O PAPEL DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM FAMÍLIAS...

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Trabalho de Conclusão de Curso O PAPEL DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM FAMÍLIAS COM IDOSOS PROVEDORES EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL Maria da Penha Ferreira 1 RESUMO: O presente artigo tem como objeto de estudo o impacto do Programa Bolsa Família, em famílias que têm idosos como principais provedores. Parte-se da hipótese de que, com a reestruturação familiar percebida nas últimas décadas, os idosos têm sido cada vez mais solicitados a participar do orçamento familiar; assim, tem-se como objetivo analisar a participação dos idosos na renda familiar e os impactos do Programa Bolsa Família em sua condição social e perspectivas de superação da situação de pobreza. As questões que motivaram a realização desse estudo foram: qual o impacto da renda do idoso no orçamento de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família? O Programa Bolsa Família pode contribuir para amenizar a situação de vulnerabilidade desses idosos? Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, que obteve dados com a realização de entrevista semiestruturada junto a uma família beneficiária em que uma idosa participa ativamente da composição do orçamento doméstico. Como resultado, percebeu-se que o idoso que tem família numerosa, com baixa renda, continua trabalhando, muitas vezes em atividades informais e incompatíveis com sua idade e condição física, pois há a necessidade de ajudar filhos e netos sob sua responsabilidade. Concluiu-se que, ainda que o Programa Bolsa Família tenha trazido impactos positivos, é necessário articular políticas sociais voltadas para os idosos de famílias beneficiárias, a fim de atender às suas especificidades e necessidades, uma vez que essa não tem sido uma das condicionalidades do Programa. Palavras-chave: Programa Bolsa Família. Idosos. CRAS. Pobreza. Vulnerabilidade social. 1 INTRODUÇÃO O presente texto apresenta a discussão sobre o impacto do Programa Bolsa Família PBF a beneficiários idosos que se apresentem como provedores de seus lares que agregam vários membros de uma mesma família, incluindo crianças em idade escolar. Segundo Paulo, Wajnman e Hermeto (2008, p.2), o Brasil presencia o fenômeno do “envelhecimento populacional”, o que “[...] demandará, cada vez mais, estudos acerca das condições de vida dos idosos”. De fato, segundo pesquisas, “Os idosos brasileiros que, até 1970, representavam menos de 3% do total da população, em 2020 responderão por cerca de 8,8% e, em 2050, chegarão a 18% da população” (PAULO; WAJNMAN; HERMETO, 2008, p. 2). 1 Acadêmica do Curso de Especialização “Educação, Pobreza e Desigualdade Social” (UFMS); especialista em Gestão de Políticas Públicas Sociais e Saúde Familiar (Uniasselvi/2015); assistente social (Anhanguera- Uniderp/2013).

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Trabalho de Conclusão de Curso

O PAPEL DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM FAMÍLIAS COM IDOSOS

PROVEDORES EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL

Maria da Penha Ferreira1

RESUMO: O presente artigo tem como objeto de estudo o impacto do Programa Bolsa

Família, em famílias que têm idosos como principais provedores. Parte-se da hipótese de que,

com a reestruturação familiar percebida nas últimas décadas, os idosos têm sido cada vez

mais solicitados a participar do orçamento familiar; assim, tem-se como objetivo analisar a

participação dos idosos na renda familiar e os impactos do Programa Bolsa Família em sua

condição social e perspectivas de superação da situação de pobreza. As questões que

motivaram a realização desse estudo foram: qual o impacto da renda do idoso no orçamento

de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família? O Programa Bolsa Família pode

contribuir para amenizar a situação de vulnerabilidade desses idosos? Trata-se de uma

pesquisa de abordagem qualitativa, que obteve dados com a realização de entrevista

semiestruturada junto a uma família beneficiária em que uma idosa participa ativamente da

composição do orçamento doméstico. Como resultado, percebeu-se que o idoso que tem

família numerosa, com baixa renda, continua trabalhando, muitas vezes em atividades

informais e incompatíveis com sua idade e condição física, pois há a necessidade de ajudar

filhos e netos sob sua responsabilidade. Concluiu-se que, ainda que o Programa Bolsa

Família tenha trazido impactos positivos, é necessário articular políticas sociais voltadas para

os idosos de famílias beneficiárias, a fim de atender às suas especificidades e necessidades,

uma vez que essa não tem sido uma das condicionalidades do Programa.

Palavras-chave: Programa Bolsa Família. Idosos. CRAS. Pobreza. Vulnerabilidade social.

1 INTRODUÇÃO

O presente texto apresenta a discussão sobre o impacto do Programa Bolsa Família –

PBF a beneficiários idosos que se apresentem como provedores de seus lares que agregam

vários membros de uma mesma família, incluindo crianças em idade escolar.

Segundo Paulo, Wajnman e Hermeto (2008, p.2), o Brasil presencia o fenômeno do

“envelhecimento populacional”, o que “[...] demandará, cada vez mais, estudos acerca das

condições de vida dos idosos”. De fato, segundo pesquisas, “Os idosos brasileiros que, até

1970, representavam menos de 3% do total da população, em 2020 responderão por cerca de

8,8% e, em 2050, chegarão a 18% da população” (PAULO; WAJNMAN; HERMETO, 2008,

p. 2).

1Acadêmica do Curso de Especialização “Educação, Pobreza e Desigualdade Social” (UFMS); especialista em

Gestão de Políticas Públicas Sociais e Saúde Familiar (Uniasselvi/2015); assistente social (Anhanguera-

Uniderp/2013).

