O que é o MoviMente?
description
Transcript of O que é o MoviMente?
O QUE É O MOVIMENTE?
Renata Wilwerth Leoni1
Profª Ms.Thereza Rocha2
RESUMO
Este artigo analisa a possibilidade de um grupo de pessoas ligadas à dança em Mato Grosso do Sul ser considerado e atuar como rede social. A pesquisa procurou respostas para a indagação que tem ocupado papel central nas discussões do grupo: o que é o MoviMente? Conhecendo a sua finalidade, o passo seguinte seria escolher um tipo de organização que pudesse cumpri-la. A pesquisa procura analisar as atividades do grupo durante 513 dias (de 8 de Abril de 2009 a 2 de Setembro de 2010) e realizou entrevistas com nove dos seus 25 membros, escolhidos por amostragem entre três grupos de participantes: o grupo de sustentação, o grupo de mobilização e o grupo de simpatizantes. Ao final conclui-se que as atividades do MoviMente comportam a intervenção em três esferas nem sempre conciliáveis de interesses, a política, a corporativa e a profissional. Os dados são crivados pela teoria de redes sociais defendida por Augusto de Franco e pela visão de Helena Katz em relação ao corpo.
Palavras-chave: 1. Dança. 2. Redes Sociais. 3. Democracia.
O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.
(ROSA, 2006, p. 316)
INTRODUÇÃO
Este artigo descreve os resultados de uma pesquisa sobre a gênese, o
presente e o futuro do MoviMentei, um agrupamento informal de pessoas ligadas à
1 Renata é pós-graduanda no curso de especialização em Dança pela Universidade Católica Dom
Bosco e produtora de dança. 2 Thereza Rocha é pesquisadora de dança, diretora e dramaturgista. Doutoranda em Artes Cênicas
pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Mestre em Comunicação e Cultura pela ECO/UFRJ. Professora dos cursos de dança e de teatro do Centro Universitário da Cidade do Rio de Janeiro – UniverCidade. Colunista do portal idança.net (www.idanca.net).
2
dança em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, que se reúne e se comunica
regularmente por meio de um e-group3, desde 8 de abril de 2009.
A pesquisa procurou respostas para a indagação que tem ocupado papel
central nas discussões do grupo: o que é o MoviMente? A simplicidade da pergunta,
como se verá, não implica uma resposta igualmente simples. Diante do leque de
possibilidades que se foi abrindo como resposta para a questão da finalidade do
MoviMente e sua correspondente instituição formal, juridicamente apta para realizá-
la, sentimos necessidade de refletir melhor sobre as declarações de cada um dos
membros, o contexto da parturição do MoviMente, assim como de colocar essas
reflexões ao abrigo de um referencial teórico.
Desde logo, a diversidade das opiniões não só indicava a necessidade de
analisar melhor o pensamento de cada um, assim como sugeria que estávamos
diante de algo que não se enquadrava na moldura tradicional das organizações,
segundo a qual cada entidade concentra num corpo de governança a delegação das
vontades individuais, para que as exerça em nome dos objetivos previstos no
Estatuto, teoricamente maiores do que os interesses de cada um. É assim em todo
tipo de organização, desde que foi sacralizada a doutrina do sistema representativo
como expressão de racionalidade e democracia. Ora, ocorre que neste caso o
gatilho para disparar o MoviMente foi justamente a percepção de hipossuficiência da
representação classista. Daí uma primeira perplexidade: vamos criar mais uma
entidade, com a mesma natureza jurídica, apenas para provar que ela poderia
funcionar melhor se fosse dirigida por outro grupo de pessoas? Então porque não
tentar melhorar a entidade que já existe? E o que garante que a nova entidade não
se transformará na sua antípoda?
Essa contradição priorizou o interesse em definir logo a finalidade do
MoviMente, para depois decidir-se sobre o tipo de funcionalidades necessárias ao
cumprimento de tal finalidade. Foi uma boa válvula para aliviar a pressão pela
rejeição do óbvio, já que o Fórum nascera de um mal-estar corporativo. Uma
indicação importante disso apareceu na delegação feita pela própria e contestada
Associação Sul-Mato-Grossense dos Profissionais de Dança - ASPDMSii, de que o
3 Gerenciador de grupos de discussão na internet que permite aos membros de uma mesma lista de
e-mails trocarem mensagens entre todos facilmente.
3
MoviMente deveria cuidar da articulação da agenda política dos profissionais de
dança, exatamente pelo fato de não ter amarras institucionais e constituir-se numa
espécie de assembleia permanente, aberta a todas as discussões. O MoviMente,
para esse fim, seria uma espécie de posto avançado de vigilância sobre o território
dos interesses dos profissionais de dança, pronto para soar o alarme no caso de
detectar qualquer ameaça a esses interesses. Para isso, entretanto, não precisaria
ser uma entidade, com CNPJ, armas e bandeiras, mas apenas manter a
regularidade de suas reuniões e disseminar as notícias de interesse geral. Isso
significaria manter certa neutralidade.
Neste ponto surgiu a hipótese, levantada por um dos seus membros, de
que o MoviMente poderia ser uma rede social. Uma possibilidade animadora, mas
que abria nova interrogação: o que é uma rede social. Logo, uma questão
aparentemente simples desembocou em outra maior, mas que por isso mesmo
poderia facilitar o deslinde da primeira: poderia ser que à luz do conceito de rede
social se apagassem as dúvidas sobre se o MoviMente deveria ser ou não uma
organização hierarquizada.
De fato, a concepção de rede social vem ao encontro da questão
fundamental para qualquer instância de governança democrática: tudo o que puder
ser realizado pelos próprios indivíduos não precisa ser delegado a nenhum
representante. Esse, aliás, foi um ponto de partida para as reflexões de
Montesquieu4 sobre o governo republicano e a democracia: ―O povo que possui o
poder soberano deve fazer por si mesmo tudo o que pode fazer bem; e o que não
puder fazer bem, deve fazê-lo por meio de seus ministros.‖ (MONTESQUIEU, 1993,
p. 46) (O que não diria hoje o autor de ―O Espírito das Leis‖ quando visse um grupo
social conectado todos os dias por meio da Internet?)
Vejamos, primeiro: o que é uma rede social. A resposta foi encontrada na
biblioteca virtual da Escola de Redes, onde se pode ler, por exemplo, o seguinte
4 Disso resulta que o princípio da legalidade, quando aplicado aos cidadãos, é uma garantia de
liberdade: ―ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei‖
(Art. 5º, II, da Constituição Federal de 1988); mas quando aplicado ao Estado, é uma garantia de
sujeição à legalidade, pois a administração só poderá fazer o que for expressamente permitido pelas
leis aprovadas pelos representantes do povo.
4
trecho de Augusto de Franco (2009), do seu artigo ―O Poder nas Redes Sociais‖:
―Redes sociais (distribuídas) são movimentos de desconstituição de hierarquias, (na
exata medida dos seus graus de distribuição)‖.
Para além da resposta à pergunta-título, portanto, pareceu-nos que a
reflexão sobre o MoviMente deveria prestar atenção ao seu entorno e ao seu legado.
Primeiro para anotar que, mesmo sem Estatutos, ele se move e acontece há um ano
e meio. Mais ainda, quando a investigação desborda o contexto do seu nascimento
―oficial‖, percebe-se que o Fórum, como foi batizado, já estava lá, antes de ser
criado. As pessoas que formam o grupo de suporte do MoviMente já se encontravam
há anos, com a mesma motivação, para tratar de assuntos relativos à dança, a partir
do nodo5 aglutinador da Ginga Cia de Dança. E então seria por isso que o
MoviMente sobreviveu: a rede já estava formada, era maior do que o MoviMente e o
alimentava mesmo antes do seu nascimento. Essa rede incluiria todas as pessoas
ligadas à dança em Mato Grosso do Sul e dentro dela o MoviMente poderia ser uma
linha de tambores sincronizados pela amizade e pela afinidade de ideias sobre a
dança, que soaria o alerta para a discussão dos assuntos que a mobilizam e ao seu
entorno. Esta hipótese encontra respaldo no pensamento de Augusto de Franco
(2008), em ―Uma Introdução às Redes Sociais‖:
Aqui é preciso entender que as redes não são expedientes instrumentais
para pescar pessoas e levá-las a trilhar um determinado caminho ou seguir
uma determinada orientação. As redes farão coisas que seus membros
quiserem fazer; ou melhor, só farão coisas conjuntas os membros de uma
rede que quiserem fazer aquelas coisas. Se alguém propõe fazer alguma
coisa em uma rede de 100 participantes, talvez 40 aceitem a proposta; os
outros 60 farão outras coisas ou não farão nada. Em rede é assim: não há
centralismo. Não há votação. Não há um processo de verificação da
formação da vontade coletiva que seja totalizante e que se imponha a
todos, baseado no critério majoritário.
