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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABA
Centro de Cincias Humanas, Letras e Artes Programa de Ps- Graduao em Sociologia
DISCURSOS E IMAGENS DA CIDADE: o processo de requalificao urbana de Campina Grande-PB (1970-2000).
Maria Jackeline Feitosa Carvalho
Joo Pessoa 2011
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Maria Jackeline Feitosa Carvalho
DISCURSOS E IMAGENS DA CIDADE: o processo de requalificao urbana de Campina Grande-PB (1970-2000).
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Sociologia da Universidade Federal da Paraba, sob a Orientao da Prof Dra.Jovanka B. C. Scocuglia,como requisito para obteno do ttulo de Doutor em Sociologia.
Joo Pessoa 2011
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C331d Carvalho, Maria Jackeline Feitosa.
Discursos e imagens da cidade: o processo de
requalificao urbana de Campina Grande-PB (1970-
2000) / Maria Jackeline Feitosa Carvalho. - Joo Pessoa,
2011.
361f. : il.
Orientadora: Jovanka B. C. Scocuglia.
Tese (Doutorado) UFPB/CCHLA
1. Sociologia. 2. Requalificao urbana Campina
Grande-PB. 3. Imagens e discursos. 4. Estrutura
urbana. 5. Condio social. 6. Paisagem social.
UFPB/BC CDU: 316(043)
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Maria Jackeline Feitosa Carvalho
DISCURSOS E IMAGENS DA CIDADE: o processo de requalificao urbana de Campina Grande-PB (1970-2000).
_______________________________________________ Dra.Jovanka B. C. Scocuglia UFPB
. (Orientadora)
________________________________________________ Dra. Lisabete Coradini UFRN (Membro Titular)
________________________________________________ Dr. Marcos Ayala UFPB (Membro Titular)
_________________________________________________ Dra. Tereza Correia Queirz UFPB (Membro Titular)
_________________________________________________ Dr. Vancarder Brito Sousa UEPB (Membro Titular)
Joo Pessoa, junho de 2011.
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RESUMO
A presente tese busca entender o processo de requalificao urbana ocorrido
em Campina Grande durante as dcadas de 1970, 1980, 1990 e 2000, tendo
por enfoque as imagens e discursos interpretados a partir da leitura presente
em documentos oficiais e nos jornais Drio da Borborema (DB) e Jornal da
Paraba (JP); imagens-snteses que articulam os discursos hegemnicos e que
inauguram, neste contexto, a Campina contempornea, urbana, competitiva,
moderna e tech city. Analisaremos inicialmente o desenho institucional da
cidade , atravs das intervenes pblicas que visaram modernizar, conferir
novas qualidades e privilegiar Campina;e,por ltimo,os contrausos na
cidade.Ao transformar a estrutura urbana e, consequentemente, a condio
social na cidade, a requalificao impe um ntido processo de higienizao e
desigualdades por cenrios bastante controversos,aqui identificados como
tentativas de regenerao dos tecidos fsicos e sociais da cidade. Ao ressaltar
certos espaos, pelo discurso que nomeia as caractersticas e qualidades
singularidades de Campina, a requalificao ativa uma disciplinarizao do
espao atingindo diretamente ambulantes e pobres urbanos , pela tentativa de
suas eliminaes da rea central da cidade.Por essa discusso, pensaremos
as itinerncias de ambulantes e pobres urbanos como modos pelos quais a
ordem constituda pela requalificao alterada, por prticas e maneiras
destes usurios ao reapropriarem o espao pblico de Campina a rua, os
Calades, a periferia clara tenso entre as imagens da Campina desejada
e a cidade realizada.Em resumo, as imagens e discursos da requalificao
interpretam Campina naquilo pelo qual esta significa como experincia urbana,
processo que demarca os elementos de diferenciao competitiva da cidade,
orienta as transformaes socioespaciais ocorridas , no perodo analisado, e
ainda, define a gramtica que expressa a paisagem social da cidade hoje.
Palavras-chave: Imagem; Discurso; Requalificao Urbana; Cidade.
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ABSTRACT
This thesis seeks to understand the process of urban requalification which
occurred in Campina Grande in the 1970s, 1980s, 1990s and 2000s, and it
looks at the images and speeches interpreted by us, from the reading of official
documents and the newspapers Dirio da Borborema (DB) and Jornal da
Paraba (JP), as synthesis images which articulate the hegemonic speeches
which open, in this context, the contemporary, urban, competitive, modern
Campina and tech city. We are analyzing the institucional design of the town,
from the public interventions which aim to modernize, to award new qualities
and favour Campina, and finally the against uses of the town. By
transforming the urban structure, and consequently, the social status in the
town, the requalification imposes a clear hygienic process and inequalities in
controversial landscapes, identified in this work as attempts of
regeneration of the physical and social characteristics of the town. By pointing
certain spaces out, through the speech which appoint the characteristics and
singularities of Campina, the requalification activates a space process of
disciplinary actions reaching the street vendors and the urban poor because of
the attempts of their elimination of the central area of the town. Through this
discussion, we are thinking about the street vendors and poor itineraries as
ways for which the constituted order by the requalification is altered, through
practices and manners which these users reappropriate the public space of
Campina the streets, the pedestrian streets, the suburbs with a clear
tension between the desired Campina and the accomplished town. To sum up,
the images and speeches interpret Campina in what it means as urban
experience, process which demarcates the elements of the competitive
differentiation of the town, shows the space and social transformations
occurred, in the analyzed period, and defines the grammar which expresses
the social landscape of the town nowadays.
Key-words: Image; Speech; Urban Requalification; City.
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minha me Raimunda e meu pai Benito (in
memorian) que me fizeram entender o valor
da bondade e da doao, sem nada em troca
e somente por amor.
Ao meu amor Roberto por proporcionar o
carinho e a palavra certa em todos os
momentos desta caminhada.
Dedico.
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AGRADECIMENTOS
Frente s valiosas contribuies recebidas, agradeo a uma parcela das
pessoas e instituies que muito me ajudaram na construo desse caminho:
minha famlia que, mesmo distncia, sempre esteve prxima pelo amor
e incentivo compreensivamente compartilhados;
minha Orientadora que me ajudou a encontrar, de forma muito
significativa, as pistas e o caminho nos momentos de maiores dvidas;
turma 2007 do PPGS pela troca vivenciada, em especial Angelina
Duarte que, de forma paciente, ouvia e comungava as descobertas deste
processo;
SEPLAN, em especial a Ademilson (Pinquio) por disponibilizar
competentemente toda a documentao oficial, em diferentes momentos da
pesquisa;
Aos funcionrios dos jornais Dirio da Borborema e Jornal da Paraba por se
prestarem receptivos e dividirem os conhecimentos do trabalho com arquivos,
em especial a Glauco;
Aos funcionrios das Bibliotecas da UEPB, em especial Rosalvo, Larissa e
Reginaldo pela pacincia em garimparem comigo, literalmente, a instituio em
busca dos arquivos DB;
A Edvaldo Jos Caiara que me apresentou o SEDHIR, em seu rico
material;
Banca Examinadora que se mostrou receptiva e aberta em compartilhar
seus saberes e experincias;
Nancy, Secretria do PPGS, sempre atenciosa em nossas solicitaes;
professora Iomar Cordeiro pela correo do trabalho.
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SUMRIO
INTRODUO 14
1 IMAGENS SEDUTORAS DE CAMPINA GRANDE
1.1 Imagens histricas dos discursos sobre Campina 52
1.2 As imagens de Campina em seus significados contemporneos 62
1.3 Imagens da cidade da crise: preciso repensar Campina! 71
1.3.1Observaes esparsas de outras marcas da cidade 82
1.4 A imagem tech city : no espao da tecnologia Campina se reinventa 95
2 DISCURSOS SOBRE O URBANO EM CAMPINA GRANDE:
A CIDADE UNITRIA
2.1 O desenho institucional e os discursos do planejamento urbano 118
2.2 Mltiplos olhares sobre Campina Grande: PDLI e CURA 125
2.2.1 A imagem da cidade no PDLI 125
2.2.2 Sentidos e enfoques do Programa CURA 141
2.3 Novos discursos, velhas prticas retricas da participao popular 160
3 IMAGENS DE CAMPINA GRANDE NO ESPAO PBLICO:
OS AMBULANTES E A RUA
3.1 Campina se remodela: o centro como espao pblico e de lazer 173
3.2 Ruas da cidade e sociabilidade pblica: os Calades 190
3.3 A cenografia dos ambulantes em seus contrausos 214
4 DISCURSOS DA REVITALIZAO: O PROJETO CAMPINA GRANDE DCO
4.1Revitalizar o centro: Campina de cara nova? 236
5 IMAGENS DA POBREZA EM CAMPINA GRANDE
5.1 A dimenso sobre os pobres 265
5.2 Usos e contrausos dos pobres em Campina Grande 300
6 CONSIDERAES FINAIS 321
REFERNCIAS CITADAS 331
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LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1: Campina Grande no Compartimento da Borborema 22
Figura 2: Monumento Os Pioneiros 54
Figura 3: A memria urbana (oficial) de Campina Grande 57
Figura 4: Imagem histrica de Campina Grande 59
Figura 5: Sntese da capital do trabalho 66
Figura 6: Campina Grande e a pujana 67
Figura 7: Campina Grande, local singular 68
Figura 8: Campina, grande por natureza 69
Figura 9: Imagem da cidade em crise 74
Figura10: Fechamento da WALLIG. 74
Figura 11: Ambivalncias da cidade da crise 78
Figura 12: Imagem da cidade ocultada 79
Figura 13: A recriao de Campina 81
Figura 14: Parque do Povo, cenrio de novas marcas da cidade 85
Figura 15: A promoo imobiliria modificando o tecido social 89
Figura 16: Imagem dos grandes empreendimentos na cidade 90
Figura 17: Novos referenciais Campina 91
Figura 18: A operosidade do passado: leituras de novas marcas. 93
Figura 19: Uma obra altura da cidade 94
Figura 20: A FETEC na imagem Campina tech city 100
Figura 21: A Campina tech city reinventa a cidade 104
Figura 22: Campina made in China 107
Figura 23: Campina Grande no movimento global de tecnopolos 114
Figura 24: Campina em seu desenho institucional 124
