O Novo Livro Do Mundo

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O NOVO LIVRO DO MUNDO A IMAGEM PÓS-MODERNA E A ARTE Rodrigo Naves À memória de Marcos Mega Contemporaneamente, a discussão acerca do estatuto da imagem ganhou um papel de relevo no processo cultural. Pensada criticamente por alguns e positi- vamente por muitos outros, ela passou a ser um dos pontos centrais no debate em torno da questão pós-moderna, e perpassa toda uma gama de eventos, da refil- magem de antigos clássicos do cinema às polêmicas sobre a noção de simulacro. No entanto, que imagem é essa? Afinal, o termo adquiriu significados tão diversos através dos tempos que não seria impossível traçar toda uma história dos seus vá- rios momentos. Falando de uma das marcas distintivas dos Tempos Modernos, do.pensa- mento que se desenvolve sobretudo a partir de Descartes, Heidegger afirma que "onde o mundo torna-se imagem, a totalidade do ente é compreendida e fixada como aquilo sobre o que o homem pode se orientar, como aquilo que ele quer, por conseguinte, trazer e ter diante de si, e com isso, em um sentido decisivo, representá-la (vor sich stellen)" 1 . E a esse movimento corresponde simultaneamen- te à transformação do homem em "um subjectum em meio ao ente" 2 . No enten- der de Heidegger, a imagem do mundo é produto de um sujeito forte que baliza o terreno da objetividade e se coloca como suporte de todas as operações possí- veis. É pela remissão ao sujeito que se obtém a medida de tudo. Mais ainda: é o estabelecimento desta noção de imagem que possibilita a própria relação produti- va entre sujeito e objeto. Lancei mão de Heidegger meio aleatoriamente, e não pretendo cotejar a re- lação entre imagem do mundo e Tempos Modernos com uma suposta pós- modernidade, nem tampouco comparar a extensão que Heidegger atribui à noção de imagem ao uso que dela se faz atualmente. Vários outros autores e interpreta- ções poderiam ser tomados como exemplo, na tentativa de melhor caracterizar — por contraste — a noção de imagem que nos interessa mais de perto. Mas, partin- do dos elementos que depreendemos do pensamento heideggeriano, conseguimos nnn Este texto serviu de base a uma apresentação no Seminário Brasil Século XXI, promovido pela Unicamp, (1) Martin Heidegger. "Die Zeit des Weltbildes", em Holzweg, Frankfurt, Vit- torio Klostermann, 1980, p. 87. (2) Idem, p. 90. 176

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Livro de Rodrigo Nave

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O NOVO LIVRO DO MUNDO A IMAGEM PS-MODERNA E A ARTE Rodrigo Naves memria de Marcos Mega Contemporaneamente,adiscussoacercadoestatutodaimagemganhou umpapelderelevonoprocessocultural.Pensadacriticamenteporalgunsepositi- vamentepormuitosoutros,elapassouaserumdospontoscentraisnodebate emtornodaquestops-moderna,eperpassatodaumagamadeeventos,darefil- magemdeantigosclssicosdocinemaspolmicassobreanoodesimulacro. Noentanto,queimagemessa?Afinal,otermoadquiriusignificadostodiversos atravsdostemposquenoseriaimpossveltraartodaumahistriadosseusv- rios momentos. FalandodeumadasmarcasdistintivasdosTemposModernos,do.pensa- mentoquesedesenvolvesobretudoapartirdeDescartes,Heideggerafirmaque "ondeomundotorna-seimagem,atotalidadedoentecompreendidaefixada comoaquilosobreoqueohomempodeseorientar,comoaquiloqueelequer, porconseguinte,trazereterdiantedesi,ecomisso,emumsentidodecisivo, represent-la(vorsichstellen)"1.Eaessemovimentocorrespondesimultaneamen- tetransformaodohomemem"umsubjectumemmeioaoente"2.Noenten- derdeHeidegger,aimagemdomundoprodutodeumsujeitofortequebaliza oterrenodaobjetividadeesecolocacomosuportedetodasasoperaesposs- veis.pelaremissoaosujeitoqueseobtmamedidadetudo.Maisainda:o estabelecimentodestanoodeimagemquepossibilitaaprpriarelaoproduti- va entre sujeito e objeto. LanceimodeHeideggermeioaleatoriamente,enopretendocotejarare- laoentreimagemdomundoeTemposModernoscomumasupostaps- modernidade,nemtampoucocompararaextensoqueHeideggeratribuinoo deimagemaousoquedelasefazatualmente.Vriosoutrosautoreseinterpreta- espoderiamsertomadoscomoexemplo,natentativademelhorcaracterizar porcontrasteanoodeimagemquenosinteressamaisdeperto.Mas,partin- dodoselementosquedepreendemosdopensamentoheideggeriano,conseguimos nnn Estetextoserviudebase aumaapresentaono SeminrioBrasilSculo XXI,promovidopela Unicamp, (1) MartinHeidegger."Die ZeitdesWeltbildes",em Holzweg,Frankfurt,Vit- torioKlostermann,1980, p. 87. (2)Idem, p. 90. 