto do ano sem usar, além do mais poderá ser usado por uns quatro ou cinco anos, dando tempo de a natureza se encarregar de repor aquilo que foi retirado. Criou-se até uma comissão a respeito dos espetos que seriam usados para assar o churrasco, antigamente eram usados espetos de madeira, de uns tempos para cá começara a trazer uns espetos de ferro, agora não sabemos qual é o melhor para a natureza. Alguns achavam que o melhor era usar espetos de ferro, pois assim não se derrubavam as árvores, outros já diziam, mas e o ferro como é que é feito? Será que igualmente não precisa devastar a natureza? Depois de uma longa discussão, decidiram usar os espetos de pau, afinal nós sabemos de onde vem e sabemos como plantar outra árvore no seu lugar e sabemos até quanto tempo vai demorar para crescer. A equipe de esportes e lazer entre outras coisa decidiu criar um campeonato de peteca, um campeonato de bocha e até um campeonato de cachola, antigo jogo que foi ressuscitado e pouca gente sabia o que era, mas os que sabiam se encarregaram de ensinar; o importante é manter viva a tradição diziam alguns. Escolheram as melhores cozinheiras da região para fazerem o melhor prato típico, aquele que seria o prato principal da Festa, foram selecionados três pratos que seriam escolhidos no dia da Festa, para serem adicionados as festas seguintes; entre os jurados estava também o seu Bastião, dono da churrascaria, afinal esse era conhecedor da arte culinária, pois quando HARRY trabalhava com ele , lembra que tinha gente que passava em Curitiba na hora do almoço, mas deixava para almoçar na sua churrascaria, nem que

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fosse as quatro horas da tarde; também era muito apreciado o seu café colonial servido pela manhã. Como foi decidido que a Festa era para todos, principalmente para os moradores do lugarejo; até para aqueles que não pudessem pagar, foi estabelecido que retirassem os tíquetes com no mínimo uma semana de antecedência, afinal a Festa precisa ser organizada e precisa ser feita uma previsão; e a pessoa que não pode pagar deve comprovar; e para isto a prefeitura cedeu uma assistente social. Mamãe de HARRY e muitas mulheres tinham por costume de fazer promessas e pagar com uma MESADA DE ANJO, esta prática consistia em reunir sete crianças escolhidas entre aquelas que fossem mais pobres e eram convidadas para um almoço; muitas aproveitaram a oportunidade para apadrinhar sete crianças e pagar a sua promessa na Festa; aproveitaram para incrementar ainda mais a cultura da solidariedade. Papai de harrry aproveitou a oportunidade para oferecer as crianças da festa e também aos adultos o seu refrigerante de limão feito em casa, como muitos aprovaram e queriam saber a receita ele explicou bem certinho a fórmula do preparo; disse que bastava ferver nove litros de água e esperar esfriar, juntando-se um kilo e meio de açúcar cristal e trezentos ml de limão espremido, junta-se a isto cascas raladas de um limão e meio, mas tem que ser ralado beeem fininho. Misture tudo e mexa até dissolver por completo o açúcar, deixe tampado por vinte e quatro horas e depois coe o suco em um guardanapo de pano. Agora é só engarrafar em garrafas bem limpas, pode ser as garrafas pet e deixar guardado por uma semana em lugar fresco, agora é só servir de preferência gelado. A iniciativa das mulheres de organizarem a MESADA DE ANJO aos poucos foi

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tomando conta do povo, deixando de lado um tanto da competitividade desumana que tem se tornado comum nos dias de hoje, em quase tudo existe competição, mas o que muitos querem talvez nem seja o melhor lugar, mas apenas uma colocação, um espaço junto à sociedade, um lugar a ser compartilhado de igual para igual, ao menos naquilo que seja básico para a vida. Havia um caseiro que trabalhava nas terras da igreja, era responsável pela limpeza do terreno ao redor da igreja e das construções que pertenciam à ela; o que o pessoal que freqüentava a igreja estranhava é que ele nunca participava das celebrações, zelava por tudo aquilo que era o dever de ofício, mas nada além disso e ainda costumava cantar um cântico diferente daquele que os missionários tinham ensinado. O pessoal observava que ele gostava de ensinar as crianças a cantar o seu cântico e os adultos aos poucos também foram aprendendo; o cântico era mais ou menos assim: Amanhã pode ser muito tarde, hoje Cristo te que libertar, vida ou morte qual vai aceitar, amanhã pode ser muito tarde, hoje Cristo te que libertar. Certa vez avistaram o caseiro saindo de uma igreja evangélica, daí entenderam o motivo que ele não participava das celebrações realizadas na Capela de Santa Cruz, mas não se importaram, afinal não tinham nada contra ele, além disso, já estavam até cantando os seus hinos e já nem sabiam mais quais eram ensinados pela igreja ou pelo caseiro. O caseiro foi convocado a trabalhar nos preparativo da Festa, aceitou com naturalidade, mas sempre que podia interrogava os responsáveis para que autorizassem a fazer uma reunião pública em sua casa, trazendo seus “irmãos”, como eram chamados aqueles que freqüentavam a sua igreja. O presidente da comissão organizadora sentindo-se incomodado com a atitude do

