O MOVIMENTO NACIONAL DE LUTA PELA MORADIA (MNLM)...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
CURSO DE HISTÓRIA – LICENCIATURA PLENA E BACHARELADO
O MOVIMENTO NACIONAL DE LUTA PELA
MORADIA (MNLM) E A LUTA PELA REFORMA
URBANA NA NOVA SANTA MARTA, EM SANTA
MARIA, RS
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE GRADUAÇÃO
Pedro Sergio da Silveira
Santa Maria, RS, Brasil
2014
O MOVIMENTO NACIONAL DE LUTA PELA MORADIA
(MNLM) E A LUTA PELA REFORMA URBANA NA NOVA
SANTA MARTA, EM SANTA MARIA, RS
Pedro Sergio da Silveira
Trabalho de Conclusão de Graduação apresentado ao Curso de História –
Licenciatura Plena e Bacharelado, da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do grau de
Licenciado e Bacharel em História.
Orientador: Prof. Dr. Diorge Alceno Konrad
Santa Maria, RS, Brasil
2014
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Ciências Sociais e Humanas
Curso de História – Licenciatura Plena e Bacharelado
A Comissão Examinadora, abaixo assinada,
aprova o Trabalho de Conclusão de Graduação
O MOVIMENTO NACIONAL DE LUTA PELA MORADIA (MNLM) E A
LUTA PELA REFORMA URBANA NA NOVA SANTA MARTA, EM
SANTA MARIA, RS
elaborado por
Pedro Sergio da Silveira
Como requisito parcial para obtenção do grau de
Licenciado e Bacharel em História
COMISSÃO EXAMINADORA:
Diorge Alceno Konrad, Dr.
(Presidente/Orientador, UFSM)
Júlio Ricardo Quevedo dos Santos, Dr. (UFSM)
Leonardo da Rocha Botega, Ms. (CAFW-UFSM)
Glaucia Vieira Ramos Konrad, Dra. (Suplente, UFSM)
Santa Maria, 18 de Janeiro de 2014
Dedico este estudo:
Aos companheiros e companheiras do MNLM, bem
como a todos que sonham e lutam por um mundo em
que, como disse Rosa Luxemburgo, sejamos socialmente
iguais, humanamente diferentes e totalmente livres!
À Sandra Feltrin (in memoriam), importante guerreira
das causas populares em Santa Maria.
AGRADECIMENTOS
Sou muito grato...
A todas as forças cósmicas, divinas e universais que geram nossa vida e
existência consciente.
A todos os meus familiares, especialmente minha mãe, Margarida,
que durante toda esta caminhada muito me apoiou e incentivou,
inclusive para realização deste trabalho.
À companheira Melissa, por todo aprendizado e momentos maravilhosos juntos!
Ao amigo Rodrigo Ritzel, por tantos anos de convivência no 1532. Bons tempos!
A todos os companheiros e companheiras do Movimento Estudantil e da Articulação de
Esquerda, verdadeiros espaços de formação política e social.
Aos moradores da célula revolucionária 3221, de toda a CEU II e da Congas, moradias que
me acolheram durante meus estudos em Santa Maria.
Aos professores do Curso de História da UFSM, especialmente ao meu orientador Diorge
Alceno Konrad, por toda paciência e auxílio.
A todas as amizades que tive a honra e o prazer de fazer
durante todo esse período.
Aos amigos e amigas do MNLM e moradores de suas ocupações,
sem vocês este trabalho não existiria!
A todos e a todas minha Gratidão!!
Uma sociedade não pode existir sem crise de moradia,
quando a grande massa dos trabalhadores só dispõe exclusivamente de seu salário, quer
dizer, da soma dos meios indispensáveis à sua subsistência e à sua reprodução; quando as
novas melhorias mecânicas retiram o trabalho das massas de operários; quando crises
industriais violentas e cíclicas determinam, por um lado, a existência de um verdadeiro
exército de reserva de desempregados e, por outro lado, jogam momentaneamente na rua a
grande massa dos trabalhadores; quando estes estão amontoados nas grandes cidades e isto,
num ritmo mais rápido do que o da construção de moradias nas circunstâncias atuais e que,
por mais ignóbeis que sejam os pardieiros, sempre se encontram locatários para eles;
quando, enfim, o proprietário de uma casa, na sua qualidade de capitalista, tem não só o
direito, mas também, em certa medida, graças à concorrência, o dever de obter de sua casa,
sem escrúpulos, os aluguéis mais altos. Neste tipo de sociedade, a crise da moradia não é um
acaso, é uma instituição necessária; ela não pode ser eliminada, bem como suas
repercussões sobre a saúde, etc., a não ser que a ordem social por inteiro, de onde ela
decorre, transforme-se completamente.
Friedrich Engels, A questão da moradia.
Citado por Manuel Castells. A questão urbana.
RESUMO
Trabalho de Conclusão de Graduação
Curso de História - Licenciatura Plena e Bacharelado
Universidade Federal de Santa Maria
O MOVIMENTO NACIONAL DE LUTA PELA MORADIA (MNLM) E A
LUTA PELA REFORMA URBANA NA NOVA SANTA MARTA, EM
SANTA MARIA, RS
AUTOR: PEDRO SERGIO DA SILVEIRA
ORIENTADOR: DIORGE ALCENO KONRAD
Data e Local da Defesa: Santa Maria, 18 de Janeiro de 2014.
Nas últimas décadas a problemática urbana se intensificou no Brasil. O modelo de
desenvolvimento implementado no País impactou fortemente o campo e a cidade,
intensificando a concentração da propriedade no meio rural e urbano. Isto gerou um agressivo
processo de expulsão dos trabalhadores rurais do campo, que levou milhões de pessoas
desprovidas de suas terras a buscarem sua sobrevivência nas cidades, que por sua vez
cresceram desordenadamente reproduzindo padrões de segregação social sobre o território
urbano e ampliando a disputa pelo seu solo. Em Santa Maria-RS este processo se deu de
forma muito intensa, originando dezenas de assentamentos precários e irregulares nas áreas
periféricas, de forma que esta chegou a receber a alcunha “cidade das invasões”. Neste
contexto e enquanto expressão das desigualdades, organizam-se movimentos sociais
populares para lutar por melhores condições de vida aos setores excluídos, a exemplo do
Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM). Fundado nacionalmente em 1990, a
primeira ocupação de terras realizada pelo MNLM em Santa Maria foi a ocupação da antiga
Fazenda Santa Marta em dezembro de 1991, que com muitas lutas por melhorias, se ampliou
e consolidou, sendo atualmente considerado um bairro do município. O presente trabalho foi
elaborado com o intuito de contribuir com as discussões acerca da questão urbana no Brasil e
suas consequências concretas em Santa Maria, para assim compreender o processo histórico
de formação do MNLM e sua atuação na luta pela Reforma Urbana na Nova Santa Marta.
Esta pesquisa também procurou valorizar a produção acadêmica existente na UFSM quanto
ao tema, recebendo a contribuição de diversas áreas do saber em sua elaboração, além de se
basear em fontes diversas, como entrevistas e reportagens.
Palavras-chave: Urbanização; Ocupações; Movimento Social; Reforma Urbana; Nova Santa
Marta; MNLM; Santa Maria.
ABSTRACT
Conclusion Work Graduation
Course History - Full Degree and Bachelor
Federal University of Santa Maria
NATIONAL MOVEMENT OF STRUGGLE FOR HOUSING (MNLM)
AND STRUGGLE FOR REFORM URBAN IN NEW SANTA MARTA, AT
SANTA MARIA, RS
AUTHOR: PEDRO SERGIO DA SILVEIRA
SUPERVISOR: DIORGE ALCENO KONRAD
Date of Defense: Santa Maria, January 18, 2014.
In recent decades the urban problematic has intensified in Brazil. The development model
implemented in the Country heavily impacted urban and rural areas by increasing the
concentration of ownership in rural and urban areas. This generated an aggressive process of
expulsion of rural workers of their fields, which took millions of people deprived of their
lands to seek their livelihood in the cities, which in turn grew wildly reproducing patterns of
social segregation on urban territory and expanding the battle for it‟s soil. In Santa Maria - RS
this process was very intense, causing dozens of precarious and informal settlements in
peripheral areas, so that it even received the nickname "City of invasions”. In this context and
as an expression of inequality - popular social movements organize themselves to fight for
better living conditions for the excluded sectors, such as the National Movement of Struggle
for Housing (MNLM). Established nationally in 1990, the first occupation of lands held by
MNLM in Santa Maria was the occupation of the former Fazenda Santa Marta in December
1991 with many struggles for improvements, expanded and consolidated, and is currently
considered a suburban neighborhood of the city. This paper was prepared in order to
contribute to discussions about urban issues in Brazil and its practical implications in Santa
Maria, just to understand the historical process of formation of MNLM and its role in the
struggle for urban reform in Nova Santa Marta. This research also sought to enhance the
existing academic literature on the subject in UFSM, received contributions from several
fields of knowledge in its development, and is based on various sources, such as interviews
and reports.
Keywords: Urbanization; Occupations; Social Movement; Urban Reform; New Santa Marta; MNLM;
Santa Maria.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Mapa de localização da área urbana do município de Santa Maria .................. 51
Figura 2 – Mapa da atual divisão urbana de Santa Maria .................................................. 65
Figura 3 – Acampamento na área ocupada ........................................................................ 91
Figura 4 – Matéria sobre a ocupação do Núcleo Central ................................................... 93
Figura 5 – “Já são 1500 famílias acampadas no local” ...................................................... 94
Figura 6 – Enquanto este jornal circulava, a Brigada cercava a ocupação ........................ 95
Figura 7 – Ocupação do Alto da Boa Vista em resposta a falta de uma política
habitacional. Ao mesmo tempo, greve na UFSM ............................................. 96
Figura 8 – Riscos à saúde e a vida dos ocupantes. UAC pede decretação de calamidade
púbica ................................................................................................................ 97
Figura 9 – Convênios que não chegam para todos: moradores fazem mutirão para
recuperar ruas .................................................................................................... 99
Figura 10 – Samba enredo Protesto e Alegria, 3º lugar em 1995 ....................................... 102
Figura 11 – Sem-teto não. Sem-infraestrutura ................................................................... 103
Figura 12 – Caminhada ecológica na Nova Santa Marta ................................................... 105
Figura 13 – Ocupação ou invasão? Moradores da Ocupação Km 2 acampam na Praça
Saldanha Marinho ........................................................................................... 107
Figura 14 – Audiência da comunidade com o governador em Porto Alegre ..................... 108
Figura 15 – Comunidade Conquista Projeto Santa Marta .................................................. 109
Figura 16 – Inicia Projeto Santa Marta .............................................................................. 110
Figura 17 – Reorganização das Vilas Maristas I e II ......................................................... 112
Figura 18 – Protesto contra a precariedade do pontilhão ................................................... 114
Figura 19 – Trancamento da empresa Medianeira de transporte e ocupação do prédio
abandonado da 8ª CRE, em 01/06/2005 .......................................................... 116
Figura 20 – Ato referente aos 15 anos de ocupação da Nova Santa Marta ........................ 116
Figura 21 – Mapa com a localização do Bairro Nova Santa Marta ................................... 117
Figura 22 – Trancamento da BR 258, em 27/04/2007, pela inclusão da Nova Santa Marta
no PAC e Manifestação das ocupações no centro da cidade, em 13/06/2007 119
Figura 23 – Após muita pressão, Governadora assina termo de uso da Nova Santa Marta
para Prefeitura ................................................................................................. 120
Figura 24 – Manifestação em Porto Alegre pressiona governo a repassar a escritura da
Nova Santa Marta para o Município ............................................................... 121
Figura 25 – Governadora repassa escritura da área para prefeito Cezar Schirmer, em
23/09/2009 ...................................................................................................... 122
Figura 26 – Na luta pelo Ensino Médio e Técnico: manifestação com 2 mil pessoas no
bairro, em 06/11/2009 e reunião com o governador em dezembro de 2010 ... 124
Figura 27 – Jovens do bairro participam da Audiência Pública sobre a Praça da Juventude
no dia 28/05/2010............................................................................................ 125
Figura 28 – Assembleia sobre o Minha Casa Minha Vida, na Nova Santa Marta, em
14/03/2011, na qual membros da Prefeitura assinaram documento com as
pautas .............................................................................................................. 128
Figura 29 – Assembleia Geral da Nova Santa Marta, em 12/04/2011 ............................... 128
Figura 30 – Manifestação em frente a Prefeitura, em 09/05/2011 ..................................... 129
Figura 31 – Manifestação na BR 258, em 08/12/2011 ....................................................... 131
Figura 32 – Fazenda Santa Marta, em 1985, e Nova Santa Marta, em 2001 ..................... 136
LISTA DE TABELAS E QUADROS
Tabela 1 – Distribuição da população brasileira entre 1872-2010 ........................................... 32
Quadro 1 – Avanços da Política Habitacional e Urbana x Atuação dos Movimentos de
Moradia e Reforma Urbana ...................................................................................................... 46
Tabela 2 – Crescimento da população total, urbana e rural de Santa Maria entre 1940-2012..59
Quadro 2 – Ocupações irregulares no espaço urbano de Santa Maria, RS ......................... 62-64
Quadro 3 – Áreas ocupadas suscetíveis a riscos no espaço urbano de Santa Maria, RS ......... 68
Quadro 4 – Condomínios Horizontais Fechados de 1989 a 2009 em Santa Maria, RS ...... 69-70
LISTA DE ANEXOS
Anexo 1 – Entrevista Via E-Mail com Suelen Aires Gonçalves ........................................... 148
Anexo 2 – Entrevista Coletiva Com Militantes do MNLM ................................................... 150
Anexo 3 – Mapa das ocupações irregulares no espaço urbano de Santa Maria, RS .............. 157
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11
1. A CIDADE AOS MOLDES DO CAPITAL: A QUESTÃO URBANA E SUAS
CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS NO BRASIL ....................................................................... 14
1.1 A Cidade para Poucos: Capitalismo e Questão Urbana ............................................... 14
1.2 A Triste História das Políticas Habitacionais no Brasil ................................................ 23
2. SANTA MARIA, CIDADE DAS OCUPAÇÕES ............................................................. 48
2.1 Santa Maria: o Acampamento que Virou Cidade ......................................................... 48
2.2 Ocupações Urbanas em Santa Maria ............................................................................. 60
3. O MOVIMENTO NACIONAL DE LUTA PELA MORADIA E A LUTA PELA
REFORMA URBANA NA NOVA SANTA MARTA ......................................................... 71
3.1 O MNLM e a Luta pelo Direito à Cidade em Santa Maria .......................................... 74
3.2 Nova Santa Marta: “Pra Morar, Ocupar, Resistir!” .................................................... 84
3.2.1 O acampamento que virou Bairro .................................................................................... 84
3.2.2 “Com luta, com garra, o PAC sai na marra” ................................................................. 117
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 134
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 139
OUTRAS FONTES .............................................................................................................. 146
ANEXOS ............................................................................................................................... 148
11
INTRODUÇÃO
“E a cidade que tem braços abertos num cartão postal,
com os punhos fechados na vida real...”