176 NOVOS ESTUDOS N 23 MARO DE 1989 verquepoucoounadadissoencontrvelnaatualdiscussosobreimagem.A imagemtalcomoquasesempreentendidanosnossosdiasaparecesobretudo naformadeumaauto-referencialidadequeanulaporcompletoarelaopolarque estnabasedoraciocniodeHeidegger.NosemrazoPeterBrgerirescrever que"umatesecentraldopensamentops-modernoafirmaque,emnossasocie- dade,ossignosnoremetemaalgoassinaladoesimapenasaoutrossignos;que nsnomaispodemosencontraremnossosdiscursosalgocomoumsignificado, enosmovemosnumainfinitacadeiadesignificantes"3.Nessemovimentotauto- lgico,sujeitoeobjetotornam-sevelhasquimeras,substitudosporumaespcie de mquina semiolgica de justaposio de signos a funcionar horizontalmente. curiosocomo,paraessepensamento,aquestodoreferentedeveserta- chadadeingnua,equalquermenoaumarcaicomundoprecisasercalada,por carecerdemediaes.Afasta-seadificuldadedoproblemapelaimputaodeim- procedncia,eacomplexidadedaquestodaorigemdossignificadossubstitu- daporoutracomplexidade,quesesatisfazcomaexpansodointrincadodatrama para,aofim,afirmarquesepodedarporperdidaaprpriapossibilidadedegne- se.Porvezestambmseconfundemaautonomiaeareflexividadedaartemoder- nacomessericocheteioperptuo.Nessequadro,nocausaespantoverqueain- formaodomodocomoisolada,porexemplo,pelateoriadainformao deixadesernotciasobrealgo,paraseresumirperguntaporsuaprpriaestrutu- ra.Pensoserpossveldeduzirdesseraciocnioque,paraele,aimagemsetransfor- maempuravirtualidade,submetidaaumacombinatriaquelheproporcionasen- tidoesignificado.Mastambmessesignificadoderivadocarregarpermanente- menteumafugacidadedebase,produzidapelapossibilidadedealocaoemanu- seio que rege seu enquadramento numa determinada situao. Masparaqueessejogodeespelhosseefetiveserprecisopressuporuma enormeproliferaodeimagens,apartirdasquaisomecanismodessamquina poderentraremfuncionamento,agenciando-asaseubel-prazer.oquefarboa partedosatoresdessedebate,aoerigirumacivilizaodaimagemcomopalcoda existnciacontempornea.Constatandoageneralizaodaindstriacultural,torna- seentofcildescreverumasituaoemqueimperaareproduodaaparncia dascoisaspormeioseletrnicosmasnosporeleseasuaconseqente sobreposioaqualquerresquciodaquiloquefoireproduzido.Contudono apenasessapromiscuidadedaimagemqueestemjogo.Omododominantede produodeimagensnosasespalhaportodasaspartescomotambmacaba porseimprimirsprpriasreprodues.Aubiqidadedaimagemnoserestrin- gepropagaoilimitada:envolvefundamentalmenteacapacidadedejustaposi- odetodososespaosdomundo,apresenasimultneaesemdistnciadeacon- tecimentosabsolutamentedspares.Oslogandeumdosnossosnoticirios"o mundoemsuacasa"resumebemessasituao.Naimagem,pormeiodela, esfumam-seasdistnciaseotempo,eobtm-seatransformaodarealidadena prpriaessnciadaimagemcontempornea:umavirtualidadesemqualqueres- pessura.Comoqueaquestodaorigemtorna-seaindamaisremota.Aquiconvm evitarummal-entendido.NumaobracomoadeMatisse,asimagensserealizam namaisestritasuperficialidade,semrecorreraoilusionismopropiciadopelapers- pectiva.Contudo,aevidnciaalcanadaporsuascoresfazcomqueapercepo apareacomoatividade,poispelacorequasequesomenteporelaque oprprioespaodastelasconstrudo.Nessemovimento,aimagemganhauma densidadequeadiferenciatotalmentedaquelaqueestamosdiscutindo,jqueas nnnn (3)PeterBrger,prefcio aolivroPostmoderne: Alltag,Allegorieund Avantgarde,organizado porChristaePeterBrger, Frankfurt,Suhrkamp, 1987, p. 7. 