O príncipe Otermina história Sou filho da rainha das...

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O nde começa uma história? E onde termina? Como um grande fio, o tempo corre, sem nunca ter fim, e nele, algumas histórias começam e outras histórias terminam. Algumas vezes existem histórias entrelaçadas, como essas aqui que vou contar. Era o começo da história. E era assim: Era uma vez uma velha. Dizem que quando essa história aconteceu, ela tinha perto de cem anos. Ela morava bem depois da última aldeia. Sua casa era a mais distante do castelo. Certo dia, a velha acordou fraca e cansada, com vontade de comer feijoada. Ela pensou que sua vida estava no final. E ela tinha razão! Na cozinha, só um grão de feijão! E na barriga, fome de um batalhão! Cansada e fraquinha, mas muito teimosa, a velha se apressou. Queria ir até o rio buscar água para cozinhar o grão solitário. No caminho, a velha se despedia em pensamento dessa vida, lembrava das pessoas queridas e até de quem tinha raiva. Se despedia, pois seu plano era comer, dizer “Adeus, mundo cruel” e se entregar àquela que um dia leva todo mundo: a danada da morte. Só que nela ninguém manda. E no fim tem um começo plantado, que ninguém sabe quando brota. Eis que a velha estava abaixada no rio, pegando água, e sentiu vontade de tomar banho. O rio estava calmo, a água morninha e a velha pensou que, pelo menos, tomando aquele banho, morreria cheirosa. A velha colocou o pote com a água em cima de uma pedra e se pôs a mergulhar as canelas, se lavando com um finzinho de sabonete que trazia nos bolsos. Lavada e faminta, a velha se levantou. Pegou o pote de água e, no caminho, pensando no feijão, deu uma espiada para ver se havia água suficiente para cozinhá-lo. O colar encantado e o filho da serpente O príncipe sabia seu segredo e sabia também que, ao revelá-lo, algo muito perigoso aconteceria. Por isso, ele resistiu o quanto pôde, contornou a conversa, até que a princesa o fez ceder. “Algumas palavras podem transformar para sempre o destino, minha amada. Você tem certeza de que quer saber meu segredo?”. A tia falava pela boca da princesa, que repetia cada argumento dela. “Sim! Sim! Sim! Se tens segredos, não mereces o meu amor!!”. Sem opção, o príncipe olhou no fundo de seus olhos e revelou: Sou filho da rainha das serpentes”. Imediatamente após sair de sua boca a última palavra, o príncipe virou uma serpente e, rastejando, desapareceu. E nem adiantou a princesa chorar e pedir. A serpente nem sequer ouvia e seguia seu coração de serpente, seu desejo de serpente, que era encontrar a mata. A princesa tinha agora uma resposta, mas as mãos e o coração vazios, nada de abraço nem de seu amor. Ela viveu sete meses muito tristes e, com a chegada da primavera, teve um sonho. Sonhou com uma cobra imensa. Era a rainha das serpentes, sua sogra que ali, em sonho, lançava um desafio. Na noite do solstício da primavera, a princesa a encontraria, quando a noite estivesse alta e sem lua. A princesa teria que olhar em seus olhos de serpente e, sem nenhum medo no coração, dizer Traga meu amor de volta”. Caso o rastro do medo tomasse seu olhar, ela perderia seu amor para sempre. Se fosse corajosa, ele voltaria e, exceto em noites como aquela, sem lua, ele assumiria a forma humana. E foi ali, entre o escuro da noite e o brilho de morte do olho da grande serpente, que a princesa fez nascer um novo começo. Príncipe e princesa experimentaram um amor que ainda dormia e que nada destruía, nem despertador, nem fome, nem língua afiada de uma tia. O que aconteceu depois? Ah, uma nova história nasceu, mas essa não vou contar! Ministério da Cultura e Endesa Brasil apresentam Patrocínio Realização

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Onde começa uma história? E onde termina? Como um grande fio, o tempo corre, sem nunca ter fim,

e nele, algumas histórias começam e outras histórias terminam. Algumas vezes existem histórias entrelaçadas, como essas aqui que vou contar.

Era o começo da história. E era assim:

Era uma vez uma velha. Dizem que quando essa história aconteceu, ela tinha perto de cem anos. Ela morava bem depois da última aldeia. Sua casa era a mais distante do castelo.