Alagados, Os Paralamas do Sucesso
Atualmente, a maioria da população mundial vive nas cidades. De acordo com a
Organização das Nações Unidas (ONU)1, desde 2008, o número de moradores em áreas
urbanas superou o das áreas rurais ao redor do planeta, o qual atingiu, em 2011, um total de 7
bilhões de habitantes. E segue crescendo: as projeções indicam que haverá 9,3 bilhões de
habitantes em 2050, com um índice de urbanização de 65%. Logo, torna-se fundamental a
compreensão da dinâmica urbana e dos movimentos sociais dela decorrentes.
A existência de cidades não é uma novidade na história humana. Diversos povos e
sociedades as construíram, a partir do momento em que a produção agrícola atingiu um
excedente que permitisse a especialização de uma parcela da população em atividades
manufatureiras ou não necessariamente produtivas (como as funções religiosas, políticas,
administrativas, governamentais, de defesa, etc.), encurtando as distâncias entre as pessoas e
aprofundando a estratificação entre distintas classes sociais. No entanto, é a partir da
Revolução Industrial e da consolidação do modo de produção capitalista que as cidades
cresceram em tamanho e se modificaram em importância, tornando-se a partir de então, o
“lócus privilegiado da produção e da circulação de mercadorias no modo de produção em que
esses processos se tornaram pressupostos e determinantes universais e, por isso mesmo,
ontológicos da constituição e da sociabilidade social” (CARVALHO, 2006, p. 3).
As cidades não são apenas aglomerados urbanos com maior densidade e diversidade
populacional, de serviços e atividades econômicas e culturais, como muitas vezes são
definidas pelos dicionários. No capitalismo, o espaço urbano torna-se mais complexo.
Ajustando melhor o foco de análise, podemos perceber o quão contraditório e desigual este se
tornou. A tão propalada promoção da cidadania e de uma melhor qualidade de vida nas
cidades do que no meio rural, muitas vezes, revela-se mais como um véu, ao encobrir a
essência de uma realidade perversa e injusta, que exclui as maiorias, não permitindo o seu
acesso a direitos humanos básicos, como a terra, emprego e moradia.
1 UNFPA. Fundo de População das Nações Unidas. Relatório sobre a situação da população mundial 2011.
Disponível em: <http://www.unfpa.org.br/novo/>. Acesso em: 09 fev. 2013.
12
Observando o rápido processo de urbanização pelos quais os países periféricos
passaram nas últimas décadas, podemos concluir que a esperança de uma vida melhor nas
cidades não se tornou realidade para grande parte daqueles e daquelas que foram expulsos do
campo e/ou venderam suas terras por falta de condições de se manter trabalhando na
agricultura.
Do sonho da cidadania ao pesadelo da falta de emprego e moradia, milhões de pessoas
encontraram na ocupação de áreas públicas e privadas o único caminho para sua
sobrevivência. Vivendo (de fato, sobrevivendo) em assentamentos precários, informais, com
falta de saneamento básico, de infraestrutura adequada e de serviços públicos essenciais,
grande parte da população brasileira foi relegada à cidadania de segunda categoria. Em
decorrência deste conjunto de demandas e necessidades, diversos movimentos populares
urbanos se organizaram para pautar o acesso das camadas populares aos direitos fundamentais
com a defesa de uma nova proposta de urbanização, diferente da lógica vigente.
No meio urbano, as contradições da sociedade mostram-se mais visíveis, expressando
as desigualdades entre as classes sociais. O contraste social é nítido quando, por um lado,
vemos a cidade das camadas sociais mais ricas: nas áreas centrais, condomínios particulares,
bairros nobres e de classe média, regularizadas, com infraestrutura eficiente, redes de água e
esgoto, eletricidade, ruas pavimentadas, saneamento adequado, prédios, escolas, postos de
saúde, lojas centros comerciais; enquanto, por outro lado, vemos a cidade dos pobres: nos
bairros, vilas, favelas e loteamentos nas periferias (mas nem sempre nestas), muitas vezes
irregulares, com ausência ou insuficiência de saneamento básico, infraestrutura adequada,
espaços públicos de lazer, serviços de transporte, saúde e educação, além dos maiores níveis
de desemprego e violência, onde a população de baixa renda autoconstrói ou improvisa suas
moradias.
Refletindo sobre a urbanização brasileira, Milton Santos afirma que
Com diferença de grau e de intensidade, todas as cidades brasileiras exibem
problemáticas parecidas. O seu tamanho, tipo de atividade, região em que se inserem
etc. são elementos de diferenciação, mas em todas elas problemas como os do
desemprego, da habitação, dos transportes, do lazer, da água, dos esgotos, da
educação e saúde, são genéricos e revelam enormes carências. Quanto maior a
cidade, mais visíveis se tornam essas mazelas. Mas essas chagas estão em toda parte.
Isso era menos verdade na primeira metade deste século, mas a urbanização
corporativa, isto é, empreendida sob o comando dos interesses das grandes firmas,
constitui um receptáculo das conseqüências de uma expansão capitalista devorante
dos recursos públicos, uma vez que estes são orientados para os investimentos
econômicos, em detrimento dos gastos sociais. (1995, p. 96).
13
Os problemas sociais decorrentes deste processo de urbanização excludente, também
se fazem presentes em Santa Maria, importante cidade localizada na Região Central do estado
do Rio Grande do Sul e que, ao longo do século XX, em especial em sua segunda metade,
passou por um forte processo de crescimento urbano e demográfico. Este crescimento ocorreu
de maneira desordenada, não sendo acompanhado de políticas habitacionais que dessem conta
de sanar a demanda por moradias e solo urbano, gerando ocupações espontâneas ou
organizadas por movimentos sociais, em áreas públicas e privadas na cidade.
A presente monografia visa estudar mais especificamente a atuação do Movimento
Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) em defesa da Reforma Urbana na antiga Fazenda
Santa Marta, atual Bairro Nova Santa Marta, na Região Oeste de Santa Maria. A área foi
ocupada em 1991 por famílias organizadas pelo Movimento, de forma a que esta se tornou a
maior ocupação urbana em área pública na História do Rio Grande do Sul. De lá pra cá foram
muitos anos de resistência e lutas para pressionar os poderes públicos pela resolução das
necessidades das milhares de famílias que vivem neste território.
Para isto, o trabalho foi dividido em três capítulos. No primeiro, buscar-se-á
compreender as raízes das desigualdades sociais no decorrer da urbanização brasileira, suas
consequências e formas de resistência popular. No segundo, analisaremos como este processo
se deu em Santa Maria, uma cidade marcada por ocupações urbanas. A partir desta
contextualização, o terceiro capítulo irá focar-se na narrativa histórica da construção do
MNLM na cidade e sua atuação na Nova Santa Marta, identificando suas contribuições para a
efetivação desta ocupação e os avanços conquistados no sentido da agenda da Reforma
Urbana e do Direito à Cidade.
A cidade se apresenta como um espaço marcado por crises, mas também por
possibilidades de sua superação. Somente através de uma práxis social consciente poderá se
apontar caminhos estratégicos rumo a alternativas concretas ao modelo de urbanização
vigente.
14
1 – A CIDADE AOS MOLDES DO CAPITAL: A QUESTÃO URBANA E
SUAS CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS NO BRASIL
“Conforme a conjuntura social, as estruturas vão se modernizando e transformando o espaço, de acordo com os
interesses dos grupos que dominam o poder ou vão sendo transformadas em função das classes que ascendem. E
a natureza reage à ação do homem, de forma mais ou menos intensa, de acordo com a agressividade com que
foi atingida. Ela, como já salientou Friedrich Engels, não é eterna e imutável, e, uma vez atingida pela ação do
homem, também se modifica, se transforma, oferecendo reações diferentes, conforme o grau de intervenção.
Assim, o espaço produzido é um espaço social e não um espaço natural”.
Manuel Correia Andrade
A problemática urbana vem se intensificando no Brasil nas últimas décadas. O modelo
de desenvolvimento conservador, tradicionalmente implementado no País, condicionou
fortemente a formação social brasileira, no campo e na cidade, intensificando a concentração
da propriedade nas mãos de poucos, no meio rural e urbano.
A crise urbana e o déficit habitacional brasileiro são expressão direta deste processo,
cujas heranças são sentidas até os dias atuais: em 2008, o déficit habitacional brasileiro era
estimado em 5.546 milhões de moradias urbanas (83,5%) e rurais (16,5%), ao mesmo tempo
em que o número de unidades habitacionais vagas com potencial para serem habitados era de
7.202 milhões (72,7% em áreas urbanas e 27,3% em áreas rurais). Obviamente, este déficit
atinge as camadas mais pobres da população, de forma a que 89,6% da demanda por
habitação tenha renda média familiar mensal de até 3 salários mínimos2. A fim de buscar as
raízes que geram estes dados, é fundamental aprofundar o conhecimento sobre a Questão
Urbana e a política habitacional brasileira.
1.1 A Cidade para Poucos: Capitalismo e Questão Urbana
Compreender a dinâmica urbana sob égide do modo de produção capitalista é
fundamental para o entendimento da realidade e os graves problemas sociais que vivemos
atualmente. Se observarmos a questão do elevado déficit por habitações de maneira
superficial, à primeira vista este pode parecer uma falha ou deficiência da distribuição das
riquezas no capitalismo. Todavia, “o problema habitacional não pode ser analisado
isoladamente de outros processos sócio-econômicos e políticos mais amplos, não obstante
nele se condensar um conjunto de contradições específicas” (KOWARICK, 1993, p. 59).