Figura 25: O PDLI em Campina 133
Figura 26: Imagens das intervenes do PDLI ao centro 134
Figura 27: O PDLI e as imagens estratgicas de expanso da cidade 136
Figura 28: Imagem da narrativa de correo do tecido urbano 140
Figura 29: O PDLI como imagem de desenvolvimento da cidade 141
Figura 30: O CURA em Campina Grande 142
Figura 31: Campina na Poltica Nacional de Desenvolvimento Urbano 145
Figura 32: Imagem do CURA em Campina 148
Figura 33: A promoo do centro como extino da pobreza urbana 149
Figura 34: Interveno CURA na cidade 150
Figura 35: Imagens da mudana do traado virio da cidade 151
Figura 36: O iderio CURA no tecido urbano de Campina Grande 151
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Figura 37: Bairro do Catol (Dcada de 1980) 153
Figura 38: O Bairro do Catol e a higienizao do espao urbano 153
Figura 39: Imagens da participao no planejamento da cidade 164
Figura 40: Retricas do planejamento participativo em Campina 165
Figura 41: Breves notas do OP em Campina Grande 167
Figura 42: Estao Velha (1981) 178
Figura 43: Aude Velho (1981) 179 177
Figura 44: Aude Velho (2011) 180
Figura 45: Aude Novo (antes de ser transformado em Parque) 180
Figura 46: Parque do Aude Novo (Inaugurao) 181
Figura 47: Parque do Aude Novo (2011) 181
Figura 48: Largo da Flrida (1970) 184
Figura 49: Calado da Cardoso Vieira (2011) 185
Figura 50: Calado da Cardoso Vieira (2011) 185
Figura 51: Vista area do centro de Campina (1981) 187
Figura 52: Calado da Cardoso Vieira (1981) 187
Figura 53: Os ambulantes e suas errncias (I) 216
Figura 54: Os ambulantes e suas errncias (II) 216
Figura 55: A cidade negada 220
Figura 56: Conflitos no uso do espao pblico 222
Figura 57: Prticas dos ambulantes na cidade 223
Figura 58: Usos conflitantes da rua 224
Figura 59: Imagem dos contrausos na cidade 227
Figura 60: Contrausos da rua 228
Figura 61: A lgica da limpeza ordem aos que dela esto fora 232
Figura 62: Imagem de negao do espao pblico 235
Figura 63: Calado da Rua Maciel Pinheiro (Dcada de 1980) 237
Figura 64: Conjunto em art dco revitalizado Rua Maciel Pinheiro 239
Figura 65: Discursos da Revitalizao 244
Figura 66: Visibilidade do comrcio informal 250
Figura 67: No meio do caminho, no tem mais ambulante...? 252
Figura 68: A higienizao da rua ao shopping 253
Figura 69: Do Shopping Rua 254
Figura 70: Shopping Centro Edson Diniz 255
Figura 71: A subverso dos usos nas ARCCAS 257
Figura 72: Astcias e fronteiras com a rua 259
Figura 73: A permanncia na rua como espao de trabalho 260
Figura 74: E o Calado resiste! 261
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Figura 75: Campina e a luta pela moradia 266
Figura 76: Malha urbana de Campina Grande 267
Figura 77: As ocupaes emitem os sentidos de novas paisagens 268
Figura 78: A pobreza como territrio instvel da cidade 269
Figura 79: Imagens da pobreza como ameaas 274
Figura 80: A Campina informal em circulao na periferia 274
Figura 81: Itinerncias dos pobres em Campina 278
Figura 82: O espetculo da pobreza urbana 280
Figura 83: As reaes dos pobres em Campina 284
Figura 84: A percepo dos pobres urbanos em seus deslocamentos 286
Figura 85: Tenso nos espaos malditos da urbs 291
Figura 86: Percursos dos pobres em Campina 307
Figura 87: Os ordinrios e suas leituras da cidade 310
Figura 88: A cidade em deslocamento 312
Figura 89: A relao de Campina com seus pobres 315
Figura 90: Territrios disputados na cidade 317
Figura 91: Arenas de confronto: os pobres, portadores da desordem 317
Figura 92: Malvinas, territrio singular dos pobres 319
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(...) poderia falar de quantos degraus so feitas as ruas em forma de escada, da circunferncia dos arcos dos prticos, de quais lminas de zinco so recobertos os tetos; mas sei que seria o mesmo que no dizer nada. A cidade no feita disso, mas das relaes entre as medidas de seu espao e os acontecimentos do passado (...). Mas a cidade no conta o seu passado, ela o contm como as linhas da mo, escrito nos ngulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimos das escadas, nas antenas dos pra-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhes, serradelas, entalhes, esfoladuras. (CALVINO, 1990, p.14-15).
INTRODUO
A presente tese busca entender o processo da requalificao urbana
ocorrida em Campina Grande1, a partir das imagens e discursos erigidos
como marcas simblicas da cidade. Buscaremos pensar o modo como a
requalificao e seus mapas significam o conjunto de transformaes
socioespaciais que se inauguram, neste contexto, a Campina urbana,
competitiva e moderna.
A requalificao , em um desenho formulado a partir de intervenes
pblicas, produz e difunde imagens e discursos que visam modernizar,
conferir novas qualidades e privilegiar Campina em uma tentativa de
regenerao dos tecidos fsicos e sociais da cidade.
Por outro lado, ao transformar a estrutura urbana e,
consequentemente, a condio social na cidade, a requalificao imps um
ntido processo contemporneo de higienizao e desigualdades ao
redesenhar o traado urbano da cidade ativando concepes e valores que,
diretamente, atingiro as reas centrais e a periferia de Campina com a
disciplinarizao e hierarquizao desses espaos.
1 Recorreremos a Campina Grande tambm apenas pr-nome Campina; uso bastante
comum da populao local ao se referir cidade. Originalmente o nome Campina Grande (...) foi inspirado na topografia excessivamente plana e com muitas baranas, pau darco, aroeiras, angicos e mulunguzeiros. O que lhe dava a caracterstica de uma campina (campo extenso e pouco acidentado) grande. Cf.: DE TROPEIROS plo de informtica. JP, 11 out.2003. (Caderno Cidades Karina Arajo).
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Essa compreenso nos possibilita, primeiro, analisar de que maneira
a requalificao explica as transformaes urbansticas recentes de Campina
e, segundo, perceber a ordenao dos discursos que constituem,pela
requalificao, a imagem da cidade:
(...), a imagem sempre uma construo, uma interpretao, uma recriao do real. Ela traduz uma experincia do vivido e uma sensibilidade, vivenciada por aquele que a produziu ou correspondente a algum gosto, a um sentimento, a uma lgica e a um valor presente em uma poca, captado e interpretado por aquele que construiu essa imagem (Grifo nosso!). (PESAVENTO, 2008, p.103-104).
A leitura terica sobre imagens processou para ns uma atualizao de
Campina Grande realizada por algumas ideias-chave que articulam um
pensamento associado aos principais discursos que sustentam a percepo
de uso e apropriao desta cidade. Ao tomar por base as relaes sociais que
diferentes sujeitos estabelecem com a cidade na tentativa de torn-la vivel,
moderna e reafirmadas em seu dito potencial, verificamos as modificaes
que expressam os referencias para quem nela vive:
(...). A cidade, estrutura fsica que suporta referncias e fornece elementos para os smbolos e memrias coletivas, convive em nosso imaginrio com a cidade labirntica e moldvel das vidas pessoais onde recordaes compem memrias sem lugar que fundam a cidade simblica, diversa e semelhante na forma como se v nomeada. (...) (BRESCIANI, 2008, p.13).
Essa perspectiva nos possibilitou penetrar no discurso que visa
legitimar a significao de Campina Grande e que tem, por intuito, neste
percurso, a interpretao das imagens que a constitui em um trabalho, pelo
qual:
As lutas de representaes tm tanta importncia como as lutas econmicas para compreender os mecanismos pelas quais um grupo impe ou tenta impor, a sua concepo do mundo social, os valores que so os seus, e o seu domnio. (CHARTIER apud MELO, 2007, p.19).
Desse modo, o processo recente de requalificao urbana de Campina
Grande ser lido na tese a partir das principais imagens e discursos que o
constituem enquanto entrelaamento e lugar de escrituras, de diferentes
cidades instauradas e reproduzidas em uma espcie de luta articulada em
torno de suas principais imagens:
Dessa forma, o processo de recepo ou interpretao implica acima de tudo uma releitura da imagem, construindo com isso novos significados. Cabe ressaltar que tanto as imagens quanto o imaginrio so construes sociais. (...). (SOUZA, 2009, p.12-13).
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Ao falarmos da requalificao estaremos refletindo o prprio discurso
sobre Campina Grande o modo como os campinenses interpretam,
distinguem, ocupam, usam, projetam e distribuem os lugares na cidade a
partir de uma configurao instaurada. Configurao erigida em torno do que
seja Campina, do que a interpreta, das prticas que abrigam a cidade e seus
personagens, sujeitos urbanos e interesses vrios:
Dessa forma, o processo de recepo ou interpretao implica acima de tudo uma releitura da imagem, construindo com isso novos significados. Cabe ressaltar que tanto as imagens quanto o imaginrio so construes sociais (Grifo nosso!). Nesse sentido ao se requerir imagem da cidade Ferrara( 1993,p.255) afirma que esta enfatiza o seu carter de signo representativo de aparncia da cidade, possvel de ser concreta e ideologicamente construda, mas no necessariamente similar cidade que abriga o cotidiano dos seus habitantes e seu modo de vida.(SOUSA,2009,p.12-13).
Mesmo parecendo contraditria h uma continuidade entre imagens e
discursos, compartilhada diferentemente como representao de um passado
reinscrito no tempo:
(...), reinscrio do tempo. Dando voz ao passado, (...) proporcionam [os sentidos], a erupo do ontem no hoje, numa intensidade temporal que, ao mesmo tempo, justape passado e presente, os reinscreve em uma nova instncia. Esta re-apresentao do tempo que permite a leitura do passado pelo presente como um ter sido, da mesma forma figurando como passado e sendo dele distinto. (PESAVENTO, 2008, p.28).
A sintaxe da imagem da cidade, assim, no deva ser confundida com o
discurso, pois, corresponde a um significado que se constri. J o discurso,
o processo de imagens construdas. Cabe pontuar que:
Aquela postura apenas constativa da imagem da cidade leva, freqentemente (sic), a confundir imagem e imaginrio tornando-os sinnimos, indistintos nas suas manifestaes e significados. Em nosso ponto de vista, para o estudo da imagem, como categoria de anlise da cidade, necessrio distingui-la do imaginrio.
