O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais...

56
CEDIPRE ONLINE | 30 O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO-ADMINISTRAÇÃO Leong, Hong Cheng CENTRO DE ESTUDOS DE DIREITO PÚBLICO E REGULAÇÃO FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA MARÇO | 2017

Transcript of O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais...

Page 1: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

C E D I P R E O N L I N E | 3 0

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL

DO ESTADO-ADMINISTRAÇÃO

L e o n g , H o n g C h e n g

CENTRO DE ESTUDOS DE DIREITO PÚBLICO E REGULAÇÃOFACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

MARÇO | 2017

Page 2: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

www.cedipre.fd.uc.pt/fduc.cedipre

Page 3: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

CEDIPRE ONLINE | 30

L e o n g , H o n g C h e n g

CENTRO DE ESTUDOS DE DIREITO PÚBLICO E REGULAÇÃOFACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

MARÇO | 2017

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL

DO ESTADO-ADMINISTRAÇÃO

Page 4: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

TÍTULO O Princípio da Eficiência no “Cosmos” da Ilicitude da Res-ponsabilidade Civil Extracontratual do Estado-Administração

AUTOR(ES) Leong, Hong Cheng

IMAGEM DA

CAPA Coimbra Editora

COMPOSIÇÃO

GRÁFICA Ana Paula Silva

EDIÇÃO CEDIPRE Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 3004-528 COIMBRA | PORTUGAL Tel.: +351 239 836 309

E-mail: [email protected]

PARA CITAR

ESTE ESTUDO O Princípio da Eficiência no “Cosmos” da Ilicitude da Res-ponsabilidade Civil Extracontratual do Estado-Administra-ção, Publicações CEDIPRE Online - 30, http://www.cedipre.fd.uc.pt, Coimbra, março de 2017

coimbra

março | 2017

Page 5: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

5

Abreviaturas e siglas

Ac. Acórdão CC Código Civil CPA CódigodoProcedimentoAdministrativo CRP ConstituiçãodaRepúblicaPortuguesa CJA CadernosdeJustiçaAdministrativa Proc. processo RLJ RevistadeLegislaçãoeJurisprudência RRCEE RegimedaResponsabilidadeCivilExtracontratualdoEstadoe DemaisEntidadesPúblicas(Lei67/2007,de31deDezembro) STA SupremoTribunalAdministrativo TCAN TribunalAdministrativoCentralNorte TCAS TribunalAdministrativoCentralSul

Page 6: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

6

Page 7: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

7

O P R I N C Í P I O D A E F I C I Ê N C I A N O “ C O S M O S ” D A I L I C I T U D E D A R E S P O N S A B I L I D A D E C I V I L E X T R A C O N T R AT U A L D O E S TA D O - A D M I N I S T R A Ç Ã O

Leong,HongCheng

1. Delimitação do tema

O estudo do princípio da eficiência, para além de ser interdisciplinar, impli-caumconjuntodeproblematizaçõespluridimensionais. Por isso, antesdeavançar-mosnanossaindagação,urge-sedelimitarnitidamenteadimensão/asdimensõesdoprincípiodaeficiênciaemquepretendemosfocarnasseguintespáginas.

Ora,especialmentenoterrenodoDireito,oprincípiodaeficiência(apesardasuaduvidosajuridicidadenadoutrina)temvárioscamposdavigência.Elebasicamentevincula,outemapotênciadevincular,todosospoderesdesoberaniadeumEstadodeDireitodemocrático.

Porumlado,elevinculaolegislador,designadamentenaáreadasestratégiasregulatórias–pense-seporexemplonorecenteregimedeSIMPLEXquevisatornarasleismaisclarasecompreensíveisparaoscidadãos,aumentandoassimaqualidadedatécnicalegislativa,eporseuturnoa“eficiência”naregulação(emsentidoamplo).Poroutrolado,oprincípiodaeficiênciapodeterlugardaaplicaçãonavinculaçãodostribunais–mesmoqueistonãosejaatinenteaopróprioconteúdodasdecisõesjuris-dicionais,massimaoaspetodaadministraçãodajustiça–tendorepercussãosignifi-cativanosproblemasdoatrasonajustiça.Ademais,oprincípiodaeficiênciavinculaaAdministraçãoPública–eaquioprincípiosedesdobraemváriasdimensões:

Emprimeiro lugar, temosadimensãoorganizatória,quetratasobretudodosproblemas da descentralização, desconcentração e privatização da AdministraçãoPública, para além dos problemas da colaboração dos particulares com a Adminis-

Page 8: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

LEONG, HONG CHENG

8

tração.Alias, temos adimensãoprocedimental, quepretende regeros trâmitesdoprocedimentoadministrativo–aqui,encontramosquestõespertinentesquesecon-sistemnacompatibilizaçãodomodelodoprocedimentoeficientecomagarantiadosdireitosfundamentaisdosparticulares1.Alémdomais,temosadimensãosubstancial,emqueoprincípiodaeficiênciavisaexercerumainfluêncianopróprioconteúdodasdecisõesadministrativas,emergindo-secomoumpadrãomaterialquevinculaaAd-ministraçãosobretudonoexercíciodopoderdiscricionário.

Ora, dentro desta heterogeneidade de campos da vigência e dimensões doprincípiodaeficiência,oqueescolhemoscomoobjetoprincipaldaindagaçãodopre-sentetrabalhoéapenasadimensãomaterialdoprincípiodaeficiêncianasuavincu-laçãodaAdministraçãoPública.

Masmesmo dentro desta circunscrição, as problematizações implicadas sãonumerosascujainvestigaçãocabalestásemdúvidasforadoalcancedeumsótrabalho.

Destarte,tendoemcontaolimiteeaconcisãodanossaindagação,vamosfo-calizar daí emdiante apenasnasquestõesda ilicitudeda responsabilidade civil ex-tracontratual do Estado-Administração pela violação da dimensão substancial doprincípiodaeficiência–aindaqueasconclusõeseventualmentetomadaspossamedevamterrepercussõesnãodespiciendasnoutrasquestõesrelevanteseinterligadas.

Agora, antes de entrarmos subitamente na essência do tema, julgamos quesejaimportanteabordaronosso(especial)entendimentoemrelaçãoàdimensãosub-stancialdoprincípiodaeficiência–cujacomunicaçãoargumentativaéimprescindívelquerparaumacompreensãoglobaldotema,querparaafundamentaçãodasnossasdiversasposiçõestomadasmaisafrente.

2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co autónomo da eficiência

2.1.Considerações iniciais

Comofactonotório,aeficiência,que,emconjuntocomaeconomicidadeeaeficácia formamofamoso“3Es”,éumdosconceitosoperatórios fundamentaisemquaisquerestudosdaeconomia.Épraticamente impossívelnãomergulharnaprob-lemáticadaeficiênciaemquaisquertemáticasquetêmumaconexão,nemquesejameramenteocasionaleinstrumental,comofuncionamentodaeconomia.

Atualmente, com o recurso cada vez mais frequente, aprofundado e talveztambém(contraditoriamente)vulgarizadoaoestudodaeficiência,opróprioconceitodaeficiência,mesmonoterrenodapuraeconomia,nãopossuiumanoçãounitária.Paranãomencionaraconfusão,porvezesnegligente,comosconceitosadjacentesdeeconomicidadeeeficácia,podemosencontrar,nasvastasliteraturaseconómicas,um

1Sobreestetema,consulte,portudo,Loureiro,João,O Procedimento Administrativo entre a Eficiência e a Garantia dos Particulares,Coimbra,1995.

Page 9: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE ...

9

conjuntodosconceitosfuncionaisdaeficiência–todospossuindoumarelevânciaeinfluêncianãodespiciendanodesenvolvimentodediferentesramosdoDireito.

Sem qualquer pretensão de exaustividade, podemos discernir, rudimentar-mente:a eficiência ou ótimo de Pareto,que,incidindoessencialmentesobreoprob-lemaeconómicodealocaçãodosrecursos,correspondeaumestadoemquejánãoépossível realizarqualquer (re-)alocaçãodosbensparamelhorarasituaçãodeumagenteeconómicosemqueprejudiqueasituaçãoatualdooutroagente.Transportan-do-o para os estudos jurídico-políticos, trata-se de um instrumento prestativoparainvestigaratemáticadefracassodemercadoeosfundamentoseasmedidasdainter-vençãodoEstadonomercado2.

Ademais,temosoconceitodaeficiência socialque, inserindo-senafronteiraentre a ciência económica e a ciência político-social, traz a balanço (na análise daeficiência deuma certa transação económica), para alémdos proveitos e prejuízospolarizadosnaesferadaspartesenvolvidasnaprópriatransação,tambémaquelesquesãosuportadosdifusamentepelasociedadeemgeral3.Trata-sesemdúvidasdeumatentativadeadaptaroconceitoestritamenteeconómicodaeficiênciaaoutrosramosdeciências–eespecialmentenaciênciapolítico-jurídica,aeficiênciasocialconsub-stancia-sesemdúvidasnumaconsideração relevanteparaa tarefa legiferante,umavezquecomoCootere Ulensalientam,“[a] good legal system keeps the profitability of business and the welfare of people aligned, so that people who pursue profits also benefit the public”4.

Alémdomais,temosoconceito,digamosomaiselementar,daeficiência,que,naindagaçãodarelaçãoentremeioseresultados,designaaqualidadedeumadecisãoouumaoperaçãoqueconsegueotimizarautilizaçãodosrecursosexistentesnumde-terminadotempoeespaço,levandoaque,mormentemedianteumaóticarelativista:ouconsegueatingiromáximoresultadopossívelcomumdadomontantederecursos;ouconsegueutilizaromínimomontantederecursosdisponíveisparaatingirummes-moresultadopré-fixado.Trata-sedeumconceitooperatóriomaisrecorridonaciênciajurídica comoumpontodepartida, seja na problematização geral da possibilidadedeumaabordagemutilitaristadoDireito,sejanasproblematizaçõesespeciaiscomoacompreensãodasublimaçãodaeficiênciaaumpadrãovinculativodascondutasdoEstado-Administração (ou seja, a interpretação do princípio da eficiência enquantoum dos princípios gerais das atividades administrativas, que é o objeto nuclear dopresentetrabalho).

Ora, para facilitar uma eventual comparação do nosso “ponto de chegada”com aqueles das outras doutrinas ocasionalmente convocadas ao longo desta ind-agação, julgamos que seja oportuno começarmos domesmoponto de partida, i.e. investigandoosentidodoprincípiodaeficiêncianasatividadesadministrativasapartir

2Veja,entreoutros,Porto,Manuel,Economia: Um Texto Introdutório, Coimbra,2009,p.424-426;Pereira,PauloTrigo,Economia e Finanças Públicas, Coimbra,2015,p.39ss..

3Cf.Cooter,Robert/Ulen,Thomas,Introdution to Law and Economics, Boston,2007,p.5.4 Ibidem.

Page 10: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

LEONG, HONG CHENG

10

doaludidoconceitomaiselementardaeficiência–mas,claro,semnegararelevânciadosoutrosconceitosvigentesdaeficiência.

2.2. Autonomia conceitual da eficiência

Escusando-nosdequalquerpapagueamentodogmáticoesalvandoopresentetrabalhodeumlaborexcessivamenteconceitualista,nãovamosexploraradistinçãodaeficiênciadetodososseusconceitosadjacentes5.Sendonósmunidosdesdeoin-íciocomumaintencionalidadejurídico-normativa,limitamo-nosapenasi)aprecisarafronteiraentreaeficiênciaeaeficácianoatualDireitoAdministrativoemqueseevi-denciaumacriseuniversaldoprincípiodalegalidadeadministrativa,eii)aprocuraraautonomia“perdida”doprincípiodaeficiênciafaceaoprincípiodaproporcionalidade.

i) A nova fronteira entre a eficiência e a eficácia (adaptação dos conceitos à realidade jurídica vigente)

Antesdedemonstrarejustificarestanovafronteira,éprementeprecisar,aindaquesejaapenassucintamente,ocontextoeosentidosubstancialdaaludidacrisedoprincípiodalegalidadeadministrativa.Correndooriscodedesvirtuarariquezaprob-lemáticaimplicadaporestefenómeno,numapalavramuitogeral,encaramosacrisedalegalidadeadministrativacomoaconsequênciadarelativizaçãoouenfraquecimen-to(senãoumaverdadeiraperda)daforçavinculativamaterialdasleis,apesardequeasuaforçavinculativaformalsemantembasicamenteintacta.Ouseja,enquantoasleisaindaseapresentamcomoofundamentojurídicoimediatoeolimiteinultrapassáveldasatuaçõesadministrativas,estesfundamentoelimitediluem-se, levandoaqueaAdministração,amiúde,apenaséobrigadaaobservarprincípioselinhasgeraisdeori-entaçãofinalísticacomumcontornomarcadamentemaleável,semsuficienteprecisãonoconteúdo.Poroutraspalavras,comoAnaRaquelMonizdestacou,louvando-senasobservaçõesdoConseil Constitutionnel, “a lei passa a privilegiar um «direito mole», um «direito fluido», um «direito em estado grosso»”6.

Ora,pordetrásdesteenfraquecimentodaforçavinculativamaterialdas leis,podemosencontrarumconjuntodosfatores7.Masindependentementedasnatureza

5Remetemosentãopara:Loureiro,João,O Procedimento..., cit.,p.124-134;Santos,MartaCosta,Recompreensão da Decisão Fiscal à luz do Princípio da Eficiência,Coimbra,2012,policopiado,p.19-23;Gonzáles,EnriqueLópez,“UnaaproximacióndelaCienciadelaAdministraciónalanálisiscon-ceptualdelprincipiodeeficaciacomoguíadeaccióndelaAdministraciónpública”,in Documentación Administrativa, Madrid,1989,n.º218-219,p.75-81,etc., ondesepodeencontrarexposiçõesminucio-sassobreadistinçãodaeficiênciadosseusvizinhos.Noentanto,éimportanteassinalarquenãoexisteumaperfeitaunanimidadeemrelaçãoaestadistinção.

6Cf.Moniz,AnaRaquel,A Recusa de Aplicação de Regulamentos pela Administração com Fun-damento em Invalidade. Contributo para a Teoria dos Regulamentos, Coimbra,2012,p.77.

7 Entre outros, a reação intra-sistemática contra a inflação legislativa que “desacralizou” afunçãodas leis [v. Ibidem, p.70-72; idem, “TheRulemakingPowerofAdministrativeAgencies:Crisisof Legality,RuleofLaw,andDemocracy”,2015,p.12ss.disponível:http://ssrn.com/abstract=2420561];

Page 11: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE ...

11

evariedadedestesfatores-causas,oqueé importanteassinalarparaopresentees-tudoé:acrisedalegalidadeadministrativatemimportadoparaosEstadoscontem-porâneosumanovadistribuiçãodastarefasentreospoderesdesoberania.Eespecial-mentenarelaçãoentreolegisladoreaAdministraçãoPública,comoasleisagoraseapresentamcomoum“direito fluído”que,muitasvezes,selimitamaenunciarapenasosfinsaalcançarpelaAdministraçãoeosprincípiosgeraisnaconcretizaçãoe real-izaçãodocomandolegal;aesferadaliberdadedeconformaçãodiscricionáriadaAd-ministraçãoficaconsequentementealargada.Porforçadisso,aAdministraçãopossui,prima facie8,umamaior“liberdade”nadecisãoderesultados–ouseja,desdequeaAdministraçãoconseguirenquadraroresultadoaalcançar(oualcançado)dentrodofimlegal,elacumpriujáefetivamenteoqueRogérioSoaresdesignapor“dever(deboaadministração)daadequaçãoformaldoatoaofimlegal/interessepúblico”9.Ora,umadasconsequênciasimediatasdissoé,antesdemais,umarecompreensãoesimul-taneamenteumreforçodanatureza jus-constitutivadasaçõesadministrativas,peloque,sucintamentedito,aAdministraçãodota,porforçadapróprialei,nãosódeumaautonomianaescolhademeios,mastambém,deuma(muitomaior)autonomianaescolhaderesultados.Destarte,oqueantigamenteseinteressavaporadequaçãodosmeiosaoresultado,ésubstituídopelonovoparadigmadeenquadramentodosmeioseresultadosdentrodofim.

Agora,coma“dissociação”doresultadodofim,deslocandooprimeiroparaaesferadaconformaçãodiscricionáriadaAdministração,ficandosóoúltimonadeter-minaçãoimperativadolegislador,umanovafronteiraentreaeficiênciaeaeficáciains-ta-seserdemarcadaaotransportar(adaptando)estesvaloresdaorigemmeta-jurídicaparaodireitoadministrativo:

Recordandoos conceitospuramenteeconómicosdaeficiênciaeeficácia: aeficiênciaassinalaarelaçãoentremeioseresultados,referindoàqualidadedeumadecisãoqueconseguemaximizarosrecursosexistentesparaatingirumcertoresul-tadopré-fixado;enquantoaeficáciadestacaarelaçãoentreresultadosatingidoseresultadosdesejados,referindoàqualidadedeumaaçãoqueconseguefazercorre-sponderoatingidoaodesejado.Poroutraspalavras,naordemeconómica,aoapli-

aimplementaçãodeumEstadoReguladoreEstadoGarantidorquereivindicaumaatenuaçãodainter-vençãodospoderespúblicosnaregulaçãodasvidasprivadas;aconsciênciareanimadadaincapacidadenaturaldolegisladorpararesolverproblemasdeumasociedademarcadaporumaacentuadacomplex-idade,instabilidadeetecnicidade;asconsideraçõespolíticasquevisamalcançaraestratégiade“bla-me shift”ou“blame avoidance”quepromoveadeslocaçãodaregulamentaçãonormativadascertasmatérias(sobretudoaspoliticamentesensíveis)donívellegislativoaoníveladministrativo(mormenteparaasentidadesreguladoresindependentes)[v.Baldwin,Robert/Cave,Martin/Lodge,Martin,Un-derstanding Regulation, Theory, Strategy and Practice, Oxford,2012,p.56-58.Anossover,nocontextocontemporâneo,anecessidadedestaestratégiade“blame shift”éveiculadaessencialmentepeloclimadoantiparlamentarismo,emaisgeral,peladesconfiançadoscidadãosnolegislador.Maisobreisto,con-sulte,portodos,Rosanvallon,Pierre,La Légitimité Démocratique – Impartialité, Réflexivité, Proximité,Paris(ediçãodeSeuil),2008,maxime, p.9-191],etc.

8Dizemos“prima facie”umavezquecomoveremos,estaliberdadeficaporsuavezlimitadapelofenómenoqueseconheceporenriquecimentodalegalidadematerial.

9 V. Soares,Rogério,Interesse Público, Legalidade e Mérito, Coimbra,1955,p.179-205ep.223ss.

Page 12: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

LEONG, HONG CHENG

12

caraeficiênciaeaeficáciacomoumpadrãodeavaliação,ésupostoqueoresultadoéumdadofixo,oupelomenosqueadiferenciaçãoentreresultadoefimnãomereceumaespecialrelevância.

Destarte,paraquea invocaçãodaeficiência (eeficácia)comoumpadrãodeavaliaçãonodireitoadministrativosejacoerentecomaprópriarealidadejurídicavi-gente,antesdeensaiarumaadaptaçãodestesconceitosoriginalmenteeconómicosàintencionalidadeaxiológico-normativadajuridicidade(v.infra),éprementejáumaadaptaçãodosconceitosàrealidadejurídicavigente–queé, in casu,amencionadadissociaçãojuridicamenterelevantedoresultadodofim.

Aestepropósito,nanossaperspetiva,enquanto as leis se mantêm“fluídas”,aeficácia,noseiodarealidadejurídicavigente,referejánãoaoresultadoqueédeixadoàdiscricionariedadeadministrativa,massimaofimlegal.Enquantoaeficiênciapassaa indagarumarelaçãomaisdiversificadaentremeio,resultadoefim–ouseja,ten-doofimlegalmentefixadocomoumametaaatingireumafronteiraintransponível,umadecisãosómereceaqualidadedaeficiênciaselograrmaximizarosrecursosdis-poníveis(otimizaçãodosmeios)paraqueassimconsigaumamaximizaçãodosresul-tados(otimizaçãodosresultados).Querdizer,agora,noterrenojurídico,emtermosda eficiência, a escolha demeios, para alémde ter de ser enfileirada numafiloso-fiadeotimizaçãodosrecursos,temdeserteleologicamenteguiadaparalograrumaotimizaçãodosresultados–tudoporsuavezdelimitadopelofimlegalpreceituado.

Ora, a demarcaçãodestanova fronteira conceitual temuma relevância sub-stancialquesetranscendedaimposiçãodeummerorigorconceitualista.Emprimeirolugar,ao“marginalizar”aeficáciaaumpadrãoquevisaassinalaracorrespondênciaentre o interesse público alcançado efetivamente por uma atividade administrativa(o fim atingido) e o interesse público imposto pelo legislador (o fimdesejado), elaganhaumanovavidano terreno jurídicoenquantoumprolongamento material do aludido“dever(deboaadministração)daadequaçãoformalaofimlegal”–queexigeumacorrespondênciaentre “o interesse público subjetivado”e “o interesse público típico”10 –, reclamandoagoraumaoutra correspondência, queéentre “o interessepúblicoefetivamentealcançado”e“o interesse público típico”.Trata-sedeumarec-lamaçãoquesuscitaproblematizações interessantes,comoaquestãodaviabilidadedogmáticadatransposiçãodafigurade“obrigaçãoderesultado11”dodireitocivilparaodireitoadministrativo12;aquestãodavalidadedeumatoineficazemqueoagente,

10AsterminologiasemitálicosãotambémdonossosaudosoSenhorDoutorRogérioSoares. V. Soares,Rogério,Interesse Público..., cit., maxime, p.196.

11“Resultado”aqui,semdúvidas,nopurosentidode“alcançamentodointeressepúblicotípi-co”eporissonãosedeveconfundircomaquele“resultado”dissociadodofimlegal.

12Esta,defacto, jánãoéumaquestãonovanasdoutrinas.Logoem1980,MichelPailletjáchamouatençãoparaofactodequeestatransposiçãonãoésemdificuldade.Oautoratéacaboupornegaraexistênciadachamada“obligations de résultat”nodireitopúblico.Cf.Paillet,Michel,La Faute du Service Public em Droit Administratif Francis, Paris,1980,p.569-570,apud., Bousta,Rhita,Essai sur la Notion de Bonne Administration em Droit Public, Paris,2010,p.172.Nomesmosentido,pronuncioutambém BernardPacteau,paraquem“il paraît bien difficile d´imposer à l´autorité publique une véri-table obligation de résultat qui conduirait à la considérer comme fautive chaque fois qu´elle a été inef-

Page 13: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE ...

13

todavia,cumpriuodeverdecorrespondênciaentre“o interesse público subjetivado”e“o interesse público típico”–adificuldadesurge-seporqueanãocorrespondênciaentre“ointeressepúblicoefetivamentealcançado”e“o interesse público típico”éalgonormalmente estranho (por ser posterior) às fases preparatórias para perfeição naconstituiçãodeumato13,etc.

