O PROCESSO DE OBTENÇÃO NA MOBILIZAÇÃO MILITAR: …...externa, seja pelo atendimento das demandas...
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O PROCESSO DE OBTENÇÃO NA MOBILIZAÇÃO MILITAR: VIGÊNCIA E EFICÁCIA DO INSTITUTO DA REQUISIÇÃO
Autoria: Fabrício Calomeno Machado – Ten Cel Av
Coautoria: Carlos Cesar de Castro Deonisio – Cap Esp Anv
RESUMO
De acordo com a Estratégia Nacional de Defesa (END) destacam-se a
Logística e Mobilização como fatores indutores de capacidades que agregam
valor significativo na Dissuasão. A Mobilização, por sua vez, atua nas lacunas e
carências da Logística de modo a transformar potencial em poder, atendendo
às necessidades, em especial da esfera militar. A principal atuação da
Mobilização se dá em tempo de paz, identificando, fomentando e contribuindo
com o planejamento da aplicação de meios em caso de necessidade.
Entretanto, dentre as fases que compõe o processo da Mobilização, a
Obtenção destaca-se pela relevância e complexidade, haja vista o atual
ordenamento jurídico brasileiro que ampara a execução da atividade. Dessa
forma, este artigo tem por finalidade analisar o instituto legal da Requisição,
dentre as outras modalidades inseridas no processo de Obtenção, e sua
eficácia para a Mobilização Militar, em eventos de guerra, Missões de Paz,
Missões de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e demais casos previstos na
legislação vigente. Foi realizada pesquisa bibliográfica no ordenamento jurídico
relacionado com o tema e pesquisa documental nos acervos do Ministério da
Defesa com relação à tramitação dos pareceres acerca da aplicabilidade do
Decreto-Lei nº 4.812/1942 o qual instituiu o instrumento da Requisição no
escopo da Mobilização para a Segunda Guerra Mundial. Na sequência,
procedeu-se à comparação da Requisição com outros métodos de obtenção,
tais como a Contratação e o Arrendamento Mercantil. No aspecto da eficácia
para a Mobilização Militar, realizou-se um paralelo entre o modelo proposto na
legislação brasileira vigente e exemplos internacionais, validados inclusive no
âmbito de conflitos armados. Finalmente, concluiu-se que o ordenamento legal
brasileiro permite outras opções para fase de Obtenção da Mobilização Militar,
permitindo uma transição com mais segurança jurídica e menos risco
orçamentário, tanto para o setor público como para a iniciativa privada.
Palavras Chave: Guerra, Mobilização Militar, Obtenção
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ABSTRACT
According to the National Defense Strategy (END), Logistics and Mobilization
stand out as factors that induce capacities that add significant value to
Deterrence. Mobilization, in turn, acts in the gaps and deficiencies of Logistics
in order to transform potential into power, meeting the needs, especially in the
military sphere. The main activity of the Mobilization takes place in peacetime,
identifying, fomenting and contributing with the planning of the application of
means in case of necessity. However, among the phases that make up the
Mobilization process, Obtainment stands out for relevance and complexity,
given the current Brazilian legal system that supports the execution of the
activity. In this way, this article aims to analyze the legal institute of the
Requisition, among other modalities inserted in the Procurement process, and
its effectiveness for Military Mobilization, in war events, Peace Missions, Law
and Order Assurances Missions (GLO) and other cases provided for in the
current legislation. A bibliographic research was carried out in the legal system
related to the subject and documentary research in the collections of the
Ministry of Defense in relation to the handling of the opinions on the applicability
of Decree-Law No. 4,812 / 1942, which instituted the Requisition instrument
within the scope of Mobilization for Second World War. Subsequently, the
Requisition was compared with other procurement methods, such as
Contracting and Leasing. In the aspect of effectiveness for Military Mobilization,
a parallel was made between the model proposed in current Brazilian legislation
and international examples, validated even in the context of armed conflicts.
Finally, it was concluded that the Brazilian legal system allows other options for
obtaining Military Mobilization, allowing a transition with greater legal certainty
and less budgetary risk, both for the public sector and for the private sector
Key Words: War, Military Mobilization, Procurement
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo constitui-se como parte integrante da dissertação de
mestrado do Ten Cel Av Fabrício Calomeno Machado, aluno do Programa de
Pós-Graduação em Ciências Aeroespaciais (PPGCA) da Universidade da
Força Aérea (UNIFA), a qual aborda a contribuição da mobilização da aviação
civil no Sistema de Transporte de Defesa.
No entanto, apenas um recorte do processo de Mobilização é que figura
como objeto deste artigo, pois o único instituto vigente para tal situação, a Lei
de Requisição, encontra-se envolvido em um dilema de validade legal. Não
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obstante, a verificação do aspecto jurídico, dentro do processo de obtenção de
meios para a logística militar, este trabalho também tem por objetivo
secundário analisar a eficácia da Requisição, tal como hoje ela está
conceituada.