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Outro fato apontado por pesquisadores é o número crescente de idosos que assumem a

maior parte da responsabilidade financeira de famílias que continuam vivendo em seus lares,

constituídas pelos filhos/as, genros/noras e por netos/as. Santana e Lima (2012, p.182)

ressaltam que “A renda dos mais velhos vem sendo identificada como responsável pela

manutenção familiar, especialmente dos mais jovens”.

No mesmo estudo, Santana e Lima (2012, p.185) indicam que:

A renda familiar do idoso que coabita com outros familiares chega a

representar quase 60% do total de renda das famílias urbanas e 70% das

rurais. [...] A problemática da relação intergeracional atinge as famílias de

baixa renda de forma mais expressiva, vez que, para estas, o rendimento e o

trabalho do idoso são essenciais para a sua manutenção.

Diante desse quadro, o estudo parte da seguinte problematização: qual o impacto da

renda do idoso no orçamento de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família? O

Programa Bolsa Família pode contribuir para amenizar a situação de vulnerabilidade desses

idosos?

Para a investigação dessas questões, efetuou-se uma pesquisa de abordagem

qualitativa, com a realização de uma entrevista semiestruturada com uma família beneficiária

do Programa Bolsa Família, usando ainda dados estatísticos sobre a participação dos idosos

na renda de famílias em situação de vulnerabilidade social e sobre o perfil dos beneficiários

do Programa Bolsa Família.

O artigo traz na primeira parte o levantamento de pesquisas desenvolvidas junto a

Programas de Pós-Graduação, em nível de Mestrado e Doutorado, bem como de artigos

publicados em periódicos científicos qualificados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior – Capes, a fim de apontar os principais resultados apontados pelos

pesquisadores e relacioná-los com nosso estudo; na segunda seção, discutimos o perfil do

idoso em situação de vulnerabilidade social; em seguida, caracterizamos o Programa Bolsa

Família e seu histórico no panorama internacional e nacional. aponta-se o perfil das famílias

beneficiárias, especialmente no que se refere a famílias numerosas em que idosos residem e

participam do orçamento doméstico, e efetua-se a análise de entrevista realizada com uma

família beneficiária.

2 O IDOSO: O QUE DIZEM AS PESQUISAS ACADÊMICAS?

Efetuamos uma revisão de bibliografia sobre a temática junto à Biblioteca Digital

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Brasileira de Dissertações e Teses e ao Scielo - Scientific Electronic Library Online, em

busca de pesquisas que trouxessem em suas palavras-chave o termo “Programa Bolsa

Família”. Foram encontradas 391 (trezentos e noventa e uma) pesquisas, entre dissertações e

teses e 220 (duzentos e vinte) artigos, que versavam sobre o PBF. Após a análise dos títulos

e resumos, no entanto, verificamos que apenas uma dissertação e dois artigos tratavam do

Programa na perspectiva eleita para essa pesquisa, o que justifica a relevância do estudo.

A dissertação de Amaral (2013), denominada “Vulnerabilidade entre pessoas idosas:

um desafio atual”, teve como objetivo discutir as condições de vulnerabilidade dos idosos, a

partir de dados secundários do Cadastro Único da Assistência Social – Cadúnico, do

Programa Bolsa Família da Secretaria de Assistência Social de Betim, no período de janeiro

de 2004 a janeiro de 2011. A autora comparou o perfil socioeconômico e de saúde dos idosos

ativos e não ativos no Programa. Destaca que as 8.555 (oito mil, quinhentos e cinquenta e

cinco) pessoas com 60 anos ou mais cadastradas no Programa, que perfazem 5,0% dos

atendidos, foram divididas em dois grupos: ativos (que recebem o benefício) representando

14,1% e não ativos (que não recebem o benefício) com 85,9%.

Estes dois grupos foram comparados segundo características sócio demográficas,

moradia e deficiência. Como resultado, apresenta que a média de renda dos ativos no PBF foi

de R$72,80 enquanto a dos não ativos foi de R$138,32. A média de idade foi de 68 anos e a

mediana de 67 anos. Os idosos com menor idade, solteiros ou divorciados têm maior chance

de receber o benefício do Programa Bolsa Família.

A autora concluiu, ainda, que foi encontrada uma alta proporção de analfabetismo nos

dois grupos, com 41,3% para os ativos no PBF e 37,4% para os não ativos e que há uma

relação entre o nível de escolaridade do idoso e as chances de participação no Programa:

quanto menor a renda, maior participação. Esses dados indicaram que o PBF é uma garantia

de renda mínima que pode aumentar os padrões mínimos de qualidade de vida e de

independência dos idosos.

No entanto, a autora também verificou que os idosos cadastrados no PBF encontram-

se em situação de vulnerabilidade, com baixa renda média, baixo nível de escolaridade, alto

índice de analfabetismo, além de apresentarem deficiências.

A mesma pesquisadora, em parceria com outras duas autoras, publicou o artigo

intitulado: “Comparação do perfil de idosos ativos e não ativos do Programa Bolsa Família”

(AMARAL; MELO; OLIVEIRA, 2015); apresentam como resultados, para esse artigo, que a

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maior proporção (58%) desse público são mulheres. A mediana de distribuição da "renda"

entre ativos foi de R$60,00 e de R$100,00 entre não ativos. A relação entre nível de

escolaridade e participação do PBF, conforme apontado na dissertação, demonstra que quanto

menor a escolaridade, mais as chances de o idoso estar ativo no PBF.

Outro aspecto relevante é o estado civil: os idosos solteiros e divorciados tem maiores

chances de estar ativo no PBF era maior. De modo geral, os idosos viviam em casa própria,

construída com tijolo/alvenaria, com rede pública de água e esgoto, com iluminação própria e

lixo coletado. Conclui que o Programa Bolsa Família representa uma garantia de renda

mínima para o idoso em situação de vulnerabilidade social. Por outro lado, a comparação do

perfil de idosos ativos e não ativos pôs em relevo algumas limitações do programa, como ser

direcionado apenas aos mais necessitados, sendo incapaz de se estender, como direito, a todos

cuja situação assim exige.