Emsegundolugar,comaassociaçãoàeficiênciaumafinalidadedaotimizaçãodosresultados,afastamosdatradicionalconcentraçãodaanálisedaeficiêncianapuraquestãodemeios.Esteenriquecimentodaessênciadopróprioconceitodaeficiêncianoterrenojurídicoéfundamentalparasustentaraautonomiadaeficiênciafaceaout-rasfigurasafins,nomeadamente,aproporcionalidade.

ii) A autonomia “perdida” do princípio da eficiência face ao princípio da proporcionalidade

Emquaisquerestudossobreoprincípiodaeficiênciaenquantoumavinculaçãojurídicadasatividadesadministrativas,équaseimpossívelnãoencontraroconfrontodavigênciadestenovoprincípiocomoprincípiodaproporcionalidade.Contudo,namaioriadasconclusõesdoutrináriasquepodemosacharnaordem jurídicavigente,emvezdeumaclaraautonomiadoprincípiodaeficiência faceaoprincípiodapro-porcionalidade,oquesedestacouéumaconfusãodaeficiênciacomaproporcional-idadeeatéumaabsorçãodaeficiênciapelaproporcionalidade–porexemplo,comoSuzanaTavaresdaSilvaobservou,nocontrolodasatividadesadministrativasdiscri-cionárias, o padrão da eficiência fica usualmente confundido com o segundo testedoprincípiodaproporcionalidade:otestedanecessidade,quereclamaaadoçãodamedidamenos onerosa para os direitos ou interesses afetados14; entretanto, FilipaUrbanoCalvão,depoisde terensaiadodistinguiraeficiênciadaproporcionalidadecombaseemque“o juízo de proporcionalidade (e de necessidade) assentaria em juízo de prognose sobre as consequências das medidas em comparação, enquanto o juízo de eficiência pressuporia o conhecimento efetivo das suas reais consequências”,acaboupornegarrelevânciapráticaaestecritériodedistinção,confessandoadificuldadedeencontrarumazonadeaplicaçãoautónomadoprincípiodaeficiênciaquenãosejaco-bertajápeloprincípiodaproporcionalidade–paraaautora,aindanaquelashipótesesemquenãosejamcobertaspelotestedanecessidade,éeventualmenteaplicávelo

ficace”.Cf.Pacteau,Bernard,“notesousT.A.deParis,6ªsect.,4novembre1976,Société des agrégats de Seine et Affluents;C.E.,sect.27mai1977,Société anonyme Victor Delforge et Compagnie, rec.253,nº98122-98123;Jurisclasseur Périodique (Semaine juridique), 1978,I,nº18778”,apud., Bousta,Rhita,Essai sur..., cit.,p.171.

13Tendoemcontaoobjetivoprincipaldopresentetrabalhoeassegurandoaconcisãodeste,ju-lgamosquenãosejaoportunoresolveraquiesteconjuntodeproblemas,deixandonóssóumamemóriaparafuturodesenvolvimento.

14Cf.Silva,SuzanaTavaresda,“Oprincípio(fundamental)daeficiência”,2009,p.4,disponível:https://drive.google.com/file/d/0B1fVyohqdCKzMjRlMTQxNzMtMmY4ZS00OTg4LTg0NTMtNjI-wNGY4YTc1ZjAz/view?ddrp=1&hl=en(omesmoartigofoipublicadoempapelnaRevista da Faculda-de de Direito da Universidade do Porto, n.º7,Porto,2010,p.519-544).

Page 14: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

LEONG, HONG CHENG

14

testedaproibiçãodoexcesso(proporcionalidadeemsentidoestrito)15;porenquan-to, João Loureiro, focando na dimensão procedimental do princípio da eficiência,tambémafirmouestaconfusãoconceitualentreeficiênciaeproporcionalidade16;re-centemente,PauloOtero,reduzindooprincípio(material)daboaadministraçãoaoprincípiodaeficiência edaeconomicidade, atédefendeexplicitamentequea aval-iaçãoda eficiência e da economicidadedas condutas administrativas se passa pelocrivodaproporcionalidade17.

Nãoobstante,mesmoquesejaminoritária,existeainda(ecadavezmais)vozdoutrináriaque,explicitaouimplicitamente,defendeaautonomiasubstancialdaefi-ciênciafaceàproporcionalidade.ExploraremosatesedeMiguelAssisRaimundoe a de RhitaBousta,que–semdúvidas,nãoesgotamtodasascontribuiçõesdoutrináriasvigentes–sãoposiçõesbematualizadasqueservemperfeitamenteparaumareflexãocríticamaisprofunda.

Para MiguelAssisRaimundo,aindaqueexistaumagrandeproximidadeentreaeficiênciaeaproporcionalidade(sobreposiçãoestaqueexistedefactoentretodosequaisquerprincípios)equepossaafirmarque“na eficiência, se tenha encontrado umadimensãoespecíficadaideiageraldeproporcionalidadeejustiça”,épossívelaindade-marcarumazonaaplicativaautónomaparaaeficiênciatendoemcontaasuaprópriaracionalidade.Istoé,paraoautor,aeficiênciaéumpadrãoespecialmentededicadoàavaliaçãodarazoabilidadedegestãoderecursospúblicos,tendo“especial incidência nas questões que se prendem com a prossecução do interesse público pela via contrat-ual ou através da colaboração com os particulares”–âmbitodeaplicaçãoestequeé,emprincípio,alheioàlógicadoprincípiodaproporcionalidade,que,especialmentenasuavertentedaproibiçãodoexcesso,cuidadosacrifícioimpostoaumaposiçãosubje-tiva,masnãodosacrifíciocolocadonosrecursos/fundospúblicos18.

Poroutrolado,RhitaBousta,queadotaumanoçãomuitoestritadaboaad-ministração,definindo-acomo“adaptation équilibrée des moyens”(queporissoco-incide,aindaquenãosejaperfeitamente,comanossaideiadeeficiência),erestringeaeficiênciaàumaracionalidadeestritaqueguiaautilizaçãodosmeiosfinanceiros19;tambémnãohesitaemautonomizarasuanoçãomuitoestritadaboaadministração(quenanossaótica,assimilabasicamenteàeficiência)daproporcionalidade,emboraconfessequeambososconceitospartilhem“asideiasdeadaptação(ouadequação)eponderação”.Entreosargumentosavançadospelaautora,omaisrelevanteparao

15 Cf. Calvão, FilipaUrbano, “Princípiodaeficiência”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, n.º7,Porto,2010,p.333-335.

16Parafraseando:“[o] abre-te Sésamo do controlo judicial da eficiência ou ineficiência das con-cretas configurações procedimentais a cargo da Administração chama-se agora princípio da proporcio-nalidade”.Cf.Loureiro,João,O Procedimento...,cit.,p.137.

17Cf.Otero,Paulo,Direito do Procedimento Administrativo I, Coimbra,2016,p.272-274.18Cf.Raimundo,MiguelAssis,“OsprincípiosnonovoCPAeoprincípiodaboaadministração,

emparticular”,in Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo (coord.CarlaAmadoGomes,AnaFernandaNevese TiagoSerrão),Lisboa,2015,p.175-180.

19 V. Bousta,Rhita,Essai sur..., cit., p.177-180.

Page 15: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE ...

15

nossoestudoé:segundoaobservaçãodaautora,aproporcionalidadeéumaraciona-lidadeconvocadaessencialmentenaproblemáticadelimitesdosdireitos(fundamen-tais)eédefinidanoterrenojurídiconegativamentepelaausênciadedesproporciona-lidade;enquantoa“boaadministração”nãosededicaaosproblemasdelimitesdosdireitosmasimplicaumaaçãopositivade“adaptation équilibrée des moyens”.Alémdisso,enquantonaproporcionalidadeseindagaaconcordânciaentreoobjetivoeaafetaçãodosdireitos;na“boaadministração”,oqueseinteresseéapertinênciadosvárioselementosqueconstituemosmeios20.

Estas são posições que têm ummérito incontestável no ensaio da autono-mização conceitual da eficiência. Todavia, não podemos subscrever-lhes irreflexiva-mente.Há,certospontosquejulgamosaindasereminsuficientesparaoefeito.

EspecialmenteemrelaçãoàposiçãodeMiguelAssisRaimundo,aindaquesejavirtuosaemsalientaradedicação(limitação)dogmáticadoprincípiodaproporcional-idadeàquestãodossacrifíciosdasposiçõessubjetivos;é,anossover,aindaredutoranadelimitaçãoda autonomia aplicativadoprincípio da eficiência – semdúvidas, oprincípiodaeficiência,emvirtudedasuaorigemeconómicaeempresarial,temumaespecialpertinêncianoproblemadegestãopúblicaeutilizaçãodos recursospúbli-cos21eéoTribunaldasContasopioneirojudiciárioque,partindodasuacompetênciadafiscalizaçãodaboagestãofinanceira, iniciouo recursoaoprincípiodaeficiênciacomopadrãodecontrolodasatividadespúblicas22,nãopodemosesgotarnestaáreaaaplicaçãodoprincípiodaeficiência,sobpenaderestringirindevidamenteaessêncianucleardesteprincípioaummerolimitedesacrifício,queacabaporaproximarcon-traditoriamenteaoprincípiodaproporcionalidade.

Nanossaperspetiva,parafugirefetivamenteaestaconfusãoembaraçosacomoprincípiodaproporcionalidade,comoRhitaBoustadefende,éimprescindívelqueo princípio da eficiência (rectius, “boa administração” em sentidomuito estrito naprópriatesedaautora)sejaentendidocomouma imposição com conteúdo positivo,enãocomoumoutro“limitedelimite”paraleloaoprincípiodaproporcionalidade.

Todavia,estaimposiçãocomconteúdopositivo,anossover,jánãodeveidenti-ficar-seàquelaqueRhitaBoustacompreendepor“adaptation équilibrée des moyens”.Paraalémdequeestacompreensãodaautoraéfinalisticamenteconstruídaemtornodabuscadeumnovoentendimentodaboaadministração,queémaisamploqueoprincípio da eficiência; julgamos que amera ideia de “adaptação equilibrada” seja

20Cf.ibidem, p.221-222.21Comosenota,noiníciodadiscussãodarelevânciajurídicadoprincípiodaeficiênciaemais

geral os valores de 3E s, a tónica se coloca especialmente na problemática de aproximaçãomútuaentreaAdministraçãoPúblicaeasempresasprivadasnamatériadegestãoeutilizaçãodosrecursossobretudofinanceiros.Vejamentreoutros,Gonzáles,EnriqueLópez,“Umaaprozimación...”,cit., ma-xime, p.68-75; Eichhorn,Peter,“¿QuépuedenaprenderrecíprocamentelasempresasprivadasylasAdministracionespúblicas?”, in Documentación Administrativa, Madrid,1989,n.º218-219,p.259-268;idem., “Elcontroldelresultadoemelgastodelosfondospúblicos”,in Documentación Administrativa, Madrid,1989,n.º218-219,p.419-434.

22 V. Silva,SuzanaTavaresda,“oprincípio...”,cit., p.21ss.

Page 16: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

LEONG, HONG CHENG

16

aindasobremaneira“tímida”,mormentequandoassociaraeficiênciaàprópriafilosofiadaboaadministração.Nanossaperspetiva,fielaopróprioconceitomaiselementardaeficiênciaenquantoumareclamaçãoàotimizaçãodosrecursosdisponíveis(ecomasuaadaptaçãoàrealidadejurídicavigente–enquantoumaotimizaçãodosmeiosteleologi-camenteorientadaparaalcançarumaotimizaçãodosresultadosdentrodafronteiradofimlegal),oconteúdopositivoimpostopeloprincípiodaeficiênciadeveapontarparauma“otimizaçãoequilibradadosmeiosedosresultados”,emvezdeumamera“adap-taçãoequilibrada”,emuitomenosumsimpleslimitedesacrifício23 24 25.

Com isto, julgamos que se consiga achar já aquela autonomia “perdida” doprincípiodaeficiênciafaceaoprincípiodaproporcionalidade,quetemumarelevânciapráticanãodespicienda:

Comefeito, logoqueoprincípiodaeficiência(rectius, este entendimento do princípiodaeficiência)fiquejuridicizadoesetornenumpadrãojusticiável(v.infra.),istorepresentaráumnovodomíniodocontrolo jurisdicionalsobreasatividadesad-ministrativas,aindaqueestecontrolosejaapenasumcontrolonegativo.Istoporque,o domínio aplicativo verdadeiramente autónomodoprincípio da eficiência é agoraconstituídoporaquelashipótesesemquenãoestamosperanteumacondutaadmin-istrativaqueimplicaumalimitação-sacrifíciodasposiçõessubjetivas(hipótesesestasquesãoreservadasnamaioriaparaocomandodoprincípiodaproporcionalidadeecertasdimensõesdoprincípiodaeficiênciaquenãosãonitidamenteautonomizáveis

23 Tambémpor forçadesta racionalidadenucleardeotimização,mesmoqueacrescenteumnovo teste da proibição de defeito ouproibição da proteção suficienteaoprincípiodaproporcionali-dade,aautonomiadoprincípiodaeficiênciaficaintacta.Istoporqueotestedaproibição de defeito,emborapareçaquejárepresentariaalgomaisdoqueummerolimitedesacrifício,nãoreclamanadamaisdoqueumasuficiente proteçãodosdireitosface a uma agressão.Aideiadeotimização,porisso,éalheiaaesteteste.Alémdisso,comoveremos,odomínioautónomoaplicativodoprincípiodaeficiêncianãopressupõeumaproteçãodosdireitosfaceaagressões,massimummelhoramentodostatu quo dasposiçõessubjetivas.

24Oentendimentodoprincípiodaeficiênciaenquantoumcomandodaotimizaçãoestá,ade-mais, em perfeita consonância com o atual aparecimento do princípio da eficiência como uma dasdimensõessubstanciais,comconfirmaçãolegislativa,doprincípiodaboaadministração(art.5.º/1doCPA).IstoporquecomoRogérioSoaresensina,aideiadaboaadministração,decorrentedoprincípiodaprossecuçãodosinteressespúblicos,nãoéumequivalenteaoconceitocivilde“bom pai de famí-lia”queapela aumhomemcommédia diligência. Pelo contrário, numEstadodeDireito emqueàAdministraçãoPúblicaéatribuídaopoder-deverdeprosseguirinteressespúblicossubstanciaiscomascompetênciasdelimitadaspelolegislador,areclamaçãoaumaboaadministraçãonãoéorequerimentodeumameraadministraçãomédia,massimumaótimaadministração,peloquenasprópriaspalavrasdesteinsignejurista:“... bom é sinónimo de ótimo, boa administração equivale a ótima administração”.Cf.Soares,Rogério,Interesse Público..., cit., p.189-190.

RestatomarumanotadequeanossaconvocaçãodestaimportantíssimacompreensãodeRo-gérioSoaresdaboaadministraçãoenquantoumaótimaadministração,porém,nãosignificaanossaadesãocompletaàdoutrinadosaudosomestreacercadodeverdaboaadministração.Adiscordânciaserádevidamenteabordadainfra.

25Porisso,julgamosquepadeçamdaincoerêncialógicaasdoutrinasquecomeçampordefiniraboaadministraçãocomoumaadministraçãoqueprossegueosinteressespúblicosdemelhor maneira possível,eligaroprincípiodaeficiênciaaoprincípiodaboaadministração;masacabamporconfundirouatéesgotaroprincípiodaeficiêncianoprincípiodaproporcionalidade,reduzindooprimeironummeroprincípiode“limitedesacrifício”.

Page 17: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE ...

17

faceaoprincípiodaproporcionalidade)26,massimperanteumaatividadeadministra-tivaqueserveparaaconcretizaçãodeumdeterminadointeressepúblicotípicoqueimplicaummelhoramentopuroesimplesdostatu quo decertasposiçõessubjetivas27.

Pensa-senoscasosdasdisponibilizaçõesporiniciativaoficiosadousopúblicodeumcertodomíniopúblico,nos casosda concretizaçãoex novo dosdireitos fun-damentaissociais,económicoseculturais,etc., emque,emprincípio,nãoimplicamlimitaçõesdasposiçõessubjetivasalheias,masumpuromelhoramentodasposiçõessubjetivasdosbeneficiáriosdoato.Aqui, não vejamosapossibilidadede invocaroprincípiodaproporcionalidade,rectius,otestedanecessidadeeotestedaproibiçãodoexcesso;eoqueoprincípiodaeficiênciamandaaquilatarnestescasosé:aore-alizarestesatos,aadministraçãopúblicajátemotimizadoosmeiosdisponíveisparaatingiromelhorresultadopossível28?

No fim, resta acrescentar uma nota de que esta autonomia do princípio daeficiência não significa uma total isolação deste do princípio da proporcionalidade.Sucintamentedito,emprimeirolugar,otestedaadequaçãoserácomumaoprincípiodaeficiênciaeaoprincípiodaproporcionalidade,umavezquecomoserecorda,aefi-ciência,adaptadaàrealidadejurídicavigente,representaumaotimizaçãodosmeiosedosresultadossempre dentro do fim legal.Portanto,paraquepossamosquestion-araeficiênciadeumacondutaadministrativa,ab initio, devemosestarperanteumacondutaadequadaàprossecuçãodointeressepúblicotípico(ofimlegal).Emsegundolugar,tendoemcontaanovacorrentedoentendimentodoprincípiodaproporcionali-dade,queadvogaumsub-princípiodaponderaçãoedobalanceamento29,nãopodem-os ignorarqueaeficiência,adaptadaagoraàprópria intencionalidadedoDireito(v.

26Destarte,sequiseraindarelacionaroprincípiodaproporcionalidade(sobretudootestedanecessidade)comosvaloresde3Es,julgamosquesejamaispertinente,comoOttavioGrassodefende,associaroprincípiodaproporcionalidadeaoprincípiodaeconomicidadequereclamaumaatuaçãocommenoscustos.Citandodoautor:“...il principio di economicità conferisce nuova linfa al canone della pro-porzionalità, atteso che, sebbene sotto un profilo più squisitamente economico, richiede che i costi della gestione non siano mai in misura superiore a quelli necessari al perseguimento delle finalità pubbliche”.V. Grasso,Ottavio,“Iprincipigeneralidell’attivitàamministrativa”,2010,p.11,disponível:http://www.giappichelli.it/stralci/3489772.pdf.Omesmoartigoficapublicadoin Il Procedimento Amministrativo (a cura di Michele Corradino),Torino,2010,p.1ss..

27Comestanovaseparaçãodeágua,ensaiámosentãoafastar,pelo menos parcialmente,ahesi-taçãodosautorescomoArosodeAlmeida,que,definindoaeficiênciacomo“a otimização na utilização dos recursos e, portanto, a adoção da melhora solução, a solução ótima para a prossecução de cada fim visado”,acabouporsubscreveremgeralàdoutrinaqueadvogaafaltadaautonomiadoprincípiodaeficiênciafaceaoprincípiodaproporcionalidade(sobretudonomomentodocontrolojurisdicional).V.Almeida,Arosode,Teoria Geral do Direito Administrativo. O Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo, Coimbra,2015,p.55-63enota73.

28Acrescentamosumapequenanota:estejuízonãoimplicaaidentificaçãodoconteúdocon-cretoeprecisodaquelemeioeresultadoótimo.Trata-sedeumanotarelevantenadelimitaçãodajusti-ciabilidade(oumelhor,oâmbitojusticiável)doprincípiodaeficiência–queserádiscutidomaisafrente.

29Maissobreosnovosentendimentosdoprincípiodaproporcionalidade,veja,Silva,SuzanaTavaresda,“Otetralemmadocontrolojudicialdaproporcionalidadenocontextodauniversalizaçãodoprincípio:adequação,necessidade,ponderaçãoerazoabilidade”,in BFD, Coimbra,2012,TomoII,p.639ss.,eavastabibliografiaalireferenciada.Oartigoestádisponíveltambémem:https://estudogeral.sib.uc.pt/jspui/handle/10316/23213.

Page 18: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

LEONG, HONG CHENG

18

infra),partilhacomaproporcionalidadeumaideiageralde“ponderaçãoequilibrada”30. Afinal,queraproporcionalidadequeraeficiência,enquantomembrosdoblocodajurid-icidade(v.infra),temdeinteriorizaraintencionalidadeaxiológico-normativadoDireito,eporisso,acarretaconvergentementearacionalidadedeequilíbrio.Sóquecomoas-sinalámos,paraaproporcionalidade,oacentodeequilíbrioécunhadoporumsentidonegativo;enquantoparaaeficiência,estepossuiumsentidoessencialmentepositivo.

2.3. Adaptação do conceito da eficiência à intencionalidade axiológica-nor-mativa da juridicidade

Aoexploraresteproblemadaadaptação,quesesublimeàproblematizaçãomaisnuclearda juridicidadedoprincípiodaeficiência;énormalatestar,antesdomais,quecomavigênciadonovoCPA,oprincípiodaeficiênciapassaaserumprincípiocomfontelegal31,enquantoumsub-princípiodoprincípiodaboaadministração (art.5.ºdoCPA),

30Comoserepara,notaestaqueficadefactojásalientadaporRhitaBoustaaoexplorarospontosdecontactodasuanoçãodaboaadministraçãocomaproporcionalidade.V.Bousta,Rhita,Essai sur..., cit., p.221.

31Oproblemadafontejurídico-formaldoprincípiodaeficiência,defacto,envolveumagrandediscussãosobretudonotocanteàsupra-legalidadedesteprincípio.Adiscussãoconcentra-se,emgeral,nainterpretaçãodoart.41.ºdaCartadosDireitosFundamentaisdaUniãoEuropeia(CDFUE)eoCódigodaBoaCondutaAdministrativa,ambospossuindoagoraforçavinculativa.

Eadificuldadesurgedadoqueemambososdiplomas,aindaqueestejaconsagradooprincípiodaboaadministração,aconcretizaçãodesteprincípioserestringe“defeituosamente”àenunciaçãosódosváriosprincípiosjurídicostradicionaisedireitosfundamentaisdosadministradosqueficaramjáas-seguradosedifundidosentreosEstados-membros.Istotornouoscitadosdiplomasnumameracompi-laçãodosprincípiosjurídicoscujavigênciajáninguémduvida,efrustrouassimoespíritorevolucionárioqueprecedeàelaboraçãodestesdiplomas.

Emvirtudedestaredaçãoinfelizdoscitadosdiplomas,oprincípiodaeficiênciatorna-senum“vítima”–cujaimportânciafoidestacadanomomentodainiciativadestesmovimentosdecodificação(queévisívelaténoprefácioredigidoporNeilKinnocknoCódigodaBoaCondutaAdministrativa,emqueseescreveclaramenteque“[o] Livro Branco sobre a Reforma Administrativa que foi adotado pela Comissão em 1 de Março de 2000 salientou os princípios fundamentais que devem reger uma admi-nistração pública europeia orientada para o serviço e centrada na independência, responsabilidade, eficiência e transparência” (sublinhado nosso)),mas acaba por ser “esquecido” (ou expulsado?) doconteúdofinaldestesdiplomas.

