O Registro do Paraibuna: trajetória de um processo de...
Transcript of O Registro do Paraibuna: trajetória de um processo de...
1
O Registro do Paraibuna: trajetória de um processo de tombamento
Vera CHACHAM∗
Figuras1:O Casarão do Registro do Paraibunafotografado a partir da rodovia antiga rodovia Juiz de Fora-Rio de Janeiro. Fonte: fotos da autora para o processo de tombamento.
Situado no Município de Simão Pereira, o casarão do Registro do Paraibuna é, ao que tudo indica,
o último sobrevivente dos registros utilizados pela Coroa Portuguesa para evitar os descaminhos
do ouro nas Minas Setecentistas.1
O Registro foi construído na fronteira natural entre o Rio de Janeiro e Minas e foi esta localização
geográfica o que fundamentou o perímetro de proteção abarcado na proposta do tombamento do
IEPHA – MG, que inclui a ferrovia situada quase à beira do casarão. Tem-se assim uma situação
na qual vemos tornarem-se explícitos dois discursos e práticas que caracterizam a história da
proteção ao patrimônio: de um lado a ampliação da noção de patrimônio e de outro uma reação
que se utiliza de um antigo argumento: o de que o tombamento prejudicaria o desenvolvimento
econômico nacional.
Invisível para a política de proteção ao patrimônio durante quase sete décadas, o Casarão do
Registro do Paraibuna teve o seu processo de tombamento provisório (realizado pelo Instituto
∗ProfessoraVisitante no Departamento de História da FAFICH\UFMG naÁrea de conhecimento: PatrimônioHistórico e Cultural - Museus e Centros de Ciências, no ano de 2013; Diretora de Proteção e Memória do IEPHA-MG,entre 2008 e 2010, periodo no qual o Casarão do Registro do Paraibunarecebeu a proteção do tombamentoprovisório. 1RESENDE, Maria Efigênia Lage e VILLALTA, Luiz Carlos. As Minas Setecentistas. Belo Horizonte: Autêntica; Companhia das Letras, 2007.
2
Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico –IEPHA-MG) aprovado em novembro de 2010 pelo
CONEP-MG.
O Registro foi construído estrategicamente, na fronteira natural entre o Rio de Janeiro e Minas – à
margem esquerda do Paraibuna, de frente para a “Pedra do Paraibuna”-, e foi esta localização
geográfica do Registro do Paraibuna que fundamentou a dimensão –paisagística-do perímetro de
proteção abarcado na proposta do tombamento do IEPHA: a perspectiva que se possui a partir do
casarão pode nos dar uma clara ideia da sua antiga função de vigilância: das suas janelas tem-se
um panorama que abarca o rio e a montanha, o possível caminho de quem vinha do Rio de
Janeiro para as Minas Gerais.Assim, a proteção recebida pelo Registro abarca a paisagem, que
atualmenteinclui a rodovia e também o ramal ferroviário, situado quase à beira do casarãoe que
faz tremerem suas estruturas a cada passagem do trem.
O advento do Registro do Paraibuna como patrimônio - a possibilidade do seu tombamento- é um
exemploda capacidade da ampliação da noção de patrimônio cultural. Provavelmente último
sobrevivente material de um sistema de controle fiscal do Brasil colôniaespecifico das regiões
auríferas, o registro torna-se relevante em termos patrimoniais – digno de preservação- somente
quando corre sérios riscos de desaparecimento.
Em O ouro brasileiro e o comercio anglo-portugues, o historiador Virgilio Noya Pinto sintetizou da
seguinte forma o papel dos registros:
Para exercer sua ação fiscal, criou a Coroa nos pontos chaves das rotas de penetração para a região mineira –os registros- que, para além da função fiscalizadora sobre a quintagem do ouro, funcionavam também como postos fiscais para a cobrança de impostos como o de passagem e entrada (p.66).2
Em termos especificamente historiográficos, os registros tornaram-se relevantes - como origem
das fontes consultadas sobre o comércio colonial- já nas décadas de 1950 e 1960. Em
Contribuição ao Estudo do Abastecimento das Áreas Mineradoras do Brasil no Século XVIII, de
1961, Myriam Ellis destaca a importância dos Registros na história tributária do Brasil:
Os “Registros”, estabelecimentos fiscais, verdadeiras alfândegas que, postadas à beira das vias terrestres ou fluviais, para os territórios auríferos do país, tinham por fim arrecadar os direitos de entradas naquelas regiões, direitos pertencentes à Coroa ora administrados pela Fazenda Real, ora arrematados por contratadores.3
2 NOYA PINTO, Virgílio. O ouro brasileiro e o comercio anglo-português: uma contribuição aos estudos da economia atlântica no século XVIII. São Paulo:Cia. Ed. Nacional; Brasília: INL, 1979, 346p.: il.- (Brasiliana; v.371). 3ELLIS,Myriam.Contribuição ao estudo do abastecimento das áreas mineradoras do Brasil no século XVIII. Rio de Janeiro:Ministerio da Educação e Cultura, Serviço de Documentação, 1961. (Cadernos de Cultura;v. 124); p. 12.