Para desenvolver tal estudo, foi utilizada a pesquisa bibliográfica em leis
relacionadas ao tema dentro do ordenamento jurídico brasileiro, assim como
pesquisa documental nos arquivos do Ministério da Defesa, para se pontuar o
estágio atual da percepção da Requisição como instrumento do Estado na
cadeia produtiva nacional. Igualmente, através do direito comparado, apontam-
se as possíveis alternativas para o cumprimento do objetivo da mobilização, de
modo mais claro para a esfera pública e privada, por meio de outras
modalidades de negócio jurídico: o contrato e o arrendamento mercantil.
Nesse aspecto, optou-se por fazer um paralelo com sistemas de
mobilização estrangeiros, uma vez que já foram validados em guerras
modernas e se adaptam às modernas cadeias produtivas desses países.
Portanto, a pesquisa justifica-se pela necessidade de revisão conceitual sobre
a Lei de Requisição, ao mesmo tempo, pretende criar opções para o
profissional de defesa, no sentido de diminuir a dependência de uma única
ferramenta, juntamente com a probabilidade de insucesso em uma mobilização
real.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 Enquadramento legal
A Estratégia Nacional de Defesa (END) é um documento que trata
basicamente da “[...] reorganização e reorientação das Forças Armadas, da
organização da Base Industrial de Defesa e da política de composição dos
efetivos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica” (BRASIL, 2013, p. 1). Um
dos principais pontos para a organização da indústria de defesa reside na sua
disposição em responder aos requerimentos do país em caso de agressão
externa, seja pelo atendimento das demandas das Forças Armadas – FFAA,
seja pela reorientação da cadeia produtiva, visando fornecer produtos
necessários à sustentação das operações de defesa e da sociedade civil
durante o conflito. Esta disposição deve ser rápida, suficiente e oportuna, de
modo que a transição do tempo de paz para o de crise não sofra solução de
continuidade pelo planejamento antecipado das ações que devem ser
implementadas de acordo com a provável ameaça.
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Neste contexto, aparece a Mobilização como ferramenta para coordenar
todo este processo, não somente de adaptação da cadeia produtiva, mas
também de complementação, em termos de meios e serviços, da logística
militar. Por isso, dentre todos os processos que se operam na estrutura militar
de defesa, tem-se o instituto da mobilização como um dos mais importantes,
mas ao mesmo tempo um dos mais desconhecidos, tanto do público em geral,
como de profissionais na área de defesa.
A mobilização enquadra-se no escopo da Lei 11.631, de 27 de
dezembro de 2007, a qual além de dispor sobre este instituto, também cria o
Sistema de Mobilização Nacional de Mobilização – SINAMOB. Este diploma
legal define Mobilização Nacional como: “[...] o conjunto de atividades
planejadas, orientadas e empreendidas pelo Estado, complementando a
Logística Nacional, destinadas a capacitar o País a realizar ações estratégicas,
no campo da Defesa Nacional, diante de agressão estrangeira”. O sistema,
entretanto, somente foi regulamentado pelo Decreto nº 6.592, de 2 de outubro
de 2008, o qual discrimina que os componentes do SINAMOB são classificados
como subsistemas e que abrangem as áreas: militar, política, social, científico-
tecnológica, econômica, psicológica, de segurança, inteligência e defesa civil.
Cada subsistema tem na sua atribuição específica a responsabilidade de
preparação dos respectivos planos de mobilização, figurando o Ministério da
Defesa como Órgão Central do SINAMOB e responsável pelo Sistema de
Mobilização Militar – SISMOMIL.
Ocorre que, por vezes, não há uma distinção clara quanto à
classificação de meios civis que são mobilizados para integrar as FFAA, dos
meios civis mobilizados para serem utilizados em prol das FFAA (através do
Subsistema de Mobilização Econômica). Nesta situação, estes mantém sua
propriedade e operação original, sendo somente controlados e empregados em
atendimento às FFAA. No primeiro caso tem-se a mobilização militar clássica e
no segundo caso tem-se uma das faces da mobilização nacional. No entanto,
não se pretende explorar a resolução da distinção entre mobilização nacional e
militar, mas justamente verificar como a mobilização, em proveito das FFAA,
pode ser operacionalizada, em face dos dispositivos legais hoje existentes.
2.2 A requisição na mobilização da cadeia produtiva
Quando um Estado entra em situação de beligerância, o faz apoiado em
suas expressões de poder, e em função de suas competências em exercer
esse poder é que o resultado do conflito poder ser mensurado. Cada Estado
possui a sua definição e delimitação de poder nacional, sendo que no Brasil,
hoje existem, segundo o Manual Básico – Volume 1 – Elementos
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Fundamentais, da Escola Superior de Guerra (BRASIL, 2014), cinco
expressões onde este poder se manifesta, a saber: política, econômica,
psicossocial, militar e científico-tecnológica. A mobilização, em especial a
mobilização militar, encontra seus resultados materiais estreitamente
vinculados à expressão do Poder Econômico, pois nele estão contidos os
elementos que constituem a cadeia produtiva de um país. Um dos principais
focos da mobilização, por conseguinte, está nesta cadeia e para ela também
sua concepção é orientada.