Daí,surgemproblemasdifíceisde“comodevemosencararesteconceitoestritamentejurídicodaboaadministração?”,e“seaindaépossívelconsideraraeficiênciaenquantoumadimensãosubstan-cialdoprincípiodaboaadministraçãoconsagradonestesdiplomas?”.

Paranós, embora seja indubitável queesta conceçãoestritamente jurídicadaboaadminis-traçãoédemasiadoredutoraeesvaziaumaboapartedaimportânciadestemagno-conceitonaregu-laçãodasatividadesadministrativas;trata-sedeuma“lacunaquerida”peloprópriolegislador,quede-sistiudeliberadamenteda“ambição”deatribuiçãodaforçajurídico-vinculativaaosprincípiosdaorigemmetajurídicacujoreconhecimentodajuridicidadesofreaindadeumanãodespiciendaresistência,paraassimfacilitarareceçãoeaaplicaçãodestesdiplomasnosEstados-membros.

Umavezquesetrata,anossover,deuma“lacunaquerida”pelolegislador,nãoépossívelin-tegração.Edaí,subscrevemosàdoutrinaquenegaaoprincípiodaeficiênciaumafontesupranacionalcombasenosdiplomasemapreço.Todavia,é importante salientarquecom isto,nãopretendemosdefenderaquiumprincípiodaestritatipicidadedosprincípiosedireitosconsagradosnestesdiplomas.Oqueadvogamosaquiéumrespeitopelaintençãoeopçãolegislativasválidaseconscientes.

Nosentidocontrário,Raimundo,MiguelAssis,“Osprincípios...”cit.,p.167ss.

Page 19: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE ...

19

quecondicionaoconteúdodequaisquercondutasadministrativas,paraalémdeterforçavinculativanaconformaçãodaorganizaçãoeprocedimentodaAdministraçãoPública32.

Ora,defacto,aconsagraçãolegaldoprincípiodaeficiência(enquantoumadi-mensãodoprincípiodaboaadministração),élongedeserumapanaceiapararesolveroproblemadajuridicidade33doprincípio.BastaolharparaaordemjurídicaitalianaemqueficaconsagradooprincípiodobomandamentodaAdministraçãoPública34(den-trodoqualasdoutrinaspacificamentedestacamadimensãodaeficiência)aonívelconstitucional(art.97.ºdaConstituiçãoItaliana);mesmoali,comoobservaMarioR.Spasiano,“o princípio do bom andamento foi banido por longo tempo ao campo da metajuridiciadade quer por parte doutrinal quer por parte jurisprudencial (em partic-ular, a constitucional)”35.

Destarte,parapoderafirmarajuridicidadedoprincípiodaeficiência,équaseinútilatestarsimplesmenteasuaconsagraçãolegal.LouvandonósnovamenteemMa-rioR. Spasiano,paraqueoprincípiodaeficiência sepossadesligarda suaorigemeconomistaeempresarialedaíseintegrenomundodajuridicidade,éimprescindível

Maissobreascríticascontraoaludidoconceitoestritamente jurídicodaboaadministração,veja,Almeida,Arosode,“OProvedordeJustiçacomogarantedaboaadministração”, in O Provedor de Justiça – Estudos – Volume Comemorativo do 30º Aniversário da Instituição,Lisboa,2005,p.14ss.

Maisespecialmentesobreosproblemasdoart.41.ºdaCDFUE,consulte,entreoutros,Bousta,Rhita,Essai sur..., cit., p.281-287; idem, “Whosaidthatthere isa“righttogoodadministration”?Acriticalanalysisofarticle41oftheCharterofFundamentalRightsoftheEuropeanUnion”, in European Public Law, Volume 19, Issue 3, Londres,2013,p.481-488.

32 Por enquanto, não se deve ignorar que 1) no antigo CPA emque não havia consagraçãodoprincípiodaboaadministração, foi jáconsagradoexpressamenteoprincípiodaeficiêncianasuadimensãoorganizativaeprocedimental (art.10.ºdoantigoCPAemconformeoart.267.º/1daCon-stituição);eque2) comoGomesCanotilhoe VitalMoreiraassinalam,“[o] facto de a Constituição estabelecer princípios de organização administrativa mostra a importância jurídico-constitucional dos «factos organizatórios» no Estado democrático-constitucional, e o relevo das normas de organização, quer no plano das relações internas dos órgãos e serviços, quer no plano das relações externas, isto é, nas relações intersubjectivas. A positivação constitucional de alguns princípios organizatórios pressupõe a ideia da influência ou conexão da organização administrativa sobre o conteúdo das decisões adminis-trativas”.Cf.Canotilho,Gomes/Moreira,Vital,Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, Coimbra,2014,anotaçãoaoart.267.º,p.806.

33Emuitomenosajusticiabilidade.MasvamosconcentrarnestapartesónaproblematizaçãodajuridicidadedoprincípioenaadaptaçãodoconceitodaeficiênciaàintencionalidadeaxiológicadoDireito.Oproblemaacercadajusticiabilidadeseráexploradamaisafrentenotocanteaoproblemadarelaçãoentreaviolaçãodoprincípiodaeficiênciaeailicitudeobjetivadaresponsabilidadecivilextra-contratualdoEstado-Administração.

Apesardaestritainterligaçãoentreajusticiabildadeeajuridicidade,preferimostratá-lassep-aradamente,evidenciandoassimaideiaessencialdequeajuridicidadedeuminstitutonãopodeserpredicadapelasuaeventualjusticiabilidade.

34Nota-sequeoprincípiodobomandamento,nemparatodos,éamesmacoisadoprincípiodaboaadministração.Háporexemplodoutrinaqueadvogaqueoprincípiodobomandamentoéumsub-princípiodaboaadministração,situandoaoladodosub-princípiodaimparcialidade.

35 Spasiano,MarioR., “Il principio di buon andamento: dalmetagiuridico alla logica del ri-sultato in senso giuridico”, 2011, p.2 (disponível: http://www.ius-publicum.com/repository/up-loads/11_07_2011_11_48_Spasiano_IT.pdf).

Omesmoartigofoipublicadoin Studi Sui Principi del Diritto amministrativo (a cura di Mauro Renna e Fabio Saitta),Milano,2012,p.117ss..

Page 20: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

LEONG, HONG CHENG

20

que se efetue uma “individualização do específico sentido axiológico do critério da eficiência”36. E precisamos: individualização esta que deve ser realizada medianteumaconsideraçãoquetememcontaaprópriaintencionalidadeaxiológica-normativada juridicidade e interioriza o papel da função administrativa no Estado de Direitodemocráticocontemporâneo.

Ora,oqueficouditosignificaque–aderindonósàtesedeCastanheiraNeves–paraquesejalegítimoarguirajuridicidadedeumprincípio,énecessárioqueesteprincípioemapreçoseapareçasimultaneamentecomoumprincípiode direitoeumprincípiodo direito37.

Numapalavramuitosumariada38,paraqueumprincípiosepossaafirmarcomoumprincípiode direito,é indispensávelqueelemanifesteumaconsonância comoúltimosentidododireito (que,sucintamenteexplicando,seancoranapessoalidadeenaintersubjetividade:querdizer,depoisdasuperaçãodopositivismonormativistaeoassociadoindividualismo,paraanormatividadejurídicavigente,oserhumanojánãoaparececomoum“indivíduo”quecuidadesipróprioetendeaconsiderarore-speitoearesponsabilidadepelosdemaiscomoumobstáculoàrealizaçãodapróprialiberdade(aideiadaliberdadenegativa),negandoqueacomunidade–o“diálogoéti-co-práticocomosoutros”–éumacondiçãodeexistênciadapessoa”39;pelocontrário,oserhumanoemerge-seagoracomoverdadeira“pessoa”,queé“a expressão de um reconhecimento ético na relação intersubjetiva”40 em que, pela imposição ética-so-cialdomútuo respeito,aesferada responsabilidadese transformanumcontinnum axiológicodaprópriaesferadaliberdade);equeseconsegueresolverumproblemajuridicamente relevante (queno fundo, sãoproblemasque reclamaumtratamentojusto(ajustiça)nasrelaçõesintersubjetivas,quecarecedeumaasseguraçãoeeventu-alreintegraçãodaspessoalidadesenvolvidas).Porisso,paraquesejaumprincípiode

36 Ibidem, p.13.Nosentidopróximo,Moniz,AnaRaquel,A Recusa..., cit.,p.661ss..,paraquemaintervenção

daeficiência enquantoumprincípioorientadorna atividadedaAdministraçãoPúblicanãopodear-rastar uma racionalidade tecnocrata,mas deve assumir um sentido substancial ematerial. Todavia,aAutoraparecemantémduvidosaenquantoà juridicidadeprópriadaeficiência, apesardeelegê-lacomoumprincípiovinculativodasdecisõesadministrativas–quesemanifestasobretudoapartirdomomentoemqueaAutora trataaeficiêncianumcapítuloautónomoda juridicidade.Deva tambémprestaratençãoaqueoconceitodeeficiênciaadotadopelaAutoranasuaproblematização(dedicadaàrecusadaaplicaçãodosregulamentosadministrativospelosórgãosadministrativoscomfundamentoeminvalidade)émuitomaisamplodoqueaquelequedefendemos.

37Cf.Neves,Castanheira,Sumário de uma Lição Síntese sobre “Os Princípios Jurídicos como Dimensão Normativa do Direito Positivo” (a Superação do Positivismo Normativista),Coimbra,1976,policopiado,p.7-8; idem,Curso de Introdução ao Estudo do Direito (extractos),Coimbra,1971-1972,policopiado,p.124-130.

38 Por isso, para complementar a simplicidade do que apresentaremos acerca deste tópicojurídico-filosófico,solicitamosaleitura,paraalémdascitadasobrasdoinsignemestreCastanheiraNe-ves,deBronze,Pinto,Lições de Introdução ao Direito, Coimbra,2010,maxime 13ª-15ªLição;Linhares,Aroso,Sumário Desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito 2008-2009,Coimbra,policopiado,p.86ss.maxime p.104-105.

39Cf.Bronze,Pinto,Lições..., cit., p.498-499.40 Ibidem, p.496.

Page 21: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE ...

21

direito,énecessárioevitaraautocontençãoindividualistaeinteriorizarestafilosofiademútuo respeito intersubjetivo – que numa linha geral, aponta inequivocamenteparaumafilosofia de equilíbrio.

Jáem relaçãoao segundo requisito,para serumprincípiodo direito,épreci-soqueestamosperanteumprincípiocujavigência(validadeeeficácia)sejaassimiladapraticamente pela comunidade. Na avaliação desta assimilação da vigência, a codifi-caçãodoprincípioemapreçopossuisemdúvidasumvalornãodespiciendo.Contudo,devemossempreevitardeabsolutizarestevalorparanãocairnojásuperadolegalismo.

Então,oprincípiodaeficiênciaéumprincípiode direitoeumprincípiodo direito?Emrelaçãoàsuaqualificaçãoenquantoumprincípiodo direito,acreditamos

queadúvida émenor. Emprimeiro lugar, ninguémquestionaquea sua vigência éefetivamenteassimiladapelacomunidadenaáreaempresarial(inclusivejurídico-em-presarial).Depois, especialmentenoâmbitodasatividadesadministrativas, apartirdomomentodaimplementaçãodeumEstadodebem-estar,eatéagora,oadventodoEstadoRegulador-Garantidor;comoensinaPauloOtero,naprópriaConstituiçãoestáinteriorizadoumdeverimplícitodeeficiênciaquerparaolegisladorquerparaaAdministraçãonosentidodeosdecisoresdeverem“procurar as medidas mais ade-quadas e escolher sempre as melhores soluções tendentes à realização do modelo de bem-estar”41.Deslocandodesteplanojurídico-constitucionalparaoplanopolítico-so-cial,mesmoqueomodelodoEstadodebem-estarfiquerelativizado,senãosubsti-tuído, pela chegada domodelo do Estado Regulador; namentalidade dos próprioscidadãos-administrados(queéinfluenciadalargamentepelaideologiaempresarial),asua“cidadaniaadministrativa”éaindacunhadaporumcertovestígiodeclientelismoqueexigesempreumamaximizaçãodaqualidadedosserviçospúblicos(emaisger-alainda,todasascondutasadministrativas).Alémdomais,considerandotambémapromoçãosucessivaaníveleuropeiadomovimentedeBetter Regulationqueadvogaumamaiorconsideraçãodaeficiêncianaescolhaenaimplementaçãodasestratégiasregulatórias, com o recurso ao instrumento da pré-avaliação de impactos e o con-hecidocost-benefit analysis42; julgamosquenãofaltamosargumentosparaafirmaraassimilaçãodavigênciadoprincípiodaeficiênciapelacomunidadenaresoluçãodosproblemasjurídicos,inclusiveproblemasdodireitoadministrativo.Destarte,nãohesi-tamosemconsideraroprincípiodaeficiênciacomoumprincípiodo direito(comumaespecialrelevâncianonovodireitoadministrativo43).

Jáemrelaçãoàqualificaçãodoprincípiodaeficiênciaenquantoumprincípiode direito,asdiscussõessãomuitomaisardentes.Amaiorforçadenegaçãodajuridici-dadeaoprincípiodaeficiênciavemseguramentedacorrenteconservadoraquetende

41Cf.Otero,Paulo,O Poder de Substituição em Direito Administrativo. Enquadramento dogmá-tico-Constitucional, Volume II, Lisboa,1995,p.638.

42MaissobreaBetter Regulation,consulte,Baldwin,Robert/Cave,Martin/Lodge,Martin,Understanding Regulation...,cit.,p.315-337eavastabibliografiaaliindicada.

43Numsentidopróximo,masmedianteumpercurso jurídico-político-fenomenológicoenãojurídico-filosófico,apelandoaofenómenoda“americanizaçãododireitoadministrativoeuropeu”:Sil-va,SuzanaTavaresda,Um Novo Direito Administrativo?, Coimbra,2010,p.35-37.

Page 22: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

LEONG, HONG CHENG

22

a“negar relevância a todos aqueles conceitos não imediatamente incluído no grupo mais tradicional de cânones de direção das atividades administrativas, entendidas no seu sentido legalístico-formal”44.EstatendênciaépatenteadaevidentementenatesedosaudosoSenhorDoutorRogérioSoares(1955),paraquem,aAdministração,nocumprimentodoseudeverdeadequaçãosubstancialdosmeiosaosinteressespúbli-cos substanciaisdocaso,está remetidapelo legisladorpara“normasnão jurídicas”quelheorientamnaescolhadamelhormedida.Todavia,estaremissãoparaasnormasnão jurídicas (que,acreditamos, incluemindubitavelmenteoprincípiodaeficiência,umavezqueparaoautor,oaludidodeverdeadequaçãosubstancialécunhadoporumclaromatrizdeotimização), segundoo insigne jurista,não representaqualquer“reenvio receptício” que integraria as normas não jurídicas no sistemadas normasjurídicas;pelocontrário, trata-seaquisódeumfenómenocompostoporuma lado,pelatécnicade“reenvioformal”,emque,anormanãojurídicaéconsideradanasua“normatividadeautónoma”ecomo talqueoordenamentojurídicolhesemprestacer-taeficácia(capacidadededesencadearconsequênciasjurídicas,sobretudoemfunda-mentarachamada“invalidade por vícios de mérito”);eporoutrolado,pelatécnicadereconhecimentode“relevo de mero facto”ataisnormasnãojurídicas45.

Mesmohojeemdia,não faltam juristasquedefendemqueosprincípiosdaorigemmeta-jurídicanãointegramounãodeveriamintegrarnoblocodajuridicidade;pelomais,sópodemaparecercomoumaespéciedesoft law46.

Ora, nanossaperspetiva, esta resistência só sepode justificar peranteumconceitoestritamenteeconomistadaeficiência,que,orientandoaAdministraçãoarealizarumaavaliaçãodanaturezautilitarista,podeacabarporprejudicarosdireit-osfundamentaisdoscidadãos-administradoscujaproteçãojurídicanuncapodesersubmetidaàcondiçãodasuarentabilidadeconcreta.Alémdisso,esteconceitopur-amenteutilitaristadaeficiênciaéincompatívelcomafunçãojurídico-constitucionaldaAdministraçãodapromoçãodobem-estarsocial,jáquesenãoforabsolutamenteimpossível,émuitasvezesdifícilavaliarobem-estarsocialemvalorpecuniário,quepodelevaràsuaomissãoousubvalorizaçãonumadecisãoestritamentecontabilísti-co-económica.

Todavia,nãopodemosignorarqueaeficiênciaéumconceitoaberto,maleáveledotada capacidadedeadaptaràs ciênciasqueo convocam.Entretanto,aordemjurídicatambéméumanormatividadeaberta,nãoauto-suficienteedinâmica,àqual

44Cf.MariaR.Spasiano,“Ilprincipio...”, cit., p.2.45 V. Soares,Rogério,Interesse Público..., cit., p.179-205.Especialmentesobreafigurade“in-

validadeporvíciosdemérito”,consulte,ibidem, p.331ss..46Vejapor exemplo aposiçãode JorgePereirada Silva, que, opondoà atual consagração

legislativadoprincípiodaeficiênciaentreosprincípiosjurídicosdasatividadesadministrativas,prefereconsideraroprincípiodaboaadministração (epor isso tambémosub-princípiodaeficiência) como“princípiosretóricos”,que,“para a Administração... são “wishfulthinking”, ou na melhor das hipóteses “softlaw”, cuja aplicação efetiva está sujeita às enormes dificuldades prática da sua ação, à escassez de recursos humanos e matérias em que se debate e, naturalmente, às diretrizes políticas vindas de cima”. Cf.Silva,JorgePereirade,“ÂmbitodeaplicaçãoeprincípiosgeraisnoprojetoderevisãodoCPA”,in Projeto de Revisão do Código do Procedimento Administrativo (Colóquio),Lisboa,2013,p.66-67.

Page 23: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE ...

23

estásubjacentesempreadialéticadesuperação/(re-)constituição.Porisso,nadaobstaaqueoconceitodaeficiênciapodedestacardasuaorigem

economista-utilitarista,paraadaptaràintencionalidadeaxiológicadodireito,integran-doajusantenoblocodajuridicidade,enriquecendo-o.Eareflexãosobreapossibili-dadedestaadaptaçãotorna-seaindamaisprementefaceàreiteradaconsagraçãoin-ovatóriadoprincípiodaeficiência(enquantoumsub-princípiodaboaadministração)noart.5.º/1donovoCPA–oeventualsucessonaadaptaçãodaráindubitavelmenteumamaioroperacionalidadeefetivaefuncionalidadeaestanorma,eaomesmotem-posalvaguardaráacoerêncianormativa-sistemáticadoCapítuloIIdonovoCPA.

Ora,ao realizarestaadaptação, tendoemcontaa intencionalidadeaxiológi-cadoDireitoquereclamaumafilosofiadeequilíbrionosentidodomútuorespeitonasrelaçõesintersubjetivas,oprimeiropassodeveconsistir-se,comoMarioR.Spa-siono ensina, em expulsar do conceito da eficiência a lógica de “alcançar os (mel-hores)resultadosatodososcustosnodesempenhodafunçãoadministrativa”47,edonoutroextremo,a lógicade“satisfaçãonecessáriadequaisquer requerimentosdoscidadãos”48 49.Numsegundopasso,paraqueaeficiênciapossaserharmonizávelcoma pluridimensionalidade dos valores vigentes no bloco da juridicidade, omomentodaavaliação,agoraentendidacomoponderaçãoteleonomológica,nãodeveabrangerunilateralmenteosvaloresnumismáticos;muitopelocontrário,deveabarcartodososvalorescomdignidadejurídica.Numterceiropasso,exaltandoaracionalidadeprópriadeequilíbrio,estaponderação(paraoefeitodaotimização)noseiodaeficiêncianuncadevelevaràabsolutizaçãodequaisquervalores.Finalmente,focalizandonomomentodarealizaçãodanormatividadejurídicaemconcreto,oprincípiodaeficiênciajuridi-cizadotemdeatendersempreà relevânciaproblemáticadocasu decidendo,nuncapodendoapresentar-secomoumconjuntodasfórmulasmatemáticaspredicadasparaumaaplicaçãotecnocrata.

Depoisdestespassosdeadaptação, julgamosqueoprincípiodaeficiência jálargouoseudestinometa-jurídico,integrando-senoblocodajuridicidadeeemergin-do-secomoumverdadeiroprincípiode direito50.Poroutrolado,comoconsequênciadadialética,a legalidadeadministrativa,agoranosentidomaterial, tambémsaien-riquecida, superando assim o tradicionalmente argumentado paradoxo entre a efi-ciênciaealegalidade51.

47Ouseja,arelevânciadoresultado(emeio)reclamadopeloprincípiodaeficiêncianuncapodelevaraumaabsolutizaçãodoparadigmacontemporâneoda“Administraçãodosresultados”,sobpenadecolidircomaintencionalidadeaxiológicadajuridicidade.

Sobrearelevânciado“juízodeprognosedoresultado”nasdecisõesadministrativaseavigên-ciadaracionalidadesinepeicanoexercíciodafunçãoadministração,leia,Moniz,AnaRaquel,A Recu-sa..., cit., p.340-350.

48 V. Spasiano,MarioR.,“Ilprincipo...,”cit., p.28.49Nomesmosentido,chamandoatençãoparanãoreduziraideiadaboaadministraçãoàmera

“satisfaçãounilateraldosadministrados”:Bousta,Rhita,Essai sur..., cit., maxime, p.202-206.50Edaí,nãovejamosqualquerrazãoparadescriminarajuridicidadedoprincípiodaeficiência

(juridicizado)faceaosoutrosprincípiosjurídicostradicionais,maximeoprincípiodaproporcionalidade.51Nomesmosentido:Silva,SuzanaTavaresda,“oprincípio...”,cit.,p.15ss.ep.28;Bousta,

Page 24: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

LEONG, HONG CHENG

24

3. A violação do princípio da eficiência e a ilicitude na responsabili-dade civil extracontratual do Estado-Administração

Partindodestenovoentendimentodoprincípiodaeficiênciaenquantoumpa-drão jurídicodaavaliaçãodoconteúdo materialdascondutasadministrativas,queseconsubstancia numa exigência daotimização equilibrada dos meios e dos resultados das atividades administrativas orientada pelo fim legal;entreoutrasproblemáticasnãomenosrelevantes,édo interessefundamentaldapresente indagaçãoestudaronovorelacionamentoentreaviolaçãodoprincípiodaeficiênciaeailicitudecivilextracontrat-ualnaresponsabilidadedoEstado-Administração,eainfluênciaqueajuridicização(eaeventual“justiciabilização”52)doprincípiodaeficiênciadeveexercersobreaconfigu-raçãoglobaldasmodalidadesdailicitudecivilextracontratualdoEstado-Administração.

