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O Que é a Realidade?
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8/4/2019 O Que é a Realidade?
http://slidepdf.com/reader/full/o-que-e-a-realidade 1/50
"0 homem cognoscente e simplesmente 0
guarda da realidade."
(W. Luijpen)
\
L- - - - - - - - _ . ~ ~ ~ ' ~ ' . ' ~ . - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
. '
.. i ) :
"CAl NA REAL"
"Qu em compr ee nde qu e a mundo e a v er da de
sabre 0 mundo s ao r ad ic almen te humanos, e st
preparado para conceber que nBOexiste urn rnundo-
e rn -s i, ma s mui tos mundos h umano s, de ac or do
com as atitudes ou pontes de vista do sujei to
existente. "
(W. Luijpen)
A expressao que da nome a e ste c ap it ulo in tr o-
dut6rio e um a das tantas que diariamente surgem
no uso coloquial da linguagem e que podem ounao se incorporar ao aeervo de uma lingua. "Ca
n a r ea l" e um a g fr ia brasileira r e een t e, s i gn i fi e ando
um apelo para que nosso interlocutor deixe asonhar au de ta ze r p ia no s m ir ab ola nte s e u t6 piO Os
e volte a rea lidade , volt e a te r "05 pes no chao"~
Tnteressante esta visao espacial da questao: 0
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i'! .:
8 Jotio-Ftancisco Duarte Junior 0que e Realidade
sonho, a ilusao, 0 erro estao nas alturas; a reali-dade, no solo.'- --Quando ' s e t r a t a - de abaridonar
o irreal, de voltar-se ao mundo s61ido e concre to ,
ca Imos na realidade, colocamos os pes no chao.
O.real. e , o'tarreno firme que pisamos em nosso
cotidiano.
Realidade. Todos usamos rotineiramente esta
palavra nos mais diferentes contextos 8 areas de
atuacao e, no entanto, quase nunca paramos para
pensar em seu significado, no que encerram estas
suas nove letras. E nao paramos porque, assim
~ primeira vis ta, 0 conceito nos parece tao 6bvio
que consideramos dssnecessario qualquer questio-
namento a seu respeito. Todavia, segundo urna
assercso que ja se tornou popular, 0 6bvio e 0
mais diffcil de ser percebido. Alias, a este respeito,
ja dizia um antigo professor que S8 0 homem
vivesse no fundo do mar provavelmente a ultima
coisa que ele descobriria seria a aqua.
Muitas ciencias - especialmente as chamadas
ci€mcias humanas - trabalham com 0 conceito
realidade, incorporando-o ao seu jargao caracte-
rfstico, Na psicologia e ciencias afins (psicanalise,
psiquiatria) talvez seja onde 0 emprego da palavra
e maior e mais decisive e, paradoxalmente, onde
o seu signif icado e menos pensado e questionado.Estudantes e profl,ssionais da psicologia quase
sempre embatucarri quando se Ihes propos que• _ o f
expliquern a termo realidade que empregam em
suas falas e dissertacoes. Em geral tais pessoas
descartam a questao por considera-lademais", ou entao respondem com fra
empregadas pelo senso comum, .corno:e como 0 mundo e", ou "rea lidade e aquas coisas sao". Expressoes que nao di
nem esclarecem qualquer dOvida, po
como e que 0 mundo e? Como as c
E elas serao sempre de uma mesma
podem variar, de acordo com a maneira
olhadas e apreendidas?Tome-se urn quadro a 61eo, por exem
se ve uma paisagem composta por algum
em primeiro plano, uma arvore florida c
um gramado em segundo plano e tendoo horizonte tisnado aqui e ali por fiapos
esgar~adas. C o m ~certeza nos tomariam
se dissessernos que nele , plantas, arvore
e nuvens sao reais. As plantas do qu
possuem a mesrna qualidade de sxistencia
que vivem ali no jardim e, no entanto,
ainda que de maneira diferente. C
poder-se-ia dizer que as plantas do jardim
e aquelas do quadro uma [-epresenta<;ao d
Mas isto nao resolve a qusstao. poisapresenta tarnbern um segundo lin ( vel
dade: e composto de tintas, tela eelementos que codem ser trabalhados
maneiras, criando-se uma real i dade
ou nao. Em outras palavras: existe um
do quadro que capto com a min~~~en
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10 J oao -Franc is co Dua rt e J uni or 0 qu e e Realidade
~ em o< ;aQ , e outra captada de m aneira m ais "f tsica",
digamos assim . a quadro para 0 espectador ediferente do quadro para 0 c ar re ga do r d e mo bf lia s,
e diferente ainda para 0 c ie ntista q ue 0 submete
I" ao raio X e a outros processos a fim de com provar
se ele, na realidade, foi pintado no secu!o XVIII.
(D iferentes maneiras de se apreender a mesmaobjeto: em cada uma delas 0 quadro possui um areal id ade d iv e rs a.
au ainda a arvore florida, que serviu de m odelo
ao pintor. Enquanto este a captava em termos de
forma, cores, luz e sornbras, 0 ja rd in eiro q ue
cuidava do campo viu nela a possibilidade de um
abrigo contra a inclernencla do' sol e sentou-se asua som bra para descansar. E ambos a percebiamde maneira diferente do aqronorno que, neste
instante, sugeria ao dono das terras que a arvore
nao fosse cortada, a fim de se preservar um certoe qu illb rio e co l6 gic o n o lo ca l.
M ais ao fundo dessa paisagem corre um regato
d e a gu as claras, Para a lavadeira que al i lava as suas
roupas a aqua tern urn sen- do diverse de que para
a cam inhante que ve nela a chance de matar a sua
sede. E 0 jardi neira, que a ela acorreu quandotratou de apagar urn incendio que irrompia no
mato seco, nesse momenta a percebia de forma
diferente do menino que tada tarde se dirige ao'\ regato para pescar alguns lambaris. E , i nqu i r id o ,
certam ente urn qu (rnico diria que a aqua daquele
regato nada mais e do que H 20, au seja, uma
'.~"__,,__--~~
substancia cujas m olecules sao com postas de dois
atornos de hidroqenio e um de oxiqenio.
De acordo com estes exemplos nota-se que, na
verdade, talvez nao dev8ssem os falar de realidade,
e sim de realidades, no plural. a mundo se
apresenta com urna nova face cada vez que rnuda-
mas a nossa perspectiva sobre ele. Conforme anossa intencao ele se revela de um jeito. Em
linguagem filos6fica dir-se-la que as coisas adqui-
rem estatutos distintos segundo as diferentes
m aneiras da intencionalidrde hum ana. Segundoas diferentes formas de a consciencia se postar
frente aos objetos. A aqua, para os sujeitos acim a,apresenta real i dades diversas, que sao -ainda dife-
rentes da realidade da aqua para a desportista que
nela vence um campeonato de natacso ou para 0
incauto que nela se aventura e quase se afoga
por nao saber nadar.
Note tambern que nestes exemplos foramconsiderados apenas elementos do chamado
"rnundo ffsico": aqua, nuvens, arvore, plantas,
etc. Quando se trata de fatos hurnanos, culturais e
sociais, a coisa cresce em complexidade. Qual a
realidade de uma greve? De um golpe militar?D o ensino pago? D e elelcoes diretas ou indiretas?
De uma paixao que leva a esc rever poemas e aembriaguez, quando nao correspondida? Qual a
rea lid ad e d os m od os d e v id a d e riosso s a nte pa ssa do s
das cavernas, que inferim os a partir de um a seriede ind (cios geol6gicos e antropol6gicos? Sem
1
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I
Jodo-Franc isco Duarte Jun ior 0qu e e Realidade
duvida, aqui os pontos de vista se multiplicam,
. aume nta nd o, c on se qU en te me nte ,0
nurnero dep os sib ili da de s d e 0 r ea l s e ap re sen ta r.
R ea lid ad e, p ort an to , e um conceito extrem a-
. m ente cornplexo, que rnerece reflex5es fnos6ficas
aprofundadas. A final, toda construcso hu ma fi a ,seja na ciencia, na arte, na filosofia ou na religiao,
trabalham com 0 real, ou tern nele 0 s eu fu nd a-
mento ou ponto de partida (e de chegada). M elhor
dizendo, trata-se, em ultim a analise, de se questio-
na r 0 sentido da vida humana, vida que, dotada de
uma consciencia reflexiva, construiu s eu s conc ei to s
de r ea Jidade , a partir dos quais, se exerce no m undo
e se multiplies, alterando a cada momenta a faced o p la ne ta .
N o p araq rafo an terio r, 0 grifo no verbo "cons-
truir" tern a sua : azao de ser. Sera fundamenta I
com preender-se que a realidade n~o e alqo dado, que
esta a f se oferecendo aos olhos humanos, olhos que
simplesmente a registrariam feito um espelho ou
cam era fotogrM ica. 0 homem nao e u rn s er p as siv o.
que apenas grava aquilo que se apresenta aos seuss en ti do s. P el o c on tr ario : 0 homem e 0 construtor
._Qp__ mundo, 0 edificadm-cra-·t~~~ii-dade.'· E~t;"'~cons tr u -f da · , ' ·· fod i3da· no ie ncon tr o .Tr i- ce s sim te en tr e
os sujeitos humanos e 0 m undo onde vivem .
Contudo, 0 paradoxo rnais gritante e q ue , s en doo homem 0 construtor da realidade, em sua vida
cotidiana ele nao se p.ercebe assirn. M u T t o ' · · p · e f ocontrario: percebe-se com o estando subm etido a
realidade, com'. sendo conduzido
Tnaturais ou s O C : C 1 i s ) sobre as quais el
nao pode ter controls alg um . F eito 0
d r. F ra nk en st ei n, a criatu ra v olta-se c
criador.Mas como, voce podera p erg un tar
do cap (tulo (on de se pretende apenas
a problernatlca do tema): quer dizer
reza, as torcas ffsicas, sao criadas pe
Nao, eu Ihe respondo, pedindo-Ihe
tenha paciencia e acompanhe a svoluc
ernie nos caprtulos subsequentes. A s fonao sao criadas pelo ser humano, ma
de percebe-las, de interprets-las e de
re la co es . co rn e la s, sim. Psnsernos n u
extremo: 0 peixe que vive no rio p
maneira radicalmente distinta do p
mora ern sua margem. S6 0 homem
no rio, toma-to como objeto de se
e interpretacao. A realidade do do,
no mundo humano, tao-somente s
assim para a homem. Qual seria a real
para urn habitants de outra qalaxia
tasse? Nao se pode saber.J a que estamos falando em aqua, re
regato citado nas paqinas anteriores.
critas a Ii as varias "real idades" da aqsentidos que ela adquire, de acordo
cionalidade dos hom ens que com ela se
Foi apontado entao que, para urn
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- - - - - - -l i l i i i i
1 {I"
I L . _
14 Jo t io -Franc isco Duar te Junior 0qu e e Realidade
q~ trnico}, a aqua e uma substancia formada de
hidroqenio e oxlqenio. N6s, _ hab itan tes d o m un do
m?derno e com. algum qrau de intorrnacao,
ten~emos a acreditar que na realidade a agua eaq~llo que diz ser a ciencia .. E 0 cien tista q uem
terl~ as c~a~es com que se· abrem as portas da
realidade ultim a das colsas. A re alid ad e d a aqua eser ela formada por hidroqenio e oxiqenio ligados
na proporcao de dois para urn.
Ora, _~~~~_~_ .urna crenca periqosa, que colocanas maos da ciencia a poder suprerno'de decidir
~cerca da realidade do mundo e da vida. Para 0pescador, poueo se Ihe da se a agua e 'formada
destes au daqueles elementos, nesta au naquela
p!opor<;ao. Seus conhecim entos a respeito do riosao de outra ordem, sua realidade e c on str u ( da
de forma diversa, e sobre esta realidade ele atua
a fim de manter a sua subsistencia,
A lias, as aguas com as quais entram os em contatono nosso cotidiano sao sernpre refrescantes ougeladas, sujas ou lim pas, turbulentas ou placidas
c?nvidativas ou arneacadoras, nunca um a substan~
Cia fo~mada por tais e tais elementos qufrnicos.
A real~ ~.d ~ d esv elad a p ela cien cia e u ma "realidade
de _~egund~. - ·oTdEim'7 ,a u · s e ja, constrii (d a sobre - a s 'retacoes d o d fa :i ;-d ia · qu e 0 homern -·mantem com
0...mund,9. Ant~s de a qu (mica afirmar a composl-
( faD .d a ag ua , trl.lho es e trilh5 es d e s eres hu man os ja
haviarn se relacionado com ela, percebido e atuado
s ob re a s ua " re ali da de ".
Toda esta discussao m ostra que, contlgua aqu~ sfgo da realidade coloca-se outra: a da verdade.
E ste s d oi s c on ce it os carninharn juntos et d e c erta
form a, discutir um im plica discutir 0 outro. Nao
me alongarei neste ponto agora, deixando-o para
as paqlnas finais. Por ora basta notar-se que, de
par com os "nrveis" de realidade, cam inham
tarnbern os lin (veis" de verdade. Nao ha porque
se considerar as verda des cient (ficas como sendo
mals "verdadeiras"., (ou rnais seguras) do que as
verdades sstetlcas ou filosoficas. por exemplo.
C ada um a delas apresenta 0 seu grau de valor no
seu co ntex te especrfico. T en ta nd o c om pa re -l as
es tam os, co mo se d iz, m istu ran do estac5 es .
Concluindo: a questao da realidade (e daverdade) passa··pera· cornpreensao d as d ff er 'e nt es
rnaneiras de 0 ho mem se relacio nar corn omundo.
C ie nc ia , fi lo so fia , a rt e e r eli gia o· ~ a · oq ua tro fo rm as
marcantes e especiais de esse relacio nam ento se dar.
Todavia, em nosso cotidiano, a atitude fllosoflca.a cientffica, a artfstica ou a religiosa sao especies
de parerrteses que abrimos em nossa forma usual,
ro tin ei ra , d e viverrnos a vida e cuidarm os de nossasobrevivencla. De certa m aneira, a realidade da vida
cotid iana se imp5e a nos com todo a se u p iso.
Ali, a agua nao e H10, nem a arrocho salarial
um a exploracao da mais-valia - verdades per ti-
nentes a es fera d a cien cia e d a filo so fia.
~ ~..r.ean qad e d a v id a co tid ian a e, se s e p od ed iz er
_..~.~s~m , a realidade por excelencia. na qual nos
15
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____-----------------..
16 J oi io -F ranc is co Duar te J un io r
,1~'I
~"
f!
'1II~
'\
. '! l5)vemos como opeixe na agua: Sera ela, portanto,
que ocupara as nossas "-reftexoes nos capftulos
seguintes, ci tando-se, aqui e ali, estes outros modos
especiais de construcao da realidade ("realidade
de segunda ordem", como chamamos anterior-
mente). Apenas um ultimo capitulo foi reservado
para S8 t ratar das realidades e verdades constru (das
pela ciencia, por ter ela, nos dias que correm, um
oapel preponderante nos destinos do planeta (nao
nos esquecarnos da arneaca nuclear que paira
sobre as nossas cabecas}.Vamos, pois, "cair na real",
- ~
! •
I
"NO PRINCIPIOERA A PALA VRA"
"Nao hA sentido sem palavras
sem linguagem,"
"Na palavra, na linguagem. e que
.mente as coisas."
(
Nas paqinas anteriores foi dito que 0
o construtor da realidade, 0 construtor d
Que, ao contrario do peixe, por exempl
o ser humano pode tamar 0 rio como
de seu pensament'o, rsflexao e prajeto.r 0 homem pode dispor de uma certa "
com ralacao ao mundo, interpretando-o e
sentidos diversos. ~ precise agora exp
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18 ri'
I! \ ,.,.,..~(\ -.
'\
Joa o-F ra nc is co Duar te Ju ni oQ qu e e Realidade
c la ra me nte t ai s a fir rn ac oe s. ja qu e elas sao b asicas
para que se entenda 0 q uee ] a re alid ad e :fo rJa da
\p -~ Ia e sp ec ie hu man a em s ua ex is ten cla. ex is teric ia
'~sta radicalmente diferente de todas as outras
.,i fo rm as d e v id a q ue h ab ita rn o pl an et a.
o que funda esta diferenca, 0 que torna 0
homem humano e. basics e decisivarnente, apalavra, a linguagem . A consciencia humana euma consciencia reflex iva porque ela po de se
vo ltar so bre si m esm a, isto e , 0 hom em po de pensar
em si proprio. tomar-se como objeto de suareflexao. E isto 56 e possrvel qracas a linguagem:
sistem a sim b6 1ico p elo qual se represen ta as coisas
do mundo, pelo qual este mundo e ordenadoe rec eb e s ig n i fica ca o ,
A trav es d a p alav ra 0 h om em p ed e "d es pren der-/ se" de seu rneio ambiente irnediato.: tomando
ccnsciencia de espacos nao acessiveis aos seus
sentidos. O u seja: a palavra traz-m e a conscienciaregioes nao alcancaveis pelos m eus sentidas aquie agora. Quando digo "Japao", p or exem plo,
torno-me consciente de uma regiao do planetaque no momento me e inacessr, el, que nao pode
ser vista nem tocada por m im . 0 animal nao pode
tazer isto : esta irrem ediav e!m en te preso, ad erid oaos seus sentidos.' A consciencla animal 'nao vai
'alern daquilo que seus orgaos dos sentidos trazern
ate ele .. ,0 a nima l a si a in di ss ol uv el rn en te Iiqadoao aqui. " , .",',.'.'.