O mote da rede deu, portanto, um roteiro para as entrevistas com os
membros do grupo, para saber em que medida a impressão inicial sobre o papel e a
constituição do MoviMente encontraria ressonância no pensamento de cada um.
5 O nodo é um ponto de conexão da rede social, constituído por uma ou mais pessoas.
5
Independentemente de haver coincidência de pensamentos, a hipótese
de rede, por si só, mostrou-se capaz de contribuir decisivamente para a reflexão
coletiva, uma justificativa mais que suficiente para o trabalho.
Antes da formulação de uma resposta plausível para o problema da forma
de organização, contudo, importava saber qual o cimento que mantinha o
MoviMente conectado e interessado nas discussões levantadas durante esse
período em que tem atuado, a despeito de se ter atenuado a busca pela finalidade.
A hipótese é de que existe uma ideia agregadora, pelo menos entre uma parte de
seus membros, que chamamos de grupo de sustentação, cuja afinidade foi
reforçada pelos estudos recentes que fizemos juntos sobre a dança na
contemporaneidade, já que a maioria desse grupo cursou a Pós Graduação em
Dança da UCDBiii. A ideia de que há várias danças para muitos corpos dialoga com
a inquietude que anima o MoviMente, encantados todos que estamos com as
possibilidades de ser a ―... dança atual [...] mais do que nunca uma dança da
diferença e da infinitude; ela escolhe movimentos quaisquer de corpos quaisquer‖.
(CALDAS, 2009, p. 38)
O problema de saber o que é o MoviMente continua visível no horizonte,
portanto, mas já os caminhos que permitiriam chegar até uma resposta mostraram
suas encruzilhadas. A primeira delas: não há apenas o caminho da organização
hierarquizada, há também a hipótese de rede. A segunda: ser ou não ser uma
―representação‖ classista e limitar-se a defender uma agenda corporativa. Ou menos
que isso: ser um braço destacável da representação classista já existente, para ser
usado apenas nos combates corporativos.
O surgimento dessa topografia acidentada não só tornou mais complexa a
construção do caminho até a resposta pretendida, mas, sobretudo, revelou a parte
submersa de um iceberg. Trata-se da questão de saber, afinal, se o MoviMente
efetivamente precisa ser alguma coisa definida e organizada, uma instituição que
possa ser apresentada ao público como portadora das vontades e vozes dos seus
filiados. Diante dessa questão, o que à primeira vista parecia lógico, a criação de
uma entidade, começa a perder a sua força, porque não dá para imaginar uma
organização hierarquizada capaz de amalgamar a diversidade das ideias e a
expressividade de cada um dos membros do MoviMente sob um único discurso, sem
6
sacrificar justamente aquilo que se constituiu até agora na sua maior força: a
representatividade individual dos seus membros no espaço público da dança em
Mato Grosso do Sul.
Já não se trata, portanto, neste passo, apenas de saber o que é o
MoviMente, senão, também, de saber o que ele não pode ser, não precisa ser ou
não quer ser, caso a hipótese de rede se confirme: uma estrutura hierárquica
refletida no passado e congelada por uma declaração granítica de propósitos,
reduzindo assim a riqueza da expressão individual dos seus membros. Resta,
portanto, confirmar ou infirmar a hipótese, mediante uma série de entrevistas
individuais, por meio das quais possa ser captada a diversidade do pensamento dos
membros do grupo, mas sem que haja direcionamento das respostas. Em apoio a
esse trabalho, impôs-se também realizar a leitura e a tabulação das atas das
reuniões do MoviMente, a fim de captar suas motivações, as deliberações e os
resultados das atividades desenvolvidas desde a sua criação.
Ao final, esse material será crivado pela contribuição teórica sobre redes
sociais. Como resultados desse trabalho, espera-se, em primeiro lugar, que a
reflexão coletiva do MoviMente seja enriquecida, fortalecendo as convicções
majoritárias, sejam elas quais forem. E isso seria suficiente como resultado.
Mas se for para realizar uma visão de futuro ambiciosa, seria considerado
excelente que este trabalho pudesse contribuir para que o MoviMente exerça um
papel relevante para o desenvolvimento da dança em Mato Grosso do Sul, mas,
sobretudo, que ele contribua também para o desenvolvimento da democracia,
servindo como instância de controle social da política pública para a dança.
1. JÚLIA AISSAiv RECEBE A NOTÍCIA DE QUE “NÃO HÁ DANÇA
CONTEMPORÂNEA PARA CRIANÇAS”
Em 8 de Abril de 2009 ocorreu a primeira reunião do MoviMente. O
assunto principal era saber se as pessoas ali reunidas se sentiam representadas ou
não pela Associação Sul-Mato-Grossense dos Profissionais da Dança - ASPDMS.
Estavam presentes Chico Nellerv, Denise Parravi, Gustavo Lorençovii, Júlia Aissa,
Júlio César Florianoviii, Luiza Rosaix, Marcos Mattosx, Miriam Gimenesxi, Roberta
Siqueiraxii, Paula Buenoxiii, Patrícia Almeidaxiv e Renata Leonixv. A motivação para o
7
encontro crescera a partir de um telefonema recebido da Fundação Municipal de
Cultura de Campo Grande – FUNDACxvi por Júlia, dando conta de que o seu projeto
para ministrar oficinas de dança para crianças estava com problemas. Aconteceu
que a FUNDAC submetera ao crivo da ASPDMS vários projetos de dança. Como
não poderia julgar a qualidade técnica dos projetos, o gestor municipal de cultura
dissera que os estava enviando para a ―única representante da dança‖ que ele
conhecia. Esta era a sua justificativa para a consulta técnica feita à ASPDMS. Neide
Garridoxvii sua presidente, sentenciou, sobre o projeto de Júlia Aissa, ipsis litteris:
não existe dança contemporânea para crianças, somente balé clássico.
Júlia achou que era inaceitável o parecer da Presidente e o fato da
Associação ser vista pelo gestor cultural como ―única representante da dança‖ capaz
de expedir pareceres técnicos, reverberou entre as integrantes do Coletivo
Corpomanciaxviii, do qual Júlia participa. Uma onda de protestos ganhou impulso na
turma da Pós-Graduação em Dança da UCDB, passou pela sala de ensaios da
Ginga Cia de Dançaxix, esteve nas mesas do Núcleo de Dança da FCMSxx e
desaguou no Ofurô Clínica e Spa Urbanoxxi, onde Miriam Gimenes e Roberta
Siqueira aceitam pacientes para ―lavar a alma‖ e assuntos de dança para ―tirar a
limpo‖.
Logo ficou claro para todos que ninguém se sentia representado pela
ASPDMS. Consta da Ata da Reunião: ―Todos concordaram que a atual Associação
não estava representando nenhum dos presentes.‖ E, ato contínuo, as falas se
orientaram para a descrição das falhas mais clamorosas da Associação: pouca
transparência do processo eleitoral; falta de comunicação entre a Diretoria e os
filiados; resistência a mudanças, fato relatado por Miriam Gimenes, na condição de
ex-presidente da Associação (2001/2002). Outra unanimidade foi o
descontentamento com o fato do gestor municipal de cultura considerar a
Associação como única instância consultiva sobre a qualidade técnica dos projetos
de dança, o que reabriu a eterna ferida da obrigatoriedade de estar filiado à
Associação como pré-requisito para concorrer ao financiamento de projetos por meio
do Fundo Municipal de Incentivo à Cultura – FMICxxii.
O rumo da discussão levou a uma questão inevitável: vamos fazer o quê?
A ideia mais óbvia, criar a “ASPDMS do B”, foi sumariamente descartada. Então, que
8
tal organizar-se dentro da Associação como um grupo de oposição e tentar ―tomar o
poder‖? Também não. Entretanto, a mobilização era forte e queria nada menos do
que ―fazer outro movimento que tivesse ideias, pensamentos, interesses e objetivos
diferentes dos da Associação e pertencesse a outro universo de significação dentro
da dança de Mato Grosso do Sul‖, conforme diz textualmente a Ata da Reunião.