3
Embora a historiografia já viesse colhendo importantes informações anteriormente produzidas nos
registros, o valor do registro como bem cultural a ser preservado é bem recente.Pois do ponto de
vista do órgão de preservação, o valor atual do registro não se encontra nem somente no registro
–o velho casarão- e nem somente na paisagem –o rio e as montanhas, o entorno-, mas na
relação, complementar, entre os dois. Inicialmente, no processo detombamento, é apenas o
registro que merece interesse.Contudo, no decorrer do próprio processo, a paisagem
circundantetorna-se parte do valor histórico do registro e parte do perímetro a ser tombado. Afinal,
se o papel dos Registros era de vigilância e controle, sua localização seria fundamental para se
compreender sua função.
Com efeito, a localização dos registros era mesmo fundamental no contexto em que são utilizados
como “alfândegas internas”: e encontravam-se literalmente no mapa, ou mapas, da Capitania de
Minas Gerais.
No “Mapa de Capitania de Minas Gerais nos fins da era colonial”, elaborado por José Ferreira
Carrato,4 os registros, assim como os quartéis, são representados por um triângulo invertido. No
“Mapa de toda a extensão da Campanha da Princeza, feixada pelo Rio Grande, e pelos registos
que limitão a Capitania de Minas”, de 1799, ainda que se trate de um mapa em que somente
estão incluídos os “registos” na fronteira da Capitania de São Paulo e Minas – o “Registo” de
Caldas, o Registo de Tolledo, o Registo de Jaguari, o Registo da Mantiqueira-, percebe-se a
importância da referência simbólica(uma janela ou porta gradeada) por meio da qual se tem ideia
da sua função de vigilância e controle.
Especificamente no que diz respeito ao nosso registro, o do Paraibuna, sua localização é objeto
de minuciosa descrição na Corografia Histórica da Província de Minas Gerais (1837). Raimundo
José da Cunha Matos, ao falar da natureza do terreno (relevo e geologia) da Província de Minas
Gerais, destaca que
A Província de Minas Gerais parece ser a mais montanhosa e elevada do Brasil, depois da Serra dos Parecis, de Mato Grosso, e dos Caiapós e Pireneus de Goiás. (...) (...) A elevação da Província, conforme as observações barométricas, é desde 800 a 6300 pés. O lugar em que tem 800 pés fica na passagem antiga do Registro do Paraibuna. O mais elevado, de 6.300 pés, é no Pico do Itambé (ou Itambi) da Vila do Príncipe, sendo a elevação média de toda a Província acima do nível do mar 3.500 pés (medida inglesa) (...).5
4Acessível no site do Arquivo Público Mineiro. Fundo: COLEÇÃO DE DOCUMENTOS CARTOGRÁFICOS DO ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO – APM. Título: [MAPA DA CAPITANIA DE MINAS GERAIS]Autoria: CARRATO, José Ferreira. Dimensões: 35,0 x 39,5 cm. 5 MATOS, Raimundo José da Cunha.Corografia Histórica da Província de Minas Gerais (1837), p. 199-200.
Talvez a localização da antiga passagem do Paraibuna
uma mudança de lugar do registro
história do registro é a construção de uma ponte entre as duas margens do Rio Paraibuna, rio que
o autor descreve em toda a sua extensão:
(...) o segundo braço do Paraibuna é o Rio do Barros (...). Este Rio de Barros passa a pouca distância do Registro de Matias Barbosa, quais é a do Largo do Pita. Os Rios Preto e Barros incorporamPonte do Paraibuna, e pouco depois se perdem no dito Paraibuna, que daqui corre muito caudaloso, a passar pelo meio da grossa pconcluída no ano de 1825 pelo Coronel de Milícias José Antônio Barbosa.
Figuras 2 e 3: À direita, a paisagem da Pedra do Paraibuna, do rio Paraibuna e da ponte vista das janelas do casarão. as janelas de onde é possível acessar essa paisagem.