Em primeiro lugar, h que salientarmos que, de modo similar, aproximariam a imagem do imaginrio urbano: de um lado correspondem aos desafios perspectivos, de outro, e enquanto categorias de anlise urbana, no tm na cidade, apenas um locativo de manifestao , ao contrrio, eles a qualificam, ou seja, no se trata, apenas, de imagem ou imaginrio na cidade, mas de imagem ou imaginrio da cidade. Enquanto qualitativos so informao, so significados urbanos produzidos na cidade como espaos que agasalha uma relao social (Grifo nosso!). Portanto, imagem e imaginrios urbanos so manifestaes de dupla mo: a cidade como espao fsico e construdo e como lugar que se individualiza naquele espao; nas duas situaes ela cenrio e ator de uma relao social que contracena com o homem, usurio ou cidado urbano. Imagem e imaginrio correspondem capacidade cognitiva do homem de produzir informao em todas as suas relaes sociais; nos dois casos, produzem-se informaes, mas de modo diverso.
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A imagem corresponde informao solidamente relacionada com um significado que se constri numa sntese de contornos claros que se faz nica e intransfervel.
Ao contrrio, o imaginrio corresponde necessidade do homem de produzir conhecimento pela multiplicao de significado, atribuir significados a significados; suas produes no so nicas, (...). Pelo imaginrio, a imagem urbana (...), passa a significar. (FERRARA, 2008, p. 194).
A conotao acima dada por Ferrara (2008) sugere inteno,
hierarquizao, poderes e ligaes entre diferentes modos de como a cidade
estabelece prticas sociais e as recria em espaos, tempos e lugares, atravs
dos discursos que simbolizam a sua textura:
(...) Apreciada, vista, tocada, cheirada, penetrada, seja consciente ou
inconscientemente, esta textura uma representao tangvel daquele algo
intangvel que a sociedade que ali vive e suas aspiraes (...).
Representao sugere reflexo, inteno, at mesmo desgnio nesse
contexto: um projeto. J que uma cidade sempre textura e imagem
determinadas (por mais insatisfatrias que possamos consider-las), no
pode jamais ser inteiramente passiva e, devido constante interao entre
a sociedade e a textura urbana, no podemos fazer remendos nas cidades
sem fazer alguns ajustes tambm na sociedade ou vice-versa (sic).
(RYKWERT apud BANCK, 2006, p.228).
Por essa compreenso a requalificao ser analisada na tese como
processo que joga com a inveno discursiva de Campina Grande,ao inserir
o discurso da cidade plo, entreposto comercial estratgico ao
desenvolvimento do prprio Estado da Paraba. Nesse sentido, chamamos a
ateno para o fato de que:
(...), discurso o que as pessoas dizem (...) no porque se trata de pessoas
que dizem simplesmente, mas porque, para dizer, elas esto
necessariamente inseridas em situaes sociais s quais poderamos
chamar de posies de sujeito. (...). (POSSENTI, 2009, p. 31).
Desse modo, as significativas transformaes que caracterizam
Campina Grande, durante as dcadas de 1970, 1980, 1990 e 2000, surgem
em esforos que tm objetivos, tanto econmicos quanto polticos, de
proporcionar a construo dos discursos e imagens que ressaltam certos
espaos e conferem os rumos tomados pelo rpido crescimento urbano de
Campina, da por diante.
Somente a partir da dcada de 1970 a cidade experimenta uma
ordenao fundada no planejamento, propriamente dito. Em um discurso
que situa o conflito, ainda existente, entre novos discursos e velhas prticas
na gesto da cidade.
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A escolha do perodo para pesquisa, os ltimos 40 anos, basicamente
se deu porque, em primeiro lugar, nesse percurso de tempo que Campina
Grande vivencia com mais nfase sua urbanizao, em sentidos que abrigam
modos de se vivenciar a cidade pelo objetivo de atrair e projet-la atravs da
introduo de elementos urbanos e novos espaos. Por outro lado, tambm
se inaugura uma srie de conflitos advindos das mudanas em seu espao
pblico2, ao colocar outros referenciais que permitem repensar os lugares em
Campina.
A definio do perodo da pesquisa ainda se deu em virtude de que
justamente por essas circunstncias que se acirra a luta pelo espao urbano
em Campina Grande.Para cumprir os imperativos e objetivos de
transformaes to radicais em um curto perodo de tempo, a cidade se
depara com a realizao de obras (pblicas) que se definem no apenas pela
significativa transformao fsica e urbana, mas particularmente pelo que
essas obras geram nas imagens da cidade em movimento.
Nesse movimento, os conflitos construdos na requalificao de
Campina so pensados atravs dos impactos ocasionados no mbito do
espao pblico e do potencial de embates entre planejadores, ambulantes e
pobres urbanos. Pois so concepes e projetos impressos na forma como,
diferentemente, se partilha Campina: a cidade desejada, a cidade ideal, a
cidade adversa. A cidade aparece como protagonista, violenta e sedutora
(Coradini,1995,p.12).
As imagens e discursos, bases do nosso recorte temporal, vinculam-se
ao contexto social e poltico especfico no qual teve lugar a requalificao
como projeto de remodelao urbana de Campina Grande, conduzido pelo
poder pblico. As mudanas urbanas observadas remetem a tempos e
espaos especficos que nos obrigam a trabalhar, com aproximaes e
recuperao, os referenciais de como e de onde Campina retratada. Ao
2 Como analisaremos do captulo III, em diante.
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olharmos mais atentamente, podemos perceber que nem sempre a cidade
aquela que , mas a que deseja ser (Barreto, 1996).
Nesse sentido, mesmo reconhecendo a atuao de outros agentes na
produo do espao urbano, por exemplo os grandes incorporadores
imobilirio, priorizamos, como recorte de tese, as intervenes do setor
pblico na cidade.Pois,a reestruturao urbana que tem por contedo a
requalificao dada pelos investimentos privados, observados enquanto
prtica de diferenciao e demarcao econmica e social na cidade,
demandaria a nosso ver um outro tema.
Tema esse associado a reflexes relacionadas aos espaos
economicamente dinmicos dos empreendimentos de grande porte
destinados moradia, tecnologia, recreao, lazer, expresso do consumo
intensivo do espao, verticalizao, aos condomnios horizontais e, por
ltimo, o discurso do crime, do medo e da insegurana, advindas de uma
segregao socioespacial especfica.
Tais reflexes so caractersticas de outro tipo de fragmentao do
espao urbano de Campina Grande denominada, de acordo com Maia (2010)
em estudo realizado sobre Campina atravs da Rede Nacional Cidades de
Porte Mdio(RECIME), como segunda urbanizao da cidade3, onde:
Uma outra periferia produzida, muito embora no seja conhecida como tal,
j que no corresponde rea de pobreza, mas sim onde se encontram os
loteamentos e os condomnios fechados.Tal processo conduz produo
de uma cidade fragmentada e muitas vezes segregada, especialmente
quando se depara em algumas reas da cidade com as construes de
condomnios horizontais fechados em outras,ocupaes com habitaes
improvisadas,(...) e mais recentemente conjuntos habitacionais localizados
em reas perifricas. (MAIA, 2010, p. 22)
Fenmeno que vem ocorrendo com mais intensidade nos ltimos
cinco anos em alguns bairros de Campina Grande que passam por um
3De acordo com essa autora, a primeira expanso de Campina Grande teria ocorrido nos anos 1960, com a
implantao do seu Distrito Industrial, via SUDENE, o que, no entanto, no conseguiu imprimir grandes modificaes na estrutura da cidade. Criado na dcada de 60 o Distrito Industrial de Campina Grande foi o primeiro a funcionar numa cidade interiorana e constitua a imagem contempornea da Campina industrial e pioneira.
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processo de reconstruo de seus significados, marcados pela fragmentao
e disperso em grandes contrastes socioespaciais.
Por cautela, optamos no inserir na discusso da tese os
incorporadores por considerar bastante amplo articular, em uma s anlise,
dois processos inter-relacionados, mas bastante distintos a requalificao
advinda por investimentos pblicos e a orientada pelo mercado imobilirio.
Todavia, como se verifica ao longo da tese, perceptvel a relao
entre diferentes agentes na orientao e compreenso do processo de
transformao urbana de Campina Grande, no perodo pesquisado, de modo
que o recorte e o tipo de anlise propostos no trabalho so apenas mais um
elemento posto para pensar a intricada teia de relaes sociais que formam a
estrutura socioespacial urbana de Campina Grande.
Evidentemente que Campina,enquanto lugar vivido e palco de
tenses,ser aqui percebida em suas imagens e discursos a partir dos vrios
agentes, componentes e elementos articulados em relaes sociais, de poder,
de prticas materiais, crenas, valores, desejos e instituies... Que juntas a
configuram em sua multipli (cidade).
Desse modo, a tese busca entender as relaes sociais pelas
transformaes ocorridas no ambiente construdo e nas localizaes de
Campina Grande, por uma leitura que possibilite pensar os discursos
hegemnicos alados para, estrategicamente, produzir a construo social de
imagens:
Como construo social, a produo da imagem da cidade est intrinsecamente ligada a representaes e valores. Encontra-se, portanto, subordinada viso de mundo daqueles autores que se impem nos processos de produo do espao e que so, ao mesmo tempo, aqueles que ocupam posio privilegiada para enunciar uma inteno de cidade. O projeto de cidade e ao material no espao (urbanstica, cultural, econmica), junto com uma inteno de cidade, que d contedo ao discurso sobre o espao. (SNCHEZ, 2007, p.35).
A requalificao analisada na tese pela estratgia(pblica) discursiva
em vender as imagens de Campina, por intervenes localmente
caracterizadas como um processo de criao da cidade.Dessa forma a
requalificao , em reviso das funes urbanas de Campina e enquanto
interveno fsica que modifica a morfologia e impulsiona a perifererizao da
cidade, deva ser compreendida como:
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21
(...) um tipo de interveno urbana segmentada, voltada ressignificao de uma imagem diante dos consumidores do espao, objetivando agregar uma nova qualidade ao lugar a ser alterado atravs de polticas de reestruturao urbana. (...). (FERREIRA, 2005, s.p)
Tal interveno pensa e reconstri contemporaneamente a condio de
Campina Grande, na formulao de um discurso que a nomeia por
caractersticas e qualidades, singularidades. Campina passou, dessa
maneira, a ter para ns uma importncia mpar4 como categoria de pesquisa e
interpretao, ao possibilitar perceber a rica marca identitria de sua
experincia urbana contempornea.