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caseiro resolveu falar com o Padre; o Padre por sua vez levou ao conhecimento do Bispo o qual lhe respondeu: Vivemos num país de pluralidade, pluralidade cultural; pluralidade racial e agora estamos caminhando para a pluralidade religiosa, além disso, somos contra a intolerância religiosa ou qualquer que seja a diferença. Como parte do concurso de causos e charadas, cada um foi preparando o seu melhor causo, a sua melhor charada para apresentá-la no dia da Festa. No regulamento das charadas dizia que o prêmio seria dado aquele que apresentasse uma charada que ninguém soubesse o significado ou que não conseguissem explicar de uma maneira bem clara para que todos pudessem entender; o prefeito era um dos jurados e havia prometido brincando que aquele que ganhasse o prêmio seria o seu compadre. Como a Festa está se tornando um símbolo da comunidade, as crianças da escola estão ensaiando o HINO NACIONAL, as igrejas estão ensaiando hinos religiosos, pois não há de ver que até o caseiro conseguiu autorização para reunir seus irmãos e realizar um culto e aproveitou para realizar bem no dia da festa, só fizeram um acordo para realizarem em horário diferente da Santa Missa; quando alguns questionaram o Bispo a respeito do assunto, ele respondeu: nós pregamos o ecumenismo, pregamos a solidariedade e justamente no momento que temos oportunidade de colocar em prática verdadeiramente deixaremos de fazê-lo?Alguns irmãos de fé do caseiro também se sentiram contrariados com a sua atitude e foram conversar com o seu pastor; o pastor respondeu à eles: Temos de levar o evangelho aonde o povo está; isto é uma grande benção e acrescentou: Conheço um livro que já relata a existência de uma capela ecumênica construída pela igreja católica e

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pela igreja luterana, também no livro “Monge João Maria de Agostinho Recusa dos Excluídos” de José Fraga Fachel, pg. 46 editora da univ. fed. de SC e editora da univ. do RS está escrito: “Protegendo a entrada da capela, há um alpendre, de telhas de barro, aumentando assim a capacidade de assistentes. A capela é ecumênica, pois foi construída pelas duas igrejas mais tradicionais do município: Católica e Evangélica Luterana”. Outras inovações para a Festa foram aos poucos sendo introduzidas, várias sugestões foram aceitas, entre elas a de tornar a festa um excelente ponto para àqueles que apreciam o turismo rural; tão em moda na atualidade, prepararam-se para atender as diversas caravanas que vieram de lugares distantes, e sabem para que? Para ver como é o processo artesanal da fabricação de farinha de milho; souberam que ali jazia uma oficina com vários monjolos e fornos com gente treinada para explicar todo o processo. Várias atividades foram pensadas para os três dias da Festa: tem muita gente que tem o interesse em saber o princípio do processo de fabricação de muitas coisas; como se faz o sabão, por exemplo, sabemos que hoje tudo foi melhorado, tudo foi aperfeiçoado, mas como foi que se iniciaram tudo isso? Saber é até uma questão de sobrevivência; sabemos que existem muitas Festas por aí, a venderem seus produtos prontos para consumir, mas quem se arriscará a ensinar suas fórmulas? Aqui vai ser diferente; esta vai ser a Festa da Solidariedade; a Festa da Amizade, da irmandade entre os povos, decidiram que esta será a PRIMEIRA GRANDE FESTA DA SUSTENTABILIDADE. Uma comunidade que sabe fazer boa parte daquilo que consome não precisa ter medo de ensinar aquilo que sabe à outras