A descrição de Cunha Matos funciona como um mapa,
natureza e seu domínio eram
importantes para encurtar e abrandar a viagem:
Esta ponte tem quatro pilares comprimento: 377 palmos; largura: 20 palmos; o maior dos cinco vãos ou arcos1\2 palmos. Junto a ela se acham antigo lugar da passagem deste rio ponte: com a construção desta, encurtouaté à Rocinha da Negra, e evitaramPaiol e Rocinha da Negra. Mas há a passar a elevada Serra das Abóboras, pouco distante e ao sul do Paraibuna, a qual se procura melhorar por meio de caque façam mais doce a subida e descida da mesma serra, cuja passagem mais dificultosa apenas terá um quarto de légua de extensão.
6CorografiaHistórica da Província de Minas 7Id.ibid.
Talvez a localização da antiga passagem do Paraibuna nos ajude a compreender
uma mudança de lugar do registro, para um lugar mais elevado. Outra transformação relevante na
stro é a construção de uma ponte entre as duas margens do Rio Paraibuna, rio que
o autor descreve em toda a sua extensão:
(...) o segundo braço do Paraibuna é o Rio do Barros (...). Este Rio de Barros passa a pouca distância do Registro de Matias Barbosa, tem várias pontes, a mais considerável das quais é a do Largo do Pita. Os Rios Preto e Barros incorporamPonte do Paraibuna, e pouco depois se perdem no dito Paraibuna, que daqui corre muito caudaloso, a passar pelo meio da grossa penedia em que está formada a extensa ponte concluída no ano de 1825 pelo Coronel de Milícias José Antônio Barbosa.
paisagem da Pedra do Paraibuna, do rio Paraibuna e da ponte vista das janelas do casarão. essa paisagem. Fonte: fotos da autora para o processo de tombamento.
funciona como um mapa, por meio do qual percebemos o qua
natureza e seu domínio eram fundamentais. A ponte e os novos edifícios do Registro
encurtar e abrandar a viagem:
Esta ponte tem quatro pilares de pedra e o trânsito de madeira é comprimento: 377 palmos; largura: 20 palmos; o maior dos cinco vãos ou arcos
2 palmos. Junto a ela se acham os novos edifícios do Registro ou Alfândega Interna.antigo lugar da passagem deste rio era meia légua abaixo daqueleponte: com a construção desta, encurtou-se 1 e 1\2 légua de caminho daté à Rocinha da Negra, e evitaram-se os ásperos desfiladeiros do Farinha, Cachoeira, Paiol e Rocinha da Negra. Mas há a passar a elevada Serra das Abóboras, pouco distante e ao sul do Paraibuna, a qual se procura melhorar por meio de caque façam mais doce a subida e descida da mesma serra, cuja passagem mais dificultosa apenas terá um quarto de légua de extensão.7 (grifos meus)
CorografiaHistórica da Província de Minas Gerais (1837), Raimundo José da Cunha Matos, p.
4
compreender porque ocorreu
para um lugar mais elevado. Outra transformação relevante na
stro é a construção de uma ponte entre as duas margens do Rio Paraibuna, rio que
(...) o segundo braço do Paraibuna é o Rio do Barros (...). Este Rio de Barros passa a tem várias pontes, a mais considerável das
quais é a do Largo do Pita. Os Rios Preto e Barros incorporam-se a pouca distância da Ponte do Paraibuna, e pouco depois se perdem no dito Paraibuna, que daqui corre muito
enedia em que está formada a extensa ponte concluída no ano de 1825 pelo Coronel de Milícias José Antônio Barbosa.6
paisagem da Pedra do Paraibuna, do rio Paraibuna e da ponte vista das janelas do casarão. À esquerda, da autora para o processo de tombamento.
por meio do qual percebemos o quanto a
ponte e os novos edifícios do Registro são
e pedra e o trânsito de madeira é coberta de telha. O seu comprimento: 377 palmos; largura: 20 palmos; o maior dos cinco vãos ou arcos é de 73 e
os novos edifícios do Registro ou Alfândega Interna. O era meia légua abaixo daquele, em que agora existe a
2 légua de caminho desde o Rio Paraíba se os ásperos desfiladeiros do Farinha, Cachoeira,
Paiol e Rocinha da Negra. Mas há a passar a elevada Serra das Abóboras, pouco distante e ao sul do Paraibuna, a qual se procura melhorar por meio de calçados em ziguezagues que façam mais doce a subida e descida da mesma serra, cuja passagem mais dificultosa
Gerais (1837), Raimundo José da Cunha Matos, p. 254.
5
E, contudo, isto é, com toda sua importâncianos séculos XVIII e XIX, os registros sumiram do
mapa ou, pelo menos, não tomaram parte do que foi considerado relevante dentro da concepção
do Desenvolvimento da civilização material no Brasilque, aproximadamente cem anos depoisde
publicado o livro deRaimundo José da Cunha Matos,estabelece alguns cânones do que teria
sidoimportante materialmente na história do Brasil e que, poderíamos concluir,poderia ser
preservado pelo patrimônio histórico nacional.Nem o registro, nem a ponte (que na realidade foi
queimada durante a Revolta Liberal de 1942) e nem, sobretudo, a paisagem, são considerados
relevantes.