Segunda maior cidade do estado da Paraba, Campina Grande est
localizada no Agreste da Borborema com uma rea territorial de 594,18
km (IBGE-2010). Exerce uma influncia geoeconmica em limites que
transpem fronteiras estaduais, tornando-se uma das mais importantes como
referncias de centro submetropolitano da rede urbana nordestina (IBGE-
2000), ao lado de Caruaru (PE) e Feira de Santana (BA). Campina Grande
tem a caracterstica de entroncamento e porta de entrada para as regies do
Cariri, Curimata e Serto paraibano.
Por essa tendncia, a populao urbana de Campina Grande vai, a
partir dos anos 1970-1990, crescer a uma taxa superior esperada.
Conforme observado nos ltimos Censos e contagens da populao (IBGE)
pelos seguintes percentuais: 85,8% em 1970; 92,07% em 1980; 94,31% em
1991; 94,57% em 1996 e 94,98% em 2000. Isso indica a tendncia crescente
da populao na Sede do Municpio, que conta com uma populao rural de
apenas 5,02%(IBGE-2010), pela apresentao, nos ltimos anos, das
seguintes evolues populacionais: 1991: 326.307 hab. ;1996:343. 196 hab.;
2000:355. 331 hab.; 2007: 371.060 hab. e 2010: 383.764 habitantes.
A cidade se experimenta assim competitiva em seus diferentes modos
de ser, em face de outras cidades, por significados que esto por trs das
suas formas materiais. Plo de oito microrregies (vide Figura 1) que
4 Importncia mpar aguada pela curiosidade em entender essas imagens, principalmente pelo fato de no
sermos natural de Campina Grande, apesar dos 21 anos aqui resididos, e por chamar nossa ateno forma como o campinense se refere sua cidade sempre em atitude ou posio que enaltece suas riquezas, potenciais, belezas naturais, culturais etc.
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22
compem o chamado Compartimento da Borborema atravs da Lei
complementar N.92, de 11 de dezembro de 2009, foi criada a Regio
Metropolitana de Campina Grande5.
Figura 1: Campina Grande no Compartimento da Borborema. Fonte: SEPLAN/PMCG 2005.
Esses traos nos revelaram a necessidade de perceber como Campina
se produziu no sentido preciso da palavra, ao se destacar em posio
geogrfica estratgica no conjunto da Paraba e Estados vizinhos. Desse
modo, ao nos referir ao sentido desempenhado por Campina Grande
estaremos nos remetendo no apenas ao recorte espacial de regio, mas
compreenso das relaes sociais imbudas neste processo:
De acordo com Santos (1993), o conceito de regio no um recorte espacial qualquer, definido apenas em funo de particularidades objetivas, como tipo de paisagem ou economia predominante, mas , primeiramente, um espao vivido. Essa a mesma viso de Fremont (1980), que trata o espao, enquanto lugar vivido, como palco de relaes sociais e culturais (construo de identidades). (...), a regio pode ser construda a partir da inter-relao de vrios componentes, tais como: elementos do meio fsico, atividades econmicas, composio demogrfica da populao, grupos sociais, organizao poltica e dimenses culturais (GOMES, 2007, p.34).
5 A RMCG a maior regio metropolitana do interior do nordeste e a 4 maior do interior brasileiro, com uma
populao estimada em 687.545 habitantes, segundo estimativa do IBGE (2009). A RMCG integrada,alm de Campina, por 22 Municpios :Lagoa Seca, Massaranduba, Alagoa Nova, Boqueiro, Queimadas, Esperana, Barra de Santana, Caturit, Boa Vista, Areial, Montadas, Puxinan, So Sebastio da Lagoa de Roa, Fagundes, Gado Bravo, Aroeiras, Itatuba, Ing, Riacho de Bacamarte, Serra Redonda, Matinhas e Pocinhos.
http://pt.wikipedia.org/wiki/IBGEhttp://pt.wikipedia.org/wiki/2009
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interessante assinalar o destaque dado, sobretudo ao tema, pois este se constituiu
em momento nico que orientou nossa escolha pelo enfrentamento de desafios
postos, ao longo de nossa trajetria6, por relevantes transformaes (acadmica e
subjetiva) que, em resumo, dizem muito da experincia que nos conduziu at aqui e,
como tal, atravessa nossa histria de vida.
Campina surgiu para ns como interessante campo de explorao
dado por disputas e interesses que, como veremos na tese, so produzidos
de modo bastante interessante. Essa noo foi decisiva em toda a pesquisa,
pois nos possibilitou entender que:
(...) a noo de cidade (...) faz toda a diferena porque dependendo do significado poltico a ela atribudo ser possvel compreender o qu, quem e quais processos sociais, econmicos e urbanos nela so admitidos e/ou reconhecidos. (...) (RODRIGUES, 2008, p. 327).
At chegarmos escolha pelo tema propriamente, houve todo um
recorte vivido inseparvel do contexto e, desse modo, daquilo que influenciou
nossa escolha. No momento exato dessa passagem lembrvamos muito de
Bauman, quando pontua que,
(...) apostar, agora, a regra onde a certeza, outrora, era procurada, ao mesmo tempo em que arriscar-se toma o lugar da teimosa busca de objetivos. Desse modo, h pouca coisa, no mundo, que se possa considerar slida e digna de confiana, nada que lembre uma vigorosa tela em que se pudesse tecer o itinerrio da vida de uma pessoa (grifo nosso!). (BAUMAN, 1998, p.36).
Uma srie de apostas marcou assim a trajetria da escolha pelo tema,
um caso particular do conhecimento possvel, no sentido que Sousa Santos
(2004)7 atribui a esse processo, que tem a ver com o modo como se
produziu.Falamos de todo um campo de discusso, e, sem dvida, de uma
nica escolha dentre vrias do nosso interesse.E aqui recordamos Rubem
Alves8(1990), ao colocar que educadores so como velhas rvores.Possuem
uma face, um nome, uma estria a ser contada. Habitam um mundo em que
6 Esclarecemos que a insero de nossa trajetria na tese se deu por sugesto da Professora Lisabete
Coradini (PPGCS UFRN), quando da defesa de Qualificao. 7 A esse respeito consultar: SOUSA SANTOS, Boaventura de. Um discurso sobre as cincias. 2ed. So
Paulo: Cortez, 2004. 8 ALVES, Rubem. Estrias de quem gosta de ensinar. So Paulo: Cortez/Autores Associados, 1990.
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o que vale a relao que os liga (...), algo para acontecer neste espao
invisvel e denso que se estabelece a dois.
Em 1997, ao trmino do Mestrado em Sociologia9, fomos trabalhar na
ento SEPLAM10 Secretaria de Planejamento e Meio Ambiente da
Prefeitura Municipal de Campina Grande (PMCG) e a partir da fomos levados
a incorporar um atributo a mais na maneira de dialogar com a Sociologia: o
espao. J que lidar com a cidade era lidar com claras fronteiras, que
saltavam aos olhos de todos: o urbano, as deficincias nas formas de morar e
habitar, as zonas de sociabilidade perifricas, os conflitos, a busca por
moradia...
Foi deste modo que, literalmente, o urbano caiu em nosso colo 11,
como um espelho invertido na construo de uma identidade (urbana) que
toma vrias formas (Zaluar; Alvito, 2006). Expressada num primeiro momento
sob um olhar meramente tcnico, aos poucos, Campina Grande foi se
convertendo para ns em um deslocamento de interesse acadmico. Uma
das consequncias desse deslocamento foi a incorporao de outro foco em
nosso olhar: a Sociologia e os estudos urbanos , apontado para a discusso
da relao entre espao urbano e espao social, gesto pblica e cidades.
A perspectiva definiu decisivamente nosso programa de pesquisa12 de
tal modo que os primeiros passos e a curiosidade sobre o tema surgiram em
2005, quando ento coordenvamos o Processo Participativo de Reviso do
Plano Diretor de Campina Grande (PDP)13. Naquele momento, na
9Na ento Universidade Federal da Paraba (UFPB Campus II) onde ,em 1993,conclumos a graduao
(Bacharelado em Cincias Polticas). Dialogvamos, nesse percurso, com as perspectivas de poder e gnero. 10
Em 1993 ingressamos na PMCG, por concurso pblico, onde atuamos at o ano de 2007. Paralela a essa
atividade ingressamos, em 1998, como professora visitante da UEPB (Universidade Estadual da Paraba), efetivada por concurso pblico em 2001. 11
Desde ento, passamos a trabalhar com a elaborao e acompanhamento de projetos de planejamento
urbano e com o monitoramento do componente Trabalho Tcnico de Projeto Social (TTPS), em comunidades atendidas por programas de desenvolvimento urbano (DU), via governo federal. Atuamos, tambm, como tcnica social terceirizada da GIDUR (Gerncia de Desenvolvimento Urbano Caixa Econmica Federal / PB). 12 Transformado sob a perspectiva de orientaes e projetos de iniciao cientfica, desenvolvidos via UEPB. 13
Em 2005 o Municpio fora contemplado, pelo Ministrio das Cidades (MCIDADES) atravs do Programa de
Fortalecimento da Gesto Urbana, com recursos reviso do seu Plano Diretor.
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denominada etapa Leitura Tcnica, constatvamos que muito pouca coisa
tinha sido pensada sobre o discurso e o desenho institucional mais recente do
planejamento urbano em Campina Grande.
Aps o PDP essa ideia continuava a nos perseguir, por quase dois
anos, fomos amadurecendo a possibilidade de darmos uma contribuio, mas
no necessariamente no formato de uma tese, em que pudssemos discutir
esse desenho.
Imprimiu-se assim, para ns, a motivao em tentar compreender o
planejamento urbano de Campina Grande. E essa motivao se tornou
problemtica cientfica quando da seleo ao doutorado (2007) e terminou por
nos remeter relevncia da delimitao de um discurso sobre o urbano, ao
propormos pensar Campina Grande na perspectiva dos Planos e Programas
desenvolvidos institucionalmente.
Com o processo de orientao, esse debate passa, porm, a ser
relacionado a um reconhecimento implcito, em nossa reflexo sociolgica,
das mudanas geradas na cultura e sociabilidade urbanas. Lamos, agora,
Campina Grande a partir do avano em seus territrios da pobreza, violncia,
desigualdades, mudanas e permanncias no urbano, enfim, a partir das
formas de viver a sua condio urbana contempornea.
Isto envolveu uma mudana na experincia e interpretao do urbano14
que no tnhamos at ento; tendo sido ampliada como percepo terica. No
limite dessa mudana tambm se remeteu necessidade de reviso do tema,
com o qual inicialmente tnhamos proposto lidar.