O artigo de Pires (2012), por fim, “Orçamento familiar e gênero: percepções do

Programa Bolsa Família”, embora não tenha como foco especificamente o idoso, mas as

questões de gênero, traz alguns dados que demonstram, de alguma forma, a existência de

famílias nucleares ampliadas (cônjuges, filhos e netos) entre os beneficiários do Bolsa

Família, fato que nos leva a inferir a presença do idoso (avó ou avô) no núcleo familiar.

Como a questão em pauta era o gênero, o autor evidencia que a participação feminina no PBF

é marcada pela tensão causada entre a maior participação na renda familiar, que traz

benefícios à família, e o reforço da sua autoridade doméstica. Por extensão, poderíamos

problematizar se, em relação ao idoso, esse resultado seria semelhante. Ou seja: a maior

participação do idoso na formação da renda familiar reforça sua autoridade na família?

Torna-se esse sujeito um referencial ou modelo para os outros membros?

Como pode ser percebido, há poucos estudos sobre a temática, demonstrando que há

um campo fértil para pesquisa, devido à relevância social desse tema.

3 O IDOSO EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL

A vulnerabilidade é entendida como o estado de um indivíduo ou de um grupo que

fica exposto, de alguma forma, seja por fatores socioestruturais, políticos, ambientais, ou

outros, e que “[...] por alguma razão, têm sua capacidade de autodeterminação reduzida,

podendo apresentar dificuldades para proteger seus próprios interesses devido a déficits de

poder, inteligência, educação, recursos, força ou outros atributos” (RODRIGUES; NERI,

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2012, p. 2.129).

Para Salmozo-Silva et al (2012, p. 98), vulnerabilidade:

[...] é o resultado de interações complexas entre riscos discretos que

resultam em ameaças que crescem e se materializam ao longo do tempo,

aliada à ausência de defesas ou recursos para lidar com desfecho negativo

dessa ameaça. Por ser multifatorial e complexa, os autores propõem que a

vulnerabilidade seja examinada segundo exposição, ameaça, estratégias de

enfrentamento e resultados. Nesse construto, a exposição aos riscos pode ser

determinada por condições socioestruturais, políticas, ambientais e

individuais.

Dessa forma, pensar na vulnerabilidade em relação a idosos implica o entendimento

de que, biológica, psicológica e socialmente, o envelhecimento potencializa os riscos de que

esses sujeitos venham a se encontrar em situação vulnerável, uma vez que o “[...] declínio

biológico típico da senescência, o qual interage com processos socioculturais, com os efeitos

acumulativos de condições deficitárias de educação, renda e saúde ao longo da vida e com as

condições do estilo de vida atual” (RODRIGUES; NERI, 2012, p. 2.129).

De fato, a velhice traz consigo situações e eventos ligados à cultura e aos modos de

relação historicamente construídos que acabem por tornar as pessoas idosas mais ou menos

vulneráveis, a depender de diversos fatores, entre eles, a condição social e o tipo de

relacionamento e vínculos afetivos de seu círculo pessoal, ou como se expressa Salmazo-

Silva et al. (2012, p. 99), dos eventos “[...] sócio históricos, culturais, normativos e não

normativos (inesperados), interagindo com recursos internos (psicológicos e biológicos) e

externos (ambientais, políticos, sociais)” que incidem sobre esses idosos.

Para Rodrigues e Neri (2012), existe uma correlação entre a vulnerabilidade e a

condição social do idoso, além de outros fatores como gênero e formação: “[n]a velhice, a

prevalência de incapacidade funcional, de déficit cognitivo, de doenças crônicas e de

sintomas depressivos é maior entre os indivíduos mais velhos, as mulheres e os idosos com

nível mais baixo de renda e de escolaridade” (RODRIGUES; NERI, 2012, p. 2.129).

Os idosos brasileiros, segundo o estudo Saúde, Bem-estar e Envelhecimento na

América Latina e Caribe – SABE, citado por Rodrigues e Neri (2012, p. 2.129), tem renda

média mensal de 2 salários mínimos, sendo que as mulheres tem, em média, “um rendimento

35% inferior aos homens”.

Salmazo-Silva (2012) indica que, embora tenha havido maior acesso dos idosos aos

benefícios de transferência de renda nos últimos dez anos, “dados recentes da PNAD de

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2008” indicam que os idosos “[...] lideram as posições de chefes de família dos domicílios

intergeracionais” e que “[...] houve aumento das mulheres idosas chefes de domicílio, o que

indica que estas, quando possuem renda, auxiliam filhos, netos e familiares” (SALMAZO-

SILVA et al., 2012, p. 99-100).

Dessa forma, as mudanças nas configurações das famílias tem levado a que várias

gerações dividam o mesmo lar, sendo que o idoso, anteriormente visto como dependente das

gerações mais novas, tem assumido cada vez mais um papel importante na formação do

orçamento familiar.

Nesse sentido, ao refletir sobre vulnerabilidade, os fatores ligados à questão financeira

– o que envolve o recebimento ou não de aposentadoria, a necessidade ou não de buscar

trabalho informal, a inclusão ou exclusão de programas de transferência de renda – acabam

interferindo no quanto o idoso se tornará autônomo ou dependente, ou se terá acesso a

serviços básicos de saúde que lhe proporcionem melhor qualidade de vida.