Neste ponto, contudo, ainda não se sabia o que devia ser organizado,
nem como organizar, nem para qual finalidade. Mas era algo grande, generoso,
independente, inclusivo, aberto, mais que apenas corporativo, mas bordejado pela
palavra dança. Por isso mesmo, as deliberações finais da reunião foram agir logo e
pensar grande, buscando:
a) Afirmar a identidade do Grupo, por meio da confecção de camisetas
com a palavra MoviMente e participar uniformizados da Semana Pra
Dança, realizada pela FCMS;
b) Promover performances nas ruas da cidade e em espaços públicos
durante a Semana Pra Dança para divulgar a existência do MoviMente;
c) Criar grupos de estudos sobre os seguintes temas: Movimentos Sociais
de Dança Nacionais e Internacionais (talvez para encontrar similares
em quem se espelhar e aprender); Quem é o Profissional da Dança em
MS e qual é o Mercado de Trabalho para ele (para conhecer os
interessados diretos); Dança e Educação (talvez para enfrentar, com
base teórica sólida, a questão motivadora da reunião).
Contudo essa reunião partejadora do MoviMente deixou o assunto que
lhe serviu de mote em suspenso, jazendo à margem das discussões que animaram
as reuniões subsequentes. Isso porque a questão de saber o que era o MoviMente
esquentou, mas os grupos de estudos não andaram e a resposta à restrição do
ensino da dança contemporânea para crianças foi relegada à caixa de brinquedos
desmantelados.
2. DANÇO, LOGO EXISTO
Até agora andamos bordejando nossa questão inicial, seguindo a rota de
se lançar primeiro ao oceano para depois retornar à ilha natal com os tesouros
9
conquistados. É o que se conhece como método dedutivo.6 Mas já é tempo de voltar
para casa e buscar as respostas que estavam o tempo todo conosco. Comecemos,
portanto, por investigar quem é o MoviMente, em vez de insistir em sabero que ele
é.
Das vinte e uma reuniões realizadas pelo MoviMente desde 8 de Abril de
2009 até 2 de Setembro de 2010 lavraram-se 17 atas, das quais foi possível extrair
data, local, participantes, temas, motivos e deliberações. Da memória e das próprias
atas foi possível compilar os resultados alcançados, medidos pelo grau de
cumprimento das deliberações tomadas. Registre-se de passagem que o cuidado
com a documentação demonstra organização rara até em instituições devotadas ao
formalismo dos seus ritos. Tanto mais porque as atas que não foram lavradas
referem-se a reuniões que nada acrescentavam às deliberações anteriores, pois
serviam para controlar o andamento do que se havia decidido.
Ao todo participaram das reuniões 25 pessoas. Dessas, nove pessoas
formam o que chamamos de Grupo de Sustentação, porque o grau do seu interesse
pelo Fórum levou-as a participar das reuniões entre nove e quatorze vezes. Sem
prejuízo de que exista alguém que mesmo sem participar de qualquer reunião tenha
um alto grau de simpatia ou se mobilize para apoiar o MoviMente, o critério de
participação das reuniões presenciais foi escolhido por exigir mais sacrifício pessoal
do participante, em princípio uma medida do seu interesse. Estão nesse Grupo de
Sustentação as lideranças7, que têm em comum uma história de trabalho
compartilhado, em diversas ocasiões e com motivações que poderiam ser
6 O método dedutivo, de acordo com a acepção clássica, é o método que parte do geral e, a seguir,
desce ao particular. Parte de princípios reconhecidos como verdadeiros e indiscutíveis e possibilita
chegar a conclusões de maneira puramente formal, isto é, em virtude unicamente de sua lógica. É o
método proposto pelos racionalistas (Descartes, Spinoza, Leibniz), segundo os quais só a razão é
capaz de levar ao conhecimento verdadeiro, que decorre de princípios a priori evidentes e
irrecusáveis. O protótipo do raciocínio dedutivo é o silogismo. Seja o exemplo:
Todo homem é mortal. (premissa maior)
Pedro é homem. (premissa menor)
Logo, Pedro é mortal. (conclusão) http://precodosistema.blogspot.com/2008/04/mtodo-dedutivo-vs-
mtodo-indutivo.html e consultado em 25/11/2010.
7 Lideranças aqui sejam consideradas as pessoas formadoras da linha de vanguarda, aquelas que
puxam a fila, carregam o piano e compartilham as responsabilidades, revezando-se nesse papel.
10
classificadas em Políticas (quando são contra ou a favor de alguma política do
setor), Corporativas (quando se posicionam em relação aos interesses classistas) e
Profissionais (quando trabalham em parceria em algum projeto).
Utilizando o mesmo critério da participação em reuniões presenciais, logo
em seguida encontraremos as sete pessoas que formam o Grupo de Mobilização,
composto de amigos (as) que em algum momento estiveram juntos com um ou mais
membros do Grupo de Sustentação, seja por razões políticas, corporativas ou
profissionais. Nesse grupo estão as pessoas mais disponíveis para a mobilização,
mas que em geral confiam a iniciativa das ações a alguém do Grupo de
Sustentação.
Por último encontramos o Grupo de Simpatizantes, formado por pessoas
interessadas nos rumos da cultura de maneira geral e não especificamente com a
agenda corporativa da dança ou com o projeto A ou B. São pessoas que mantêm
alguma ligação com o Grupo de Sustentação ou com o Grupo de Mobilização, mas
cujo interesse é mais abrangente e atua no sentido de estimular e apoiar as ações
do MoviMente, pensando mais no que ele pode vir a ser em termos de movimento
social. Esperam para ver o que vai dar.
A Tabela I, abaixo, classifica os membros do MoviMente em ordem
decrescente de suas participações nas reuniões. Pintado de azul claro, o Grupo de
Sustentação; de verde claro, o Grupo de Mobilização e sem cor, o Grupo de
Simpatizantes.
TABELA I
Ordem Tabela de Participantes8
1 Renata Leoni 14
2 Denise Parra 13
3 Miriam Gimenes 13
4 Roberta Simone Siqueira 12
5 Marcos Mattos 11
6 Chico Neller 10
7 Franciela Cavalheri 9
8 De todas as pessoas e instituições citadas no texto há uma nota de fim de texto com um breve
currículo ou pelo menos com o significado do nome quando aparece abreviado.
11
8 Júlio César Floriano 9
9 Paula Bueno 9
10 Luiza Rosa 6
11 Naiara Araújo 6
12 Ana Maria Rosa 3
13 Débora Higa 2
14 Julia Aissa 2
15 Moema Vilela 2
16 Nara Hortência 2
17 Beatriz Nantes 1
18 Diógenes Antonio Silva 1
19 Gustavo Lorenço 1
20 Ingrid Beatriz 1
21 José Carlos Gomes 1
22 Laura de Almeida 1
23 Mayara Firmo Martins 1
24 Patrícia Almeida 1
25 Wanessa Pucciarello Ramos 1
Vejamos agora o que esses 25 argonautas9 andaram fazendo em sua
jornada, a partir da tabulação das deliberações registradas nas dezessete atas
produzidas ao longo dos 513 dias de sua viagem em busca de uma identidade. A
Tabela II, abaixo, mostra as datas das reuniões, as deliberações tomadas e uma
medida subjetiva da efetividade de cada deliberação.
TABELA II
Data Deliberações Resultado
08/04/2009
Criar outro movimento, que tenha ideias, pensamentos, interesses e objetivos diferentes dos da Associação existente, evitando assim a concorrência de objetivos.
Atingido satisfatoriamente até a última deliberação. Resultado parcial se a última deliberação for cumprida.
Que este movimento estivesse integrado a um movimento nacional de dança.
Atingido Satisfatoriamente.
9 Argonauta: ―Pessoa com espírito de aventura e que se lança à conquista de bens ou de ideais‖
(Dicionário Houaiss)
12
Fazer camisetas para as pessoas que participam deste movimento fazerem performances nas ruas da cidade e em espaços públicos durante a ―semana pra dança‖, realizada pela Fundação de Cultura do Estado.
Atingido Satisfatoriamente.
Criar grupos de estudos sobre os seguintes temas: - movimentos sociais de dança nacionais e internacionais; - quem é o profissional da dança e qual o mercado de trabalho para ele; - dança e educação.
Resultado Parcial (de 5 grupos criados, só um funciona parcialmente).
11/04/2009 Participar da Semana pra Dança promovida pela Fundação de Cultura de MS
Atingido Satisfatoriamente.
21/04/2009
Escolhidos os seguintes temas das comissões: Políticas públicas, comunicação e integração, educação e saúde, estudos e pesquisas e produção cultural, escolhidas segundo o foco de atuação das pessoas que estavam se reunindo.
Resultado Parcial (metas das comissões não foram atingidas).
MoviMente irá se encontrar de 15 em 15 dias, no mesmo dia e horário, mudando sempre as sedes das reuniões.