Sobocomandodestafinalidade indagatória,vamos investigaremprimeiroarelação intrínsecaentreoprincípiodaeficiênciaea teleonomologiadaresponsabi-lidadecivilextracontratualdoEstado-Administração(3.1.).Depois,entraremosnumtópicomais específico sobre o papel doprincípio da eficiência na ilicitudeobjetiva(3.2.),complementadoporumestudosobreopapeldoprincípiodaeficiêncianailic-itudesubjetiva(3.3.).

3.1 O princípio da eficiência e a teleonomologia da responsabilidade civil extracontratual do Estado-Administração (brevíssimas reflexões)

Comosabemos,nomundojurídico,aresponsabilidadecivilextracontratualéuminstitutodaorigemdodireitocivil–temosumlargoperíododetempoduranteoqualoEstadonãoeraresponsávelpelososseusatos.Porisso,muitasvezesquandoestudarmososproblemasdaresponsabilidadecivildoEstado,équaseimprescindívelrevistar as experiências adquiridas nodireito civil,mesmoque comoVieiradeAn-dradetenhadevidamentealertado,“os quadros conceituais da responsabilidade civil de direito privado não se mostram bastantes ou adequados para a compreensão da re-sponsabilidade do Estado em toda a sua sofisticação atual, tornando-se indispensável a construção de um instituto ou de uma conceçãoespecífica...”53.

Rhita,Essai sur..., cit., p.349ss.;Spasiano,MarioR.,“Ilprincipio...”,cit., p.25ss.,salientandoquecomesteenriquecimentodalegalidade–esta“...importanza assegnata dall´ordinamento al risultato ammi-nistrativo e la sussunzione nell´ambito della legalità”–aantigarelaçãonorma-atonodesenvolvimentodasatividadesadministrativaséestendidaàumarelaçãodenorma-ato-resultado.

52 Entre aspas porque a palavra “justiciabilização” não é consagrada emnenhumdicionárioportuguês,neméutilizadana literatura jurídicaportuguesa.Criamos,ambiciosamente,estapalavraemvirtudedaeventualconveniência(pelomenosparaapresenteindagação)deexistirumsubstantivoparadesignareexprimirofenómenocadavezmaiscorrentede“tornarjusticiávelalgoquenãoera”.

53 Cf. Andrade, Vieirade, “A responsabilidade indemnizatória dos poderes públicos em3D:Estadodedireito,EstadofiscaleEstadosocial”,RLJ, n.º3969,Coimbra,2011,p.345.

Page 25: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE ...

25

Estametodologiaaplica-secabalmenteemrelaçãoaoestudodateleonomo-logia da responsabilidade civil extracontratual do Estado-Administração. Ensaiamosentão compreender a teleonomologia da responsabilidade civil extracontratual doEstado-Administração,medianteumareflexãocríticasobreasaquisiçõesdogmáticascorrespondentesnodireitocivil:

Muitosucintamenterelatando,deacordocomMafaldaMirandaBarbosa,a te-leonomologiada responsabilidade (puramenteprivatística) refere-seàatualização da liberdade ligada à pessoalidade do próprio ser humano–oarrimoético-axiológicodaju-ridicidade.Ora,comovimos,essaconceçãodeserhumanoenquanto“pessoaconviven-docomoutros”–emvezdeindivíduoatomizante–acarreiaafilosofiadequeanossaliberdadenãodeveserentendidanegativamentenosentidodeafastamentodeoutros,perspetivandoaresponsabilidadecomoumarestriçãodaliberdade;pelocontrário,deveserentendidapositivamente,compreendendoqueanossaautodeterminaçãopressupõesempreumrespeitodaessênciadapessoalidadedosdemais,edaíaresponsabilidadeéum“correlatoaxiológiconatural”eatéumprolongamentodaliberdade54.

Semdúvidas, sendoa juridicidadeancoradanapessoalidade,a responsabili-dadecivildoEstado-Administraçãotambémnãosepodeabdicardestevalorético-ax-iológico.Contudo,averdadeéqueapessoalidade,entendidanodireitocivilnofor-mato de Liberdade versus Responsabilidade,nãocorrespondeexatamenteaoestatutodaAdministração55.

Concretizando,a ideiadaliberdadedosparticularestemumafisionomiadifer-entedaideiadaliberdadedaAdministração–aliberdadedosparticularesécongénitaàprópriapersonalidadeontológicaeporissoocontrolododireitovemsóa posteriori. De-starte,mesmoqueseajadesconformeodireito,está-seaindaperanteumexercíciode-staliberdade–masclaro,estamaneiradeexercíciovaiatualizarocorrelato-responsab-ilidade,queéperspetivada“a jusante... na imposição de uma obrigação ressarcitória”56 comoumfenómenojurídicodareintegraçãodavioladapessoalidadedolesado.

Pelo contrário, no caso do Estado-Administração, a “liberdade” não é con-génita,massim,nonossosistemapolítico-constitucional,concedidaderivadamenteatravésdomecanismodemocrático.Esendoderivadada“confiança”doverdadeirodonodesoberania–opovo(art.3.º/1,CRP),faceanossaConstituição,éjurídico-po-liticamenteabsurdoafirmarqueestaliberdadeéumarbítrio“ontológico”queenglobaahipótesedeagirdesconformeodireito,sobpenadeesvaziarosentidodasoberaniapopular eoprincípiodoEstadodeDireito.Portanto,estaideiadaliberdadedoEsta-

54Estaideiaestáarreigadaemtodasasobrasdaautora.Aprimeirainfluênciaexplícitadestepensamentonasindagaçõesdaautorasobreostemasderesponsabilidadepodedatar-sea,Barbosa,MafaldaMiranda, Liberdade vs. Responsabilidade, A Precaução como Fundamento da Imputação De-litual?, Coimbra,2006,p.169-177.

55Nemaoestatutodoscidadãos-administradosdeumEstadodeDireitodemocráticodelimit-adopelaConstituiçãovigente..icapassivaindependenteequeodeverdaboaadministraçsoentendi-mentoemrelaçosparticularess

56Cf.Barbosa,MafaldaMiranda,Responsabilidade Civil Extracontratual, Novas Perspertivas em Matéria de Nexo de Causalidade,Cascais,2014,p.25.

Page 26: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

LEONG, HONG CHENG

26

do-Administraçãodeveserentendidacomo“legitimidade”e“competência jurídica”cujaamplitudeestá,ab initio,delimitadapeloprincípiodaprossecuçãodosinteressespúblicoseoprincípiodasubordinaçãodoEstadoàConstituição57.Porisso,aConstitu-ição,aoromperodogmade“the king can do no wrong”atravésdaconsagraçãodoseuart.22.º,tambémnãoaceitaafilosofiade“the king can freely do wrong”.Destarte,oqueseentendepor“Liberdade versus Responsabilidade”deveapresentaragoracomo“Legitimidade-Competência versus Responsabilidade”58.

Agora,numaconsideraçãomuitosucinta,emrelaçãoàlegitimidadedaAdmin-istraçãoPública,paraalémdasualegitimidadedemocráticasubjetivaderivadadasualigaçãoíntimaedasuaaccountabilityfaceàAssembleiadaRepública(vejaart.187.º,192.º, 193.º e194º. 195.º/1a, d, e, f , CRP) –oórgãodiretamente legitimadopelavontadepopularexprimidaatravésdosvotosnosufrágio59;elaadquireasualegitim-idade,tambémesobretudo,pelasuafunçãodaprossecuçãodosinteressepúblicosearacionalizaçãomaterialimplicadanassuascondutas60.Ora,notocanteaisto,como

57 Como GomesCanotilhoe VitalMoreirareferem:“...num EstadoConstitucional é a Cons-tituição que rege o Estado pois que: (a) define as formas de exercício da soberania...; (b) subordina o Estado a si mesma...; (c) constitui parâmetro de aferição da validade dos actos dos órgãos do Estado”.Cf.Canotilho,Gomes/Moreira,Vital,Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, Coimbra,2014,anotaçãoaoart.3.º,p.214.

58Mesmoqueonossotrabalhoconcentre-seessencialmentenaresponsabilidadesubjetivadoEstado,umanotaimportantíssimaénecessárioacrescentaremrelaçãoaresponsabilidadedoEstadopeloriscoearesponsabilidadepelosacrifício(equivalentearesponsabilidadeporactoslícitosnodi-reitocivil)porqueporumlado,sãoinstitutoscomfundamentosmuitodiferentesdaquelesinstitutoscorrespondentesnodireitocivil;eporoutro lado,aqui,épressupostoqueaAdministraçãonãotemagidoantijuridicamenteepoisapontedeligaçãoentreopolodeliberdadeeopoloderesponsabilidadenãopodeseravinculaçãodaAdministraçãoà legalidadeeconstitucionalidade,eàprossecuçãodosinteressespúblicos.

NaresponsabilidadedoEstadopelorisco,ofundamentonãoénempodeseroprincípiode ubi commoda ibi icommoda,umavezquediferentementedoscasosnodireitocivil,oEstado-Adminis-tração,aorealizaratividadescomriscoespecial(rectius, perigoespecialnoentendimentopertinentedeVieiradeAndrade–“Aresponsabilidadeindemnizatória...”,cit., p.351-352),nãovisaobterconveniên-ciaparasipróprio,massimparaosinteressespúblicosdequetodososcidadãosbeneficiampelomenosenquantoummembrodasociedade.OqueseligaopolodeliberdadeeopoloderesponsabilidadeéapolíticaconstitucionaldaproteçãodoscidadãospeloEstadocontraperigoespecial(quesepodederivardeumconjuntodasnormasconstitucionais v.Cadilha,Carlos,Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas Anotado, Coimbra,2011,p.210-211eabibliografialácitada).

Naresponsabilidadepelosacrifício,oqueuneaxiologicamenteopolodeliberdadeeopoloderesponsabilidadejáéoprincípiodaigualdadedoscidadãosnacontribuiçãoparaosencargospúblicos,quenãotemnenhumacorrespondêncianodireitocivil.

Estaanálisesucintapermite-nospelomenosafirmarqueestesdois institutossãocunhadosporumaevidenteteleologiadaproteçãodoscidadãosperanteatividades“extraordinárias”doEstado.

59Legitimidade(democrática)estaqueMarie-AnneFrison-Rochedesignepor“légitimité par la régression”.V.Frison-Roche,Marie-Anne, “Commentfonderjuridiquementlepouvoirdesautoritésderégulation?”,Revue d’Économie Financière,n°60,Paris,2000,pp.88.

60Todavia,éimportantesalientarque,nocasodaorganizaçãopolíticaportuguesa,estaraciona-lizaçãomaterialdaAdministraçãoPúblicanãotemacapacidadedesublimaralegitimidadedemocráti-cadaAdministraçãoPúblicaaumaverdadeira legitimidadedemocráticaobjetiva,umavezqueumaverdadeirademocraciaobjetivaimplicanãosóaracionalidadematerialdafunçãoadministrativa,mastambémasuafuncionalidadeindependenteda“arbitrariedadeparlamentar”–independênciapolítica

Page 27: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE ...

27

vimos supra,oprincípiodaeficiênciajogaumpapelnãoexclusivomasrelevantíssimonamedidaemqueexigeprecisamenteumaprossecuçãosubstancialmenteadequadaeótimadosinteressespúblicos,ultrapassandoaexigênciadameraconformidadefor-maldascondutasadministrativascomaleihabilitante.

Por conseguinte, ligandoesta ideia doprincípio da eficiência enquantoumaforça legitimantedascondutasadministrativasàteleonomolgiadaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado-AdministraçãoqueseconsubstancianosalientadoLe-gitimidade-Competência versus Responsabilidade;podemosconcluir,aesteníveltran-scendenteàordemjurídicapositiva,que,aviolaçãodoprincípiodaeficiênciaquebraalegitimidadeobjetiva-substancialdafunçãoadministrativa,quevaiativar,comoumcorolárioaxiológico,aesferadaresponsabilidade–quedeveimplicarajusanteaim-posiçãodeumaobrigaçãoressarcitória.

Partindodesta conclusãomais que intuitiva, olharemos entãopara a ordemjurídicapositiva,investigandoseserápossívelecomoéqueaviolaçãodoprincípiodaeficiênciapoderáresultarnumailicitudecivilextracontratual.

Mas antes demergulharmos nesta problematização, é relevante traçar umadescriçãosucintasobreaconfiguraçãodailicitudenoatualRRCEE:

Ao falar da ilicitude civil extracontratual, é importantíssimo salientar que asmodalidadesdeilicitudenaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado-Adminis-traçãonãocoincidemexatamentecomaquelasnaresponsabilidadecivilextracontrat-ualpuramenteprivatística:

Nodireitocivil,atravésdainterpretaçãodoart.483.ºdoCC,asdoutrinasemgeralafirmamqueaprimeiramodalidadede ilicitudeconsiste-senaviolaçãododi-reitosubjetivodeoutrem(noentanto,asdoutrinasdivergem-seapartirdomomentoemqueenquantoumapartedefendequeestedireitosubjetivovioladotemdeserumdireitoabsoluto61;outradefendequeestedireitosubjetivoenglobartambémosdireitos relativosdesdequeentreo lesanteeo lesadonão se verificauma relaçãocreditória62);enquantoasegundamodalidadeserefereaumaviolaçãodosinteresseslegalmenteprotegidos.Umapartededoutrinasacrescentaaindaumaterceiramodal-idade:oabusodedireito,comfundamentaçãodiretanoart.334.ºdoCC63.

JánaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado-Administração,afision-omiaédiferente:

estaqueestáausentenocasodaAdministraçãoPúblicaportuguesa.Maissobreademocraciaobjetiva,consulte,entreoutros,Rosanvallon,Pierre,La Légitimité..., cit., p.59ss..Deixe-nosremetertambémpara o nosso estudo, “Democracia e legitimidade: o caso das entidades reguladoras administrativasindependentes–brevesreflexões”,Coimbra,2016,p.21ss(trabalhoinéditonomomento).

61 V. inter alia,Varela,Antunes,Das Obrigações em Geral, Vol. I,Coimbra,2015,p.533;eBarbo-sa,MafaldaMiranda,Liberdade..., cit.,,p.41ess.,emque,alémdaposiçãodaautora,podeconheceropanoramadasposiçõesdosdiferentesautoresnacionaiseestrangeirosapropósitodesteproblema.

62Assim,Cordeiro,Menezes,Tratado de Direito Civil Português VIII, Coimbra,2014,p.446-448.63 Neste sentido, entre outros, Varela, Antunes,Das Obrigações..., cit., p.544-548; Varela,

Antunes/Lima,Piresde,Código Civil Anotado, Volume I,Coimbra,2011,p.474;Costa,Almeida,Direito das Obrigações,Coimbra,2014,p.564.Contra,Sousa,Capelode,Teoria Geral do Direito Civil, Volume I, Coimbra,2003,p.205,nota504;eCordeiro,Menezes,Tratado de Direito Civil Português VIII, cit., p.455.

Page 28: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

LEONG, HONG CHENG

28

Em primeiro lugar, todas as doutrinas na liça, interpretando o art. 9.º daLei n.º67/2007, sobretudo em comparação com o regime do revogadoDecreto-Lein.º48051(oart.6.º),concordamnosentidodequeailicitudenãosereferesóaodes-valorobjetivodacondutadolesante–ailicitudeobjetiva(art.9.º/1,primeiraparteeart.9.º/2);mastambémaoresultadolesivodestaconduta–ailicitudesubjetiva(art.9.º/1,in fine)64 65.Contudoasdoutrinasdivergem-sejáemrelaçãoàclassificaçãodasmodalidadesdeilicitude:temosdoutrinasqueclassificamcomreferênciaà ilicitudesubjetivaeassimaprimeiramodalidadeconsiste-senaviolaçãododireitosubjetivodeoutrem,easegundanaviolaçãodosinteresseslegalmenteprotegidos66;enquantoháoutrasqueenfocam(também)nailicitudeobjetivanestatarefaclassificatória–v.g.ArosodeAlmeida,paraquemasmodalidadesdeilicitudesão1)ilegalidade;2)inob-servânciadedeveresobjetivosdecuidado;e3)funcionamentoanormaldoserviço67.

Emsegundolugar,aonossover,naresponsabilidadedoEstado-Administração,aviolaçãododireitosubjetivodeoutremnãoenglobamsóosdireitosabsolutos,nelecabem todosos direitos subjetivosdesdequenão sejam contratuais68. Podeexistir“um direito à satisfação de um interesse próprio”69 derivado de uma determinadaposiçãosubstantivamasnãocontratualdoparticularperanteaAdministração,cujavi-olaçãodáorigemàresponsabilidadeextracontratualdaAdministração.Sãoexemplosodireitodofuncionárioaovencimento70,odireitoàpronúnciaadministrativadentrodoprazolegal,etc..

Em terceiro lugar, como Aroso de Almeida destacou, com a introdução docritériode“inobservânciadedeveresobjectivosdecuidado”(art.9.º/1daLei)ede“funcionamentoanormaldoserviço”(art.9.º/2daLei)nailicitude,olegisladorcon-sagroutambémomodelofrancêsdefaute naresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado-administração71.

Tendosidoequipadoscomestesconhecimentosgerais,julgamosquejáestamosemcondiçãodeentrarnaproblemáticaespecialdadeterminaçãodolugardaviolaçãodoprincípiodaeficiênciano“cosmos”da ilicitudecivilextracontratualdoEstado-Ad-ministração.Indagamosemprimeiroailicitudeobjetivaesódepoisailicitudesubjetiva.

64Donde,estaconfiguraçãoenriquecidadeilicitudeandamuitoporpertodaposiçãode umacorrente do direito civil,paraaqualailicitudeserefereaoresultado,massemignorânciadarelevânciadodesvalorobjetivodaconduta.

65Anossover,adicotomiaentrea ilicitudeobjetivaea ilicitudesubjetivadilui-senapráticaquandoestivermosperanteumcasodaviolaçãodeumanormajurídicadeproteçãomassemquere-sultanaviolaçãodosdireitossubjetivos.

66 V.g.Sousa,MarceloRebelode/Matos,AndréSalgadode,Responsabilidade Civil Adminis-trativa, Direito Administrativo Geral, Tomo III,Lisboa,2010,p.22.

67Cf.Almeida,Arosode,Teoria..., cit.,p.503-510.68Nestesentido,expressamente,Sousa,MarceloRebelode/Matos,AndréSalgadode,Respon-

sabilidade..., cit., p.21emboraasuaexemplificaçãodedireitossubjetivossejamtodosdireitosabsolutos.69ExpressãodeAmaral,Freitasdo,Curso de Direito Administrativo, vol. II, Coimbra,2016,p.59.70ExemplotiradodeCadilha,Carlos, Regime..., cit, p.182.71 V. Almeida,Arosode, Teoria..., cit., p.495-499e506-510

Page 29: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE ...

29

3.2. O lugar da violação do princípio da eficiência na ilicitude objetiva

Numaanáliseexegética,oart.9.ºdoRRCEEconsagrouquatrotiposdailicitudeobjetiva,i.e.1)aviolaçãodasdisposiçõesouprincípiosconstitucionais,legaisoureg-ulamentares,2)aviolaçãodasregrasdaordemtécnica,3)aviolaçãodosdeveresdecuidado,e4)ofuncionamentoanormaldoserviço.

Porisso,oquepretendemosindagarnoprimeiroensaioésaberseaviolaçãodoprincípiodaeficiênciapoderáassimilaràintencionalidadenormativadequalquerdestestiposlegaisdailicitudeobjetiva.

3.2.1 O entendimento maioritário

Antes de expor a nossa posição, é relevante saber qual é o entendimentomaioritárioemrelaçãoaestaproblemática.

MesmoantesdavigênciadonovoCPA,asdoutrinasportuguesasjátêmcolo-cadoumaatençãoespecialàideiadaboaadministração,dentrodoqualaeficiênciaocupaumlugaressencial.Noentanto,acorrentedoutrináriamaioritária,adquirindoinspiraçãonatesedeRogérioSoares72,lidandodepoisexplicitamenteporFreitasdoAmaral73, tendeaconsiderarodeveroriundodoprincípio (então implícito)daboaadministração(rectius, umdeverdaótimaadministração,comovimossegundoaliçãode RogérioSoares)comoumdeverjurídicoimperfeito–imperfeitonosentidodeasuaimperatividadenãocomportarproteçãojurisdicional(faltadajusticiabilidade).

Todavia,naverdade,estaimperfeiçãonuncafoiabsolutaumavezquemesmoparaosdefensoresda tesedodever jurídico imperfeito, a violaçãodoprincípiodaboaadministração(eosub-princípiodaeficiência)acarretaconsequênciasjurídicas:paraalémdeconstituir-senumvíciodeméritorecorrívelatravésdosmecanismosdeimpugnaçõesadministrativas;entreoutros,podedesencadearumaresponsabilidadecivil extracontratual por parte do Estado-Administração, fundamentando-se seja naviolaçãodosdeveresdecuidado(odeverdediligênciaezelo)74sejanofuncionamentoanormaldoserviço75 76.

72 V. Soares,Rogério,Interesse Público..., cit., p.179ss.73 V. Amaral,Freitasdo,Curso..., cit., p.36.Destarte,oinsignejuristamantémasuaposição

mesmofaceàconsagraçãoexpressadoprincípiodaboaadministraçãononovoCPA.74 V. Freitas,Amaraldo,Curso..., cit., p.37.75 V. Amorim,Pachecode,“Osprincípiosgeraidaatividadeadministrativanoprojetoderevisão

doCódigodoProcedimentoAdministrativo”,in CJA,n.º100,Braga,2013,p.19;Almeida,Arosode,Teo-ria..., cit.,p.59-63.

76Contra,negandoapossibilidadedeaviolaçãodoprincípiodaeficiênciadesencadearumaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado:Otero,Paulo, O Poder de Substituição..., cit., p.643ss.paraquemosmecanismosdocontrolodaviolaçãodoprincípiodaeficiênciasãosomentearesponsab-ilidadepolíticaeosmecanismosintra-administrativos.

Todavia,comoveremos,aposiçãodeste ilustre juristamudousobretudofaceàconsagraçãoexpressadoprincípiodaboaadministraçãononovoCPA.

Page 30: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

LEONG, HONG CHENG

30

Estaposição,depoisdavigênciadonovoCPA,continuaaserdefendidaporumapartesignificativadadoutrinaque,emgeral,advogaqueoprincípiodaeficiência,ouseintegranadimensãonãojurídicadoprincípiodaboaadministraçãoenoâmbitodeméritodascondutasadministrativa,epor issonãoé justiciável;ouseconfundecomoprincípio jurídicodaproporcionalidadeououtrosprincípios jurídicos tradicionais,epoiséjusticiávelmassóenquantoumamanifestaçãodeste(s)último(s)77.Porisso,dequalquermodo,éclaraaquiarejeiçãodeconsideraraviolaçãodoprincípiodaeficiência per secomoumailicitudecivilextracontratual(oprimeirotipodailicitudeobjetiva).