Salmazo-Silva et al. (2012) traz à tona a questão da inclusão dos idosos em programas

sociais de transferência de renda. Segundo os autores, “Nas camadas sociais empobrecidas, a

inclusão de idosos de 65 anos nos programas de transferência de renda resultou em melhorias

no bem-estar social e familiar dos domicílios que coabitam idosos, configurando em uma

transmissão de suporte intergeracional.” (SALMAZO-SILVA et al., 2012, p. 100). No

entanto, acrescentam:

Mais que receber os benefícios das redes de contatos e suporte social os

idosos, de acordo com projeções sobre a população brasileira, passam cada

vez mais a ser provedores de domicílios que coabitam 3 ou mais gerações,

possibilitando a manutenção das despesas e suporte instrumental para

gerações mais jovens (SALMAZO-SILVA et al., 2012, p. 100).

Para Rodrigues e Neri (2012), faltam estudos no Brasil sobre essas situações

vivenciadas por muitas famílias. Em relação, especificamente, aos idosos, os autores afirma

que:

Não há dados brasileiros focalizando condições com potencial para gerar

vulnerabilidade social, individual e programática em idosos e nem há dados

sistemáticos sobre a interação entre elas. O estudo das condições

individuais, econômicas e sociais de vulnerabilidade da população idosa, em

interação com o acesso e o uso dos serviços de saúde, pode auxiliar no

planejamento de ações de atenção à saúde do idoso. Pode igualmente

subsidiar políticas de saúde e educação para a população de crianças, jovens

e adultos, uma vez que o envelhecimento é um processo de curso de vida

(RODRIGUES; NERI, 2012, p. 2.129).

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Essa temática, portanto, merece ser melhor estudada, a fim de contribuir com a

proposição de políticas especialmente voltadas a esse público, pois, “Pensar na

vulnerabilidade na velhice é refletir sobre a interação entre saúde, condições sociais,

econômicas, individuais, e ambientais, incluindo os programas para esse segmento

populacional” (SALMAZO-SILVA et al, 2012, p. 100).

De acordo com Salmazo-Silva et al (2012), os resultados dessas pesquisas podem

auxiliar, a empreender ações em prol da melhoria de condições de vida dos idosos. Essas

ações, segundo os autores, devem ser pensadas em curto prazo,

[...] orientadas para a efetivação das políticas públicas ao segmento idoso

que reside só, com capacidade funcional reduzida, e ao grupo mais longevo,

com menos perspectivas de apoio social instrumental. Serviços e programas

podem focalizar também os idosos com sinais sugestivos de vulnerabilidade

social e aqueles com sinais de vulnerabilidade em saúde, cuja assistência é

deficitária ou pouco abrangente. Partindo desse contexto, as ações devem

ser rápidas por solicitarem respostas ao idoso que já está em condição de

“desvantagem” ou “risco” de eventos adversos. Os resultados de algumas

das ações já podem ser observados, como é o caso dos programas de

transferência de renda, beneficiando idosos e seus descendentes e

estimulando a economia de diversos municípios brasileiros. (SALMAZO-

SILVA et al., 2012, p.110, grifo nosso).

Dessa forma, dada a importância das políticas sociais voltadas para segmentos em

situação de vulnerabilidade, na próxima seção descreve-se e caracteriza-se o Programa Bolsa

Família, a partir de uma breve contextualização histórica.

4 O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

Os programas de transferência de renda, segundo Jesus, Silva e Boaventura (2012),

apareceram no cenário internacional a partir dos anos de 1980, face às transformações sociais

e econômicas advindas da Revolução Tecnológica no mundo do trabalho. De acordo com o

autor, nos países desenvolvidos, a partir do século XX, foram criados Programas de Garantia

de Renda Mínima - PGRM, a fim de consolidar o Welfare State, o chamado Estado de Bem-

Estar-Social, “[...] tendo como objetivo central criar uma rede de proteção social para as

populações mais pobres, através de uma transferência de renda complementar.” (JESUS;

SILVA; BOAVENTURA, 2012, p. 29).

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Sob essa ótica, diversos programas de transferência de renda foram adotados por

diferentes países, alguns com caráter redistributivo, outros voltados a políticas

compensatórias, como, por exemplo, o salário-desemprego. Segundo o autor:

No Brasil, os marcos iniciais da tentativa de constituição do sistema de

proteção social remetem ao período compreendido entre 1930 e 1943.

Período esse marcado por grandes transformações socioeconômicas e pelo

reordenamento das funções do Estado, o qual passa a assumir

simultaneamente o papel de agente dos interesses da comunidade e da

chamada responsabilidade pela promoção do bem- -estar social. (JESUS;

SILVA; BOAVENTURA, 2012, p. 30).

Dessa forma, foram implantados no Brasil alguns programas com a finalidade de

transferir renda a famílias em situação de vulnerabilidade social, como o Benefício de

Prestação Continuada - BPC; Programa Agente Jovem de Desenvolvimento Social, Programa

de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI, Programa Nacional de Renda Mínima vinculado

à Educação – Bolsa Escola; Programa Bolsa Alimentação; Auxílio-Gás e Cartão

Alimentação. (OLIVEIRA, 2003).

A maioria desses programas exigia uma contrapartida dos beneficiários, seja no

campo da educação, da saúde ou da formação/capacitação para o trabalho. Essas exigências,

no que se refere a programas de transferência de renda, são denominadas de

condicionalidades, ou seja, para continuar tendo acesso ao programa, o beneficiário deve

cumprir determinadas obrigações, sem as quais poderá deixar de ter acesso ao programa e/ou

benefício. Sposati (2004) considera que a necessidade acaba por determinar, nesses casos, o

acesso aos serviços sociais e aos benefícios na área da assistência social. Para Oliveira (2003,

p. 122) as condicionalidades deslocam “[...] o possível ‘direito do cidadão’ para a ‘noção de

carência’, expressa ‘na criteriosa aplicação dos critérios’”.