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comunidades; todas se ajudando, nenhuma sendo refém da outra; algumas regiões do mundo se especializaram tanto em determinados produtos que guardam a sete chaves os seus segredos, vendem para o mundo todo, mas somente aquele produto, será que este é o caminho correto? Por enquanto tem dado certo, será sempre assim? É sabido e notório que quando a crise chega a uma localidade baseada em uma única atividade, proporciona uma desestabilização maior nas famílias e na sociedade em geral. Segundo um renomado neurologista em entrevista à jornalista Márcia Peltier na CNT da noite de 30/06/2009, ele disse que este século é o século do cérebro, disse ele que as crianças hoje em dia nascem com mais facilidades para aprender, pois tudo aquilo que o homem acumulou de conhecimento ao longo dos séculos, vai sendo armazenado e transferido geneticamente as novas gerações, isto se explica porque os mais novos têm facilidade em lidar com as novas tecnologias; disse ele que tem dificuldade até para acertar o seu relógio digital e para os seus netos é a coisa mais simples. Que tal utilizarmos esta facilidade que as gerações mais novas têm em aprender para ensinarmos os princípios de fabricação de muitas coisas que uma comunidade possa fazer para se tornar auto-sustentável? Cada comunidade sabe daquilo de que necessita, qual é a sua tradição, qual é a sua vocação. Muitos jovens por falta de perspectiva na comunidade onde vivem, tem procurado grandes centros, mas as cidades estão saturadas, não há emprego para todos; principalmente bons empregos, o que sobra muitas vezes são subempregos, muita gente desvia-se para a ilegalidade e para alguns não sobra alternativa a não ser viver do lixo dos mais afortunados. Citei linhas atrás o exemplo do monjolo, por achar que com ele se podem fazer muitas coisas, mas me veio à mente outro

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instrumento muito importante utilizado antigamente na moagem do milho que é a jorna (MÓ) Se tivermos condições de usarmos instrumentos sofisticados, eletrônicos e robotizados, vamos utilizá-los, mas desde que não sejam impostas de cima para baixo, abandonando nossos costumes, nossas raízes, nossas tradições. O que obriga o uso de altas tecnologias é a competitividade, e a competitividade tem gerado muitas desigualdades; é um processo onde poucos podem se beneficiar, a maioria atua apenas como meros expectadores; vamos deixar isto para o campo dos esportes, onde o atleta faz a adesão de livre e espontânea vontade, não é obrigado a participar, já a vida não nos dá esta escolha, precisamos viver, ou ao menos sobreviver, mesmo que não subamos ao podium para receber um troféu, todos temos direito à vida. A dona Armelina já estava começando a ficar impaciente; afinal ela estava louca para levar as meninas na Festa e perguntou. Como é, esta Festa sai ou não sai? Sai sim! Responderam todos. Mãos à obra pessoal. Como primeiras providências fizeram a relação dos contadores de causos: O primeiro da lista foi o papai de HARRY, ele contou o seguinte causo: Certa vez um viajante procurava trabalho, após vários dias procurando encontrou um trabalho para ganhar uma pataca por ano. Trabalhou três longos anos e após terminar o que havia combinado recebeu as três patacas e saiu rumo ao outro trabalho. Como era sozinho sentiu a falta de alguém para conversar, trocar idéias e até de caminharem juntos. Avistou ao longe um velhinho que vinha na mesma direção, resolveu esperar para seguirem juntos e após se cumprimentarem seguiram juntos, mas ninguém puxava conversa com o outro, e após uma longa caminhada o viajante falou para o seu companheiro: O senhor poderia me contar uma história ou uma piada para

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que a viajem não se torne um tanto enfadonho. O velhinho respondeu: dá-me uma pataca que eu te conto. O viajante topou e lhe deu uma pataca, então o velhinho lhe disse: Quem vê uma casa encontra um tesouro, e calou-se. Seguiu-se mais algum tempo e o viajante inconformado falou para o velhinho, o senhor me conta outra história? O velhinho respondeu: dá-me uma pataca que eu te conto, e o viajante lhe deu outra pataca; o velhinho então lhe disse: Quem vê a filha de um rei é príncipe, e calou-se. Caminharam mais um tempo e nada do velhinho continuar com a história. O viajante um tanto inconformado disse para o velhinho, me conta outra história? Se você me der uma pataca eu conto. Resolveu dar então sua última pataca para ver se finalmente conseguia arrancar do velhinho uma história completa. Então o velhinho falou: Quem vê uma coroa é rei e calou-se novamente. Depois de caminharem por um longo período o viajante já desgostoso resolveu separar-se do velhinho e seguiu sozinho por outra estrada, ao longe avistou uma casa e como já estava para anoitecer resolveu pedir pouso para continuar a viajem só no outro dia. O dono da casa lhe cedeu o pouso, depois de conversarem bastante, o viajante saiu na janela e avistou uma linda mansão, viu que as portas estavam abertas, perguntou ao dono da casa quem morava ali, o dono da casa lhe disse que não morava ninguém. Então o viajante disse: vou até lá para dar uma olhada, mas o dono da casa lhe disse, não vá porque lá ninguém consegue entrar, pois lá é uma casa mal assombrada. O viajante insistiu tanto que o dono da casa concordou que ele fosse, mas disse volte logo para o jantar. O viajante foi e quando se aproximou da casa viu uma linda mulher que o convidou para entrar, mas o viajante com medo não quis entrar, pois sabia que ali não morava ninguém, mas como a mulher era