Por isso S8 diz que 0 animal possui um meio
am bien ts . en qu an to 0 homem vive no mundo.S6 pela p alav ra po dem os ter co nscien cia, encerrar
em nossa mente a totalidade do sspaco no qual,
v ivem os: o . p laneta T erra. \A vida anim al, ao\ c ontrario, esta sempre e apenas ligada ao sspaco." q ue e xi st e. e m s ua v olt a, o seu .m.eioambiente. I
< "'P el a p al av ra 0 ho mem criou tarnbern 0 tempo,ou a consciencia dele. Posso pensar no meu
passado, e nao s6 no meu passado, mas no de toda
a sspecie humana: com a palavra e.n?ontro e
erio sigl}ificayoes para aquilo que VIVI ontem,
anteontem , ou para aquilo que outros homensviveram tres seculos atras, Com a palavra posso
a in da o la ne ia r 0 meu futuro, com ela sei .queexiste um tempo que vira, um tempo que ainda
na o e J a 0 an j ma I, nao: esta preso nao apenas
ac aq 'ui, mas tambsrn ao agora. ~ animal v .ive
num presente imutavel. eterno, fixo: sua vld~
e tao-scrnente uma sucessao de instantes: nao haprojeto s para 0 fu turo nem interpretacoes do
passado. .E sta e a rad ical dlterenca entre ho mem e an im al:
o m eio sim b6 1ico criado pela lingu ag ern hurnan a,
l in gu ag ern q ue c ap ac ita 0 h om em a _ pr of eri r 0 se u
lieu". S im , pois nao estamos aderidos ao nosso
corpo com o 0 animal ao dele. 0 animal e 0 se ~
corpo, eorpo atraves do qual esta ancorado. ao aqu I
e agora. 0 homem tern urn cor p o, ou sera, pode
"descolar-se" dele e torna-lo com o objeto de suas
reflexoes. Somos mais que nosso corpo: somos
19
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II
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20 Joilo·Francisco Duarte Junior' 0 qu e e Realidade
tarnbern a canscrencia deste corpo, que sabemas
finito. Neste sentido e que, em linguagem filosofica,se fala da transcendtfnCia.-huma.na'l 0 homem trans.
cende, var--£ilemda imediatividade do aqui e agoraem que esta 0seu corpo.
Vivemos assim, nao apenas num universe fisico,
mas fundamentalmente simb6lico. Um universo
criado pelos significados que a palavra empresta
ao mundo. Ha que S8 mencionar aqui, rapidamente,
a questao do suicfdio, ja que 0 homem e 0 unico
ser que, deliberadamente, pode por fim a propria\tida. 0 sulcrdto e 0 exemplo mais extrema de
como este universo de significavoes constru (do
pelo ser humane chega a ser-Ihe mais importante
que a dimensao meramente flsica da vida. Muitas
vezes seu corpo esta em perfeitas condlcoss, mas 0
homem se mata. E se mata porque a vida deixou
de fazer sentido, perdeu a sua coerencia simb6lica:
nao ha mais valores ou sign ificados sustentandoa x-isten cTa:~" '1Existenoia -..:'Esta, a oalavra chave. 'As coisas e
os anlmals--s§'O, enquanto 0 homem existe. Exis-
tencia e justamente a vida (bioI6gica) mais 0 seu
sentido. Sentido que advern da linguagem, instau-
radora do humano, que advern da palavra, criadora
da consciencia reflexiva e do mundo. "N o princi-
pia era a Palavra" (Joac, 1.1), diz 0 texto blblico.Pela palavra se faz 0 mundo. Somente com a
palavra surge isto a que chamamos mundo.
"Um momento" - poderiam objetar _ "as
. .. a o rd en ac do d es te a gi om er ad o d e s er es n u
significative, so e posstvel a ~ h Ol ~ .e r: ! ,a ~ av e
consciencia simbolica, lingiiistica.
8/4/2019 O Que é a Realidade?
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, ."ii
, . , ;
, i
1n
22 J odo -F ran ci sc o Dua rt e J uni a 0 qu e e Realidade
coisas, arvores, nos, pedras, m ontanhas ja na o
estavam a ( antes de surgir 0 homem e sua Iingua-
gem ?" Sim , m as ainda nao eram mundo. Mundo
e apenas e tao-somente um conceito humano.
M undo e a cornpreensso de tudo isto numa totali-
dade, e a ordenacao deste aglomerado de seres
num esquem a significativo , so possivel ao ho mem
at r av es d e su a con sciencia sim b6 1ica, ling i.H stica.
Sem esta consclencia, sem alquern que dissesse
"isto e 0 mundo", tudo continuaria apenas um
conglomerado de coisas. 0 mundo - que e um
conceito essencialmente humane - apenas surge
com 0 homem e para 0 ho me m. A nim ais e v eg etais
continuam presos neste aglomerado chamado
m eio am biente. S6 0 ser hum ane habita 0 mundo.
Mundo e homem surgiram juntos e perm anecemi nd is so lu v elm en te l ig ad o s.
M as a fin al, 0 que e mundo? Nurna .f6rmu la
simples podem os afirmar: m undo e 0 que podeser dito . M undo e 0 conjunto ordenado de tudo
aquilo que tem nome. As coisas existem para m im
at raves da denorninacao que Ihes empresto. Que
isto fique claro: 56 podemos perisar nas corsas
atraves das palavras que as representam , enten-
dendo-se "coisas" a ( nao em seu senti do estrita-
m ente ffsico, material. ldeia, sentimentos (os
"substantivos abstratos"}, existern para rrurn .
tornarn-se objetos de m eu refletir, pelos seus
n om es .. A m or, ju stic a, frate rn id ad e, raiva, demo-
cracia sao conceitos que fazem parte do meu
" " ' :
mundo porque criados e reconhecidos por meio
da pa la v ra .
Definitivamente: 0 que existe para 0 homem
tem um nome. Aquilo que nao tem nome nao
existe, nao po d e ser pensado. Um a pequena obser-
vacao e pertinente que se faca aqui: algum as
"coisas". alguns conceitos existem para nos sem
serem esp ecificam en te no meado s p ela lin guagem ,
m as v er n a lu z atrav es d e o utro s s is te ma s sim b6 lic os
criados pelo ser hum ano. A linguagem e 0 sistema
fun dam en tal e p rim ord ial d e criacao e siq nificacao
do mundo, mas alem dela foram desenvolvidos
ou tros, com o 0 da rnaternatica. da qu (m ica, das
a rt es , e tc .
Dadas estas colocacoes podemos co r necar a
perceber que, alern de se falar em mundo como um
d ad o q en eri co . t ar nb er n e lfc ito fa lar-se e m m un do ,
significando 0 a cerv o d e c on ceito s e c on hec im en to s
que cada indlviduo possui. Ou seja: quanta rnals
palavras conheco, quanto mais conceitos posso
a rt ic ul ar , m ai or e 0 -m eu m un do, m aior e 0 alcance
e am plitu de d e m inha con sciencia. Tornernos po r
exemplo a palavra "zeugo". Se voce, leitor, nao
sabe 0 que ela significa, a "coisa ' que ela desiqna
esta ausente de seu mundo, nao faz parte daqui!o
em que voce pode pensar. (Uma olhada no dicio-
nario Ihe dara 0 sig nificado e am pliara 0 se u
mundo. E , por favor, nao fique irritado feito
ficou 0 ed ito r: isto e s6 u ma p eq uen a b rin ca deira.)
Nao e por outro motive que na famosa obra de
i.L
23
8/4/2019 O Que é a Realidade?
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Jodo-Franc isco Duar te Junior! 0 que e Realidade
ficcao 1984, de George Orwell, a ditadura implan-
tada no pa(s imaqinario de Ocean ia gradativamenteia diminuindo 0 vocabulario permitido ao povo e
registrado nos dicionarios. Quanto menos palavras
a populacao soubesse, menor a sua capacidade de
racioctnio e menor a sua consciencia de mundo.
H a coisa de dez anos, aqui mesmo no Brasil,
viveu-se uma censura tao ferrenha aos meios de
comunicacao que determinadas palavras e conceitos
simplesmente nao podiam neles aparecer. Certos
aspectos da realidade nao podiam ser expressos
nem nomeados, sob pena de prisao e processos por
atentado contra a "sequranca nacional".
Na ultima frase do paraqrafo anterior foi reintro-duzida a palavra realidade. Depois de todo este
raciocfnio acerca do conceito de munrio podemos
perceber que, se ele e ordenado e significado
atraves da linguagem, consequenternente a reali-
dade sera tarnbern fundamental mente estabelecida
e mantida por ela. A partir da linguagern que um
povo emprega (e tarnbern a partir de suas condicoes
materiais, e clare), ele constr6i a sua realidade.
A construcao da realidade passa pelo sistema
Iinqufstico empregado pela comunidade.A lingua-
gem de um povo e 0 sistema que Ihe permite
organizar e interpretar a realidade, bem como
coordenar as suas acces de modo coerente eintegrado. ' ,
o que e 0 mite bfblico da construcao da Torre
de Babel senao uma (antililustracao disto que esta
- sendo afirmado? Pelo castigo divino os
que estavam construindo a torre cornefalar Ifnguas diferentes, 0 que Ihes impos
a ccmunicacao e, consequenternente, a
tacao consensual do mundo e a conjuqacao
na qual estavam envolvidos. Assim, a
realidade) tornou-se imposslvel de ser erigiNossa percepcao do mundo e , fundamenta
derivada da Iinguagem que empregamos.
.linguagem esta, dialeticamente, ligada as c
materiais de nossa existencia, especialme
sociedades divididas em classes. Porsrn, 0
nio aqui desenvolvido prende-se exclusivam
aspecto geral da questao, qual seja, a dernode que 0 sistema llnqufstico de que se
povo e condicionante de sua maneira de in
o mundo e de nele agir (construindo a sua re
Nesta afirrnacao. de que a nossa p
deriva-se da Iinguagem que util izamos, 0
do termo percepcao va; alern de seu sig
mais geral de "compreensao". Envolve
percepcao entendida como 0 produto d
orgaos dos sentidos. Visao, audicao,
qustacao e tato sao tarnbern "educados"
ralmente, 0 que vale dizer lingLiisticame
derlvacao. Com alg; "ns exemplas isto se
mais claro.
Certa tribe africana possui r em seu voc
em torno de cinquenta maneiras difere
se afirmar que "fulano vern (au esta) an
8/4/2019 O Que é a Realidade?
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26 lotio-Francisco Duarte luniP qu e e Realidade
.• I!,:
C ada um a dessas expressoes descreve 0 jeito de a
pessoa andar (balancando os braces, gingando os
quadris, etc.) . Desde crianca 0 indivrduo tem a
sua visso, a sua percepcao de movimentos, trei-
nada, ja que precisa empregar corretarnente a
expressao verbal correspondente aos modos de
seus sem elhantes andarem . C onssquentem ente. elesconseguem captar nuances e sutilezas do andar
que nos nao conseguimos, a nao ser atraves de
urn esforco deliberado para tanto. A linguagem
que empregam em seu cotidiano os obriga a desen-
v olv er e sta p er ce pc ao e sp ec ff ic a.
U rn outro exemplo deste condieionamento
linqiiistlco tem a ver com aquilo que a psicologia ..(
denomina "constancies da percepcao". U rn prate f
sobre urna mesa sempre nos parecera circular, :
independentem ente do nosso angulo de visao. rUm aviao nos ceus nunca sera v h - c , " ) com o algo t
rninusculo. E urna maca sempre nos parecera
vermelha, sejam quais forem as coridicoes de
ilurninacao. Estas sao as constancies da form a, do
tam anho e da cor, respectivamente. Notemos que,
no prim eiro caso, na verdade 0 prato chega aos !nossos olhos com o urna elipse (e nao urn cfrculo}: t
n o s eg un do 0 aviao atinge as nossas retinas como ~.l,t
urn objeto de tamanho Infimo; e no terceiro, ~ode I
ser que a m aca se apresente arroxeada, se ilum inada r
p ar lu ze s a zu is .. t.
Todavia, nossos sentidos passaram por toda um a faprendizagem (estreitam ente ligada a l inguagem) I:
!
\":":~~~---------
e, ao verm os 0 prato, logo 0 c on ce it o " ci rc ul ar "
nos vem a m ente; ao verm os 0 aviao ja sabemos
que ele nao pode ter 0 tam anho de uma caixa de
f6sforos, e ao conceito "maca" imediatamente
associa-se 0 conceito "verm elha". Quando
aprendemos a desenhar e a pintar temos de nos
treinar para suspenderm os esta nossa linguagem
conceitual, observando as coisas com o elas chegam
aos nossos olhos. 0 que os pintores chamados
"prim itives", "inqenuos" ou neives nao fazem
e [ustarnente esta suspensao: pintam m ais atraves
d os c on ce it os . P in tam 0 p ra to n um a fo rm a c irc ula r,
seja qual for a perspectiva considerada. "De
repente os olhos sao palavras", assinala 0 poeta
P ab lo N e ru da .
o ser humano move-se, entao, num mundo
essencialmente simb6lieo, sendo os sfmbolos
lingu rsticos os preponderantes e basicos na edifi-
cacao deste mundo, na construcao da realidarle.
C om o a firm ou 0 filosofo L udw ig W ittgensl- i n ,lias lim ites de m inha Iinguagem denotam os lim ites
de meu mundo", Ou seja: 0 mundo, para m im ,
c irc un sc re ve -s e a qu i 1 0 que pode ser captado par
m inha consciencia. e m inha consciencia apreende
as "coisas" atraves da linguagem que ernprego e
que ordena a m inha realidade. A ssim , 0 re al se ra
sem pre urn produto da dialetica. do jogo existente
entre a materialidade do mundo e 0 sistem a de
s iq ni fl ca ca o u ti li za do p ar a o rq an iz a- lo ,
-,.••••
27
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A EDIFICA~AO DA REALIDADE
"0 intere ss e sociol6g ico nas questce s da ' rea li -dade' e do 'conhecimento' jus tifica-se ass lrn inlclal-
mente pelo fat e de sua relati vi dade social. 0 que
e 'real' para urn mange tibetano pode nao ser
'real' para um homem de neg6cios americano.
o ' conhecimento' do c riminoso e di fe ren te do
'conhecimento' do criminalista."
(P. Berger e T. Luckmann)
N o prim eiro paraqrato do caprtulo introdut6rio
foi feita a seg uinte afirrnacac: 0 real e 0 terrenofirm e que pisam os em nosso cotid iano. A gora serapreciso que se parta desta assercao, procurando
compreende-Ia dentro de um contexto rnais
especffico.Todos temos consciencia, de uma maneira ou
de outra, de que 0 m un do a pres en ta rea lid ad es
\ .~,~":.~.. . ".
ri
,
!(.
1 /;
o que e Realidade
rnultiplas, isto e, q ue ha zo nas d istin tas
cacao, Frsquenternente passam os dedessas realidades e sabemos que cadaexige-nos uma forma especffica de pe
a< ;:ao , q ue ca da urna deve ser vivida
peculiar. Quando sa (mas do cinema
acordam os de urn s on ho , p or e xe mp lo ,
tamos a passagem de uma a Dutra
distintas da realidade. 0 filme (a arte)on (rico apresentam -nos elementos
consciencia nao m istura nem con
a qu ele s p ro ve ni en te s d a v id a c ot id ia na .Com o ja afirmado anteriormente,
diana a q ual reto rn am os s em pre e c on sno s a re al id ad e p or e xc el en ci a, a r ea li
m inante. N ossa co tid iano e 0 mund
ardenada no qual nos movemos dd am en te , d ev id o a su a con stancia e a se
a conhecimento de que dispomos sabre
Po rern , m esm o 0 cotidiano nao c
bloeo m onol rtico de realidade: nelezonas mais proxirnas ou distantes
consciencia, A realidade que me e m
aq uela na q ual tenho m aier seq uran ca,
ao mundo que se acha ao alcance de mmundo no qual atuo, trabalhando p
ou co nserv a-lo . A qu i su bjazem em m in
c ia m o ti vo s e ss en cia lm en te praqrnatico
m inha atencao se pren de aq ui!o qu e esfiz ou p retend o fazer. A in terp retacao
8/4/2019 O Que é a Realidade?
http://slidepdf.com/reader/full/o-que-e-a-realidade 13/50
30 Jaffa-Francisco Duarte Junior
cotidiana fundamenta-se em propositos praticos,
propositos que, em ultima analise, tern a ver coma nossa sobrevlvencia.
A partir dessa regiao mais clara e evidente de
nosso dia-a-dia, outras V a G se sucedendo e, arnedida que se afastam de nossa possibitidade de
manipulacao. tornam-se rnais obscuras. Porexemplo: uma pessoa todo dia ao dirigir-se parao trabalho, cruza a ponte sobre 0 rio que corta
a cidade. De la ve pescadores em suas margens,
com os canicos nas rnaos, Nunca tendo pescado,
desconhece as tecnicas da pesca e, mais especifi-
camente, desconhece aquele rio em particular:
os tipos de peixe que existem ali, os melhores
lugares para apanha-los, as iscas que devem ser
empregadas, etc. 0 rio e a pesca fazem parte
de seu cotidiano, mas estao localizados numa
area de realidade merros conhecida e manipulavel
do que a ocupada pelo seu trabalho no escrit6rio.
Da mesma forma 0 terreiro de umbanda que
este mesmo indivfduo ve as vezes em seus passeios.
Ao passar pela sua porta ouve 0 som ritmado dos
rituais, mas desconhece totalmente como eles se
processam e 0 que se passa lit dentro. Esta e. para
ele, uma zona de realidade ainda mais obscura
e distants do que aquela ocupada pelo rio e os
pescadores.
o setor da realidade que me e mais claro e
conhecido pode ser chamado de "nao-problerna-
tico", Ali a meu conhecimento me habilita a viver
o que e Realidade
de maneira mais ou menos "rnecanlca", no sentido
de nao serem necessaries novos conhecimentos
ou novas habilidades para resolver as pequenas
questoes surgidas. Se, contudo, um problema
inusitado aparece neste cotidiano, procuro
resolve-to a partir do conhecimento ja cristalizado
pelo meu dia-a-dia, buscando integrar esta novarealidade problernatica aquela nao-problemchica.
Diariamente, POI- exemplo, tomo determinado
6nibus para chegar ao meu local de trabalho.