2 Déficit habitacional no Brasil 2008/Ministério das Cidades, Secretaria Nacional de Habitação – Brasília,
Ministério das Cidades, 2011. Disponível em <www.cidades.gov.br>. Acesso em: 12 fev. 2013.
15
Assim, ao vislumbrarmos a essência deste processo, percebemos que ele é, na verdade,
consequência e expressão direta da lógica de reprodução do capital no espaço urbano.
Buscando compreender como se dá esta lógica com que o capitalismo projeta o espaço
urbano ao tempo em que se reproduz, Botega, a partir do estudo sobre a “cidade do capital” de
Lefebvre, afirma que
A cidade do capital coloca-se como pano de fundo da sociedade burguesa, local que
propicia as condições de realização do capitalismo, local de realização do
contraditório por excelência. A sociedade capitalista tem como característica
principal a separação do trabalho e do capital, a divisão social do trabalho, a força de
trabalho é transformada em mercadoria, cuja reprodução depende também da
aquisição de outras mercadorias, que por sua vez dependem das relações que se
estabelecem entre as demandas sociais (os bens necessários para a reprodução da
força de trabalho) e a capacidade de resposta a estas demandas por parte da
produção. Esta capacidade de resposta é medida a partir da relação entre a estrutura
administrativa autônoma municipal (a prefeitura), ou o Estado em si, e o mercado.
No âmbito da cidade do capital as relações de mercado e a estrutura administrativa
autônoma são marcadamente hierarquizadas, onde a estrutura administrativa tem as
relações de mercado como determinante para a sua ação, o que faz com que os
serviços de infraestrutura urbana necessários para a reprodução da força de trabalho,
transporte, saneamento, habitação, entre outros, sejam vistos não somente como
valor de uso, mas também como valor de troca, o que coloca uma lógica de lucro na
prestação destes serviços. (2004, p. 7).
A cidade do capital constitui-se, portanto, da expressão do modo de produção
capitalista sobre o espaço urbano, condicionado e condicionante deste. A divisão social do
trabalho não define apenas as relações de produção vigentes, mas também a divisão territorial
entre as diferentes classes sociais, refletindo-se em moradias ou bairros com características e
custos distintos, ou seja, forma estruturas que contribuem com este modo de produção e
organização social.
A propriedade privada do solo, no campo e na cidade, e sua transformação em
mercadoria – de cada vez mais estreito acesso, via compra ou aluguel – definem e redefinem a
dinâmica sócio-espacial, levando a exclusão social e a segregação territorial de enormes
contingentes populacionais, empurrados para regiões mais distantes e mais baratas das
cidades, onde talvez possam autoconstruir suas moradias, porém, desprovidas ou deficitárias
de infraestrutura e serviços de consumo coletivos (creches, escolas, hospitais, postos de saúde,
transporte público, áreas verdes e espaços de lazer, etc.) necessários à reprodução social da
força de trabalho.
Este processo é parte daquilo que Lúcio Kowarick definiu na década de 1970 no Brasil
enquanto espoliação urbana. O autor entende que, em decorrência das condições de
16
superexploração do trabalho e do empobrecimento da população propriamente dito, nas
cidades se sucedem a espoliação dos setores populares, definida como
espoliação urbana: é o somatório de extorsões que se operam através da inexistência
ou precariedade de serviços de consumo coletivo, apresentados como socialmente
necessários em relação aos níveis de subsistência, e que agudizam ainda mais a
dilapidação realizada no âmbito das relações de trabalho. (1993, p. 62).
A regra básica que rege a distribuição das pessoas e das atividades econômicas pela
cidade é “quem possui mais poder aquisitivo, melhor se localiza” (PINHEIRO, 2002, p. 2).
Isto gera uma acirrada disputa espacial entre sujeitos e classes sociais, de forma a que o
desenvolvimento urbano não se dê de forma harmônica ou planejada, pois esta disputa é
travada nos marcos do mercado capitalista, o que torna a vida na selva de pedra uma
verdadeira luta pela sobrevivência.
É isto que leva Lojkine a afirmar que “se a política urbana capitalista não é uma
planificação – no sentido do domínio real da urbanização – nem por isso deixa de responder a
uma lógica: à da segregação social” (1997, p. 217).
Percebendo a questão da contradição entre capital e trabalho como fator estruturante
das problemáticas urbanas, Jean Lojkine e Manuel Castells, autores que desde os anos 1970
influenciam e dão consistência aos debates brasileiros sobre urbanização, observando mais
especificamente a questão da segregação sócio-espacial afirmam que
A distribuição dos locais residenciais segue as leis gerais da distribuição dos
produtos, e por conseguinte, opera os reagrupamentos em função da capacidade
social dos indivíduos, isto é, no sistema capitalista, em função de suas rendas, se
seus status profissionais, de nível de instrução, de filiação étnica, da fase do ciclo de
vida etc. (CASTELLS, 1983, p. 249).
A renda fundiária urbana vai pois marcar de forma durável o desenvolvimento
urbano. Sua principal manifestação espacial reside, a nosso ver, no fenômeno da
segregação, produzido pelos mecanismos de formação dos preços do solo, estes, por
sua vez, determinados, conforme nossa hipótese, pela nova divisão social e espacial
do trabalho. (LOJKINE, 1997, p. 188).
Diversos agentes atuam neste contexto que produz a segregação urbana, a partir de
posições sociais e interesses antagônicos, conforme destaca Pinheiro em sua análise
Para os trabalhadores a cidade representa um local de moradia, trabalho, lazer, etc.
Para o capital em geral (industrial, comercial), a cidade representa interesses
genéricos como necessidade de energia, matéria-prima, circulação de mercadorias,
insumos e também a produção de força de trabalho. E, para o capital imobiliário e
17
especulativo, a cidade não é um local apenas para obtenção de lucro: a cidade é o
próprio objeto da extração dos lucros, rendas e juros. (2002, p. 14).
A prática da especulação imobiliária é uma das principais responsáveis pela
segregação sócio-espacial, contribuindo, por um lado, com os crescentes lucros da burguesia
imobiliária (construtoras, incorporadoras, agentes financeiros) e, por outro, com a exploração
da maioria das pessoas e sua exclusão às periferias, ao restringir a oferta de terras e encarecer
o acesso ao solo urbano e à habitação adequada.
A valorização diferenciada das regiões de uma cidade decorre do maior ou menor
acesso a serviços urbanos em seu território, tais como transporte, água, esgoto, escola,
comércio, etc., o que relega a população mais pobre viver nas áreas com menos infraestrutura
e, portanto, mais baratas. Na prática, isto acaba ao fim e ao cabo, por encarecer o acesso a
estes serviços urbanos, devido às longas distâncias e a necessidade de uso do transporte
público, fazendo com que “as classes sociais de baixa renda paguem um preço mais elevado
para usufruir do meio ambiente urbano, dado que os acessos a locais de concentração de
empregos e aos melhores equipamentos (saúde, educação, etc.) são dificultados pela
distância” (SILVA, 2008, p. 12).
O uso de estratégias mercantis de valorização dos terrenos e sua retenção especulativa
por frações da classe dominante que controlam o mercado de terras urbanas provocam efeitos
perversos sobre as condições de vida do conjunto da classe trabalhadora. A mercantilização
da cidade está na base dos processos de crescimento urbano desordenado e excludente que
marcam a urbanização dos países latino-americanos desde a segunda metade do século XX.
A manutenção de prédios e terrenos enquanto reserva a espera de valorização futura
por seus proprietários (empresas ou sujeitos) é o que define a existência dos chamados vazios
urbanos, conforme nos atesta Urrutia:
Um dos elementos típicos da forma predatória da ocupação do espaço na cidade é a
existência de amplos espaços ociosos, ou terrenos baldios, nas médias e grandes
cidades, visando somente lucro. Apesar da carência dos espaços para serem
ocupados por moradores de classe média, sendo a verticalização da cidade
(crescimento vertical = prédios de edifícios) ou da constante expansão da periferia
que é a horizontalização da mesma (crescimento horizontal = prédios de um a dois
andares), sempre aparecem inúmeras áreas vazias, áreas que são, portanto, não
ocupadas por obras. Esse fato, de vazios urbanos, ocorre devido à especulação
imobiliária, que significa que para as construtoras ou os proprietários, a terra é
somente um meio de negócio, um bem monetário. A especulação é uma prática onde
os donos dos terrenos ociosos esperam a valorização dos mesmos a fim de poder
comercializá-los a preços mais altos. Dessa forma, o objetivo é o lucro e não o bem
estar dos habitantes, as necessidades sociais por moradias não são relevantes. (2002,
p. 8-9).
18
Conforme a expansão horizontal das cidades avança, rumo aos limites do perímetro
urbano, as propriedades vazias, ao longo do caminho, mesmo quando não utilizadas, são
beneficiadas e passam por um processo de valorização na medida em que a infra-estrutura
pública (pavimentação, iluminação púbica, rede de água e esgoto, por exemplo) chega até
estas periferias, realizando assim a especulação imobiliária.
Silva (2008), afirma que a existência destas áreas de vazios nas cidades, verdadeiros
latifúndios urbanos, reforça o caráter discriminatório da acumulação urbana, tornando-se além
de um obstáculo para o acesso às áreas adequadas em condições de habitabilidade para
amplas parcelas da população, um verdadeiro ônus social, na medida em que a valorização
destes vazios geralmente ocorre através da captura de investimentos em obras, equipamentos
e infraestruturas públicas em seu entorno, atendendo assim, apenas aos interesses de seus
proprietários e do capital imobiliário:
Os vazios urbanos, elementos constitutivos do processo de valorização do solo,
contribuem para acentuar o ônus que recai sobre a população de baixa renda, na
medida em que eles mantêm em ociosidade uma infra-estrutura que teve os custos
de sua instalação socializados, já que foram financiados pelos recursos públicos, em
grande parte provenientes do pagamento de tributos. (...)
O fenômeno dos vazios urbanos pode estar relacionado com duas situações: uma que
envolve os interesses da propriedade fundiária e outra que remete aos interesses dos
capitais ligados à produção imobiliária. No primeiro caso, o interesse é a
especulação, ou seja, a estocagem de terras é realizada na expectativa de maiores
ganhos com a valorização do terreno. No segundo, a retenção de terras remete
principalmente às necessidades de garantir a expansão das atividades da
incorporação.
O ônus primeiramente se destaca em termos de ociosidade da infra-estrutura
instalada, na medida em que são mantidas em estoque as áreas equipadas. Em
segundo lugar, através das consequências advindas do aumento das distâncias a
serem vencidas pela população. Mas principalmente ele pode ser avaliado a partir do
encargo que recai sobre os habitantes da cidade, pois, pagando tributos que
possibilitam a realização de obras públicas, não tem acesso à habitação nestas áreas,
as quais serão objeto de especulação imobiliária, redundando em apropriação
privada de lucros. (SILVA, 2008, p. 5-6).
Este processo de socialização dos ônus e privatização dos lucros provenientes da
especulação imobiliária, que dificulta a aquisição de terrenos e moradias via mercado legal –
altamente restrito e concentrado – e impõem precárias condições de vida a boa parte das
pessoas que vivem nas cidades, gera uma série de conflitos sociais e o fortalecimento do
mercado ilegal de terras urbanas nas periferias, motivando às ocupações irregulares (em áreas
públicas ou privadas), os loteamentos clandestinos, a favelização e o surgimento de cortiços.
Desta maneira, podemos entender que não é por opção, mas (in) justamente devido à
falta de opções e em busca de sobrevivência, o que leva amplas parcelas da classe
19
trabalhadora a residir em áreas informais distantes do centro e desprovidas de infraestrutura
básica.
Nestes espaços, além da irregularidade da posse da terra, predomina a alternativa da
autoconstrução das moradias, pelas próprias famílias que vão adquirindo pouco a pouco os
insumos para construção de suas casas, muitas vezes improvisadas via reciclagem de
materiais impróprios para tal finalidade.