Com efeito, se é verdade que no Decreto-lei n. 25, de 30 de novembro 1937, consta que “são
também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que
importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou
agenciados pela indústria humana”, a prática do SPHAN não demonstrava ser esta uma
preocupação fundamental. É verdade que encontramos, ainda na década de trinta, um
tombamento como a das Praias de Paquetá. Contudo, embora pudessem ser consideradas como
um “monumento natural”, não foram inscritas no “Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e
Paisagístico”, mas no Livro de Tombo de Belas Artes e no Livro de Tombo Histórico, em
30/06/38.Assim, é possível que o tombamento das “Praias de Paquetá”, em 1938, possua uma
sentido próximo ao da proteção que encontramos na França do início do século XX.
Na França, em 1906, foi votada a lei “sobre a proteção de monumentos naturais de caráter
artístico.8Talvez o tombamento das praias de Paquetáseguisseestecaminho, poistais praias
parecem aproximar-se mais de uma referência a uma paisagem literária, uma homenagem à
criação literária. Tratar-se-ia de uma paisagem literária, excepcional devido aoimenso sucesso do
romance “A moreninha”, de Joaquim Manuel de Macedo, publicado em 1844. Mas ainda assim
trata-se de uma exceção.
Silvana Rubino, em “Mapa do Brasil Passado”, entende que para Rodrigo Melo Franco, o
criador e diretor do SPHAN, o conjunto de bens inscritos no livro de tombo “seria a marca da
cultura e da civilização, oposição e respostas a categorias como território, paisagem e natureza”.
Pois “Somente através dessa marca humana seria possível recompor o caráter nacional do país, e
Rodrigo chegou a chamar esse conjunto de documentos de identidade”. 9
8.Cf. CORBIN, Alain. L’hommedans le paysage:entretienavec Jean Lebrun, p. 165.
9RUBINO, Silvana. As fachadas da história: os antecedentes, a criação e os trabalhos do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. 1937-1968. Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Antropologia do
Buscar algum interesse “patrimonial” pela paisagem
então uma questão anacrônica, qual seja: a
1930-40- considerasse relevante
historiografia, o olhar patrimonial e mesmo a arte valorizariam
importância dos registros –e de sua natureza circundante
Talvez a questão seja somente em parte
mesma época em que o SPHAN estabelecia
história que, ao privilegiarem as antigas narrativas de viagem,
paisagens, e inclusive gravuras de paisagens que
que entre a descrição, a gravura
patrimônio de fato –o tombamento e mesmo o inventário
inevitável notar a ligação, conexão entre a paisagem
temos acesso ainda hoje.
Figura 4: Gravura reproduzida na terceira edição do livro publicada em 1941 (primeira edição de 1940)
A Viagem pitoresca através do Brasil
Martins, em 1940, com tradução de Sérgio Milliet
ainda na mesma década, uma quarta edição, de 1949. São séries de gravuras das quais algumas
retratando as paisagens que se situam no caminho entre a Corte e as Minas Gerais: a Serra dos
Órgãos; o Rio Paraíba; o Rio Paraibuna; Barbacena; Grutas perto de São José; Matozinho
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de CampArantes Neto. Janeiro de 1991, p. 95.
10 RUGENDAS,João Maurício. Viagem pitoresca através do Brasilgravuras). São Paulo:Martins, 1941 (Biblioteca histórica brasileira; 1). A primeira edição é de 1940. Para teracessoàslitografiasque Engelmann (Godefroy Engelmann (1788(1802-1858): Rio Parahybuna.
interesse “patrimonial” pela paisagem nesses primórdios do SPHAN
, qual seja: a de esperar que o historiador da época
considerasse relevante (ou pelo menos visível) o que só o tempo
historiografia, o olhar patrimonial e mesmo a arte valorizariam décadas mais tarde
de sua natureza circundante.
somente em parte (que seja sua maior parte)
sma época em que o SPHAN estabelecia seus cânones, eram organizadas coleções
que, ao privilegiarem as antigas narrativas de viagem, traziam à tona
paisagens, e inclusive gravuras de paisagens que constituíam o entorno d
ntre a descrição, a gravura, e mesmo seuencantamento, de um lado,
o tombamento e mesmo o inventário- não há conexão
inevitável notar a ligação, conexão entre a paisagem retratada por Rugendas e a paisagem
: Gravura reproduzida na terceira edição do livro Viagem Pitoresca através do Brasil, de João Maurício Rugendaspublicada em 1941 (primeira edição de 1940).