Mas urn dia urna greve dos motoristas daquela
companhia gera-me um problema que me obriga
a sair da rotina a fim de resolvs-lo. Busco entao
saber se outras companhias que nao estao em
greve tern linhas que me servem, ou se ha colegas
de trabalho na regiao onde moro que estejam
dispostos a dividir um taxi comigo. 0 problema
me obriga a procurar um novo conhecimento,
que se integra entso ao meu cotidiano ja conhecido.Como a vida cotidiana e dominada pelo espfrito
praqrnatico, a maioria dos conhecimentos de que
dispomos para atuar nesta esfera e do tipo
"receita". Ou seja: conhecimentos que me dizem
como devo proceder para alcancar tais e tais
propositos determinados. Nao se colocam aqui os
"porquss", mas essencialmente 0 "como". Sei
como uti lizer 0 telefone, mas nao por que, ao
discar um certo nurnaro, meu amigo atende do
outro lado da linha. 5ei como ligar e sintonizar. a TV, mas nao posso explicar 0 fato de a imagern e
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32 !olio-Francisco DUflrte Junior I 0 qu e e Realidade
_ _ - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -o sam safrem das estacoes transm issoras e serem
cap tad os p elo m eu aparelho recep tor. A ssim , m ov e-
rna-nos em nosso dia-a-dia baseados em conheci-
mentos praticos que nao sao questionados nem
colocados em duvida, a menos que urn fato novo
n ao p ossa ser resolv id o n em ex plicad o p or eles.
Sendo nosso cotid iano considerado a realidade
predorninante, a linguagem que utilizam os nesta
esfera da vida, com seus conceitos e "f6rmulas",
tende a ser tarnbern 0 n osso m eio lin qu fstlco
predom inante. Nossa in tepretacao do mundo
fun dam en ta-se n esta I in gu ag em : p ro cu ram os sern-
pre compreender outras esferas da realidade a
partir dela. A s experiencias que vivenciamos em
outros cam pos de siqnificacso delim itados (com o
a arte e os sonhos) sao por n6s "traduzidas" para
esta linguagem rotineira. Ao proceder assim elnevitavet que ocorra uma certa "distorcao" dos
significados provenientes dessas outras areas, na
m edida em que eles somente sao expressos em
sua plenitude atraves dos codiqos que Ihes saoespecfficos.
Isto e fa cilm en te v eriflca ve l. p or ex em plo , n um a
exposlcao de artes plasticas. especial m ente em se
tratando da chamada "arte abstrata". a publico
nao afeito aos c6digos esteticos deste tipo de
expressao fica, em geral, procurando encontrar nasobras form as e contornos que Ihes sao conhecidos:
um anim al, urn rosto , um a arvore. etc. F ica bus-cando traduzir uma realidade um tanto obscura
Ii
II
{ ,
I
naquela que Ihe e c on he ci da e r ot in ei ra .
E stes o utro s cam po s d e siq nificacao ,
sao especies de parenteses que se abrem
realidade predom inante, a da vida cotid
"enclaves" que apresentam seus modos
d e s iq n if lc ac ao , 0 que vale dizer, de
E sem pre necessario um eerto "estorco"
d eslig arm os da realid ade co tid ian a e p e
n esses o utro s seto res: e preciso que se
a linguagem e a vlsao rotineira do mun
riorm ente foram citados como exempl
"enclaves" a arte e a esfera orurica. M aque se note que tarnbem as experiencias
(rru sticasl, assim co mo 0 p en sam en to
(a filosofia e a ciencial. fa ze m p arte d es s
l im i ta d os d e s iq n if ic ac ao .
A q uestao cientrfica sera abordada
capitulo , m as para que este ponto fique
basta que se anote do is exemplos. Emdiaria 0 qu (mico que utiliza a aqua pa
tom ar banho, nadar DU regar 0 seu ja
cebe-a com o fresca, I (m pida, suja, eo
etc. Passa a pensar nela como H 20 apenas
em seu laboratorio , realiza suas ex
cientfficas. O u entao D cientista social
seu eserit6rio , estuda os reflexos da
buicao de renda na torrnacao de urnam arginal. A o ser roubado por um "trorn
n a rua, reag e co mo qu alqu er p essoa, in ded e su a co rn preen sao te6 rica d o fato .
8/4/2019 O Que é a Realidade?
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34 Joao-Franc isco Duarte Junior
A r ea li da de p re po nd era nt e e sem pre a do dia-a-
dia, e ja foi afirm ado que mesmo esta rea Iidade
possui um a regiao que e mais clara e. evidente
(aquela ao alcance de nossa manlpulacao). A medida
que m e afasto desta esfera, m eus conhecim entos
vao se tornando m ais obscuros e nebulosos, como
S8 a totalidade do mundo fOSS8 uma regiao depenum bra da qual se destaca a zona mais iluminada
d o c ot id ia no . Se i que existem as pescadores e
suas tecnicas logo al i, m as iqnoro 'e st e c on he ci -
m ento que Ihes e p ec ulia r. S ei q ue e xis te m te rre iro s
de umbanda, e ignor~ ainda m ais 0 seu modo de
funcionamento. E sei, num caso extremo, que
os norte-am ericanos chegaram a Lua, porern todo
o processo envolvido nesta viagem m e e totalmente
ignorado.Percebe-se, desta form a, que existe um cabedal
de conhecim entos que e s oc ia lm en te d is trib u ( do .
M eu sab er habi Iita-m e a viver0
m eu dia-a-dia e,a medida que determ inadas zonas da realidade se
afastam d o m eu co tid ian o, 0 conhecim ento de que
disponho sobre elas torna-se m ais e m ais esquem a-
tico. Ha esferas do real cujo do m (nio pertence
apenas a pessoas altam ente especial izadas e que,
estando distantes de nossa m anipulacao. sao-nos
to talm en te o bscu ras. S e e i rnposs f ve l c a nhe c ermos
tudo 0 q ue ou tro s co nhecem , tod av ia e im po rtan te
que saibam os com o' 0 co nhecim en to esta d istri-
bu fd o p ela so cied ade, ao m en os em lin has g erais.
O u seja: e precise que tenhamos em mente a
a qu e e Realidade
quem devem os recorrer quando um determ inado
fato nos obriga a buscar um saber especffico.
Por exemplo: nao sei como funciona 0 meu
televisor, m as devo saber a quem tenho de recorrer
quando ele apresenta algum defeito . Nao se; com o
me. curar de urna doenca que me acom ete, mas
sei como fazer para consultar um medico quepodera m e tratar. A ssim , 0 saber de com o 0 saber
esta repartido pelo co rp o so cial o nde viv em os e ur n
dos rnais im portantes conhecim entos de que dispo-
m os, p ossib ilitan do -n os qu e p en etrem os naq uelas
e sf er as q ue estao d ista ntes d e nosso cotidiano.
Em nossas m odernas saciedades, tendo a conhe-
cim ento se especializado em graus altam ente
esp ecifico s, as vezes e n ec es sa rio q ue re co rra mo s
a profissionais que nos indiquem quais outros
p ro fissio nais p odem reso lv er 0 n os so p ro ble ma .
Consultamos prim eiram ente um "cl (n ic o g era l" ,
e ele no s en cam in ha ao m ed ico esp ecialista n aqu eletipo de enferm idade que nos acom ete. R ecorrem os
a um am igo despachante, e ele nos indica os
passos que devemos dar e as reparticoss publicas
que tem os de percorrer para legalizarm os a cornpra
de um irnovel,M igrantes que provern do m eio rural au [~
pequenos vilarejos, ao se defrontarem com uma
m etr6pole trequenternente sofrem um ser io abalo
justam ente por penetrarem num a realidade extre-
m am ente com plexa sem 'disporern de um a visao de
como 0 conhecim ento esta ali d istribu ido. ~
~. _ ..._------'--------------
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http://slidepdf.com/reader/full/o-que-e-a-realidade 16/50
:3 6 Jodo-Franc isco Duarte Junior
eo mu m ou vir-se d eles afirrnacoes como: "vim para
eel a fim de encontrar-me com meu am igo fulano
e pensei que, perguntando, todo mundo soubesse
onde ele mora", ou ai nda "pensei que bastava
ficar na pracinha da igreja no dom ingo para m e
eneontrar com ele, saindo da rnissa". 0 esquem a
de realidade trazido por eles de seus locals de
origem deixa de funcionar nesta nova real ida de,
t o rna -s e inope ra n te .A partir do exposto nestas ultimas paqinas voce
pode perceber que a realidade nao e sim plesm ente
co nstru (d a, m as so cialm en te ed ificad a. A co nstru -
c;ao d a rea lid ad e e u m p ro ce ss o fu nd am en ta lm en te
social: sao comunidades humanas que produzem
o co nhecim en to de q ue necessitam , d istribu em -n o
entre os seus m embros e, assim , edilicam a sua
realidade. Ao longo das paqinas seguirites esse
aspecto so cial d a con strucao d a realid ade ira se to r-
n and o m ais claro . Sig am os co m 0 nos so r a ciocf n io .
Como foi vista, a construcao da realidade
depende da maneira como 0 conhecimento e
d ispo sto n a so cied ad e, 0 que fornece a ela umacerta estrutura. A estru tura social e basicamente
constru (da sobre a gam a de ·conhecim entos de que
s e d is po e s oc ia lm en te , e nt en de nd o-s e c on he cime nt oa( nao apenas em seu sentido "teorico", mas
t amb er n " p ra ti cc ": 0 acervo de conhecim entos vaidesde as formulas manipu ladas pelos cientistas
at e 0 saber necessar io para se assentar as pedras deum calcarnento, por exemplo. A distribuicao do
II ·
I
o que e Realidade
co nhecim en to e tarnbern a dtstribuicao
E sta estru tu ra so cial esta assen tada
das pessoas sobre um processo denom
ceciio , processo este que irnpoe pad
racao entre os individuos. O u seja: p
outro com 0 qual interagimos sem pre
determ inadas "classlficacoes", que
dentro de certos "tipo s". A ssim , v ejo
cutor, por exem plo , com o "hornern",
"com erciante", "brincalhao", "ca
A preendem os os outros a partir desses
tipos existentes em nossa sociedade
estes que padronizam nossas in terac
b uin do p ara a es ta bilid ad e d a re al id ad e
N ao a pe na s 0 outro e apreendido comas tarnbern as situ acoes nas q uais int
tipificadas. H a por exemplo a relaca"compra e venda", a de "consulta m
"professor-aluno", etc. Em cad a u r n a
mas de anternao quais sao os com
adequados ou nao, e 0 que podemos
ou tro em term os de atitud es trpicas.
N as in te ra co es d itas " fa ce a fac e", e
em contatos mais (ntirnos, esses pa
cadores sao m ais fluidos. Junto aquele
parte de meu "cfrculo (rrtimo" h a
liberdade e espontaneidade na m inha ase p ren de rig idam en te as tip ificac;;o es
porern. que m inhas relacoes vao S8
"aqu i e a go ra " o s e sq ue ma s tip ific ad ore
8/4/2019 O Que é a Realidade?
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38 Jodo-Francisco Duarte Junior
mais fortes e atuantes. No outro polo deste
c on tin uo d e re la co es e nc on tr arn -s e a qu el as s itu ac oe s
onde os outros se apresentam como abstracces
inteiramente anonirnas, Se escrevo uma carta ao
gerente comercial de um a determ inada firm a
so licitand o-Ihe catalo qo s e listas de p recos d e seu s
produtos, por exemplo, ele se apresenta a m im
especificamente com o "gerente cornercial": urntipo esquernatico sem qualquer sinal de indivi-
du alid ade ou traces de person alid ad e ..
Assim , apreendem os a realidadesocial da vida
cotid iana como um contInuo de tip ificacoes. que
vai desde as situacoes face a face ate aquelas
abstratas e anonirnas onde 0 outro e tao-somente
ur n tipo, A estru tu ra so cial a a so ma d essas tip ifi-
cacoes e dos padroes de interacao produzidos par
elas. A construcao social da realidade depende,
pois, fundamentalmente de um a estrutura social
estabelecida e conhecida (ao m enos em suas linhas
gerais) pelos seus m embros. ~ esta estru tura rela-tivam ente estavel que perm ite que os indiv (duos
se movimentem com desernbaraco dentro dar e al i d ade co ti d ia na.
Falando das tipiticacoes e da estrutura social
delas decorrente estamos nos referindo tarnbem
a form acao de habitos, isto a , n o ss os c ompo rt s-
m entos e acoes apenas podem tornar-se habituais
(e portanto conhecidos e previs (veis) se houver
uma certa rotina padronizada. Se a cada passo
estivessemos tateando num meio novo e irnpre-
I!
1I
I, iI
!
o que e Realidade
vis Ivel sena im posslvel adquirirm os uma visao
estavel do m undo, seria im posslvel a construcao
d a re alid ad e: e sta ria im pla nta do 0 caos. 0 real a
que nos habituamos na vida cotidiana depende
d esta ord em e d e seu s pad ro es d e interacao hu man a,
o que nos garante a form acao de habitos e rotinas.
Peste este co nceito d e tip ificacao e d a estrutu ra
social que dele se deriva podemos abordar agoraa questao da institucionalizacao, ou seja, das
institu icoes criadas na e pela sociedade. A institu-
cionalizacao nada mais e que um a decorrencia
da tipificacao re cfp ro ca e ntre p es so as e m in te ra cao .
de forma que tal tip ificacao seja percebida por
o utro s d e rn aneira o bjetiva, o u seja, con stitu in do
pspeis que podem ser desem penhados por outras
pessoas. M elhor dizendo: na m edida em que certas
acces adquirem um padrao,· com base nas tip ifi-
cacoes, essas aedes podem vir a ser executadas por
diversos outros indivlduos da mesm a maneira.
A instituicao significa 0 estabelecim ento depad r oes de com portam ento na execucao de deter-
rn inadas tarefas, oadroes estes que vao sendo
t ra nsmi ti do s a s uc es siv as q era co es .
Im aginemos dois indivlduos que sofrem um
acidente de aviao e caem em meio a s el va . E sc a-
pando ilesos, logo iniciam um a serie de procedi-
m entos que Ihes perm itam sobreviver e serem
lo calizad os p elas eq uip es d e salv am en to. 0 p ilo to,
pelo seu conhecimento de como usar a bussula e
outras formas de orientacao, sai explorando as____________________~~ __~ __~
8/4/2019 O Que é a Realidade?
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Ja f fa -Franc isco Duar te Jun io r
arred ores e fazen do sinais nas clareiras proxirnas.
o passageiro, sendo um cacador, incumbe-se deprovidenciar a alim entacao de que necessitam .Toda m anha ambos saem para suas tarefas espec]- .
ficas, e eventual m ente observam -se m utua m ente a
realize-las. Cada urn passa entao a tipificar 0
com portam ento do outre. isto e. passa a estabele-
cer para si pr6prio urn modelo de como se realiza
esta o u aq uela tarefa executada pelo co mp an heiro.
Cada um aprende a sequencia de procedimentos
necessaries para a orientacao ou a caca, podendo
v ir a d es em pe nh ar 0 papel de cacador ou sinali-
z ad or s e h ou ve r n ec es si da de .
o que aconteceu aqui? 0 m ais im portante eque os comportam entos de ambos tornaram -se
padronizados 8, p ortan to , p re vis tv eis p ara 0 outre.
o s in aliza do r sa be q ue 0 cacad or, depo is d e arm ar
o laco, devera cobri-lo com folhas e gravetos, e 0
cacador por sua vez sabe que 0 s in al iz ad o r, d e po is
de atear fogo em galhos secos, colocara folhasv erd es n a fo gu eira p ara p ro du zir fu rn aca .
N este exem plo aind a n ao ex iste u ma institu icao
no senti do exato do termo, mas apenas 0 german
dela. Nao ha um a instituicao por nao haver outrosindivfduos que percebam "de fora" como as dois
realizam suas tarefas; par nao haver quem os
perceb a com o ex ecu tan tes d e d eterm inad os p apeisdentro daquele contexto, e que possam vir a
s ub st it uf -I os n aq ue la " or qa ni za ca o" . A medida,
porern . que esta orqanizacao devesse ser transm i-
o qu e e Realidade
tid a a n ov as q era co es , e la se to rn aria u ma
Os aprendizes perceberiam a institu icslnaiizacao" com o algo objetivo, com o
d ad e d ad a, ja pronta, que exige tals e ta
tam en to s de seus m em bro s.
Note que os dois sobreviventes c
juntos 0 seu mundo, a sua realidade a
Ela foi estabelecid a pela div isao d e taref
qi..ien te tlpificacso recfproca. A mbos
esta sua incip iente institulcao fa; criad
e que pode ser alterada a qualquer m
necessano, Percebem -se como execup ap ei s c ujo script fo i elab orado p or ales
M as im aginem os agora que os ·doispar ali duas criancas (unicas sobrevivente
tribo da redondeza - facarnos urn
[iteratura). Essas criancas sao adotadas
tornam-se aprendizes de suas tarefas.aprender a .executar as papeis que
cum prem em sua instituicao de caca-s
E sta realid ad e sera en tao ap reen did a p elocomo algo objetivo, algo nao criado p
homens. Se, por exemplo , 0 s in al iz ad o
que acende a sua fogueira faz uma figaesquerda e olha para 0 ceu, provavelm
aprendiz passara, no futuro , a fazer exat
m esma f or ma , p oi s e st e c om p ort am en to eco mo n ecessar io a rnan utencao d a in stitu
sera feito nao po r q ualq,uer eficacia d a r dmas porque "8 assim que se faz " , isso
8/4/2019 O Que é a Realidade?
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Jo tl o"F r an c is co Duar te Ju ni 1 q u e IiRealidade
instituic;:ao exige".
Este exem plo quase simplista tern a fina!idade
de c% car u~ ponto de fundamental importanciana c~mpreensao de como se edifica socialmentea . r e? l~ da de . A s i ns tit ui< ;:o es te rn s em pre uma origemhlstor,'~a, ou seja, surgiram com urna fina/idadeespec., f ica, tendo sido criadas desta ou daquela
m an erra p e~ os seu s in icia do re s. C on tu do , n a m ed id aem que ,~ a~ tr~ nsm !;;d as as gerac;:oes posterio reselas s~ cnstaillam, quer diler,. passam a ser
p erce bld ~as co mo in dep en den tes d os in d;v (d uo s q ue
as m ant.em . as papeis exigidos cor elas podem ser
p r~enchldos por qualqu er urn, ja q ue es ra o estab e"
!ecl.d?s ~ nao podem variar segundo Vontadesin diV Id ua ls . A s i ns tit uic ;: oe s p as sa m a s er p er ce bi da s
Co n ;o. e stando acim a dos homens, passam a ter um ae sp_ e cl e de v ida independen t e.