177 O NOVO LIVRO DO MUNDO coresperdemseucarterexclusivamenteretinianoparaganharemoestatutode matria. Nessejogodeimagens,tudosepassacomosepresencissemosextempora- neamenteo retorno dametforadolivrodomundo. Atravsdessas imagens o mun- doseentregariacomoalgumacoisadearticulado,cujosentidoapenassolicitaria umaleituraadequadaparasuaplenaapreenso.Despojadodesuarudezaeopaci- dade,eleapareceriacomoumsignificadopossvel,jquedealgumaformasurge sobocomandodeumasintaxe.Hnoentantodiferenascruciaiscomoantigo livrodomundoqueconvmassinalar.Adespeitodosdiversossentidosqueessa metforaganhou,existemalgumascaractersticasquesemantiveramporbomtem- po, principalmente na Idade Mdia e comeo do Renascimento. HugodeSoVtorescrevenosculoXIIque"todoomundovisvelum livroescritopelodedodeDeus,ouseja,criadopelopoderdivino;eascriaturas humanassoacomoquefiguras,criadasnopelavontadehumanamasinstitu- das pela autoridade divinapara proclamar a sabedoria das invisveis coisas de Deus. Masassimcomoumiletradoqueobservaumlivroabertoolhaasfigurasmasno reconheceasletras,domesmomodoumtolohomemnaturalquenopercebe ascoisasdeDeusvexteriormentenestascriaturasvisveisasaparncias,masno compreendeinteriormentesuarazo.Masaquelequepiedosoepodejulgarto- dasascoisas,enquantoobservaexteriormenteabelezadocriadoconcebeinte- riormente quo maravilhosa a sabedoria do criador"4. Nessapassagem exemplar, o mundo tambmprecisa se converter numaima- gem.necessrioqueascoisasvisveisabandonemsuacruezaeseconvertamem indicadoresdealgosuperior.Decertomodo,nessametforaomundotambm semudaemtransparnciaevirtualidade,namedidaemqueseassemelhaauma membranasimblicareveladoradeumaatividademaior.Paraqueseda"corres- pondnciaentresignificaoeaparncia"5,exigem-secontudodoisnveisdistin- tosquesecomunicaroapenassobcertascondies.Omovimentodetranscen- dnciaquelevadovisvelaoinvisvelsolicitaummediadorque,graasaumcerto conhecimentoeexperinciaaexperinciadeDeusem simesmo atravsdareli- gio,podealcanararazointeriordasexterioridades.Afinal,sempreposs- velserapenasum"tolohomemnatural".Eessemovimentoimpregnaraimagem resultantedeumadensidadesimtricapassagemquelevadovisvelaoinvisvel. Ler o livro do mundo significa compartilhar em alguma medida a grandeza do Cria- dor,dadoqueoshomensestonomundopara"proclamarasabedoriadasinvis- veiscoisasdeDeus",emboratambmelessejam"figuras"destemundo.Umhalo msticoenvolveessaconaturalidadeparcialeseinstalanaprpriaimagemcriada. Nessatravessia,transcendnciaeexperinciareligiosaemprestaroumadimenso particularimagem,queassimvsuatransparnciaadensar-seconsideravelmen- te.Aimagemnosedesprendedomundo,poistemcomosuporteumserque participa ao mesmo tempo do visvel e do invisvel. Ora,fcilverificarqueessascaractersticasnoaparecemno"novolivro domundo",talcomosugereadiscussoemtornodops-moderno.Tomemosal- gumascolunasgregasquesustentamumarconeoclssico,sobreoqualseergue nnnn (4)CitadoemTheWorld andtheBook,deGabriel Josipovici,London,The MacMillanPress,1979,p. 29. (5)Idem, p. 30. 178 NOVOS ESTUDOS N 23 MARO DE 1989 umaenormefachadadevidro.Queelasnosogregasemuitomenoscolunas, saltaaosolhos.Nadahquelembreosentidodeelevaodascolunasgregas,na- dadomovimentoascensionalqueconduzamassadaconstruolevezadoesp- rito.Seriaigualmentevoprocurarnelasoelementomediadorqueharmonizaes- calahumanaemonumentalidadeovolumeserenoaguardarasproporesdo corpohumanoeondeaesculturaseinsinuaatodomomento,nopermitindoque secristalizenuminanimadocilindrodepedra.Masentooquesignificamessas coisas? bemprovvelqueessascolunastenhamsidopintadasdevermelho.As colunasgregastambmoeram.Masnocomtintasesmaltadasquetransformam superfciesembrilho,fazendocomqueovolumenosejamaisqueumaluzrefle- tida,infensoportantoaqualquercomunicaocomoambiente.Assimrecobertas elascorremsobreumfundoqueasrecorta,semquetalmovimentoencontrequal- querentrave,senoporsuaprpriaextensofsica.Eporsedestacaremassimdos meiosqueascercam,deveriamtornar-sesimplesornamentos,meraslistrasaem- belezarumafachada.Masornamentosbuscam,aseumodo,integrarascoisas.Por meiodelesanaturezaseentrelaaaosartefatoshumanos,aausteridadedaforma construdasuavizadapeloscaprichosdearabescosevolutas,numconvvioame- noepitoresco.Nadadissoocorreaqui.Domodocomoaparecem,essascolunas soostensivamentesuprfluas.Elasestoaliporumatodearbtrio,porqueuma vontade precisou exibir-se redundantemente como algo volvel e sem