Mas para assimilar esta concepção deve-se compreender primeiro que “o
conceito de cadeia produtiva foi desenvolvido como instrumento de visão
sistêmica. Parte da premissa que a produção de bens pode ser representada
como um sistema, onde os diversos atores estão interconectados por fluxos de
materiais, de capital e de informação [...]” (CASTRO; LIMA; CRISTO, 2002, p.
2). Portanto, esta cadeia pode ser entendida como todos os fatores (materiais
ou serviços) a serem empregados para sustentação da sociedade e das
instituições de um Estado, de acordo com as necessidades de tempo de paz ou
guerra.
Desse modo, para se suportar um esforço bélico, são utilizados todos os
recursos disponíveis para se repelir a agressão, seja externa ou interna,
estejam eles ativos ou em reserva. Entretanto, para o Estado fazer uso desses
recursos em prol da defesa nacional, deve haver legislação que regulamente
as atividades de interferência nos fatores de produção, sob pena de que o
próprio Estado, no uso excessivo de suas prerrogativas, acabe estrangulando
esta produção por intensa requisição de meios na consecução da estratégia
militar.
A legislação que ampara este poder discricionário do Estado é formada por
um arcabouço de leis, decretos e portarias, já citados anteriormente, que
culminam no manual MD41-M-01 – Doutrina de Mobilização Militar do
Ministério da Defesa. Nele, estão detalhados todos os conceitos relativos à
mobilização militar e suas implicações na esfera civil – entendam-se as demais
Expressões do Poder Nacional – no que concerne ao planejamento e execução
de suas atividades.
De acordo com essa doutrina, a Mobilização é divida em duas fases:
Preparo e Execução. A fase de preparo é caracterizada pela adoção de
medidas que, desde a situação de normalidade, e considerando a conjuntura
vigente na infraestrutura e da logística nacional, facilitem a fase de execução;
atuando nos programas de governo desenvolvidos pelo poder público, visando
às necessidades de fortalecimento da logística e da mobilização militar. Já na
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fase de execução, ocorre a realização de atividades, empreendidas ou
orientadas pelo Estado, no quadro da mobilização nacional, “[...] com a
finalidade de, compulsória e aceleradamente, transferir recursos e meios
existentes ou passíveis de serem obtidos por qualquer método [...]” (BRASIL,
2015), no país ou exterior, de modo que seja atendido o planejamento da fase
de preparo para a expressão militar do poder nacional.
Entretanto, no tocante ao desenvolvimento das ações que compreendem as
fases de preparo e execução, rege a doutrina supracitada, que a mobilização
militar possui um ciclo de atividades, a qual se assemelha em parte ao ciclo
logístico, constituído de cinco fases: Determinação das Necessidades,
Determinação das Carências Logísticas, Obtenção, Distribuição e Reversão
(sendo a segunda e a última exclusivas da mobilização). Neste ponto destaca-
se a fase de obtenção, onde o Estado pode usar do seu poder discricionário e
coercitivo para realizar a complementação dos bens e serviços que não
puderam ser atendidos pela logística militar, mas são necessários ao
desenvolvimento das operações militares.
Portanto, é na obtenção que a mobilização mais se diferencia da logística,
dado aos instrumentos fixados no limite da lei, em que os recursos de toda
ordem podem ser adquiridos. Dentre as modalidades de obtenção que estão
definidas no MD41-M-01, destacam-se: a Doação, a Compra, a Contratação de
Serviço, o Confisco, a Contribuição, o Pedido, a Requisição, o
Desenvolvimento, a Troca, o Empréstimo, o Arrendamento Mercantil e a
Transferência. Alguns destes instrumentos legais estão previstos na esfera do
Direito Administrativo, em razão da Lei de Licitações e Contratos da
Administração Pública – Lei nº 8666/1993, especialmente, no artigo nº 24,
inciso III, o qual trata de dispensa de licitação em casos de guerra ou grave
perturbação da ordem. Outros estão previstos, utilizando-se do direito
comparado, no Direito Civil, mais especificamente no Código Civil Brasileiro –
Lei 10.406/2002, Parte Especial, Livro I, Título V e Lei 6.099/1974 que trata do
Arrendamento Mercantil.
Sem entrar no mérito da temporalidade da aplicação da lei, para verificar o
respaldo pela dispensa de licitação – afinal a mobilização antecede a
declaração de guerra – verifica-se, de modo geral, que a maioria dos
dispositivos legais do Estado, para a intervenção nos fatores de produção de
bens e serviços, é eivada de grande teor coercitivo. Este poder impositivo, que
aparece principalmente na fase de execução da mobilização, e pode ser
determinante, não no resultado esperado do ciclo de obtenção em si, mas no
estado final desejado das operações militares, caracteriza-se de forma singular
pelo dispositivo da Requisição.