,E ~ om o .s e a s i ns tit ui c;:o es ti ve ss em uma r ea lid ad epr.op~la, cuja eX istencia nao m ais e percebida com o
crrac; :ao .humana.E l a s
a dq ui re m uma o bje ti vi da de ,uma solldez de coisa dada. E extremamente diUciipar~ os indiv_rduos perceberem que a estruturaS?clal onde vrvem e a ssim p orq ue os homens a
flzeram e a mantem assim. E ta se apreS8nta a n6s
s~mpre como urna coisa objet;va: afinal, estavaar antes de nascermos e Continuara depois den os sa m o r te .
~ st e fe nome no e c~amado de reificar;:ao, nomed errv ad ? d a p alav ra latIn a res, q ue s ig n if ic a " co is a" ,A real/dade, constru ida Socialmente, e sampre
reificada, ou seja, transfo rm ada em coisa: adquire
o m esmo estatuto das coisas naturals, dos objetos
ffsicos. N es te sen ti d o e que a in st it u ciona li za c; :a o ,
sobre a qual se edifica a realidade, possui em si
urn contro le socia I : ao ser percebida como algo
dado, estabelecido, evita que os indiv(duos procu-
rem altera-la. A instituicao e soberana, os hom ensdevem adaptar-se a ela, cumprindo os papeis ja
e sta be le cid os . Q uem ja nao ouviu um a frase com o:
"pessoalmente nao queria fazer isso. mas tive defa ze -I o p orq ue a i ns tit ul ca o 0 exige"?
Tome-se 0 casamento , por exernplo, com o um a
instituicao arraig ada em no ssa cultura. A pesar de ele
vir sofrendo questionamentos e altera<;:oes, e de
apresentar pequenas diferencas em alguns outros
pa I ses, sua essencia se rnantsm para a grande
maioria da populacso. Em relacao a ele e bastante
frequents o uv irm os a firm a< ;:o es co mo : lise d ep en -
desse de m i m eu nao teria m e casado dessa m aneiratradicional, em igreja e cartorio, porern nao tive
escolha, era a unica forma aceita socialmente";
ou ainda: "eu nao escolhi me casar, tude ja estava
preparado desd e 0 meu nascimento para que eu
m e casasse". A grande m aioria da p opula<;:ao, pelo
menos apa: entemente, ere que a unica forma
"correta", "M ica", "direita", de urn retacrone-
mento amoroso entre homem e mulher ocorrere atraves dos papeis de marido e de esposa que
a institui<;:ao exige. T odavia, se tom arm os outras
cu ltu res . esp ecialm en te aq ue las d ita s "p rim itiv as ",
43
8/4/2019 O Que é a Realidade?
http://slidepdf.com/reader/full/o-que-e-a-realidade 20/50
4 4 Jo ii o -Franci sco Duarte Jun ior
verem os que este relacionam ento ocorre institu-
cional m ente de m aneiras as rnais variadas: suas
r ea li da de s s ao c on st ru (das d e mo do s d lf er en te s.Esta e a estranha dialetica que rege 0 mundo
humane: 0 homem cria sua realldade atraves
das instituic;:5 es, que Ihe dao um a estrutu ra social,
mas passa entao a ser "condicionadc" por tais
lnstltuicoes. 0 poeta V in (cius de. M oraes anota
esteticamente este ponto ao dizer: "Mas ele
desconhecia / Este fato ex traordinario / Que 0
opera rio faz a coisa / E a coisa faz 0 operario."
A realidade, socialm ente edificada atraves da
institucional izacao. por este jogo dialetico da
reificacao apresenta-se entao aos hom ens com o
urn dado objetivo e coercitivo, que Ihes determ inaa consciencia. Em linhas gerais pode-se notar que
este processo possui tres m om entos: 1) a conduta
humana e tipificada e padronizada em papeis,
o que implica 0 e sta be le cim e nto d as in stitu ic fie s(a realidade social 8 urn produ to humane): 2) a
realidade e objetivada, ou se]a, percebida com o
p ossu in do v id a p ro pria (0 produto - a realidade- "desliga-se" de seu produtor - 0 homem);
3) esta realidade tornada ob jetiva determ inaa seguir a consciencia dos homens, no curso da
socializacao, isto 8, no pro cesso de aprendizagem
do mundo par que passam as novas qeracces(0 homem torna-se produto daquilo que ele
p r6p r io p roduzi u) .E p re ciso q ue se e nte nd a c la ra m en te e sta d ia le tic a
o qu e e Realidade
q ue p erf az 0 m undo social hum ane, em su
fases disti ntas, a fim de que nao S8 fique co
visao simplificada e mecanicista do prNo ss a c on sc ie nc ia e d ete rrn in ad a so cia Im en
seja, as instirulcoes e padroes de conduta
decorrentes exercem sobre nos um efeito "
tiv o". c on dic io na nd o-n os p ara a v id a e m s ocPorern, send o tais instltulcoes eriadas e m
por nos, elas sao passrveis d e s ofre re m r nu
e a lteracoes atraves de esfo rcos del i berados. seritido (se assim nao fosse nao haveria a hi
A palavra "esfo rco", a ( , e em pregada em su
ampla acepcao, pois que, como ja v isto ,
conscisncia requer um certo traba Iho
"desliqar-se" das condicoes que a determpensando-as e procurando cornpreende-las
fora". A o se fazer ciencia e filoso fia, por ex
o esforco requerido a consciencia e justa
o de procurar desl i gar-se 0 m axim o possfv
concepcoes cotidianas da realidade, ref
sobre as condicoes e processes em que ta
c c pc oe s s ao e ri gi da s.R esta-nos, porern, considerar um dado
mental neste mecanismo de construcao d
dade atraves das instituicoes socia is. Trata
a<;:30 do sistem a Iingu Istieo, ferram enta
na criacao do mundo humano, como expoca p (tulo anterior. Ao serem esta belecid
lnstltulcoes sao sernpre acompanhadasco rrespondente esquem a explicativo e nor
1"""
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I I
, 1
I
I
- - - - - - - - - - - - - - -Joao-Francisco Duarte Junior I 0que e Realidade6
que, por m eio da linguagem , conceitua-as e deter-
m ina regras para 0 seu funcionam ento. A isto
cham a-se de leqitimsceo. As institu icoss sao
legitim adas por meio da linguagem : as razfies de
sua existencia sao tracadas e transm itidas concei-tualm ente (vale dizer, linquisticarnente}, bem
com o as norm as para 0 s e u f unc ionamen to.
Essas normas, dentro da realidade da vidacotid iana, assum em aquele carater de "receita"
ja referido, ou ssja, para penetrarmos enos
movermos dentro de tal institu icao devemos
proceder desta ou daquela form a, segundo os seusp re ce it os p ra gma ti co s .\ ". :JO p rim ei ro c o nh ec im e nt o
que tem os, relative a ordem institucional, esta
situado a n ( vel pre-teorico . no sentido de na o se r
urn co nhecim en to elab orad o m ais ab stratam en te
em torno dos "porques", e sirn praticam ente
com relacao ao "como". Se desejo legalizar a
compra de um im6vel, par exemplo , sei que devo
dirig ir-m e a urn cart6rio de registro de im oveis
a fim de passar um a escritura - este e 0 conheci-
m ento praqrnatico de que disponho, num prim eiron (vel.
1 :3 0 segundo nlvel de leqitimacao contern pro po-
sicoes teor icas, mas ainda em form a ru t 'irnentar.
A qu i e sta o p re se ntes a lg un s e sq uem as e xp lica tiv os
q ue p od em relacio nar 0 c on he cime nt o p ra qm at ic o
referente a d iv ersasinstituic;;o es, in teg ran do-o sentre _ si. Se me perguntam por que ao comprar 0
irn ov el d evo reqistra-Io em meu nome, posso
-__-
.i
responder que isso assegura perante a lei que so
o seu leqrtimo dono, e ainda que os poderes
publicos necessitarn desses registros a fim d
c ob ra r o s im pa sto s d ev id os a os cid ad ao s..~ : No terceiro n I vel d e leg itim a9 ao enco ntram -se
teorias expllcitas que legitim am um a instituicao
em termos de um corpo diferenciado de con h
c im en to s, isto e _ co nhecim ento s esp ecificos e comum nlvel m aier de abstracao. Possuem urn gra
m ais elevado de com plexidade e estao entregues
a especial istas naqueJe setor institucional. Para
adquirir este conhecim ento faz-se necessario ur
aprendizado formal do assunto . No exemplo
anterior da compra do irnovel, ha todo um conhe
cimento a respeito de leis e norm as jur Id icas qu
regulam a materia e que sao de dom lnio do
donos e funcionarios dos cart6rios, bem como d
advogados. E a estes especiallstas que deverno
recorrer no caso de uma questao referente
regu l arizacao desta situacao que nao pode se
resolvida com 0 conhecim ento praqrnatico d
q u e d is po rn o s.:: 9 0 quarto e ultim o nlvel de leqitirnacao da ordem
in stitu cio nal d en om in a-s e universo simb6licoo universo sim bolico consiste nurn corpo te6rico
de conhecim entos que busca um a inteqracao entr
as diferentes setores de um a dada ordem institu
cional num esquema 16gico e consistente. Nest
n I vel procura-se essencialm ente os porques, sem
qualquer vest (gio de pragm atismo. Ouer dizer
8/4/2019 O Que é a Realidade?
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o un i verso simb61ico comp5e-se de teorias que
ju st ifi ca m e e xp li ca m 0 p orq ue d e u ma ln stitu icao
existir e em que se fundamenta 0 s eu f un ci on a-
m en to, sem nen hum a alusao aos esquem as praticos
de seu dia-a-dia. T arnbern ele esta a cargo de
especialistas e depende de um processo format
p ar a a s ua a pr en di za gem .Voltando ao nosso exemplo, encontramos
juristas que podem nos explicar teoricamente
como se estruturam as leis de uma nacao. dentre
as quais acham-se aquelas que dispoern sobre a
propriedade privada. A lern disso um fil6sofo
poderia discutir as origens de tais propriedades
na hist6ria humana, mostrando, por exemplo,como a partir delas surge todo um sistema de
dominacao e exploracso do trabalho at raves da
luta de classes. Note porern que nenhuma dessasteorias nos fornecem receitas de como devemos
p roceder para leg alizarm os a cornp ra que fizem os:
n ao existem alusoes a vida cotid ian a no un iverso
sirnbolico.A ntes d e serem d isc utid os alg un s o utro s as pecto s
com relacao aos un iverso s simboliccs co nv ern q ue
se aponte alguns pontos relevantes a respeito da
leqit i rnacao insti tuc iona l .
Prirneiramente deve-se notar que a 16gica (oua coerencial nao reside nas institu icces e em SE'U
funcionamento, mas na rnaneira como elas sao
tratadas na retlexao e pensamento dos homens.1 , --_Q_U_er_d_i_Ze_,_"_as_i_ll_st_i_tU_i_<;:_o_e_sg_a_n_h_a_m_ u _m _s _e ntd o e
48 lotio-Francisco Duarte Junior
~.
o que e Realidade
um a (aparente) coerencia ao serem le
vale dizer, ao serem p ensadas e explicitadad a lin gu ag em . M uitas v ezes o s p orq ues d a
de um a institu icao eo seu m odo de fu ncio
tal como sao verbalizados e transm itidosgera<;:oes
rsao diversos dos m otiv os reais q
existir e operar. A linguagem cria um a 16sxplicacao. im prim indo-as erltao a ins
n os , p elo p ro ces so d e reificac;ao ja de sc ri
tam os que esta legitim a<;:ao provenha
z ac ao l ns tit uc io na l m esma .Este fato, quando ocorre de mane
ex plica< ;:ao lingu fstica seja diferente (
radicalm ente inverse) dos reais m otivostuicbes recebe 0 nome de ideotoqie.. ,
claram ente: a ideo logia e u ma ex plicrespeito a institui< ;:oes e fato s socia is qseus ve rdade ir o s porques, A ideo log ia emacae a qual, rnais do que aclarar as
in td ns ec as a s i ns tit ui co es . p ro cu ra o cu ltade u rn s is te ma e xp lic ati vo q ua lq ue r. Ou
a ideologia serve aos interesses de degru pos so cia is ao escon der a realidade d
coes e criar-Ihes uma outra atravesm esm o que esses grupos nao tenham
disso . Uma discussao mais ampla a resq ue stao ·· fu giria d os "lim ite s d este te xto ,
aqui anotada como urn processo imp
c on st ru ca o s oc ia l d a re ali da de .Com o desdobram ento deste fato con
~~
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s o Jodo-Francisco Duarte Junior 0qu e e Realidade
mos que a leqitirnacao n ao s o p od e c ria r e xp lic ac de s
para a existencia e funcionamento da ordem
in stitu cio na l c omo tarnbern inventar um a origem
hist6rica para ela. Ou se]a: ao longo da hist6ria
as origens de um a determ inada instituicao podem
ser reeriadas pelo processo linquistico que a
acom panha, gerando tradicoes, lendas e m itos em
to rno de su as o rig en s.
Alguns exem plos deixarao rnais c laro s e ste s
tras ultirnos paraqrafos. E conium 'ouvir-se que
os pobres so sao pobres porque nao se esforcarn
e nao traba Iham 0 suficiente para progredirem e,
a s s i r n , a sc en dere m soc ia lm en te. E sta ide ia esc ond e
o fato de que nossas sociedades capitaJistas sao
estruturadas de m aneira a garantir que as classes
e co nomic am en te in fe rio riz ad as a ss im p erma ne cam,
mantendo-se a divisao de classes; ta I assercao
("os pobres sao pregu icosos") retira desta divisao
de classes (baseada na propriedade privada) a causa
d a p obre za, c olo can do -a so bre 0 om bro dos indivi-
duos, isto e: 0 qu e e e feito to rn a-se c ausa , in ve r-
tendo-se a relacao atraves da idr.oloqia.
Outro exemplo. Na igreja cat61 i ca afirm a-se
que a instituicao do cel ibato para religiosos foi
criada a fim de que estes pudessem dedicar todo
o seu tempo ao trabalho, sem preocupacoss com
uma fam (I ia. Contudo. sabe-se que 0 e el i bato fo i
. institu (do quando a lqreja corria 0 risco de ver
seu capital dispersar-se, caso as religiosos se
easassem e tivessem suas posses transferidas a
. .. a id eo lo gia e Ulna e x pl ic ac do c om r es pe it o a
i ns ti tu ic o es e f at os socia is q ue e sc on de s eu s v er da de ir os
porques.
8/4/2019 O Que é a Realidade?
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lotio-Francisco Duarte Junior
herdeiros. 0 celibato como protecao do trabalho
e um a o ri ge m in ve nta da p os te ri orm en te .
M as ja e tempo de se voltar ao universe sim b6-
lico - 0 nfvel m ars alto de leqit irnacao -, onde as
construcoes te6ricas estao totalm ente distantes da
realidade praqmatica do cotid iano. A funcao do
un iverse sim b61ico co nsiste em in teg rar nu m eorp o
unico de conhecimentos (num a teoria} todas as
experiencias poss (veis dentro de um a institu i<;:ao
o u d e um co nju nto de in stitu icd es (um a socied adel.
A traves do universe sim b61ieo pode-se explicar
q uaisq uer fatos o co rrid os den tro daqu ela realid ade
em term os do s sign ificad os q ue este un iverse p ro ve.
De certa maneira os un iversos sim b61 lcos, ou
m ec an ism os co nee itu ais d e in teq rac ao e e xp lic acs o
da realidade, perteneem a um desses quatro tipos:
rnitoloqicos, teoloqico., f ilo s6 fi co s o u c ie nt l'f ic os .
A o c on tra rio d os u niv ers es s im b6 1ic os m ito l6 gic os ,
os outros tres sao de propriedade de elites de
esp ecialistas, cu jos co rpo s d e co nhecim ento s estao
afastados do conhecim ento com um da sociedade.
E a eles a quem 0 "le.jo" deve recorrer no caso
de nao consegu ir in terpretar e in tegrar em seu
c on hec im en to c otid ia no urna determ in ad a ex pe-
rien cla p or e le v iv id a o u p re sen cia da .
as u niv ers os s im b6 1ic os ( ou teortas) s ao c ri ad os
p ar a l eg it im ar em , n um n ( ve l q e ne rlc o, a s i ns tit uic oe ssocials ja e xi ste nte s, e nc on tr an do -I he s e xp li ca cd es
e in teg ran do -as n um to do sig nificativ o. Porern. 0
inverso tarnbern pode ser verdadeiro ; quer dizer:
\
o que e Realidade
in sti tu ic de s SOCi al S podern vir a ser
a fim de se conform arem com teoria
tru idas, tornando-as assim m ais "leg (t
e entao a essen cia da d ialetica qu e reg e
macoes socia is, onde alteracces na p
diana das instituicoes obrigam a rnu
teorias, m as t ar nb er n r nu da nc as n as teo
a alteracoes na pratica institucional.
um dos dois sentidos deste fluxo de
e romper com a cornpreensao d ia l et ic a
Em resum o: tran sfo rm aco es o bjetiv as
coes (que alguns diriam , na infra-estrutu
conduzem a transforrnacoes no corpo
cirnentos. nas ideias (que alguns diriam
e st ru tu ra s oc ia l) , e v ic e- ve rs a.
E p rec ise n ota r-s e as sim 0 po der reateo ria s, is to e , sua cap acid ade p oten cial
reais os seus conceitos; no senti do
retorn ar, do u niverse sim b6 fico on de fo
zidos, a vida cotidiana dos indivrduo
partlcularrnente verii icav el n o am bito d
humanas, especialmente no da psico
exem plo: depois da psicanal ise de Fre
parte de seus conceitos se incorporararn
gem cotid iana das pessoas, que passaram
perceber em si m esmas enos outros
festacoes de tais conceitos, tornando-ose m s eu d ia -a -d ia .