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muito bonita e estava insistindo para entrar resolveu garrar coragem e entrou. A moça disse: graças a você consegui me desencantar, pois estou aqui aprisionada há vários anos, e como ninguém tinha coragem de entrar eu continuava aqui; eu sou a filha de um rei e agora como prêmio vou me casar com você e este castelo será seu também. Quando a moça terminou de falar ele olhou para o fundo e viu um trono no qual havia uma coroa de ouro que a filha do rei lhe deu, porque como seu pai já não existe mais, aquela coroa seria para ele. Assim cumpriu-se a profecia do velhinho e a recompensa pelos seus três anos de trabalho árduo no qual havia recebido três míseras patacas. O segundo a contar um causo foi o Franco da Dona Luiza; disse ele: Havia um rapaz muito encabulado que arrumou uma namorada, foi convidado para ir almoçar na casa da amada, mas para ver se perdia um pouco da vergonha resolveu ir a um restaurante, mas também não conhecia o nome dos pratos para pedir ao garçom. Resolveu então observar seu vizinho de mesa; tudo o que seu vizinho pedia ao garçom, ele falava: traz-me um deste também; foi indo muito bem até que o seu vizinho falou para o garçom: por favor, garçom, me traz um paliteiro pra mim, então o moço falou ao garçom, traga um deste pra mim também, então o garçom lhe respondeu, eu trago um já serve para os dois, então o moço lhe disse, não, mas ele come o dele e eu como o meu Quando chegou o dia do almoço na casa da namorada, sentaram-se a mesa e ele arrumou-se na cadeira, colocou a camisa que estava com uma ponta para fora da calça e almoçaram. Quando chegou na hora da sobremesa foi servida uma jarra de coalhada (iogurte), ele inclinou a jarra de coalhada e saiu mais que a quantidade prevista espirrando bem na cara da futura sogra que estava bem a sua frente. E, no atrapalho

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acabou derrubando a colher no chão, ao se abaixar para juntar a colher, bateu a testa na borda do prato e o prato caiu bem na suas costas; não agüentando a situação, resolveu dar no pé, pegou e saiu correndo, só que quando ele havia arrumado a camisa dentro da calça, sem perceber colocou também a ponta da toalha de mesa; resultado: saiu arrastando as panelas que estavam sobre a mesa.Após estes causos seguiram-se outros; as charadas que tinham contado no pixirum também participaram da festa, já que ninguém tinha dado a resposta até agora, vamos ver se aparece alguém para decifrar. Apareceu alguém que conseguiu decifrar a charada da pita contada pelo seu Joaquim da dona Bina: A pita era uma cachorrinha que morreu envenenada porque alguém queria matar o seu dono, seu dono ao invés de comer a comida destinada a ele desconfiou e deu a comida para a cadela para tirar a dúvida, acabou jogando ela na água depois de morta. Alguns corvos estavam rodeando a cadela para comer sua carniça, o dono da cadela pegou sua espingarda espalhadeira de chumbo e atirou no corvo que avistou, mas acabou matando os demais que ele ainda não tinha visto, no total eram sete, como sua fome era muito grande, pois havia dado a comida para a cadela, resolveu fazer um fogo e assar a carne de um corvo para comer, após comer sentiu muita sede, não tendo água para beber resolveu cortar uma taquara e beber a água que encontrasse dentro dos seus gomos, esta é a solução do enigma da história da cadelinha pita. Alguém também desvendou o mistério da outra charada contada no pixirum, Ontem fui filha, hoje sou mãe, tratando de filhos alheios, marido de minha mãe.