Na nossa perspetiva, dentro da lógica desta doutrina que tende a reduzir oconteúdodoprincípiodaeficiênciaaummerolimitedosacrifício(confundido/con-fundívelcomoprincípiodaproporcionalidade)nomomentodocontrolo,édefactocompreensívelaassimilaçãodaviolaçãodoprincípiodaeficiênciaàviolaçãodosde-veresdecuidado.

Todavia,aindaqueseestejadentrodestacompreensão(incorretaeultrapassa-da)doprincípiodaeficiência,afundamentaçãodailicitudeobjetivanofuncionamentoanormaldoserviçonãodeixadeevidenciaralgumasincoerênciasargumentativas:

Independentementedafinalidadeorigináriasubjacenteàcriaçãodafiguradofuncionamentoanormaldoserviçoqueseinspiranafaute du service daordemjurídi-cafrancesa(v. infra),asdoutrinaseasjurisprudências,aoníveldodireitocompara-do, têmdesenvolvidoestafigura comoum instrumentodafiscalização jurisdicionaldocumprimentodostandarddefuncionamentonormalporpartedaAdministração(asvezesatéconfundidocomaexigênciadaobservaçãodosdeveresdecuidado)78. EmPortugal,estatendênciaparecequeseja,prima facie,seguidapelolegisladordaLein.º67/2007queexpressamenteprevêofuncionamentoanormaldoserviçocomouma dasmodalidades da ilicitude objetiva e define-lo no art.7.º/4 segundo o qual“[e]xiste funcionamentoanormaldoserviçoquando,atendendoàscircunstânciaseapadrõesmédiosderesultado,fosserazoavelmenteexigívelaoserviçoumaatuaçãosuscetíveldeevitarosdanosproduzidos”.

Ora,semdúvidas,oincumprimentododeverdaboaadministraçãonãoénec-essariamenteumsinónimodo funcionamentoanormaldo serviço– tudo,de facto,dependedaamplitudedanoçãodaboaadministraçãoque sedefende.Paraquemadotaumanoçãoampladaboaadministração,comoArosodeAlmeida–defensordequeaboaadministraçãoéumconceitopluridimensionalqueenglobaquerelemen-tosjurídicosquerelementosmeta-jurídicos79–provavelmente,o incumprimentododeverdaboaadministraçãocoincidaemlargamedidacomofuncionamentoanormaldoserviço;todavia,paraquemadotaumanoçãoestritadaboaadministraçãocomo

77Expressamente:Sousa,Jorgede,“Poderesdecogniçãodostribunaisadministrativosrelati-vamenteaactospraticadosnoexercíciodafunçãoadministrativa”, in Julgar, n.º3,Lisboa,2007,p.140,paraquemaviolaçãodoprincípiodaeficiência “que não se traduz em violação daqueles princípios constitucionais e legais não implica qualquer sanção de carácter jurisdicional”(sublinhadonosso).

78 V. Bousta,Rhita,Essai sur..., cit., maxime p.307-325.79 V. Almeida,Arosode,“OProvedor...”,cit., p.13ss.;idem, Teoria..., cit., p.55ss..

Page 31: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE ...

31

aqueladeRhitaBousta(v.supra),jáéevidentequeoincumprimentododeverdaboaadministraçãonãoesgotouashipótesesdofuncionamentoanormaldoserviço–umavezqueparaestacorrentedoutrinária,«boaadministração»e«máadministração»não são conceitos antónimos80.

No entanto, independentemente disto, basicamente não há ninguém negaqueaavaliaçãodo funcionamentoanormaldo serviço– se seentendercomoumamodalidadeautónomada ilicitudeobjetiva– implicaumcerto juízo (aindaquenãoseja exclusivo) sobreo cumprimentodo standard daboa administração a cargodaAdministração (mesmoqueexistaofiltroobjetivode “padrãomédiode resultadosrazoavelmenteexigível”paraasseguraraautonomiadamargemdadiscricionariedadedaAdministraçãofaceaopoderjudicial).Assimsendo,aindaquesejaduroaaceitar,oprincípiodaboaadministraçãotorna-seimplicitamentenumprincípiojusticiávelnomomentodocontrolojurisdicionalrealizadonoseiodeumaaçãodaresponsabilidadecivil(doEstado-Administraçãopelofuncionamentoanormaldoserviço).

Daí, uma incoerência argumentativa é patente: a doutrina maioritária emapreço começa por negar a justiciabilidade do princípio da boa administração (etambémoseusub-princípiodaeficiência),rejeitandoacapacidadeinvalidanteàsuaviolação e a configuraçãoda sua violação comoa primeiramodalidadeda ilicitudeobjetiva (a violaçãodosprincípios jurídicos); todavia,nomomentode salvaguardara juridicidade – ainda que seja imperfeita – do princípio da boa administração e osub-princípiodaeficiência,acabouporaceitarqueasuaviolaçãopodedesencadeararesponsabilidadecivilextracontratualdoEstado-Administração,fundamentandoestaresponsabilidadenofuncionamentoanormaldoserviço,quecomovimos,implicaevi-tavelmentea“justiciabilização”doprincípio81.Destarte,ressalvandoonossorespeitopelascontribuiçõesdosilustresjuristasqueintegramnestacorrentedoutrinária,nãopodemosdeixardequestionarseadoutrinamaioritáriaacaboupor“deixarentrarporjanelaaoqueelapretendeufecharfirmementeaporta”?

3.2.2. A nossa posição

Tendoemcontaanossacompreensãodoprincípiodaeficiênciaeasuazonaaplicativa autónoma, e da assinalada incoerência argumentativa que a doutrinamaioritáriapadece,nãopodemosexonerar-nosdearguirumnovorelacionamentodavio-laçãodoprincípiodaeficiênciaeailicitudeobjetiva–que,comoveremos,deveráprovocarumanovaconfiguraçãodo“cosmos”dailicitudeobjetivaplasmadonaLein.º67/2007.

Recorrendo aométodo clássico de ensaio, vamos indagar separadamente a

80 V. Bousta,Rhita,Essai sur..., cit., maxim p.325-335.81Argumentandotambémnosentidoda incoerênciaargumentativadadoutrinamaioritária:

Raimundo,MiguelAssis,“Osprincípios...”,cit., p.186,nota109.Citando:“[a] tese que criticamos pa-dece ainda, pensamos, de alguma contradição. Com efeito, se o propósito principal deste dever jurídico imperfeito é impedir que o juiz decida sobre o mérito da ação administrativa, como admitir que o juiz decida sobre a violação da boa administração para efeitos da responsabilidade civil, como admitem os partidários desta tese?”.

Page 32: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

LEONG, HONG CHENG

32

possibilidade de assimilação da violação do princípio da eficiência a cada uma dasquatroidentificadasmodalidadesdailicitudeobjetiva.

3.2.1.1 A primeira modalidade (violação das normas e princípios jurídicos)

Adenominaçãodestamodalidadecomoaprimeira modalidadedailicitudeobje-tivanãoéaleatória.Pordetrásdesta,estamosperanteumaafirmaçãodovalornucleardoEstadodeDireito,emquetodosequaisquerpoderesdaautoridadeestãosujeitossempreaoprincípiodajuridicidade.Porisso,quandoumatodafunçãoadministraçãocausardanos,aprimeiraquestãoalevantarnãopodeseroutrasenãoadesaberseesteatodanosorespeitouounãoodireitovigente.Sóquandoarespostaparaestapergun-tafornegativaéprecisorecorreraoutrosfundamentosplausíveisparafundamentarailicitudedoato.Portanto,qualquertentativaquepretendesubverterestaordem“hi-erárquica”–subalternandoaviolaçãodasnormaseprincípiosjurídicosàsoutrasmo-dalidadesdailicitudequenãoimplicaantijuridicidade–correoriscodesubvalorizaraimportânciafundamentalíssimadajuridicidadedascondutasadministrativas.

Ora,sendooprincípiodaeficiência,cunhadoporaquelascaracterísticassub-stanciaisquepropomos,umprincípiojurídico(rectius, juridicizado);prima facie, a suaviolaçãonãopossadeixardeassimilaràintencionalidadenormativadestapri-meiramodalidadedailicitudequevisa,antesdetudo,censurarasaçõesantijurídi-casdaAdministração.

Contudo,defacto,aresoluçãonuncaétãofácilediretaporqueporumlado,paraquesepossaafirmarumailicitudeobjetivadecorrentedaviolaçãodasnormasouprincípiosjurídicos,énecessárioqueotribunaltenhaocorrespondentepoderdecognição,que,segundoaopçãolegislativavigenteconformeaoprincípiodaseparaçãodos poderes, apenas abrange os aspetos estritamente jurídicos das ações adminis-trativasenuncaosaspetosdasusconveniênciaeoportunidade(art.3.º/1doCódigodeProcessonos TribunaisAdministrativos); eporoutro lado, pelamesma forçadoprincípiodaseparaçãodospoderes,ajuridicidadenãoimplicanecessariamenteasuajusticiabilidade(pense-senotradicionalexemplodasnormasjurídicasinternas,embo-raasuainjusticiabilidadeestejacadavezmaiscriticadapelasdoutrinas).

Porconseguinte,oqueseimportasaberparaopresentetrabalhoé:oprincípiodaeficiênciaéumprincípiojurídicojusticiável?

Como vimos, a maioria doutrinária responde negativamente, invocando apotênciadainvasãodafunçãojurisdicionalnojuízodeméritoreservadoparaafunçãoadministrativaqueajusticiabilidadedoprincípiodaeficiênciaiaprovocar.

Nãopodemosconcordarcomestacompreensão.Semdúvidas,ajusticiabilidadedoprincípiodaeficiênciapotenciaefetivamente

umcontrolo jurisdicionaldojuízodoméritoadministrativo,dadoquepelanaturezadoprincípiodaeficiência,asuafiscalizaçãoconsubstancia-seusualmentenuma“dis-

Page 33: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE ...

33

paridadedevistas”emvezdeummero“«accertamento»dumvício”82.Todavia,estacolocaçãodopoderjudicialnoexamedojuízodoméritoadministrativonãoimplicanecessariamenteumaviolaçãodoprincípiodaseparaçãodospoderes. Istoporque,como FernandaPaulaOliveiratemassinaladodevidamente,adiscricionariedadead-ministrativanão implicaapenaso relacionamentoentreopoderadministrativoeopoderjudicial(nomomentodocontrolodasaçõesadministrativas),mastambémean-tesdomais,orelacionamentoentreopoderadministrativoeopoderlegislativo83. Por isso,nadaimpedequeolegisladorpodealargareintensificaroâmbitodavinculaçãojurídicajusticiáveldadiscricionariedadeadministrativa,legalizandoalgumasquestõesdeméritopelanatureza84–masclaro,estaintensificaçãonuncapodetransformar-senumesvaziamentogeraldadiscricionariedadeadministrativa,queconstituiaessênciadafunçãoadministrativa,sobpenadecontendercomonúcleoessencialdoprincípiodaseparaçãodospoderes,queéumvalorconstitucionalindisponívelpelolegislador.

Ede facto,esta intensificaçãodoâmbitodavinculação jurídica justiciáveldadiscricionariedadeadministrativajánãoéumanovidadenanossaordemjurídica.

Emconcreto,oprincípiodaproporcionalidade,emespecialoseutestedaproi-biçãodoexcesso,significatambémumcertojuízode“disparidadedevistas”85.Masagora,jáécorrentequeostribunaisadministrativoscontrolamasatividadesadminis-trativascombasenesteprincípio.Asdoutrinasemgeraltambémnãonegamacontro-labilidadejurisdicionaldasatividadesadministrativaspeloprincípiodaproporcionali-dade(queremsentidoamplo,queremsentidoestrito).Aindaporcima,éderepararqueestajusiticiabilidadedoprincípiodaproporcionalidade(nãoobstanteasuapotên-ciaparaumcontrolojurisdicionaldealgumasquestõesdeméritoadministrativo)nãoéalgoque“sedáporcerto”,massimumaaquisiçãodaculturajurídicaderivadaso-bretudodomovimentodaracionalizaçãomaterialdaAdministraçãoPública.Bastaol-harparaaordemjurídicapolonesa:comoM.HubertIzdebskipronunciouem2007,naPolónia,oprincípiodaproporcionalidadeaindanãofoiaplicávelnocontrolodas

82AsterminologiassãotiradasdeSoares,Rogério,Interesse Público..., cit., p.339.83 V. Oliveira,FernandaPaula,A Discricionariedade de Planeamento Urbanística Municipal na

Dogmática Geral da Discricionariedade Administrativa,Coimbra,2011,p.78-111.Claro,nuncapodemosomitirascontribuiçõesmagníficasdoilustremestreRogérioSoaresnestatemática,v.Soares,Rogé-rio, Interesse Público..., cit.,p.207ss.; idem, “AdministraçãoPúblicaeocontrolo judicial”, in Revista Brasileira de Direito Comparado, n.º15,RiodeJaneiro,1993,p.59-73.

84Nota-sequeoinsignejuristaFreitasdoAmaral,defensordainjusticiabilidadedoprincípiodaboaadministração(eoprincípiodaeficiência),tambémnãoignoraque,servindooprincípiodapro-porcionalidadeeoprincípiodaimparcialidadecomoexemplos,“certos deveres específicos que antes se pensava e dizia integrarem o dever geral da boa administração têm de se vistos hoje como verdadeiros deveres jurídicos decorrentes de princípios gerais da actividade administrativa...” eque “[a] tendência recente do Direito administrativo português... foi no sentido da transformação de certos padrões de mérito em parâmetros sujeitos a apreciação jurisdicional”.Cf.Amaral,Freitasdo,Curso..., cit., p.37-38.

85Nestesentido,masespecialmentenoestudodocontrolojurisdicionaldosatoslegislativosre-stritivosdosdireitos,liberdadesegarantias,Andrade,Vieirade,Os Direitos Fundamentais na Constitui-ção Portuguesa de 1976,Coimbra,2016,p.288-289. O autor,tendoemcontaestanaturezadotestedaproibiçãodoexcesso,defendeasubstituiçãodestetestepelotestedadefensabilidade/razoabilidadeparasalvaguardaraliberdadedeconformaçãodolegislador.

Page 34: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

LEONG, HONG CHENG

34

decisõesdiscricionáriasadministrativas,salvonaáreadodireitodastelecomunicaçõesemvirtudedatransposiçãodeumadiretivadaUniãoEuropeia86.

Além disso, outros fatores extrínsecos também levam efetivamente a umamaiorintervençãodopoderjudicialnojuízoadministrativo.Porexemplo,ostribunais,tradicionalmenteperspetivados comoum foroque faltadoexpertisemeta-jurídico,sãocadavezmaisequipadosporconhecimentosmeta-jurídicosgraçasaorecursomaisgeneralizadoefacilitadosaosperitos.Istotemcomoefeitoimediatoadeslocaçãodeumapartenãodespiciendadadiscricionariedadeadministrativaparaodomíniodameradiscricionariedadetécnica,controlávelpelosjuízes87.

Agora,refletindooprincípiodaeficiênciaàluzdestasconsiderações,nãopo-demosdeixardedefenderajusticiabilidadedoprincípiodaeficiência.

Porum lado,apartirdomomentoemqueo legislador consagrouexpressa-menteesteprincípioenquantoumdosprincípiosqueregemjuridicamenteasativi-dadesadministrativas,trata-se,anossover,deumaclara intenção legislativadare-duçãodoespaço livredaescolhadaAdministração,determinando,naspalavrasdePauloOtero,“o “assalto” da legalidade ao hemisfério do mérito do agir administra-tivo”88–ereduçãoestaquenãopodedeixardesignificarumamaiorecorrespondentecontrolabilidadedasatividadesadministrativasporpartedostribunais89.

Aliás,estaopção legislativaé,nanossaperspetiva, completamente legítima,semseconsubstanciaremqualquerviolaçãodonúcleoessencialdoprincípiodasep-araçãodospoderes,umavezquearesultadajusticiabilidadedoprincípiodaeficiêncianuncaimplicaumesvaziamentogeraldadiscricionariedadeadministrativa.Asrazõessãoasseguintes:emprimeiro lugar,comoemqualquercontrolotradicionaldasde-cisõesdiscricionáriasadministrativas,ocontrolojurisdicionalésemprepelonegativoparaevitarqualquerdupla-administração90–ouseja,aofiscalizarocumprimentodoprincípiodaeficiência,otribunalnãovaidecidir,segundooseujuízo,qualdeveriaseromelhormeioeresultadoparaocasu decidendo.Oseucontrololimita-seasaberseomeioemconcretoadotadopelaAdministraçãoéummeionão ótimo.Emsegundolugar,alegalizaçãodoméritoviaa“justiciabilização”doprincípiodaeficiência,sólim-itacomefeitoadiscricionariedadedaAdministraçãonahierarquizaçãodosinteressespúblicos(porqueahierarquizaçãoagoraéregidapeloimperativojurídicoejusticiáveldaotimizaçãodosmeioseresultados),enãovaiafetaroespaçolivredaAdministração

86Cf.Izdebski,M.Hubert,“Surlavoied´unebonneadministration:d´unevisionàl´action”,in Conférence Européenne: a la Recherche d´une Bonne Administration,Varsóvia,2007, p.4.

(Disponível: http://www.coe.int/t/dghl/standardsetting/cdcj/Administrative%20law/Confer-ences/DA-ba-Conf_2007_%2010%20f%20-%20H.%20Izdebski.pdf)

87Nestesentido,Silva,SusanaTavaresde,Um Novo..., cit.,p.92-93.88Cf.Otero,Paulo,Direito do..., cit., p.274.89 Intensificação legislativa do controlo jurisdicional das atividades administrativas esta que

representaumareaçãointrínsecadaordemjurídicafaceacrisedalegalidade–ouseja,olegislador,quandoabriuajanelaparaAdministraçãonacrisedalegalidade,fechouacortinacomoenriquecimen-todalegalidadematerialjusticiável.

90Cf.Sousa,Jorgede,“Poderdecognição...”,cit., p.137,louvando-seemSérvuloCorreia.

Page 35: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE ...

35

naidentificaçãoconcretadosinteressespúblicos91–quecontudo,tambémnãoétotal-mentelivre,porquepelomenos,ojuizpodecontrolá-laaníveldoerromanifestodospressupostosdefacto.Mascontroloestequejánãoéaconsequênciada“justiciabili-zação”doprincípiodaeficiência.

Poroutro lado,mesmoqueoconceitodaeficiênciaenquantopadrãodocon-teúdodascondutasadministrativasparanósjánãosejaaqueleconceitoeconomista,asuaavaliaçãonãodeixadepressupor,naquestãodofactoenaquestãodaprova,certosconhecimentosquesãoexterioresaojuízojurídico-políticodaAdministraçãoeimplicamummerojuízotécnico.Porisso,pelomenosemrelaçãoaestejuízotécnico,julgamosquea“justiciabilização”deveserpacífica,tendoemcontaqueestamosagoraperanteumdomíniodadiscricionariedadetécnicaenãodadiscricionariedadeadministrativa.

Semdúvidas,poderiaargumentarqueojuízodaeficiênciadeumadecisãoéumjuízosubjetivo,invocandoainterrogação,anossover,sofista,de“comoéquesepodeafirmarqueumadecisãoémenoseficientedoqueasoutraspossíveis,seestasúltimasnuncafossempostasemprática?”.

Nósnãoignoramosadificuldadedaprova.Contudo,estadificuldadenãovaiinfirmaroqueafirmámosemrelaçãoàjusticiabilidadedoprincípiodaeficiência.Istoporque,emprimeirolugar,noterrenojurídico,nãotrabalhamoscomasverdadesab-solutas,masasverdades intersubjetivaseopensamentodaevidência.Emsegundolugar,aobtençãodeprovaatualmentejáestáfacilitadaumavezquesobretudopelainfluênciaeimposiçãodoDireitodaUniãoEuropeia,umconjuntodasdecisõesadmin-istrativas já sãoobrigadasa ter fundamentaçãoexpressanumparecerdeavaliaçãopréviade impactos(pense-sev.g.nodireitodoambiente,nacontrataçãopública,erecentementenoprocedimentodaelaboraçãoderegulamentos(art.99.º,CPA))mes-moqueestenãoabranjaemregratodososaspetosquetêmdeserdevidamentetidosemcontanumaavaliaçãodaeficiênciajuridicizada.Emterceirolugar,ojuízoínsitonafiscalizaçãodocumprimentodoprincípiodaeficiência implica inevitavelmenteumacertadosedesubjetividade,dadoquenãopodemosesquecer-nosdequea“justicia-bilização”doprincípiodaeficiênciaéumalegalizaçãodomérito,eportantoacarretainelutavelmenteomomentode“disparidadedevistas”.

Sóque,aexistênciadestemomentosubjetivonãosignificaqueelepodeserabusado.Pelocontrário,paramanterumrelacionamento“saudável”entreopoderadministrativoeopoderjudicial,devemos,quandopuder,sempreensaiar intersub-jetivarestasubjetividadeconatural,mantendonacabeçaqueumlegisladorrazoável,ao pretender intensificar o âmbito vinculativo da discricionariedade administrativa,nunca pode pretender uma substituição do juízo administrativo pelo juízo judicial.Portanto,inclinamosadefenderqueparaquepossahaverumaresponsabilizaçãoou

91V.g.ojuiznãopode“comrecursoaoprincípiodaeficiência”fiscalizarseasconjunturaspolíti-co-sociaisjustificaremesehouverinteressepúblicoparaarealizaçãodeumcursopúblicodereformaçãoparaumacertaáreadedesempregos.Contudo,tendoaAdministraçãoidentificadoesteinteressepúblicoemconcreto,ojuizjápode,“comrecursoaoprincípiodaeficiência”,fiscalizarseaAdministração não tem adotado(controlopelonegativo)omelhormeioparaatingiresteinteressepúblico.

Page 36: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

LEONG, HONG CHENG

36

condenaçãodaAdministraçãopela violaçãodoprincípiodaeficiência, énecessáriaumamanifestadesobediênciaàracionalidadedaotimizaçãonaescolhademeios(eresultados)92–graudecaráctermanifestoestequevariaconsoanteareclamaçãocon-cretapelocasu decidendideumespecialcuidadoàmanutençãodoequilíbrioentreopoderjurisdicionaleopoderadministrativo.

Concluindo,nanossaperspetiva,oprincípiodaeficiênciaéumprincípiojurídi-cojusticiável93aindaquetenhadeserespecialmentetratadonomomentodaprova.

