O Q UE É

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O QUE É . , CULTURA? . E OUTRAS PERGUNTAS

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O QUE É. ,CULTURA?. 

E OUTRAS PERGUNTAS 

     

 

 

 

 

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Sumário 

 

Introdução…………………………………………………………………...3 

O que é Cultura?.................................................................. 4 

O que é Concepção Tridimensional de Cultura?....................8 

Dimensão Simbólica……………………………………………8 

Dimensão Cidadã………………………………………………..9 

O que é Direito Autoral?...................................9 

O que é a Dimensão Econômica da Cultura?........................12 

O que é Indústria Cultural?.......................................13 

O que é Identidade Cultural?...............................................17 

Referências………………………………………………………………..20 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Introdução 

 

Longe de ser especialista no assunto e de pretender estabelecer                   

definições fechadas sobre o imenso “aglomerado” que chamamos de cultura, o                     

que você encontrará aqui é o esforço de reunir descrições, conceitos teóricos,                       

ideias e percepções particulares, mas que pretendem universalizar-se através                 

de seu compartilhamento.  

Para isto, é necessário um primeiro passo, inseguro, talvez prematuro,                   

mas esperançoso e dedicado. Sempre.  

Na implacável rotina dos trabalhadores da cultura de criar imagens                   

palavras ou sons, significados e símbolos, reflexões e percepções de mundo,                     

sustentar-se financeiramente, se organizar politicamente, além de ter de                 

reinventar-se sempre profissional e artisticamente, quase sempre não há                 

espaço para respirar, afastar-se e finalmente questionar quais estruturas estão                   

sendo mobilizadas neste processos.  

Não existem respostas, mas existem perguntas. A ideia aqui é trazer                     

alguns conceitos e referências para que possamos fazê-las, e quem sabe,                     

construir, em vez de respostas, possibilidades. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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O QUE É CULTURA?  

Ao pensar em nossas práticas, enquanto público, artistas e produtores                   

culturais, a cultura se relaciona com a ideia de produtos artísticos como peças                         

teatrais, composições musicais, cinema e poesia, por exemplo. No entanto,                   

levando em conta a origem etimológica da palavra, ligada ao cultivo e ao cuidado,                           

lidamos com um conceito ainda mais amplo que se relaciona com as definições                         

do conceito de cultura dentro das ciências sociais e humanas, mais                     

especificamente ligada à antropologia.  

Roque de Barros Laraia em seu livro Cultura: um conceito antropológico                     

apresenta os antecedentes históricos da definição de cultura que se                   

compreende hoje. Kultur é o termo alemão que expressava os aspectos                     

espirituais de um povo, sendo a língua um desses principais elementos. Na                       

França, a palavra Civilization era utilizada principalmente para se referir às                     

produções e realizações materiais de uma comunidade.  

A partir dessas noções, o antropólogo Edward Tylor (1832-1917) desenvolve                   

o conceito de Culture, que carrega tanto os aspectos simbólicos quanto os                       

materiais de uma sociedade, resultando em uma das principais definições                   

teóricas de cultura:  

“[...] é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte,                   

moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos                   

pelo homem como membro de uma sociedade.”1  

Contemplando também essa perspectiva, a filósofa Marilena Chauí               

identifica cultura como a forma de lidar com o ausente: é a capacidade humana                           

de criar símbolos, o que se manifesta em suas crenças, mitologias, história,                       

rituais, além de seus modos de fazer e viver, o que consiste no trabalho, nas                             

1 1. Edward Tylor, 1871, cap.1, p.1, apud Laraia, 1986, p.14 

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realizações materiais e na transformação da natureza. Trata-se de criar material                     

e simbolicamente o que ainda não existia, “de lembrar o passado, de construir o                           

futuro”. 2 

 

Por que isso é importante? 

Porque a partir das definições apresentadas entende-se             

que cultura é parte da condição humana, do ser, estar e se                       

relacionar com o mundo.  