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2.3 Vigência e eficácia do instituto da Requisição
Nos termos da mobilização, Requisição é a “[...] imposição do
fornecimento de materiais, animais e serviços, mediante ordem escrita e
assinada por autoridade competente, sendo o pagamento, normalmente,
realizado posteriormente” (BRASIL, 2015, p. 15). Este instituto surgiu no
ordenamento jurídico brasileiro em 1942, no escopo da Segunda Guerra
Mundial, durante o governo de Getúlio Vargas, sob a égide do Decreto-Lei nº
4.812 de 08 de outubro de 1942. Atualmente, encontra-se referenciada,
principalmente no tocante à propriedade privada, na Constituição Federal de
1988, artigo 5º, inciso XXV e artigo 139, inciso VII; na Lei 10.406, de 10 de
janeiro de 2002, artigo 1228, parágrafo 3º, Lei 11.631 de 27 de dezembro de
2007, artigo 4º, parágrafo único, inciso IV e ainda no Decreto-Lei 8.158, de 03
de novembro de 1945, o qual será abordado mais adiante.
Tratando especificamente do decreto-lei de requisição, observa-se que
seu texto traz um retrato bastante peculiar da economia brasileira da década de
40. Os seus artigos e incisos abordam de modo abrangente a nascente setor
secundário brasileiro (indústria de base e manufatura), e de maneira mais
específica os setores primário (agricultura, pecuária e extrativismo) e terciário
(serviços), haja vista a redação do artigo 4º que enfatiza o uso dos insumos
necessários para a alimentação, combustíveis e serviços de abastecimento e
transporte para a população que atendam às necessidades militares. Também
ocorre a mesma ênfase no tocante ao artigo 15, onde são definidos os bens
que podem ser requisitados, sendo que, das treze categorias, apenas uma faz
referência às indústrias, porém não aos bens nelas produzidos.
Outro aspecto interessante, já com relação ao artigo 16, parágrafos 1º e
2º, é o caráter coercitivo da forma da requisição que, dependendo do caso,
poderia comportar a totalidade de meios de determinada classe, em uma dada
localidade, sem considerar a sustentabilidade do correspondente serviço. Da
mesma maneira, se aplica a imposição do Estado quando considera a
requisição de meios, em especial dos relacionados aos transportes, juntamente
com todo o seu pessoal de operação, manutenção e administração; atuando de
forma indiferente quanto aos recursos humanos, ao desconsiderar se estariam
previamente relacionados ou cogitados em alguma lista de mobilização.
Com relação ao modo de requisição de materiais, a lei também
apresenta notória preocupação com a manipulação de preços em virtude da
escassez de alguns itens alimentícios no comércio, sendo a requisição usada
para compensar a oferta e procura do mercado. Esta iniciativa revela um
desvio da aplicação precípua da Lei, que é complementar a logística militar em
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atendimento ao esforço de guerra. Sobre bens consumíveis, procura, ainda que
de modo empírico no artigo 29 - ISENÇÕES, definir os limites de requisição,
objetivando o suporte à vida civil. Ainda no artigo anterior, preconiza-se como
restrição para manutenção da vida familiar, a quantidade de insumos
correspondente 1 mês, para a pecuária 15 dias, e para o comércio e cadeia
produtiva 3 meses. Esses prazos para sustentação mínima da sociedade,
enquanto ocorre o conflito, não encontram paralelo entre si e tão pouco
aderência à evolução dos padrões de densidade demográfica, haja vista a
distribuição entre a população rural e urbana, pois segundo dados do Instituto
de Geografia e Estatística Brasileiro – IBGE
Entre os Censos de 1940 e 2000, a população brasileira cresceu quatro vezes. O Brasil rural tornou-se urbano (31,3% para 81,2% de taxa de urbanização). Nesse período, houve o envelhecimento da população brasileira, que na faixa de 15 a 59 anos, aumentou de 53% para 61,8%.[...] (IBGE, 2007)
Entretanto, apesar do caráter absolutista da Lei, curiosamente está
prevista a possibilidade de manter contratos de prestação de serviços de
transporte, particularmente o ferroviário, mediante indenização do governo pelo
uso militar, desde tempo de paz, para preservar a mobilidade estratégica.
Ainda referindo-se aos modais de transporte, é permitido um tipo de requisição
somente de subordinação às ordens das autoridades, mantendo-se a
administração dos meios pelos proprietários, o que razoavelmente eliminaria
uma elevada carga de gerenciamento e custos de operação para os militares,
caso os tivessem que fazer por eles mesmos.
Finalmente, com relação ao setor secundário, em que pese a falta de
especificidade na manufatura de defesa, a Lei revela uma incipiente e
ineficiente, mas louvável visão de produto acabado, ao trazer uma única parte
que se refere dedicadamente aos itens produzidos nas indústrias. Apesar de
não fazer menção ao tipo ou classe desses materiais de apoio militar, faz uma
ressalva que confere importância diferenciada à requisição desses materiais ao
obrigar a sua submissão ao Ministro de Estado da autoridade requisitante. De
igual importância, no tocante à requisição de propriedades privadas industriais,
faz ressalva a sua requisição devido à importância na contribuição ao esforço
de guerra, notadamente das instalações de produção ou reparo de meios
terrestres, navais ou aéreos.