através do Brasil de João Maurício Rugendas, publicada pela Editora
Martins, em 1940, com tradução de Sérgio Milliet e ilustrada com mais de cem gravuras
ainda na mesma década, uma quarta edição, de 1949. São séries de gravuras das quais algumas
tratando as paisagens que se situam no caminho entre a Corte e as Minas Gerais: a Serra dos
Órgãos; o Rio Paraíba; o Rio Paraibuna; Barbacena; Grutas perto de São José; Matozinho
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Orientador: Dr. Antônio Augusto
Viagem pitoresca através do Brasil; tradução de Sergio Milliet.4. ed. / (ilustrada com 110 1941 (Biblioteca histórica brasileira; 1). A primeira edição é de 1940. Para
(Godefroy Engelmann (1788-1839) faz das pinturas de Johann Moritz Rugendas
6
nesses primórdios do SPHAN seria
que o historiador da época – dos anos
o temporevelaria -eo que a
décadas mais tarde? No caso, a
(que seja sua maior parte) anacrônica. Na
, eram organizadas coleções de
traziam à tona descrições de
o entorno dos registros. Verdade
, de um lado, e a proteção ao
não há conexão direta. E, contudo, é
por Rugendas e a paisagem à qual
, de João Maurício Rugendas,
publicada pela Editora
strada com mais de cem gravuras,10 teve,
ainda na mesma década, uma quarta edição, de 1949. São séries de gravuras das quais algumas
tratando as paisagens que se situam no caminho entre a Corte e as Minas Gerais: a Serra dos
Órgãos; o Rio Paraíba; o Rio Paraibuna; Barbacena; Grutas perto de São José; Matozinhos; duas
inas. Orientador: Dr. Antônio Augusto
; tradução de Sergio Milliet.4. ed. / (ilustrada com 110 1941 (Biblioteca histórica brasileira; 1). A primeira edição é de 1940. Para se
1839) faz das pinturas de Johann Moritz Rugendas
7
de Vila Rica; Sabará; Catas Altas; Tropa de negociantes a caminho do Tijuco; Transporte de
diamantes passando por Caeté; Lavagem de ouro perto de Itacolomi. A paisagem do Rio
Paraibuna já poderia, portanto, ser de conhecimento de conselheiros do SPHAN, como era o caso
Afonso Arinos – que possui na bibliografiade Desenvolvimento da civilização material no Brasila
referência a outro volume da mesma coleção que abriga o livro de Rugendas–Biblioteca Histórica
Brasileira:Brasil Pitoresco, 1912-1860, de Charles Ribeyrolles, de 1941.11
Já anteriormente a esta edição brasileira do livro de Rugendas,poder-se-ia ter acesso à descrição
da paisagem do Paraibuna e do próprio Registro (que na verdade ainda era outro...) por meio das
traduções que a Companhia Editora Nacional publica ao longo da década de 1930.Na Coleção
Brasiliana organizada por Fernando de Azevedo encontram-se quase todos os volumes da viagem
de Saint-Hilaire, entre elas Viagem pelas provincias de Rio de Janeiro e Minas Geraes, com
tradução e notas de Clado Ribeiro de Lessa.12
Quanto Auguste de Saint-Hilaire (que ficou no Brasil de 1816 a 1822) conhece Minas e o Registro
do Paraibuna, a ponte representada na gravura de Rugendas ainda não existia. Contudo a
descrição de Saint-Hilaire torna ainda mais visível a paisagem próxima ao Registro. Auguste de
Saint-Hilaireconsegue descrever de forma muito clara o motivo para o deslumbramento diante da
paisagem:
A paisagem que se apresenta aos olhos do viajante quando este entra na Comarca do Rio das Mortes às margens do Paraibuna, tem algo que impressiona por um misto de desordem e regularidade selvagem. Por toda a parte o rio é dominado por montanhas elevadas; como ele descreve uma volta antes de chegar ao registro, não se vislumbra por esse lado mais que uma pequena parte do seu curso, e dá a impressão de que todo ele começa na base de uma montanha mais alta que as outras, e cujo cume absolutamente nu contrasta com a vegetação vigorosa dos morros vizinhos. (p.47) (grifos meus)
11RIBEYROLLES, Chales.Brasilpitoresco: história - descrições - viagens - colonização–instituições; ilustrado com gravuras de vistas, panoramas, paisagens, costumes, etc. por Victor Frond ;tradução e notas de GastãoPenalva ; prefacio de Afonsod'E. Taunay.São Paulo: Martins, 1941.(BibliotecaHistoricaBrasileira, n. 6). AfonsoArinos de Melo Franco inclusive participa da BibliotecaHistóricaBrasileira, traduzindo e prefaciandoImagem do Brasil, de Carl von Koseritz, volume 13 da coleção.KOSERITZ, Carl von.Imagem do Brasil.;tradução, prefacio e notasporAfonsoArinos de Melo Franco. - São Paulo: Liv. Martins Ed., 1943. 292p., [7f.] de estampas : il., ret.; 25cm.- (Bibliotecahistóricabrasileira 13) 12Viagem pelas provincias de Rio de Janeiro e Minas Geraes, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. Biblioteca pedagógica brasileira. Série 5a., Brasiliana; v. 126, v. 126-A) Tradução de Voyage dansleprovinces de Rio de Janeiro et de Minas Geraes. Série organizada e dirigida por Fernando de Azevedo de 1931 até 1956. Embora traduzida por Vivaldi Moreira, a edição da Itatiaia, de 1975, não parece ser diversa da primeira.