Observando a questão da autoconstrução de moradias, Kowarick, situando esta
“solução” no contexto da espoliação urbana, aponta suas consequências e demonstra sua
utilidade para o sistema econômico:
Realizada através do trabalho adicional e gratuito, que freqüentemente perdura por
anos, a confecção da casa própria só pode levar à redução de outros itens vitais da
cesta de consumo, inclusive à diminuição do padrão alimentar que, para muitas
famílias, passa a se situar abaixo dos níveis mínimos de sobrevivência. Assim, a
autoconstrução, enquanto alquimia que serve para reproduzir a força de trabalho a
baixos custos para o capital, constitui-se num elemento que acirra ainda mais a
dilapidação daqueles que só têm energia física para oferecer a um sistema
econômico que per si já apresenta características marcadamente selvagens. Por outro
lado, esse longo processo redunda, no mais das vezes, numa moradia que, além de
ser desprovida de infra-estrutura básica e de se situar em áreas bastante distantes dos
locais de emprego, apresenta padrões bastante baixos de habitabilidade. Além disso,
a casa se deteriora rapidamente, pois é feita por trabalhadores não-especializados,
que utilizam técnicas produtivas e ferramentas rudimentares, onde a divisão do
trabalho é praticamente inexistente e sua construção efetuada aos poucos e sem
seqüência programada. Ademais, a casa, por ser produzida com materiais de
qualidade inferior, exige constantes reparos, implicando por parte das famílias um
esforço de restauração praticamente permanente. (1993, p. 64-65).
As periferias são, portanto, frutos da especulação imobiliária e da segregação sócio-
espacial. Sua situação de ilegalidade em termos de regularização fundiária, ao mesmo tempo
em que desobriga o Estado a implementar infraestrutura e serviços públicos, mantém baixo o
custo de reprodução da força de trabalho das periferias. Devido a estes motivos é que muitas
vezes “no Brasil, a ocupação ilegal de terra urbana é „admitida‟, quando se tratar de áreas fora
do mercado imobiliário, como faz parte do seu modelo de desenvolvimento urbano
excludente” (PINHEIRO, 2002, p. 13).
A partir destes elementos, podemos compreender como a desigualdade social e a
exclusão decorrente são funcionais ao sistema econômico e à sua estruturação espacial. Esta
situação pode ser péssima para as pessoas de baixa renda, mas ao capital é condição
necessária. Porém, o problema da moradia é apenas uma faceta de um conjunto de problemas
agregados à exclusão social: junto a ele, aparecem a fome, a miséria, as doenças causadas pela
falta de saneamento, o analfabetismo, a violência social, etc.
20
O acúmulo destes problemas para os moradores das periferias geram-nos, também,
outros problemas específicos, como o da saúde pública, do acesso à educação, da questão do
trabalho, do trânsito caótico e da criminalidade, dentre outros. Todos estes problemas sociais
têm gerado uma situação de verdadeira crise urbana, conforme atesta Castells:
A crise urbana conhecida por experiência própria pelos habitantes das grandes
cidades provém da crescente incapacidade da organização capitalista para assegurar
a produção, distribuição e gestão dos meios de consumo coletivos necessários à vida
cotidiana, da moradia às escolas, passando pelos transportes, saúde, áreas verdes,
etc.
Mas esta crise não é simples „deficiência‟ do sistema econômico: é uma
conseqüência necessária da lógica do desenvolvimento capitalista, a menos que essa
lógica seja contraditada historicamente pelos efeitos da luta de classes.
(CASTELLS, 1980, p. 20 apud BOTEGA, 2004, p. 7-8).
Tudo isto nos remete à compreensão da cidade como um espaço essencialmente
contraditório, bem como o modo de produção que a estrutura. A cidade, portanto, é percebida
enquanto componente da organização social capitalista, com uma estrutura baseada na
acumulação privada de riquezas e condicionada pelas relações de mercado.
Isto não ocorre apenas pelo fato de que a maior parte dos meios de produção estejam
concentrados no meio urbano, mas sendo estas partes fundamentais do modo de produção
capitalista, este locus torna-se um espaço essencial para sua realização, ao mesmo tempo e
espaço em que ocorre a reprodução da força de trabalho a baixos custos, reduzindo assim, o
tempo de produção e de circulação do capital.
Nas palavras de Carvalho, a cidade capitalista não se limita a „assistir‟ o processo de
construção das desigualdades, ela o potencializa:
A cidade em si não constitui a relação-capital, assim como, da mesma forma, o
Estado não a constitui, mas no âmbito da abrangência da ação desta relação, a
cidade, aí inserida, reforça a seu modo, vale dizer, potencializando, a ação desta
relação pela condensação dos seus mecanismos numa mesma territorialidade e numa
articulação muito maior e eficaz, o processo de reprodução das desigualdades. Neste
sentido ela é co-produtora das referidas desigualdades, nunca uma forma indiferente
às mesmas. (2006, p. 12).
A segregação social e urbana são reflexos da divisão social do trabalho no espaço,
além de, junto à especulação imobiliária, serem funcionais ao modo de produção– e não
falhas suas. Isto é resultado dos efeitos que a lógica do capital impõe às relações de trabalho e
à estrutura urbana, de forma que da essência destas, emerjam contradições que geram a
pobreza e a exclusão, que por sua vez, podem levar a processos de resistência e lutas sociais.
21
Neste contexto, por maiores que sejam os efeitos da crise urbana, ainda podemos
concordar com a afirmação de que “a „desordem urbana‟ não existe de fato. Ela representa a
organização espacial proveniente do mercado, e que decorre da ausência de controle social da
atividade industrial” (CASTELLS, 1983, p. 46).
Logo, podemos perceber que altos índices de desigualdade sócio-espacial não existem
apesar das relações capitalistas, mas em decorrência destas.
Outro fato, que muitas vezes passa despercebido para muitos, é o perfil de quem é
atingido pela desigualdade, que são, principalmente, as mulheres, o povo negro e a juventude.
A desigualdade de gênero, que abrange todas as classes sociais (com as mulheres
possuindo menos oportunidades de empregos e menores salários do que os homens
geralmente, além de possuírem menor representação política), traz consequências terríveis
para as mulheres das periferias, dado o fato de que, em decorrência da divisão de papéis e das
atribuições estabelecidas pela sociedade machista e patriarcal em que vivemos, cabem,
principalmente, as mulheres (mesmo quando trabalham fora) arcar com as responsabilidades
sobre as tarefas domésticas (fazer comida, lavar as roupas, etc.), cuidar da casa, das crianças,
enfermos e idosos. Isto se torna muito mais difícil quando se vive em precárias condições de
renda e moradia (superlotação da habitação, falta de saneamento, ausência de água, luz) e
falta de serviços básicos, como creches, escolas, postos de saúde, centros de assistência social.
Muitas vezes, as mulheres, mesmo quando vítimas de violência doméstica (física e
psicológica), não conseguem sair desta situação por não possuírem alternativa de moradia
nem recursos para constituir nova residência. A falta de acesso a rede de água em uma casa,
por exemplo, expõe as mulheres a riscos de saúde, violência sexual e falta de privacidade.
Em relação à população negra, historicamente explorada e excluída no Brasil, esta
constitui a maior parcela dos pobres no País, sendo que, o fato de grande parte viver em
favelas e assentamentos precários nas periferias reforça o preconceito já sofrido pelo racismo,
gerando dificuldades em se conseguir empregos, a exemplo de cidades como Santa Maria,
uma cidade que tem sua economia baseada, principalmente, no setor terciário, um setor que
procura não contratar pessoas de cor negra devido ao racismo vigente. Os dados apontam que
no Brasil ao se “considerar a questão étnica, verifica-se que, em 1998, se o Índice de
Desenvolvimento Humano fosse aplicado às populações branca e afro-descendente levariam o
país às posições 49º e 108º, respectivamente” (SANTOS JUNIOR, 2003, p. 9). Junto a todos
os riscos e dificuldades colocadas aos moradores das periferias, também verifica-se que a
violência e os abusos de poder policial são, principalmente, direcionados às pessoas negras.
22
Já a juventude, que atualmente constitui um quarto da população brasileira, é um dos
segmentos sociais que foi mais fortemente impactado pelo modelo econômico vigente, em
especial no período neoliberal. Segundo estudo de Silva (2009), baseada em dados da ONU-
Habitat, um bilhão de pessoas residem em assentamentos precários em todo o mundo, sendo
que 70% possuem menos de 30 anos de idade. A dificuldade em conseguir trabalho decente
(com os direitos trabalhistas assegurados) é muito grande entre os jovens, os quais, diante do
discurso da “falta de experiência”, constituem um terço dos desempregados no País, de forma
que muitas vezes são obrigados a se submeter ao trabalho precarizado e com menores salários,
para, assim, poder sobreviver.
Além dos processos espoliativos já elencados neste texto, outro instrumento necessário
à classe dominante para garantir a exploração intensiva da força de trabalho a baixos salários,
bem como a redução do poder de pressão dos sindicatos e demais organizações da classe
trabalhadora, reside na manutenção de uma alta taxa de desemprego. Ao não assegurar renda
para todos, uma parcela expressiva da classe trabalhadora é mantida enquanto força de
trabalho em reserva, logo possuindo dificuldades para pagar e ter acesso a serviços essenciais,
como a moradia.
Com o desemprego, cresce o número de trabalhadores na informalidade, marcados por
maiores jornadas de trabalho e instabilidade, sem organização sindical, direitos trabalhistas e
à previdência, em suma, aumenta o trabalho precarizado, reduz-se os salários e se enfraquece
a classe trabalhadora com a reserva de força de trabalho.
A cidade é um espaço que deve garantir as condições de reprodução da maioria da
força de trabalho, como condição para a realização do capitalismo. O fato de que as relações
estabelecidas nestas são orientadas sob a lógica da acumulação privada de capitais, sendo
geralmente mediatizadas pelo mercado, faz com que em relação aos serviços necessários para
a manutenção dos trabalhadores, “os investimentos sejam feitos apenas no que for
estritamente necessário e quando este [serviço] for também gerador de lucro” (BOTEGA,
2004, p. 8). Novamente, quem recebe baixos salários ou encontra-se desempregado, ao não
possuir como pagar por estes serviços, passa a figurar o triste quadro das mazelas sociais.
Logo, podemos entender a questão do déficit habitacional e da crise urbana (e os demais
problemas sociais associados), como consequências diretas da lógica de desenvolvimento
capitalista sobre o processo de urbanização.
Estas consequências são sentidas pelos movimentos sociais populares, organizados a
partir de demandas sociais provenientes delas, como podemos ver na passagem abaixo:
23
Nas cidades, o modelo de desenvolvimento urbano facilita a retenção especulativa da
terra urbana e a apropriação privada dos benefícios gerados pela urbanização,
resultando no incremento da informalidade e da precariedade dos assentamentos e
ocupações onde reside a população pobre. Os sem teto urbanos e moradores de rua
têm seu direito à moradia sistematicamente violado devido às precárias condições de
vida a que estão submetidos nos cortiços, assentamentos informais, loteamentos
irregulares, viadutos e ocupações, de onde são freqüentemente despejados, sem
alternativas de adequado reassentamento, provisão de ajuda humanitária emergencial,
assistência jurídica e/ou adequada restituição e/ou reparação de danos e violações 3.
Todos estes fenômenos ocorrem cotidianamente em nossa sociedade, de forma mais
ou menos articulada entre si, e são resultado do processo histórico de formação de nossos
centros urbanos.
1.2 A Triste História das Políticas Habitacionais no Brasil
Além de fomentar os processos de exploração que acontecem na estrutura econômico-
social, “a cidade é o lugar geográfico onde se instala a superestrutura político-administrativa
de uma sociedade” (CASTELLS, 1983, p. 42), de forma que as definições quanto aos rumos
do desenvolvimento urbano passam diretamente pelo crivo político, jurídico e ideológico.
A fim de garantir a efetividade de sua política e projeto societário, diversos
instrumentos são utilizados pela burguesia, cabendo ao Estado um papel de destaque na
materialização de seus objetivos. O Estado, em suas diferentes esferas (poderes Executivo,
Legislativo, Judiciário, Forças Armadas, etc.) e níveis (local, estadual, nacional),
historicamente hegemonizados pelas classes dominantes, tem cumprido a função de garantir a
reprodução das relações capitalistas de urbanização, e em especial para a vigência do direito à
propriedade – de uma minoria – acima de tudo, inclusive da própria vida humana.
Mesmo após a democratização da legislação que rege sobre a função social da
propriedade e a gestão das cidades, as normas são sistematicamente desrespeitadas pelos
próprios agentes estatais, que geralmente (mas nem sempre) insensíveis às demandas
populares ou, talvez atuando em benefício familiar, legislam e tomam decisões para assegurar
o direito absoluto à propriedade privada, mesmo quando esta não está cumprindo sua função
social, contribuindo assim para aprofundar as desigualdades sociais.