Pode-se observar, portanto, que o conteúdo da Lei 4.812/1942, mesmo
sendo carregado de inconsistências e lacunas, era o melhor que se tinha a
época para fazer frente à magnitude da Segunda Guerra Mundial, com base
em um Brasil essencialmente agrário e pouco integrado por vias de transporte.
Ocorre que este diploma legal nunca foi atualizado, pois teve uma
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aplicabilidade efêmera e uma vigência que suscita controvérsia até os dias
atuais.
Ao final do citado conflito mundial, não se pode afirmar por quais
motivos, fossem ideológicos ou burocráticos, a Lei de Requisição foi revogada
pelo Decreto-Lei nº 8.090 de 15 de outubro de 1945. Entretanto, pouco tempo
depois, por meio do Decreto-Lei nº 8.158 de 03 de novembro de 1945, já no
governo provisório de José Linhares, após a deposição de Vargas, foi revogada
a revogação da Lei da Requisição. Ocorre que o legislador da época não se
atentou corretamente ao texto do decreto que pretendia, através da lei
revogadora, ressuscitar a o dispositivo que disciplinava uma das únicas formas
de mobilização do período, pois não deixou expresso que a Lei 4.812/1942
deveria voltar a vigorar. Esta grave lacuna provocou uma discussão jurídica
que se arrasta até os dias de hoje, a respeito do retorno da vigência de uma lei
que teria perdido a validade, ou seja o instituto da repristinação.
De acordo com o Dicionário Jurídico Piragibe (2007, p.1050), repristinar
significa “[...] recolocar no lugar antigo. (Teoria Geral do Direito) Fazer vigorar
uma lei já revogada [...]”. Nesse sentido, a análise do caso da repristinação da
Lei da Requisição inicia-se na década de 60, onde por meio do parecer H-Of
022, de 11 de junho de 1964, o então Consultor-Geral da República, Dr.
Adroaldo Mesquita da Costa exara parecer contrário à repristinação com base
no parágrafo 3º, do artigo 2º, do Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de
1942 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Nessa argüição,
ressalta não encontrar amparo na repristinação no seu contexto tácito, ou seja,
o legislador ao revogar norma revogadora deve expressar claramente a
intenção de voltar à eficácia a primeira lei abrogada. Em uma segunda ocasião,
por demanda do então Estado Maior das Forças Armadas – EMFA, houve um
segundo parecer, de número 61-AJ/80, de 22 de setembro de 1980, no qual o
entendimento de 1964 foi confirmado com base nos mesmos dispositivos legais
anteriores, desta vez pelo Dr. Philadelpho Pinto da Silveira, então Assessor
Jurídico da SG/CSN. Entretanto, nas décadas seguintes, da segunda grande
guerra até os dias atuais, diversos juristas publicaram obras de Direito
Administrativo e Direito Civil, onde consideravam o Decreto-Lei 4.812/1942
válido para efeito de amparo ao conceito de requisição que se fez presente em
diversas outras legislações que o sucederam, tais como as já citadas:
constituição de 1988, lei sobre mobilização nacional e SINAMOB, código civil
brasileiro, mas também a Lei Delegada nº 4, de 26 de junho de 1962 e o
Decreto-Lei nº 2 de 14 de janeiro de 1966, que tratam da intervenção no
domínio econômico e para os bens e serviços necessários ao abastecimento
da população.
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A formação desta corrente majoritária, favorável ao raro caso de
repristinação tácita na legislação brasileira, representado pela Lei de
Requisição, motivou em 2017 uma nova consulta, por parte do agora Ministério
da Defesa-MD , sobre a aplicabilidade dos pareceres anteriores face à atual
conjuntura nacional no que tange à mobilização. A resposta a este
questionamento ocorreu no escopo do despacho nº 1653/2017/CONJUR-
MD/CGU/AGU, o qual aprovou o Parecer nº 385/2017/Conjur-MD/CGU/AGU,
de 11 de agosto de 2017, onde a argumentação da Consultoria Jurídica do MD
endossou o entendimento da corrente majoritária anterior e pôs o assunto na
pauta da Consultoria Geral da União-CGU para conhecimento da matéria,
revisão do Parecer H-Of 022 de 1964, acolhimento da análise da Conjur-MD e,
caso pertinente, submissão à aprovação presidencial. Ocorre que ao realizar
esta submissão, o Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos
Jurídicos da CGU exarou o Despacho nº 664/2017/Decor/CGU/AGU, onde
houve por bem não dar provimento ao teor do Parecer da Conjur-MD,
retroagindo ao amparo da LINDB e encaminhando às instâncias superiores
para deliberações e comunicação de estilo. Consolidava-se assim, novamente,
o impasse a cerca da vigência da Lei da Requisição, o qual permanece até a
presente data.
2.4 A mobilização na história das guerras
O assunto mobilização, tal como visto anteriormente, não é novo no Brasil,
tampouco no exterior. Na verdade, os países que apresentam uma política
externa mais contundente e participaram, ao longo da história, em conflitos de
diversas escalas, têm mais a ensinar sobre o tema que a experiência do Brasil
por ocasião da Segunda Guerra mundial.