Resultado nulo.
09/05/2009
Decidiu-se que haverá uma grande reunião de divulgação e oficialização do movimento no dia 19 de maio, às 19h, em local ainda não determinado.
Resultado nulo.
Necessidade de se colocar no blog do fórum informações mais detalhadas sobre o movimente e algumas perguntas e respostas simples, para que mais pessoas tomem conhecimento dele, antes de irem para a grande reunião de divulgação e debates.
Resultado Parcial (blog criado, mas com manutenção irregular).
Realizar um mapeamento das pessoas que trabalham e fazem dança em Mato Grosso do Sul, para que possamos enviar convites e para que conheçamos pessoas fora do círculo de convivência que acaba se concentrando na capital do Estado.
Resultado nulo.
Dialogar com órgãos públicos com assessoria para elaboração de editais, orientação sobre importância e funções de cada estética, fazê-los valorizar os artistas da dança para suprimir a relação vertical entre artistas e Estado. Propor parceria, em vez de mecenato.
Resultado Parcial (somente uma reunião realizada).
25/05/2009 Não houve a reunião.
19/06/2009
Montar uma diretoria provisória. Atingido Satisfatoriamente
Reunir com contador para entender juridicamente o que significa cada formação em termos de custos e benefícios.
Atingido Satisfatoriamente
Comissões devem definir ações iniciais até 31 de julho. Resultado nulo.
As comissões apresentarão suas propostas para apreciação de todos do grupo com posterior complementação à carta de apresentação do
Resultado nulo.
13
MoviMente.
Reunião aberta a todos os profissionais da dança: 14 de agosto de 2009.
Resultado nulo.
18/02/2010
Substituição do tesoureiro provisório. Atingido Satisfatoriamente.
Festa da Dança em comemoração ao Dia Internacional da Dança.
Atingido Satisfatoriamente.
Bar Itinerante - intervenções de dança em bares da cidade.
Atingido Satisfatoriamente, mas uma só vez.
Abertura da empresa - pessoa jurídica. Resultado nulo.
Definição da pauta para a próxima reunião: estatuto, abertura da empresa, reorganizar comissões, banco de idéias, anuidade, festa da dança.
Resultado nulo.
24/02/2010
Alteração do horário de início das reuniões. Atingido Satisfatoriamente.
Criada Comissão temporária para elaboração da minuta do estatuto: Paula, Renata e Marcos.
Atingido Satisfatoriamente.
Criação de e-mail google groups por Paula. Atingido Satisfatoriamente.
Reorganização das comissões. Atingido Satisfatoriamente.
Banco de idéias: Flashmob, palco móvel. Resultado Parcial (quadrado da dança realizado duas vezes).
Definição da pauta para a próxima reunião: minuta do estatuto, arrecadação financeira, informações trazidas de Brasília.
Resultado nulo.
17/03/2010
Marcar reunião com SESC para informações sobre processo de seleção de professores da instituição.
Atingido Satisfatoriamente.
Contribuições dos membros para abertura de empresa. Atingido Satisfatoriamente. (R$ 371 arrecadados sem fixação de cotas).
Encaminhar a minuta do estatuto para parecer jurídico. Atingido Satisfatoriamente.
Detalhamento da festa em próxima reunião. Atingido Satisfatoriamente.
Definição da logo do MoviMente. Atingido Satisfatoriamente.
24/03/2010 Seguranças, camisetas, local da festa, funções dos membros e atrações da festa, venda de ingressos, etc.
Atingido Satisfatoriamente (R$ 1871 arrecadados, 217 pessoas na festa).
07/04/2010
Participação de todos na abertura da Semana pra Dança em 14/04/2010.
Atingido Satisfatoriamente.
Ações do MoviMente - SESC e Fundação de Cultura de MS.
Atingido Satisfatoriamente.
Deliberações da festa - nova convocatória. Atingido Satisfatoriamente.
14
Comissões - definir metas e estratégias. Resultado nulo.
Atualizar blog a carta de apresentação para órgãos públicos.
Resultado Parcial (atualização irregular).
28/04/2010
Metas a serem apresentadas pelas comissões: propostas de atividades 2010/2011.
Resultado nulo.
Nova data para apresentação do MoviMente: 12 de maio na sala Rubens Corrêa no CCJOG.
Resultado nulo.
13/05/2010
25/05/2010
02/06/2010
MoviMente irá propor normas de participação de grupos de dança para o Circuito Dança no Mato.
Atingido Satisfatoriamente.
E-mail do MoviMente - google groups só para os membros regulares.
Resultado nulo.
17/06/2010
Marcada reunião com ASPDMS para o dia 21/06. Atingido Satisfatoriamente.
MoviMente levará a proposta de realizar a seleção dos participantes do Circuito em conjunto com a ASPDMS.
Atingido Satisfatoriamente.
MoviMente sugere que a seleção seja feita por uma comissão formada de 3 membros.
Atingido Satisfatoriamente.
26/06/2010
Critérios de participação no Circuito de Dança propostos e aceitos: diversidade de linguagens, pertinência histórica do grupo.
Atingido Satisfatoriamente.
Representante do MoviMente será definido posteriormente.
Atingido Satisfatoriamente.
06/07/2010
Aprimorar a participação do MoviMente nos Editais. Resultado nulo.
Reunião marcada para 07/08 com o compromisso de levar mais pessoas.
Resultado nulo.
Pauta da próxima reunião: estatuto e parceria com UEMS para evento científico/cultural.
Resultado nulo.
10/08/2010
18/08/2010
02/09/2010
Definido por registrar o MoviMente. Resultado pendente. Se realizado, muda a natureza atual do MoviMente.
Chico ver com contador como fazer. Resultado nulo.
Curso de BMC a ser realizado. Resultado nulo.
Próxima reunião em 14/09. Resultado nulo.
15
A leitura das atas revela três tipos de deliberações: as que não mobilizam
e acontecem, as que mobilizam e acontecem e as que não mobilizam nem
acontecem.
Ao primeiro tipo (das que não mobilizam e mesmo assim acontecem)
pertence a decisão de elaborar um estatuto e registrar uma associação civil sem fins
lucrativos que ―congregará profissionais envolvidos com a dança, bem como
estudantes e interessados na área, com o intuito de promover o acesso, a prática, a
pesquisa, a disseminação, a diversidade e o debate da dança, principalmente em
Campo Grande‖ (Parágrafo Único do Art. 1º da minuta de Estatuto Social aprovada).
Essa deliberação foi tomada no dia 2 de Setembro de 2010 e corresponde
à negação cabal do que havia sido resolvido na reunião inaugural do MoviMente,
ocorrida no dia 8 de Abril de 2009, da qual vale transcrever a reflexão mais
importante: ―A maioria das pessoas presentes deixou nítida a ideia de que ninguém
quer fazer frente à atual ASPDMS. O objetivo é fazer outro movimento que tivesse
ideias, pensamentos, interesses e objetivos diferentes dos da Associação e
pertencesse a outro universo de significação dentro da dança de Mato Grosso do
Sul‖. (Ata da Reunião do dia 8 de Abril de 2009)
Em que pese a adoção de base territorial diferente (MS versus Campo
Grande), a abertura quase infinita para filiações de ―profissionais envolvidos com a
dança, bem como estudantes e interessados na área‖ (minuta do Estatuto) e a lista
abrangente e cuidadosa de objetivos, a rendição ao modelo inicialmente contestado
da ASPDMS acabou prevalecendo por gravidade.
E porque isso aconteceu? Independentemente do bom argumento de que
ainda há mais financiamento público para projetos patrocinados por pessoas
jurídicas, a principal razão para que o MoviMente acabe se tornando uma
associação civil ―sem fins lucrativos‖ é a inércia irresistível de um modelo mental que
nega representatividade aos indivíduos, transferindo-a às corporações e respectivas
instituições a que pertençam. Essa questão apareceu nas discussões da reunião do
dia 19 de Junho de 2009. Ana Mariaxxiii e Luíza Rosa relatavam que numa
apresentação sobre Pontos de Cultura10 haviam obtido a informação de que os
10 Ponto de Cultura é um programa do Ministério da Cultura.
16
interessados em financiamento de um Ponto de Cultura deveriam possuir CNPJ11 há
pelo menos dois anos para se habilitarem perante os editais. Chico Neller opinou
pelo registro do MoviMente como pessoa jurídica, ―se isso for necessário para dar
credibilidade ao grupo frente ao poder público e à opinião pública na hora de falar
contra ou a favor de alguma ação‖, ao que Júlio observou que ―independentemente
de ser pessoa jurídica, a representatividade do grupo estaria garantida pelo
MoviMente ser um conjunto de pessoas com seus direitos legítimos de expressão e
reivindicação: vários civis valem mais do que uma empresa‖. (Ata da reunião do dia
19 de Junho de 2009).