A cultura não se refere a um conhecimento ou saber                   

específico, como se houvessem pessoas cultas ou incultas,               

pessoas com cultura e pessoas sem cultura. Ela é, na verdade,                     

parte de todos indivíduos em todas as sociedades do mundo.  

 

Como bem lembra Marilena Chauí, nas sociedades divididas em classes, a                     

cultura possui diferentes formas de se realizar, diferentes sentidos e                   

instrumentos, de forma que, dentro de uma mesma sociedade, os sujeitos                     

experienciam a cultura de formas diferentes. 

O antropólogo Roque de Barros Laraia, ao sintetizar as formas pelas quais                       

opera a cultura, afirma que “Os indivíduos participam diferentemente de sua                     

cultura”, pois não existe na sociedade, seja esta qual for, a socialização completa                         

e ideal de um indivíduo - um sujeito não participa perfeitamente de todos os                           

aspectos de sua comunidade. 

Outro aspecto a ser destacado sobre as diferenças no modo como opera a                         

cultura, mas num plano coletivo, refere-se ao processo de qualificação cultural.                     

Chauí constata a divisão entre cultura popular e cultura erudita, por exemplo,                       

onde a primeira é comumente vista como “atrasada e inferior'' e a segunda                         

entendida como “intelectualizada, moderna e superior”. Essas definições               

refletem a diferenciação e hierarquização que legitima certas manifestações                 

culturais em detrimento de outras e, para além das categorizações entre cultura                       

2Chauí, 2018.  

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popular e erudita, podemos também questionar: o que qualifica os bens                     

enquanto culturais? 

As categorias com as quais lidamos cotidianamente aparentam ser dadas                   

e inquestionáveis, no entanto, a Sociologia das Classificações destaca seu                   

caráter social e adquirido. Mesmo os nomes e definições que atribuímos às                       

coisas refletem processos de distinção que não são naturais, mas construídos e                       

partilhados: “A hierarquia lógica não é senão outro aspecto da hierarquia social”,                       

afirma o teórico francês Émile Durkheim, um dos fundadores da ciência social                       

moderna. 

Desta forma, o que é entendido enquanto cultural ou não, popular ou                       

erudito, relevante ou desprezível, belo ou feio, é fruto de classificações sociais,                       

simbólicas e coletivas que são herdadas culturalmente. Essa herança cultural                   

condiciona a visão de mundo dos sujeitos e interfere até mesmo no plano                         

biológico, afirma Laraia. 

 

“O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa,                         

os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são                   

assim produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação                       

de uma determinada cultura.” 3 

 

“A cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo”4, ela                             

condiciona a nossa percepção sobre nós e nossos pares, mas também sobre os                         

outros, portanto, é muito comum utilizarmos a nossa própria lógica (ou lente)                       

para compreender aquilo e aqueles que são “diferentes”. Etnocentrismo é o                     

termo referente à tendência de enxergar os outros povos a partir dos                       

parâmetros de sua própria cultura, o que leva a uma pretensa superioridade.  

3 Laraia, 1986. p. 36  4Benedict, Ruth. O crisântemo e a espada. Perspectiva, São Paulo, 1972.    

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Isso significa que cada cultura também tem suas percepções específicas                   

e suas próprias categorias. Ao longo da história das ciências humanas e                       

principalmente da antropologia, procurou-se definir sociedades e culturas como                 

mais ou menos lógicas, e portanto mais ou menos “evoluídas”. Em contraste com                         

essas noções, que por muitas vezes sustentam teorias ocidentalistas e racistas,                     

o estruturalismo do antropólogo contemporâneo Claude Lévi-Strauss parte do                 

princípio de que cada cultura possui um sistema, uma lógica própria que a                         

sustenta.   

Outro aspecto a se destacar sobre a forma como opera a cultura é o fato                             

de que ela é dinâmica. As culturas não são estáveis ou totalmente permanentes                         

no tempo, estão sempre se reconstruindo e passando por processos de                     

transformação, no entanto, há mudanças mais disruptivas que outras, bem como                     

culturas mais propensas a transformações constantes, tendo as tecnologias                 

grande influência sobre esses processos que acabam por acelerar-se. 