Existe mais de uma razão para se pensar em mobilização, mas talvez as
duas mais importantes sejam: a sobrevivência da própria nação e amortização
dos gastos diretos com defesa. A primeira tem como exemplo eventos
ocorridos no citado conflito global e a segunda tem como referência
acontecimentos mais recentes, registrados durante o desdobramento das
operações Escudo no Deserto e Tempestade no Deserto, realizadas pelos
Estados Unidos entre 1990 e 1991.
Abordando o tema da sobrevivência nacional, tem-se em conta o
componente da urgência, em outras palavras, a impossibilidade de
planejamento devido a fato inesperado ou alheio à percepção do ente
mobilizador. Isto ocorre porque a ameaça apresenta-se como improvável ou
desconhecida, e acarreta interferência imediata do Estado sobre os meios e
serviços que tem à disposição para fazer frente a perigo real e iminente contra
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a sociedade. Nesse aspecto, pode-se citar como exemplo mais emblemático a
retirada de Dunquerque, onde de acordo com Holmes (2001) mais de 338 mil
soldados, entre britânicos, franceses e belgas foram transportados por cerca de
860 embarcações, no escopo da Operação Dynamo, após a ordem de
requisição da marinha real. Nesta mobilização, como última – e talvez única –
saída encontrada por Churchill para preservar seu poder de combate em caso
de invasão da ilha, foi determinada a intervenção sobre toda embarcação da
costa do Canal da Mancha, entre 30 e 100 pés, que estivessem disponíveis
realizar o cruzamento das 20 milhas que separavam a Inglaterra da França,
entre 26 de maio e 4 de junho de 1940.
Além da retirada de Dunquerque pode ser destacada também a mobilização
realizada pela Força Aérea Americana - USAF, em 1948 para fazer frente ao
cerco de Berlim Ocidental imposto pelos russos. Nesta situação, foram
mobilizados de acordo com Reeves (2010), através do cadastro da reserva
ativa, oriundo da Segunda Guerra Mundial, mais de 10.000 pilotos, mecânicos,
meteorologistas e controladores de voo para realizar a maior e mais duradoura
ponte aérea de ressuprimento da história moderna até o advento da primeira
guerra do golfo em 1991. A requisição de aeronaves também atingiu todas as
empresas privadas na Europa, e algumas britânicas que voavam na África do
Sul e Nova Zelândia, que operassem os C-47, C-54 ou similares. A dimensão
desta empreitada pode ser avaliada pela complexidade do feito e pela estrutura
de suporte para dar a continuidade necessária à sobrevida dos alemães não
submetidos ao domínio do comunismo. Foram convocados todos os pilotos e
mecânicos americanos disponíveis, nas principais aeronaves de transporte e
bombardeio do pós-guerra, todos com experiência recente de combate. Além
disso, foi montada uma estrutura de treinamento, na base de Great Falls,
Montana, para simular o ambiente e a dinâmica das missões que chegavam a
consumir mais 20 horas de trabalho das tripulações entre as várias surtidas
diárias determinadas. Tudo isso possibilitado por uma organizada rede
informações de pessoal, mantida pela USAF.
Sobre a redução dos custos de defesa, o ponto principal de discussão é em
torno do orçamento que deve ser vinculado à proteção da integridade territorial
e garantia da soberania nacional. Este percentual do Produto Interno Bruto –
PIB varia de um país para outro e define o grau de capacitação de suas forças
armadas para o exercício de suas funções constitucionais. Ocorre que nem
sempre as demandas de defesa correspondem às necessidades de um país,
pois a dimensão geográfica e a pujança de sua economia são fatores
determinantes na composição desta balança. Especialmente quando um país
necessita atender problemas sociais que são caros à população, a parcela do
PIB que pode ser destinada para aplicações militares fica comprometida pela
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falta de urgência, caso não haja uma ameaça definida e presente. Neste caso,
a solução deste conflito pode ser encontrada na mobilização, pois é modo
eficiente de buscar, baseado em equipamentos de uso dual e serviços
especializados, o atendimento das necessidades logísticas das operações
militares em tempo de crise, ao mesmo tempo em que possuem utilidade para
outras atividades civis em tempo de paz.
Um exemplo clássico desta capacidade pôde ser observado durante o
desdobramento das forças expedicionárias americanas durante as operações
Escudo no Deserto e Tempestade no Deserto. Para o Comando de Transporte
Americano – USTRANSCOM efetivamente conseguir cumprir da data limite
para a concentração de forças, antes da ofensiva terrestre, esta unidade para
mobilidade e projeção de força teve que recorrer às suas reservas materiais e
de recursos humanos localizadas na iniciativa privada. Notadamente nas
empresas de transporte aéreo, onde o movimento inicial foi decisivo para o
apoio das primeiras unidades desdobradas, após a invasão do Kwait em 2 de
agosto de 1990, esta capacidade de mobilização apresentou resultados
inesperados, pois “[...] a primeira aeronave civil voluntária voou em 8 de agosto
para apoiar a Escudo no Deserto, e dentro de dias a força de voluntários civis
chegou a 30 aeronaves [...] desses, 16 da Civil Reserve Air Fleet (CRAF) [...]”