Ao defender que o MoviMente se habilite a participar de editais, uma
finalidade econômica por excelência, Chico fala em ―credibilidade‖ para ser contra ou
a favor de políticas públicas, uma atuação eminentemente política; no entanto Júlio,
para defender a liberdade de expressão política, fala que ―vários civis valem mais do
que uma empresa‖, deixando entrever que se referia também a um empreendimento
econômico que poderia ser viável, mesmo sem possuir CNPJ.
Ideias que mobilizam são aquelas que tratam do que é valioso para as
pessoas, mas com simplicidade e clareza, tornando-se assim facilmente entendíveis
para um grande número de pessoas. Entretanto as ideias pouco mobilizadoras, ou
por serem complexas ou a despeito até de terem pouco valor, quando são
empurradas adiante pelo costume e pela ―preguiça‖ inercial dos preconceitos,
acabam sendo impostas e produzindo seus resultados nefastos, mesmo contra a
vontade da maioria, desde que essa vontade esteja diluída numa sopa rala.
Segundo as palavras de José Carlosxxiv, membro simpatizante
entrevistado, um dos problemas da dança (e da cultura em geral) em Mato Grosso
do Sul é a falta de clareza dos mecanismos de financiamento público, que decorre:
... de uma cultura política envergonhada do seu patrimonialismo ibérico, o que por sua vez está na base da definição de critérios de acesso aos recursos públicos para a cultura, copiada de um esquema de financiamento já ultrapassado da Assistência Social, o qual procura inutilmente evitar o desvio de finalidade da aplicação dos recursos ao preferir entregá-los à gestão de entidades ―sem fins lucrativos‖ e declaradas ―como de utilidade pública‖. Isso é uma grande farsa, porque o cumprimento da finalidade da aplicação dos recursos públicos por quem quer que seja, pessoa física ou jurídica, entidade privada ou estatal, empresa ou organização filantrópica,
11 CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas.
17
depende muito mais de boa gestão, executada por meio de projetos bem elaborados e com prestação de contas transparentes, do que da forma jurídica assumida pelos gestores. Essa farsa só serve para estimular a ―pilantropia‖ e para misturar ainda mais os interesses públicos com os interesses privados, tornando mais confusa essa grande dicotomia.
A fraqueza da discussão e da deliberação sobre a forma que o MoviMente
deve assumir decorre, portanto, em grande medida, da separação irreconciliável do
interesse geral da sociedade (de natureza estritamente política), do interesse
corporativo da classe como um todo (de natureza política e econômica) e do
interesse profissional de um grupo que possui entre si afinidade suficiente para
trabalhar em sociedade (de natureza estritamente econômica), aspectos da ―grande
dicotomia‖ entre o público e o privado a que se refere o José Carlos. O que está
―travando‖ a discussão do assunto no grupo e levando-o por inércia a constituir outra
associação dos profissionais de dança, a nosso ver é a ―necessidade‖ de reunir
numa só entidade os três tipos inconciliáveis de interesses: políticos, corporativos e
profissionais. Reservemos esse molho para o final, para ver o que mais as atas e
entrevistas nos dizem.
Vejamos agora as deliberações do segundo e terceiro tipos: aquelas que
mobilizam e acontecem e aquelas que não mobilizam nem acontecem. Na Tabela II,
alhures, estão pintadas de rosa alegre as deliberações que os membros do
MoviMente se apressaram em cumprir. Elas ganham por um tento (20 a 19)
daquelas cujos resultados foram considerados nulos, por isso mesmo foram
classificadas como as que não mobilizam nem acontecem e pintadas na Tabela II
com cinza triste. O empate técnico mostra a ambiguidade das escolhas realizadas.
Nada extraordinário, se considerarmos que já é difícil para qualquer indivíduo
garantir um alto grau de acerto em suas escolhas pessoais. Quando se trata de um
grupo heterogêneo, a possibilidade de erro se eleva geometricamente.
A maioria esmagadora das deliberações cumpridas alegremente pelos
membros do MoviMente referem-se à articulação, à promoção de festas e
apresentações visando a divulgação e defesa dos objetivos do Fórum, ao trabalho
de produção de material e ideias para uso comum e à vigilância da gestão da
política pública para a dança. Do lado das deliberações inúteis estão aquelas que
criam obrigações regulares, dirigem o foco e exigem resultados de estudos
18
coletivos e principalmente aquelas que pretendem juntar uma grande quantidade
de pessoas, tal como a ―grande reunião de divulgação e oficialização do movimento
no dia 19 de maio, às 19h, em local ainda não determinado‖ (Ata da reunião do dia 9
de Maio de 2009). Parece claro a recusa dos membros do MoviMente à hierarquia.
Ordens são solenemente ignoradas. Burocracia é deixada para quem se habilite. As
decisões de caráter mais burocrático e normativo estão pintadas na Tabela II com
amarelo desbotado, porque embora tenham importância para a organização interna,
padecem a desdita do esquecimento rápido.
Se fosse para escolher a finalidade e o tipo de organização que o
MoviMente deve ter com base apenas nas suas atividades cor-de-rosa, diríamos
com tranquilidade que o MoviMente:
a) deveria cuidar apenas de articulação política, promoção de eventos do
seu interesse, produção do que lhe viesse à telha e vigilância e colaboração com a
gestão da política pública de dança (controle social, mas de caráter proativo);
b) deveria permanecer aberto à participação de qualquer pessoa sem se
preocupar em promover filiações em massa nem em reunir grande quantidade de
pessoas, a não ser no caso de comoção pública, quando elas já se reuniriam
naturalmente;
c) deveria restringir e concentrar o seu esforço de coordenação12 ao
mecanismo do e-group, seu melhor e mais efetivo meio de comunicação e melhorar
a administração do seu blog, reduzindo o número de reuniões burocráticas e
aumentando a integração das pessoas;
d) deveria rasgar qualquer estatuto e deixar que os objetivos fossem
aparecendo conforme a necessidade e a oportunidade de realizá-los.
Mas isso é só uma opinião, ainda que consideremos que ela está
amparada nos resultados efetivos da experiência exitosa do MoviMente. Impõe-se
agora ouvir os entrevistados, para saber, principalmente, se o que eles esperam do
futuro do Movimente autoriza a hipótese que abraçamos.
Na Tabela III, a seguir, compilamos as respostas às seguintes perguntas:
Quais os três principais problemas da dança em Mato Grosso do Sul; Em quais
12 Coordenar é fazer com o que todos façam o que deve ser feito. (Definição de Peter Drucker)
19
deles o MoviMente pode atuar para resolver; O MoviMente pode fazer um trabalho
complementar ao da ASPDMS?; Você acha que o MoviMente deve ser um
instrumento de controle social da gestão da cultura?; O que funciona bem, o que não
funciona e o que falta no MoviMente; Que benefícios considera que o MoviMente
trouxe ou pode trazer para você?; Que benefícios o MoviMente pode trazer para a
sociedade? Como se trata de uma leitura livre da transcrição de uma entrevista
gravada, decidimos por omitir o nome da pessoa entrevistada e realçamos a sua
classificação como integrante do Grupo de Sustentação, do Grupo de Mobilização
ou do Grupo de Simpatizantes.
TABELA III
Grupo Número Compilação das Respostas
Grupo de Sustentação 1 Os problemas da dança são desconhecimento, falta de respeito
e de humildade e o MoviMente pode contribuir para resolvê-los,
mas sem ser um apêndice ou complemento da ASPDMS. Deve
ser diferente. Acho que deve contribuir para o controle social da
gestão da cultura, apostando no que tem de melhor, a
democracia interna e resolvendo o que tem de pior, a falta de
inciativa para concluir o que é deliberado. Para isso o
MoviMente não precisa de muita gente. Não há necessidade de
arregimentar muitas pessoas, o que precisa é tornar mais
efetivo o trabalho daquelas que estejam dispostas a colaborar.
Para a sociedade, o MoviMente pode ser uma janela crítica
aberta para o mundo, para sacudir o conservadorismo local.