3 Fórum Nacional de Reforma Urbana. Plataforma Brasileira para Prevenção de Despejos. 2006.
24
A distribuição dos investimentos públicos reflete as diferenças de renda entre as
classes, ao privilegiar as áreas centrais e favorecer a especulação imobiliária, de modo que as
ações das instituições públicas estejam subordinadas a interesses privados, que se sobrepõem
às demandas sociais, contexto melhor observado por Pinheiro:
Neste contexto, o Estado, responsável por boa parte dos serviços urbanos essenciais
para empresas e residências, desempenha importante papel na determinação das
demandas pelo uso de cada área específica do solo e, portanto, do seu preço, de
forma a privilegiar a „cidade oficial‟. (2002, p. 15).
A legislação, que é construída através de luta política, é manuseada de forma seletiva
pelo Poder Judiciário, de forma que só é eficaz quando atende aos interesses de proprietários
imobiliários, e morosa quando os contraria ou envolve demandas sociais, como a
regularização fundiária de áreas ocupadas. Já, as decisões de reintegrações de posse são
rapidamente aprovadas e os despejos forçados efetuados, em diversos momentos, com graves
violações aos direitos humanos – a desocupação da comunidade de Pinheirinho em São José
dos Campos em 2012 é um entre tantos exemplos, que também ocorrem em Santa Maria.
Assim, na prática, a lei do mercado precede às normas jurídicas, institucionalizando as
injustiças sociais.
Esta seletividade das ações estatais varia conforme o público, porém é visível que para
os pobres e nas periferias, o Estado aparece mais é através de seu aparato repressivo, atuando
de forma preconceituosa e violenta muitas vezes, constituindo assim uma verdadeira
criminalização da pobreza.
Em outros momentos, o vínculo entre parlamentares e representantes dos executivos
com as periferias se dá através de relações clientelistas e assistencialistas, tirando proveito
político do contexto nos quais os pobres estão submetidos, remediando, iludindo, mas nunca
sanando efetivamente suas necessidades. No caso de Santa Maria, por exemplo, um caso
flagrante de clientelismo foi o estabelecido entre o vereador João Dellazzana, na década de
1970, conhecido como “doador de lotes públicos” de terrenos da Prefeitura Municipal para
famílias de baixa renda, muitos dos quais permaneceram sem regularização fundiária e
infraestrutura posteriormente4.
4 No trabalho realizado por Pinheiro (2002), verificou-se a ação do vereador João Dellazzana (pertencente a
Aliança Renovadora Nacional - ARENA) em diversos pontos da cidade em áreas de ocupação irregular que
continuaram carentes de infraestrutura. As doações de terrenos públicos pelo vereador ocorreram nas Vilas
Nossa Senhora do Trabalho, Vila Brasília, Vila Nossa Senhora Aparecida e Vila Brasil. Porém, como nesta
pesquisa isto foi conferido via entrevistas com moradores locais e publicações nos jornais da época, pode-se
supor que este processo de “doação de lotes” públicos foi bem maior que a constatada na obra de Pinheiro.
25
Pinheiro (2002, p. 11) observa que outro problema colocado para as políticas de
desenvolvimento urbano são as descontinuidades nas ações das administrações públicas, que
geralmente não são socializadas ou são simplesmente abandonadas quando ocorrem
mudanças de governo. Neste processo, os mais prejudicados são as populações periféricas.
Conforme destacou Botega (2004, p. 22), uma das principais marcas da História da
urbanização brasileira foi a subordinação da política urbana e habitacional do País aos
interesses da reprodução das relações capitalistas de produção, sendo fonte de enormes lucros
para o capital imobiliário por um lado, enquanto, por outro lado, gerador da exclusão de
amplas parcelas da população em uma estrutura de cidade fortemente segregada – entre centro
e periferia, áreas nobres e favelas.
Parte fundamental deste histórico reside, também, na atuação dos movimentos
populares urbanos, que a partir da organização dos setores excluídos e segregados, construiu
importantes lutas e propostas entorno da questão urbana e habitacional, tendo sido
fundamentais no recente processo de redemocratização do País e na construção de uma
legislação urbana mais justa.
Se o Estado – geralmente comandado por proprietários – atua em benefício à
propriedade privada de algumas famílias, significa, que por outro lado está prejudicando
outras muitas pessoas, excluindo-as da possibilidade de terem melhores condições de vida,
sendo um pouco menos exploradas. A questão da propriedade está no cerne de inúmeros
conflitos sociais ao longo da História e em todo nosso País, quiçá do mundo.
A importância da propriedade da terra recebe um grande impulso, a partir da
aprovação da Lei de Terras, em 1850, promovendo a transformação desta em mercadoria
passível de compra e venda, tanto no campo, como na cidade, pois esta Lei não fazia a
distinção entre estes dois territórios.
Deste modo, se antes o acesso a terra se dava através de concessões, a partir de então
este passou a ser pela via monetária, altamente restrita. Isto influenciou fortemente os rumos
do desenvolvimento brasileiro e sua conformação espacial (rural e urbana) futura, de forma a
que passou a ser centralmente entorno da propriedade do solo que ocorre a luta de classes na
questão agrária e urbana, em que, uns querem concentrar mais propriedades, enquanto outros
querem a sua democratização: o direito aos trabalhadores do campo em ter terras para plantar
e o direito à vida com dignidade aos trabalhadores da cidade.
26
Observando as políticas de urbanização implementadas na passagem do Império para
República, percebemos que ambas são excludentes, não tendo ocorrido uma mudança de
modelo, o que traz consequências até os dias atuais, conforme aponta Pinheiro:
Com a Lei 601 de setembro de 1850, conhecida com Lei de Terras, só quem podia
pagar era reconhecido como proprietário. Assim, com o regime das sesmarias, a Lei
de Terras, o Código Civil de 1916 (locação, posse e propriedade), as legislações
urbanísticas (lei de uso e ocupação do solo, código de obras e edificações)
direcionadas ao interesse do mercado imobiliário, associadas às políticas urbanas e
rurais das últimas décadas, são responsáveis por impedir que a maioria da população
de baixa ou nenhuma renda tenha acesso a terra, seja no campo ou na cidade. (2002,
p. 14).
Se antes da Lei de Terras o mais importante para a classe dominante era ser
proprietário de escravos, “o fundamental para o domínio econômico passou a ser o domínio
da terra, a terra passou a ter um preço importante, dominar a terra passou a significar dominar
a própria economia” (GORENDER apud SCHERER, 2008, p. 18).
Na passagem do Império para República, e no avanço do processo de transição do
modo de produção escravista colonial para o modo de produção capitalista, o espaço urbano
foi progressivamente ganhando maior densidade e importância no cenário político e
econômico. Se em 1890, a população brasileira era de pouco mais de 14 milhões de pessoas,
residindo mais de 90% em áreas rurais, ao longo de todo o século XX o Brasil irá se tornar
um país cada vez mais urbano. Este crescimento acentuado da população urbana não deu
conta de incorporar a todos (a exemplo das massas de ex-escravos sem-terra e de muitos
imigrantes pobres), acarretando em graves problemas sociais, que por sua vez geraram
conflitos, a exemplo das manifestações populares contra o aumento das tarifas dos bondes,
seguidas de “quebra-quebras” e repressão policial, no final do século XIX na capital, Rio de
Janeiro (GOHN, 1995, p. 54).
Estes problemas não ocorreram apenas pela ampliação da população urbana, mas
decorreram das opções das elites políticas e econômicas do País. No inicio do século passado,
o Brasil era essencialmente um país agrário, com sua economia baseada no modelo primário
de exportação, sendo então o café o principal produto vendido. Neste contexto, a importância
econômica das principais cidades consistia em serem os centros administrativos e de negócios
das autoridades e elites agrária, comercial e financeira. Logo, a política de urbanização levada
a cabo por estes setores ao longo de toda a Primeira República (Liberal-Oligárquica) voltou-se
para a manutenção do modelo agrário-exportador, de forma que suas ações foram centradas
27
em promover o embelezamento das cidades com vistas a atrair capital estrangeiro, conforme
coloca Botega (2004):
A cidade do Rio de Janeiro foi o principal exemplo desta política. No início do
século XX, a cidade passa por uma intensa reformulação visando a sua
modernização, o que para a elite da época significava fazer com que a cidade se
alinhasse às grandes cidades européias, passando uma visão de progresso que
auxiliaria na captação de investimentos estrangeiros. (2004, p. 12).
Na esteira dos projetos urbanísticos de “melhoramentos e embelezamento” estava
contida, também, um ideal de higienização social, expressa em medidas que vieram a expulsar
os moradores pobres e mendigos do centro (pois a pobreza geralmente é associada a “feiura”,
epidemias e degradação social que deviam ser combatidas), com a destruição de seus cortiços,
malocas, pensões, etc., o que elevou o preços dos aluguéis e os empurrou a morar nos morros
e subúrbios, dando início a formação das favelas. Esta ideologia higienizadora esteve
inclusive na base do que gerou a Revolta da Vacina, em 1904, na Capital Federal, motim
popular que não se resumiu apenas a protestos em oposição à vacinação obrigatória contra a
varíola, mas sim às precárias condições de vida impostas para população.
Outra característica do padrão de urbanização deste período era o fato dos industriais
procurarem concentrar espacialmente seus operários, próximos aos seus estabelecimentos,
formando assim os bairros operários (onde muitas famílias de trabalhadores viviam em
péssimas condições), com o intuito de facilitar o deslocamento até o local de trabalho e de
tentar manter o controle sobre os trabalhadores, bem como sua organização e movimentação
política e sindical. Estabelecia-se assim, uma nítida segregação sócio-espacial, determinada
pelo poder econômico e pela renda, separando patrões e empregados.
Nas primeiras décadas do século XX, com o crescimento do trabalho urbano
assalariado, avançou-se a organização e as lutas da classe trabalhadora brasileira nos grandes
centros, a exemplos das lutas por melhorias urbanas para todos, da criação de associações
mutuarias e sociedades beneficentes, atos e comícios contra o desemprego e a carestia, greves,
etc.5, em um momento em que a questão social já era tratada como caso de polícia pelos
governantes.
A crise econômica internacional de 1929 levou o Brasil a mudanças políticas e
econômicas. Ainda que sem uma ruptura com a estrutura agrária vigente, o período iniciado
com o Golpe encabeçado por Getúlio Vargas, em 1930, foi marcado pelo avanço no processo
5 Para uma análise mais detalhada destes processos, ver GOHN (1995).
28
de industrialização do País e, consequentemente, da consolidação da urbanização. Porém,
diferente de muitos países europeus e dos EUA, onde o avanço da industrialização foi
impulsionado por um forte mercado interno gerado pela realização da Reforma Agrária –
além, obviamente da exploração externa promovida pelos países imperialistas –, no Brasil, o
acesso a terra não foi democratizado, o que, junto à crise do café, reforçou o processo de
afastamento das famílias camponesas de suas terras, processo que intensificou-se desde então.
Ainda que tardia e bastante concentrada na Região Sudeste, cuja urbanização já vinha
crescendo com os recursos gerados, principalmente, pela economia cafeeira, o
desenvolvimento da industrialização via estímulos estatais se acelerou com a política de
substituição de importações, contribuindo com a diversificação econômica do País. O
crescimento da burguesia e do operariado urbano, junto à integração das economias regionais,
fortaleceu a formação de um mercado interno nacional. Estes fatores, junto a regulamentação
do trabalho urbano no Brasil, via Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943 o qual
não contemplava os trabalhadores agrícolas – que só vieram a conquistar a regulamentação de
direitos, em 1963, com o Estatuto do Trabalhador Rural –, estimularam a migração campo-
cidade, de forma que a organização urbana nos centros industriais passou a ser organizada
para atender esta ordem social, criando as condições para o adensamento da mão-de-obra.
No entanto, uma série de dificuldades se colocava a quem ia para as cidades, quando
começaram a ser criadas políticas que buscassem sanar a questão da moradia própria, como
esclarece Botega:
Entre as décadas de 1940 e 1960, a política de habitação, mais especificamente da
aquisição da casa própria consistia na oferta de crédito imobiliário pelas Caixas
Econômicas e pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) ou por bancos
incorporadores imobiliários. A organização de um órgão que centralizasse a política
habitacional ocorreu em 1946, no governo do General Eurico Gaspar Dutra, quando
é criada a Fundação da Casa Popular. (2004, p. 14).