A vasta riqueza do material de campo, auxiliada pela relevante
contribuio da nossa Orientadora (Jovanka), fez com que pudssemos
inserir a perspectiva de pensar Campina a partir de outra leitura. Esse
momento foi muito importante elaborao da tese propriamente, pois a
redefiniu, por completo. At ento nossa perspectiva estava centrada em
14
Interpretado por ns, at aquele momento, apenas por uma questo de polticas pblicas.
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realizar uma anlise de Programas e Projetos, sob a tica da gesto do
planejamento urbano.
Entretanto, no prprio desenrolar da pesquisa, tomamos por interesse
focar nas imagens que constituram o processo contemporneo de
requalificao urbana de Campina, ao inserir a anlise do discurso. Imagens e
discursos interpretados por ns, atravs da leitura presente em documentos
oficiais e jornais.
A partir da passamos a ter um olhar sobre o lugar de onde se narra
Campina: se do lugar de mudanas; das relaes entre espao e tempo; se
por fatores que definem suas localizaes, investimentos e unidades
produtivas ou se de partes da cidade e territrios marcados pela tenso entre
ordem e desordem, moderno e antigo, dentre outras, daquilo que tem
oferecido por desafio a contestao ao oficial.
Foi assim que esboamos o quadro metodolgico de onde interagimos
no contexto da pesquisa de campo e desenvolvemos nossos
posicionamentos, em face dos instrumentos postos no dilogo entre as
percepes de campo e as opes metodolgicas. Isso nos orientou e se
refletiu na problemtica construda, nas escolhas do processo de investigao
e do arranjo (terico-metodolgico) de onde partimos e constitumos o corpus
da pesquisa.
Buscamos, quando da organizao da metodologia de campo,cotejar
questes e escolhas desenvolvidas ao longo da elaborao e organizao da
tese, todas guiadas pela perspectiva da pesquisa qualitativa.15 Este
pressuposto se apresentou para ns atravs das imagens e discursos que
(re) desenham o espao urbano de Campina Grande entendido nesse
percurso, atravs dele e com base em Souza (2008, p.110), (...) a
importncia da compreenso das imagens da cidade, enquanto forma,
enquanto arquitetura, enquanto urbanismo, porque estes so os elementos de
leitura da imagem visual (Grifo nosso!). (...).
15
A esse respeito conferir: MIELE, Neide. Dilogo entre o qualitativo e o quantitativo nas cincias sociais no
Brasil. In: DINIZ; BRASILEIRO; LATIESA (Orgs.), 2005.
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Chegamos, por esse percurso, hiptese de tese, ao afirmarmos que a
requalificao no apenas ressignifica as imagens de Campina, no discurso
poltico e social, lidas por contedos descontnuos e contraditrios, mas
reelabora a prtica viva e mtica de significados sobre a cidade em sua
condio urbana contempornea.
A hiptese exigiu o desafio terico-metodolgico de interpretarmos a
requalificao urbana, pelas imagens e discursos plenos de interpretao,
expresso e significado de territrios que ,enquanto instncia social, instigam
reflexo da cidade como lugar de falas que (re) significam o espao urbano
de Campina, aqui pensado como (...), espao social pblico em que sentidos
e sujeitos se constituem em suas particularidades tendo em vista as
diferentes concepes de urbano. (...). (RODRIGUZ-ALCAL, 2004, p.71).
Dois deslocamentos se destacaram ento organizao da tese,
propriamente dita: o primeiro refletiria a interveno pblica em Campina; e
um segundo analisaria as maneiras de fazer e prticas ordinrias na cidade
(Certeau, 1994), ambos interpretados a partir da leitura presente em
documentos da PMCG e em jornais, atravs de seus editoriais e cronistas. A
anlise da cidade, tomando por emprstimo Coradini (1995, p.29)16 :
(...) est atenta para dois pontos de vista, que, apesar de aparentemente contraditrios, percebo como sendo em parte complementares. So eles a do esquadrinhamento e a do dialogismo (ou polifonia).(...).De um lado, inmeras tentativas por parte da administrao pblica , no sentido de ordenar, vigiar e disciplinar o espao.Do outro, uma multiplicidade de vozes, cada uma expressando uma viso de mundo, tentando subverter, desordenar,libertar-se do olhar disciplinador e ressignificar a vida social.
Desse modo foram ganhando perspectivas na tese os conceitos de
competncia discursiva 17, propostos por Dominique Mangueneau, e o de
usurio, de Michel de Certeau, pois percebamos que o discurso construdo
sobre Campina Grande somente poderia ser compreendido se levssemos
16
Em estudo realizado sobre a apropriao e sociabilidade na Praa XV, em Florianpolis (SC). 17
Gostaramos de deixar claro que,quando da discusso sobre as condies de produo (contexto) do
discurso (situao) e sua relao com o sujeito, no nos interessava identificar se o sujeito era percebido como porta voz ou assujeitado. Pois esta questo j foi amplamente posta, pelas crticas tericas, no interior de um debate entre a Anlise de Discurso de linha francesa (AD) e a Anlise de Discurso Crtica de linha inglesa (ADC). Nessa perspectiva, deslocamos qualquer possibilidade de analisar a relao entre discurso e prtica social como externos.
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em conta como este foi tecido e articulado pela relao entre o contexto
social, o lugar e o extradiscursivo.
O conceito de competncia discursiva, ao postular a ao estratgica
que tem por espao o lugar praticado pelo sujeito, acionou para ns os
discursos institucionais tecidos e possibilitados atravs do planejamento
urbano. Conduzidos pela leitura de Maingueneau, compreendemos a
articulao do discurso com o contexto social, em evidncias de onde se
desenvolve o desenho institucional da cidade. Essa foi uma indicao
metodolgica bastante importante, pois:
(...), preciso avaliar a duplicidade de uma linguagem que no cessa de dizer, mostrando que diz. Fora dos enlaamentos impossvel pensar a relao entre o textual e o institucional em termos de interior e de exterior, de meio e de fim. Os textos aparecem, ao mesmo tempo, como um das modalidades do funcionamento da comunidade discursiva e o que a torna possvel (...), por vezes sutilmente, as instituies que neles esto implicadas (...). (Grifo nosso!). Este elo crucial entre o fazer e o dizer de uma comunidade representa o ponto cego do discurso, a evidncia primeira que funda a crena. (MAINGUENEAU, 1997, p. 174).
A compreenso da competncia discursiva, em Maingueneau, ainda
nos proporcionou a percepo da recusa de um discurso que tivesse de
emanar de um sujeito individual. Os discursos e seus sentidos no poderiam
ser lidos desvinculados do contedo das instituies que os produziram, isto
, sobre o qual os definiu como legtimo e consensual. Espao prprio, no
exterior do interdiscurso, caracterstico de modos de apreenso de uma
posio (aquilo que pode ser dito em uma conjuntura especfica).
Nesse itinerrio, chegamos anlise e recorte do PDLI (Plano de
Desenvolvimento Local Integrado) e do Programa CURA (Complementao
Urbana de Recuperao Acelerada); considerados por ns as mais
importantes intervenes no perodo pesquisado, dadas as alteraes que
juntos impuseram ao tecido urbano e social de Campina Grande.
O conceito de competncia discursiva contribuiu muito nesse
momento por nos possibilitar, primeiro, a compreenso do desenho
institucional que encontrou lugar na produo social do espao urbano em
Campina Grande, atravs da anlise dos discursos que tiveram por suporte
as diretrizes e aes definidas pelo PDLI e o CURA. Segundo, por nos ter
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29
feito perceber como esse discurso se materializa ao incorporar em suas
concepes a problematizao do projeto de cidade que foi submetida
relao do fenmeno urbano com o cotidiano de Campina as disputas,
embates, lutas pelo espao urbano e maneiras de viver a cidade.
Inscritos no interior da percepo de Maingueneau, recompomos os
termos fundamentais do PDLI e do CURA como tentativas em acomodar
conflitos ,ao analisar o modo como ambos foram expressos para repensar a
forma de Campina e colocar a questo urbana sob nfase em sua
abrangncia.
Em linhas gerais, Maingueneau nos fez entender que os documentos
oficiais consultados no poderiam ser retratados a partir da descrio de um
simples texto, tomado consensualmente por um nico sentido e formulado em
termos de fechamento ou neutralizao. Passamos a entender para o que
Maingueneau chama a ateno ao pr em circulao as significaes
mltiplas e contraditrias, atribudas como plenas de possibilidade de
interpretao do discurso.
Apesar de este discurso ser tencionado por palavras e extrado na
interpretao e descrio que no podem ser unvocas. Desse modo, coloca-
se a importncia dos processos sociolgicos do discurso, pois:
(...). Enunciar certos significantes, implica significar (nos dois sentidos da palavra) o lugar de onde os enunciamos, tambm significar sobretudo o lugar de onde no enunciamos( Grifo de autoria!), de onde, em hiptese alguma se deve anunciar.A palavra no aparece tanto como projeo do que um grupo deseja dizer, o meio de expressar...,quanto como o resultado de uma negociao que sempre deve ser retomada, entre diferentes coeres atravs de um espao saturado de outros signos. (MAINGUENEAU, 1997, p. 155).
A argumentao de Maingueneau, na forma de conceber o discurso,
foi importante e nos ajudou a perceber que a formao discursiva e a sua
enunciao uma maneira de articular discurso e sociedade. Deve-se para
tanto, quanto relao entre discurso e os grupos que o geram, formular o
questionamento da tendncia de fechar os discursos sobre eles mesmos:
(...) esta viso contrastiva das relaes entre formaes discursivas que se encontram superadam; a relao com o Outro (sic) no derivada, mas constitutiva. Este Outro (sic), entretanto, no um meio indiferenciado: o sentido circula entre posies definidas. So assim contestadas tanto a concepo do discurso como viso do mundo, quanto aquele que o institui
-
30
em manifestao de querer-dizer de um sujeito coletivo. (MAINGUENEAU, 1997, p. 187).
A inexistncia de um sujeito intencional como origem enunciativa do
discurso supe que os sujeitos esto em lugares, ocupam posies
sempre sob as palavras, outras palavras so ditas (Possenti, 2009); h um
sentido oculto, que deve ser captado pelo analista, ao considerar o lugar
construdo que corresponde s condies de produo do discurso e de
exerccio do sujeito (o que pode e deve ser dito).