Para concluir este capitu lo convern
que em nossas modern as sociedades, d
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54 lotio-Francisco Duarte Junior
listas, ocorre a existencia de inumeros universos
sim b61icos que coexistem pacificam ente au m esm o
se entrechacam. Cada grupa de "espectalistas"tende a ter uma perspectiva sabre a sociedade
(isto e, s ab re a · r e al id ad e) a partir de seu universo
simb61ico particular. Isto torna extrema mente
dificil a esta be le cim en to d e u ma co bertura sirnbo-
l ica estavel e valida para a sociedade inteira, tal
como encontrada nas sociedades "primitivas".
o q ue pa re ce o eorrer e a e x i ste nc ia de u rn un iv erse
sim b6lieo m ais alargado e vago sabre 0 q ua l to do s
coneordam , e cujas falhas. ou deficiencies sa o
supridas pela conceituallzacao proveniente dos
u ni ve rs os p ar ci ai s m a is e sp ec ia li za do s.
Esta situacso pluralists e, inclusive, 0 q ue to rn a
mais rapidas e mais faceis as rnudancas socials.
por nao haver um unico universe sim b61ieo estavel
e estabelecido regendo toda e qualquer experiencia
no interior da sociedade. 0 pluralism o da civilize-
< ; : £ 1 0 acelerou as transforrnacties e, de certa form a,obrigou o' desenvolvimento de uma tolerancia
maier entre os grupos que apresentam diterencas
em sua s vis5 es d a rea l id ade .
C om o ultim a a firrna cao e interessante que voce
perceba 0 que estamos fazendo neste pequeno
texto. Na medida em que estamos pensando nos
mecanismos de construcao da realidade, desde as.tip ific a< ;:5 es a te os un iv erso s sim b6 1ic os, e sta mos
elaborando uma teoria sobre as teorias. Melhor
dizendo: ao construirm os um a conceituacao sobre
II1
o que e Realidade
o funcionam ento das estruturas socia is e os univer-
sos simb61icos delas decorrentes estamos, por
assim dizer, construindo uma leqitirnacao de
segundo grau. U ma legitima.;:ao que, em ultima
a na lis e, p ro eu ra e xp lic ar 0 funcionam ento do m ais
alto nfvel de leqitirnacao da realidade social: 0
universe simb6lico. Ao refletirmos sobre como
a realidade e e dific ada e sta mos c onstru in do
tarnbem uma realidade conceitual que pretende
legitimar 0 p ro ce ss o to do .
•••• ••
8/4/2019 O Que é a Realidade?
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r·
A MANUTENc::AoDA REALI DADE
"Sando produ tos h is t6 ricos da a tividade huma-
n a, todo s as universos soci almente con strurdos
modificam-se, e a transforrnacao e realizada pelas
aedes concretas dos seres humanos."
(P. Berger e T. Luckmann)
A orqanizacao da sociedade esta assentada, como
vimos, basicamente sobre as instituicoes e as
leqitimacoes dela decorrentes. As instituicdes
corporificam-se na vida cotidiana dos indivlduos
atraves dos papeis que estes devem desempenhar
para fazer parte delas. Ao participarmos da insti-
tulcao "escola", por exemplo, ou assumimos 0
papel de professor, ou 0 de aluno, ou ° de funcio-nario tecnico-administratlvo. Cada um deles
~ prescreve-nos modos especfficos de comporta-
........--~~~==:::::==:-==.=~~~
. ,
o que e Realidade
mentes e, se porventura passarmos a des
los de forma nao prevista, estaremos subv
ordem institucional, desencadeando entde certos mecanismos controladores que p
"corrigir" a nossa conduta.
o estabelecimento de papeis. isto e.
padronizados de comportamento, ja e urinstrumento protetor de que se valem
tutcoes a fim de S8 preservarem. Para qu
tuicoes funcionem ordenadamente,
previs (vel, faz-se necessario este jogo
que retira das pessoas a possibil idade de
baseadas apenas em seus desejos individu
senti do e que foi comentado no capitulo
o fato de as instituicoes serem coercitsobreporem it individualidade de seus mem
~ claro que 0 grau de rigidez e de e
exigido no desempenho dos papeis depend
de instituicao em que se esta e do tipo
pol (tico maior que rege a sociedade. Nu
sidade, por exemplo, a professor tern mai
lidade e uma maior margem de criacao
no desempenho de seu papel do que
no quartel; e ambos, numa sociedade dem
possuem mais espaco para manifestar
dualidade do que numa sociedade total itar
Alias, e justamente esta margem delidade dentro dos papeis que possibil ita
e alteracao das instituic;:5es a partir de
ou seja, da conduta de seus membros.
8/4/2019 O Que é a Realidade?
http://slidepdf.com/reader/full/o-que-e-a-realidade 27/50
S8 Joao-Francisco Duarte Junior
em que se vai criando novas form as de desempenho
de urn papel isto aearreta, consequenternente,
alteracoes no modo de funeionamento da insti-
tuicao, No entanto, este processo e lento, pois as
instituicoes possuem m eeanism os estabilizadores
que as protegem de mudancas bruseas ao sabor da
vontade de seus m em bros.
Ao n (vel das leqitirnacdes. isto 8, dRS expliei-
tac oes linguistieas que aeom pa nham as ir..cituicoes.
a proposicao de maneiras alternatlvas de se
cornpreende-las talvez seja rnais facilm ente verifi-
cavel e ate mesmo rnais toleravel, na medida em
que uma "teoria" divergente sobre a realidade nao
implica, neeessariamente, um a mudanca imediata
nesta estrutura. Contudo, visoes divergentes que
surjam no interior de um dado universo simb61ieo
contern ern si 0 germen da subversao, e a ordem
institucional procure tarnbern se proteger dessas. "heresies". ..,
U rn ponto, porern, deve fiear claro: e irnpossfvelao indivfduo sozinho manter uma concepcao
diseordante do universo simb61ieo em que esta,
Sozinho ninquem eonstr6i uma (nova) realidade.
Alternativas a urn determ .inado universo sim b61ieo
apenas sao posstveis quando sustentadas por um
grupo de individuos divergentes, que rnantern e
compartilham entre si esta diferente visao da
realidade. Uma unica pessoa com uma proposicao
divergente e fa cilm ente cla ssifieada com o "louca ",
"m arginal", "irnoral", "doente". etc., e faeilm ente
o que e Realidade
- I
II
I
. . . e inipossivel ao individuo sozinho manter uma
concepc.io discordante do universo simbolico em que
e st d . .. A lt em at iv as a um determinado universo
simbolico apenas sao possiveis ...
5
8/4/2019 O Que é a Realidade?
http://slidepdf.com/reader/full/o-que-e-a-realidade 28/50
60 Ja ff a -Franci sco Duarte Jun ior
isolada do convrvio dos demais a fim de ser
submetida a processes "terapeuticos" que pro-
curam faze-Ia retornar
area lid ad e esta b elecid a
pelo universe sirnbolico predominante.
Todo universe sim b6lico, entao. contern em si
m ecanism os conceituais de autoprotecao destinados
a destruir possfveis oposicoes que possam surgir
no seu interior. Antes de nos determos mais demo-
radamente nos tlpos e m od os de fu ncio nam ento
desses m ecanism os, vejam os urna pequena tabula
orlqinaria da Argentina, aqui contada resum ida-
mente, e que ilustra esses m ee an is mo s p ro te to re s
d as ln stitu ico es e u niv erses sim bolicos ,
Num tempo em que os hom ens ainda nao se
alim entavam da carne de animals, urn incendio
consurniu um bosque onde havia inurneros porcos.
A lquern que por ali passava, apes a extincao das
chamas, resolveu experimental' aqueles porcos
assados e descobriu que eram pa lataveis, Logo a
notfcia se espalhou e os homens passaram a comer
porcos assados, que eram entao preparados da
maneira original, isto e, reuniam-se os anim ais num
bosque e ateava-se fogo a v eq et ac ao . E st a i ns ti tu ic ao
de cozi menta de porcos fo i crescendo e comeca ra m
a surgir especialistas: especialistas em tipos de
bosques, em ventos, em atear fogo no setor norte,
no setor sui, le51-8, o este, especialistas em reflores-
tamento, especia Iistas no ponto da mata em que
as animals deveriarn ser colocados, etc. Enfim ,
toda uma paraternalia para tazer progredir e aper-
i
l.
!
I
o que e Realidade
teicoar a institulcao f oi c ri ad a .
Realizavam-se entao congressos
tecnicas e inovacoes dentro de ca
eram apresentadas e discutidas. A te
in div fd uo p ro cu ro u 0 presidente
apresentou-Ihe uma proposta que
radical rnudanca na Instituicao, ta
bastaria que os porcos fos sem m or
numa grelha, sob a qual S8 acen deri
fogueira. Imediatamente 0 preside
o absurdo de sua proposicao. po i
o desem prego para m ilhares de es
de abalar a conflanca qu e 0 restan
manifestava com relacao ao
detinham. Mostrou-Ihe ainda
daquela m aneira, revelava-se um pe
subversivo que poderia levar a soc
ainda rnais ao propugnar metodos
implicavam os homens matarem
suas proprias m aos. 0 presidents e
de "generosidade", disse ao dissiden
vez ele seria perdoado, mas com
nunca revelar a n i nquern aquela id
E assim as homer-s continuaram a
bosques e a institu i980 foi m antida.
as mecanismos de manutencao
simb61icos (e das I nstituicoes) sao
terepeuticos e aniquiladores. 0tabula acim a ernpreqou 0 terapeutico
ver ao membro dissidente que sua v
8/4/2019 O Que é a Realidade?
http://slidepdf.com/reader/full/o-que-e-a-realidade 29/50
i2 Jo do -F ran ci sco Duar te Ju ni or
cada, falsa, doentia, fazendo-o entao voltar aver
a realidade da maneira correta, quer dizer, da
m a ne ir a p re sc ri ta p el a i ns ti tu ic ao e seu un iverso
slrnbollco.
A s olu ca o te rap eu tic a d as d iv erq en cias s urg id as
dentro de um universe sirnbolico implica que
este universe possua, em seu corpo de conheci-
mentos, tres mecanismos especificos: 1) um a
teoriada dissidencia: 2) urn aparelho de diaqnos-
tieo e 3) um sistem a para a "cura" p ro p ri a m e nt e
dita.A t eo ria d a d is sid en cia ja p re ve c on ce itu al m en te a
p os sib ilid ad e d e su rg irem d esv io s n aq ue le universe
sim b61ico e procura construir to do urn' arcabouco
te6rico que explique como e por que indivfduos se
d es via m d a " co rre ta" v isao d a realid ad e, E sta teo ria
funcio na com o um a especie de m anual de p ato lo gia,
d ig am os assim , postu lan do e conceitu ando os tipos
de "enferm idades" que podem acometer os seus
mem bros e as causas de sua ocorrencia. Num a tribe
ind(gena, par exemplo, onde todos devem dividir
o s pradutos d a caca, pesca o u lavou ra, um ind iv fdu o
qu e se rec use a as sim p ro ced er recebera uma d et er -
m in ad a "e tiq ue ta" clas sificat6 ria e 0 s e u compor ta -
mento sera explicado par meio de uma teoria
q ualq uer, co mo : 0 se u caso e de possessao pelo
espfrito do m al.
o aparelho diaqnostico destina-se a detectar
"sintomas" nos indivfduos COil) pr opensao ad iv erq en cia o u ja im erso s n ela. T arn bern co nsiste
o que e Realidade
num mecanisme conceitual que interpreta esses
sinais a partir da teoria da dissidencia, bem com o
uma serie de procedimentos destinados ao exame
dos membros suspeitos de diverqencia. 0 indio '
do exemplo acima, ao sair para a c ac a e p or var ies
dias segu idos nao trazer nada, apresenta um
comportamento que pode estar indicando que .ele
esteja 'escondendo para si os produtos de suaativ id ade. N as ditad uras ferren ham en te antlco-
) munistas, a leitura de determ inados autores ou 0
srnpreqo d e d et er min ad as p al av ra s s ao i nd ic ad ore s,
para as torcas repressoras, de que 0 lndividuo estacon tam inado pel a "doenca do cornunisrno".
o mecanisme de "cura", ap 6s d etectad o 0
desviante e classificada a sua "patoloqia", consiste
entao em faze-lo retorn ar ao u niverse sim b61ico
qu e ele aband onou . A s tecnicas em pregad as podem
ser as mais variadas possfveis, mas todas dizem
respeito a uma "reeducacao", isto e , procuram
fazer com que 0 d es vi an te a ba nd o ne a visao disso-nante e recom ece a Interpreter a real idade a partir
do universe s im b61 ic u p re dom in an te . 0 Indio
pode ser despojado de todos as s eu s p er te nc es
pessoais e submetido aos rnetodos exorcistas do
page. 0 comunista pode ser preso e torturado
ate se tornar confuso e abdicar de suas ideias,
Note que todos esses rnecan.smos e p ro ce di -
mentos sao uma forma de contro le social, uma
forma de se assegurar que os membros da insti-
tuicao ou sociedade em ouestao compartilhem da
63
8/4/2019 O Que é a Realidade?
http://slidepdf.com/reader/full/o-que-e-a-realidade 30/50
Jo tio -Francisco Duar te Jun io r64
m esm a interpretacao da realidade. Do exorcism o
a psicanallse. da assistencla pastoral as polleias
po l (ticas. todas seguem este mesmo esquema
terapeutico,E 0 m eeanism o eonceitual para a terapsutica,
em pregado num determ inado universe sim b61ieo,
pode ainda ser extremamente desenvolvido aponto de conceituar (e assim Iiquidar] quaisquer
duvidas que porventura sejam sentidas, pelo
desviante ou pelo terapeuta, com relacao a pr6pria
terapeutica. Quer dizer: essas duvidas sao expli-
cadas como um dos sintomas mesmo do desvio.
Na psicanalise, por exemplo, as duvidas do
paciente sao c1assificadas como "resistsncia"(a terapia), e as do terapeuta 'como "contra-
t ra ns te re nc ia " .-A terapeutica 8, portanto, um mecarnsmo
destinado a manter os indivlduos divergentes
dentro do universe simbolico que interpreta a
realidade. Ela 8 empregada contra os "hereticos
internes", ou seja, contra aqueles que perteneem
a insfituicao ou a sociedade em questao e que
cornecarn a apresentar divetqencias quanto it
m an eira d e e nte nd er e /o u d e a gir na qu ela rea lid ade .
o segundo mecanisme autoprotetor de que se
valem os urversos sim b61icos, a aniquilacao, nao
se destina aos desviantes internos, e sim aos diver-
gentes localizados fora de seu am bito. Quando um a
sociedade defronta-se com outra, cuja hist6ria e
modo de vida sao muito diferentes dos seus,
o qu e e Realidade
ocorre um confronto entre distintos
simb6licos, isto 8, entre diferentes r
Isto gera um problema bem mais agudo
criado por dissidentes internos, pois ness
um a alternativa entre dois un iversos s
fortemente estabelecidos: ambos possue
tra dic ao " ofic ia l" . E mais facil um unide tratar com grupos m inoritarios de div
cuja postura pode ser definida com o "iqn
ou "patologia", do que enfrentar outra
que considera este pr6prio universo co
v oc ad o o u p at ol 6g ic o.N es te emb ate 0 que acontece 8 que urn
p ro cu ra e nfre nta r 0 outro mun ido dasrazbes possfveis a fim de provar sua prop
rioridade e a inferioridade do oponentai nda que 0 sim ples aparecim ento deste
opositor constitui-se numa seria arnea
coloca em .xeque a dsfinicso de rea!prim eiro, ate entao considerada a unica
Os rnern'vos da sociedade com o que dque ha outras maneiras de se viver e se
a cxistencia vale dizer, a realidade. A.
irnposta ao povo por govern os totalitarl
m ais e que um m ecanism e preventivo, qu
evitar que as pessoas tenham consciencia
realidades posslveis, evitando-se um
ent re u ni ve rs os s imb 6l ic os .Na aniquilacao, entao, dois sao os m
utilizados para anulacao do novo uni
Jo i io -Franc isco Duar te Junioro qu e e Realidade 67
8/4/2019 O Que é a Realidade?
http://slidepdf.com/reader/full/o-que-e-a-realidade 31/50
primeiro deles, como ja citado, consiste em atribuir
urn status inferior as suas defin icoes. procurando
dernonstrar-se a quanta elas sao "ignorantes",
"atrasadas" au "deqeneradas". enfim, i rnpossrveis
de serem levadas a serio. 0 segundo mecanismo
e mais ambicioso: pretende explicar as definicoes
do universo contrario em termos dos conceitos
do universe original, incorporando-as a si e, assim,liquidando-as, em ultima analise. Este processo euma especie de, fagocitose, onde as concepcoes
alien tgenas' sao traduzidas em conceitos de nosso
unlverso, procurando demonstrar-se assim que
elas ja estavam previstas e consideradas em nossa
realidade, s6 que atraves de outros termos e
conceitos. Com esta sutil inversao aquilo que era
antes oposicao passa a ser afirrnacao do un i verso
original.
. Pensando no processo de catequese {rei igiosa
ou nao) a que foram submetidos os indfgenas
brasileiros pelos portugueses, percebe-se claramenteeste mecanismo de aniquilacao: eles eram consi-
derados povos "incultos", "barbaros" "irnorais"· ,
que nao haviam encontrado "0 verdadeiro Deus"
e desconheciam a "superioridade da civil izacao
europeia". Ou ainda notemos os embates que' as
vezes ocorrem entre "umbandistas" e "espiritua-
listas" de um lade e psiquiatras e psic61ogos do
outro. Estes ultimos procuram explicar a realidade
vivida pelos primeiros, em suas incorporacoes e
transes, atraves de seus conceitos, como: "histeria",
,I,
!
"suqestao", "hipnose", etc., enquanto os espirt-
tual istas pretendem entender as chamadas
"doencas mentais" valendo-se dos elementos de
seu universe sirnbolico, a saber, incorporacao de
entidades destrutivas, "despachos" feitos por
terceiros, etc. E neste confronto e quase inevitavelque os profissionais da psicologia invoquem a seu
favor a "superioridade da ciencla" na revelacao
das verdades do mundo. .