Esses movimentos e mudanças se constroem porque nós humanos,                 

apesar de nossos hábitos naturalizados, somos também capazes de                 

questioná-los. 

Algo que a própria antropologia nos ensina através de seus conceitos e                       

seu percurso histórico enquanto ciência, é que a complexidade e o dinamismo                       

característico das culturas humanas implica na constante variação de conceitos                   

e definições, de forma que a própria percepção do que é cultura - nas teorias                             

acadêmicas ou nas representações sociais de uma comunidade - se transforma                     

nestes movimentos, que são resultados de um lugar e um tempo específico.  

 

 

 

 

 

 

 

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O QUE É CONCEPÇÃO TRIDIMENSIONAL DE CULTURA? 

 

Pudemos ver de forma breve no tópico anterior as definições da ideia de                         

cultura e outros conceitos que a orbitam numa perspectiva teórica. É importante                       

entendermos como essas descrições se relacionam com as políticas públicas                   

que também partem de definições teóricas para se estruturarem.  

A Concepção Tridimensional de Cultura é o que fundamenta as políticas                     

nacionais através do Sistema Nacional de Cultura (SNC)5 que prevê a ação                       

integrada dos entes federativos, ou seja, dos governos da esfera federal,                     

estadual e municipal, para um plano unificado de democratização do setor. A                       

tridimensionalidade da cultura que pauta esse sistema refere-se às esferas                   

simbólica, cidadã e econômica.  

 

“Toda ação humana é socialmente construída por meio de símbolos                   

que, entrelaçados, formam redes de significados que variam conforme os                   

contextos sociais e históricos” 6 

 

De acordo com o documento básico do Sistema Nacional de Cultura (SNC),                         

este é o pressuposto assentado na perspectiva antropológica que compreende a                     

cultura enquanto um conjunto de modos de viver, e portanto, parte sempre da                         

ideia de culturas no plural. Sob tais fatores constitui-se a cultura em sua                         

5 “O Sistema Nacional de Cultura (SNC) é a ponte entre o Plano Nacional de Cultura (PNC), estados,                                  cidades e o Governo Federal. O Sistema estabelece mecanismos de gestão compartilhada entre                         estados, cidades, Governo Federal e a sociedade civil para a construção de políticas públicas de                             cultura. A adesão ao SNC é voluntária e pode ser realizada por meio de um Acordo de Cooperação Federativa.                                   Ao aderir ao SNC, o estado ou a cidade elabora um plano de cultura, ou seja, um documento que reúne                                       diretrizes, estratégias e metas para as políticas de cultura naquele território por um período de dez                               anos. Sendo assim, pode receber recursos federais para o setor cultural e assistência técnica para a                               elaboração de planos, bem como sua inclusão no Sistema Nacional de Informações e Indicadores                           Culturais (SNIIC). Se o seu estado ou sua cidade não aderiu ao PNC, é preciso entrar em contato com o                                       responsável pela Cultura na prefeitura ou no governo do estado. A Secretaria da Diversidade Cultural                             (SDC), no âmbito da Secretaria Especial da Cultura, é a unidade responsável por acompanhar as                             adesões ao SNC.”  Informações do Site do Plano Nacional de Cultura  6Estruturação, Institucionalização e Implementação do Sistema Nacional de Cultura, 2011, p. 33 

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dimensão simbólica, considerando igualmente a relevância dos produtos               

culturais populares, eruditos e massivos, assim como as categorias de fomento                     

à cultura e proteção do patrimônio.  

A cultura como expressão simbólica reflete uma abrangência e                 

transversalidade que a compreende para além de produções artísticas,                 

habitando outras áreas como o turismo, a saúde, a comunicação e o meio                         

ambiente, sendo ela até mesmo alma e parâmetro para as noções                     

contemporâneas de desenvolvimento.  