Por outro lado, a noo de usurio em Michel de Certeau nos ajudou
a ler as prticas ordinrias, as astcias, a vida ordinria, singular, a
inventividade de ambulantes e pobres urbanos; pessoas comuns e praticantes
ordinrios; em composio de uma arte de fazer caracterizada como:
(...) falas desorganizadas do cotidiano das cidades como lugares em que irrompe a diferena que demanda sentidos. So lugares de resistncia (Grifo nosso!). A qu?Ao que j significado, ou seja a isso que chamamos discurso do urbano e que se abate sobre o discurso da cidade.Nessa indistino, aquilo que seria a realidade urbana substituda pelas categorias do saber urbano, seja em sua forma erudita( discurso do urbanista), seja no modo do senso comum em que esse discurso incorporado pela poltica, pelo administrador, pela comunidade, convertendo sentidos no imaginrio urbano.Resistir aqui significa, desorganizar, ou seja no falar contra, mas des-falar(sic), des-entender(sic),in-compreender(sic) (ORLANDI,2004, p. 68).
A ordem espacial dos ordinrios, aqui analisada a partir dos
ambulantes e pobres urbanos, possibilitou vermos as formas e os modos
pelos quais a ordem constituda do espao (fsico e simblico) alterada, por
prticas maneiras dos usurios da cidade em se apropriarem do espao; em
cruzamentos e desdobramentos que a se estabelecem:
(...), o caminhante [usurio] transforma em outra coisa cada significante espacial (Grifo nosso!). E se, de um lado, ele torna efetivas algumas somente das possibilidades fixadas pela ordem construda (vai somente por aqui, mas no por l, do outro aumenta o nmero de possveis( por exemplo, criando atalhos ou desvios) e dos interditos(...). Seleciona, portanto. O usurio da cidade extra fragmentos do enunciado para atualiz-los em segredos .(...).( CERTEAU, 1996,p. 177-178).
Por essa ordem, a imagem de Campina Grande em seu desenho
urbano foi observada pelos sentidos do espao citadino, nos conflitos e
discursos elaborados pela apropriao fsica e simblica entre e de diferentes
agentes, visto que:
(...), se no discurso, a cidade serve de baliza ou marco totalizador e quase mtico para as estratgias scio-econmicas (sic) e polticas, a vida urbana deixa sempre mais remontar quilo que o projeto urbanstico dela exclua. A linguagem do poder se urbaniza, mas a cidade se v entregue a
-
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movimentos contraditrios que se compensam e se combinam. (...). Sob discursos que a ideologizam, proliferam as astcias e as combinaes de poderes (...). (Grifo nosso!) (CERTEAU, 1996, p. 174).
Expressos no recorte, domnio e articulao que perpassam a ideia do
discurso como uma prtica social, tornou-se possvel compreender os usos
sobre a cidade, como espaos sobrepostos por um discurso oficial que os
demarca e nomeia enquanto lugares, territrios que,
(...), se estabelecem marcos e fronteiras, de como se simbolizam a separao espacial, de como se nomeia o territrio prprio e o territrio do outro, como se denomina o prprio grupo e o grupo vizinho [o outro] (...). (MUNIZ DE ALBUQUERQUE, 2007, p.9).
A discusso, presente em Certeau e Maingueneau, descreveu e
interpretou para ns a apropriao do espao pblico em Campina Grande,
como significao de lugares onde as falas desorganizadas, fora da ordem,
pedaos da cidade, como diria Certeau (1996), remetem a umainverso
espacial hegemnica, o que nos estimulou reflexo sugestiva de aprender a
ler as imagens de Campina, de modo que o texto escrito e o visual aparecem
juntos apontando ou sublinhando a compreenso mais ampla das
intencionalidades de tais imagens.
Com base nisso aprofundamos a dimenso imagtica da linguagem
visual18, evocada atravs das fontes documentais por ns trabalhadas, e
capazes de captar e interpretar o processo de requalificao urbana de
Campina Grande.
Essa reflexo foi trabalhada na tese atravs do recurso metodolgico
da imagem visual, situada na anlise por contextos sociais especficos que
nos ajudou a realizar a leitura das imagens e discursos construdos para,
juntos, significarem Campina Grande. Por este percurso definimos como
referncia e corpus da pesquisa a documentao oficial da atual SEPLAN
(Secretaria de Planejamento Prefeitura Municipal de Campina Grande) e
de dois jornais Dirio da Borborema (DB)19 e Jornal da Paraba(JP)20.
18
Cabe registrar que essa compreenso somente se tornou ntida para ns a partir das profcuas
ponderaes da Banca de Defesa de Qualificao, tendo sido incorporada problematizao da tese. 19
Fundado em outubro de 1957 por Assis Chateaubriand (Grupo Dirios Associados), o DB o mais antigo
jornal impresso da cidade. Juntamente com a Escola Politcnica de Campina Grande e a TV Borborema representava, na dcada de 1960, o imaginrio da sntese de uma Campina Grande progressista e moderna. 20
Fundado em 1971, vincula-se ao Grupo Paraba de Comunicaes, juntamente com os portais Paraba
Online, G1 e as TVs Paraba e Cabo Branco.
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32
A escolha pelo DB e JP foi empregada se levando em considerao,
primeiro, o fato de ambos serem os mais antigos jornais hoje em circulao
diria em Campina; segundo, pelo fato tambm de ambos poderiam traduzir,
para ns, pistas que desvendassem o entendimento dos significados
aparentes de conflitos, interesses e ambiguidades presentes nos documentos
consultados via SEPLAN. Em nossa compreenso, dado seus formatos, os
jornais estariam abertos s mltiplas interpretaes das questes que
orientavam nossa pesquisa.
Porm, tentar entender por quem DB e JP esto falando, o qu e como
era dito sobre Campina num determinado tempo e espao o contexto, a
intensidade em que so produzidas a percepo, a viso e os significados
que tm sobre as questes e o cotidiano de Campina, essas foram,
tranquilamente, nossas maiores justificativas pela escolha dos mesmos.
Em nossa compreenso, DB e JP promovem uma integrao de suas
vises na forma com que os contedos manifestos (visveis) e latentes
(ocultos, subentendidos) compreendem Campina e a definio dos seus
smbolos, em imagens e discursos que sistematicamente so inferidos sobre
o formato; enquadramento e identificao quem empregam.
Os discursos e imagens presentes nos DB e JP nos ajudaram a
entender, com melhor preciso neste aspecto, as condies de perspectivas e
compreenso do processo de requalificao urbana de Campina. Reside aqui
tambm a fora, se assim pudermos falar, a fidedignidade, a validade e a
forma higienista por trs das matrias acerca dos fatos ocorridos em Campina
Grande.
So matrias traduzidas nos jornais por um discurso fundante que se
apresenta como locutor21 que fala, enuncia e identifica determinada voz a
partir do qual est diretamente associada a uma posio de poder que, supe
e se constitu na compreenso em torno das posies que se movem DB e JP
21
A titulo de informao, no texto jornalstico, locutor aquele que se responsabiliza pelo discurso presente
no jornal: (...). Um locutor um indivduo que se apresenta como tal, no discurso, por marcas de identificao variadas (o jornalista que assina; o jornalista que escreve sem assinar, mas que repassa a identificao imediata ao veculo; a fonte citada de modo explcito; a fonte indicada comooff(sic); o leitor que assina uma carta; o articulista que assina o artigo etc.).(BENETTI,2008, p.118).
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e que resulta, ao expressar determinados temas da cidade, no discurso
autoritrio que se move entre posies distintas, embora significativas sobre
Campina.
Mesmo o discurso jornalstico sendo um trabalho de interao entre
sujeitos (Benetti, 2008) DB e JP ressaltam e mapeiam uma determinada voz
(a do poder pblico, em Campina Grande) silenciando e ausentando desse
espao discursivo os usurios da cidade (ambulantes e pobres urbanos) em
reconhecimento especialmente das marcas do tipo de discurso que pode e
deve ser construdo sobre Campina Grande nos jornais. A esse respeito,
compreendemos que:
Em primeiro lugar, o sujeito do discurso um sujeito disperso e descentrado (...). O indivduo, ao falar, ocupa uma determinada posio, de onde (Grifo de autoria!) deve falar naquele contexto de produo. Isso quer dizer que o mesmo indivduo, cindido em diversos sujeitos, move-se entre diversas posies de sujeito. A mesma regra vale para o indivduo que l. Em segundo lugar, essas posies de sujeito, so lugares que os indivduos
metaforicamente vm ocupar. So lugares construdos fora do discurso
em questo, segundo determinaes culturais, sociais e histricas. As
instncias de negociao e, lembremos, tambm as de interpretao,
onde o discurso tambm se constitui so compreendidas como lugares.
Em terceiro lugar, os sentidos se configuram, materialmente, em torno das formaes discursivas. A FD [formao discursiva] contm (Grifo de autoria!) a posio do sujeito que a determina: naquela posio, naquela conjuntura social e histrica, apenas alguns sentidos podem e devem ser construdos .(...).(BENETTI, 2008,p.117).
O foco proposto por DB e JP, na anlise que fazem dos
acontecimentos em Campina, manifesta a linguagem visual e textual que tm
por suporte a retrica de um discurso, construdo e bem conduzido, embora
acreditemos que, com algum ajuste, pela incorporao de vozes que falam a
partir de uma posio de poder, de um lugar de circulao configurado como
campo (Bourdieu, 2007).
A despeito de como pensam o processo de requalificao urbana de
Campina suas paisagens e imagens como lcus de interpretao entre
diferentes sujeitos; os jornais revelam, por trs de uma aparente polifonia, o
funcionamento de um discurso em sua essncia monofnico, ao silenciar
outros sentidos e vozes.
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DB e JP passaram a se destacar para ns como lugar de produo de
prticas, imagens e discursos situados na disperso entre o oficial e as
resistncias da cidade, pois deixam entrever coerncia e regularidade no tipo
de olhar que tm sobre Campina, na forma de ler e decifrar seus (possveis)
significados. Sob tica e registro que funcionam como um discurso sobre
Campina, em sua multiplicidade de eventos e personagens, dado a partir do
ponto de vista contemplado por ambos.
A maneira, comum aos dois jornais, de enxergar a cidade nos fez
realizar o perspicaz trabalho de construo dos meandros e sutilezas dos
discursos presentes em seus contedos, em uma interseo de linguagens
das coisas tratadas nas matrias e preenchidas, em pginas e pginas, pela
escrita textual e visual do espao urbano de Campina.
Entendemos que as intenes presentes no DB e JP so prticas
sociais, em que o texto (jornal) no existe por si mesmo, pois, as imagens,
so provenientes de vozes hegemnicas que se configuram como discursos
ENTRE sujeitos, em uma porosidade dos modos de ver e constituir Campina
Grande.