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Disse que o mistério é o seguinte: seu pai estava preso, e para ajudar a alimentar o seu pai na cadeia, colocava alimento na mamadeira e então dava um jeito de introduzir pelas grades, mas esta charada já está muito fácil, pois quase todos já sabem. Na charada que Sebastião Gole tinha contado, apareceu outro que disse que sabia o que era, respondeu que era uma flatulência; os jurados se entreolharam e o povo também, mas ninguém sabia o que era. O regulamento dizia que a resposta tinha que ser numa linguagem que o povo entendesse, e só ganharia o prêmio a charada que ninguém pudesse decifrar o significado. Então pediram para o rapaz explicar melhor com palavras que o povo entendesse, mas quando subiu no palco para falar, observou as moças; senhoras e as autoridades e quando foi para dar a resposta seu rosto avermelhou e só conseguiu falar que era um P... Como não conseguiu explicar, o prêmio foi para o Sebastião Gole, autor da charada. Sebastião Gole gostou do prêmio, mas o que ele mais gostou foi que o prefeito havia prometido que levaria para compadre aquele que contasse a melhor charada e sua esposa por sorte estava grávida. A corrida com argola de fogão e o tiro ao alvo com pistola de sabugueiro e o fruto do bubu ficou a cargo dos piás do Miguézinho, o Orlandão organizou um campeonato de futebol, inclusive com um torneio entre os times locais vesus times de turistas; os piás do Gomercino ficaram encarregados de fazer os pelotes de barro para as setras, só que não foi para matar os passarinhos, mas para praticar tiro ao alvo num local apropriado. A parte cultural ficou a cargo da Dona Terezinha e da Dona Argentina, diretoras dos colégios. Para tocar na Festa tiveram que ir buscar uns gaiteiros bons lá no Riodazanta, pois parece que os que tocavam na

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Festa antigamente já foram embora. Assim deu-se inicio juntamente com a tradicional Festa de Santa Cruz a Grande Festa da Sustentabilidade, com direito a show pirotécnico, fanfarra escolar; a criançada já sabe de cor e salteado o Hino Nacional, o Hino do Estado e até do município. Deu-se um fato curioso; como era a Primeira Festa da Sustentabilidade, o povo e os visitantes ainda não estavam inteirados do assunto, não sabiam que na festa estava proibido o uso de embalagens descartáveis, daquele que poluem o meio ambiente, só era permitido o uso de embalagens retornáveis, quem quisesse tomar um chope poderia levar o seu caneco de casa, mas como não sabiam, foram nas vizinhanças procurar um recipiente valioso, como veio muita gente, tinha alguns que estavam até mesmo usando as mamadeiras dos seus filhos para colocarem o líquido precioso, estavam literalmente mamados. A Dona Ervíria quando viu aquilo ficou apavorada e disse “ crendiospai”, bem que São João Maria quando vivia no mundo dizia que ia chegar um tempo que ia acontecer muitas coisas estranhas, mas isto que eu estou vendo, acho que nem ele sabia. O Anastácio ficou encarregado de organizar a feira de produtos da região; todos orgânicos naturalmente, foi outra confusão, pois muitos esqueceram de levar sacolas e vasilhas para transportar os produtos; os cesteiros e balaieiros que lavaram a égua, pois venderam todo o seu estoque. Inventaram também um bondinho à cavalo para quem quisesse conhecer a região, também poderiam alugar um cavalo e fazer parte da comitiva, foram até a água mineral, uma fonte que fica numa gruta, uma água diferente, tem um gosto estranho, passaram também por um moinho movido a água, pois as criançadas queriam ver como funcionava um moinho movido a água e que ainda gerava

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a sua própria eletricidade. Passaram por uma plantação de tabaco, uma plantação de linho e uma roça de milho, onde havia várias bandeiras, pois estava na época da colheita, bonito para tirar foto, de longe é claro, pois entrar no meio deste capinzal não é fácil, disse um que já conhece o serviço de quebrança de milho; quando chega a noite e vai se lavar, o corpo arde todinho, dá uma alergia no coro da gente, disse ele. Este senhor foi explicando também que antigamente a colheita de feijão era um trabalho muito duro, pois ainda não existia a trilhadeira; a malhança era feita na base do cambau, e tinha de ser em dias de sol bem quente, chegava a encharcar a camisa de suor, quando chegava a noite, nem esperava para escutar o Programa do Edgard de Souza na Rádio Nacional; comia, lavava os pé e caía na cama. Como este senhor gostava muito de conversar contou que por esta região antigamente passava muitas tropas, e ainda existem vestígios destes antigos caminhos. Quando voltaram do passeio, já estava na hora da Missa de Ação de Graças, e logo após haveria o resultado dos concursos, o Culto Evangélico fora pela manhã. Um rapaz ficou admirado com uma vala que passava no meio de um roçado de tigüera e perguntou o que era aquele buraco parecendo uma estrada, o senhor respondeu que realmente era uma estrada, era o caminho das tropas que por muitos anos passou por ali e chegou a afundar o terreno, mas faz tantos anos que em alguns lugares até já cresceram árvores. Contou também que antigamente se engordava porco somente a custa de pinhão e tudo solto, nem precisava de chiqueiro; enquanto ele falava, as crianças se distraiam admirados comendo guamirim, que frutinha gostosa, falavam eles. Contou ainda que com a chegada da estrada de ferro, o governo cedeu as madeiras e os pinheirais para que as companhias