Certo dia, a velha acordou fraca e cansada, com vontade de comer feijoada. Ela pensou que sua vida estava no final. E ela tinha razão! Na cozinha, só um grão de feijão! E na barriga, fome de um batalhão!

Cansada e fraquinha, mas muito teimosa, a velha se apressou. Queria ir até o rio buscar água para cozinhar o grão solitário. No caminho, a velha se despedia em pensamento dessa vida, lembrava das pessoas queridas e até de quem tinha raiva. Se despedia, pois seu plano era comer, dizer “Adeus, mundo cruel” e se entregar àquela que um dia leva todo mundo: a danada da morte. Só que nela ninguém manda. E no fim tem um começo plantado, que ninguém sabe quando brota.

Eis que a velha estava abaixada no rio, pegando água, e sentiu vontade de tomar banho. O rio estava calmo, a água morninha e a velha pensou que, pelo menos, tomando aquele banho, morreria cheirosa. A velha colocou o pote com a água em cima de uma pedra e se pôs a mergulhar as canelas, se lavando com um finzinho de sabonete que trazia nos bolsos.

Lavada e faminta, a velha se levantou. Pegou o pote de água e, no caminho, pensando no feijão, deu uma espiada para ver se havia água suficiente para cozinhá-lo.

O colar encantado e o filho da

serpente

O príncipe sabia seu segredo e sabia também que, ao revelá-lo, algo muito perigoso aconteceria. Por isso, ele resistiu o quanto pôde, contornou a conversa, até que a princesa o fez ceder. “Algumas palavras podem transformar para sempre o destino, minha amada. Você tem certeza de que quer saber meu segredo?”. A tia falava pela boca da princesa, que repetia cada argumento dela. “Sim! Sim! Sim! Se tens segredos, não mereces o meu amor!!”.

Sem opção, o príncipe olhou no fundo de seus olhos e revelou:

“Sou filho da rainha das serpentes”. Imediatamente após sair de sua boca a última palavra, o príncipe virou uma serpente e, rastejando, desapareceu. E nem adiantou a princesa chorar e pedir. A serpente nem sequer ouvia e seguia seu coração de serpente, seu desejo de serpente, que era encontrar a mata.

A princesa tinha agora uma resposta, mas as mãos e o coração vazios, nada de abraço nem de seu amor. Ela viveu sete meses muito tristes e, com a chegada da primavera, teve um sonho. Sonhou com uma cobra imensa. Era a rainha das serpentes, sua sogra que ali, em sonho, lançava um desafio.

Na noite do solstício da primavera, a princesa a encontraria, quando a noite estivesse alta e sem lua. A princesa teria que olhar em seus olhos de serpente e, sem nenhum medo no coração, dizer “Traga meu amor de volta”. Caso o rastro do medo tomasse seu olhar, ela perderia seu amor para sempre. Se fosse corajosa, ele voltaria e, exceto em noites como aquela, sem lua, ele assumiria a forma humana.

E foi ali, entre o escuro da noite e o brilho de morte do olho da grande serpente, que a princesa fez nascer um novo começo. Príncipe e princesa experimentaram um amor que ainda dormia e que nada destruía, nem despertador, nem fome, nem língua afiada de uma tia. O que aconteceu depois? Ah, uma nova história nasceu, mas essa não vou contar!

Ministério da Cultura e Endesa Brasil apresentam

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(O príncipe era filho de uma rainha, que havia ganhado um colar do rei, que recebera o colar de uma velha... bem, vocês já sabem!)

Príncipe e princesa formavam um casal feliz. Eles viviam tempos tranquilos de fartura, alegria e delicadezas, até o dia em que a princesa recebeu a visita de sua tia, que adorava fazer intriga. A tia vinha com uma pergunta fatal.

Ela esperou o príncipe sair em caçada longa, chamou a princesa e perguntou a ela sobre a origem do marido. Falou que corria à boca miúda que ele não era filho da rainha. Que ninguém sabia ao certo sua origem e que se ele a amasse de verdade, não hesitaria em contar tudo a ela.

A princesa ficou intrigada. Tentou dormir sete noites sem falar nada. Na sétima noite, chamou o marido e perguntou. Como a pergunta já estava cansada de esperar dentro dela, quando veio, veio com tudo! A princesa falou tanto, mas tanto, fez tanta pergunta que mal deixou o príncipe responder.