regras. Eporquecarecemdetodanoodemedidasoparadoxalmenteumaos- tentaointimista.Aofinal,sobressaiapenasogestoquepermitejustaportudo. Aquiloquefoimanejado,apostoaumaoutracoisaqualquer,retmsomenteos sinaisdesuasubmisso,semquesuaevidncianointeriordoconjuntoproduza umadimensocorrespondente.Apossibilidadedeagenciamentodoselementos reinasobretudo.Massporqueesseumagenciamentodemasiadoparticular. QuandoPicassojuntoudiversosmateriaisparafazersuasprimeirasesculturas,ha- viaumesforoparaliberarovolumedatridimensionalidademaciatradicional eparacriarformasnovasquerecusassemporcompletoumespaodadoapriori. Essascolunaseogestoqueascolocouali,noentanto,desprezamqualquerinter- rogaoformal,poisprecisamreduzirtodososelementosaumaespciedeco- presena que necessariamente prescinde da mediao formal. Esseagenciamentocontudoquermais.Tambmotempoprecisarseren- dervoragemdejustaposioquepresideomovimentodaimagem.Opassado gregoconvocadoentoparapresenciarsuaconvivnciacomumavidraahigh tech,semquelheinibaotestemunhodeumarconeoclssico.Noestaramosen- ganadosaoveraumexemploacabadodaquiloqueseconvencionouchamarsi- mulacro.Nossascolunasvermelhassemdvidaremetemaummodeloexterior, grego,quenoentantoanuladoemsuaespecificidade,epermaneceapenascomo umapresenafantasmagricaquebalizaosurgimentodeumduploquenomais doquesignodesimesmo,masquenecessitadessasombraparaquesuaoperao secomplete.Aquiloquenametforadolivrodomundoeratranscendnciamuda- seagoranumjogoespecularnoqualosrebatimentosnoanunciamumnovosen- tido, repisando incansavelmente a mesma trilha. Essacapacidadedemanuseionoserestringe,claro,arquitetura.Basta abrirumapublicaoatualparaconstatarinmerosprocedimentosgrficosque remetemaquestessemelhantes.Principalmenteapartirdoadventodaimpres- sooff-setaimagemgrficatemseuestatutograndementetransformado.Empri- nnn 179 O NOVO LIVRO DO MUNDOmeirolugar,aprpriaimpressosemodifica,eoqueanteseradefatoumapres- sorealizadasobreumsuporte,deixandoasuasmarcas,passouaseradeposio deumdesenhosobreopapel.Asimagenscomoquepousamsobreomateriala serimpresso,ganhandoumaautonomiaqueasrealaenquantoreproduo.Com essa tcnica mas tambm com essas aparncias , generalizaram-se vrias prti- casqueconduziramaimagemporumcaminhoparecidocomoqueestamos discutindo. comumobservarmosnaspublicaesdehojemesmonasmenossofis- ticadas,comoosjornaisdeslocamentosdefotosqueevidenciamsuairregulari- dadepormeiodemanchasnegrasassinalandoaposionormalquedeveriamas- sumir;colunasrecortadasquedesenhamoperfildeumafoto;textosqueinvadem ilustraesevice-versatudonumademonstraoclaradosrecursosdemani- pulaodaimagemqueasnovastcnicasdereproduopropiciaram.Noentanto essaquestoapareceaindamaissignificativamentenaconcepodecomposio, na orientao que rege o desenho e a disposio dos caracteres. Falando da tipografia desenvolvida pela Bauhaus, Gilio Cario Argan diz que ela"sesituacomoocontrriodatipografiadescritivaousimblicaesomenteapa- rentementerevolucionriadosfuturistas,dadastasousurrealistas.absurdope- dirpginatipogrficaqueornamenteoucomenteosconceitosqueestoescri- tosnela,earigornoselhepodeexigirmaisqueumaclaracomunicaovisual. (...)Apginaoespao,adimenso,acondioouaformadarealidadeemque secumpreesseatoessencialdohomemcivilizadoquealeitura;aclarezaeaor- demdesseespao,apropriedadedessaforma,soascondiesdaplenitudee davalidadedoato.Emsntese,durantesculososcaracteresforamimaginadosem funoda'escrita',maisoumenoscomoumcomplementoepigrficodaobralite- rria;agora,aocontrrio,soconcebidosemfunoda'leitura',comouminstru- mento do leitor"6. Vriaspossibilidadescriadaspelafotocomposiofazempensarquevolta- mos ao primado da escrita e da ornamentao. Recursos como a condensao e a ex- pansodecaracterestoemvogaatualmenterecolocamodesenhodas letrassobosignodaplasticidade.Ecomamaleabilidadedostipos,algodovelho copistareaparece.ContudoprecisofazerumaligeiraobservaoaotextodeAr- gan:enquantorealmentevigoravamosmanuscritos,aescritatinhaumadimenso queextrapolavaemmuitoosimplesornamentalismo.ComolembraErnstR.Cur- tius,antesdainvenodaimprensa"emcadalivrocopiadoencerravam-sedilign- ciaehabilidademanual,atenodoespritolongamentesustentada,trabalhoamo- rosoedesvelado"7.Emboamedidaotrabalhodocopistaseidentificavacomal- gumasparticularidadesdaprpriaatividadeintelectual,epartedessaseriedadese