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derrubassem, uma dessas companhias era a SOUTHERN BRAZIL LUMBER AND COLONIZATION COMPANY(Livro, Sangue, Suor e Lágrimas no Chão Contestado de Nilson Thomé- INCON EDIÇÕES Pg.56) disse que os caboclos da região eram expulsos de suas terras, foi uma das razões por que explodiu a Guerra do Contestado. Um rapaz ficou admirado com uma vala que passava no meio do roçado e perguntou o que era aquele buraco parecendo uma estrada; o senhor respondeu que realmente era uma estrada, o caminho das tropas que por muitos anos passou por ali e chegou a afundar o terreno, mas faz tantos anos que em alguns lugares até já cresceram árvores dentro. Antigamente se engordava porco só a custa de pinhão, disse ele, e tudo solto; enquanto ele falava as crianças se distraíam admirados comendo guamirim, que frutinha gostosa! Chegaram bem na hora da apresentação dos grupos folclóricos ucranianos e poloneses; tinha um senhor já de bastante idade que era chamado de babuxo, meio irritado com a música, estava gesticulando e falando, “larguem desta gaita e toquem arabeca, senão coreripa”, a sua filha Florca que tinha feito um prato a base de tatarca para o almoço da festa disse para o seu pai: eles não sabem tocar arabeca, aí seu pai lhe respondeu” pra mim eles são tudo unsburo,” tão cobrando barrato, mas não servem nem pra tocaosrato” Papai de HARRY que não era muito chegado à festas, pegou seus dois cachorros, o bolero e o bichano, colocou a cartucheira nas costas e foi para o mato, mas quando estava na metade do caminho lembrou-se que tinha feito uma promessa pro Monge João Maria que nunca mais ia matar um bichinho, pois sabia que o Monge era devoto de Santo Antão e Santo Antão era padroeiro dos animais, ficou com medo de ser castigado. Papai de HARRY olhou

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para o sol e calculou que já deveria ser umas três horas, apressou-se para chegar a tempo de assistir ao encerramento. Enquanto caminhava começou a meditar se esta pequena festa fosse um exemplo para os dirigentes das nações; pensou como seria bom se os milhões de dólares que são gastos em armamentos, fossem gastos na construção da paz, pois soube pela televisão que para cada ser humano existente na terra, existe nada menos que quatro toneladas de dinamite, pensou também na fortuna que são pagos a alguns jogadores, para que tanto dinheiro para uma única pessoa?, raciocinava ele; e tem mais, porque o poder público precisa mobilizar verdadeiros batalhões nos dias de jogos?, pois para o povão, os torcedores, o que sobra é a raiva e a tristeza da derrota ou a euforia da vitória, ambas se transformam em enfrentamento de torcidas e pancadarias, talvez seja necessário que os clubes ensinem as suas torcidas que esporte não é guerra, e o que seria para ser uma coisa saudável, está se tornando um dos motivos para os baderneiros extravasar suas neuroses. Antigamente alguns filósofos diziam que a religião era o ópio do povo, será que na atualidade não são os jogos que estão alienando as pessoas? Já se dizia que bastava dar pão e circo para o povo, mas parece que estão esquecendo o pão e dando somente o circo. Papai de HARRY já estava quase fazendo um discurso sozinho, somente para os passarinhos ouvirem, como fazia São Francisco, aí se lembrou que tinha assumido um compromisso com a limpeza do final da festa, ficou encarregado de juntar todo o material que foi jogado, principalmente aqueles que guardam água da chuva, pois foi orientado que a dengue está se alastrando e a sua reprodução se dá em água que o mosquito encontra para depositar seus ovos; havia lido num cartaz que o

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nome do mosquito era Aedes Egypty. Antes de chegar à festa tirou uma carta do seu bolso que recebera do seu filho HARRY que estava trabalhando na cidade grande, havia recebido um dia antes, mas com a correria da festa, acabou esquecendo, também já imaginava, por que seu filho só escrevia quando estava precisando dele: “ Querido Papai”Quanta saudades sinto do senhor! Agradeço o convite para participar da festa, mas não posso ir, não desta vez, pois tenho que trabalhar, aqui na cidade a gente tem que trabalhar o dobro, tem que trabalhar Domingos e feriados, além disso, estou devendo a fatura do meu cartão de crédito, os juros são muito altos quando a gente atrasa o pagamento, chegam a cobrar até quatorze por cento ao mês de juros, se o senhor puder me ajudar , eu agradeço!BeijosSeu filho HARRY