O Programa Bolsa Família – PBF foi criado em 2003, como resultado da unificação

dos programas de transferência de renda existentes de 1991 a 2002, os quais se apresentavam

fragmentados, consistindo em políticas pontuais que não atingiam todos os estados da

federação. Jesus, Silva e Boaventura (2012, p. 33) aponta que essa unificação “[...]

representou uma forma de superar esse déficit através de uma política de âmbito nacional,

capaz de articular e administrar de forma mais homogênea os recursos destinados aos

programas de transferência de renda.”

Embora haja uma administração central, o Programa Bolsa Família foi

implementado de modo descentralizado nos municípios, de forma a considerar as

Trabalho de Conclusão de Curso

especificidades de cada região. Uma característica do PBF foi o estabelecimento de uma

articulação entre a transferência monetária e a relativa autonomia à família beneficiária na

utilização dos recursos recebidos, uma vez que recebem um cartão magnético para o saque do

benefício, que é gasto segundo suas necessidades reais.

Segundo o Ipea (2014, p. 9), na introdução de um documento produzido em parceria

entre o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS e o Instituto de

Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea, “O programa atende a cerca de 13,8 milhões de

famílias em todo o país, um quarto da população brasileira.” Por meio dos dados

apresentados, indica que a transferência direta de renda mantém 522 mil famílias como

beneficiárias desde 2003, tirando cerca de 1,7 milhão de famílias da pobreza e mantendo 17,5

milhões de crianças na escola. O cálculo é feito considerando-se as famílias que deixaram de

receber o benefício por terem aumentado sua renda.

De acordo com o mesmo documento (IPEA, 2014), os mecanismos de transferência

direta de renda do programa incluem seis tipos de benefício: a) básico, com o pagamento de

R$ 70 mensais a famílias com renda mensal per capita menor ou igual a R$ 70,00; b)

benefício de R$ 32 pago a gestantes; c) benefício de R$ 32 pago a famílias com bebês de até

seis meses; d) benefício de R$ 32 pago a famílias com crianças de 0 a 15 anos; e) R$ 38,00

pagos a famílias com adolescentes de 16 e 17 anos, limitados a dois benefícios por família; f)

benefício de Superação de Extrema Pobreza, criado em 2012, destinado às famílias que

permanecem em situação de extrema pobreza mesmo recebendo outros benefícios do

programa. Neste caso, o valor varia de acordo com as condições de cada família, a fim de que

complementar a renda per capita até o valor de R$ 70,00.

Segundo as autoras, o perfil das famílias, em relação à situação de pobreza antes do

recebimento do benefício, indicava que a maioria vivia em condições de extrema pobreza, a

qual, segundo os critérios utilizados pelo programa, são famílias que percebiam uma renda

per capita inferior a R$ 70,00 (Cf. Figura 1).

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Figura 1. Perfil das famílias antes do PBF, por renda

Fonte: (IPEA, 2014, p. 31).

Em relação à idade dos favorecidos, o Portal IG São Paulo (2013) apresenta um

gráfico em que se pode perceber a presença de pessoas com mais de 50 anos entre os

beneficiários, conforme a Figura 2:

Figura 2. Beneficiários por idade

Fonte: Portal IG São Paulo (2013, n.p.).2

2 Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/bolsa-familia/2013-10-17/bolsa-familia-em-numeros-confira-

resultados-de-dez-anos-do-programa.html. Acesso em 03 dez. 2016.

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Percebe-se, portanto, que 945.499 pessoas com mais de 60 anos e 2.685.998 pessoas

com mais de 50 anos, em 2013, eram beneficiários do PBF, um número bastante expressivo,

levando-se em consideração a condicionalidade do Programa de que é necessário a família

possuir crianças em idade escolar para a adesão. Na próxima seção, analisa-se qual a relação

entre idosos e Programa Bolsa Família e como estes chegam a receber esse benefício.

5 OS IDOSOS E OS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA

No Brasil, a legislação que trata dos direitos dos idosos, como a Política Nacional do

Idoso (BRASIL, 1994), o Estatuto de Idoso (BRASIL, 2003) e a Política Nacional de Saúde

da Pessoa Idosa (BRASIL, 2006) reconhecem o lugar social do idoso e no que se refere aos

seus direitos sociais.

Em relação ao Programa Bolsa Família, tem-se assegurado essa transferência de renda

também para à população idosa que, apesar de possuírem alguma outra fonte de renda, como

a aposentadoria, encontram-se em situação de pobreza ou de extrema pobreza, conforme os

critérios definidos pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS, e

são chefes de família, sendo, portanto, potencial beneficiário do PBF.

No entanto, de acordo com Silva e Lima (2010, p. 51):

Em contraposição, as pessoas com 50 anos ou mais tinham menor

participação entre os beneficiários do programa (6,8%) do que no quinto

mais pobre da população segundo a PNAD de 2008 (8,5%). Tal tendência se

explica pelo fato de estarem nesta faixa etária os pais cujos filhos são, em

geral, adultos e, portanto, não se enquadram no público prioritário do

programa.