transferiuparaoscaracteres,quandodosurgimentodaimprensa.Bastaevocaros caracteres gticos da Bblia de Gutenberg. Hoje,porm,esse retornodaescrita tomafeies totalmentediferentes. Mais doquereintroduzircertapessoalidadenatipografia,sobressaiavontadededeses- tabilizar,pormeiodessasdeformaes,opoderconceitualdapalavra,introduzin- donasuaaparnciaumaflutuaoqueprocuraatingirocontedo.Senoscons- trutivistasrussosetambmnosnossosconcretistashaviaodesejodeproduziruma identidadereveladoraentrealetraeseusentido,vemosagoraumaoperaovo- luntaristacontentecomacriaodeanamorfosesgrficas,ondeoexibicionismo dadeformaotemmaisavercomumtecnicismodoquecomatentativadepo- tencializar a linguagem. (6)GiulioCarloArgan. WalterGropiusylaBau- haus,Mxico,Ediciones G. Gili, s/d, p. 55. (7) ErnstRobertCurtius. LiteraturaEuropiaeIda- deMdiaLatina,Riode Janeiro,InstitutoNacional do Livro, 1957, p. 342. 180NOVOS ESTUDOS N 23 MARO DE 1989 Comonoexemplodascolunasgregas,patenteaquiaintenodemani- pularrealidades,justapondo-aslivremente.Todaviaexisteumoutroaspectoaser ressaltado.Emtodosessesprocedimentossobressaiadimensodevirtualidadema- nuseveldasimagens(mesmoquesejamletras).Afinal,comodizoprprionome (fotocomposio),trata-sedeluz.Ou seja,nabase dessas operaes estuma trans- parnciaplsticaabertaadiversosmanuseios.Atipografiamodernaerasobretudo apeloclarezaeordem.Aprogramaovisualps-modernaaprincpiotambm poderias-lo.Parausarojargodasartesgrficas,elafreqentemente"jogacom obranco".Nassuasdiagramaesosespaosimpressoseno-impressosnoraro sedistribuemcomelegnciaeequilbrio.Vistamaisdeperto,essadisposiodas superfcies mostra-se mais complicada. Umprocedimentotpicoda"escola"consisteemforaro espaamentoentreasletrasprin- cipalmenteemttulosesubttulos,crditoseassinaturas,demodoaobtero efeitodeequilbriomencionadohpouco.Oresultadoumaespciedevazio extensoentreasletrashentreelasumaatraopropiciadapelaintegridade dapalavra,semqueessaregiodesignificadoambguodeixedeserumbranco ,queaparececomoaprpriaverdadedessetipodeconcepogrfica:ummeio resistentemassujeitoatodasortedeconformaes.Eoquepareciaclarezaerigor mostra-se,aofim,simplesprofissodefnapossibilidadeindiscriminadade amlgama. Ficaclarocomessesexemplosqueonovolivrodomundoguardapouqus- simasemelhanacomoantepassadomedievalerenascentista.Porumlado,reina aumaintranscendnciaradical.Osespelhamentosquepresidemacriaodesi- mulacrosimpedemqualquermovimentoqueresulteemsignificao.Asimagens serecobremcomonocasodascolunasgregas,jogandosombraumassobre asoutrasecriandoascondiesparaque,nessasobreposio,ocotejoentream- basdesloqueincessantementeosignificado,quedessamaneiratorna-sepurarei- terao,emboraadquiraaauradesvalidadofugazedoevanescente.Halgode enganosamente mgico tambm a. Poroutrolado,exacerba-seocarterdevirtualidadedaimagem,namedida emqueaconformidadeseuhorizonte,submetendo-seatodaespciedeopera- o.Nessepontoolivroreaparece,masnumsentidoestranhometforaoriginal. Defato,omanuseioproporcionadopelaexcessivalabilidadedaimagemsugere umfolhearreveladordoestatutocontemporneodaimagem.Umprocedimento usadosaciedadenatelevisoilustrabemesseprocesso.Pormeiodeumaparelho chamadoquantel,congelam-seasimagens,quedepoissoliteralmentefolheadas, agostodooperador.Comonumcalendrio,asimagenssesucedemumassobas outras.Eadespontacomoqueaquintessnciadaimagemps-moderna:algoque se desprega totalmente do mundo, imune a ele. Nesse jogo, a experincia torna-se uma forma remota de apreenso do mundo. Comainstalaodesseverdadeironaturalismodosignificantenohlugarpara qualquertipodeprticaqueestabeleavnculosentreexperinciaeimagem eomundodasaparncias,simulacrodesimesmo,rodopiasobreseueixo, autonomamente. Toda a discusso e prtica contemporneas sobre a imagem sem dvida anun- ciammuitodoqueocorre,digamos,anvelsimblicoemnossasociedade.Defa- to,aproduocultural,aelaboraotericaeoprpriomododeaparecimento dasociedadeenvolvemmuitodaquiloqueessedebateaponta.Masapenasaponta, nn 181 O NOVO LIVRO DO MUNDO