92Éextremamenteimportantesalientarquenanossaperspetiva,ocritériode“violaçãomanifes-ta”nãoéumrequisitoparaaafirmaçãodaviolaçãodoprincípiodaeficiência(eoutrosprincípiosjurídi-cos).IstoporquecomoJorgedeSousaafirma,comrazão,notocanteaocumprimentodosprincípiosjurídicosjusticiáveis,“a violação não grosseira e não manifesta não deixa de ser ilegal”(cf.Sousa,Jorgede,“Poderdecognição...”,cit.,p.139).Eaadoçãodestaposiçãotemrelevânciapráticasobretudoparaaaplicabilidadedos institutoscomoa legítimadefesaquepressupõeumaaçãoofensivaantijurídica. Todavia, diferentemente domesmo autor que nega a aplicação do critério de “violaçãomanifesta”no controlo judicial da conduta administrativa (ibidem), advogamos a sua aplicabilidade (quer nosprincípios jurídicosqueimplicamuma“disparidadedevistas”,quernosrestantesprincípios jurídicosdesdequearacionalidadedanossaseguinteargumentaçãoseverificanumcasoconcreto).Eargumen-tamosqueistonãoéumacontradiçãodoqueafirmámosimediatamentesupra. Justificando,paranós,oditocritériode“violaçãomanifesta”enquadra-senumacategoriaquedesignamospor“tolerânciajudicativa” – que não representa uma contra-força na afirmação (muitomenos uma ignorância) dodesvalorobjetivodacondutaadministrativa,massimumaafirmaçãodestedesvaloracompanhadaporuma abdicação da competência de repreensão ou censura (um perdão) do tribunal, fundamentadajuridicamente pela necessidade damanutenção do equilíbrio entre o poder jurisdicional e o poderadministrativoreclamadopelocasu decidendi.Porconseguinte,paranós,contrárioaJorgedeSousa,nãoencaramosocritériode“violaçãomanifesta”comoumlimitedocontrolo judicial,massimumaatençãoativadojuizaoespecialcuidadonamanutençãodoequilíbrioentreopoderjurisdicionaleopoderadministrativoreclamadopelocasu decidendi.

Maissobreatolerânciajudicativa,emespecialnopropósitodaimputaçãoobjetivadarespons-abilidadecivilextracontratualdoEstado-Administração,veja,Leong,HongCheng,“Daimputaçãoob-jetivanaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstadodecorrentedoexercíciodafunçãoadminis-trativa–omomentodadelimitaçãodaesferaderisco”,Coimbra,2016,(trabalhoinéditonomomento),p.42ss.maxime, nota97.

Porfim,nãopodemosdeixardepatentearque,oproblemadaexigênciadeumaviolaçãoman-ifestanãopodeserperspetivadocomoumaproblemáticadaharmonizaçãoouconcordânciapráticaen-treoprincípiovioladoeoprincípiodaseparaçãodospoderes.Istoporqueaoexigiraviolaçãomanifes-ta,aracionalidadenãoestá(nemdeveestar)nanecessidadenormativadarestriçãopráticadoprincípionaliçaparafazervaleronúcleoessencialdoprincípiodaseparaçãodospoderes–osdoisprincípiosemcausasãoconvocadosaníveldiferente,eincidemsobrecoisasdiferentes.Istoé,enquantooprincípiovioladotemopropósitodevincularaAdministraçãonasuadecisão,impondo-lheumcritérionormativodecondutaeemergindo-senumaaçãodaresponsabilidadecomoumfundamentodailicitudeobjetiva;oprincípiodaseparaçãodospoderesentraemdebatecomoumvalordeequilíbrioaserponderadopelotribunalnaconstruçãodoseujuízodecisórioacercadasconsequências jurídicas decorrentes da violaçãodaqueleprincípiopelaAdministração.Ouseja,aqui,oprincípiodaseparaçãodospoderesnãofuncionacomoumcritérioqueconcorrecomaqueleoutroprincípionadefiniçãodeumpadrãoconcre-toeindividualizadodecondutaparaaAdministração–queseriasimumproblemadaharmonizaçãopráticadosprincípiosjurídicos.Pelocontrário,eleintervém,aníveldarealizaçãojudicativadodireitoemconcreto,comoumvalornormativoquemodelaasconsequênciasjurídicasdecorrentesdaviolaçãoafirmadadeumprincípio(nemasuavalidadenemasuaeficáciaconcreta)quevinculaaAdministração.

93Nomesmo sentido,mais comargumentaçõesdiferentes:Otero, Paulo, Direito do..., cit., p.273-274;Raimundo,MiguelAssis, “Osprincípios...”,cit., p.180-187; Silva, SuzanaTavaresda, “O princípio...”,cit.,maxime p.12-21(emboraseconcentremaisnaáreadaregulaçãoedaimplementaçãodapolítica).

Page 37: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE ...

37

Portanto,nãopodemosdeixardeafirmarqueasuaviolaçãoper se seconsubstanciaperfeitamentenumailicitudeobjetiva(aprimeiramodalidade).

Ora,adefesadestaposiçãonãotemapenasopropósitodesalientaraimportân-cia,asvezesignorada,destaprimeiramodalidadedailicitudeobjetiva,tendoemcontaoaludidovalornucleardoEstadodeDireitosubjacenteàintencionalidadenormativadestamodalidade.Quandochegarmosàpartequeconcerneàrelaçãoentreaviolaçãodoprincípiodaeficiênciaeofuncionamentoanormaldoserviço,perceberemosqueadefesadestaposiçãoimplicaconsequênciassubstanciaismuitoparaalémdisso.

3.2.1.2. A segunda modalidade (a violação das regras da ordem técnica)

Estamodalidade,queparaArosodeAlmeida,seenquadra,emconjuntocomaviolaçãodasnormaseprincípiosjurídicos,numamodalidadeampladailicitudeobjetivadenominada“legalidade”94,parece-nosumamodalidadeautónoma.Aintencionalidadenormativadestamodalidade,diferentementedaprimeira,nãovisarealçaravinculaçãodaAdministraçãoPúblicaaoDireito(valornucleardoEstadodeDireito),massimatribuirconsequênciasjurídicasautónomas,namatériadaresponsabilidadecivilextracontratu-aldoEstado-Administração,àsnormasdaordemmeta-jurídicas(maxime, as legis artis),quetêmumaimportânciaespecialnaorientaçãodapráticadasatuaçõesmateriaisad-ministrativas,nomeadamente(masnãoexclusivamente)paraevitardanos–assim,estafunção,quer imediata quer mediata,daprevençãodedanosdas legis artis coincide com afunçãodaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado-Administração,que,semprejuízodasuafinalidadeprimáriadareparaçãodosdanos,visaintimidarapráticadascondutaslesiva–oquejustificaaatribuiçãodasconsequências jurídicas,emsededaresponsabilidade,aestasnormasdaordemmeta-jurídica.

Ora,apesardestarelevânciaanível jurídico,as legis artis,emregra,nãosãonormasjurídicasformaisnemmateriais,sobretudoporqueelasnãosãopensadaspararesolverproblemasespeciaisdodireito(pense-seouimaginequeexistauma“normatécnica”que“manda/recomenda”osmédicosaconfortarconstantementeopacientedurantequaisqueroperaçõesoutratamentosque implicamdorousofrimento.Estanormanãoépensadaprimariamentepararesolverouevitarquaisquerlitígioseven-tuaisentreomédicoeopaciente,nemparaevitaralgunsdanosespeciaisapacientes.Trata-seapenasdeumanormacominspiraçãonahumanidademoralesocial95).Por

Note-sequerecentemente,algumasdoutrinasquepartemdatesededeverjurídicoimperfeitotambémnãodeixamdemanifestarqueestaimperfeiçãojáestánocaminhodeaperfeiçoamento: v.g. Amorim,Pachecode,“Osprincípios...”,cit.,p.19;Figueiredo,João,“EficiênciaelegalidadenaAdmin-istraçãoPública”,in Revista do Tribunal de Contas,n.º51,Lisboa,2009,p.67.

94 V. Almeida,Arosode,“Anotaçõesaoart.9.º”,in Comentário ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado (coord. Rui Medeiros),Lisboa,2013,p.242.

95Masagora,porforçadaconsagraçãopelolegisladordaviolaçãodasnormasdaordemtécni-caentreasmodalidadesdailicitudeobjetiva,desdequenapráticaaviolaçãodestanormaemapreçoresulta na violação de um direito subjetivo e que se reúnem outros requisitos da responsabilidade(culpa,danoeimputaçãoobjetiva),temosumcasofundadodaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado-Administração.

Page 38: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

LEONG, HONG CHENG

38

isso,nãoconseguimoscompreendercomoasuaviolaçãopoderesultarper se numailegalidadeoumaisampla,numaantijuridicidade.

Semdúvidas,temoscasosemqueasnormastécnicassãointegradasformal-mentenoordenamentojurídico,ouqueasnormastécnicassãomaterialmentejurídi-casporquesão,poracaso,simultaneamente,fontedosdeveresjurídicosdecuidado96;contudo,nestescasos,jánãoestamosperanteumaviolaçãodasnormastécnicasen-quanto tais,massimperante,respetivamente,umaverdadeirailegalidade(aprimeiramodalidadedailicitudeobjetiva)eumaviolaçãodosdeveresjurídicosdecuidado(aterceiramodalidade).

Agora,tendoemcontaestaintencionalidadenormativaespecialeazonaapli-cativaautónomadestamodalidade,julgamosquenãosejaduvidosaarejeiçãodaas-similaçãodaviolaçãodoprincípiodaeficiência(naconceçãoqueadotamos)àestamo-dalidadedailicitudeobjetiva.Asuaassimilaçãosópoderiasignificarumacontradiçãocomaafirmadaeacentuadajuridicidadeejusticiabilidadedoprincípiodaeficiência.

3.2.1.3. A terceira modalidade (a violação de deveres de cuidado)

Aintencionalidadenormativadestamodalidade,visasobretudocomplementaramodalidadedaviolaçãodasnormasouprincípiosjurídicos.IstoporquesereparaoqueafirmámosnotocanteàteleonomologiadaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstaod-Administração,aesferadaresponsabilidadedoEstado-Administraçãoéocorolárioaxiológicodasuaesferadalegitimidadeecompetência.Masseacompetên-ciadaAdministraçãoédelimitadapelalei,alegitimidadedaAdministraçãonãoesgot-ounasuavinculaçãoàleieconstituição.TendoemcontaqueaAdministraçãodeveagir semprenos interessesdoscidadãos–odonoda soberania,a sua legitimidadeadvémtambémdocumprimentodoseudeverde(pelo menos)nãocausarprejuízoaoscidadãos,considerandoafragilidadedoscidadãosperanteaautoridade.Porisso,qualqueratuaçãoadministrativaquenãocumpriuestedeverpõeemxequeasuale-gitimidade,queativa/oudeveriaativarasuaesferadaresponsabilidade.

Acreditamosquesejaestaracionalidadeaxiológicaqueperpassaaopçãoleg-islativa da consagração da violação de deveres de cuidado como umamodalidadeautónomadailicitudeobjetiva–quetemumaespecialrelevâncianassituaçõesemqueaAdministraçãocausoudanossemviolaçãodeumaprecisanormaouprincípiojurídi-co,que,comoArosodeAlmeidadestaca,“éfrequente...emsituaçõesdecorrentesdeaçõesmateriaisouomissõesdaAdministraçãoPública,quenãodeemissãoourecusadeatosjurídicos”97.

96Dizemos“poracaso”porquecomooAc.2013/05/23doTribunaldaRelaçãodeLisboaassi-nalou,“legisartis e cuidado objetivo devido não são conceitos coincidentes, sendo a violação das legis artis apenas um indício da violação do dever objetivo de cuidado”.

Presteatençãoaqueoacórdãoemapreçonãotratadamatériadaresponsabilidadecivilextra-contratualdoEstado,massimdaresponsabilidadepenalmédica.Contudo,estaafirmaçãodanaturezageralnãodeixadeseraplicáveltambémnamatérianaliça.

97Cf.Almeida,Arosode,Teoria..., p.506;idem, “Anotaçõesaoart.9.º”,cit., p.246.

Page 39: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE ...

39

Então,podemosassimilaroprincípiodaeficiênciaàestamodalidadeda ilic-itudeobjetiva?Arespostaénegativa. Istoporque,semdúvidas,à responsabilidadepelaviolaçãodoprincípiodaeficiênciaestásubjacenteamesmaideiateleonomológi-cadaquebradaesferadalegitimidadequeativaaesferadaresponsabilidade;todavia,estaquebranocasodoprincípiodaeficiêncianãoresultadeumincumprimentodedeveresdecuidado–quetemumalcancenegativonosentidodenãoprejudicarout-rem–massimdoincumprimentodamissãoconstitucionaldopoderadministrativodeprosseguirosinteressespúblicosdamelhormaneirapossível.

Destarte, comomencionámos, a assimilaçãoda violaçãodoprincípiodaefi-ciência a estamodalidade só faz sentido para quemprefere considerar o princípiodaeficiênciaaindacomoummerolimitedesacrifícionomomentodocontrolo.Nós,defendendoqueoprincípiodaeficiência temumconteúdopositivoqueexigeumaotimizaçãoequilibradadosmeiosedosresultadosdentrodofimlegal,etemumazonaaplicativaautónomaaqualsãoalheiososatosrestritivosdasposiçõessubjetivas,nãopodemosdeixarderejeitarestaassimilação.

3.2.1.4. A quarta modalidade (o funcionamento anormal do serviço)

Ora,aconsideraçãodofuncionamentoanormaldoserviçoenquantoumamo-dalidadeautónomadailicitudeobjetivanãoépacíficanasdoutrinasapesardaapar-enteclarezadolegisladornaredaçãodoart.9.º/2.

Porexemplo,CarlosCadilhadefendeexpressamentequeaverificaçãodeummerofuncionamentoanormaldoserviçonãoésuficienteparaafirmarumailicitude(objetiva);paraisso,énecessárioaindapreencherumadasmodalidadesprevistasnoart. 9.º/1 (antijuridicidade, violação das regras técnicas e a violação de deveres decuidado)98.Porisso,nofundo,mesmoqueoautoraindaconsidereofuncionamentoanormaldoserviçocomomatériadailicitude,rejeitadeperspetiva-lácomoumacláu-sulaautónomadailicitude.

Entretanto,umapartesignificativadadoutrina defendequeofuncionamentoanormaldoserviçoéumamodalidadeautónomadailicitude,comumconteúdopar-ticularfaceàsmodalidadesprevistasnoart.9.º/199 100.Paraestacorrentedoutrinária,

98 V. Cadilha,Carlos,Regime..., cit.,p.195.99 V.g. Expressamente,Almeida,Arosode,Teoria..., cit. p.508-511; idem, “Anotação ao art.

9.º”,p.249-254.100Aníveldajurisprudência,aquestãodesaberseofuncionamentoanormaldoserviçoéou

nãoumamodalidadeautónomada ilicitudeobjetivaaindanãochegaaser tratadaautonomamente–atéporqueemvirtudedamorosidadenajustiça,osacórdãosproferidospelosTribunaisCentraisAd-ministrativosepeloSTAatéagoranasededaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstadosão,namaioria,concernentesàaplicaçãodoDecreto-Lein.º48051.

MasmesmoatravésdeumaanálisesucintadosexistentesacórdãosproferidosàluzdaLein.º67/2007,podemosrepararqueemtocanteàquestãoemapreço,emvezdeumaclareza,temosumaconfusãojurisprudencial.

Porexemplo,noAc.2016/03/31(processo0584/14),oSTA,pelomenosimplicitamente,afirmaestaautonomiaaodizerque“para o preenchimento do requisito da ilicitude importa aferir in casu da

Page 40: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

LEONG, HONG CHENG

40

aintencionalidadenormativadafiguraconsiste-seemtornaroEstado-Administraçãoautonomamenteresponsávelnoscasosemqueofuncionamentodeumserviço,queafastadeumfuncionamento razoavelmenteexigível segundoascircunstânciascon-cretasdocasoeopadrãomédioderesultados(art.7.º/4),causadanos,masnãoépossívelidentificarnocasooautormaterialdoatolesivo(atoconcretoestequepodesemsequerexiste).Ecomoagoraacondutapropriamenteditajánãotemrelevânciana delimitação da ilicitude (relevância esta que agora é consumada pela dimensãode resultado) por não existir um autor identificável (o caso da culpa anónima), oupornemsequerexistirumacondutaconcretadestacável(ocasodaculpa coletiva);jánãoéexigível,paraaafirmaçãoda ilicitudedestamodalidade,opreenchimentodorequisitodaantijuridicidade,violaçãodasregrastécnicas,ouviolaçãodosdeveresdecuidado–quesãotodospadrõesdecensuraobjetivadirigidaaumaconduta.

Ora,especialmenteemvirtudedesteúltimotraçodoregimedofuncionamentoanormaldoserviço,ficapossibilitadaaassimilaçãodaviolaçãodoprincípiodaeficiênciaaestamodalidadeautónomadailicitudeobjetivapeladoutrinaquedefendeainjusti-ciabilidadedesteprincípio.Assimilaçãopossívelestaqueéconfirmadaapartirdomo-mentoemqueoprincípiodaeficiênciaaparececomoumadimensãodoprincípiodaboaadministração,cujaviolaçãoevidenciaumaanormalidadenofuncionamentodoserviço.

Todavia,comotemosocasionalmentediscutidosupra,estaviadetornarilícitaaviolaçãodoprincípiodaeficiênciapadecedeumaincoerênciaargumentativa, jus-ticiabilizando implicitamenteoqueab initio seconsideroucomo injusticiável.Aliás,

existência de ação ou omissão violadora de disposições ou princípios [constitucionais, legais ou regulamen-tares], ou de regras de ordem técnica ou de deveres objetivos de cuidado, ou resultado do funcionamento anormal do serviço, ofensivos de direitos ou interesses legalmente protegidos)” (sublinhadonosso).

JánoAc.2015/09/11(processo00095/11.5BEVIS),parecequeoTCANnegueestaautonomianamedidaemqueconsideraque“quanto à ilicitude...o conceito de ilícito tem a sua amplitude fixada no art. 9º...: consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos (n.º 1). Sabe-se também que a ilicitude não se basta com a mera ilegalidade, antes pressu-põe a violação de um direito subjetivo ou de um interesse legalmente protegido, ou seja, de uma norma que se destine a proteger o interesse de outrem. Quanto aos atos materiais, há ilicitude quando houver violação das normas legais e regulamentares ou dos princípios gerais aplicáveis, ou ainda quando hou-ver violação das regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”(otribunalporissonãoenunciaoart.9.º/2–funcionamentoanormaldoserviço–comoumacláusuladailicitude);erefereafiguradofuncionamentoanormaldoserviçosomenteaníveldaculpa.

EntretantonoAc.2016/04/21(processo00013/10.4BEPNF),oTCANmanifestaoutraposição,tratandoofuncionamentoanormaldoserviçocomoumadasfontesdailicitudeobjetiva.Todavia,nesteacórdão,parece-nosqueotribunal,emvezdeatribuirumaautonomiamaterialàfiguraemapreço,confundam-nasobretudocomamodalidadede“violaçãodosdeveresdecuidado”–in casu, o dever desinalizaçãoouremoçãodepedrasnaviapúblicas.Confusãoestaque,contudo, jánãoseverifica,porexemplo,emrelaçãoaoAc.2015/11/06TCAN(processo00923/13.7BEPRT),emqueotribunalnãoenquadraoproblemadaviolaçãodo“deverdasinalizaçãodaexistênciadelençoldeáguanavia”noseiodofuncionamentoanormaldoserviço.

AníveldoMinistérioPúblico, a confusãodafigurade “funcionamentoanormaldo serviço”comosdeveresobjetivosdecuidadoépatentetambémnoseuparecer(data:2011/01/31;processo07175/11)prestadoaoTCAS(Ac.2011/12/14).

Page 41: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE ...

41

estatentativaacarretaaconsequênciaperigosadetransformaroart.9.º/2numapo-tencialcláusuladaexpansãodaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado-Ad-ministração, que está totalmente fora da intenção legislativa na consagração destanorma,quecomoveremos,visaantesdetudo,supriradificuldadeimputacionalnoscasosdaculpacoletivaeculpaanónima.Alémdomais,estatentativadaassimilaçãooriginaumavexata quaestio cujaresoluçãoinadequadapodeprovocaratéadistorçãofuncionaldafiguraemcausa.

Esta vexata quaestioé:seaviolaçãodoprincípiodaeficiênciaoriginardeumacondutaconcretadestacáveleforidentificáveloautormaterialdoato,podemosapli-caraindaestamodalidadedailicitude?

a)Seforfielàfinalidadeoriginária101dacriaçãodafiguraemapreço,quecor-respondeà faute du service daordemjurídicafrancesa,eàfinalidadedaimportaçãodestafiguraparaanossaordemjurídica,quevisaassinalaracapacidadejurídicadoEstadodeserumcentroautónomodeimputaçãojurídica,eantesdetudoultrapassaradificuldadeimputacionlnoscasosdaculpacoletivaedaculpaanónima,arespostadevesernegativa.

Istoporquesimplesmentedito,como in casuestamosperanteumcasoclaroda faute personnelle,nãosejustificaarazãodaaplicaçãodafiguraemcausa102. Por conseguinte,seaviolaçãodoprincípiodaeficiêncianumparticularcasotambémnãoimplicarqualquerviolaçãodedeveresdecuidado(eseseinsistiraindanainjusticiab-ilidadedoprincípiodaeficiência),estamosperanteumcasoemqueaviolaçãodeumdeverjurídicoporpartedaAdministraçãoéextracontratualmenteirresponsável–estaimpunidadenãodeixadesuscitargraveproblemadajustiçareintegrativa.Soluçãoestaquetambémétotalmenteincompreensívelàluzdateleonomologiadaresponsabili-dadecivilextracontratualdoEstado-Administração.

b)Jáseseinsistiremassimilaraviolaçãodoprincípiodaeficiênciaàmodali-dadedofuncionamentoanormaldoserviçoapesardaverificaçãodeumafaute per-

101Dizemos“originária”porqueafiguradepoisfoidesenvolvidaeenriquecidanaordemjurídi-cafrancesa, levandoaqueafiguratematualmentemaisâmbitosdeaplicaçãodoquenasuaversãoprimitiva.ComosetemreveladonoestudodeRhitaBousta,atualmente,emgeral,“afautedeservicepode ser definida como um disfuncionamento do serviço público resultante da inobservância dos deve-res incumbidos à Administração dentro do quadro das suas missões”.Desdemodo,parecequeasideiasdaculpacoletivaeculpaanónimajásefiquemmarginalizadasdaessênciadafigura.Cf.Bousta,Rhita,Essai sur..., cit., p.307.

102Parece-nosqueestasejaaposiçãodoSTAtomadanojácitadoAc.2016/03/31(processo0584/14).Nesteacórdão,oSupremoTribunal,depoisdeterdefendido implicitamentequeofuncio-namentoanormaldoserviçoéumamodalidadeautónomadailicitudeatravésdeenunciarque“para o preenchimento do requisito da ilicitude importa aferir in casu da existência de ação ou omissão vio-ladora de disposições ou princípios [constitucionais, legais ou regulamentares], ou de regras de ordem técnica ou de deveres objetivos de cuidado, ou resultado do funcionamento anormal do serviço, ofen-sivos de direitos ou interesses legalmente protegidos)” (sublinhadonosso);advogaque“mostrando-se atribuída ou imputada uma conduta a um concreto funcionário ou agente..., temos que a situação jurí-dica subspecie,... não pode ser subsumida ao conceito de “funcionamento anormal do referido serviço” [cfr. arts. 07.º, n.ºs 3 e 4 e 09.º, n.º 2, do «RRCEE»] e, assim, se possa concluir estarmos perante conduta ilícita à luz de tal enquadramento”.