(MATTHEWS e HOLT, p.42, 1992, tradução do autor).
O CRAF pode ser resumidamente entendido como um programa, dentro da
relação civil-militar americana, onde o governo propõe acordos e/ou
encomendas educativas às empresas de transporte aéreo, sejam de
passageiros ou carga, durante o período de paz, para obter o compromisso de
utilização de uma fração da sua frota, de acordo com a necessidade do
USTRANSCOM em caso de guerra. Esta fração é variável e depende do nível
da ameaça percebida pelos militares, por isso o programa é constituído de 3
estágios, onde progressivamente a quantidade de aeronaves é aumentada em
função das demanda de transporte de tropas, equipamentos ou evacuação de
feridos. Outro detalhe interessante é que a ativação do primeiro estágio do
CRAF ocorre por determinação do comandante em chefe do USTRANSCOM,
portanto a mais alta autoridade do país em transporte de defesa, e não gera
desconforto para as empresas pela perda de receita, uma vez que já foram
“ressarcidas” em tempo de paz. Para os outros estágios, que envolvem
quantidades maiores de meios de vários tipos, chegando a aeronaves de
evacuação aeromédica, a autorização deve ser confirmada pelo secretário de
defesa. Nesse aspecto, a contribuição que a aviação civil mobilizada deu, após
ativados o primeiro e segundo estágios foi “[...] equivalente a 64% e 27%
respectivamente do total de passageiros (500.720) e carga (543.548 toneladas)
deslocados via transporte aéreo estratégico durante a Escudo no
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Deserto/Tempestade no Deserto” (MATTHEWS e HOLT, p. 37, 1992, tradução
do autor). Como última característica, o CRAF tem ainda a filosofia de que,
segundo a Força Aérea Americana - USAF (2014), a propriedade, operação e
manutenção do bem ficam a cargo da própria empresa participante do
programa, o que não gera encargos extras para o Departamento de Defesa
americano, ou seja, todas as tripulações, mecânicos e despachantes são
mobilizados, em até 48 horas, juntos com os meios, ficando apena o controle
operacional das missões a cargo do USTRANSCOM.
2.5 Possibilidades para o futuro da mobilização
Independente do que se consiga decidir juridicamente a respeito do
instituto da Requisição, o mais importante é verificar a viabilidade de se aplicar
esta ferramenta e a sua eficácia, como única modalidade regulamentada para
ser obter o efeito desejado na mobilização, seja militar ou nacional. Os
resultados esperados, de acordo com os cenários projetados, é que devem
pautar a escolha por determinado meio de mobilização, porque o que interessa
é que as lacunas logísticas sejam cobertas de modo oportuno e suficiente.
A discussão sobre a vigência ou não sobre o instituto da Requisição, não
deixa de ser importante, mas parece ter se tornado um fim em si mesma. Os
estudos de defesa nesse sentido estagnaram sem se preocupar em prospectar
as demais opções que o próprio ordenamento jurídico brasileiro põe à
disposição dos profissionais de defesa.
O fato é que uma guerra não pode ser vencida sem uma economia pujante,
onde uma sólida base industrial de defesa possa ser construída e o
investimento seja regular. Mas, ainda que as oscilações orçamentárias em
função do PIB nacional sejam constantes, a relação civil-militar deve ser
estreita, pois é pouco provável que a área de defesa tenha a sua disposição
todos os recursos que precisa. Então, percebe-se na mobilização uma grande
oportunidade de estreitamento desses laços, através da geração de benefícios
mútuos para ambos os lados público e privado.
A ideia, entretanto, não é nova. Já estava inserida na Lei 4.812/1942
quando considerava o acordo com as companhias ferroviárias para
deslocamento de tropas e equipamento, pois este era o transporte estratégico
da época para se ocupar território. Também pôde ser visto durante a Segunda
Guerra, quando a Real Força Aérea Britânica – RAF, segundo relato de Korda
(2011), demandou à fabricante inglesa de carros Rolls Royce um modelo de
motor de caças mais potente e robusto para o combate da Batalha da
Inglaterra. Em pese a economia da época ser de escala e direcionada para a
acumulação de suprimento, tornando a mera requisição de meios uma opção
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fácil para qualquer governo que tivesse indústrias em seu território, a noção de
complementaridade civil-militar já era presente na estratégia de sustentação do
combate por meio seleção de empresas estratégicas para o suporte logístico
das forças armadas.