Urn aspecto central nesta questao do confronto
entre universos simb61icos nao pode ser esquecido:
ele envolve, necessariamente, 0 poder. A deflnicao
da real i dade que salra "vencedora" e que se fixara
na sociedade como resultado desse conflito ,depende sobremaneira da forca (material e ffsica)
de que dispoern os oponentes, na maioria das vezes
ate mais do que a engenhosidade dos tecnicos
legitimadores. Uma realidade e quase sempre, na
hist6ria do mundo, imposts pela torca e violencia.
Nao foi assim com os povos "primitivos", coloni-
zados pelo europeu "civilizado"? E nao vem sendoassim com 0 neocolonialismo, onde as nacoes
poderosas, econornica e militarmente, vern se
impondo as do Terceiro Mundo? Os mc'hores
argumentos que a humanidade tern encontrado
para eleger urna definicao de realidade como
"melber" estao no empunhar arrnas.
Retornando aos "hereticos internes" devernos
observer entre elesuma classe muito especial, que
nem sempre e considerada abertamente divergente
8/4/2019 O Que é a Realidade?
http://slidepdf.com/reader/full/o-que-e-a-realidade 32/50
, '
-Jodo-Franci sco Duarte Jun ior
e nem "sernpre sofre o s p ro cesso s terapeuticos,
princip alrn ente nas sociedades pluralistas e dem o-
craticas. T rata-se do s in telectuais. Enten da-se po r
intelectuais aqueles indlvfduos cujo trabalhoconsiste precisamente em manipular universos
simb61icos, em geral buscando neles fal has e
brechas por onde possam ser introduzidas novas e
alternatives concepcoes da realidade .. Enquanto
na sociedade existem os "Iegitim adores oficia is",
ou seja, pessoas que laboram no sentido de manter
e arraigar p rofun dam ente aqu elas concep coes tid as
e havidas como a unlca realidade possfvel, 0
trab alho d o in telec tu al re aliz a-se n o sen tid o in verso :
q ue st io n ar e ss as c on ce pc de s.
o legitimador oficial tem a seu favor toda a
in fr a- es tr ut ura d as in st itu ic oe s, ja implantada eque serve de base concreta a s ua l eq it ir na ca o
teorica. ao passo que a projeto do intelectual
S8 desenvolve num vacuo institucional. Neste
sentido e que se po d e falar em utopia, tom ando-se
o termo no seu sentido literal, derivado do grego:
utopia = = lugar nenhum . As construcoss te6ricas
dos intelectuais, que nao se derivam das institui-
90es, sao utopias no sentido de ainda nao existirem
concretamente, com todo urn arcabouco de vidap r at ic a su st en t ando -a s .
C om o afirrn ad o an te rio rm en te, n in qu ern s us te nta
sozinho uma concepcao divergente de realidade, eisto e valido tarnbern para os intelectuais. Se Ihes
falta 0 respaldo da sociedade m aior, todavia eles
r~~.-~~-- ~~'.....~._-_..
i;
.r
o que e Realidade
encontram -no entre si mesmos, ou seja,
sociedade de intelectuais que eles con
Suas coricepcoes d iss id en te s s ao s is te matic
negadas pela praxis mesma .da sociedad
subjetivamente eles podem mante-Ias po
sub so ciedade a q ue p ertencem seus eom pa
c on si de ra m- na s c om o r ea Ii da de .Da ( 0 horror intrinseco que ditaduras
quer matiz nutrern contra os in telectuaisprogramas de estudo e pesquisas: eles
apontando sem pre na direcao de transfor
no que existe, rumo a u r n a s oc ie da de d
distinta da que os poderosos pretendem c
a fim d e m an ter seu s p rivi leqios.
O s inteleetuais tern ainda a opcao da r
q u e/ h is to ri cam en te , e bastante im portanela, eles se d isp5em a tornar co ncreto 0 s e u
ou seja, transform ar a sociedade (a realidad
que se adeque as suas concepcocs. at
somente teoricas, E sta o pca o. COl .tudo,
contar com 0 res pa ld o c on cre to , in stit
de outros grupos dentro da sociedade.
revo lucoes apenas teor icas. nao ha resem 'm u dances na infra-estru tura social, a
vida concretam ente vivida pelas pessoas.
m ais a s r ev olu ci on ari as e d is si de nt es c on
dos intelectuaisse espalharn e tomamc
entre outros grupos da sociedade, mais_ ,sol idificando a real i dade a Iternativa p
U ma revolucao 5e realiza (torna-se real)
8/4/2019 O Que é a Realidade?
http://slidepdf.com/reader/full/o-que-e-a-realidade 33/50
70 lotio-Francisco Duarte Junior
pelo movimento da maioria da sociedade, as
transtorrnacoes nas instituicoes edificam um a nova
realidade.Realizada a revolucao, isto 8, tornadas reais
aquelas concepcoes ate entao tid as co mo utopicas
e d iv erg en te s, e frequente ver-se 0 i ntelectual
.a ss urn lr o . p ap el in verso , q ual seja, 0de l eg it imado roficial. Agora ele pode passar de opositor a propa-
gandista da nova realidade, contribuindo para .q~e
ela seja ap ren did a e assim ilad a p elo s gru po s so cials.
E pode assurnir tarnbern, c om o c om ple me nto , 0
papel de "terapeuta". procurando reeducar os
rnais renitentes, os contra-revolucionarios qu e
insistem em manter suas a ntigas concepcoes e
minar a nova realidade no senti do de um retorno
a antiga. O u ainda 0 intelectual, apes a revolucao,
pode entender que ela se afastou daquelas con-
cepcoes que a nortearam, que "nao era bem isso
o que se pretendia", retornando ao seu papel decrItico e opositor, trabalhando para que m a rs um a
vez a realidade seja alterada. E e sempre born
frisar que este seu trabalho so e p osslv el n a m ed id a
em que haja uma tolerancia dem ocratica ao plura-
Iism o de concepcoes."f A te aqui nossas consideracoes acerca da manu-
tencao da realidade disseram respeito a um nlvel
col~tivo, social, em termos de instituicoes e
. universos simb61 icos. Porern, e precise que se
verifique como a realidade e conservada com
relacao aos individuos, na vida cotidiana. Neste
o que e Realidade
n (vel pode-se distingu ir entre dois tipos gerais de
conservacao da realidade: uma rotineira e outra
critics.A rotineira destina-se a manter a realidade
interiorizada pel o s i ndividuos na vida do dia-a-dia,
ou se]a, assegura que nos m ovim entemos num m elo
conhecido e p re vis fv el, sem r n u d a n c a s bruscas,seja a nfvel s ub jetiv o, s eja a n I ve l o bje ti vo . E m
prlrneiro lu ga r is to e c on se gu id o atraves dos hat -itos
e ro tin as , q ue sao a es sen cia d a in stitu cio nalizacso .
Enquanto m inha realidade cotidiana se desenvolve
de forma rotineira, isto e, d e m an eira ja c on he cid a,
estao s us pe ns as q ua is qu er duvidas e quest ionamen-
tos que me obrigariam a pensar sobre a m inha
identidade (quem sou 7) e a id en tid ad e d as co isas
e pessoas que me cercam. 0 m un do co ntin ua a (
como eu 0 conheco: no meu percurso ate 0
trabalho tome 0 mesmo onibus. que segue 0
trajeto habitual, as pessoas sobem e descem deleda maneira usual, as casas e ediffcios continuam
os mesmos, meus horarios sao rnantidos, etc. -
tudo isso me reafirma continuamente a solidez da
real i dade e me da a sequranca de que necessito
p ara d es en vo lv er m in ha s a ti vid ad es .
Em segundo lugar a conservacao rotineira econseguida atraves de nossa interacao com os
outros, Estes, podem ser "outros siqnificativos"
(aqueles com quem mantemos relacfies pessoais
mais Intimas) , ou menos importantes: ambos os
tipos ajudam na conservacao de real idade. Ouaido
8/4/2019 O Que é a Realidade?
http://slidepdf.com/reader/full/o-que-e-a-realidade 34/50
!. 72) Jodo-Francisco Duarte Junior
para a meu carro, par exemplo, e pergunto ao
guarda de transite se posso estacionar ali, este eum encontro ocasional, m as que, im plicitam ente,
reassegura a real i dade: ele me reafirma que sou
proprietarro do verculo tal, que m oro n esta cidade,que as regras de transite continuam a existir, que
o s p oli ci ais e st ao fa ze nd o 0 seu trab alho , etc .
( Nota-se entao que 0 meio mais importante na
I m anutencao da real idade e a conversa, ou seja,a tra ve s d ela 0 mundo e i nc es san t emente r ea fi rmado.
, Nao nos ssquecamos daquilo que foi discutido
\ no segundo capitulo: pela linguagem 0 mundoI ganha sentido, siq nificacao. N a m aioria dos dialo-
/ gas que mantemos, a realidade esta assegurada, aomenos de forma impl (cita: falamos num mesmo
idioma e de coisas conhecidas, que cornpoem a
nossa real idade. U rn sim ples "bom -dia" do portei ro
de meu ediflcio me informa que as coisas conti-
nuam com o sem pre.Os dialoqos que mantemos com os "outros
significativos" sao ainda m ais im portantes neste
processo , na medida em que neles ha uma carga
adicional d e afetiv idacle, con tribuind o com m aiorpeso para assegu rar a nossa real i dade subjetiva.
As opinioes em itidas por aqueles que me sao
significantes tern m aior torca para edificar emanter a minha identidade e a das coisas (e. eclaro, tern tarnbern maior force para alterar essas
identidadesl. Pela conversa a realidade nao s6 emantida mas a inda vai sofrendo modificac;:6es:
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~,~
o que e Realidadc
certos temas, num dado mom ento, torn
discutidos e, portanto, mais relevan
rea is), enquanto outros vao sendo es
perdendo a sua real idade no centro
atencao. A lgo que nunca e falad o poss
uma real idade subjetiva vacilante e
oposicao a solidez daquilo que nos
d e q ue falam os 0 d i a in te ir o.Assim , a conversa mantern continu
certeza na real idade cotidiana, m as podede esta certeza ser abalada por urn fato
Por exemplo: m inha mulher (um outro
significativa) me diz de uma hora para
vai me deixar porque sou um fracassado
mais me ama. Este e um momenta c
faz 0 meu mundo estremecer. Sua op
compartamemo roubam de m im a c
tin ha q uan ta a m in ha r ea li da de s ub je tividentidade . (sere; real m ente um fr
alern de abalar a realidade objetiva (
e este on d e podemos ficar sozinhos d
Coma se faz para se viver sozinha 7) .E necessaria entao que sejam aci
m ecanismos de conservacao crftica da
mecanismos estes que entram em c
situacoes em que 0 real corneca a desm o
os indivfduos. Tais mecanismos saoem pregados na conservacao rotineira,
agora a confirrnacao da realidade devsxplfcita e intensa. Vou, por exem plo ,
74 Jo do -F ran c is co Duar te Ju ni or ' o que e Realidade
8/4/2019 O Que é a Realidade?
http://slidepdf.com/reader/full/o-que-e-a-realidade 35/50
/
com meus am lgos e parentes a fim de saber se eles
creem que eu seja realmente um fracassado, e
arran]o rapidam ente um a namorada, 0 que me
confirma que e pcssivel me amarem e que sou
. capaz de viver "a do is". Esses procedirnentos
":'ajudam-me a : eestru turar e a manter a rea I idade
que m e era conhecida e que foi abalada.
Nessas situacoes entices tarnbern pode serposta em jogo uma serie de tecnicas que a soc ie-
dade prove justamente para tais casos. Dentro do
mesmo exemplo, posso procurar um psicoloqo
para um aconselham ento ou um a psicoterapia, que
me ajudem a reafirrnar a minha identid ade; o u
mesmo buscar palavras de apoio junto ao pastor
de m inha igreja, no horatio reservado para 0
atendim ento dos fie i s.
Esses colapsos que a realidade pode sofrer nao
se dao apenas a ruvet i nd iv id ua l, m as a in da c ol et iv o,
como em caso de catastrofes, revoltas por pa rte
de determ inad os grupos, etc., qu ando tarnbern sa oacionados mecanismos de manutencao do real.
A o ser con vocad a um a passeata d e desem pregados
e na irninencia d e o co rrerem s aq ue s e d ep red ac oes,
p ar ex em plo , 0 governador ou a prefeito podem
ir aos meios de comunicacao e declararem que a
polfcia estara nas ruas para gai'antir a ordem e
a normalidade {vale dlzer, a realidadel. Tais
processos de afirrnacao d o rea l, ev id en tem en te,
tern a sua intensidade e force de aplicacao au men-
t ada s p r opo rc ionalmen t e a seriedade com que a
i
I
arneaca a deslnteqracao e p erceb id a. A rn eaca s m
serias exigem um a rnultiplicacao d os m ec an ism o
e ritu ais d e co nserv aca o cr itic a d a rea lid ad e.
Como ja observado paginas atras, no caso
revolucao a realidade pode sofrer, em termos
coletividade, uma rupture e um rearranjo sob u
nova forma (uma nova ordem institucional)
Este fa t o pode ocorrer tarnbern com os lndividuoquando par qualquer motive seus parametre
sub jetiv os do real sao desestru turados e novam en
org anizados a partir de o utros prism as. A conversa
religiosa 8, de certa maneira, 0 prototipo de
tipo de fenorneno, onde 0 indiv (duo repensa
reestrutura sua maneira de viver, sentir e pens
de acordo com os novos valores fo rn ecid os p
novo universo sirnbolico.
No caso exem plificado anteriorm ente, quand
m inha mulher me deixa e coloca em duvida 0m
sucesso , po de ser que eu venha a descobrir q
ela esteja certa, e entao mude radicalmentem inha vid a: venda os m eus pertences, aba ndo
o meu emprego, arranjo uma casinha na praia
passo a fazer artesanato para ganhar dinheir
Terei entao de passar por uma reaprendizagem
realidade, ou seja, devo aprender a me orient
neste meu novo mundo, com relacionamentos
diferentes, outros tipos de am izades e valor
d is ti nt os d aq ue Je s c ul ti va do s a nt er io rm e nt e.
Esse processo de reco nstru < ; : a 0 d a rea Iida
subjetiva, que implica um aprendizado, qanha
8/4/2019 O Que é a Realidade?
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76 Jaffa-Francisco Duarte Junior
contornos mais nftidos ao se tratar, no capitulo
seguinte, das maneiras como a realidade e ensinadaas novas gera90es e reensinada aqueles que ativeram desestruturada.
C Ia
A APRENDIZAGEMDA REALIDADE
"Sendo a sociedade uma real i d
tempo objetiva e sub jet iva, qual
cornpreensso t e6 rica r elat iva a ela
ambos estes aspectos,"
(P, Berger e
a fenorneno da reificacao, isto 8, a ap
realidade como se fosse algo dado, in
dos homens (e nao, constru Ida socia
uma constante verificada em qualque
"civilizada" ,ou "primitiva". Perceber
de forma desreificada, au seja, como
acao humana, exige um certo esforco
ciencia, e isto s6 pode ser conseguido
ja ter side introjetado. Apenas depois
78 Jaffa-Francisco Duarte Junior o que e Realidade
8/4/2019 O Que é a Realidade?
http://slidepdf.com/reader/full/o-que-e-a-realidade 37/50
dade ter side aprendida como algo exterior e
coercitivo, apenas depois de 0 in div id uo ter-se
integrado nela e que este pode conseguir uma
certa "distancia" que Ihe perm ita percebe-la"de fora".
o processo de aprendizagem da realidade 8 .
denominado socializar;ao. Por ele tornamo-nos
hum anos, aprendem os aver 0 mundo com o 0 veern
n os so s s em elh an te s e a manipula-lo pratlca econceitualm ente atraves dos instrunientos e c6di-
gas em pregados em nossa cultura. A socializacao
pode ser dividida em duas fases: a prirnaria e
a secundaria .
Na socializacao prirnaria. qu e ocorre essencial-
mente no interior da farnflia, de par corn a evolucao
n eu ro fisio l6 gica v am os ad qu irin do a conscisncia
que a linguagem nos perm ite e que nos "hom iniza".
Individuos criados longe de seus semelhantes,
como comprovam os casos de criancas deixadas
nas selvas ainda bebes e "adotadas" p or a nim ais ,
nao se tornam humanos. Essas criancas, encon-tra da s q ua nd o ja beiravam a adolescencia. n ao eram
mais do que pequenos animais que cacavarn,
grunhiam e andavam "de quatro": tentada a sua
"horninizacao", a sua inteqracao na sociedade,
bem pouco conseguiram aprender e acabaram
sucumbindo. E inevitavel: (: que conhecem os
.como "0 humano" s6 e possivel se produzido
socialmente.
A soci al iz ac ao prlrnaria e b as ic a e f un dam en ta l,
pois toda e qualquer aprendizagem subsequent
tera de se apolar nesses a Ii ce rc es c on st ru (dos
primeira infancia. Nes te p ro ce ss o estao envolvid
nao apenas aspectos cognitivos e racionais, m
essen cialm en te fa to res em ocio nais. E a ernoc
que liga a crianca ao s prirneiros "outros sign
cativos": os seus pais. Esti:l l iga<;:ao afet iva
condicao necessaria para que a socializacao
realize a bom termo, e sem ela seria extrem a m e"dificil, quando nao imposslvel, este prime
aprendizado do rnundo.
o conteudo e 0 in stru me nto m ais im po rtan
d a s oc ia l izacao prirnar!a, sem duvida, e a l inguage
Po r el a e com ela a realidade vai sendo apresentad
a crianca: 0 mundo vai se vestindo de siqniflcacd
vai sendo montado atraves das palavras que
organizam e 0 edificam para 0 hom em . A ssim
que a realidade, ou se]a, a so cied ad e e a id en tid a
doindiv(duo, vao sendo cristalizados em
consciericia n o m esm o p ro ces so de intsriorizacao
C am inha-se progressivam ente no senti do de uabstracao de sign i ficados e de papeis, desde
m undo fam iliar ate 0 mundo como um to
A prirneira id en titic acao d a crianca se da com
membros de sua fam ilia. Na medida em que
progride em seu aprendizado, os papeis e sign
cados desempenhados e transmitidos pe
familiares VaG sendo percebidos com o caracter
ticos tarnbern de outras pessoas. Oesta forma,
sociallzacao prima-ia p arte-se d os o utro s siq niti
8/4/2019 O Que é a Realidade?