Grupo de Sustentação 2 Os problemas da dança em MS são que a produção cultural é
pobre, a pesquisa é escassa, não há financiamento para
manter companhias que pesquisem. O MoviMente pode se
interessar mais pela pesquisa e estudo da dança, fazendo a
disseminação do conhecimento em todas as áreas da dança. O
MoviMente não é complementar à ASPDMS. O MoviMente
deve ser diferente. O MoviMente deve colaborar com a gestão
da cultura. Acho que o MoviMente deve ter uma estrutura. O
melhor é a democracia interna. O que não funciona é a demora
em tomar decisões. Falta mais envolvimento. O benefício
pessoal é a troca de experiência. O benefício para a sociedade
é o esclarecimento do público para a dança, rompendo
20
preconceitos e formando público novo.
Grupo de Sustentação 3 O problema é o baixo reconhecimento da dança no Brasil e no
MS. A dança está longe da escola, lembrada apenas como
instrumento de comemoração nas datas festivas. A produção é
muito limitada a festivais e condicionada pelas demandas do
gestor público de cultura. Falta a iniciativa de criar por
necessidade artística. Concentração na capital. O MoviMente
pode gerar reflexão, melhorar a quantidade e qualidade da
produção e contribuir para a melhoria da formação dos
professores. Episodicamente pode ajudar a ASPDMS, mas
deve ser independente e não complementar. Deve fazer
interlocução com o gestor de cultura. O melhor do MoviMente é
a afinidade e o respeito entre os membros. O que não funciona
o baixo comprometimento. As ações de curto prazo funcionam
melhor. O benefício é o compartilhamento e a possibilidade de
discutir. Para a sociedade, o benefício é aumentar o acesso das
pessoas à dança.
Grupo de Sustentação 4 Pouca diversidade da dança. Educação em dança deficiente.
Baixa integração entre os praticantes de dança. Falta de
investimentos públicos e privados. O MoviMente pode contribuir
em todas as áreas, mas isso depende de como abordar cada
problema. O principal instrumento é a discussão e reflexão
sobre dança para o maior número de pessoas. O trabalho do
MoviMente pode ser complementar ao da ASPDMS. Deve
buscar a transparência das ações do gestor público, mas
também colaborar para o aprimoramento da política pública. O
melhor é o entendimento e a harmonia. O pior é a
disponibilidade das pessoas. O benefício é a experiência do
diálogo, especialmente com o poder público. Para a sociedade,
o melhor é que o MoviMente pode chamar a atenção para a
dança.
Grupo de Mobilização 1 Falta de comprometimento das pessoas do meio. O MoviMente
pode ser um organizador do esforço para melhorar a dança,
com as pessoas de que dispuser. O MoviMente é diferente da
ASPDMS, mas pode colaborar com ela. O MoviMente é o lugar
onde se pensa a dança. Pode servir como instância de controle
social do Estado. O MoviMente funciona para além do espaço
das reuniões, ele cria um estado de espírito que a pessoa leva
21
para onde for. Há um intercâmbio entre o que a gente leva e o
que a gente traz das reuniões. Falta clareza da função do
MoviMente. O benefício é a integração, as reuniões do grupo
quebram o isolamento. Preparar o público para receber a
dança.
Grupo de Mobilização 2 Falta de capacitação, formação de professores e de público. O
MoviMente pode contribuir para o aumento do investimento.
MoviMente deve ser vigilante e disseminar informações. O
melhor é a articulação e a discussão, o que falta é objetividade,
parece uma reunião de amigos. Para a sociedade, o MoviMente
pode contribuir para a melhoria da educação.
Grupo de Mobilização 3 Faltam incentivos das políticas públicas para dança. Falta
presença dos representantes da dança nos meios decisórios. O
MoviMente deve representar os profissionais de dança. Deve
ser uma associação diferente e mais abrangente. Mas também
deve ser um Fórum Político, o que é diferente, porque como
associação congrega os profissionais e como fórum congrega a
sociedade como um todo. Um dos objetivos deveria ser fazer
controlo social da política pública. Promover o acesso da dança
para a maioria da sociedade. O que funciona bem é a
organização à distância. O comprometimento de um grupo
restrito é muito alto. O MoviMente não conseguirá ter uma luta
comum, porque as pessoas tem objetivos diferentes. O que
falta é objetivo, como vai sair do papel para o concreto. Saber
se o MoviMente é de todos ou de algumas pessoas.
Grupo de Simpatizantes 1 Falta de público para a dança. Mais eventos que promovam a
qualificação. O MoviMente pode ajudar a qualificação dos
profissionais. Controle social é ótimo, a ASPDMS tem um foco
diferente do de vocês. O trabalho é complementar, mas bem
diferente. A população é muito carente de opções de acesso à
cultura. Admiro o que vocês estão fazendo, tenho
acompanhado tudo pelas comunicações que recebo. Vocês
estão no caminho certo e ainda falta se organizar: há que
separar atividade artística e atividade educativa, sem deixar
que somente uma coisa prevaleça.
Grupo de Simpatizantes 2 A matriz de todos os problemas é a cultura política dos
cidadãos. Não adianta esperar o Poder Público acertar e muito
menos errar, para depois reagirmos. É preciso agir
22
preventivamente. O MoviMente deve ter, portanto, uma agenda
de reivindicações políticas muito clara. Em relação à ASPDMS,
o MoviMente pode ajudá-la, criticá-la ou participar dela,
conforme o caso, mas sem tentar substituí-la por outra
associação. O principal papel do MoviMente é justamente
promover o controle social do Estado na área do seu interesse.
O bom do MoviMente é a sua capacidade de mobilizar um
grupo unido de pessoas, mesmo que seja pequeno e ter prazer
em fazer algumas coisas juntos. Quando pretende crescer e
representar interesses da classe, o MoviMente se perde em
dúvidas e não consegue avançar. Para mim, o MoviMente é
uma esperança de uma prática política menos viciada pelo
autoritarismo clientelista.
Dessa amostra qualitativa das opiniões dos membros do MoviMente
queremos extrair agora a resposta tendencial para as duas questões capazes de
esclarecer a pergunta-título: Quais são as finalidades13 e objetivos do MoviMente,
listadas em ordem de importância decrescente. As entrevistas são muito mais ricas,
mas o foco do trabalho deve por ora desprezar as demais contribuições dos
entrevistados, que poderão ser úteis para leituras posteriores.
O resultado dessa leitura nos dá a Tabela IV, abaixo:
TABELA IV
Finalidades Objetivos
Aumento do público de dança Educação Formação
Aumento da qualidade e quantidade da produção em dança
Educação Formação Investimento
Fortalecimento corporativo Articulação Representação
Efetividade da gestão pública, em termos de qualidade, quantidade e transparência
Articulação Fiscalização Proposição
E nas entrevistas se confirma o que desde logo apareceu como dúvida
permanente, ou seja, que tipo de forma de organização o MoviMente deve assumir,
13 Finalidade é aqui entendida como aquilo que é alcançado depois de cumpridos os objetivos. Nesse
sentido é algo exterior aos objetivos do projeto.
23
dúvida essa originada de uma certeza tomada de empréstimo ao costume invisível e
à inércia preguiçosa dos modelos mentais antigos, o que acaba por induzir a
―necessidade‖ de ser uma instituição hierarquizada e formal. Há clareza e,
sobretudo, grandeza na definição de suas finalidades e objetivos, mas além de
cismar em torno da ASPDMS sem saber o que fazer com ela, a favor dela, contra ela
ou apesar dela, há uma dúvida razoável sobre com que roupas o MoviMente deve
se apresentar ao público.
A grandiosidade das finalidades e objetivos e a ordem em que aparecem
na lista de prioridades, por outro lado, permitem concluir que o MoviMente vê a si
mesmo como um braço do Estado ou como um colaborador muito próximo da
instância decisória da política pública para a dança e a cultura, o que não é
absolutamente verdadeiro e peca por uma certa ingenuidade, já que a finalidade que
poderia resultar de sua atuação política está em último lugar na lista das prioridades.
Parece claro, para encerrar essa investigação do pensamento e da ação
do grupo que a discussão ainda está aberta, o que, em verdade, tem se revelado o
melhor resultado do MoviMente: abrir as discussões, mas não necessariamente
fechar, armazenar e controlar o resultado delas.