Ah! Se a velha não morreu ali de susto ela não morria nunca mais. Na água havia uma Serpente Gigante! Paralisada, ela achou que aquilo era um verdadeiro golpe de sorte. Ela pensou que seria muito triste morrer de fome, o que aconteceria certamente, por causa da sua idade e da sua falta de dinheiro. E deduziu que a serpente era a própria morte!

A velha, então, corajosamente ou medrosamente, que já nem posso entender o que foi, puxou a saia e ofereceu a canela para a serpente. Nada. Nada de picada de cobra. A velha se revoltou! Estou tão mal que nem serpente me quer pra vítima! A velha já ia brigando com a cobra, perdendo as estribeiras, quando, ao olhar o pote, ela viu.

A serpente havia se transformado em um magnífico colar de coral raríssimo, cravejado de esmeraldas. A velha achou que fosse a fraqueza que a estava fazendo delirar, mas não era. Então, pegou o colar nas mãos e percebeu. Estava salva! Ela parecia uma moça, de tão feliz. Voltou pra casa, engoliu o feijão para aguentar o longo caminho e levou o colar ao rei.

Os guardas abriram imediatamente o portão ao ver a joia impressionante. O rei estava certo de que a velha era a enviada de alguma fada que ouvira seus lamentos aquele dia. Ele ofereceu à velha uma casa, comida, criados e moedas de ouro, que durariam até o último dia de sua vida. E pim pim pim a história da velha senhora chegou ao fim! Porém, dentro dessa história que acabou, havia uma outra pra começar.

Era o começo da história e era assim:

Era uma vez um rei e uma rainha, que desejavam muito ter um bebê.

O rei recebeu um colar de uma velha e deu a joia à rainha, pois ela sofria demais! Ela chorava muito. Se despedia em pensamento dessa vida, lembrava das pessoas queridas e até de quem tinha raiva. Despedia-se, pois seu plano era dizer “Adeus, mundo cruel”, sair do castelo com a roupa do corpo e vagar pelo mundo sem rumo.

A dor da rainha vinha do fato de que ela não conseguia engravidar. E exatamente no dia

da chegada da velha ao reino, a melhor amiga da rainha, no reino vizinho, deu à luz uma menina

e chamou a rainha e o rei para padrinhos da princesa recém-nascida.

A Rainha então se descontrolou: “Só eu não tenho um bebê!”. Chorava desesperada. “Vou vagar por aí sem destino, até a morte”. Naquela mesma noite, antes da partida da rainha, o rei apresentou a ela a joia. Era a última tentativa para fazê-la ficar. O Rei já não acreditava muito que conseguiria convencê-la, mas tentou, oferecendo a ela o colar como prova de seu amor.

Não sei o que houve com a rainha. Ao ver o colar, seus olhos acenderam, as lágrimas secaram. A rainha abraçou o rei e adormeceu cansada. Parecia acreditar no amor dele por ela. Pareceu perceber que o rei não se importava pela falta do herdeiro.

No dia seguinte a rainha achou que estivesse sonhando! Ou que estivesse maluca mesmo! O colar havia se transformado em um bebê! Ela pulou da cama imediatamente e pediu aos mensageiros que avisassem a rainha do reino vizinho que ela aceitava o convite para madrinha e que a princesinha recém- nascida se casaria com seu filho quando ambos crescessem o suficiente. E aqui acaba a história de uma rainha e um rei que desejavam um bebê, mas a história desse bebê está apenas começando.

E o começo da história era assim:

Era uma vez um príncipe bebê que havia sido prometido em casamento por sua mãe.

(Ele era filho de um rei, que deu à rainha um colar que recebera de uma velha).

Esse príncipe bebê cresceu e chegou à idade de conhecer sua amada.

No dia marcado ele estava ansiosíssimo! Aquele dia mudaria sua vida para sempre! Colocou sua melhor roupa e partiu para o reino vizinho. Lá, a princesa o esperava, depois de banhos demorados, vestidos engomados e lábios pintados. Eles se viram. Hum... se gostaram... na verdade, se adoraram desde o primeiro momento. Fácil como fruta madura cair do pé. E aqui termina a história do príncipe, mas uma outra já espera para começar.

E o começo da história era assim:

Era uma vez um príncipe casado com uma princesa, uma tia, um segredo, um fim e um começo.