Papai de HARRY guardou a carta indignado, não com seu filho, mas com as administradoras dos cartões de crédito e os bancos; seus pragas, disse ele! Quando os colonos colocam seu dinheirinho no banco, só querem pagar meio por cento ao mês, mas os cartões de crédito podem cobrar até quase quatorze por cento ao mês quando atrasa um pouquinho, isto é um absurdo! quatorze por cento ! Isto é demais! E normalmente os bancos e as administradoras dos cartões fazem parte do mesmo grupo!O carroceiro falou para as crianças; calma que já estamos quase chegando de volta à festa, mas um jovem perguntou ao carroceiro, o que é um barbacuá? Um barbacuá é um equipamento usado na moagem da erva-mate e do chá, temos um aqui perto, já está desativado, mas se quiserem podemos dar uma passadinha lá. O jovem pegou sua

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câmera digital e lá se foram conhecer o barbacuá; viram que tinha um enorme eixo cheio de dentes e ficava inclinado a mais ou menos em trinta graus, isto é para que vá rodando e os dentes não arrastem, apenas batam na erva ao girar quando o cavalo puxar. Notaram que para o cavalo poder puxar ficava dando voltas ao redor, por várias e várias horas, coitado! Deram-se por satisfeitos, já estavam cansados, perderam parte do encerramento da festa, mas não se arrependeram, aproveitaram bem a ida até a água mineral, conheceram o moinho movido a água e o barbacuá. Os alunos da oitava série do ginásio normal já estavam cantando uma canção para homenagear os visitantes: “Fica sempre, um pouco de perfume, nas mãos que oferecem rosas, nas mãos que sabem ser generosas... dar um pouco do que se tem , ao que tem menos ainda, enriquece o doador, faz sua alma ainda mais linda...”

Entre outras,a câmara de vereadores do município aprovou por unanimidade a proposta do vereador da localidade de tornar a Festa de utilidade pública e com a municipalidade participando ativamente, aprovaram a compra de uma área nas redondezas, daqueles que quisessem vender de livre e espontânea vontade; a área deveria ficar do tamanho da Igreja do Campestre, onde o Monge João Maria tinha construído sua capela. Na Missa de Ações de Graça e Encerramento da Festa ao contrário da Missa de Abertura, onde a procissão iniciou-se na Praça Central e foi em direção a Capela, o encerramento saiu da Capela e foi em direção a Praça Central; os cânticos foram ouvidos pelos irmãos de fé do caseiro que também estavam reunidos; falaram eles, estão cantando o nosso cântico, e começaram a cantar; foram se

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aproximando e se encontraram na praça, agora todos cantavam a uma só voz:

O Pão vai converter-se, no Corpo de JESUS, e o vinho será o Sangue, Que derramou na Cruz,...E o vinho, será O Sangue, que derramou na Cruz...

Enquanto o pessoal estava voltando do passeio, algumas crianças iam pegando na beira do caminho algumas frutinhas para comer; entre elas a frutinha de São João, a capota, o juá, e a amora; os mais velhos também iam relembrando do tempo que saíam juntando algumas saladas no meio do caminho; entre elas o mentruz, o dente-de-leão, abeldroega e a serralha, mas tudo deve estar bem novinho, falava papai de HARRY. Alguns ainda lembraram-se do tempo que comiam brotos de varaneira refogado com ovos, bebiam pica-pau e comiam pixé; a vantagem da varaneira é que nunca seca, pois pode cortar quantas vezes quiser que ela sempre brota, comentavam eles. Papai de HARRY contou que tinha uma família de origem ucraniana que moravam na região e eram seus amigos e vizinhos mais próximos, aproximadamente uns oito quilômetros; até foram no casamento de uma de suas filhas, a Verônica; quando teve o casamento, várias carroças e os cavalos foram enfeitados, colocaram toldos em caso de chuva e sol muito forte e escolheram as carroças que tinham bancos de mola para amortecer a trepidação. Devido às descidas serem muito íngremes, as carroças tinham que ter dois breques, um para as rodas dianteiras e outro para as rodas traseiras, cada carroça precisava da força de quatro cavalos, pois na chegada da sede do município, onde está localizado o cartório tem um morro e com a carroça cheia de gente , dois cavalos são