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80 Ja ff a -Franci sco Duarte Jun ior
tivos e se atinge 0 qu e S8 denom ina "ou tro
general izado". A formacao deste conceito de
outro generalizado na consciericia do indivfduosignifica que ele agora nao se identifica apenas
com os outros concretos que estao a sua volta, m as
com uma generalidade de outros, ou seja, com
uma soci edade .~~~ E e neste ponto que termina a socializacao
prim aria: quando a crianca percebe q ue a realidade
transcende as fronteiras de sua casa e se espalha
por todo um mundo social. A I las, algumas crises
podem ocorrer neste momento exatamente peladescoberta de que 0 mundo dos pais nao e 0
unico existente, e sim uma pequena parte de algo
infinitamente complexo e ate assustador. Taiscrises podem inclusive serem agravadas se elaperce be que, par qualquer motivo, 0 munda dos
pais e rnesrno ridicu larizado em outros grupos
s ocials. E ste e um fenorneno que tern ocupado
a atencso de inurneros educadores corn relacao
as crlancas que provem do meio rural ou de favelas
e periferias e que, numa escola elitizada, veem
seus valores e formas de expressao - va Ie dizer,
a sua realidade - serem menosprezados pelos
co le gas e p ro f es sor es .
J a a socializacao secundaria diz respeito a
q ua lq ue r p ro ce ss o s ub se qu en te a p rim aria qu e visea in tr od uz ir 0 indivrduo em novos setores do
mundo objetivo de seu meio social. Ouer dizer:
pela sociallzacso secundaria interiorizamos
i_
o qu e e Realidade
"subrnundos" institucionais (ou b
instituicoesl que eomp5em a noss
Por este processo vamos sen d o intro
instituicoes sociais e assimilando as
as leqitimarn. Isto significa a aquisica
cim ento de funcoes e de papeis espec
ou indiretamente deeorrentes da divi
I ho e d o c on he cim en to .
Enquanto a so cializacso prim aria v
de alta dose de afetividade, a secunda
esta carga de ernocoes e se da de
racional e pJanificada, on d e 0 con
apresentado em seq uencias loqicas e
Este processo de aprendizagem em
de instrutores especial izado s, com o o
por e xempl o.
Como 0 conhecimento assim ilado
zacao secundaria e m eno s m arcado
el~ pode mais facilmente ser colparenteses, isto e. esquecido au deixa
Justamente pela ernocao que 0 acqu e 0 "mundo basico" interiorizado
zacao primaria se mantem solido e c
sim as possibilid ades de ser abalado. Mp si co l6 gi ca s r es sa lt am 0 fato de os
d e n oss a p erso nalid ad e ac hare m-se n as
vividas na primeira infancia, quandcurso a social izacao prirnaria, A rn
hist6ria e a qeoqraf ia, par exernplo,
esquecidas e postas de lado pela cn
82 Jo ii o -Franci sco Duarte Jun ior o qu e e Realidade
8/4/2019 O Que é a Realidade?
http://slidepdf.com/reader/full/o-que-e-a-realidade 39/50
da escola, mas 0 mundo dos pais e inevitavel:
ela vive nele, quer queira ou nao.
A realidade interiorizada no processo secun-
dario e, assim , m ais fragij e fugaz, podendo sofrer
desestru turacoes e novas montagens. E e impor-
tante notar-se tarnbern que a real idade subjetiva
(0 acervo de conhecimentos in teriorizados) ·e a
re al id ad e o bje ti va (0 conjunto de institu icoes e
leqitirnacoes da sociedade) nunca rnantern entre
si uma relaeao sirnetrica. Ou seja:· e imposstvel
co nhecer-se tu do 0 que existe na sociedade,
conhecer-se a to talidade do real Imesrno na s
culturas mais "prim itivas"), nem tudo 0 qu e
existe em nossa consciencia e prov en iente d as
objetivacoes socials. como a consciencia do pro-
prio corpo, por exemplo . A realidade subjetiva
e a objetiva sao co-extensivas, porem nunca
sirnetricas.Quando no capitulo anterior tratamos da
conservacao da rea Iidade, foi abordada a questaodos indiv iduos que, por qualquer motivo, tern a
sua realidade subjetiva abalada ou m esmo oeses-
truturad a. A li afirm ou -se qu e nesses casos e desen-
volvido todo UITl trabalho no senti do de, ou
conservar a realidade arneacada. ou reconstruir a
demolida. E precise agora que S8 observe m ais de
perto essa tarefa de recon strucao, ja que ela nada
. mais e do que uma reeducacao, ou rnelhor, uma
re -soc ia l izacao.Se 0 co nteu do d a co nscien cia que foi adq uirido
na socializacao secundaria sofre abalos ou
desestru tura, tal fato nao provoca choques mui
series no indivlduo, pois que trata-se de conhec
m en to s ( te ori co s) p ou co c ol or id os e mo ci on alme nte
e que podem ser facilm ente substitu idos p
outros. Trocar uma visao te6rica por outra, u
sistema de pensamento por Dutro, quando
re alid ad e b asics (e mo cio nal) co ntin ua e stru tu rad a
na o e ta re fa m ui to c om pl ic ad a.
Contudo, a coisa se complica quando os abal
e desestruturacoes atingem os valores e a vis
de mundo adquirida ao longo da socializaca
prirnaria. Neste n ( vel estao envolvidos aspecto
fo rtem ente em ocio nais, e abalo s nessas d irnensoe
sao sentidos pelo individuo como fissuras em s
p ro pr ia i de nt id ad e. E ev id en te que u m a desestr
turacao total da real i dade subjetiva jamais se
possfvel, pois que, em ultim a analise, 0 indivldu
continuara a ter 0 mesmo corpo e a habitar
m esm o u niverse f isico. (Os casas de desestruturacfies acom panhadas de rnutilacoes corporal
sao , realmente, os mais series. E este e , muit
vezes, 0 drama daqueles que foram submetidos
t or tu ra s e s ev ( ci as .)
As alteracdes mais profundas operadas
rea lid ad e s ub je tiv a ( aq ue la s q ue atin ge m 0 mund
basico da socializacao prirnarial recebem a den
m inacao particu lar de elterneciies e, como
citado,· 0 caso da conversao rei ig iosa serve
p ro to tip o e xp l i ca ti vo d es te p ro ce ss o.
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I"
I:['
i"
,
'.
II '
84 Jaffa-Francisco Duarte Junior
Para que ocorra efetivam ente , um a alternacao
exige 0 concurso de terceiros, pais estando deses-truturados aqueles fundamentos adquiridos na
infancia 0 indivfduo necessita passar por uma
re-socializacso semelhante a primaria, Foi dito
sem elhante e nao igual porque esta re-socializacao
na o corneca do nada, como acontece com a socla-
lizaC;ao prirnaria, onde 0 b e b e se qu er e sta "p ro nto "
em termos neurofisiol6gicos. A s sem elhancas
que am bos os processos rnantsrn entre si dizem
respeito a carga em ocional necessaria para a estru-
turacao da realidade subjetiva (e da pr6pria
identidade). Ao passar por uma alternacao 0
indivfduo preclsa de um forte grau de identificacsoem ocional c om 0 pe sso al s oc ia liz an te , c om o 0 qu e
o lig av a a os p ais.
a mais di. .cil na alternacao 13sempre a .ianu-
tencao da nova realidade, ja que a tender-cia a
retornar ao m undo arraigado na prim eira intancia
eelevada. Fazer com que 0 in div id uo a ba nd on e
de vez a antiga visao e passe a interpretar a reali-
dade da nova maneira exige um a serie de procedi-
m entos e cuidados especia is. E precise que este
deixe para traz 0 mundo que antes habitava, e
o ideal para tanto consiste na segregac;ao f(sica
durante a re-soclalizacao. Da ( a necessidade de
claustros, conventos, retiros, etc., no caso da
conversao religiosa: locais on d e os contatos se
dao apenas com aqueles que possuem a visao de
realidade a ser assim ilada. Observe , par exem plo,
o que e Realidade
que as conhecidos "cursilhos" realiz
Igreja cat61 iea em busca de novos adecuram trabalhar com estes dais aspect
mentais: um forte grau de ernocao e
m ento (tem porario] dos iniciados,
Esta seqrsqacao no proeesso de a lter
deve ser apenas ffsica, m as tarnbem
de maneira conceitual, isto 13, os antiq
nheiros que a individuo deixou, portadore
que "era tarnbern a sua visso de realida
ser redefinidos a partir do novo universo
adquirido. Esses antigos companheiros
aquilo que ales representam passam e
tipificados como "impuros", "p"ln fie is". e tc ., 0 que nada mais 13 d
processo de aniquilacao que visa a
superioridade do novo universe sim
detrimento do antigo, tornado assim
e desp r ez [vel
A alternacao im piica, desta form a, um
pretacao do proprio passado do indiv
do novo universe sirnbolico par ele
Tudo 0 que foi vivido deve agora ser
para harm onizar-se com sua nova vlsao
E bastante frequents. nesse s casos, que
tido" chegue mesmo a inventar fatos
mentos em sua biografia pregressa,
torna-la m ais plaustvel dentro de seu no
de referencia, Histor icamente e muito
falsificacao e a invencao de docum entos
86 Jodo-Franc isco Duarte Jun ior o qu e e Realidade
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I I
o que parece ser decorrente justamente dessa
necessidade de coerencia entre 0 passado e 0
presente daqueles que sofrera m conversdes. Se na
socializacao secundar ia, que se apola na prim a ria,
o passado deve ser retomado a fim de que 0
p res en te se ja in te rp re tad o n um a se qu en ciah arrn o-
nica, n a re-socializacao ocorre 0 in ve rso . ls to e :
o passado deve ser redefin ido e mesmo alteradoem funcao do presen te.
R es er vemo s a go ra e st as u lt irn as li nh as d o c ap itu lop ara c itar e c on ceitu ar a o co rre nc ia d e s oc ia liz ac be s
malsucedidas. Este problema, evidentemente,
reveste-se de gravidade quando a socializacao
q ue n ao fo i b em -s uce did a e a p rirn aria . E e nten de -
se que a socializacao tenha side malsucedida
quando existe um alto grau de assimetria entre
a realidade subjetiva e a objetiva, au seja, a visao
de mundo assim ilada pelo indivrduo e bastante
discrepante do mundo tal como objetivamente
d efinido p ela sociedade em que ele viv e.Tais casos ocorrern principalrnente devido ao
fato de existirern acentuadas diverqencias entre as
visdes de m undo do pessoal socializador. Isto pode
ocorrer, por exernplo. quando a crianca passa
grande parte de seu tempo sob os cuidados de uma
empregada ou baba que provern de um grupo social
ou cultura radicalm ente diversa da dos pa i s. Desta
maneira 0 indivrduo estara. em sua prim eira
infancia, sofrendo a rnediacao do mundo atraves
d e o utro s siq nifica tiv os cu ja s re al id a de s s ub jetiv as
A d ificuld ad e d o e squ iz o fr en ic o em e ri gi r para s i me smo
lima i de n ti dad e una e c o er en te , [ ra gmen tando -s e
numa multiplicidade de ileus" ...
.> -"*-Y#"'~
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II
" I'
88 Jodo-Franc isco Duar te Junior
s ao d isc rep an tes , a ca rre tarid o-I he u ma d ificu ld ad e
em erigir para si uma realidade subjetiva m a isharm on ica e co erente com a ob jetiva.
P od e-s e i nc lu si ve a na li sa r 0 " dis tu ro io m en ta l"
c la ss if ic ad o p el a p si co lo gi a c om o " es qu iz of re ni a" ,
sob este asp ecto . A d ificuld ad e d o esq uizofren ico
em erig ir para si mesmo uma identidade una e
coeren te, frag mentand o-se nu ma m ultip licidad e d e
"eus", tern side encarada pelas m odernas teorias
psicol6gicas como resultante do choque entre
realidades contradit6rias durante a sua intancia,
Sob este ponto de vista, tal indivfduo e resultante
de urn processo malsucedido de social lzacao
p rim aria, o nd e n un ca co nse gu iu o bte r u ma ex ten saocoeren te e in teg rad a entre a sua realid ad e su bjetiva
e a ob jetiva. E m ais: su a pr6 pria realid ad e su bjetiva
nao foi coerentemente edificada, constitu indo
partes desconectadas entre si e com 0 mundo asua volta. A ssim , 0 osquizofrenico vive sob asescombros da real idade que, por ter-Ihe sido
constru Id a s ob re a I ic erc es d es articu la de s, a ca bo u
d es mo ro nan do e rn p ed aco s so lto s.• . t ! t - '
A REALIDADE CIENTIF
"Vista que se acham contid
muitas atitudes, hi! tambern mnao um mundo-em-si . Nao exists.
urn mundo-em-si cient(fico. E
ran tos mundos clantrficos esp
tlntos, quantas s ao as a ti tudes
. diversas de perguntar."
R eservou-se este ultim o capitu lo
mente para se tratar da ciencia e da
el a construtda por urn m otivo especi
que suas verdades e construcoes vern
m un do m oderno . A tu alm en te ten dem oapen as n aq ueles fatos qu e sejam ci
provados, mesmo que nao entendamque vern a ser ciencia. Parece que a p
90 Jaffa-Francisco Duarte Junior a que e Realidade
8/4/2019 O Que é a Realidade?
http://slidepdf.com/reader/full/o-que-e-a-realidade 43/50
tern adquirido entre n6s um carater quase rnaqico,
apesar do paradoxo aparente que possa estar
c on tid o n es ta afirmacao, T en do e la c olo ca do 0 se u
aval sobre qualquer fato, este ganha aos nossos
olhos um alto grau de credibilidade, por mais
ab su rd o qu e n os p are ca .
Sem duvida nao sera torcar muito 0 raciocrnio
se disserm os que a ciencia (ou pelo m enos0
miteque se construiu em torno dela) ocupa na m oderna
civilizacao 0 lugar outrora ocupado pela teologia.
At e 0a dve nto d a m od ernid ade a s esc ritura s sa gra das
tin ham p ara 0 homem 0 c ara te r de le i na in te rp re -
tacao das verdades do mundo: a . p alavra final
cabia, em ultima anal i se, aos legitimadores e
peritos em textos sagrados. N ao foi 0 q ue a co nte -
c eu c om G alile u, c ara cte ristic am en te 0 'pioneiro
no rnetodo experim ental cientrfico? O s religiosos
sim plesm ente se recusaram a 0 1 har pelo seu teles-
copio porque suas afirrnacoes eram contraditadas
por todas as escrituras e a tradicao judaico-crista.
N ao havia 0 que discutir: a rea I idade se dava de
acordo com os textos sagrados, e qualquer desvionao era outra coisa senao heresia,
Mas agora a questao se inverteu: tudo aqui 1 0
que nao seja cientificam ente com provado nao deve
merecer 0 n os so re sp eito , ja que se trata tao-
somente de "filosofia", "poesia" ou simp les
su pe rstic ao o u m istic ism o. E evidente que esta
pcsicao central da ciencia adveio das transfer-rnacoes que at raves dela (e da tecnologia, sua
f ilh a d ir eta ) conseguirarn irn prirnir-se a o m un
o poder da ciencia na definicao da realida
deriva-se de seu enorme poder para transform
o mundo e ate reduzi-Io a p6. t lro nic o: se u po
de definlcao do real advern, em ultima analise,
su a c ap acid ad e d e d estru (-10.
Faz-se urgente e necessarlo. portanto, que
desmistifique um pouco esta coisa quase m agcham ada ciencia. relativizando-a ate que S9 co
preenda que ela e apenas urna das formas de
construir e entender a realidade. Pois que e
como vimos, nasce de urn jogo dialetico en
o hornern e 0 rnundo ffsico, entre a conscienc
eo trabalho hum anos e a rnaterialidade das coisa
Oependendo da pergunta que lancarnos
mundo obteremos um tipo de resposta. 0
signifiea esta afirrnacao? Basicamente que
coisas se apresentam a n6s de acordo com 0 no
ponto de vista sobre elas. R ecordem os 0 que
dito nurn cap (tu 1 0 anterior. A aqua s6 aparecsa m im como H 20 se meu questionamento a
s e r ea li za r 11 0 am bito da qufrnica. Para a lavade
da rnargern do rio d realidade da aqua e e
Ifmpida au barrenta, propfeia ou nao ao
pro pos ito d e la va r as ro up as.
Par estas assercoes pode-se compreender
nao ha urn mundo-em-si, urna rsalldade fecha
em si m esm a, mas que 0 m undo e sem pre e neces
riarnente um mundo-para-o-homem. Mundoaquilo que 0 hom em conceitua, organiza e tra
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i'[
9 2 Joao-Franc isco Duarte Junior
forma, ja 0 dissemos .anteriormente. A ciencia e
a revelacao de certos aspectos do mundo taiscomo eles se apresentam ao ser humano, quando
este Ianca-lhe determinadas questoes,
E como funciona a ciencia 7 Fundamentalmente
atraves de modelos. Uma teoria clentrfica e um
modelo constru (do para representar determinado
aspecto da realidade, 'dentro de seu campo
especffico de siqnlftcacao. 0 cientista observa
determinados fatos, organiza-os de modo a cons-
tituir um modelo coerente e submete este seu
modelo a cornprovacao ernprrlca. Se as coisas se
passarem tal como previstas no seu modelo isto
significa que ele tem valor explicativo e funciona
como esquema de cornpreensso e manlpulacao
daquele aspecto do real. Caso contrario, 0 modelo
e rejeitado como falso e deixado de lado.
Isto nos coloca a questao da verdade, nao s6
no campo cientffico como de maneira gera!.