Já a dimensão cidadã da cultura, está ligada de forma geral aos direitos                         

culturais e seu acesso. Entende-se que tais direitos integram os direitos                     

humanos desde a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, e hoje se                           

constituem como: o acesso ao Direito Autoral, o Direito à participação na vida                         

cultural, o Direito à identidade e diversidade cultural, além do Direito à                       

acessibilidade para a participação na vida cultural da pessoa com deficiência.  

 

O que é Direito Autoral? 

Segundo a Fundação Biblioteca Nacional7, órgão responsável             

pelos direitos autorais no Brasil desde 1989, o direito do autor é: “o                         

direito que todo criador de uma obra intelectual tem sobre a sua                       

criação.” O Direito Autoral constitui-se enquanto um direito moral,                 

intransferível e ligado à pessoa física do autor, e como um direito                       

patrimonial , que se refere à utilização econômica da obra e pode ser                       

cedido a outros que não o próprio criador, através do licenciamento ou                       

cessão de direitos.  

Os direitos autorais contemplam também os direitos conexos ,               

estes dizem respeito à proteção dos benefícios dos profissionais que                   

através de interpretações e/ou execuções artísticas agregam valor à                 

obra.  

7 Biblioteca Nacional, Direitos Autorais. Disponível em <https://www.bn.gov.br/servicos/direitos-autorais/perguntas-frequentes> Acesso em 15. dez. 2020

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Por exemplo, “O bêbado e o equilibrista" é uma obra composta                     

por Aldir Blanc e João Bosco, artistas que possuem seus direitos                     

autorais (morais e patrimoniais) garantidos enquanto autores da               

canção, esta que foi eternizada na voz de Elis Regina, que goza dos                         

direitos conexos enquanto intérprete da música.  

O ECAD8 é a entidade responsável pela arrecadação e                 

distribuição desses direitos autorais e conexos. A instituição privada                 

se mantém através da Lei n. º 9.610, de 1998, que consolida o marco                           

legal dos direitos autorais no Brasil, e constitui-se também a partir das                       

associações integradas as quais filiam-se os artistas, intérpretes,               

autores, produtores, etc, sendo estas a ABRAMUS, UBC, ASSIM,                 

SBACEM, entre outras.  

 

Quando encontra-se em pauta o direito e o acesso à cultura, é preciso                         

destacar a importância de garantir o consumo dos bens culturais, mas para além                         

disso, também o acesso às ferramentas de sua produção. Como bem apontado                       

por Isaura Botelho no artigo Dimensões da Cultura e Políticas Públicas, mais do                         

que se pensar a democratização da cultura para espaços ou grupos vulneráveis,                       

por exemplo, deve-se falar em democracia cultural, entendendo os indivíduos                   

não apenas como público, mas como criadores e produtores de cultura.  

 

“Não se trata de colocar a cultura (que cultura?) ao alcance de todos,                         

mas de fazer com que todos os grupos possam viver sua própria cultura.” 9 

 

O mesmo princípio se aplica ao direito à participação na vida cultural da                         

pessoa com deficiência, que está previsto na Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº                         

13.146), sancionada em 2015, mas que possui suas especificidades no que diz                       

respeito às diferentes vivências e questões com as quais lidam as pessoas com                         

deficiência, como as barreiras físicas de acesso e também as sociais,                     

8 Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD)  9 Botelho, 2001, p. 82 

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estimuladas pelo capacitismo, preconceito, falta de de representatividade, por                 

exemplo. 

A dimensão cidadã da cultura ainda procura garantir o direito à identidade                       

e diversidade cultural dos indivíduos, o que se manifesta principalmente através                     

da valorização e proteção das culturas populares, indígenas, afro-brasileiras,                 

ciganas e LGBTs, sendo o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico                       

Nacional) e o Instituto Brasileiro de Museus importantes órgãos estatais para a                       

proteção do patrimônio material e imaterial do país.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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O QUE É A DIMENSÃO ECONÔMICA DA CULTURA? 

 

Segundo o Sistema Nacional de Cultura, a dimensão econômica pode                   

compreender a cultura como um sistema de produção, materializado em cadeias                     

produtivas. Nesse sentido, os bens culturais são entendidos como uma                   

mercadoria, e por esse dado, estão sujeitos a um sistema que envolve três                         

etapas (produção, distribuição e consumo) que compõem o que chamamos de                     

cadeia de produção cultural, onde todos os bens e serviços culturais se                       

encontram de alguma forma localizados. 