semquepossuaqualquerdimensoexplicativa.Poressarazo,nomeparecein- gnuoperguntarseessaquestonoremete,emltimaanlise,velhadiscusso dofetichedamercadoria,incorporadoacriticamente,enumgrauindito,pro- duocultural.Realmentesotantosospontosdecontatoentreambasasques- toesquepraticamenteimpossveldeixaraolargoessainterrogao.Domesmo modoqueossignificantesremetemunsaosoutrosindefinidamente,tambmas mercadoriasaparecem"identificando-seentresi"8."Aequaodamercadoriaabo- lequalquerrefernciaaoutrem.Os20metrosdelinhosereportama1casaco ouaoutrosobjetosquantitativamentedeterminadosenadamais.Linhoecasaco configuramamesmaidentidadeposta,algoigualqueseconstituipelacomparabi- lidadedosvriosvaloresdetroca,queumadeterminadaquantidadedelinhopo- deencontrar"9.nesseprocessodeespelhamentoqueserealizaofetichismoda mercadoria,quandoa"relaosocialdeterminadaexistenteentreosprpriosho- mens toma, a seus olhos, a forma fantasmagrica de uma relao entre objetos"10. Ora,paraqueessemovimentosecumpraqualquerperguntapelasuaori- gemnumtrabalhoconcretoserdissolvidapelocircuitodomercado.Reduz-se portantoradicalmenteapossibilidadedeexperincianasociedadecontempor- neasobretudoapartirdomomentoemqueasformascapitalistaspenetramto- dososporosdasociabilidade.Tomandoesseproblemamaisdoladovisual queoquenosinteressaaqui,denotarque,nesseprocessouniversaldetro- ca,sobressaia"igualaodascoisasnomercado"11.E,emboraessesrebatimen- tossedemprimariamenteanveleconmico,visualmenteofeticheaparecerpe- laperdadoprpriorecortedosobjetos,poismeparececlaroque,instalaodo trabalhoabstrato,corresponderumarupturaradicalcomaindividualidadedos objetos.Assim,aprprianoodepercepotorna-sealtamenteproblemtica,j queosobjetosmalsedesenhamcomopossveisobjetosdapercepo.Maisainda, eoqueessencial:comadissoluodotrabalhoconcreto,tambmaconstruo deformasdeixadeserapreensvelcomoexperincia.Emsntese,apercepodei- xaderadicarnaexperincia:umahomogeneidadegenricadefundoseapodera degrandepartedasrepresentaes.Aatividadeperceptivasereduz,nomximo, aumreconhecimentodeimagens,coisaqueapopsoubeanteciparcomextrema pertinncia. Essedesgarramentodaimagememrelaoaumaexperinciaqueseenra- ze numaatividade aindaque perceptiva sera base de sua virtualidade mani- pulvel.Descoladadetodaequalquerresistnciaformalizaoouseja,dotra- balho,elapodeassumiraresdealgointercambiveleplenamentedisponvel. Sobreessabaseeapenassobreela,vriasoutraspeculiaridadesdocapitalis- mocontemporneoobteroefetividade,permitindoafirmarque,"arigor,(...)as mquinasnoproduzemobjetos;produzem,aoinfinito,imagens.Nanovaescala devaloresoobjetotorna-seimagemeosujeito,passandoaoltimolugar,torna-se coisa"12.Coroandooprocesso,odesignbuscarrestituiraindividualidadedas mercadoriaspormeiodacriaodetraosdiferenciadores,quenoentantopreci- samsecoadunarcomadinmicageraldamercadoria,aparecendoentocomo aristocratismodeumaimpessoalidadeconstruda,comaelegnciadeumanoni- matoostensivo.Tristesorteadodesign:detentativagrandiosadealcanaruma reflexividadequepermeasseocotidianodecaiparaoplanejamentointencional do irrefletido13. Nodomniodessaimagemmirradaefilistina,comoficaaarte,emespecial asartesplsticas?Essapercepochapada,rasa,noseriaumindicadorseguroda nn (8) JosArthurGiannotti. TrabalhoeReflexo,So Paulo,Brasiliense,1983,p. 235. (9) Idem, p. 235. (10) KarlMarx.DasKapi- tal,MEW,Berlim,Dietz Verlag,1975,vol.23,p. 86. (11) IsaakIllichRubin.A TeoriaMarxistadoValor, SoPaulo,Brasiliense,p. 25. (12)GiulioCarloArgan. ProgettoeDestino,Mila- no,Mondadori,1968,p. 32. (13) Porcerto,essadiscus- soemtornodasrelaes entreculturaefetichismo damercadoriadeveriase reportarsformulaes deAdorno,sobretudona TeoraEsttica.Comoo carterdestetextono nospermiteessecotejo, ficaaquiapenasaindica- odeumtrabalhopos- svel.Deoutraparte, maisoumenosbviaa origembenjaminianade algunstpicosexpe- rincia,reprodutibilidade etc.,emboraentrem aqui sem qualquer rigor. 