Page 42: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

LEONG, HONG CHENG

42

sonnelle,sobretudoparaevitarosupraditoproblemadainjustiça,está-seadistorcerafunçãonuclear(originária)dafigura.

Mesmoqueconsiderequenãoestamosperanteumadistorçãofuncional,massimumdesenvolvimento evolutivo da figura (consoante o seu desenvolvimento naFrança),aproblematizaçãonãoseficaporaqui–temosdesaber:aplicandoassimafiguradafaute du service,podemosaindanaaçãodaresponsabilidadearguirafaute personnelle?QuestãoestaquetemumaligaçãoíntimacomamatériadarepartiçãodaresponsabilidadeentreoEstadoeoagente-lesantenarelaçãoexterna,quetemgranderepercussãonarelaçãointernanamatériadodireitoderegresso.

i)SeforfielaoregimevigentedarepartiçãodaresponsabilidadeentreoEstadoeofuncionário-lesante,nãodeveadmitiraarguiçãodafaute personnellenumaaçãodaresponsabilidadefundamentadanafaute du service.Istoporquecomoasdoutrinasemgeralinterpretamoart.7.º/3daLein.º67/2007,nocasodafaute du service,esta-mosperanteumaresponsabilidadeexclusivadoEstado-Administração103.

Todavia, este entendimento é defeituoso porque: por um lado, este regimevigente da repartição da responsabilidade no caso do funcionamento anormal doserviçofoipensadosobretudoparaoscasosdaculpacoletivaeculpaanónima.Porisso,sedefender/defendesseumainterpretaçãoatualistadafiguradafaute du service quetemumaaplicaçãoparaalémdoscasosdaculpacoletivaeculpaanónima,deve/deveria tambémcoerentemente interpretardamaneiraatualizadaoart.7.º/3parapermitiraarguiçãoda faute personnelle emcumulaçãocomaarguiçãoda faute du servicequandoestivermosperanteumcasonãodaculpacoletivaouculpaanónima,masemqueoatolesivoconcretodofuncionárioserevelasimultaneamenteum“dis-funcionamento do serviço público resultante da inobservânciadosdeveresincumbidosàAdministração dentro do quadro das suas missões”.

Poroutrolado,esteentendimentoimplicaumanegaçãodafaute personnelle, an-tesdemais,narelaçãoexternadaresponsabilidade.Ecomooregimevigentetambémnãoprevêodireitoderegresso(ou,noutrainterpretação–comquenãoconcordamos–nãoprevêaobrigatoriedadedoseuexercício)paraocasodaresponsabilidadeexclu-sivadoEstadoperanteolesado;ofuncionárioqueviolouoprincípiodaeficiênciaficariaimunedaobrigaçãodaindemnização.Assimsendo,ficariapostaemcausagravementeafunçãoeducativadaresponsabilidade,umavezqueosfuncionáriossaberiamporissoqueelespoderiamagirineficientemente,atécomdolo,masnãoseriaresponsávelpes-soalmenteporcausadisso;oEstadotambémsetornarianumseguradordafaute per-sonnelle dosfuncionáriosnoincumprimentodoprincípiodaeficiência.

ii)Sepelocontrário,aceitarumacumulaçãodafaute personnelle com a faute du service,advogandoumainterpretação“completamenteatualizada”doregimeda

103Consulte,entreoutros,Cadilha,Carlos,Regime...,cit.,p.163-164;Almeida,Arosode,Teo-ria...,cit.,p.495-497;idem,“Anotaçõesaoart.7.º”,inComentárioaoRegimedaResponsabilidadeCivilEx-tracontratualdoEstado(coord.RuiMedeiros),Lisboa,2013,p.217-221;Andrade,Vieirade,“Arespons-abilidadepordanosdecorrentesdoexercíciodafunçãoadministrativananovaleisobreresponsabilidadecivilextracontratualdoEstadoedemaisentespúblicos”,in RLJ,n.º3951,Coimbra,2008,p.363.

Page 43: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE ...

43

faute du serive,paraadmitirumaresponsabilidadesolidáriaentreofuncionáriofalto-so e o Estado104;osproblemasdaincoerênciaedapreteriçãodafunçãoeducativadaresponsabilidadejáficamresolvidos.

Contudo,nemporissoestaposiçãoédefensável.Nanossaperspetiva,trata-sedeumatesequeétotalmentecontráriaàintençãolegislativanaimportaçãodafigurada faute du service paraaordemjurídicaportuguesa.

Semdúvidas,afiguradafaute du servicenaordemjurídicafrancesatemevoluí-dobastante,naqualasdoutrinaseas jurisprudências jácomeçamaaceitaraapli-caçãodatécnicadafaute du service foradoscasosdaculpacoletivaeculpaanónimaeapossibilidadedacumulaçãodafaute du service com a faute personnelle. No en-tanto,averdadeéqueaimportaçãopelolegisladordaLein.º67/2007dafiguradafaute du service nãosignifica,demodonenhum,aconsagraçãodeumacláusuladaatualizaçãodaordemjurídicaportuguesaconsonanteodesenvolvimentodestafiguranasuaordemdaorigem.Destarte,uma“atualização”destegénero,totalmenteforadaintençãolegislativa,implicariaumaverdadeirareformadoregime,emlugardeummeroproblemada interpretaçãoatualista.Emesmoquenãosepossa ignorarque,como VieiradeAndradeensinou,amatériadaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstadoéumterrenoemqueseevidenciaumaaproximaçãodocivil law ao case lawumavezqueéessencialmenteajurisprudênciaquecontribuiparaadensificaçãoeevoluçãodoinstituto105,eporissonãopodemossobrevalorizarovalordaintençãolegislativa;ofactoéquea jurisprudênciaportuguesanãotemmanifestadoesta ini-ciativade“enriquecimento”dafiguradafaute de serviceconsoanteoquetemsidodecorridonaFrança.

Ora,depoisdestepercursomaisoumenoslongo,julgamosquesejaclaroquenãopodemosdeixarderecusaraassimilaçãodaviolaçãodoprincípiodaeficiênciaàfaute du serviceenquantoumamodalidadeautónomadailicitudeobjetiva.

Semdúvidas,sobretudoquandoadotarumaconceçãoampladoprincípiodaboaadministração,queabrangecertamenteoprincípiodaeficiência;aviolaçãodoprincípiodaboaadministraçãoequivalebasicamenteaumfuncionamentoanormaldoserviçoeporissoaassimilaçãodoprincípiodaeficiênciaaofuncionamentoanor-maldo serviçopareçaque fossepacífica.Contudo,apartirdomomentoemqueoprincípiodaeficiência,queocupavaumpapelpredominantenadimensãometa-jurídi-

104 Neste sentido, expressamente: Barra, Tiago Viana, “Nótula sobre a faute du service na responsabilidadedoEstado”,in O Direito, Ano145.º,Lisboa,2013(IV),p.1026.Citando:“...a responsa-bilidade por funcionamento anormal do serviço não suprime a responsabilidade individual do titular do órgão, agente ou funcionário. A responsabilidade das entidades públicas não exclui necessariamente a solidariedade daqueles com as mesmas nem o direito de regresso contra o titular do órgão, funcionário ou agente”; “...devem as entidades proceder ao direito de regresso para não onerar o contribuinte”que“contribui poderosamente para a melhoria de qualidade deste [o titular do órgão, funcionário ou agente]”.

105Cf.Andrade,Vieirade,“Panoramageraldodireitodaresponsabilidade“civil”daAdmin-istraçãoPúblicaemPortugal”, in La Responsabilidad Patrimonial de los Poderes Públicos, III, Coloqui Hispano-Luso de Derecho Administrativo, Valladolid,1999,p.47.

Page 44: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

LEONG, HONG CHENG

44

ca do princípio da boa administração, fica juridicizada e passa a ser justiciável, ba-sicamente jánãohánecessidadederecorreraofuncionamentoanormaldoserviçoenquantoumamodalidadeautónomadailicitudeparaassimfundamentararespons-abilidadedoEstado-Administraçãoqueviolaoprincípiodaeficiência;bastarecorreràprimeiramodalidadedailicitude(violaçãodasnormaseprincípiojurídicos).

Além disso, como a parte nuclear (se não a totalidade) da dimensão me-ta-jurídicadoprincípiodaboaadministraçãoficajájuridicizadacomajuridicizaçãoea“justiciabilização”doprincípiodaeficiência,tornam-sepoucofrequentesoscasosemqueexisteumfuncionamentoanormaldoserviçoquenãosepodemreconduziràsmodalidadesdailicitudeobjetivaplasmadasnoart.9.º/1.Desdemodo,jánãohánecessidadederecorrerforçosamenteàfiguradafaute du serviceparacorrigirain-justiçaquesepodeprovocarnocasodairresponsabilidadedaAdministraçãoqueviolaoprincípiodaeficiênciaemaisamplamente,oprincípiodaboaadministração.

Elevamosatéamaislonge–defendemosquedevedeixardeconsiderarofun-cionamentoanormaldoserviçocomoumamodalidadeautónomadailicitude,aderin-doassim,nestaparte,àaludidaposiçãodeCarlosCadilha.

Semdúvidas,istopodelevaraqueoincumprimentodadimensãoinjusticiável(principalmenteporsepermanecermeta-jurídica)dodeverdaboaadministraçãosejairresponsável–masseconsideraristoumainjustiça,anossover,oquesedeverealizaréajuridicizaçãoejusticializaçãodasnormasouprincípiosmeta-jurídicosemcausa;emlugardeinsistir-seemdefenderameta-juridicidadee/ouanãojusticiabilidadedesteseentretantotentararranjarum“atalho”paraimplicitamentepermitirjusticiáveloquenãodeveser,sóparaoefeitodaresponsabilização.“Atalho”esteque,paraalémdepadecerdoerrometodológico,representaumatentativajuridicamenteinfundadadaincessanteexpansãodaresponsabilidadecivildoEstado106.

Preferimosmanterafiguradafaute du service nonossoordenamentojurídi-cofielàsuafinalidadeoriginária,aplicando-sesónoscasosdaculpacoletivaeculpaanónima.Assimsendo,advogamosconsiderarafaute du servicecomoumatécnicadaimputaçãoenãoumamodalidadeautónomadailicitude.Destarte,de iure condendo,julgamosquesejamaisconvenienteretiraracláusuladafaute du serivedoart.9.ºdaLein.º67/2007,criandoumartigoseparadoquetrataautonomamenteosproblemasdaimputação,reservandoaliumlugaràfiguradafaute du service.

No fim, acrescentamos uma nota de que, com a assimilação da violaçãoprincípiodaeficiênciaàprimeiramodalidadedailicitudeobjetiva(violaçãodasnormaseprincípios jurídicos),ofuncionárioquevioloucomdoloouculpagraveoprincípiodaeficiêncianoexercíciodasuafunçãopassaapoderserresponsávelsolidariamenteparacomoEstadoporforçadoart.8.º/1,2daLein.º67/2007–poisseevitaodiscuti-doproblemadacumulaçãodafaute du service com a faute personnelle.

106 A nossa posição da responsabilidade pela violação do princípio da eficiênciaper se rep-resenta tambémumaexpansãoda responsabilidadecivildoEstado-Administração.Noentanto,estaposiçãoéjuridicamentefundamentadaeestáconsoanteàrecenteevoluçãododireitopositivointernoesupranacional.

Page 45: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE ...

45

Estaresponsabilidade individualdofuncionárioé importantesobretudoparaoefeitoeducativo–massemdúvidas,temosdeenfrentarumparadoxo:senãore-sponsabilizarosfuncionários,elesnãotêmincentivoparaagireficientemente;masseosresponsabilizar,podecorreroriscodeostornardemasiadocautelososnoexercíciodasuafunção,quenãoé“saudável”dopontodavistadaeficiência.

Neste aspeto, sema ambiçãode tomarposição, émuito interessante a res-olução tomadanaordem jurídica italiana (Lei n.º 15/2009), emque, segundoa in-troduçãodeMarioR.Spasiano,foiconsagradaumaplenaautonomiadagestãodosdirigentesdonívelmaisaltonaAdministraçãoPública–agora,opapeldestesdirigen-tesébasicamenteequivalenteaumempregador,quevalorizaeasseguraaprestação(oresultado)dos“seus”colaboradores.Seestesdirigentesfalharememasseguraraeficiência do serviço emque eles trabalham, eles incorremnuma responsabilidadeespecífica,queseconsistenareduçãodaumapartedasuaremuneração107.

3.3. O lugar da violação do princípio da eficiência na ilicitude subjetiva

Emregra,paraquemadotaumaconceçãoqueconsideraqueoprincípiodaefi-ciência,nomomentodocontrolojurisdicional,éummeroprincípiodolimitedesacri-fício,aproblemáticaemapreçonãotemautonomiaindagatória.Istoporqueentãoasposiçõessubjetivasofendidasquandohouverumaviolaçãodoprincípiodaeficiência,em regra não nascem ipso iuredoprincípiodaeficiência.Querdizer, tratam-sedasposições subjetivasqueexistem independentemente do princípio da eficiência,massãosacrificadasilegitimamenteemvirtudedainobediênciadeumlimitedesacrifício.Assimsendo,a investigaçãodeseestasposiçõessubjetivassacrificadassãodireitossubjetivosouinteresseslegalmenteprotegidos(ilicitudesubjetiva),nãotemconexãocomaproblemáticadoprincípiodaeficiência.

Contudo, recordando,paranós,oprincípiodaeficiênciaéumprincípiocomconteúdo positivoqueimpõeumaotimizaçãoequilibradadosmeiosedosresultadosàsdecisõesdaAdministraçãoPública,easuazonaaplicativaautónomaconsiste-senashipótesesdemelhoramentopuroesimplesdostato quadoscidadãos–pensa-senocasodaconcretizaçãoadministrativadosdireitossociais,económicosouculturais;aqui,seaAdministraçãoefetuarestatarefadamaneiraadequadamasafizerdeumamaneiranãoótima–salvonoscasosdeomissõeserecusas(quenãodeixamdeserumaescolhademeioeresultado)–nãoháaquiofensadosdireitossociais,económi-cosouculturaisemcausaqueficamefetivaeadequadamenteconcretizados.Porisso,seaindapuder/pudessedefenderaquiumailicitudesubjetiva,asposiçõessubjetivasvioladasnãopoderão/nãopoderiamseroutrassenãoaquelasquenascemipso iure doprincípiodaeficiênciaper se. Por conseguinte, a indagaçãoque seurge realizaragoraconsiste-seemsaber1)seoscidadãostêmumdireitosubjetivoaumacondu-taadministrativaeficiente(problemáticadaprimeiramodalidadedailicitudesubjeti-

107 V. Spasiano,MarioR.,“Ilprincipio...”,cit., p.29-30.

Page 46: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

LEONG, HONG CHENG

46

va);e2)seoprincípiodaeficiênciapodeserconsideradocomoumanormalegaldaproteção(aproblemáticadasegundamodalidade) 108.

3.3.1. Existe um direito subjetivo a uma conduta administrativa eficiente?

Antes de entrar diretamentenesta problemática, é oportuno recordar que, emgeral,paraasdoutrinas,oprincípiodaboaadministração(dentrodoqualencontramosoprincípiodaeficiência)nãotemumadimensãosubjetivizantegarantística.Trata-sedeumdeverjurídicoemsentidoestritoaoqualnãocorrespondenenhumdireitosubjetivo109.

Contudo,esteentendimentofoiespecialmenteperturbadoapartirdomomentoemqueaCartadosDireitosFundamentaisdaUniãoEuropeia,nocujoart.41.º,consagra“umdireitoaumaboaadministração”.Todavia,apesarda inquietaçãoprovocadaporestanovidadenormativa,asdoutrinasmantêmbasicamentefieisaoentendimentodequeoprincípiodaboaadministraçãonãodádireitosubjetivo–oart.41.ºdaCarta,paraalémdepadecerdeumpensamentodemasiadoredutordoconceitodaboaadminis-tração110,temumtítuloenganoso;comoumapartesignificativadadoutrinadefende,paraquepossahouverdireitosubjetivo,énecessárioqueestamosperanteumapre-tensãocomconteúdopreciso,quenãocorrespondeaocasodoart.41.ºdaCarta111. E como RhitaBoustaassinala,oTribunalEuropeudosDireitosdosHomenstambémestápoucoinclinadoaimplementarumdireitoindividualaumaboaadministração112.

Mesmonumcontextoindependentedoconteúdodesteartigo,comoArosodeAlmeida(adeptodeumconceitoamplodaboaadministração)defende,“é... evidente queoconceitodeboaadministração, pela amplitude e heterogeneidade das tarefas

108Oupense-senumcasoemqueaAdministração,poriniciativaoficiosa,realizouum“cursodeequivalência”paraosalunosquenãoconseguementrarnos institutosdeensino superior.AAdminis-tração,contudo,organizouocursodeumamaneiramanifestamenteineficiente.Porcausadisto,oresul-tadodocursoéinsatisfatórioquelevaaqueosparticipantesficamdiscriminadosnomercadodetrabalho.

ImaginaquenãoexistaquaisquerrelaçõescontratuaisentreaAdministraçãoeosparticipantes.OsdanoscausadosaosparticipantessãoressarcíveisnasededaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado-Administração?Emtermosdailicitude,éinquestionávelqueexisteumailicitudeobjetiva–aviolaçãodoprincípiodaeficiênciaper se. Masquetalailicitudesubjetiva?Existemalgumasposiçõessubjetivasdosparticipantesqueficaramvioladas?Nanossaperspetiva,nãohánadasenãoaexpectati-vadosparticipantesnumaatuaçãoótimadaAdministraçãoqueficoufrustrada–masestaexpectativapodesersublimadaaumverdadeirodireitosubjetivooupelomenosuminteresselegalmenteprotegi-do?Eisaquestãoquepretendemosindagar.

109Esta ideia foidefendida,pelomenos implicitamente, logoem1955porRogérioSoares:v.Soares,Rogério,Interesse Público..., cit., p.198-199,emqueoinsignejuristadefendequeodeverdaboaadministraçãoéum“autênticodeverjurídico”,erectius,uma“situaçãojurídicapassivaindependente”.

Parecequeestatambéméaposiçãomaioritárianaordemjurídicafrancesa.Sobreisto,con-sulte,Bousta,Rhita,Essai sur..., cit.,p.266-268eavastabibliografialáindicada.

110Vejasupra, nota31.111V.entreoutros,Almeida,Arosode,“OProvedor...”,cit., p.19-21;Delvolvé,M.Pierre,“Rap-

portgeneral”,in Conférence Européenne: a la Recherche d´une Bonne Administration,Varsóvia,2007, disponível: http://www.coe.int/t/dghl/standardsetting/cdcj/Administrative%20law/Conferences/DA-ba-Conf%20_2007_%2015%20f%20-%20P.%20Delvolvé.pdf,p.11-12

112 V. Bousta,Rhita,Essai sur..., cit.,p.270,louvando-seemMierzewska.

Page 47: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE ...

47

que oneram a Administração Pública nas sociedades modernas, faz apelo à satisfação de uma multiplicidade de valências que não podem ser, todas elas, traduzidas em di-reitos subjetivos”113.

Ora,seéverdadequeoprincípiodaboaadministraçãonãotemacapacidadedeoriginarumdireitosubjetivo,amesmacoisadeveaconteceremrelaçãoaoprincípiodaeficiência,tendoemcontaqueoprincípiodaeficiênciapornósdefendidotemumconteúdoprecisoqueseconsistenumaexigênciadaotimizaçãoequilibradadosmeiosedosresultadosdentrodofimlegal?

Antesdetomarmosposição,éútilrefletirmosatesedeRhitaBousta.Para a autora,aboaadministraçãotemumconceitoeumconteúdoprecisoqueseconsistenumaexigênciade“adaptaçãoequilibradadosmeios”(queporisso,repetimos,temumagrandesemelhançaànossacompreensãodoprincípiodaeficiência).Contudo,nemporissoaautoradefendeaexistênciadeumdireitosubjetivoaumaboaadmin-istração. Para a autora, que adotaumconceito estritododireito subjetivo (i.e. umdireito, judicialmentetutelado,deexigirumadeterminadaprestaçãoaalguém),emvirtudedonecessáriorespeitopeladiscricionariedadeadministrativa,nãofazsentidoatribuiraoscidadãosumdireitodeexigirjudicialmenteàAdministraçãoocumprimen-tododeverdaboaadministração114 115.

A nosso ver, amesma compreensão é analogicamente aplicável no caso doprincípio da eficiência. Concretizando,mesmoqueparanós, o princípio da eficiên-ciasejajurídicoejusticiávelerepresenteclaramenteumalegalizaçãodomérito,per-mitindoumaintervençãodotribunalnafiscalizaçãodojuízodoméritoadministrativo;esta intervenção judicialnuncapodeconsubstanciarnumasubstituiçãodo juízoad-ministrativo,sobpenadeviolaronúcleoessencialdoprincípiodaseparaçãodospo-deres.Destarte,comoserepara,quandoindagámosajusticiabilidadedoprincípiodaeficiência,defendemosafirmativamentequeocontrolojudicial(adisparidadedevistajudicial)éesópodeserumcontrolonegativo,queseconsistenumpoderdeapreciaredeclararanaturezanãoótimadeumacertaescolhaadministrativa,emvezdeumpoderpositivodeidentificarecondenaraAdministraçãoàadoçãodeumadetermi-nadadecisãoqueotribunal,noseujuízosubstitutivo,julgaquesejaaótima.Porisso,seadotaromesmoconceitoestritododireitosubjetivorecorridoporRhitaBousta,teráderejeitartambémaexistênciadeumdireitoàumadecisãoeficiente–queteriacomoconsequênciaimediataanegaçãodaprimeiramodalidadedailicitudesubjetiva.

Todavia,ainvestigaçãoaindanãoseficacompleta.Semdúvidas,doprincípiodaeficiêncianãonasceumdireitosubjetivonaquelesentidoestrito.Noentanto,nãoháindíciosdequeolegisladordaLein.º67/2007,aoconsagraaprimeiramodalidade

113Cf.Almeida,Arosode,“OProvedor...”,cit., p.20.114 V. Bousta,Rhita,Essai sur..., cit., p.274-280.115 Como Vieira de Andrade ensina, “[t]radicionalmente.... entendendo-se que, em regra, o

particular dispunha apenas de interesses legítimos em face da Administração, designadamente quando e na medida em que esta gozasse de algum espaço de discricionariedade”.Cf.Andrade,Vieirade,Lições de Direito Administrativo, Coimbra,2015,p.70-71.