Para que uma música chegue aos ouvidos de um consumidor, ela                     

primeiramente passa pelo processo de criação, o que em geral envolve a                       

presença de um compositor, intérprete e arranjador, além disso, há o processo                       

de pós-produção dessa música: captação de som, mixagem e masterização.                   

Essa primeira etapa é definitivamente uma das mais importantes, pois diz                     

respeito ao trabalho criativo e artístico presente do início ao fim de uma obra                           

qual seja sua linguagem, no entanto, a arte é fundamentalmente um processo                       

comunicativo, e para que se realize, é também necessário pensar sua                     

distribuição e circulação, entendida como a segunda etapa desta cadeia.  

Uma música pode circular de diversas formas, através de apresentações                   

ao vivo do artista, por meios físicos como CDs, Vinis e cassetes, ou digitais,                           

como plataformas de streaming (Youtube, Spotify, Deezer, etc). Por muito                   

tempo, a mídia física foi a principal ou única forma dos músicos distribuírem seu                           

trabalho, mas com a expansão dos meios digitais essa realidade foi se                       

transformando.  

É importante destacar como a distribuição está intrinsecamente                 

relacionada à etapa final de acesso/consumo. Pensando em grandes artistas da                     

música, por exemplo, o foco de investimento e distribuição é                   

predominantemente o meio digital e isso só ocorre porque o acesso às                       

plataformas online se expandiu. Nem sempre foi dessa forma e esse acesso                       

também ainda não alcança todos os lugares.  

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A noção de cultura como mercadoria é fonte de muitas discussões, seja no                         

campo das políticas culturais ou da sociologia. Em nosso cotidiano temos uma                       

percepção naturalizada desse enquadramento, pois lidamos frequentemente             

com bens culturais e artísticos numa lógica de consumo e entretenimento. No                       

entanto, existem conceitos e perspectivas teóricas que procuram desnaturalizar                 

essa relação, apresentando-a como uma construção histórica e social derivada                   

do modo de produção industrial capitalista.   

 

O que é Indústria Cultural? 

Num passo para além do campo cultural, podemos afirmar que                   

na modernidade é consolidado o modo de produção industrial, baseado                   

na produção em grande escala, para amplo consumo e maximização                   

dos lucros.  

A perspectiva crítica ao modo de produção industrial que                 

caracteriza o capitalismo moderno já pode ser observada de forma                   

concreta em no século XIX com a clássica obra de Karl Marx, mas passa                           

a ser aplicada ao âmbito cultural com a Escola de Frankfurt,                     

especialmente com a obra Dialética do Esclarecimento, de Theodor                 

Adorno e Max Horkheimer, publicada no ano de 1944.  

Trata-se de um contexto culturalmente marcado pela             

subjetividade de consumo e o estabelecimento dos meios de                 

comunicação de massa, fatores que estão envolvidos no processo de                   

transformação da arte em mercadoria, lógica que pauta o conceito de                     

indústria cultural. Nesse processo é possível observar a expansão das                   

linguagens artísticas como forma de entretenimento.  

Nesta chave de análise, por questões estruturais referentes ao                 

funcionamento do sistema capitalista, ocorrem transformações na             

natureza destes produtos culturais, que por prezarem pela               

reprodutibilidade e lucro, acabam por apresentar um conteúdo               

homogêneo e viciado, sem espaço para reflexão.  

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A visão marxista é uma perspectiva interessante para se pensar                   

os desdobramentos da relação entre os diferentes produtos culturais e                   

sua forma de financiamento, já que segundo o marxismo ortodoxo, a                     

realidade material é determinante para a subjetividade, e nela se                   

encontram os bens culturais. No entanto, é com a Escola de Frankfurt                       

que se passa a pensar, a partir do marxismo, a dimensão cultural                       

também como elemento estrutural para a construção e manutenção de                   

uma ideologia.  