182 O NOVO LIVRO DO MUNDOprpriamorte(indolor)daarteummomentoemquequalquerespessamento dosensvelaparecenecessariamentecomoalgopostioeclaudicante?Nosetra- ta,porcerto,derestaurarumsujeitontegroquetransponhaparaseusprodutos adensidade de umaalma farta, votada presteza da doao.Mas entronizar alegre- menteumsujeitoerrtico,incapazdetudoquenosejaoespelhamentodasima- gensdomundo,temmuitodehipocrisia.Algumasimportantesmanifestaesar- tsticascontemporneasvoemoutradireo.Aomenosnasartesplsticasmepa- recedifcilconcordarcomodiagnsticodeFredricJamesonsobreaarteatual, onde,aseuver,aincorporaodessa"transformaodarealidadeemimagens"14 se faz sem nenhuma hesitao ou ressalva. (14)FredricJameson. "Ps-ModernidadeeSo- ciedadedeConsumo",em NovosEstudosCebrap, n12,p.26.ParaJameson "umsignificantequeper- deuseusignificadose transformacomissoem imagem", p. 23. Umtrabalhocomoodonorte-americanoRichardSerrareverteessasten- dncias,emboraatcertopontoaspressuponha.Poressarazoumabreveanlise deseutrabalhotemgrandeinteresseparaessadiscusso.Paraopensamentocha- madops-modernoacidadeolugarporexcelnciadaimagemvoltiledosimu- lacro.Nela,asaturaodasfachadas,cartazes,out-doorsetodasortedereprodu- escriaascondiesparaessaespciedesimulacroematoqueseriaocotidiano massificado.GrandepartedostrabalhosdeSerraatuamnoambientedacidade. Empraas,jardinsecruzamentos,enormeschapasdeaoseestendemcompondo "formas"poucoestveis,apesardamassadescomunal.Reivindicandooespao dacidade,essaspeasdesadasolicitamasuainseronumauniversalidadeque da ordemdomercado. De fato,a cidadeo localprivilegiado em que as relaes sociaisseestabelecem,eondeasmercadoriasencontramseusparmetrosedesti- nao.Dealgummodootraadodacidadeodiagramadomercadooespao emquecoisasehomenstransitamesocotejados,ondeasrelaessereiteram aoinfinito,numareproduoincansvel.MasostrabalhosdeRichardSerrarejei- tamafluidezdessemovimento;tampoucopontilhamarealidadeurbanadesm- bolosquedemarquemdiferenasnoterrenodispersodametrpole,comonatra- dio dos monumentos. O Tilted Arc, localizado na Federal Plaza, em Nova York, um dos melhores exemplosdesuapreocupao.Colocadonomeiodeumapraa,numlugardepas- sagemdepedestres,otrabalhodescreveumacurvaqueemtesenoseriamais queaestilizaodomovimentoqueaserealiza,umaevidenciaodaquiloque ohbitoterminaporocultar.Issodefatoacontece,massapsumpercursocer- rado,quedeixarmarcasnoobservador.Oarcoqueinterrompeoplanodapraa nosimplesmenteumalminadelicadatraandoumdesenhonosolo.Aschapas deaotmumaespessuraqueinviabilizaasublimaodomaterialemdesenho. Essearcopesaesuasutilinclinaoparafrenteapontaissocompreciso.Aomo- vimentoqueoconduzdeumapontaaoutrasecontrapeportantoapresena rgidaeensimesmadadeumequilbrioinstvel,queaimpededeserpuraconti- nuidade,paragalvaniz-lanummovimentotenso,quepodeaqualquermomento voltaraorepouso,ouseja,ruir.Oembateinsolvelentreosdoismovimentos umacontinuidadeeumacontenoexponenciadaaseumodoentravaofluxo dacidade,namedidaemquecriaumapresenaimunegeneralizaodomerca- do.Atensoqueproduznasuperfciedoarcorompedechofrea nnnnnnnnnnnnnnnnn 184 "Clara-Clara", Place de la Concorde, Paris, 1983 O NOVO LIVRO DO MUNDO homogeneidade15deumaimagemvirtualeapeaganhanovasolidez.Integrado napaisagemurbana,otrabalhonoentantoadquireumaindividualidademxima eirredutvel.E,semsefecharunivocamentesobresi,surgecomumaintensidade inesperada na vertigem da cidade. Agorapodemosvoltaraospassantesquecruzamapraa.Aoredordoarco atensoproduzidaporseuduplomovimentogeraumverdadeirocampodefora edestriaplacidezdosespaosvazios.A,cncavoeconvexodeixamdeserfigu- rasgeomtricasparasetransformaremnumaexperinciadaprpriacidade,dessa dinmicadeacolhidaeisolamentoqueperpassatodososgrandescentrosurba- nosequefazdacidadeolugarcomplexodoanonimatoedasolidariedade,do trabalho assalariado e da cidadania, da desolao e do convvio. (15)Devoessaidia a uma exposiodeRonaldo Brito sobre Richard Serra. Nuncacomohojeascidadesprocuraramtantosemostrarcomocidades. Portodaparteaconvivnciafragmentada,oanonimatoeoabandonolevantam marcosqueprocuraminverteracontinuidadedespersonificadadasmetrpoles. Pontosdeencontro,luminosos,reasdelazer,arranha-cus,fachadas,colunasso- ciaissimulamumconvvioqueserarefez;demarcamlugaresqueanteriormente eramcircunscritosporhbitosecostumes,porumaexistnciaquesublinhavaafe- tivamentelocaiseformasdeconvivnciacomonosmveiscoloniaisfeitossob