Cientes do registro das transformaes presente na cidade, os jornais
apiam-se no discurso dos seus prprios textos, embora muitas vezes se
apresentem, ou assim desejem aparentemente se desvincular deles em
incurses que descrevem e analisam Campina e suas imagens itinerantes.
Essa perspectiva do discurso nos remeteu a um amplo e rduo
trabalho de catalogao do material institucional junto a Biblioteca SEPLAN e,
em paralelo a essa consulta, a pesquisa no DB. Durante um ano coletamos e
mapeamos a vasta documentao da SEPLAN que, juntamente com os
jornais, propiciou o entendimento das intervenes pblicas sobre o urbano
em Campina Grande. Porm, em relao pesquisa nos jornais, aps trs
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meses fomos surpreendidas pelo lacre de todo o Arquivo DB, com sua
posterior indisponibilidade para consulta22.
Esse fator nos levou a buscar outros espaos, para pesquisa do DB, de
tal modo decisivos pesquisa, atravs de consultas realizadas junto aos
seguintes arquivos: SEDHIR (Setor de Documentao e Histria Regional da
Universidade Federal de Campina Grande UFGC); Biblioteca Central da
UEPB (Universidade Estadual da Paraba Campus I); Biblioteca tila de
Almeida e, por ltimo, Biblioteca do Curso de Comunicao Social, ambas
tambm vinculadas a UEPB.
Ao fim, recorremos ainda ao ensejo de inserir o arquivo JP na
pesquisa, como forma complementar ao perodo 2000-2009, pois, nos
arquivos anteriores somente encontramos as edies de 1970-1999. Foi
dessa maneira, que terminamos por fazer uso dos dois jornais (DB e JP).
Esclarecemos que como recursos de investigao DB e JP assumiram
igual relevncia, embora com temporalidades distintas na pesquisa, mas de
mesma profundidade no plano da compreenso dos discursos presentes em
suas dobras. Foi pela fonte dos jornais que a imagem, elemento de um
discurso institucional que hierarquiza o espao urbano de Campina Grande,
delimitou a problematizao da tese: como as imagens (textuais e
fotogrficas23) articuladas pelas situaes sociais operadas a partir dos
jornais, pensam e constituem a ampla adeso do processo de requalificao
da cidade.
As questes que refletem as imagens visuais e textuais, presentes nas
crnicas e matrias do DB e JP, so construdas e representadas para
22
Nesse meio tempo, os Dirios Associados passaram por uma reforma em seus quadros, em todo o Brasil,
com mudanas significativas em vrios setores e direo. O Arquivo DB local passou a ser de responsabilidade da Sede (em Recife-PE), tendo sido lacrado e colocado indisponvel para pesquisa. Essa deciso contribuiu para inviabilizar o acesso, no apenas para ns, mas a todos os pesquisadores, desse riqussimo acervo. Um desrespeito memria do DB, e prpria cidade de Campina Grande. At o presente momento, o arquivo apenas funciona sob anlise, via Sede, e por pagamento das quantidades de folhas a serem consultadas para posterior pesquisa. 23
Toda a catalogao documental (textual e visual) se deu com a identificao de arquivos que foram
consultados, fotografados, digitalizados e fichados constituindo um banco de dados. O que nos permitiu a identificao das categorias de anlise e dos eixos temticos que, aps a organizao de todo o material pesquisado, no auxiliaram na escolha da leitura e, posteriormente, na formatao e elaborao da tese propriamente dita.
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revelarem as mudanas ocorridas, recuperarem uma percepo sobre
Campina e a forma de enquadramento da perspectiva do poder sobre o
espao urbano neste lcus. As imagens tm uma intencionalidade no
processo de requalificao de Campina Grande, problematizadas aqui a partir
da compreenso do lugar construdo pelos jornais DB e JP como ethos, que
realiza intenes e diferencia as imagens da Campina que deu certo.
Seja pela forma de represent-la, como tentativas de disciplinar e
ordenar o espao urbano, ou ainda de excluir determinadas imagens que, na
perspectiva dos jornais, no conferem ou colocam em risco as
transformaes ocorridas como mediaes que fazem do modo de se
vivenciar a paisagem urbana de Campina.
Trazem um olhar (pretensamente neutro) sobre a cidade que se
transforma, em realizao de um esforo de construo das imagens-snteses
que projetam Campina como cidade moderna. H um padro regido pela
imagem (oficialmente) inventada, que constri Campina Grande a partir das
modificaes ocorridas em sua organizao espacial e, ao se metaforizar,
pontua e traa o percurso da cidade:
A imagem da cidade constri, pela hierarquia dos seus predicativos, um sistema de ordem que comunica um cdigo, um modo de entender, avaliar e valorizar a cidade. institucional e, no nvel simblico, corresponde a uma didtica que ensina o que e quem quem na cidade. A imagem hierarquiza o espao urbano na medida em que sua referncia (...). Pela percepo coletiva da imagem, ensina-se a identificar o poder que organiza a cidade e dela se utiliza para perpetuar-se. (FERRARA, 2008, p.194)
A condio da imagem inventada, inerente linguagem textual e
fotogrfica, permite melhor compreender as nuances da reflexo sobre
Campina em reconhecimento capaz de tornar visveis transformaes que
fornecem cidade uma pretensa estrutura espacial racional, eficiente,
desejada e requerida oficialmente, por diferentes contextos e com diferentes
conotaes.
DB e JP se entrecruzam na forma de destacarem os acontecimentos
da cidade no modo que a imagem de Campina inventada, em contraposio
a outra ordem presente na cidade (os ambulantes, a pobreza); ordem no
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reconhecida como exigncias aos proveitos econmicos e sociais, de que os
jornais so guardies. Reconhecemos assim as relaes, bastante ricas,
entre a Sociologia e as fontes jornalsticas que, em suas dimenses:
(...) nos obriga a refutar a viso ingnua de que o discurso poderia conter uma verdade intrnseca ou uma literalidade. De fato, o dizer produz um efeito de literalidade (Grifo de autoria!), que a impresso do sentido l (...), a impresso de algo que natural, bvia e evidentemente s poderia significar isto (Grifo de autoria!), como se o sentido existisse de forma independente e pudesse ser simplesmente acessado ou no. (...). A pretenso de desambigizar (sic) o mundo (...), que sustenta o jornalismo a partir de seu objetivo de relatar fielmente os acontecimentos, revela-se frgil e ilusria sempre que problematizada pelo vis da linguagem. (Grifo
nosso!). (BENETTI, 2008, p.108).
Reforamos que os elementos que constituem os discursos dos
cronistas do DB e JP, regras de produo e circulao das notcias
elaboradas, so idnticos aos dos documentos oficiais enquanto campo social
(Bourdieu, 2007) o que exige e requer representaes de conflito e poder que
revelam fatos que privilegiam a viso de cima, regulam um discurso pblico
e conduzem imagem hegemnica da cidade.
O campo pensado por Bourdieu pelas regras que tendencialmente
marcam o peso das posies dos agentes sociais; isto , o capital simblico e
a dimenso que marca posies e formas como os agentes se colocam no
meio social. O conceito de campo tende a questionar as posies, e no as
regras, em um conflito e se dar atravs do processo de prticas, idias e
valores que se estabelecem (simbolicamente) como componentes de
legitimao ou dominao, em um acirramento de tenso dentro do campo e
entre campos.
Neste sentido, no h lugar sem posio, pois, todo lugar que o
agente se coloca estruturado em espaos diversos, que tm por efeito
articular as prticas dos agentes que vivem nesses espaos. Todavia,
ressaltamos que as reaes dos usurios na cidade foram analisadas na tese
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a partir da interpretao produzida pelos discursos presentes em documentos
e jornais trabalhados24.
As projees sobre os usurios na cidade so apresentadas pelas
falas de cronistas e analistas que, atravs do espao jornalstico, sustentam a
estratgica inteno de pretensamente falar por aqueles em posio que
traduz, capta,interpreta e privilegia a imagem hegemnica de Campina
Grande.
Assim foi realizada a leitura do DB e do JP quanto aos usurios da
cidade, vista por ns por uma clara hierarquia que no possibilita nenhum
espao aos contradiscursos (Lago; Benetti, 2008). O que, tambm justificou
para ns a motivao para pensarmos o processo de requalificao urbana
de Campina Grande:
Neste sentido que nos parece estratgico problematizar as imagens fotogrficas da cidade, produzidas e utilizadas (...) com o intuito de compreender a construo de um padro de visualidade que destaca certos sujeitos, lugares, tempos, acontecimentos e significados da experincia urbana, (...). (MONTEIRO, 2008, p.154).
A inteno, esboada pelo DB e JP, exprime e trata de entender a
extenso das prticas dos ordinrios de Campina Grande atravs de uma
perspectiva de limpeza, remodelao e embelezamento, postos no processo
de requalificao urbana. Elemento para entendermos o porqu dos usurios
serem referenciados como algo que desorganiza, na percepo de cronistas e
jornais, os destaques anunciados, aos olhos do poder pblico, como lugares
por excelncia da desordem (Zaluar; Alvito, 2006).
Para escolha do material jornalstico a ser trabalhado, fizemos um
recorte de leitura do jornal priorizando as notcias a partir do que era remetido
pelos discursos presentes nas seguintes sees: Editorial, Caderno Cidades,
Crnicas, Caderno Cotidiano, Caderno Variedade e Coluna Opinio.
24
Em consonncia com o tema, optamos por trabalhar a partir desta dimenso pois , h toda uma extensa
produo local pensada a partir dos discursos e reaes de usurios e resistncias na cidade.Com destaque s contribuies de: Angelina Duarte(2010;2006) sobre o grafite em Campina Grande ;Fabio Gutemberg Ramos Bezerra de Sousa (2006; 2005,2001), com a discusso sobre as reformas urbanas no incio do sculo XX e Antnio Clarindo Barbosa de Souza(2006), com a discusso sobre lazer e sociabilidade em Campina,dentre outras.
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As crnicas, presentes em distintos espaos nos jornais, tiveram
importante papel, ao remeterem a acontecimentos especficos que, pontuados
como pontos de vista sobre a cidade, representavam o pensamento e o
discurso (econmico,poltico, cultural e educacional) da elite local.Por esse
objetivo, prioritariamente recorremos s crnicas de professor Itan Pereira, do
socilogo Jos Lopes de Andrade , do jornalista Stnio Lopes, do poltico
Evaldo Cruz,de Hortensio de Souza Ribeiro, Da Cruz;Paulo Souto Camillo,
R.R.Cavalcante , dentre outros.