Ressalta-se, nesse sentido, que os arranjos familiares com idosos podem ser divididos

em dois grupos: famílias de idosos, em que o idoso é o principal provedor; e famílias com

idosos, em que estes são parentes do provedor principal e auxiliam (ou não) nas despesas

familiares. De acordo com Debert e Simões (2006, p. 1370)

Nos últimos 20 anos, aumentou a proporção de arranjos familiares com a

presença de idosos (de 21,1% em 1980, para 24,1%, em 2000) e esse

crescimento se deu principalmente nas famílias de idosos. No mesmo

período, as famílias com idosos diminuíram tanto em números absolutos

como proporcionalmente, fato que pode ser correlacionado ao declínio geral

da dependência (funcional ou financeira) dos idosos.

Quanto ao Bolsa Família, o recebimento do benefício por idosos se dá,

principalmente, pelo fato de o Programa ser resultado da unificação de programas anteriores e

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também porque alguns idosos, principalmente avós, inscrevem-se no programa por serem os

responsáveis legais por netos.

Suaréz (2007, p. 125), acerca dessa situação, aponta que:

O fato de tias e, principalmente, avós assumirem o cuidado de crianças que

não são seus filhos biológicos é percebido às vezes como ilegítimo ou até

mesmo ilegal por muitos agentes governamentais atuantes na gestão do

Programa, cujo argumento é que as mulheres fazem isso para obter o

benefício. Desconsiderando ou ignorando a importância social dessa

cumplicidade entre mulheres e a legitimidade cultural da maternagem,

muitos deles não conseguem perceber que é justamente o contrário, no

sentido de que não cuidam de crianças para obter o Bolsa Família, mas

procuram obter esse benefício para cuidar de crianças, especialmente

quando estas se encontram em situação de risco.

Essas situações não são raras ou pontuais, conforme indicam Jesus, Silva e

Boaventura (2012, p. 38)

Ademais, estudos têm comprovado a contribuição ímpar dos idosos no que

concerne à chefia familiar e o cuidado prestado para com seus netos. Estudo

da Fundação Perseu Abramo, realizado no ano de 2007, revela que o

número de idosos que se considera chefe de família no Brasil chega a 71%.

[...] o segmento idoso tem assumido o cuidado psicológico e financeiro para

com os seus, tendo, muitas vezes, nos programas de transferência de renda,

uma forma de assegurar o mínimo de sobrevivência para si e seus

familiares.

A relação entre o segmento idoso e a pobreza pode ser observada em dados do

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea (2009), os quais revelaram que 39,4% dos

19,9 milhões de idosos brasileiros estimados pela PNAD 2007 residiam em domicílios com

renda per capita entre 1 e 2 salários mínimos.

A pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo (2009, n.p.), em relação à

composição familiar da população idosa brasileira, indica que quase 30% dos idosos e 36%

das idosas brasileiras residem com neto ou neta, ressaltando-se que a composição familiar

constitui-se um elemento-chave para que a família possa se tornar beneficiária do Programa

Bolsa Família.

Quanto à escolaridade das crianças e adolescentes que residem com os idosos, Jesus,

Silva e Boaventura (2012, p. 47) apresentam os seguintes dados, referentes ao município de

Cachoeira e São Félix/BA: 7,4% estão na pré-escola, 31,9% estão cursando o ensino

fundamental e 6,1% encontram-se no ensino médio. Os autores ressaltam que “[...] todas

frequentam a escola e nenhuma delas trabalha ou desenvolve alguma atividade com

Trabalho de Conclusão de Curso

remuneração.” Para os autores, esse fato pode estar relacionado à condicionalidade do Bolsa

Família de frequência escolar obrigatória para o recebimento do benefício, e também ao fato

de que a maioria dos idosos consideram a escolaridade um fator positivo para a melhoria das

condições sociais de seus netos. No entanto, os pesquisadores destacam que, no que se refere

aos adultos “[...] que residem com os idosos, a maioria apresenta uma baixa escolaridade, isto

é, 23,9% têm ensino fundamental incompleto (e parou de estudar) e 14,1% concluíram apenas

o ensino médio” (JESUS; SILVA; BOAVENTURA, 2012, p. 47).

Pode-se observar, por meio dos dados apresentados, que o segmento idoso constitui-se

uma parcela importante dos beneficiários do Programa Bolsa Família e, devido às suas

especificidades, precisam de um acompanhamento mais direto em relação aos cuidados com

a saúde e acesso a outros programas de acompanhamento e assistência social. No entanto,

visto que as características do Programa o fazem voltar sua atenção mais às crianças e

gestantes, não se tem tido, no interior dessa política pública, um cuidado específico com os

idosos beneficiários. No próximo item, trazemos a metodologia da pesquisa e análise de uma

entrevista feita com uma família do município de Campo Grande/MS, a qual apresenta um

perfil similar ao apresentado até o momento: uma família numerosa, em que convivem

adultos, idosos e crianças, beneficiária do Programa Bolsa Família.

6 METODOLOGIA E DADOS

Quanto à abordagem, trata-se de uma pesquisa qualitativa, a qual, segundo Minayo

(2001), trabalha com os significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes,

manifestados nas relações, nos processos e nos fenômenos que não podem ser restritos à

operacionalização de variáveis.

Optamos, ainda, pela pesquisa empírica, pois segundo Minayo (2001), o trabalho de

campo é parte essencial na pesquisa qualitativa, sem esse trabalho seria impossível

desenvolver um estudo dessa natureza, pois, segundo a autora, é no campo que o pesquisador

interage com os sujeitos investigados, proporcionando resultados de um produto

compreensivo e, ao mesmo tempo, uma descoberta construída com base nas disposições do

investigador em ação (pressupostos teóricos, entrevistas, observações e inter-relações).

A importância da delimitação do campo de estudo neste momento é fundamental,

pois, é por meio do recorte espacial correspondente ao objeto da presente investigação que

encontramos o sujeito da pesquisa. Ainda de acordo com Minayo (2001, p. 201), “[...] o

Trabalho de Conclusão de Curso

campo, na pesquisa qualitativa, o recorte espacial que diz respeito à abrangência, em termos

empíricos, do recorte teórico correspondente ao objeto da investigação”.