8
A sensibilidade para originalidade da paisagem descrita por Saint-Hilaire, misto de desordem e
regularidade selvagem, encontra-se presente entre viajantes europeus desde que Alexander von
Humboldt vem para a América na passagem do século XVIII para o XIX:
Dois morros mais ou menos semelhantes se elevam por trás do registro e, encontrando-se na base, afastam-se progressivamente um do outro até o ápice. Um terceiro morro, situado atrás dos primeiros, dissimula o intervalo que existe entre eles e, descrevendo uma curva, forma uma espécie de semicírculo de que os outros dois morros seriam os degraus de acesso. O cume dessas montanhas é coroado de matas virgens, e em suas encostas se estendem bosques vigorosos (capoeiras); três ou quatro choças levantadas aqui e ali pelo meio dos maciços de arvoredo dão vida ao conjunto, e uma delas, erguida ao meio do monte que apresenta a forma de semicírculo, contribui para a regularidade do panorama.” (grifos meus)
Após atravessar o Paraibuna “sobre uma balsa semelhante à existente no Paraíba” (p.48), e
chegando à margem esquerda do registro”,13 o viajante nos dá uma descrição detalhada do
funcionamento da “alfândega interna”:
Examinam-se os passaportes no registro do Paraibuna com mais severidade do que nas margens do Paraíba, e para se certificarem de que os que vêm da Província de Minas Gerais não trazem consigo ouro em pó ou diamantes, revistam-se as bagagens e malas, que já o tinham sido mais além, no lugar denominado Rocinha de Simão Pereira. Paga-se 640 réis (4fr.) pelo visto de cada passaporte; paga-se, além disso, pela passagem dos dois rios, 460 réis (pouco menos de 3 fr.) por burro, e 250 réis (1 fr., 60 c. aprox.) por indivíduo livre ou escravo; finalmente, os que conduzem para as Minas escravos recentemente adquiridos, são obrigados a pagar um imposto de 5$400 réis (33 fr., 75 c.), por cabeça. As pessoas que vão da Província de Minas ao Rio de Janeiro com barras de ouro também são obrigadas a fazer a declaração no registro do Paraibuna. Dá-se-lhes um certificado do valor dos lingotes que exportam, e, como não podem vendê-los a nenhum particular, e têm que permuta-las na casa da moeda do Rio de Janeiro, é necessário, na volta, apresentar um recibo desta repartição perfeitamente de acordo com o primeiro certificado.14
Se o valor das descrições do funcionamento do registro acabam por ter lugar na
historiografia das décadas seguintes, pode-se dizer que a perspectiva de preservação das
paisagens já existe nos anos de 1930 e 40, e até mesmo de forma surpreendente. Já no primeiro
número da Revista do SPHAN, em um artigo denominado “A natureza e os monumentos
culturais”15, o antropólogoRaimundo Lopes, vinculado ao Museu Nacional, procurava demonstrar
que, a partir dos instrumentos proporcionados pela busca de relações entre homem e meio
ambiente, é possível evidenciar “o laço íntimo” que liga a proteção à natureza à “restauração dos
13Percebemosnanarrativa de Saint-Hilaire a inexistência da ponteretratadaporRugendas,concluídaem 1925, segundo José da Cunha Matos (1837). 14Viagempelasprovincias de Rio de Janeiro e Minas Geraes, São Paulo: CompanhiaEditoraNacional, 1938. Bibliotecapedagógicabrasileira.Série 5a,Brasiliana; v. 126, v. 126-A. 15 Revista do SPHAN, n. 1, 1937. LOPES, Raimundo. A natureza e os monumentos culturais. Revista do SPHAN, n. 1, 1937. (disponível para consulta no site do IPHAN)
9
monumentos históricos.”16Para demonstrar a necessidade dessa harmonização, Lopes se utiliza
da descrição dos “caracteres antropogeográficos” de monumentoshistóricos, como cidades e
fortes, para evidenciar que o próprio valor, ou a originalidade, destes monumentos reside na
relação entre natureza e ação humana:
Visitando Ouro-Preto, a antiga “Vila Rica”, o que mais feriu minha atenção foi o íntimo acordo entre as características artísticas e tradicionais da cidade e o seu ambiente. As cidades coloniais marítimas não podem apresentar aspecto tão regional, porque as facilidades de comunicação com a metrópole facultavam até a vinda de pedras de Lisboa, nos navios, como lastro.17
Para Lopes, a interação entre homem e natureza possui como testemunho a paisagem,
que daria a Ouro Preto, diferentemente das cidades coloniais marítimas, um aspecto mais
“regional” – e, poderíamos dizer, mais original. A perspectiva de Lopes culmina em uma proposta
que pode dar uma dimensão da importância atribuída por ele ao quadro natural: “Proclamada,
como está Ouro Preto, “Monumento Nacional”, cumpre restituir-lhe o antigo ambiente florestal, o
que aumentará a pitoresca beleza, e empregar o mais possível, nas construções e restaurações,
os belos materiais das suas montanhas.”18A radicalidade e naturalidade com que Lopes
encaminha sua proposta pode nos mostrar que não havia um pensamento único entre os
colaboradores do SPHAN.