Este conceito também pode ser encontrado na legislação vigente,
através do Decreto nº 6.592, Art 24, parágrafo único:
“O preparo também contemplará a execução de ações dirigidas à sociedade, destinadas ao esclarecimento a respeito da Mobilização Nacional e à necessidade de estabelecer cooperações e obter acordo quanto ao esforço conjunto, com ênfase nos setores que exploram atividades de infra-estrutura e nos detentores de direito de propriedade sobre a produção, a comercialização e a distribuição de bens de consumo e prestação de serviços de interesse estratégico.” (BRASIL, 2008)
A consolidação do conceito acima, no entanto, ocorre no artigo 25,
parágrafo único, quando se define o modo de operacionalizar a cooperação
citada, por meio de medidas que “[...] poderão contemplar, dentre outras,
conforme previsto em lei, as seguintes modalidades: I - condições favoráveis
de crédito, financiamentos, juros e prazos de pagamento; II - compensações,
isenções e reduções tributárias; [...]” (BRASIL, 2008)
Isto significa que se tem como opção jurídica viável a contratação e
financiamento – sendo que a contratação já foi utilizada por mais de um país
estrangeiro no âmbito de conflitos modernos. A primeira já foi exemplificada por
ocasião da mobilização da aviação civil americana, no conceito CRAF, para
operar durante as operações Escudo/Tempestade no Deserto. A segunda, que
trata do financiamento, pode ser vista na figura do arrendamento mercantil, o
qual é também chamado de leasing, devido a sua origem na língua inglesa.
Este instituto pode ser definido, como “[...] contrato de locação com opção de
compra pelo locatário [...]” (VENOSA, p. 587, 2005) e atualmente admite muitas
variações. Sendo, na sua origem, destinado apenas a pessoas jurídicas, hoje
comporta também as pessoas físicas e tem, ainda segundo Venosa (2005), a
sua versão mais tradicional compreendendo três agentes: o arrendante, o
arrendatário e o fornecedor do bem. Para se fazer o paralelo necessário aos
intuitos da mobilização, pode-se considerar o Estado presente ao mesmo
tempo em dois desses polos (arrendante e arrendatário) ou apenas em um
(arrendante). As pessoas jurídicas envolvidas poderiam ser um banco estatal
financiador e uma das FFAA interessada no uso do bem; ou apenas o banco
estatal financiador, exercendo sobre este bem posse exorbitante em caso de
mobilização. Em ambos os casos poder-se-ia ter ao final a possibilidade de
compra, renovação do contrato ou devolução do bem.
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Estas duas modalidades, tanto a contratação como o arrendamento
mercantil, em comparação com a requisição, aparentam possuir mais
vantagens, como solução da mobilização, para ambos os lados público e
privado, pois deixam mais claro os limites de uso do bem, em especial quanto à
temporalidade e valor de utilização. A instabilidade financeira torna-se menor
porque o fator econômico, associado ao risco de resgate da posse do bem pelo
Estado, está diluído, ou no valor do contrato ou no financiamento. Também a
conservação do valor de mercado do bem, assim como a manutenção de sua
operacionalidade, está garantida nas mãos da iniciativa privada, principalmente
pela liberdade que o ente público não tem para aquisições de material e
contratação de serviços; tudo isso enquanto gera-se lucro pelo seu uso
comercial. Apesar das vantagens, contudo, é certo que este complexo de
regras necessita de adaptação para a realidade orçamentária das FFAA e das
principais financiadoras estatais brasileiras, mas é também fato que a valor
significante dos citados institutos, diante da Requisição, repousa
prioritariamente na fuga da burocracia e, quando a gravidade da crise mais
exigir, na busca da segurança jurídica.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verificou-se inicialmente como a mobilização está inserida nos
documentos normativos e doutrinários do Ministério da Defesa, percebendo-se
a hierarquia entre a END e a Doutrina de Mobilização. Igualmente foi
destacada a metodologia de Obtenção dentro do conceito de mobilização, a
qual detém várias ferramentas para atingir seus objetivos, dentre elas a
Requisição.
Abordou-se, então, a sequência histórica da criação de lei que ampara o
instituto da requisição e as suas posteriores revogação e repristinação.
Salientou-se, também, como a visão jurídica do referido diploma legal foi sendo
alterada ao longo dos anos, à margem da interpretação literal da Lei de
Introdução das Normas do Direito Brasileiro.
Com base nas experiências de países que já utilizaram seus sistemas
de mobilização, em guerras recentes, pode-se verificar que nem sempre a ideia
de requisição de bens esteve presente, sendo preferida, em várias ocasiões, a
opção por outras ferramentas de interferência do Estado na economia.
Preferencialmente, essas ingerências estatais já eram acordadas deste o
tempo de paz para garantir uma transição controlada para o período de crise,
nas empresas consideradas estratégicas para o esforço de guerra.
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Finalmente, ao se verificar os instrumentos que poderiam ser correlatos
aos verificados em outros países, encontrou-se a contratação e o
arrendamento mercantil, como opções viáveis para garantir novas soluções
para a questão da mobilização no Brasil. Concluiu-se então que a Requisição,
apesar de ainda ter a sua importância, é um instrumento de concepção
anacrônica, baseado em grande parte na economia de escala, onde os bens
são produzidos em grande quantidade e com baixo valor agregado, diferente
da realidade produtiva atual, sendo, portanto, refratária à solução de
mobilização necessária aos desafios atuais.
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