 

Pensar a dimensão econômica de cultura, e dentro disso, a forma como                       

ela se sustenta através de recursos materiais, significa pensar também sobre os                       

diferentes modos de produção artística e suas possibilidades de financiamento.  

Existem propostas que possuem maior e menor apelo comercial e,                   

pensando no contexto brasileiro, propostas mais experimentais e referentes à                   

construção de uma linguagem artística têm muita dificuldade em se manter                     

através dos mecanismos do mercado, o que pode limitar a criação artística por                         

priorizar o amplo consumo e não o valor simbólico das criações.  

Partilhando dessa perspectiva, o manifesto Arte contra Barbárie, de 1999,                   

foi redigido por grupos teatrais ativos na construção e experimentação da                     

linguagem cênica que afirmaram seu compromisso com a função social da arte                       

em oposição ao processo de mercantilização da cultura, resultado da ausência                     

de políticas públicas para o setor.  

Se de 1930 a 1980 o Brasil passou por um processo lento, mas progressivo,                           

de responsabilização do Estado pelas políticas culturais, a década de 90 foi                       

marcada pelo desmonte dos setores de cultura estatais, de modo que o governo                         

Fernando Henrique Cardoso contou apenas com políticas de incentivo fiscal para                     

a área.10  

Diante deste cenário, o manifesto Arte contra Barbárie afirma que “O                     

Teatro não pode ser tratado sob a ótica economicista” e reivindica políticas para                         

10 Silva, 2014.  

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a definição de ações específicas por parte do Estado, como apoio para criação,                         

pesquisa e manutenção de grupos de Teatro, planejamento para circulação e                     

acesso do público aos espetáculos, assim como fomento à uma produção e                       

dramaturgia nacional. A organização da classe artística foi fundamental para a                     

conquista e ampliação de políticas que incentivem e assegurem a produção                     

artística enquanto bem simbólico e coletivo. Também como resultado desta                   

articulação, foi aprovada em 2002 a Lei de Fomento ao teatro do município de                           

São Paulo que visa "Apoiar e manutenção e criação de projetos de trabalho                         

continuado de pesquisa e produção teatral visando o desenvolvimento do teatro                     

e o melhor acesso a população ao mesmo" (Art. 1º da LEI Nº 13.279) 

Há uma forte crítica que se constrói ao processo no qual são                       

enfraquecidos os órgãos e mecanismos estatais voltados à cultura, tornando o                     

mercado o principal ou único meio de financiamento para o setor. Não se trata                           

de ignorar as importantes relações entre cultura e mercado que se desenvolvem                       

inevitavelmente num sistema capitalista, mas de reconhecer que tais relações                   

não contemplam todos os fatores que habitam o universo da cultura.  

O financiamento de projetos a partir do incentivo fiscal, como é no caso da                           

Lei Rouanet (Lei Federal de Incentivo à Cultura) e do ProAC ICMS, fornecem                         

isenção fiscal para que empresas possam investir em cultura. Segundo Belém11,                     

o que se inicia como uma proposta de parceria entre o poder público e o setor                               

privado, se construiu na verdade como um “mercado de patrocínios culturais”, já                       

que os recursos são públicos, mas a responsabilidade pela seleção de projetos é                         

privada. Sendo assim, é grande parte o direcionamento das empresas que                     

determinam quais projetos devem ser realizados, de forma que os recursos                     

públicos são instrumentalizados como divulgação para o próprio mercado: cerca                   

de 53% das empresas nomearam o marketing cultural como o principal meio de                         

divulgação de suas marcas.12  

11 Belém (2013)  12 Silva (2014)

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Mesmo com os bens culturais estando sujeitos ao funcionamento do                   

mercado, é fundamental compreender seu valor simbólico mesmo na chave                   

econômica. Diferentemente de outros produtos, os bens culturais são                 

"portadores de ideias, valores e sentidos e destinam-se a ampliar a consciência                       

sobre o ser e o estar no mundo." (2011, p. 35) e portanto, não pode submeter-se                               

apenas com os termos de competitividade e lucro que estruturam o mercado.                       