Em que pesem as grandes transformações na noção de patrimônio nos últimos quarenta
anos, o caso do Registro do Paraibuna traz à tona problemas semelhantes enfrentados pelo
patrimônio cultural ligado à natureza desde a década de 30, época em que Rodrigo Melo Franco
acreditava sero conflito entre interesses públicosuma das questões mais importantes na política
do patrimônio.19
16 “protege-se a natureza para bem da cultura; e a recíproca é verdadeira: o amparo aos monumentos da cultura reverte em proteção à natureza”. (78) 17 Raimundo Lopes, p. 78. 18Quer seja como fonte do material para construções, quer seja como ambiente circundante, a natureza e o contexto espacial de inserção do monumento, sua ambiência, é para Lopes um fator fundamental para a sua originalidade, da sua existência como monumento. E, se é verdade que boa parte da preocupação de Raimundo Lopes, como arqueólogo apaixonado que era, estava em preservar relíquias e vestígios arqueológicos - e para tal a proteção à natureza é considerada como essencial valorização da natureza como suporte para os vestígios arqueológicos -, trata-se uma visão que de fato associava história e ambiente: para Lopes, mesmo nos países novos como o Brasil, toda a terra está cheia de relíquias do passado, mas também por toda a história ressuma o cheiro sutil e penetrante da terra. (p. 84) 19Ler, a este respeito, a conferência feita por Rodrigo M.F.Andrade na Escola Nacional de Engenharia em 27 de dezembro de 1939. ANDRADE, Rodrigo Melo Franco. Rodrigo e o SPHAN. Coletânea de textos sobre patrimônio cultural. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura; Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional; Fundação Pró-Memória, 1987.
10
Com efeito, não é surpreendente que meros registros não pudessem ser considerados
devalor patrimonial, quando mesmo os fortes não possuíam lugar assegurado na política de
preservação ao patrimônio.20 É verdade, por exemplo, que as ruínas do forte de Cabedelo foram
tombadas ainda em 1938, mas também é verdade que sempre na ocorrência de um motivo de
força maior estes potenciais símbolos da nacionalidade não merecem reverência.Lúcio Costa, em
seus Documentos de Trabalho (p.137), dá testemunho do seu esforço por manter o Forte do
Buraco (Recife, PE):
Indagar do Ministro da Marinha se não haveria possibilidade de revisão dos planos originais a fim de conciliar uma coisa e outra, isto é, a construção do novo cais e diques da base naval e a preservação das ruínas do antigo forte, uma vez que o governo federal se tem empenhado, desde que criou a DPHAN, em salvaguardar por toda a parte esses vestígios simbólicos da pátria em formação (10/04/53) (p.137)21
E é possível dizer que o conflito entre interesses públicos ou que se colocam como
públicossobrevive ao longo das décadas, ainda que o chamado interesse público encontre-se
quase sembre ligado, ou misturado, a interesses privados. Assim, boa parte das “impugnações” a
processos de tombamento realizados pelo Estado de Minas Gerais trazem à tona argumentos que
mesclam “direito de propriedade” ao “interesse público” que certas obras e investimentos
poderiam representar. E, nesse sentido, mesmo quando se trata de interesse privado, o
argumento busca amparar-se nas idéias de desenvolvimento regional ou nacional. A história do
choque de interesses públicos discordantes é tão antiga (ou mais) quanto a política de patrimônio.