Os Cadernos colocaram para ns os escritos que representavam os
posicionamentos dos jornais, a partir da rubrica do ofcio jornalstico assinada
por Geovaldo Carvalho, Francinete Silva, Timteo de Souza, Helda Suene e
Karina Arajo, entre outras.
Consideramos, pois, o modo como a cidade instalada nestes jornais,
as abordagens que fazem sobre Campina e o discurso que posto como
domnio e compreenso do urbano que expe problemas, vises,
perspectivas, paradoxos e fundamentos em um rico espao sobre os modos
de viver e interpretar Campina Grande.
Nestes termos, o discurso dos jornais opaco, no transparente e
pleno de possibilidades de interpretao (Benetti, 2008). um artefato pelo
qual cronistas e analistas assentam a percepo que consubstancia as
disputas e apropriao dos recursos do espao em Campina, e legitima um
modelo de cidade pelo recurso instrumentalizado de afinidade tcnica, poltica
e conceitual que substantiva a prtica de higienizao da cidade.
Essa compreenso fortaleceu em ns a necessidade de perceber a
relao entre discurso e prtica social em um dilogo que, paradoxalmente,
ps em suspeio o discurso que tenta homogeneizar o modo de significar a
cidade. Discurso percebido enquanto prtica social desenhada pelas
relaes, disputas e movimentos neste espao, assim passamos a perceber
que:
Na escolha do corpus (Grifo de autoria!) da anlise de um dado discurso h certas regularidades e identificaes que o definem enquanto tal. Este campo especfico de discursos forma um conjunto regular do que se pode e que se deve ser dito na situao em que aparecem como discursos populares, eruditos, abertos ou secretos.
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O texto no apenas o texto. um conjunto de enunciados que possuem uma regularidade e uma identificao recorrente a um mesmo tema. No so palavras soltas e nem inditas. O texto enquanto mais um discurso uma construo individual permitida ou censurada num dado contexto social. O discurso, nesta tica no uma representao do mundo pelos sujeitos, mas, ao contrrio, a construo deste sujeito pela sociedade, pelo silncio, pelas formas de interpretao da realidade. (DE LEN, 2005, p.88).
O uso do jornal, como fonte de pesquisa sociolgica, foi tratado e
delimitado na tese pelo que instaura, ordena e classifica como uso do espao
urbano em disputa. Recurso capaz de caracterizar a dinmica constitutiva das
prticas e experincia urbanas em Campina pelos deslocamentos, tramas e
trajetos que transcorrem a ordem ao mesmo tempo social, espacial e fsica
da cidade. Ringoot nos ajuda a pensar sobre tal ordem, ao afirmar que:
(...) a formao discursiva jornalstica ultrapassa o discurso do jornal e considera-se, por um lado, que o jornalismo produz um discurso e um saber especficos, destacveis particularmente pelas formas enunciativas recorrentes, mas considera-se, por outro lado, que o jornalismo produto de vrios discursos que o elaboram e o estruturam. A tenso entre ordem e desordem do discurso, a priori paradoxal, o que explica o conceito de disperso. Tambm, se o jornalismo instaura um objeto de saber, uma enunciao, e as estratgias (ou os posicionamentos) que lhe so particulares, esta identidade de discurso resultado de uma regulao de mltiplas disperses (...). (RINGOOT, 2006, p.137).
O discurso jornalstico inseriu o espao (discursivo) que mapeia
diferentes vozes e inscreve diferentes sujeitos na cidade, para produzir um
sentido pela notcia a partir de uma apropriao dirigida do espao25. Ao
difundirem certas imagens de Campina, os jornais expressam opinies e
vises de seus temas, problemas, conflitos e posies construdas para
conformar o discurso hegemnico. Em um espao discursivo que define
como, onde e quem deva falar:
(...). O indivduo, ao falar, ocupa uma posio determinada de onde (Grifo de autoria!) deve falar naquele contexto de produo. Isso quer dizer que o mesmo indivduo, cindido em diversos sujeitos, move-se entre diversas posies de sujeito. A mesma regra vale para o indivduo que l (Grifo nosso!).
(...), essas posies de sujeito so lugares que os indivduos metaforicamente vm ocupar. So lugares construdos fora do discurso em questo, (...). As instncias de enunciao e, lembremos, tambm de interpretao, onde o discurso tambm se constitui- so compreendidos como lugares. (BENETTI, 2008, p.117).
25
A esse respeito cf. Snchez Garca (2008) e Coradini (1995).
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Como instrumento de anlise, os jornais e suas imagens passaram a
nos mostrar como se construa Campina Grande sobre os embates e disputas
mobilizadas em seu espao urbano. DB e o JP reforam, ou apagam
acontecimentos e elementos relativos a um discurso oficial acerca dos
contedos da desordem.
E, neste mesmo sentido, dos registros que munem a percepo da
cidade, a partir de como esto posicionados os cronistas e matrias presentes
nos jornais; tratava-se de analisar os sentidos relacionados aos contedos, a
identificao e visibilidade de determinados atores nos jornais.
O discurso dos jornais sempre atravessado por outros discursos,
produto de vrios discursos que elaboram e o estruturam em uma tenso
entre ordem e desordem que explica o conceito de disperso (Ringoot, 2006),
dos seus modos de produo e sobre os valores que lhe so atribudos:
(...) as narrativas jornalsticas como jogos de linguagem, como aes estratgicas de constituio de significaes em contexto, como uma relao entre sujeitos atores do ato de comunicao jornalstica. A narrativa no vista como uma composio discursiva autnoma, mas como um dispositivo de argumentao na relao entre sujeitos. (MOTTA, 2008, p.146-147).
Os jornais se instalaram na pesquisa enquanto recurso metodolgico
de ler a cidade pela demarcao de seus conflitos e tenses, inserem a
paisagem urbana da Campina Grande contempornea pelo estabelecimento
de uma reflexo (criteriosa) da dinmica local, recuperada na diversidade de
situaes registradas. Por meio deste recurso fomos impulsionados a pensar
o discurso do urbano, como forma de significar a materialidade da cidade,
suas paisagens e sujeitos. No esquecendo, porm que:
(...). Para ler a cidade, o leitor ter necessariamente que lanar mo de muitos recursos que a tornem legvel; para ver a cidade, o observador necessita de instrumentos capazes de torn-la visvel. Pois a cidade material, visvel ao primeiro olhar, pode esconder muitas outras cidades (Grifo nosso!). Para alm do espao urbano, a cidade comporta sonhos, desejos, projetos inacabados e no realizados. Necessita que seja vista para alm de sua pedra, (...). (POSSAMAI, 2007, p.7-8).
A forma urbana e a interpretao realizada sobre este lcus (cidade)
nos jornais se constituram para ns, enquanto analista social, importantes
dispositivos de interpretao, trabalhando a cidade como espao de
interpretao e, neste sentido, inventada a partir de um discurso j-dito.
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Coube-nos ento a opo em recorrer anlise de discurso, por esta
possibilitar perceber as formulaes discursivas do lugar de onde se narram e
como se narram os sujeitos urbanos:
Como a cidade se constitui em espao de interpretao particular, podemos perguntar: como os sujeitos interpretam a cidade, como eles se interpretam na cidade, como a cidade impe gestos de interpretao, como a interpretao habita a cidade etc.(ORLANDI, 2004, p. 21).
Ambulantes e pobres urbanos so considerados no DB e JP como que
congelados na vivncia que fazem da cidade (Barreto, 1996), de personagens
que negam as imagens de Campina e surgem sempre por uma tenso, entre
a Campina desejada e a cidade realizada, notadamente construda como
discurso que, nos jornais, polariza a Campina moderna e a da crise.
DB e JP exprimem um juzo de valor ao definir, pelos seus discursos,
que espaos e personagens devam ser interditados na cidade e, por
excelncia, atravs de suas matrias e imagens, estabelecem padres de
lugares, fatos e usurios que naturalmente exigiriam um olhar especfico
sobre Campina.
Ao ignorar as intenes dos usurios da cidade, DB e JP identificam
Campina segundo sentidos exaltados, e hierarquicamente organizados, para
questionar a imagem negativa de pobres urbanos e ambulantes, do que estes
fazem como projees da cidade em suas realizaes. No nos admira,
portanto, que DB e JP ponham em prtica o disciplinamento da cidade e de
seus habitantes, pelo olhar que mantm suspeitoso ao apresentar Campina
como um lugar de profusas manifestaes econmicas, culturais e polticas.
Ao que parece sucesso de leituras dos jornais, Campina
apresentada como imutvel e neutra srie de transformaes que passou.
DB e JP no identificam e nem conferem importncia s reaes que se
impem, com maior fora nas dcadas de 1980 e 1990, a ordem que confere
importncia e visibilidade a pobres e ambulantes. Todavia, estes apenas so
percebidos pelo que abrangem de negativo, desviante, fracasso, interrupo e
contradio das imagens-snteses de Campina.
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Foi entendendo como se dava o registro dos usurios nos jornais que a
recolha da imagem e a utilizao da linguagem visual, como fontes de
pesquisa das cincias sociais, passaram a ser tratados por ns. As imagens
(visuais e textuais) revelavam um poderoso instrumento de coeso social
(Barreto, 1996) ao alcance de toda a sociedade, que no deveria ser
analisado como mera descrio da realidade.
Ao apropriarmos a fotografia, como instrumento ou tcnica de
pesquisa, a inserimos como elemento do discurso e parte integrante do texto.
Pensamos na dinmica discursiva prpria que articula tempo-espao e
interaes sociais na fotografia (Koury, 1998). Lida no contexto da anlise, a
dimenso da fotografia nos auxiliou a repensar a prpria reflexo inicial, pois,
conforme coloca Guran (1995), a fotografia ajuda a fazer emergir algumas
pistas que permitem melhorar a compreenso da realidade estudada, ou seja:
A fotografia feita para contar aquela que visa especificamente a integrar o discurso, a apresentao das concluses da pesquisa, somando-se s demais imagens do corpus fotogrfico e funcionando sobretudo na descrio e na interpretao dos fenmenos estudados. geralmente produzida quando o pesquisador j pode identificar os aspectos relevantes cujo registro contribui para a apresentao de sua reflexo. Nada impede, porm, que fotografias feitas na primeira fase da pesquisa a de descobrir passem por uma releitura e venham a integrar o discurso final nesta categoria. (Grifo nosso!). (GURAN, 1995, p.162).
Rica em informaes, a fotografia depende diretamente da leitura da