Tais apontamentos se encontram na própria descrição do Sistema Nacional de                     

Cultura, ao considerar, na noção de desenvolvimento econômico, a cultura como                     

fator essencial para sua humanização. 

Essas articulações demonstram a importância de se pensar a política não                     

apenas a partir da estrutura burocrática e hierárquica do Estado, mas também                       

como um movimento que se constrói a partir da percepção crítica dos atores e                           

sua capacidade de organização frente ao processo de apagamento e elitização                     

de bens de cultura, para fazer com que o Estado exerça seu papel em assegurar a                               

manutenção e proteção dos bens culturais e seus trabalhadores, além de                     

promover a pluralização do conceito de cultura, em todas as suas dimensões e                         

categorias. 

  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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O QUE É IDENTIDADE CULTURAL? 

 

De acordo com Laraia, a cultura condiciona nossa visão de mundo, o modo                         

como entendemos os outros e nós mesmos e, nesse sentido, a identidade é                         

inevitavelmente um assunto do campo da cultura. As definições de cultura                     

contemporâneas têm se relacionado de forma cada vez mais próxima com este                       

conceito: a valorização dos aspectos simbólicos, o foco nas noções plurais de                       

cultura e a identidade cultural como direito dos indivíduos estão presentes no                       

documento básico do Sistema Nacional de Cultura (SNC) e pautaram o                     

direcionamento das políticas culturais principalmente na gestão de Gilberto Gil                   

como Ministro da Cultura (2003-2008), onde criou-se a Secretária de Diversidade                     

Cultural e Identidade.  

Para além do plano burocrático, o reconhecimento das questões                 

referentes à identidade - como orientação sexual, gênero, raça, etnia, história,                     

nacionalidade, idioma, religião, lugar… - passaram a integrar de forma mais                     

presente nosso cotidiano, chegando em espaços e canais que até então não                       

eram ocupados por essas pautas, apesar das lutas LGBTs, feministas,                   

antirracistas, indígenas, se construírem há muito mais tempo.  

O claro processo de diversificação das identidades na contemporaneidade                 

revela processos muito mais amplos que resultam no deslocamento das noções                     

de sujeito, nação e identidade cultural, tal como aponta o sociólogo teórico                       

cultural Stuart Hall.  

Uma nação não se resume aos seus aspectos políticos e burocráticos                     

enquanto Estado, mas deste em conjunto com as representações culturais e                     

simbólicas aos quais os indivíduos se identificam como integrantes. Refletindo                   

sobre como são construídas tais noções de identidade cultural nos                   

Estados-nações, Stuart Hall compreende as culturas nacionais como               

comunidades imaginadas: se baseiam em um discurso, possuem histórias,                 

memórias e imagens que consolidam uma narrativa de unidade. No entanto, o                       

autor afirma que a cultura nacional é uma estrutura de poder cultural que se                           

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constrói enquanto única, porém é mais fragmentada do que aparenta ser. A                       

maioria das nações ocidentais possuem uma diversidade de culturas que foram                     

unificadas por meio de processos violentos que devem ser esquecidos em prol                       

de uma única narrativa a qual sustenta-se a identidade cultural de uma nação.  

Em geral, toda nação é composta por diferenças internas (de classes                     

sociais, gêneros e etnias, por exemplo) e diferenças externas (com outras                     

culturas), sendo a última um fundamento para a construção de traços distintivos,                       

firmados na pressuposição de superioridade das nações europeias frente aos                   

povos colonizados. Sendo assim, o teórico britânico-jamaicano afirma que a                   

cultura nacional revela-se uma estrutura de poder que tem de lutar para                       

estabelecer sua hegemonia perante as diferenças já existentes.  

O fenômeno da globalização - de caráter imediatista e desestabilizador                   

das fronteiras territoriais - é um fator determinante para o processo efetivo de                         

deslocamento das noções unificadas de identidade. A pós-modernidade para                 

Stuart Hall, marcada pela globalização, caracteriza-se pela contestação e o                   

deslocamento das identidades centradas na cultura nacional, pluralizando-as,               

tornando-as mais políticas e posicionais, mais diversas e menos unificadas e                     

fixas.  