O instrumento para coleta de dados foi a entrevista semiestruturada com uma família

atendida em um Centro de Referência de Assistência Social, localizado na periferia do

município de Campo Grande/MS. Sobre a entrevista Ludke e André (1986, p.33-34) apontam

que:

Especialmente nas entrevistas não totalmente estruturadas, onde não há a

imposição de uma ordem rígida de questões, o entrevistado discorre sobre o

tema proposto com base nas informações que ele detém e que no fundo são

a verdadeira razão da entrevista. Na medida em que houver um clima de

estímulo e de aceitação mútua, as informações fluirão de maneira notável e

autêntica. A grande vantagem da entrevista sobre outras técnicas é que ela

permite a captação imediata e corrente da informação desejada,

praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados

tópicos.

No que diz respeito a escolha dos sujeitos, Chizzotti (2010,

p. 83) explica que:

[...] todas as pessoas que participam da pesquisa são reconhecidas como

sujeitos que elaboram conhecimentos e produzem práticas adequadas para

intervir nos problemas que identificam. Pressupõe-se, pois, que elas têm um

conhecimento prático, de senso comum e representações relativamente

elaboradas que formam uma concepção de vida e orientam as suas ações

individuais. Isto não significa que a vivência diária, a experiência cotidiana

e os conhecimentos práticos reflitam um conhecimento crítico que relacione

esses saberes particulares com a totalidade, as experiências individuais

como contexto geral da sociedade.

Dessa forma, a escolha dos sujeitos seguiu os seguintes critérios: família com idoso(s)

participante(s) das atividades do Centro de Referência em Assistência Social; morar em lar

que tenham crianças em idade escolar e ser beneficiária do Programa Bolsa Família; ter

idoso(s) que contribuem com a renda familiar com proventos advindos de aposentadoria ou

de outras fontes, como trabalho informal ou assalariado.

Assim, a entrevista foi realizada na residência da família, gravada e transcrita. Seguiu-

se um roteiro pré-estabelecido composto por 20 questões. Participaram da entrevista a idosa

(E1), negra, divorciada, que não quis revelar a idade e uma das filhas (E2), de 27 anos, mãe

solteira, também negra, ambas empregadas domésticas3.

3 Os nomes das participantes foram omitidos, para preservar sua identidade.

Trabalho de Conclusão de Curso

A família entrevistada mora em uma residência de três peças, em um total de 14

pessoas. Há, além da idosa, duas mulheres adultas, sendo que uma é mãe solteira de 3 filhos

(um de 9 anos, e um casal de gêmeos de 1 ano e 8 meses) e a outra casada, está gestante e tem

outros 3 filhos (um com 2 anos, um com 5 e outro com 7 anos) e 4 jovens, com idades

variadas. Os laços de parentesco, em relação à idosa, são: 2 filhas, 4 filhos, 6 netos e netas e 1

genro.

O número de pessoas que residem nesse domicílio corrobora os dados do Ibge e Pnad

demonstrados em relatório do Ipea (2009), que estabelece relações entre o número de

crianças e a situação de pobreza ou de extrema pobreza, conforme Figura 3.

Figura 3. Relação entre o número de crianças por família e situação de pobreza

Fonte: (IPEA, 2011, p. 26)

Pode-se perceber que 39,6% das famílias com 4 ou mais crianças, em 2004, e 24,5%,

em 2009, estavam em situação de extrema pobreza. Consideradas pobres, 36,8%, em 2004, e

38,3%, em 2009. Analisando esses dados, o Ipea (2011, p. 26) observa:

Embora as famílias grandes com quatro ou mais crianças de até 14 anos

estejam se tornando cada vez mais raras no Brasil, 63% delas são pobres ou

extremamente pobres, como mostra a tabela 9. Contudo, no período, as

famílias grandes deixaram de ser o segundo tipo mais frequente entre os

extremamente pobres. A redução da porcentagem dessas famílias foi

Trabalho de Conclusão de Curso

compensada pelo aumento de dez pontos porcentuais da parcela das famílias

sem crianças e de quatro pontos na das famílias monoparentais femininas.

Em relação às condições de infraestrutura da residência, trata-se de uma casa de

madeira, cedida por terceiros (parentes), possui água encanada, esgoto, luz elétrica, asfalto e

coleta de lixo. Esses dados também estão em consonância com o relatório sobre a pobreza do

Ipea (2011, p. 33), o qual indica que:

Os indicadores de saneamento progrediram mais para os extremamente

pobres, mas as desigualdades entre os estratos são grandes e maiores na

porcentagem de famílias com escoadouro adequado de esgoto – apenas 40%

entre os extremamente pobres e 83% entre os não pobres. Dado que o

esgotamento implica a existência de água, em menos da metade dos

domicílios extremamente pobres a água que entra recebe tratamento

adequado ao sair – situação que surpreendentemente se repete para quase

um quinto dos não pobres.

Em relação à escolaridade, a família apresenta baixos números. Uma das mulheres

adultas possui ensino médio completo, as crianças em idade escolar frequentam a escola, os

jovens já evadiram e a idosa é analfabeta. Segundo o Ipea (2011, p. 48),

No caso da escolarização bruta, virtualmente não há diferenças entre

extremamente pobres, pobres e vulneráveis, que têm taxas semelhantes para

a maior parte dos grupos etários, sempre inferiores a dos não pobres, exceto

na faixa de 7 a 14 anos, na qual a desigualdade é menor porque a

escolarização é quase universal em todos os estratos.