O melhor do MoviMente é pensar enquanto faz, fazer enquanto pensa e
aprender enquanto erra e acerta, misturadamente, à mingua da certeza de que
exista um caminho infalível. O estatuto cartesiano da infalibilidade da razão, sobre o
qual se apoia até hoje a concepção que prevalece sobre o fundamento e o papel das
instituições não dá conta mais da diversidade, da fragmentação e por via disso da
necessidade de integração do conhecimento e da ação sobre o mundo. Não há
como separar, para o MoviMente, o movimento do corpo da mutação das ideias,
nem para condicionar a movimentação dos corpos a ideias estáticas. Conforme diz
Helena Katz sobre Descartes, no seu artigo A Natureza Cultural do Corpo:
Por reduzir a verdade ao que pudesse ser apreendido pela mente de forma clara e distinta, fez da matemática a linguagem da verdade no mundo, pois seus objetos resultam de regras claras e distintas, e que, portanto, não precisam se apoiar no mundo empírico para retirarem de lá a explicação de sua existência. Assim, seu cogito, ergo sum colaborou para consolidar a compreensão, que ainda guia a muitos, de que existe uma essência humana e ela se localiza numa mente (ou alma ou espírito) separada do
corpo. (KATZ, 2007, p. 79)
24
CONSIDERAÇÕES FINAIS: QUE NÃO É O QUE NÃO PODE SER O QUE NÃO É14
O Movimente é o que os seus membros são: uma rede de amigos. Por
isso ele tem limites para crescer, se depende da harmonia produzida pelos laços de
amizade. Para isso, as instituições têm regras e hierarquia. Ele também reluta em
ser apenas um empreendimento, pois os amigos que o compõem são pouco afeitos
aos negócios, mas desejam sobreviver fazendo o que gostam. A maioria dos seus
membros percebe também que ele não pode ser uma representação classista dos
profissionais de dança, porque para isso deveria arregimentar a maior quantidade
possível de filiados. Há o desejo, ao mesmo tempo, de integrar-se ao contexto mais
amplo da cultura como atividade econômica, desenvolvendo atividades que possam
levar ao aumento de público para a dança, o que é, na verdade, uma tarefa da
política pública de cultura, o que leva o MoviMente ao seu dilema: quer influir na
política cultural de quatro maneiras diferentes e nem sempre conciliáveis, a uma,
como fiscalizador da boa aplicação e transparência dos recursos, a duas, como
incentivador da qualidade artística e social das iniciativas do Poder Público, a três,
como captador de recursos e gestor desses recursos e, a quatro, como defensor dos
interesses corporativos da classe dos artistas da dança como um todo.
Entretanto, o MoviMente não pode separar esses objetivos sem dividir-se
a si mesmo. Não é possível conciliar o tempo todo e com todos os membros
potenciais os interesses de um Fórum Político de Cultura, de uma Representação
Classista e de um Grupo de Empreendedores Culturais, três dimensões das
atividades atuais do grupo, exercidas conforme a necessidade da ocasião.
Na prática, o MoviMente é tudo isso, porque há um espaço de intersecção
entre essas três dimensões, a política, a corporativa e a profissional, mas isso só
funciona bem enquanto tudo for tratado por um pequeno grupo de pessoas que são
muito afinadas e conseguem separar bem a finalidade do Movimente em cada
momento, sem gerar conflitos.
Acontece que um Fórum Político deveria ter por finalidade crescer e
agregar muitas pessoas, de várias extrações profissionais, que se uniriam em torno
de grandes temas de interesse da sociedade. É um espaço para qualquer cidadão.
14 Refrão da música O Que, dos Titãs, escrita por Arnaldo Antunes.
25
Isso se coaduna com o tipo de organização conhecido como Rede Social, na qual as
pessoas entram e saem sem burocracia, sem compromisso e sem obedecer a
qualquer estatuto além das leis do País.
Logo, há um conflito potencial entre a finalidade do Fórum Social e a de
representação classista dos profissionais de dança, algo muito mais específico e
vocacionado para a disputa econômica com as demais categorias profissionais e até
mesmo dentre as várias instâncias no próprio âmbito da dança. Se assim não fosse,
não haveria dissidências.
Por último, o MoviMente tem ainda menos aderência com uma
organização cuja finalidade é prover renda para os seus associados ou potencializar
o trabalho que cada um realiza individualmente numa sociedade do tipo cooperativo.
Olhando para a tabela de participantes do Movimente, a frequência com
que participaram das reuniões, as propostas que fizeram, as deliberações que
tomaram e os resultados que obtiveram, fica claro que o grupo tenta conciliar as três
esferas de atuação: política, classista e profissional. Daí a indefinição sobre o
arranjo institucional e o modelo de gestão do grupo.
Para solucionar o impasse, é preciso aceitar uma premissa: para cada
uma das três finalidades, será preciso participar de uma organização com foco
específico e aberta a filiações diferentes, ainda que o núcleo organizador permaneça
o mesmo em cada uma das três organizações.
Para o Fórum Político de Cultura, seria ideal a concepção aberta e
informal de rede social.
Para a representação classista dos profissionais de dança, os membros
do Movimente decidiram: não querem ser mais uma associação concorrente àquela
que já existe, mas também decidiram que querem pertencer a uma associação
diferente daquela, o que acaba sendo um eufemismo. As opções possíveis são:
participar da associação existente, uma ideia presente, porem minoritária entre os
seus membros, criar outra associação, mas sem a ilusão de que esta não vá
confrontar a ASPDMS, mesmo que possua território de atuação e finalidades
diferentes ou simplesmente ignorar esse problema e seguir em frente sem criar
coisa alguma.
26
Por outro lado, para o desejo de funcionar como captador de recursos, a
fórmula de criar uma associação ―sem fins lucrativos‖ recai na farsa habitual dos
financiamentos públicos, que somente seriam dirigidos às pessoas que possuam
―certificados de altruísmo com firma reconhecida‖. Para isso, se houver efetivamente
um desejo de trabalhar juntos de forma permanente e não apenas eventual, entre
aqueles que possuam afeição societária suficiente, nem o Fórum Político de Cultura
e muito menos a Associação dos Profissionais de Dança serve. Será preciso uma
nova organização que não esconda os seus objetivos econômicos.
O MoviMente é tudo isso e pode continuar sendo tudo o que quiser se
não se organizar formalmente, mas quando decide se organizar, recai
necessariamente na escolha da tipologia da organização que se mostre adequada a
cada dimensão de atuação.
Faltou somente a declaração da autora sobre o que deseja para o futuro
do MoviMente, embora já a disposição das informações ao longo do relato da
jornada coletiva tenha deixado certamente escapar o seu pensamento.
Defendo a visão de que o MoviMente pode vir a ser um Fórum Político
cuja finalidade principal seja o fortalecimento da democracia, porque esse é o
objetivo estratégico superior numa cadeia de causa e efeito (se isso é feito, então o
resultado é aquilo), que começa com a qualificação de capital humano (educação,
capacitação, etc).
Para começar, a lista de finalidades da Tabela IV deveria ser invertida,
para colocar a política no topo e não na base, realinhando as finalidades do básico
para o superior, sem prejuízo de que todas as atividades aconteçam ao mesmo
tempo. O que muda é a visão orientadora da ação cotidiana.
Como alento para essa visão, uso as palavras de Augusto de Franco,
extraídas do seu Artigo Uma Introdução às Redes Sociais:
Porque a democracia não é o porto, o ponto de chegada (no futuro), mas o modo de caminhar (no presente). Assim, a ―utopia‖ da democracia é uma topia: a política. É viver em liberdade como um ser político: cada qual como um participante — único, diferenciado, totalmente personalizado — da comunidade política‖, tal como acontece apenas nas redes sociais distribuídas de pessoas. (Franco, www.escoladeredes.ning.com 2009)
―Distraídos Venceremos‖ (Leminski 1987, título do livro)
27
REFERÊNCIAS
CALDAS, Paulo. ―O Movimento Qualquer‖. In: O que quer e o que pode ser [ess]a
técnica?, por Sandra Meyer e Sigrid Nora (org.) Cristiane Wosniak. Joinville:
Letradágua, 2009.
FRANCO, Augusto de. O Poder das Redes. 2009. Disponível em
www.escolasderedes.ning.br. Acesso em 20/11/2010.
_____________. Uma Introdução às Redes Sociais. 2008. Disponível em
www.escolasderedes.ning.br. Acesso em 20/11/2010.
KATZ, Helena. A Naturaza Cultural do Corpo. In: Lições de Dança 3. por Silvia
Soter e Roberto Pereira (org.). Rio de Janeiro: UniverCidade, 2007.
MONTEQUIEU. O Espírito das Leis. Rio de Janeiro: Ediouro, 1993.
República, Presidência da. Constituição Federal. Brasília, 10 de Outubro de 2010.
ROSA, João Guimarães. Grande Sertão Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2006.
LEMINSKI, Paulo. Distraídos Venceremos. Curitiba: Brasiliense, 1987.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho não poderia ser realizado sem a contribuição do meu
companheiro José Carlos, pois juntos há vinte e cinco anos temos evoluído do
confronto de ideias para o diálogo permanente. A ele devo o interesse crescente
pela política, em troca do crescente interesse dele pela cultura em geral e pela
dança, em particular.