Esse processo revela uma “crise de identidade”, onde mesmo as noções de                       

classe, raça, sexualidade, gênero e nacionalidade não representam definições                 

estáveis de identidade para os indivíduos. O sujeito pós-moderno é fragmentado,                     

e assim também símbolos e representações sociais.  

Esses processos de deslocamento possuem resultados objetivos e um                 

exemplo recente são as derrubadas e intervenções em estátuas racistas e                     

escravistas em diversos países com a onda de protestos do movimento Black                       

Lives Matter.13  

13 O movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) se desenvolveu da esfera local para a global, após teve início após o assassinato de George Floyd por um policial branco na cidade de Minneapolis, em Minnesota nos Estados Unidos no ano de 2020. Teve como pauta principal a crítica à repressão e violência policial norte-americana, questionando todas as nuances de um racismo que permeia o imaginário social, o mercado, as instituições, os patrimônios culturais e os espaços públicos. Com a onda de protestos que se espalharam pelo mundo no ano de 2020, diversos atos resultaram na intervenção e/ou derrubada de estátuas que representavam figuras escravagistas e racistas. Dentre 

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O patrimônio cultural e histórico é justamente resultado da estatização de                     

bens culturais para a construção de narrativas dominantes, que passam a entrar                       

em conflito na conjuntura explorada por Stuart Hall e vivenciada por nós hoje                         

enquanto sujeitos pós-modernos.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

elas, estão as estátuas do Rei Leopoldo II na Bélgica, de Cristóvão Colombo nos Estados Unidos, Edward Colston na Inglaterra, bem como o busto de De Gaulle no norte da França.  

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REFERÊNCIAS 

 

Béra, Matthieu; Lamy, Yvon. Sociologia da Cultura. São Paulo: Edições                   

Sesc, 2015. 

 

Botelho, Isaura. Dimensões da cultura e políticas públicas. São Paulo em                     

perspectiva 15.2 (2001): 73-83. 

 

Belém, Marcela Purini, and Julio Cesar Donadone. A Lei Rouanet e a                       

construção do “mercado de patrocínios culturais”. Novos Rumos               

Sociológicos 1.1 (2013). 

 

Chauí, Marilena. Escritos de Marilena: O que é cultura? 2018. (10m03s).                     

Disponível em: <https://youtu.be/-YQcFNoiDMw>. Acesso em: 15 dez. 2020. 

 

Concepção Tridimensional da Cultura como Fundamentos da Política               

Nacional de Cultura. IN: Estruturação, Institucionalização e Implementação               

do Sistema Nacional de Cultura. Dezembro de 2011. 

 

Hall, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10. ed. Rio de                     

Janeiro: DP&A, 2005. 

 

de Barros Laraia, Roque. Cultura: um conceito antropológico. Editora                 

Schwarcz-Companhia das Letras, 1986. 

 

MOVIMENTO, ARTE CONTRA A. BARBÁRIE. Manifesto Arte contra a                 

Barbárie. São Paulo, 1999. 

 

Plano Nacional de Cultura, Ministério do Turismo/Secretaria Especial da                 

Cultura: Entenda o Plano.  

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Page 21: O Q UE É

Disponível em: <http://pnc.cultura.gov.br/entenda-o-plano/>. Acesso em:         

15 de dezembro de 2020.  

 

Silva, Rodrigo Manoel Dias da. As políticas culturais brasileiras na                   

contemporaneidade: mudanças institucionais e modelos de           

agenciamento. Sociedade e Estado 29.1 (2014): 199-224. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Por Letícia Rosa 

 

 

 

 

 

 

 

Obra realizada com recursos da Lei Aldir Blanc (nº14.017) 

na cidade de Jundiaí-SP. 

Todos os direitos reservados de acordo com a legislação em vigor. 

Brasil, Dezembro de 2020.  

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