encomenda,tentamrecriarasmarcasesmaecidasdeumaexperinciaquenos escapa. Acidadejfoiolugardovcioedavirtude,oambientepropcioaodesen- volvimentodascapacidadeshumanaseoterrenodadegradaodaboanatureza doshomens16.Hoje,emcertamedida,acidadenomaisqueumnome,deses- peradamenteprocuradeumobjetoquelhecorresponda.Enocausaespantoverificarcomoessatentativaderecuperaodeumespaosocialdacidadetende parasoluesconservadoras.Tomemosesseslocaistomarcadamentesociaisdas metrpolesbares,restaurantes,shoppingcenters.Asingularidadeostensivaque procuramcriarpormeiodearranjosedecoraesdesvendaapreocupaodetra- ardiferenasquesuspendamahomogeneidadedosgrandescentrosurbanos.A, porm,aintimidadenoestligadaaumlongoprocessodefamiliaridadecom umdeterminadoambiente.Aocontrrio,elaseapresentaobjetivamente,desligada deumaexperinciapessoalnadecoraosuigeneris,amaneirada,fornece-se deantemoavivnciadeumespaodiferenciado,quesubstituiaafeioproduzi- da na sedimentao de experincias particulares. Aamplidodascidadestambmariquezadasrelaesquepossibilitam. Masnesseslocaisasociabilidadecomplexaeproblemticadosgrandescentrosur- banosganhaumaversoclaramenteregressiva.Oaconchego,quesepretendea contrapartidadadilaceraourbana,rebaixaasociabilidadeaumaproximidade domsticaabsolutamenteaqumdasinterrogaesdonossotempo.Protegidospor umaintimidadequenosalheiaeporumacolhimentoapequenado,vemosans mesmosreduzidosaumestatutomuitosemelhanteaodaimagemcontempornea: limitadosaumasociabilidadedepapel,naqualseencenaumaconvivnciaposti- amasapreensvel.Asociabilidadecomoimagemaomenostalcomoaparece aquitemaamplitudedeumacasadebonecas,equempdeveraexposio nnnnn (16)VerCarlE.Schorske. "TheIdeaoftheCityin EuropeanThought:Vol- tairetoSpengler",emThe HistorianandtheCity, BurchardeHandtin (orgs.), Cambridge, 1963. 186 NOVOS ESTUDOS N 23 MARO DE 1989 ATramadoGosto,organizadapelaBienaldeSoPauloem1986,teveocasiode presenciar essa operao em estado puro. Eessapretensasociabilidaderecuperadaapartirdavivnciadecama- dassociaisbemdeterminadasqueirecoarporpartesignificativadaproduo culturalcontempornea.Atendnciaatransformaracidadeemummeioacolhe- dorexplicaemgrandeparteousogeneralizadodanoitecomoambientedefilmes comoBladeRunner,CidadeOculta,AnjosdaNoite,entretantosoutros.Nesses trabalhosaescuridoetambmachuva,nocasodeBladeRunnerlimitaa extensodeespaosecoisaspelareduodesuavisibilidade,agasalhando-osnu- ma atmosfera sem distncias, que integra tudo num movimento de indiferenciao. Comaconversodacidadeemcasulo,seusmovimentosdeoposiopas- samaserasimplesradicalizaodeumisolamentoprotetor,enodeespantar quemanifestaestodsparescomoofilmeNoveeMeiaSemanasdeAmoreas BrigadasVermelhasdeitemrazesnumterrenocomum, que essa espcie de iden- tidadeintimistaproporcionadaporumesconderijoouabrigo.Seonovolivrodo mundoorecobrimentodorealporimagensqueoreproduziamtautologicamen- te,vemosagoraqueeletambmumatentativakitschdehumanizaromundo contemporneo, por meio da produo de um cotidiano aparentemente familiar. OquetrabalhoscomoosdeRichardSerranosmostramqueascidades somuitomaisqueolugardareificaoabsolutaoudesuaversoedulcoradae aconchegante.Acombinaoderigoresubjetividadequemarcatrabalhostodi- versoscomoodeumjovemtrompetistadejazzcomoWyntonMarsalis,oudo pintoralemoAnselmKiefer,emaispertodenseporqueno?amsica deJooGilberto,apinturadeEduardoSuedeaesculturadeAmilcardeCastro apenasparacitaralgunsexemplos;ojogosutildeumaformalizaoqueevi- denciaatodomomentoseusimpassesedificuldadessemdeixardeprocurar umaforma,aindividualidadentimaepblicaquebuscaexpressonessasobras desvendaumacidadebemmaiscomplexa.Nela,semdvidaamercadoriatraa suaduraobjetividade.Masnotoduraqueimpeaagrandezadaarteedeoutras formasdeconvivncia.Nostrabalhosdessesartistasasubjetividaderecusaachan- celaintimistaqueacolocariacomoumprotestomuitoaqumdosdilemascon- temporneos.A,olirismonooapequenamentovoluntriodoeu,esimapro- curadeumaexpressividadeque,sendomanifestaodeexperinciasindividuais, busca a todo instante uma universalidade nova, altura da cidade contempornea. RodrigoNavescrtico dearteeeditordeNovos Estudos Cebrap. Novos Estudos CEBRAP N 23, maro de 1989 pp. 176-187 187