Estas políticas foram insuficientes, de forma que muitas pessoas foram morar nas
periferias, em loteamentos e realizaram ocupações espontâneas. Já os problemas existentes
nos bairros levaram a organização das Associações Amigos de Bairros, que deram origem as
Sociedades Amigos de Bairro (SAB), com caráter reivindicatório, pressionando o poder
público pela resolução de carências das comunidades, conforme Gohn:
O movimento de associações de moradores teve início nas primeiras décadas do
século, por meio das Ligas de Bairros. Entretanto, nos anos 30 ele começou a tomar
corpo para se proliferar nos anos 40. Na década de 30 foi criada a Sociedade Amigos
da Cidade, com a participação de figuras ilustres como Prestes Maia. Ela se inspirou
29
em modelo similar argentino. Em 1942 foi fundada a Sociedade Amigos de Bairros
de São Bernardo do Campo, responsável por grande parte da urbanização da cidade
nos anos 40 e 50. (1995, p. 88).
Nos anos seguintes, no período do intervalo democrático (1945-1964), as SABs irão se
constituir em importantes espaços de participação social e política por parte das classes
populares. Para Gohn (1995, p. 95), os movimentos das associações de moradores cresceram
nos anos 1950 e 1960 devido a três fatores principais: as necessidades de infraestrutura para
os bairros de que iam surgindo, a política clientelista da barganha do voto por melhorias
urbanas, e a vontade política da participação popular na vida política local.
Em decorrência do crescimento do número de trabalhadores assalariados com os
avanços no processo de industrialização e a crescente abertura para empresas multinacionais,
a partir da década de 1950, as quais vieram explorar as riquezas naturais e a mão-de-obra
barata dos brasileiros, acelerou-se o processo de expansão urbana desordenada,
principalmente das periferias, intensificando a favelização no País de lá para cá. De acordo
com Santos (1981 apud Scherer, 2008), nos anos 1960, as maiores taxas de urbanização
estavam na América Latina e na África – 71% e 70%, respectivamente, enquanto a Europa e
América do Norte só chegavam a 18% e 37% neste mesmo período.
A esta altura, as cidades já eram os principais centros da política nacional e muitas
lutas sociais urbanas e greves ocorreram em consequência às precárias condições vividas –
condições estas mantidas pelos governantes para assegurar a reprodução da força de trabalho
a baixos custos, mantendo os salários baixos para as empresas. Isto explica as campanhas
contra a fome, o Movimento Contra a Carestia de Vida, as greves de trabalhadores, os
protestos contra aumento das passagens e os quebra-quebras de bondes, as lutas pela casa
própria, no início dos anos 1960, etc., o que colocou a classe trabalhadora como protagonista
da cena política brasileira.
No contexto da defesa das Reformas de Base, no Governo João Goulart (1961-1964),
a bandeira da Reforma Urbana, também, foi empunhada pelos movimentos urbanos e
sindicais. Destaca-se neste momento, a realização do Seminário de Habitação e Reforma
Urbana, em 1963, pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e o Instituto de Previdência e
Assistência aos Servidores do Estado (IPASE), que após discutir a problemática urbana e
habitacional brasileira e latino-americana, apontou um conjunto de propostas, inclusive na
forma de projeto de lei, visando incluir a questão urbana na pauta das reformas de base. A
reforma urbana, na resolução deste seminário, foi “considerada como o conjunto de medidas
estatais, visando à justa utilização do solo urbano, à ordenação e ao equipamento das
30
aglomerações urbanas e ao fornecimento de habitação condigna a todas as famílias” (SILVA,
2003, p. 18).
As principais propostas defendidas naquele momento eram: a construção de moradias
populares a toda demanda e medidas emergenciais para melhoria imediata das condições de
subhabitação; regulamentação justa dos preços dos aluguéis e de medidas que restringissem a
especulação imobiliária; mudança constitucional para que as desapropriações por interesse
social não precisassem ser feitas em dinheiro à vista (que, também, era necessária à
implementação da reforma agrária); conscientização e participação popular das comunidades;
criação de um órgão central federal para execução da política habitacional (esta proposta foi
incorporada pelos militares logo em seguida), com um fundo nacional de habitação;
planejamentos territorial e habitacional integrados em todos os níveis (Ibid., 2003).
Tanto estas, como as demais propostas de reformas de base (Reformas Agrária,
Bancária, Tributária, Educacional/Universitária, Politica/Eleitoral, Lei de Remessa de Lucros)
assumiam, em meio a Guerra Fria, um caráter “subversivo” (ainda que não fossem medidas
anticapitalistas em si), pois iam contra os interesses da burguesia nacional e internacional, o
que gerou fortes tensionamentos políticos e sociais, culminando no golpe que depôs Jango e
instaurou a Ditadura Civil-Militar no País (1964-1985), com o auxílio dos EUA.
O Golpe de 1964 reprimiu as lutas sociais como um todo e em relação as SABs, impôs
limites a atuação, levando a sua despolitização e o resumo de sua relação com o poder público
a vínculos clientelistas com políticos locais para busca da solução dos problemas dos bairros,
conforme afirma Botega:
A maioria de suas lideranças são cooptadas pela política oficial e o papel
reivindicatórios destas organizações é abandonado, passando simplesmente a um
caráter associativo, perdendo com isso a função de mobilização das classes
populares frente aos problemas urbanos. (2004, p. 24).
Mesmo com a repressão aos movimentos sociais, sindicais e partidários que se
opusessem ao regime imposto, a Ditadura não foi capaz de frear os processos sociais
decorrentes do avanço acentuado da urbanização, motivado em grande parte pela própria
política agrícola da Ditadura, que acelerou o processo de expulsão das famílias camponesas
do campo, de forma que nos anos 70 a população urbana ultrapassou a rural no Brasil.
Analisando este período, Pinheiro coloca que:
A partir da década de 60, a combinação do crescimento demográfico com a
modernização dos setores produtivos, acelerou o movimento migratório para as
31
cidades. A agricultura brasileira atravessou um grande processo de transformação,
na perspectiva de se integrar a esta nova dinâmica econômica estabelecida a partir da
produção industrial (...). (2002, p. 9).
Esta chamada “modernização” foi parte do modelo econômico implementado pela
Ditadura, modele este fortemente associado ao capitalismo mundial e que dele tornou o Brasil
cada vez mais dependente. Esta proposta de desenvolvimento pode ser caracterizada enquanto
conservadora, pois, ao não pressupor a democratização da propriedade urbana e rural,
manteve e fortaleceu as estruturas arcaicas vigentes no País, o que ampliou as desigualdades
sociais, ao mesmo tempo em que promoveu a crescente subordinação da economia nacional
às empresas multinacionais.
No campo, a “modernização conservadora” recebeu o nome de Revolução Verde. Esta
foi parte do processo iniciado após a Segunda Guerra Mundial, em que os países capitalistas
centrais estimularam os países considerados subdesenvolvidos à industrialização da
agricultura (com a promessa de que isto iria aumentar a produtividade e acabar com a fome no
mundo), utilizando as tecnologias das multinacionais na agricultura e na pecuária, com a
venda de sementes melhoradas (estimulando a monocultura para exportação e reduzindo a
biodiversidade genética das sementes, agora propriedade de empresas estrangeiras), de
máquinas agrícolas, agrotóxicos e fertilizantes químicos. Para viabilizar a venda destes
pacotes tecnológicos da chamada Revolução Verde, houve forte estímulo estatal via crédito
rural, publicidade, assistência técnica e extensão rural.
Dentre as consequências da implementação da Revolução Verde no campo brasileiro,
podemos destacar a questão do aumento dos custos de produção, o que levou ao
endividamento e perca das terras de muitos médios e pequenos agricultores camponeses,
terras estas que foram incorporadas por grandes proprietários (que se utilizavam inclusive de
recursos do crédito rural para isto); a redução da produção de alimentos para o consumo
interno e, portanto, o aumento de seus preços; o aumento do preço das terras e a sua
concentração progressiva em um número cada vez menor de proprietários; a maquinização da
agricultura levou a redução do número de trabalhadores necessários no campo; impactos ao
meio ambiente, com a compactação e erosão dos solos, contaminação do solo, rios e lenços
freáticos, redução da variabilidade genética das plantas; o aumento da exploração e da
dependência dos pequenos agricultores; a expulsão rural acelerada.
Em relação a expulsão rural, esta foi o mais importante movimento migratório interno
ocorrido no País, levando a um crescimento abrupto, desordenado e excludente das cidades
32
nos anos seguintes, aumentando o empobrecimento e a deterioração das condições de vida das
classes populares.
A fim de melhor observar a dimensão deste processo de “inversão quanto ao lugar da
residência da população brasileira” (SANTOS, 1995, p. 29) entre 1940 e 1980, vejamos o
histórico da distribuição da população brasileira na Tabela 1:
Tabela 1 – Distribuição da população brasileira entre 1872-2010
Ano População Total População Urbana (%) População Rural (%)
1872 9 930 478 - -
1890 14 333 915 - -
1900 17 438 434 - -
1920 30 635 605 11,3 88,7
1940 41 236 315 31,2 68,8
1950 51 944 397 36,2 63,8
1960 70 992 343 45,1 54,9
1970 94 508 583 56,0 44,0
1980 121 150 573 67,7 32,3
1991 146 917 459 75,5 24,5
2000 169 590 693 81,2 18,8
2010 190 744 799 84,4 15,6
Fonte: Censo Demográfico 2010, IBGE
Em meados dos anos 1960 a população urbana superou a rural. Dentre os fatores que
contribuíram com isto, podemos destacar: o crescimento urbano decorrente de incremento
demográfico natural (aumento da natalidade e redução das taxas de mortalidade); exclusão
das famílias do campo decorrente da aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural, em 1963,
uma conquista do movimento camponês que estendeu aos trabalhadores agrícolas os direitos
trabalhistas até então exclusivos aos trabalhadores urbanos, o que levou, porém, a maioria dos
fazendeiros a demitir seus trabalhadores para não arcar com estes encargos sociais, gerando
assim a figura dos “bóias-frias”, trabalhadores agrícolas temporários; e expulsão rural gerado
pela implementação da Revolução Verde, que conforme visto anteriormente, concentrou
renda e terras no campo.
Todos estes fatores nos permitem compreender que “o Brasil urbanizou mais por
expulsão do campo do que por atração das cidades” (PINHEIRO, 2002, p. 3). Isto levou
milhões de pessoas sem-terra a tornarem-se força de trabalho em reserva (desempregados) nas
33
cidades, o que contribuiu com a manutenção de baixos salários aos trabalhadores urbanos.
Logo, fica nítido que este processo de expulsão rural foi funcional tanto à manutenção da
estrutura fundiária altamente concentrada no campo, quanto para o lucro dos patrões nas
cidades.
Em relação à política urbana habitacional, a medida tomada pela Ditadura Civil-
Militar neste setor foi a criação em agosto de 1964 do Serviço Federal de Habitação e
Urbanismo (SERFHAU) e do Banco Nacional de Habitação (BNH), principal órgão do
Sistema Financeiro de Habitação (SFH), que por sua vez geria os recursos do Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), criado em 1966, e do Sistema Brasileiro de Poupança
e Empréstimo (SBPE), criado em 1967, de forma que o BNH se tornou “uma das principais
instituições financeiras do País e a maior instituição mundial voltada especificamente para o
problema da habitação” (BOTEGA, 2004, p. 15). Neste ponto, os principais objetivos da
Ditadura eram promover a recuperação da economia através de investimentos no setor da
construção civil, que se tornaria um importante assimilador da força de trabalho, ao mesmo
tempo em que financiaria a moradia da população de baixa renda (PINHEIRO, 2004). Porém,
mesmo com todo este aporte de recursos, o BNH não sanou a questão habitacional, tendo na
verdade priorizado os setores médios da população, conforme Kowarick:
O Banco Nacional de Habitação (BNH) não só se tornou um poderoso instrumento
da acumulação, pois drenou uma enorme parcela de recursos para ativar o setor da
construção civil – recursos por sinal advindos em grande parte de um fundo retirado
dos próprios assalariados (FGTS) – como também voltou-se para a confecção de
moradias destinadas às faixas de renda mais elevadas. (1993, p. 70)
Para Botega, um dos principais motivos que levou o BNH a não atingir seus objetivos
(ao menos aqueles ditos), foi o fato de ter sido criado mais para reativar a economia brasileira
e conter a inflação do final do Governo Jango, sendo substituído em seguida pela indústria
automobilística, além de ter sido gestado em prol do capital imobiliário e não das
necessidades sociais. Segundo o historiador:
O BNH desde a sua constituição teve uma lógica que fez com que todas as suas
operações tivessem a orientação de transmitir as suas funções para a iniciativa
privada. O banco arrecadava os recursos financeiros e em seguida os transferia para
os agentes privados intermediários. Algumas medidas inclusive demonstravam que
havia ao mesmo tempo uma preocupação com o planejamento das ações de
urbanização aliadas aos interesses do capital imobiliário. Exemplo disto foi a medida
que obrigou as prefeituras a elaborar planos urbanísticos para os seus municípios, o
que era positivo, mas a condição de serem qualificadas para a obtenção de
empréstimos junto ao Serviço Federal de Habitação e Urbanismo era de que estes
deveriam ser elaborados por empresas privadas. Até mesmo as cobranças das
34
prestações devidas estavam a cargo de uma variedade de agentes privados,
companhias habitacionais, iniciadores, sociedades de crédito imobiliário, entre
outros (...). Assim, o SFH/BNH era na verdade um eficaz agente da dinamização da
economia nacional desempenhando um importante papel junto ao capital imobiliário
nacional, fugindo do seu objetivo principal, pelo menos o que era dito de ser o
indutor das políticas habitacionais para superação do déficit de moradia. (2004, p.