Ou seja, como a frequência escolar é obrigatória para a manutenção do benefício, a

taxa de escolarização entre as crianças tende a ser maior, enquanto adultos e idosos continuar

em situação de desigualdade, quanto maior o índice de pobreza.

Ao questionarmos a família entrevistada sobre a importância dos estudos para as

crianças, a adulta, mãe de uma criança de 9 anos e um de casal de gêmeos de 1 ano e 8 meses,

respondeu que:

[...] uma boa escola nos prepara para um futuro melhor, em conhecimentos,

informações, emprego, qualidade de vida no social e na vida pessoal. Quero

que meus filhos através da escola tenham vida com qualidade, diferente da

que eu tive e que sejam ótimos cidadãos, e não sofram com os preconceitos,

injustiças, os quais quando não temos estudos, e somos pobres sofremos e

muito perante a sociedade (E2).

A renda mensal da família, excetuando-se os benefícios, é de R$ 788,00. Como já

mencionado, a idosa e uma das filhas trabalham como domésticas em casas particulares, os

outros membros adultos têm serviços informais e esporádicos.

Trabalho de Conclusão de Curso

Segundo os dados do Ipea (2011, p. 49), famílias com empregos informais

[...] têm grandes chances de, no caso de qualquer choque, como a perda do

emprego informal do principal provedor de renda ou uma doença que

acometa um membro que trabalhe como autônomo, virem a se tornar

famílias sem conexão à renda do trabalho, tornando sua situação mais grave

caso não contem com conexões a outras fontes de renda, em particular as da

previdência e da assistência social.

Ainda de acordo com o mesmo relatório (IPEA, 2011, p. 49):

A cobertura quase integral dos idosos por transferências da previdência e da

assistência social com benefícios de piso atrelado ao salário mínimo tornou-se, para

eles e para os membros de seu grupo doméstico, um verdadeiro seguro contra a

pobreza extrema, até mesmo contra a pobreza.

No entanto, a idosa dessa família em questão não recebe o benefício da aposentadoria,

sendo o PBF “[...] a complementação certa para que escapassem da extrema pobreza ou da

pobreza, situações nas quais permaneceriam se tivessem que contar apenas com a renda de

seus membros ativos” (IPEA, 2011, p. 49).

Quanto ao benefício recebido, a idosa relatou que foi “Uma bênção. Veio para ajudar

a suprir as necessidades dos menos favorecidos” (E1).

Já a E2, ressaltou: Mesmo tendo aumentado a qualidade de vida, eles tem mais do que antes,

mesmo assim, as necessidades continuam grande. Hoje, leites, fraldas,

remédios, crianças em creches quase sempre ficam resfriados. Mais

alimentos, roupas, pelo fato que não são somente os meus filhos, também os

sobrinhos. Tenho que ajudar nas despesas da casa que é bem grande, assim

como todos os adultos da família. São 4 crianças que usam fraldas, e ainda

estão na mamadeira também.

Percebe-se, assim, que apesar de o benefício ter trazido alguma melhoria na qualidade

de vida dessa família, há ainda fatores que evidenciam uma situação de risco social. Nesse

sentido, as políticas públicas devem aliar à transferência de renda outras políticas sociais, que

envolvam acesso à qualificação para os adultos em idade ativa, a fim de que, tanto as crianças

possam continuar se dedicando apenas aos estudos, quanto a pessoa idosa possa se dedicar a

outras atividades que não exijam tanto desgaste físico, como o trabalho doméstico em casas

particulares.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo teve como objetivo analisar o impacto do Programa Bolsa Família em

famílias beneficiárias que apresentem idosos em sua composição familiar. Os dados

Trabalho de Conclusão de Curso

apontaram que, ainda que o valor do benefício repassado não seja satisfatório para assegurar

aos idosos uma vida digna, tem sido uma fonte relevante de recurso para suprir algumas

despesas básicas.

Em famílias numerosas, como a entrevistada para essa pesquisa, o baixo valor

repassado compromete uma qualidade de vida digna na velhice, devido às especificidades

dessa etapa da vida, que requer maiores cuidados e possui despesas contínuas, por exemplo,

com medicamentos, nem sempre são fornecidos pelo sistema de saúde, uma vez que a renda

precisa ser dividida com os familiares, que, em muitos casos, encontram-se sem nenhuma

outra fonte de acesso à renda.

Como a maioria das políticas sociais, o Programa Bolsa Família apresenta alguns

problemas estruturais a serem superados, dentre eles: a adoção do critério somente da renda

per capita para a definição dos pobres e extremamente pobres para serem beneficiários; o

baixo valor do benefício que, em famílias numerosas é insuficiente para gerar impactos

positivos no que se refere ultrapassar a linha da pobreza; não consideração da atenção à saúde

dos idosos entre suas condicionalidades, para as famílias beneficiárias que os tem em sua

composição familiar.

Entende-se que o programa deveria propiciar condições de autonomia financeira

futura aos beneficiários, o que não tem ocorrido. Nesse sentido, para os adultos em idade

ativa, seria relevante aliar políticas de qualificação para o trabalho, a fim de que saiam da

informalidade e obtenham maior segurança social e trabalhista.

Em relação aos idosos, aponta-se também a necessidade de uma rede de proteção

social que assegure acesso a serviços sociais de qualidade na área da educação, saúde, cultura

e lazer, haja vista que a pessoa idosa necessita desses serviços para desfrutar de uma vida

mais ativa e com maior qualidade de vida.

Por fim, ressalta-se que, apesar dos limites destacados, o programa tem sido percebido

pelos beneficiários como algo positivo para suas vidas.

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