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´poucos. A Nhá Sinhana sabia curar de doença de minguá, diziam que ela tinha mais de cem anos; ela costumava contar que já tinha assistido a três secas de taquara, e os taquarais secam em média a cada trinta anos, ela já estava a caminho de assistir a quarta seca de taquara; época que aumenta muito a quantidade de ratos, a quantidade de sementes que caem no chão atrai muitos ratos, trazendo inclusive o perigo da leptospirose, doença causada pela urina dos ratos. O cachorro de papai de HARRY chamado bolero morreu de tanto comer ratos, não vencia comer os ratos que apareciam na sua frente, com o passar do tempo foi secando, secando e morreu. Falando em morrer, lembrei-me de outra estória contado pela dona Luíza; ela disse que certo dia um homem passou mal e foi ao médico, chegando lá o médico perguntou a sua esposa o que tinha acontecido, pois o homem já havia morrido aí ela falou que seu marido comeu “garrolê”, aí o médico não entendia que tipo de comida era então ela falou: não doutor, ele comeu, depois pegou o jornal e garrolê. Dona Luiza era mesmo uma contadora de causo; contou também que uma mulher foi à missa e na hora da leitura do catecismo, pegou o mesmo e estava olhando o catecismo de cabeça para baixo, sua vizinha percebeu e avisou-a, então ela respondeu, “foram as crianças que viraram lá em casa”. Até a Diretora da escola sabia receitar alguns remédios para a criançada, certa vez orientou a criançada que chegassem em casa e pegassem um maço de folhas de pessegueiro, cozinhassem e depois lavassem os pés para que não pegassem bicho de pé e deu resultado. Para não dizer que o passeio até a água mineral correu a mil maravilhas, um guri daqueles que acompanhavam a turma subiu num barranco para pegar uns galhos de uva Japão que havia caído no chão e enroscou o pescoço num galho

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de nhapindá, fazendo um arranhão; outro incidente também foi quando uma menina encostou o braço num bicho cachorrinho deixando um vermelhidão, por sorte ela não era alérgica a taturanas e bichos felpudos. Alguns moradores eram bastante religiosos, tinham o costume de guardar todos os Dias Santos, além de guardar o dia de Santa Cruz, também, também tinham o costume de guardar as oitavas, que correspondia ao próximo dia após o Dia Santo. Tinha um dia no ano que também havia uma hora variante, como ninguém sabia qual era a hora, para se prevenir era melhor não trabalhar hora nenhuma naquele dia, diziam que era muito perigoso. Na realidade os caboclos não tinham a necessidade de trabalhar para acumular riquezas e sim para se manter, vendendo o excedente. Nas cidades, isto não é possível, pois as fábricas precisam vender, haja ou não a necessidade de um produto; precisam pagar os funcionários, os aluguéis, os impostos, etc. Sendo assim, quando o mercado está abastecido de um determinado produto ou está sendo substituído por outro, o único jeito é inovar, assim estão surgindo, por exemplo, sapatos com ventilador, sapatos com lixa, sapatos que crescem com o tamanho do pé, etc. Nas cidades também não há mais nem lugar para se colocar os lixos, sendo assim os países desenvolvidos já estão exportando seus lixos para os países mais pobres, aqui no Brasil já aconteceu de receberem lixo proveniente da Inglaterra dentro de um navio. Esta Festa acontece num reduto de paz, longe dos conflitos conflagrados na Guerra do Contestado, talvez seja este o motivo do monge João Maria ter escolhido este lugar para plantar suas cruzes, preanunciando que ali muito próximo, aconteceria a primeira tentativa de paz realmente possível, pois é ali nas margens do Rio Itajaí do Norte, na estrada da Iracema que

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estava o Reduto dos Tavares, onde o Major Taurino Rezende, das Forças Legais, obteve permissão do Alto Comando, para se encontrar com o bandoleiro que liderava um dos grupos que eram chamado de “fanáticos”. O objetivo da Festa foi alcançado, aqueles que outrora desmatavam, agora estão envolvidos em recuperar as áreas degradadas, também já estão utilizando novas técnicas para reduzir a quantidade de venenos nas plantações. Foi construído um Grande Pavilhão em alvenaria no formato das pétalas de uma flor, no grande portal foi colocado permanentemente um calendário e um tutorial com as épocas certas do plantio e colheita dos principais produtos da região, muitos filhos da terra que tinham saído, agora estão voltando, o tempo urge, nas cidades estão acontecendo algumas fusões e aquisições predatórias, muitos ficarão desempregados, e para onde irão? Papai de HARRY já falava, “é o grande, engolindo o pequeno”.

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