16).
Tais motivos, aliado ao fato de possuir uma administração centralizada e autoritária,
com critérios estritamente bancários, sem participação popular ou controle social, levaram o
BNH a não priorizar o atendimento da demanda por moradia aos setores populares, tendo na
verdade ampliado a dualidade entre pobres e ricos, mercado e exclusão, na questão
habitacional. Podemos entender a dimensão disto, observando aonde foram concentrados os
investimentos do BNH, segundo Bonduki:
Durante 22 anos, o BNH financiou 4,8 milhões de moradias, ou seja, praticamente
25% do incremento de moradias construídas no Brasil entre 1964 e 1986, ano em
que o BNH foi extinto. Foram financiadas habitações para todas as faixas de renda,
pela promoção pública das Companhias de Habitação Popular e, principalmente,
pela promoção privada da incorporação imobiliária. No entanto, não mais que 20%
dos financiamentos concedidos destinaram-se às famílias de baixa renda. (1997,
apud PINHEIRO 2002, p. 12).
No entanto, mesmo tendo financiado prioritariamente a construção de moradias para
os estratos de renda média e alta, ainda assim o grau de inadimplência cresceu em ritmo
acelerado no início da década de 1980, marcada por forte instabilidade econômica no País.
Isto levou inclusive, a necessidade da organização do movimento dos mutuários do BNH, que
segundo Gohn (1995, p. 131), “foi gerado pela impossibilidade da maioria dos compradores
dos planos de casa própria do BNH de pagar o reajuste de suas prestações”, com o objetivo de
renegociar suas dívidas. O fato do BNH ser muito frágil a flutuações econômicas (já que
dependia basicamente da capacidade de arrecadação do FGTS e do SBPE, bem como do grau
de inadimplência dos mutuários), foi o responsável pela sua extinção no Governo Sarney, em
1986. Podemos compreender assim, que:
O SFH/BNH não resistiu a grave crise inflacionária vivenciada pelo Brasil
principalmente nos primeiros anos da década de 1980, onde a inflação atingirá
índices de 100% ao ano em 1981 e em 1982 (a partir de então não cessará de crescer
mais chegando aos 1770% em 1989). Esta crise levou a uma forte queda do poder de
compra do salário, principalmente da classe média, o público que havia se tornado
alvo das políticas habitacionais deste sistema. (GREMAUD, 1996, p. 212 apud
BOTEGA, 2004, p. 18-19).
35
Após a extinção do BNH, suas atribuições foram transferidas para a Caixa Econômica
Federal (CEF), e quando seu arquivo foi transferido para Brasília, “pegou” fogo... Assim,
enquanto a Ditadura estimulava o consumo de classe média e alta, do outro lado, a grande
maioria da população, agora urbana, devido ao arrocho salarial imposto, enfrentava uma série
de dificuldades para consumir o básico para trabalhar e sobreviver, de forma que “as
periferias das grandes cidades se inchavam com os loteamentos populares, dando as bases
para os movimentos populares dos anos 70” (GOHN, 1995, p. 103).
Analisando a atuação dos movimentos populares urbanos durante a Ditadura, Gohn
destaca que:
Durante a fase do milagre econômico – 1968-1973 –, as massas populares em geral
sofreram violento arrocho salarial mas mantiveram-se caladas, na maioria dos casos,
pois havia emprego, era extremamente perigoso se manifestar publicamente, não
havia vida político-sindical, a não ser de caráter assistencialista, e ainda havia a
possibilidade do sonho da casa própria, com a compra de lote nas periferias
longínquas e o uso da autoconstrução familiar. As reivindicações dessas periferias
irão explodir nos anos 70, quando descobrem serem vários de seus lotes
clandestinos, quando não conseguem sobreviver nas casas duramente construídas
sem um mínimo de infra-estrutura urbana; e, principalmente, quando o modelo
brasileiro do milagre econômico se exaure, iniciando o longo processo de crise
econômica pós-1973. (1995, p. 103).
Ainda que o milagre tenha feito “crescer o bolo” da economia, o fato de não tê-lo
repartido, favorecendo uma minoria em detrimento da maioria, custou caro para a Ditadura,
pois com a crise econômica iniciada na década 1970, além de se intensificarem a favelização
e a expansão das periferias que já vinham ocorrendo, cresceu a insatisfação de diversos
setores ante ao regime imposto.
Com a resistência armada à Ditadura já desmobilizada pelas forças da repressão em
princípio dos anos 1970, setores da esquerda passaram a se dedicar a organização popular nas
comunidades e periferias. O mesmo, também, foi feito por parcela importante da Igreja
Católica6, ligada à Teologia da Libertação, que influenciada pelas resoluções do “Concílio
Vaticano II” (1964) e da “II Conferência Geral do Episcopado latino-americano” (1968,
Medellín, Colômbia – mesmo ano da decretação do AI-57 no Brasil), pela opção pelos pobres,
reorientou sua atuação no sentido da transformação social e se dedicou a organização das
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e das Pastorais sociais, contribuindo com a
6 Para melhor compreender a relação entre a Igreja Católica e os movimentos sociais urbanos, ver o trabalho de
BOTEGA (2004). 7 O Ato Institucional Nº 5, decretado pela Ditadura, vigorando entre 1968 e 1978, ampliou de forma exacerbada
os poderes do Executivo, endureceu a repressão aos opositores e estabeleceu a censura prévia.
36
construção de diversos movimentos populares, no campo e na cidade. A combinação destes
processos, junto à dimensão das problemáticas sociais enfrentadas pela população (que se
agravaram fortemente nos anos 1980), originou a organização popular de vários movimentos
reivindicatórios por melhores condições de vida.
Dentre estes movimentos, nas principais cidades brasileiras, podemos destacar o
Movimento do Custo de Vida, o qual, nascido em 1972, para lutar por melhores condições de
vida, possuiu grande importância nesta década, tornando-se, em 1979, o Movimento de Luta
Contra a Carestia; o Movimento dos Loteamentos Clandestinos, que teve como conquistas,
além de regularização de loteamentos populares, a promulgação de normas que restringiram
os loteamentos irregulares; os movimentos das favelas, por melhorias urbanas, como água,
luz, projetos de urbanização nas periferias, posse da terra, e que veio a conquistar a Lei de
Direito Real de Uso; os Movimentos de Lutas por Creches, protagonizados, principalmente,
pelas mulheres das periferias; os movimentos dos transportes públicos, por ampliação das
linhas, contra aumentos das tarifas, etc., dentre outros (Gohn, 1995).
O aumento do endividamento externo, junto ao acirramento da crise econômica no
decorrer dos anos 1980, gerou a hiperinflação, forte desemprego, o aumento dos preços dos
alimentos e o não reajuste dos salários, acarretando no aumento da fome e dos problemas
sociais, bem como das lutas populares nesta década, pois o Estado não cumpria com suas
funções básicas.
Se do ponto de vista econômico a década de 1980 pode ser definida como a “década
perdida”, na perspectiva político-social esta pode ser considerada a “década da cidadania”,
devido a retomada da participação popular e das mobilizações de massas, a reorganização
sindical e a construção de grandes greves pelos trabalhadores desde fins dos anos 1970, vindo
a fundar a Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983, pelos sindicalistas ligados ao
recém-fundado Partido dos Trabalhadores (PT), em 1980; as lutas pela redemocratização do
País, com a reconquista do pluripartidarismo e a reorganização dos partidos de esquerda que
estavam na ilegalidade e a fundação de novas agremiações; a realização de grandes
campanhas nacionais como em 1984 pelas Diretas Já!; a reorganização da União Nacional dos
Estudantes (UNE), em 1979, e do conjunto do Movimento Estudantil; a retomada da luta pela
terra e a fundação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), fundado em
nível nacional em 1984, inaugurando a práxis da ocupação de terras improdutivas; o
ressurgimento de movimentos de mulheres, do Movimento Negro, de movimentos em defesa
37
dos direitos dos homossexuais, movimentos ambientalistas, em defesa das crianças, dos
aposentados, da saúde, da educação, dentre outros.
Já mais especificamente em relação aos movimentos sociais urbanos na década de
1980, destacaram-se a criação da Articulação Nacional do Solo Urbano (ANSUR), em 1979, a
fundação da Confederação Nacional de Associações de Moradores (CONAM), em 1982; os
movimentos de ocupações de terras em São Paulo e outras cidades, a exemplo da ocupação
das terras na Fazenda Itupu, em 1981, o qual, em 1983, formou o Movimento de Luta pela
Moradia das Associações Comunitárias da Zona Sul de São Paulo; organização de
movimentos de desempregados, que face ao desemprego e às demissões realizava ocupações
de órgãos públicos, acampamentos em praças e parques; a organização do Movimento dos
Mutuários do BNH, pela renegociação das dívidas dos inadimplentes; do movimento dos
inquilinos intranquilos, face aos abusivos aumentos dos aluguéis; o fortalecimento das lutas
populares nas periferias, a continuidade das lutas dos transportes públicos, etc. (GOHN,
1995).
Todo este processo de reascenso dos movimentos sociais e das lutas de massa neste
período não ocorreu apenas em termos quantitativos, mas, também, num sentido qualitativo,
de forma que as lutas reivindicatórias específicas pautadas nos anos 1970 evoluíram para a
discussão e defesa de projetos de sociedade, ligando as questões concretas do cotidiano das
pessoas com o processo político mais geral em curso no País. Isto foi fundamental para a
articulação do Movimento Nacional pela Reforma Urbana, em 1985, que incidiu diretamente
na disputa dos rumos da nova Constituição Brasileira durante a Assembleia Nacional
Constituinte de 1987-1988, agora não mais pautando apenas a questão do direito à moradia
em si (ou do saneamento básico, acesso a eletricidade, ruas pavimentadas, regularização
fundiária, etc.), mas o direito à cidade como um todo, pautando assim os rumos do
desenvolvimento urbano do País.
Observando esta superação qualitativa, Pinheiro destaca que:
Os movimentos populares urbanos até 1985, tinham um caráter apenas
reivindicatório. Após este período começa-se a discutir a necessidade de uma
Reforma Urbana, entendendo que a cidade deveria ser para todos, que o cidadão tem
direito à cidade e a uma vida social com qualidade. Até então, os movimentos
nasciam com bandeiras de moradia, de creche, postos de saúde, etc., exclusivamente,
reivindicatório. (2002, p. 19-20)
Nos embates políticos que marcaram a realização da Constituinte, diversos segmentos
da sociedade se articularam para intervir nos rumos que o País tomaria pós-Ditadura, desde os
38
setores conservadores da classe dominante, até os setores organizados das classes populares.
Os movimentos sociais, junto aos partidos e parlamentares de esquerda, sindicatos e setores
progressistas da Igreja cumpriram um papel fundamental na garantia da participação popular
na elaboração da nova Constituição e em seu conteúdo, organizando pelo País Plenárias Pró-
Participação Popular na Constituinte e conquistando o direito a apresentação de Projetos de
Emenda Popular na Constituição.