Page 48: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

LEONG, HONG CHENG

48

dailicitudesubjetivacomoaviolaçãodosdireitossubjetivos,temadotadoestecon-ceitoestritododireitosubjetivo.ComoVieiradeAndradesalienta,nodireitoadmin-istrativo,entreo“direitosubjetivo”eo“interesse legalmenteprotegido”nãoexisteumadicotomiaestanque,massimuma“continuidadegradativa”–peloqueentreo“direitosubjetivopleno”eo“interesselegalmenteprotegido”,existeumconjuntodosdireitossubjetivoscommenor“graudedensidadenormativa”116.Ora,paraquenãoexistauma lacunadeproteçãoaoníveldaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado, julgamos que é imprescindível interpretar o conceito do “direito subjetivo”doart.9.ºdaLein.º67/2007damaneiraextensiva,paraabrangertambémosdireit-ossubjetivos“enfraquecidos”emsentidoamplo–estamosassimperantemaisumaparticularidadedo conceitoda ilicitudeda responsabilidade civil do Estado face aoconceitodailicitudedaresponsabilidadepuramenteprivatística.

Sóque,mesmoqueadoteestanoçãoampladodireitosubjetivo,nãonosparecequepossamosassimilaraviolaçãodoprincípiodaeficiênciaàprimeiramodalidadedailicitudesubjetiva.Istoporque,comoasdoutrinastêmdevidamenteassinalado,aes-sênciadaatribuiçãodeumdireitosubjetivoconsiste-senumaintençãonormativadeprotegeruminteresseindividualizado“emprimeiralinha”117.

Nocasodoprincípiodaeficiência,aintençãonormativasubjacente,nanossaperspetiva,nãoseconsisteemproteger“emprimeiralinha”osinteressesindividuaisdosdeterminadoscidadãos.Elevisa,antes,protegerointeressepúblicoprimacialíssi-modagarantiadeumaadministraçãoqueagesempredamelhormaneirapossívelnaprossecuçãodosinteressespúblicos.

Destarte, rejeitamosaexistênciadeumdireito subjetivoaumacondutaad-ministrativaeficiente,quetemcomoconsequênciaanãoassimilaçãodaviolaçãodoprincípiodaeficiênciaàprimeiramodalidadedailicitudesubjetiva.

3.3.2. O princípio da eficiência é uma norma de proteção?

Tendorejeitadoaassimilaçãoàprimeiramodalidadedailicitudesubjetiva,logi-camentesejustificaatentativaderecorreràsegundamodalidadequeseconsistena“violaçãodosinteresseslegalmenteprotegidos”.

Ora,comoailicitudesubjetivaemglobalseconsubstancianumaproveitamen-todasaquisiçõesjurídicascivilísticaparaodireitoadministrativo,podemosedevemosrecorreraoensinamentodasdoutrinascivilísticapararefletirseoprincípiodaeficiên-ciaésuscetívelserconsideradocomoumanormadeproteção–edaíumafontedo“interesselegalmenteprotegido”.

Como ensina AntunesVarela,asnormasdeproteçãosãoleis118queprotegemcertosinteressesparticularescomoumdosfinsintencionaisdanormaemcausa,mas

116 V. ibidem,p.75-76.117V.entreoutros,ibidem,p.71-72;Amaral,Freitasde,Curso..., cit., p.59ss..118 Rectius leisemsentidomaterial,comoesclareceSindeMonteiro.Cf.Monteiro,Sinde,Res-

ponsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações,Coimbra,1989,p.245-246.

Page 49: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE ...

49

semqueconcedamaosseustitularesumdireitosubjetivo119.Noentanto,comoSindeMonteirodestacou,nemsempreéfácilsaberseanormavisaprotegersóacoletivi-dadeemgeral,oupelocontráriovisatambémaproteçãodosindivíduos.Eestadificul-dadeaumenta-senapráticaumavezquecomooilustrejuristaassinalou“[o] interesse geral não é, na maior parte das vezes, coisa diferentes da soma dos interesses particu-lares, pelo que a proteção institucional não será em regra um fim autónomo, estando também ao serviço da proteção dos indivíduos”. Por isso, o autor (louvando-se emCanarisquechamaatençãoparaofactodequeaviolaçãodosinteresseslegalmenteprotegidoséumamodalidadedailicitudeconsagradacomafinalidadebemclaradecomplementar a primeiramodalidade “violação dos direitos subjetivos”; e por issoquenãopodemosserdemasiadogenerososobpenadeperturbaroequilíbrioentreasmodalidades)acabapordefenderumaposição,nanossaperspetiva,restritiva,dequeno caso de dúvida na interpretação,“...tratar-se ou não de uma disposição penal servirá como importante critério de decisão” 120.

Nanossaperspetiva,emboranãosedevatransportaro“critériopenal”paraoregimedaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado,éproveitosaaprópriacauteladenãoabusarestasegundamodalidadedailicitude(subjetiva)–reparaqueolegisladordaLein.º67/2007,aoconsagraramodalidadeda“violaçãodosinteresseslegalmenteprotegidos”, temum igualpropósitodecomplementaramodalidadeda“violaçãododireitosubjetivo”edeafastardoâmbitodaproteçãodoregimeosmerosinteressereflexoseosinteressesdefacto.

Ora,focandonovamentenoprincípiodaeficiência,comafinalidadedesaberseeleéounãoumanormadeproteçãocombasenasconsideraçõestraçadas,apri-meiranotaaexaltaré:esteprincípiovisaprotegerantesdomaisuminteressepúblicoprimacial, que é, a prossecução damaneira substancialmente ótimados interessespúblicos pela Administração Pública, protegendo assim o bem-estar dos cidadãos.Contudo,dentrodestefimprimáriodaproteção,existeaindaumfim“nãomeramentereflexo”deconcederproteçãoindividualaoscidadãos?

SeseaplicaroensinamentovaliosodeVieiradeAndrade,segundooqual“a ju-ridificação do poder discricionário – designadamente a necessidade de a Administração atuar em conformidade com princípios gerais...– teve como consequência... [a transfor-mação dos] interesse, antes considerados meras expectativas ou interesses de facto, em interesses legalmente (isto é, juridicamente) protegidos”121,arespostaseráafirmativa.

Concordamos;mastendoemcontaarealçadacauteladenãoabusarasegundamodalidade da ilicitude subjetiva, consideramos que é necessário acrescentar umanotadeprecisão.Istoé,nanossaperspetiva,estatransformaçãodosinteressesdefac-toseminteresseslegalmenteprotegidosapenaspodeverificar-seseestivermosper-anteumarelaçãoconcretaentreaAdministraçãoeumcidadãoouumgrupodosci-dadãosdeterminado,emqueoprincípiodaeficiênciaéumaexigênciaconcretamente

119Cf.Varela,Antunes,Das Obrigações..., cit., p.536.120Consulte,portudo,Monteiro,Sinde,Responsabilidade..., cit., p.245ss.121Cf.Andrade,Vieirade,Lições..., cit., p.76-77.

Page 50: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

LEONG, HONG CHENG

50

aplicávelpararesolverosproblemasjurídicossubjacentesàrelaçãojurídico-adminis-trativaemcausa.

Concretizando:quandooprincípiodaeficiênciaéconvocávelpararesolverumproblemajurídicoconcreto,doprincípiodaeficiênciaéextraídaa“normadocaso”,tendo em conta a problematicidade implicada pela relação jurídica em causa. Esta“normadaeficiênciadocaso”,versandosobreoconcretoconflitodos interessesnaliça,protegejánãosóointeressepúblicodacoletividadeemgeral,mastambém,ag-oradiretamente,o interesse individualdoscidadãos-partesdarelaçãoconcretaemcausa.Istofazcomqueoprincípiodaeficiência,agoraemergindo-secomoa“normadocaso”,torna-senumaverdadeiranormadeproteção,transformandoosinteressesentãomeramentereflexosdoscidadãos(interessenumaadministraçãoeficiente)parauminteresselegalmenteprotegido(interesseindividualizadonumaconcretaatuaçãoeficientedaAdministração)–cujaviolaçãovaidesencadearumailicitudesubjetivadaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado-Administração.

Poroutraspalavras,foradestescasos,ouseja,quandonãohouverumarelaçãoconcretaentreaAdministraçãoeumcidadãoouumgrupodoscidadãosdeterminado(pense-senumcasoemqueaAdministração,por iniciativaoficiosa,procedeaumaconservaçãoou renovaçãodeumdomíniopúblico,quenão implica “problemasdevizinhança”);nanossaperspetiva,oprincípiodaeficiênciajánãoseemergecomoumaverdadeiranormadeproteção.Porconseguinte,a suaviolaçãonestescasos jánãoconsubstancianumailicitudesubjetivadasegundamodalidade.

Afinal, queríamos acrescentar uma nota breve,mas nãomenos importante,deque:emboranestaúltimahipótesedefendamosanãoassimilaçãodaviolaçãodoprincípiodaeficiência à segundamodalidadeda ilicitude subjetiva (muitomenos aprimeira),nãoignoramoscompletamenteapossibilidadedaresponsabilidadecivilex-tracontratualdaentidadepúblicaqueviolouoprincípiodaeficiência.Istoporque,serepara,aatuaçãoeficientedaAdministraçãoconsubstancia-senuminteressedifuso(sobretudoenquantoumadimensãoda“qualidadedavida”, tendoemcontaqueoprincípiodaeficiênciaéumaconditio sine qua nonparaaotimizaçãodobem-estarsocial),cujaofensapodedarlugaraumaaçãopopulardaresponsabilidadecivilextra-contratualdoEstado(art.1.º/2,12.ºe22.º/1daLein.º83/95,de31deAgosto)122 123.

122Apossibilidadedeintentarumaaçãopopulardaresponsabilidadecivilextracontratualcon-traaAdministraçãoqueviolouoprincípiodaeficiênciaédefendidatambémporMarioR.Spasianona ordemjurídicaitaliana.V.Spasiano,MarioR.,“Ilprincipio...”,cit., p.34.

123 In fine,éimportantíssimochamaratençãoaquenuncasedeveignorarque,talcomoemqualqueraçãodaresponsabilidadesubjetiva,paraqueopedidodeindemnizaçãosejafundamentado,éprecisoalegareprovarnãosóailicitude,mastambémcumulativamenteosrequisitosdedano,culpaenexodecausalidade(ouimputaçãoobjetiva).Donde,aviolaçãodoprincípiodaeficiência,aindaquenumcasoconcretoseconsubstancieefetivamentenumailicitudeobjetivaesubjetiva(ouumaviolaçãodosinteressesdifusos),sópodeefetivamentedesencadearumaresponsabilidadecivilextracontratualdo Estado-Administração se esta violação é simultaneamente culposa, danosa e imputável objetiva-menteàAdministração.

Page 51: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE ...

51

4. Síntese

Comocompreendemos,oestudodoprincípiodaeficiênciaémuitomaisdoqueumameraindagaçãoteóricadaprincipiologianonovodireitoadministrativo.Eleacarreta uma importância prática não despicienda e tem repercussões no entendi-mentodasváriasmatériastradicionalmenteconsideradascomonuclearesdodireitoadministrativo.Eestasrepercussõestornam-semaisavultadassobretudoapartirdomomentoemqueconferimosumsentidojuridicizadoecomumconteúdoessencial-mentepositivoaoprincípiodaeficiência,eatribuímos-loumaautonomiaconceitualfaceaoprincípiodaproporcionalidade.

Entra as várias problematizações ardentes provocadas pela integração doprincípio da eficiência (maxime, a sua dimensão substancial) na ciência do direitoadministrativo, o que investigámos neste trabalho concentra-se fundamentalmentenoestudodainfluênciadonovoentendimentodoprincípiodaeficiêncianailicitudedaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstado-Administração–ecomovimosejustificámosargumentativamente,aviolaçãodoprincípiodaeficiência,paraalémdeacarrearumproblemaimediatodajustiçareintegrativa,trazconsigoproblemasmaisprofundosdopoderdecogniçãodostribunaisadministrativosedanecessáriare-com-preensãocrítico-reflexivadafiguradafaute du service.

Porora,paranãorepetirmosoquejáficaramtraçados,limitamo-nosapenasarecordarnovamenteaimportânciadoestudodoprincípiodaeficiênciaeassuasricasrepercussõesemdiferentestemáticasjurídicas–dentrodasquais,aproblemáticaqueindagámosnestetrabalhonãoénadamaisdoque“the tip of the iceberg”.

Faceaoatualacentuadoapeloaovalordaeficiência,éprementearealizaçãodeestudoscorrespondentesparacaptaraimagemcompletaeexplorardevidamenteeste novo e gigante “iceberg” no “Oceano do Direito Administrativo”. Só com istoacreditamosque,adogmáticajurídicaemespecial,eosistemajurídicoemgeral,con-segueevidenciara “eficiência”da sua“responsividade” faceàsnovasnecessidadespráticasjuridicamenterelevantes.

Page 52: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

LEONG, HONG CHENG

52

Bibliografia

Almeida,Arosode,— Teoria Geral do Direito Administrativo. O Novo Regime do Código do Procedimento

Administrativo, Coimbra,2015—“Anotaçõesaoart.7.º”,inComentárioaoRegimedaResponsabilidadeCivilExtracontratual

doEstado(coord.RuiMedeiros),Lisboa,2013—“Anotaçõesaoart.9.º”,in Comentário ao Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual

do Estado (coord. Rui Medeiros),Lisboa,2013—“OProvedorde Justiça comogarantedaboaadministração”, in O Provedor de Justiça –

Estudos – Volume Comemorativo do 30º Aniversário da Instituição,Lisboa,2005Amaral,Freitasdo,Curso de Direito Administrativo, vol. II, Coimbra,2016Amorim,Pachecode,“Osprincípiosgeraisdaatividadeadministrativanoprojetoderevisão

doCódigodoProcedimentoAdministrativo”,in CJA,n.º100,Braga,2013Andrade,Vieirade, — Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976,Coimbra,2016— Lições de Direito Administrativo, Coimbra,2015— “Aresponsabilidadeindemnizatóriadospoderespúblicosem3D:Estadodedireito,Estado

fiscaleEstadosocial”,RLJ, n.º3969,Coimbra,2011—“Aresponsabilidadepordanosdecorrentesdoexercíciodafunçãoadministrativananova

leisobreresponsabilidadecivilextracontratualdoEstadoedemaisentespúblicos”,in RLJ,n.º3951,Coimbra,2008

— “Panorama geral do direito da responsabilidade “civil” da Administração Pública emPortugal”, in La Responsabilidad Patrimonial de los Poderes Públicos, III, Coloqui Hispano-Luso de Derecho Administrativo, Valladolid,1999

Baldwin,Robert/Cave,Martin/Lodge,Martin,Understanding Regulation, Theory, Strategy and Practice, Oxford,2012

Barbosa,MafaldaMiranda, — Responsabilidade Civil Extracontratual, Novas Perspertivas em Matéria de Nexo de

Causalidade,Cascais,2014— Liberdade vs. Responsabilidade, A Precaução como Fundamento da Imputação Delitual?,

Coimbra,2006Barra,TiagoViana, “Nótula sobrea faute du service na responsabilidadedoEstado”, in O

Direito, Ano145.º,Lisboa,2013(IV)Bousta,Rhita,-“Whosaidthatthere isa“righttogoodadministration”?Acriticalanalysisofarticle41of

theCharterofFundamentalRightsoftheEuropeanUnion”, in European Public Law, Volume 19, Issue 3, Londres,2013

— Essai sur la Notion de Bonne Administration em Droit Public, Paris,2010

Page 53: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE ...

53

Bronze,Pinto,Lições de Introdução ao Direito, Coimbra,2010Cadilha, Carlos, Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais

Entidades Públicas Anotado, Coimbra,2011Calvão, Filipa Urbano, “Princípio da eficiência”, in Revista da Faculdade de Direito da

Universidade do Porto, n.º7,Porto,2010Canotilho,Gomes/Moreira,Vital,— Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, Coimbra,2014— Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, Coimbra,2014Cooter,Robert/Ulen,Thomas,Introdution to Law and Economics, Boston,2007Cordeiro,Menezes,Tratado de Direito Civil Português VIII, Coimbra,2014Costa,Almeida,Direito das Obrigações,Coimbra,2014Delvolvé,M.Pierre,“Rapportgeneral”,in Conférence Européenne: a la Recherche d´une Bonne

Administration,Varsóvia,2007disponível:http://www.coe.int/t/dghl/standardsetting/cdcj/Administrative%20law/Conferences/DA-ba-Conf%20_2007_%2015%20f%20-%20P.%20Delvolvé.pdf

Eichhorn,Peter,— “¿Qué pueden aprender recíprocamente las empresas privadas y las Administraciones

públicas?”, in Documentación Administrativa, Madrid,1989,n.º218-219—“Elcontroldelresultadoemelgastodelosfondospúblicos”,in Documentación Administrativa,

Madrid,1989,n.º218-219Figueiredo,João,“EficiênciaelegalidadenaAdministraçãoPública”,in Revista do Tribunal de

Contas,n.º51,Lisboa,2009Frison-Roche, Marie-Anne, “Comment fonder juridiquement le pouvoir des autorités de

régulation?”,Revue d’Économie Financière,n°60,Paris,2000Gonzáles,EnriqueLópez, “Unaaproximaciónde laCienciade laAdministraciónal análisis

conceptualdelprincipiodeeficaciacomoguíadeaccióndelaAdministraciónpública”,in Documentación Administrativa, Madrid,1989,n.º218-219

Grasso, Ottavio, “I principi generali dell’attività amministrativa”, in Il Procedimento Amministrativo (a cura di Michele Corradino),Torino,2010disponível:http://www.giappichelli.it/stralci/3489772.pdf

Izdebski, M. Hubert, “Sur la voie d´une bonne administration: d´une vision à l´action”, in Conférence Européenne: a la Recherche d´une Bonne Administration,Varsóvia,2007 disponível: http://www.coe.int/t/dghl/standardsetting/cdcj/Administrative%20law/Conferences/DA-ba-Conf_2007_%2010%20f%20-%20H.%20Izdebski.pdf

Leong,HongCheng,— “Democraciaelegitimidade:ocasodasentidadesreguladorasadministrativasindependentes

–brevesreflexões”,Coimbra,2016(trabalhoinéditonomomento)—“DaimputaçãoobjetivanaresponsabilidadecivilextracontratualdoEstadodecorrentedo

exercícioda funçãoadministrativa–omomentodadelimitaçãodaesferade risco”,Coimbra,2016,(trabalhoinéditonomomento)

Linhares, Aroso, Sumário Desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito 2008-2009,Coimbra,policopiado

Page 54: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

Loureiro,João,OProcedimentoAdministrativoentreaEficiênciaeaGarantiadosParticulares,Coimbra,1995

Moniz,AnaRaquel,— “The Rulemaking Power of AdministrativeAgencies: Crisis of Legality, Rule of Law, and

Democracy”,2015disponível:http://ssrn.com/abstract=2420561— A Recusa de Aplicação de Regulamentos pela Administração com Fundamento em Invalidade.

Contributo para a Teoria dos Regulamentos, Coimbra,2012Monteiro,Sinde,Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações,Coimbra,

1989Neves,Castanheira,— Sumário de uma Lição Síntese sobre “Os Princípios Jurídicos como Dimensão Normativa do

Direito Positivo” (a Superação do Positivismo Normativista),Coimbra,1976,policopiado— Curso de Introdução ao Estudo do Direito (extractos),Coimbra,1971-1972,policopiadoOliveira, Fernanda Paula,A Discricionariedade de Planeamento Urbanística Municipal na

Dogmática Geral da Discricionariedade Administrativa,Coimbra,2011Otero,Paulo,— Direito do Procedimento Administrativo I, Coimbra,2016— O Poder de Substituição em Direito Administrativo. Enquadramento dogmático-

Constitucional, Volume II, Lisboa,1995Pacteau,Bernard,notesousT.A.deParis,6ªsect.,4novembre1976,Société des agrégats

de Seine et Affluents; C.E., sect. 27 mai 1977, Société anonyme Victor Delforge et Compagnie, rec. 253, nº98122-98123; Jurisclasseur Périodique (Semaine juridique), 1978,I,nº18778

Paillet,Michel,La Faute du Service Public em Droit Administratif Francis, Paris,1980Pereira,PauloTrigo,Economia e Finanças Públicas, Coimbra,2015Porto,Manuel,Economia: Um Texto Introdutório, Coimbra,2009Raimundo,MiguelAssis,“OsprincípiosnonovoCPAeoprincípiodaboaadministração,em

particular”, in Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo (coord.CarlaAmadoGomes,AnaFernandaNevese TiagoSerrão),Lisboa,2015

Rosanvallon,Pierre,La Légitimité Démocratique – Impartialité, Réflexivité, Proximité,Paris(ediçãodeSeuil),2008

Santos, Marta Costa, Recompreensão da Decisão Fiscal à luz do Princípio da Eficiência,Coimbra,2012,policopiado

Silva,JorgePereirade,“ÂmbitodeaplicaçãoeprincípiosgeraisnoprojetoderevisãodoCPA”,in Projeto de Revisão do Código do Procedimento Administrativo (Colóquio),Lisboa,2013

Silva,SuzanaTavaresda,— “Otetralemmadocontrolo judicialdaproporcionalidadenocontextodauniversalização

doprincípio:adequação,necessidade,ponderaçãoerazoabilidade”,in BFD, Coimbra,2012,TomoIIdisponível:https://estudogeral.sib.uc.pt/jspui/handle/10316/23213

— Um Novo Direito Administrativo?, Coimbra,2010—“Oprincípio(fundamental)daeficiência”,in Revista da Faculdade de Direito da Universidade

do Porto, n.º7,Porto,2010disponível:https://drive.google.com/file/d/0B1fVyohqdCKzMjRlMTQxNzMtMmY4ZS00OTg4LTg0NTMtNjIwNGY4YTc1ZjAz/view?ddrp=1&hl=en

Soares,Rogério,

Page 55: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co

O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE ...

55

— Interesse Público, Legalidade e Mérito, Coimbra,1955— “AdministraçãoPúblicaeocontrolojudicial”,in Revista Brasileira de Direito Comparado, n.º

15,RiodeJaneiro,1993Sousa,Capelode,Teoria Geral do Direito Civil, Volume I, Coimbra,2003Sousa, Jorgede, “Poderesdecogniçãodos tribunaisadministrativos relativamenteaactos

praticadosnoexercíciodafunçãoadministrativa”, in Julgar, n.º3,Lisboa,2007Sousa,MarceloRebelode/Matos,AndréSalgadode,Responsabilidade Civil Administrativa,

Direito Administrativo Geral, Tomo III,Lisboa,2010Spasiano,MarioR.,“Ilprincipiodibuonandamento:dalmetagiuridicoallalogicadelrisultato

in sensogiuridico”, in Studi Sui Principi del Diritto amministrativo (a cura di Mauro Renna e Fabio Saitta),Milano,2012

Varela,Antunes,Das Obrigações em Geral, Vol. I,Coimbra,2015Varela,Antunes/Lima,Piresde,Código Civil Anotado, Volume I,Coimbra,2011

Page 56: O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO “COSMOS” DA ILICITUDE DA ... · diversas posições tomadas mais a frente. 2. O princípio da eficiência – (re-)construção de um conceito jurídi-co