Pode-se afirmar (e isto pode chocar alguns) que
verdade e aquila que funciona, que serve aos
nossos propositos, Se um dado modele cientffico
funciona, isto e, permite que por ele determinados
aspectos do mundo possam ser manipulados, entao
ale e eonsiderado verdadeiro, ao menos ate que
novos fatos surjam, que nao possam mais ser
explicados 0,) manipulados por ele. E aIorna-senecessaria a construcao de um novo modele.
a atorno, por exemplo, era originalmente cones-
bido como a menor partrcu!a da materia, urna
o qu e e Realidade
partfcula . indivisfvel (daf 0 nome:
grego= sem partes), Depois, devido
de varies tenomenos. construiu-separa 0 atorno em que ele apresentava
de part (culas nucleares e outro tipo
que girava em torno deste nucleo
sistema solar.Assim, as modelos da ciencia sao
se construir 0 real dentro de seu ambit
(e note que dissernos construir, a
descobrir a real). Tais modelos vao sen
da hist6ria, substitu (dos par outros
gentes e sxplicativos e, portanto, a r
a clsncia constr6i vai sendo transforma
namente. A questao da verdade, pordeve ser tarnbern relativizada tern
Aquilo.que hoje e to.nado como verdad
modele que hoje funciona) arnanha p
de se-!o (deixara de funcionar). At
tempo era verdade que 0 atorno
apenas de pr6tons, neutrons e eletr
desenvolvimento da flsica quantica is
e verdadeiro: no seu interior ha
outros tipos de partrculas subatomicas.
atual afirma que a maior parte da
conhecidas se forma par diversas
de tres entidades au partfculas elememinadas "quarks", que seriam entao
constituintes da materia. Porern.
modelo ja esta sendo contestado na
94 Jo ao -F ran c is co Duar te Jun io r o qu e e Realidade
8/4/2019 O Que é a Realidade?
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exlstsncla de unidades ainda m enores, que form a-r ia m o s " qu ar ks ".
A questao da verdade depende entao de dois
fatores: sua localizacso na hist6ria do conheci-
mento e sua validade num determ inado setor darealidad e. Este u ltim o fato r sig nifica q ue as v erd a-
des constru (das pelo homem ao manter um a
d eterm inad a po stu re frente ao m un do (a cien Hfica,por exernplo) , nao S8 s ob re pfie rn n em in va lid am
o utr as v er da de s construldas a partir de posturas
d iferen tes (a artfstica e a religio sa, po r exem plo ).
Verda des cientfficas sao validas no ambito da
ciencia.. verdades esteticas no am ~jto das artes,
e assim por diante.> Cada uma delas constitu i
aspectos diversos da realidade construida palos
hom ens, e e i nd ev id o c o rn p ar a- la s p re te n de n do -s e
a superioridade de um a em detrim ento das outras.
A rea lid ad e co ns tru Id a p el a c ie nc ia e , s e as sim
podemos cham ar, urna "realidade de segunda
ordem": uma realidade que se apoia naquela.ern que nos m ovemos em nosso dia-a-dia. M elhor
dizendo: as construcoes cientrficas partem , inevi-
tavelm ente, de nossa (hum ana) cercepcao da
realidade. ~ som ente porque nosso sistema visual
nos perm ite a percepcao das cores que a ciencia
pede estuda-Ias e concluir que se tratam de ondas
lum inosas de diferentes com prim entos. Se, com o'c er to s a n im a is , p er ce be ss er no s 0 mundo em p reto
e branco, nao poderfarnos fa lar das cores e a
clen cia p ro vav elm en te n ao se disp oria a estu da-Ias
(ja que elas nao existlriarn para nos) . 0 mund
qu e 0 cientista constr6 i, em ultim a analise,
derivado do m undo em que ele vive.
A te aq ui falam os em ciencia d e m aneira q en erica
m as e preciso que se efetue um a importante
divisao no seu interior, separando-a em clencia
n atu ra ls e h um an as . A s n atu ra is o cu pam -s e, e clar
da natureza, e m esm o a ( podem os divid i-Ias novm ente naquelas que tratam do mundo ffsico
in anim ado (ffsica, q u (m ica, etc.I, e naquelas qu
trabalham com a vida (bio logia, subdivid ida e
b ot an ic a, z oo lo gi a, e tc .) .
As ciencias naturais do mundo inanim ado ter
na m aternatica, ou seja, na quantificacso, 0 se
principal instrumento de conhecimento. A real
dade, neste am bito, e traduzida em termos d
nurneros e relacoes nurnerlcas, Sao cham adas d
"exatas" porque apresentam elevado grau d
ex atid ao e p rev isib ilidad e. E sta u ltim a caracterfs
tica e im portante e m erece a nossa atencso , ja qunela reside a diferenca fundamental entre ta
c ie nc ia s e a s h um an as .
o objeto de estudo das ciencias f Isico-naturals.
ou se]a, 0 mundo Hsico com suas forces G pr
c ess os , a pre sen ta u ma c on sta nc ia e u m a reg u la rid ad
inexoraveis. A natureza apresenta a infin it
p acien cia de S6 rep etir sernp re, em qu alqu er lu ga
mantendo seus sistem as de interacao entre
elementos, A aqua, por exemplo , aquecida sob
pressao de uma atmosfera entrara em ebulicao
8/4/2019 O Que é a Realidade?
http://slidepdf.com/reader/full/o-que-e-a-realidade 46/50
I ",
i1I
I.
t.
9 6 Jo do -F ran c is co Dua rt e Ju ni or 0qu e e Realidade
100°C, aqui ou na Patagonia; um acido m isturado
a uma base produzira urn sal m ais aqua. s eja o nd e
'for. 0 que se esta tentando dizer e q ue a n atu rezaopera segundo determ inadas leis e normas que
nao se alteram ao sabor do acaso, e 0 t ra ba I hodo cientista e justamente construir model os que
r ep re se nte m e sta o rd em OCU Ita.
E e por isso que as ciencias ffsicas detern elevado
grau de previsibilidade: encontrada esta ordem
natural torna-se sim ples prever 0 qu e acontecera
so b tais e tais condicces, dada a im utabilidade dasleis que regem a natureza. Desta forma essas
. . . . . . . - 'crencias sao exatas e perm item a pr evis a o na o
devido ao metoda que empregam (baseado na
quantificacao}, mas porque seu objeto de estudose r egu la r e r epe ti ti vo.
Dentre as ciencias natura is, aquelas que se
ocupam da v ida (en ten did a b iologicam en te)
tarnbern possuem uma consideravet rnarqern deexatidao, q ue Ihe s p erm ite 0 controle e u ma certaprevisao, A vida nao e tao rnonotona quanto 0
mundo ffsico, m as ainda assirn as estruturas eprocessos dos organismos vivos se mantern bas-
tante regulares. Caes sempre procriaram e pro-criarao caes. e a funcao do estornaqo 8 / em
q ualq uer o rg an ism o q ue 0 possua, d ige ri r a li rn ento s,
assim com o as arvores se alim en tam d os nutrientes
absorvidos pelas ralzes em qualquer lugar do
mu~do. 0 o bje to d e e stu do s d as c ie nc ia s b io l6 gi ca s,a vida, mantern entso uma certa regularidade que
tam bern Ihes perm its urn born saldo de
c er te z a e p r ev i si b il id a de .
Contudo, ao ingressarmos no reino da c oi sa s e c om pl ic a. 0 ho mem p os su i u ma
biol6gica regular, m as suas construcces
tamentos nao se derivam diretamente
organismo. Por exemplo: passaros voam
tern asas, mas 0 homem nao as possu
formas de se elevar nos ceus: peixes
agua respirando at r aves das guelras, atr
pertinente ao homem que, no entanto,
formas de descer e permanecer muito t
as aquas. A ssim, 0 ser humano nao e
m in ado pelo seu organ ism o, com o os animo hom em se agrupa ainda em culturas
em cada uma desenvo lve m aneiras d ife
viver e compreender a vida. 0 iraniano
d e d et er mi na da rnaneira, tern os seus
seu deus, etc. E lL vive de forma difer
exemplo, do brasileiro, que cultua outro
veste-se de outra forma, etc. E ambosdiferentes dos esquim6s, que apresen
je ito p ec uliar d e co nstru ir a realid ad e. D e
nao sendo 0 h om em d et er mi na do b io lo g
ele inventa a sua maneira de viver, c
realidade culturalmente. E ainda made um a m esma cultura coexistem grupos
e, mesmo dentro ' de tais grupos, osapresentam caractedsticas exclusivam en
personal (sticas. E m su ma: 0 ham em apres
Jaffa-Francisco Duarte Junior o que e Realidade
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I
liberd ade qu e e irred utivel ao m eram en te fisico ,
a o p uram en te b io l6 gico .
D isso decorre a im possib ilidade de as ciencias
hum an as serem ex atas e p rev isfv eis. H a d im en s5 es
fundam entais no hum ano que nao perm item
quaisquer previsoes o u q uan tificaco es. N ao se p od e
aplicar ao estudo do homem os mesmos m etcdos
u tilizad os nas cisn cias fisico -n atu ra is, e ain da m ais
porque, em tais -ciencias, 0 objeto de estudos ediferente do sujeito que 0 investiqa (0 homem) ,
enquanto nas hum anas 0 p rop rio o bjeto e ur n
o u tr o s u je it o.
Toda esta distincao que fizemos entre as dife-
rentes ciencias foi necessaria pan: que 0 m ito da
quantificacao com o criteria ultim o para 0 estabe-
lecim ento da verda de seja posto de lado au, ao
m enos, relativ izado. Porque m uitos ainda cream
que a verdade seja mais "verdadeira" quando
expressa em nurneros, e m uitos cientistas procu-
ra ra m e stu da r 0 hom em valendo-se dos m etodos
das cienclas ffsico-natura is, esperando assimobter maior veracidade em seus trabalhos. O ra, 0
ser hum ane pede metodos especfficos de estudo, e
a q u an ti fl ca ca o 56 deve ser crlterio de verdade
dentro de um delim itado setor da realidade:·0m un do n atu ra I .
\ H a entao zonas de realidade, cada qual coberta
por cienclas especfficas, que se valem d e r ne to do s
p artic ula re s. A s construcoos de cada um a delas
sao v erd ad eiras e tern 0 seu am bito restrito aq uela
. f
".
. ,
'.
area determ inada do real. Uma ciencia e esta
clencia e nao outra, pelo fa to de dirigir a realidade
esta pergunta especifica e nao outra qualquer.
O s cientistas vao, assim , constru indo a realidade
cien tffica co mp artim entad am en te, isto e. dentro
de seus campos delim itados de atuacao, e tais
campos nao podem simplesm ente ser som ados
ou justapostos uns aos outros. Melhor dizendo:
e im possfvel a construcao de um a ciencia un a, q ueabranja a reaJidade como. um to d o e estabeleca
leis e teorias para tudo aqu ilo que existe, E
tendencia tem side justam ente a inverse: cada vez
m ais as ciencias se fragm en tam e se esp ecializarn ..
r es tr in gi nd o g ra da ti va me nt e 0 seu interesse a
parcelas m eno res d o real. A m edicin a, p or ex em pJo ,
qu e o rig in ariam en te estu dav a 0 funcionam ento
afeccoes do organism o hum ane em sua totalidade,
fragm entou-se tanto que hoje cada 6rgao deste
arganismo e estudado por um especiaJista. A
realidade como urn todo jam ais podera ser objeto
de estudos de uma (m ica ciencia, pois que nao haum a realidade una e indivcvel. e sim tantas
quantas sao as ciencias que as (_onstroern,
A definicao do real, ou n.elhor, do conceito
humano de realidade nao e tarefa p ara cien ciasespecfficas, e sim para a filosofia. Ao cientista
cabe m an ip ular seto res d eterm in ado s d a realid ade,
con stru ind o-Ihes m od elo s represen tativ os e ex pli-
cativ os, enq ua n to 0 fil6sofo se ocupa da com-
preensao de com o 0 h or ne rn p erc eb e e c om p re en de
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100 J a ff a-F ran ci sc o Dua rt e J uni or
o mundo, instaurando a sua realidade (dentro da
qual esta a propria ciencia}. E evidente que um
dialoqo entre a filosofia e as ciencias so pode serfecundo para ambas, mas as cientistas em geral
tern, m iopem ente, se recusado a ouvir os +ilosotos.
m ovidos m uito s deles pela v elha crenca na verdade
suprema da ciencia (e da quantificacao). Par sua
vez a filosofia, ao tentar com preender 0 que e
realidade, dependebastante do conhecimento
a dv in do d as c ie nc ia s. e sp ec ia l m en te 0 d as h um a na s
(m ais particularm ente dos dados fornecidos pelaa nt ro po lo gi a, s oc io lo gia e p sic ol og ia ). E fi na lm en te
cabe ao fil6sofo manter tarnbern uma posicao
d e hum ildad e no qu e co ncern e a seu conhecim en to
sabre 0 conhecimento humano que constroi arealidade: hum ildade para reconhecer que ha
regioes do real inacesslveis ao pensam ento pura-
mente loglco e raciona!. D imens5es essas a que sechega at raves de outras construcoes humanas,
com o a arte e a religiao, po r exem plo.
Como ultirnas palavras faz-se necessaria uma
pequena advertencia aqueles que se dedicarn aestud ar cien cias hum anas e q ue freq uen tern enteu tiliz am -se d o term o rea Iid ad e n as s uas c on stru co es
te6ricas: e p reciso co mp reen der to do 0 mecanismosocial e cultural que a palavra tern atras de s ir a
fim de se evitar erros grosseiros e, a que e pior,v io le nc ia s c on tr a 0 pr6prio homem . Porque 0
p sico lo qo ou psiqu iatra, por ex em plo, p ode sub me-ter seu cliente a urn vasto r epertorio de testes e
o que e Realidade
i nv es ti qa co es c om 0 intuito de descobriencontra orientado na realidade. Isto
nossa condicao de sanidade pede-nosta 980 minima e necessaria na realidadvivemos. Contudo, a sutil e profunda
s er feita e: orientado em que realidadecom o se espera ter ficado claro nas paq
dentes, a realidade que habitamos tdefinicao ditada pelos grupos socia is
a que pertencemos, e uma orientacaorealidade po d e parecer iloqica e mesmo
v ista a p artir d e o utra .
* ' > : , *
P .S . - Se v oce nao tern dicion ario, oud e n ele p r oc urar 0 s ig ni fic ad o d a p al av r
n ao sera por isso qu e ficara privad o destZeugo e um instrum ento m usical da G r
c om po sto d e d uas fla utas reu nid as.
o que e Realidade 1
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\
I'
INDICAc;OES PARA LEITURA
Este pequeno texto tern a sua principal inspiracao e a
sua espinha dorsal na obra A Construceo Social da Reali -
dade, de Peter L . B erger e T hom as Luckrnann, publicada
em Petr6polis pela Editora Vozes. Trata-se de um livro
fundam ental para quem pretenda seguir adiante nos racio-
cfnios aqui expostos, e que disponha de algum conheci-
m en to f ilo s6 fic o e so cio l6 gic o. E sp ec ia lm en te o s c on ce ito s
apresen tad os no terceiro, quarto e quinto caprtulos deste
texto foram retirados do trabalho de B erger e L uckmann.
A li se en co ntram tais c on ceitos ap ro fu nda uo s e fartam en te
exemplificados, acrescidos de outros que nao caberiam
aqui, pela exiquidade de espaco, Certamente a obra dos
d oi s a ut or es e obrigat6ria para todos os estudantes de
f il os of ia e c ie nc ia s h um an as .
Outra obra basica para i:I c or np re en sa o d a e st ru tu ra ca o
da realidade, de um ponto de vista mais abrangente e
filo s6fico (o nde inc lusiv e a d lscu ssa o d a c ien cia e d a lin gua -
gem estao presentesl. e lntroduceo a Fenomenoloqie
Existencial, de W . luijpen, publicada em Sao Paulo pela
Editora Pedag6gica e U niversitaria (EPU ). Trata-se de um
'I,J
trabalho m ais denso, ao qual convern se achegar com alguns
conhecim entos previos de fitosofia, apesar de ele ter sido
e sc rito c om in te nsf ie s c la ra m en te didaticas,
Qua_nto a questao da ciencia e da realidade por eta
construrda e i rn pr es ci nd fv el a l ei tu ra d e Filosofia da Ciencie:
lntroducso ao Jogo e Suas Regras, d e R ube m A lv es, p ub li-
cado em Sao Paulo pela Editora Brasiliense. De leitura
a ce ss lv el e a qra da ve l, 0 texto procura demonstrar que aciencia nada m ais e do que um jogo de montar, um jogo
onde val-se construindo modelos representativos da
r ea li da de . P ar a t an to , 0 auto r v ale-se ta mb ern d e um proc e-
dimento ludico: ao longo do livro uma ser ie de jogos e
quebra-cabecas vai sendo apresentada ao leitor, que, ao
se empenhar em suas solucoes, descobre praticamente os
m ec an is mo s o pe ra t6 rio s d a c le nc ia .
A inda dentro do ambito da ciencia seria indicada a
leitura de 0 Que e Teorie, de O ta via no R am os, p ub licad o
em Sao Pau lo p ela E dito ra B rasilien se, nesta m esm a co lec ao
" Pr irn eiro s P as se s" . A li 0 autor procura demonstrar com o
surgem as teorias e como se dao suas articulacoes com ap ra tic a, n o a mb it o d as c ie nc ia s ff sic o-n atu ra is e d as h urn an as .
F inalmente, para os que se disponham a entender
rnelhor a questao das leqitirnacoes e teorias que invertem
a ordem pratica das coisas e acabam ocultando, mais do
que explicando, a vida concretamente vivida, 0 indicado
seria 0 Que Ii kieoloqie, de M arilena Chaut, desta m esma
Editora e Colecao. A autora procura, em seu texto, expli-
c itar como surqern e como operam as ideologias, defi-
nindo-as numa linha de pensamento que tem os seus
p aram etre s esta be lecid os n a o bra do filoso fo K arl M arx .. . .i _ @ , .
. ..~
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