Aos meus amigos e amigas do MoviMente e adjacências, sem os quais
nem mesmo haveria ânimo para discutir ou estudar qualquer coisa, presos que
estamos na mesma rede de afinidades e perplexidades.
A Denise, coordenadora deste curso, aos professores e à minha
orientadora, Thereza Rocha, devo a escassa objetividade que consegui dar a esta
investigação, além das preciosas lições sobre dança.
28
EIS UMA BOA AMOSTRA DA REDE: i MOVIMENTE - FÓRUM DE ARTISTAS DA DANÇA, grupo de pessoas que se reúne desde 8 de
Abril de 2009 para discutir e propor ações para o desenvolvimento da dança em Campo Grande, Mato Grosso do Sul.
ii ASSOCIAÇÃO SUL-MATO-GROSSENSE DOS PROFISSIONAIS DE DANÇA – ASPDMS, criada
em 1980 pelas proprietárias das academias de Mato Grosso do Sul com o intuito de resolver problemas comuns da dança no Estado. iii UCDB – UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO
iv JÚLIA AISSA VASCONCELOS OLIVEIRA, bailarina, bacharel e licenciada em dança pela
Unicamp (2003). Natural de Dourados, MS, onde estudou dança com Chico Neller, veio para Campo Grande em 2004, pertenceu ao elenco da Ginga Cia de Dança, de 2004 a 2009. Atualmente integra o Coletivo Corpomancia e começa a trabalhar como produtora cultural. v FRANCISCO DE ASSIS DE SOUZA SILVA, coreógrafo. Fundou o Grupo Ginga em 1986 e integrou
o seu primeiro elenco. Com o Ginga foi premiado como coreógrafo em diversos festivais, especialmente o Festival de Dança de Joinville (Melhor Coreografia, 1998) e trabalhou como professor de dança em Dourados, MS, por treze anos. Atualmente é diretor e coreógrafo da Ginga Cia de Dança, coreógrafo da Ararazul Cia de Dança/UCDB, gerente do ―Projeto Dançar‖ (parceria da Ginga Cia de Dança com a FUNDAC). vi DENISE VENDRAMI PARRA, bacheral e licenciada em Dança pela UNICAMP, Mestrado em
Performance Artística pela Faculdade de Motricidade Humana, Lisboa/Portugal (2009). Coordenadora do Curso de Pós-Graduação Latu Sensu em Dança da UCDB. Professora de dança contemporânea e improvisação da Ginga Companhia de Dança, Membro do Colegiado Setorial de Dança, ligado ao Conselho Nacional de Políticas Culturais do Ministério da Cultura. vii
GUSTAVO LORENÇO DA SILVA, ator e bailarino. Integrou o elenco da Ginga Companhia de
Dança de 2006 a 2009. viii
JÚLIO CÉSAR FLORIANO DOS SANTOS, educador físico formado pela Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul, bailarino, integrante da Ginga Companhia de Dança, professor do Projeto Dançar, parceria da Ginga Companhia de Dança com a FUNDAC. ix LUÍZA MARIA ALMEIDA ROSA, jornalista e artista da dança. Ex-integrante da Ginga Companhia
de Dança. É membro do Coletivo Corpomancia. x MARCOS FLÁVIO DE MATOS BEZERRA, educador físico, bailarino e coreógrafo da Cia
Dançurbana em Campo Grande. Trabalha com a cultura Hip Hop (dança de rua) em projetos sociais e em escolas da rede pública de ensino em Campo Grande. xi MIRIAM MARDINE GIMENES, educadora física, psicomotricista, bailarina, terapeuta e proprietária
do Ofurô Clínica & Spa Urbano. Foi integrante do primeiro elenco da Ginga Companhia de Dança na qual permaneceu até 1991. É focalizadora das Danças Circulares Sagradas. xii
ROBERTA SIMONE SIQUEIRA, administradora, bailarina e proprietária do Ofurô Clinica & Spa
Urbano. Foi bailarina da Ginga Companhia de Dança. Atualmente trabalha com as Danças Circulares Sagradas. xiii
PAULA REGINA BUENO NETO NASCIMENTO, designer e artista, ex-integrante da Ginga Cia de
Dança, membro do Coletivo Corpomancia. Criadora do jogo Corpomancia.
29
xiv
PATRÍCIA ALMEIDA DE ALBUQUERQUE, uma das donas do Estúdio de Dança Beatriz de
Almeida, de sua irmã a primeira bailarina do Stuttgart Ballet na Alemanha. Nasceu no Rio de Janeiro, foi baliarina do Teatro Municipal da cidade e mudou-se para Campo Grande para desenvolver um trabalho de formação de bailarinos e bailarinas. xv
RENATA WILWERTH LEONI, produtora de dança, farmacêutica bioquímica pela UFMS (1983),
fundadora e bailarina do Grupo Pantanália Dança (1981 a 1983), primeiro grupo independente de dança contemporânea de Mato Grosso do Sul. Bailarina do Grupo Ginga de 1991 a 2000. De 1996 a 2007 exerceu a função de Diretora de Produção e Projetos da Ginga Cia de Dança. Foi Presidente da ASPDMS no mandato 2003/2004 , quando também foi membro do Conselho Municipal de Cultura e da Comissão Gestora do Fundo Municipal de Investimentos na Cultura de Campo Grande, MS. Atualmente é responsável pelo Núcleo de Dança da Fundação de Cultura do Estado de Mato Grosso do Sul – FCMS e produtora independente de dança. xvi
FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE CULTURA DE CAMPO GRANDE – FUNDAC, órgão gestor da
política pública de cultura do município de Campo Grande. xvii
NEIDE FÁTIMA DOS SANTOS GARRIDO, fundadora, proprietária, coreógrafa e diretora do Balé
Isadora Duncan, empreendimento que iniciou há 35 anos, nascida em Cruz Alta, RS, graduada em educação física e professora de dança moderna. Participou da primeira Diretoria da ASPDMS como tesoureira e é a sua atual presidente. De 1999 a 2005 manteve a Cia de Dança Isadora Duncan, período em que produziu grandes espetáculos, com auxílio das Leis de Incentivo à Cultura, de que são exemplos: Carmem, A Redoma, Ópera do Malandro e Drácula, entre outros. Ocupa desde 1998 a representação do estado como Delegada do Conselho Brasileiro de Dança, vinculado ao Conselho Internacional de Dança, da UNESCO. xviii
COLETIVO CORPOMANCIA, agrupamento de artistas de Campo Grande, que experimentam
dança contemporânea desde 2008. Realizaram o jogo-espetáculo Corpomancia e em 2009 foram contempladas pelo Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna com a produção do espetáculo Me=morar. xix
GINGA CIA DE DANÇA, criada em maio de 1986, por Chico Neller, desenvolve no Estado de Mato
Grosso do Sul trabalhos com dança contemporânea. Realiza em parceria com a Fundação Municipal de Cultura o Projeto Dançar, dando aulas para crianças e jovens da comunidade Campo-Grandense. Participou inúmeras vezes de festivais nacionais competitivos forma pela qual conseguiu divulgar o seu trabalho. Em 2009, seu espetáculo Cultura Bovina foi selecionado para o Projeto Palco Giratório do Departamento Nacional do SESC e pelos Editais de Ocupação da Caixa Cultural no Rio de Janeiro e em Brasília. Produziu o documentário ―Ginga Documenta: Cultura Bovina em Trânsito‖, com o registro das impressões da turnê realizada em 2009. xx NÚCLEO DE DANÇA DA FCMS (FUNDAÇÃO DE CULTURA DE MATO GROSSO DO SUL),
criado em 2007 na gestão do Professor Américo Calheiros, presidente da FCMS. xxi
OFURÔ CLÍNICA E SPA URBANO, além de espaço de bem-estar, local de encontro dos membros
do MoviMente. xxii
FUNDO MUNICIPAL DE INCENTIVO À CULTURA – FMIC, instrumento de investimento à cultura
de Campo Grande. xxiii
ANA MARIA ALMEIDA ROSA, engenheira ambiental e artista da dança, ex-bailarina da Ginga
Companhia de Dança e hoje é integrante do Coletivo Corpomancia, com o qual trabalha com dança contemporânea.
30
xxiv JOSÉ CARLOS GOMES é jurista e funcionário da Fazenda Pública Estadual, 54 anos. Aproximou-
se da cultura e da questão do seu financiamento quando foi membro do Conselho Estadual de Cultura (2003 e 2004). É defensor da adoção da gestão por projetos no setor público.