Também este é o caso do Registro do Paraibuna. O Registro é uma casa velha,
arruinada. Porque tombá-lo? E afinal de contas o que é um registro? Qual o seu valor? E,
sobretudo, por que inventar de tombar não somente a casa mas a “paisagem” circundante? Ao
findarem os procedimentos do tombamento provisório (que inclui a notificação a todas partes
afetadas, como a rodovia e a ferrovia) e dentro do tempo dado para os recursos pelas partes
atingidas, as tentativas de impugnação do tombamento repousam no fato de que ainclusão do
trecho ferroviário em questão dentro do perímetro de tombamento, ao representar uma restrição à
manutenção e circulação dos trens da Concessionária no local, poderá causar graves impactos na
20 É verdade que: o Forte Velho: ruínas (Cabedelo, PB) consta no Livro de Tombo Histórico do IPHAN com a data de 9-8-1938; oForte do Pau Amarelo (Paulista, PE) está inscrito tanto no Livro Histórico como no Livro de Belas Artes, com a data de24-5-1938; o Forte das Cinco Pontas (Recife, PE) está inscrito no Livro Histórico e no Livro de Belas Artes com a data 24-5-1938; o Forte do Brum (Recife, PE)foiinscrito no Livro de Belas Artes e no Livro Histórico também em 24-5-1938. 21PESSOA, José (org.) Lucio Costa: documentos de trabalho. Rio de Janeiro: IPHAN, 2004, p.137.Em 1958 o forte estava sendo demolido pela Marinha para construção do Terceiro Distrito Naval. Há referências de que parte de suas pedras foram aproveitadas no prolongamento do porto do Recife.
economia nacional. Talvez neste argumento encontremos outr
paisagem na trajetória da proteção ao patrimônio histórico.
Figura 5: Flagrante da passagem do trem a poucos metros do Registro do Paraibuna.tombamento.
Bibliografia
Capitania de Minas Gerais nos fins da era colonial
Ferreira Carrato. - [S.l.] : [s.n.], [1900?]. GAV 1 Mapa 31
ELLIS, Myriam. Contribuição ao estudo do abastecimento das áreas
no século XVIII. Serviço de Documentação. Ministério da educação e cultura. [1955]. 68 p.
(Cadernos de Cultura, 124)
MATOS, Raimundo José da Cunha (1776
Maranhão pelas províncias de Minas
Martins, 2009. (Memória de Minas)
Saint-Hilaire, Auguste de. Segunda viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo
1822/, tradução revista e prefácio de Vivaldi M
Augusto de Saint-Hilaire.Viagem pelas provincias de
e notas de Clado Ribeiro de Lessa.
Nacional, 1938. Biblioteca pedagógica brasileira. Série 5a., Brasiliana ; v. 126, v. 126
l. Talvez neste argumento encontremos outras razões para a invisibilidade
paisagem na trajetória da proteção ao patrimônio histórico.
Figura 5: Flagrante da passagem do trem a poucos metros do Registro do Paraibuna. Fonte: fotos da autora para o dos
Capitania de Minas Gerais nos fins da era colonial [material cartográfico] / elaborado por José
[S.l.] : [s.n.], [1900?]. GAV 1 Mapa 31
Contribuição ao estudo do abastecimento das áreas mineradoras do Brasil
Serviço de Documentação. Ministério da educação e cultura. [1955]. 68 p.
MATOS, Raimundo José da Cunha (1776-1839). Itinerário do Rio de Janeiro ao Pará e
Maranhão pelas províncias de Minas Gerais e Goiás. Belo Horizonte: Instituto Cultural Amílcar
Martins, 2009. (Memória de Minas)
Segunda viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo
revista e prefácio de Vivaldi Moreira, apresentação e notas de Mário G. Ferri.
Viagem pelas provincias de Rio de Janeiro e Minas Gerais
e notas de Clado Ribeiro de Lessa. - (Brasiliana ; 126, 126A)São Paulo: Companhia Editora
1938. Biblioteca pedagógica brasileira. Série 5a., Brasiliana ; v. 126, v. 126
11
as razões para a invisibilidade da
Fonte: fotos da autora para o dossiê de
[material cartográfico] / elaborado por José
mineradoras do Brasil
Serviço de Documentação. Ministério da educação e cultura. [1955]. 68 p.
Itinerário do Rio de Janeiro ao Pará e
. Belo Horizonte: Instituto Cultural Amílcar
Segunda viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo.
as de Mário G. Ferri.
Rio de Janeiro e Minas Gerais; tradução
Companhia Editora
1938. Biblioteca pedagógica brasileira. Série 5a., Brasiliana ; v. 126, v. 126-A)