Esta conjuntura foi importantíssima para a retomada da bandeira pela Reforma Urbana
no Brasil, a qual havia sido sufocada pela Ditadura Civil-Militar. A articulação dos diversos
movimentos populares urbanos e de suas pautas específicas conformou na organização do
Movimento Nacional pela Reforma Urbana e logo em seguida a criação do Fórum Nacional
de Reforma Urbana (FNRU)8, em 1987, reunindo movimentos populares, pastorais sociais,
organizações não-governamentais (ONGs), instituições de pesquisa, entidades de assessoria
aos movimentos urbanos e entidades de classe (engenheiros, arquitetos, etc).
A atuação do FNRU foi fundamental tanto para a realização de manifestações e
“Caravanas pela Moradia” levando milhares para Brasília, como para a coleta de 160 mil
assinaturas de eleitores (quando o necessário eram apenas 30 mil assinaturas) para a
apresentação da Emenda Constitucional de Iniciativa Popular de Reforma Urbana na
Assembleia Nacional Constituinte, de forma a que esta foi a primeira Constituição Federal
(CF) brasileira a possuir um capítulo específico sobre Política Urbana (Artigos 182 e 183 da
CF), ainda que não tenha incorporado na íntegra a proposta do FNRU dado a força dos setores
conservadores na Subcomissão de Questão Urbana e Transporte9, incluiu-se na CF o princípio
da função social da propriedade urbana10
e a descentralização de atribuições, definindo os
municípios como os indutores centrais da política de desenvolvimento urbano e a abertura
8 A coordenação nacional do FNRU em 2008 era composta pelas seguintes entidades: FASE – Federação dos
Órgãos para Assistência Social, MNLM – Movimento Nacional de Luta pela Moradia, UNMP – União Nacional
por Moradia Popular, CMP – Central de Movimentos Populares, CONAM – Confederação Nacional de
Associações de Moradores, FENAE – Federação Nacional das Associações de Empregados da Caixa
Econômica, FISENGE – Federação Interestadual dos Sindicatos de Engenheiros, FNA – Federação Nacional de
Arquitetos, Instituto Polis – Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais, IBAM – Instituto
Brasileiro de Administração Municipal, IBASE – Instituto Brasileiro de Analises Sociais e Econômicas, ANTP –
Associação Nacional de Transportes Públicos, COHRE Américas – Centro pelo Direito à Moradia contra
Despejos, AGB – Associação dos Geógrafos Brasileiros, FENEA – Federação Nacional dos Estudantes de
Arquitetura e Urbanismo do Brasil, CAAP – Centro de Assessoria à Autogestão Popular, ABEA – Associação
Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo, Fundação Bento Rubião – Centro de Defesa dos Direitos
Humanos, Rede Observatório das Metrópoles, Actionaid do Brasil, Conselho Federal de Assistência Social,
Habitat para Humanidade Brasil, Fórum Nordeste de Reforma Urbana, GT Urbano do FAOR – Fórum da
Amazônia Oriental, Fórum da Amazônia Ocidental e Fórum Sul de Reforma Urbana. (FERREIRA, 2008). 9 Dos catorze membros desta Subcomissão, cinco eram ligados diretamente ao setor imobiliário.
10 A propriedade urbana não atende sua função social, quando não está edificada, está subutilizada, ou não está
sendo utilizada (ROLNIK, 2001 apud SILVA, 2004, p. 22).
39
para a participação popular na gestão das cidades por meio de diversos instrumentos, como
plebiscitos, referendos, conselhos temáticos, etc. – para se ter uma ideia, a única vez que a
palavra “urbana” aparece na Constituição de 1967, é quando se refere ao Imposto sobre
Propriedade Predial Territorial e Urbana (IPTU). Desta maneira,
Foi a partir da Constituição de 1988, que se delineia uma nova institucionalidade
que rompe com o paradigma centralizador e tecnocrático de gestão das políticas
públicas, tendo como centro a descentralização das políticas sociais e a abertura de
processos de participação da sociedade. (PINHEIRO, 2004, p. 21).
Diversos princípios elencados pelo FNRU foram incorporados na nova Constituição
brasileira, influenciando na prática dos governos e dos próprios movimentos populares na
resolução de suas demandas. Saule Júnior e Uzzo destacam estes princípios norteadores das
ações do FNRU e que compõem as plataformas de lutas dos movimentos sociais urbanos:
• o direito à cidade e à cidadania, entendida como a participação dos habitantes das
cidades na condução de seus destinos. Inclui o direito à terra, aos meios de
subsistência, à moradia, ao saneamento ambiental, à saúde, à educação, ao transporte
público, à alimentação, ao trabalho, ao lazer e à informação. Inclui o respeito às
minorias, à pluralidade étnica, sexual e cultural e ao usufruto de um espaço
culturalmente rico e diversificado, sem distinções de gênero, etnia, raça, linguagem e
crenças.
• a gestão democrática da cidade, entendida como a forma de planejar, produzir,
operar e governar as cidades, submetida ao controle social e à participação da
sociedade civil.
• função social da cidade e da propriedade, como prevalência do interesse comum
sobre o direito individual de propriedade. É o uso socialmente justo do espaço
urbano para que os cidadãos se apropriem do território, democratizando seus
espaços de poder, de produção e de cultura dentro de parâmetros de justiça social e
da criação de condições ambientalmente sustentáveis. (2009, p. 5).
O acúmulo político gerado neste processo de lutas, debates e elaboração de projetos
foi muito importante para a intervenção dos sujeitos sociais que pautaram na Constituinte a
inserção do Capítulo sobre Política Urbana (via Emenda Popular de Reforma Urbana) nos
embates das Assembleias Estaduais Constituintes11
e na construção das Leis Orgânicas
Municipais12
, realizadas logo em seguida, garantindo importantes vitórias entorno da
concepção da Reforma Urbana nos âmbitos estaduais e municipais em diversos locais do País.
11
Para ter acesso a Constituição de 1989 do Estado do Rio Grande do Sul e a todo processo constituinte, ver
<http://www2.al.rs.gov.br/constituicao20anos/>. Acesso em: 14 abr. 2013. 12
Para ler a Lei Orgânica do Município de Santa Maria, acessar a página
<http://www.santamaria.rs.gov.br/docs/leis/lom/Lei_Organica_do_municipio.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2013.
40
A partir da aprovação da nova Constituição, uma das batalhas centrais do FNRU e dos
movimentos populares urbanos foi a luta pela regulamentação do capítulo de Política Urbana
da CF, elemento essencial para a implementação prática deste tópico constitucional. Esta luta
se estendeu por 12 anos, passando pela conquista da inclusão da moradia como direito
fundamental na Constituição brasileira em 2000 (Emenda Constitucional nº 26), até a
aprovação do Estatuto da Cidade (Lei 10.257) em julho de 2001, que dispõe das diretrizes
gerais e de uma série de instrumentos jurídicos e urbanísticos para a promoção da função
social das cidades e sua gestão democrática.
O FNRU, também, demonstrou sua importância e protagonismo no momento em que
elaborou e coletou mais de 800 mil assinaturas para a primeira proposta de Projeto de Lei de
Iniciativa Popular no País, o projeto de criação do Fundo Nacional de Moradia Popular,
entregue ao Congresso Nacional em fevereiro de 1991 durante a 4ª Caravana dos Movimentos
de Moradia à Brasília, com mais de 5 mil participantes, projeto este aprovado após 13 anos de
tramitação e lutas, quando em 2004 foi aprovado o Fundo e o Sistema Nacional de Habitação
de Interesse Social (FNHIS e SNHIS).
Muitos destes avanços foram conquistados devido à atuação do FNRU em fóruns
internacionais, nos quais o Governo Brasileiro assumia compromissos (que nem sempre são
cumpridos, mas abrem espaço para que sejam cobrados). Saule Jr. e Uzzo destacam esta
atuação internacional do FNRU:
O FNRU produziu ativamente a interlocução da sociedade civil em muitos eventos
internacionais, entre eles a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (ECO-92), em 1992, onde se elaborou consensualmente o
“Tratado por Cidades Justas, Democráticas e Sustentáveis”. Em 1995, o FNRU
participou do Comitê Preparatório para a Conferência Internacional Habitat II e
organizou, em conjunto com outras entidades, a Conferência Brasileira da Sociedade
Civil para o Habitat II – pelo Direito à Moradia e à Cidade. Acompanhou, em julho
de 1996, a Conferência Habitat II, realizada em Istambul, e participou da delegação
oficial que representou o Brasil neste evento, em que se estabeleceu o direito à
moradia adequada como direito humano – inscrito na Agenda Habitat. (2009, p. 4).
Através desta sequencia de mudanças institucionais, garantidas por meio da
participação popular antes, durante e depois do processo de elaboração da Constituição atual,
vindo a incluir na legislação brasileira, a cultura do “direito à cidade”, torna-se evidente a
importância dos movimentos sociais urbanos para a democratização do País, bem como da
legislação urbana vigente. Gohn destaca esta importância ao discutir a construção da
cidadania dos pobres no Brasil em um novo patamar a partir dos anos 1980 e o processo de
redemocratização nacional:
41
Os anos 80 são fundamentais para a compreensão da construção da cidadania dos
pobres no Brasil, em novos parâmetros. Embora com o estatuto de cidadãos de
segunda categoria, os pobres saíram do submundo e vieram à luz como cidadãos
dotados de direitos – direitos estes que são inscritos na Constituição mas,
usualmente, negados ou ignorados na prática. Assistiu-se ainda ao acirramento da
crise econômica ao final da década, com as políticas neoliberais de privatizações e
desativação da atuação do Estado em áreas sociais, e o desencanto que as massas em
geral sentiram, com os novos governos que elegeram, tanto os de direita (Collor e
seus escândalos financeiros) como os de esquerda, que embora tenham inaugurado
práticas de transparência das ações públicas, participação dos cidadãos e o acesso às
informações, também foram vítimas da inexperiência, da falta generalizada de
verbas para atender às demandas sociais, do desemprego altíssimo e das lutas
intestinais que o curto tempo do exercício democrático não permitiu superar. (1995,
p. 124).
Porém, mesmo tendo ocorrido diversas conquistas em nível jurídico e institucional,
ainda assim nossas cidades continuam injustas e desiguais, promovendo a segregação
socioespacial da população de baixa renda. Maricato aponta os limites da atuação dos
movimentos urbanos ter sido focada centralmente na luta por mudanças jurídicas:
O Fórum Nacional de Reforma Urbana cometeu o equívoco de centrar o eixo de sua
atuação em propostas formais legislativas, como se a principal causa de exclusão
social urbana decorresse da ausência de novas leis ou novos instrumentos
urbanísticos para controlar o mercado, quando grande parte da população está e
continua fora do mercado ou sem outras alternativas legais, isto é, sem segurança e
sem padrão mínimo de qualidade. (2000, p. 143 apud PINHEIRO, 2002, p. 22).
Embora tenham ocorrido mudanças constitucionais e nas leis que caminham no
sentido da implementação de uma Reforma Urbana no Brasil, é fato que desde a extinção do
BNH, em 198613
, até a criação do Ministério das Cidades, em 2003, não houve gestão e não
foram implementadas políticas públicas efetivas no sentido da construção de moradias
populares, o que junto a onda de políticas neoliberais que atingiram os países latino-
americanos nos anos 1990, levou a ampliação das desigualdades e da informalidade no espaço
urbano. Silva afirma que “embora a ação do BNH fosse falha na maioria dos pontos, com a
sua extinção a moradia popular ficou órfã, sem quem conseguisse definir com clareza, uma
política para o meio urbano brasileiro” (SILVA, 2004, p. 21).
Para Botega (2004), após o fim do BNH abriu-se uma nova etapa na política urbana e
habitacional do País, marcada por forte confusão institucional e provocada por constantes
reformulações nos órgãos responsáveis pelas políticas habitacionais. Podemos observar estas
13
O Presidente José Sarney extinguiu o BNH, através do Decreto nº 2291, de 21 de novembro de 1986, de forma
a que este passou a ser incorporado pela Caixa Econômica Federal.
42
sucessivas mudanças nos setores responsáveis por estas políticas, através das colocações de
Maricato e Santos Jr (2006):
Em termos institucionais, a política urbana nunca esteve entre as prioridades do
Estado brasileiro mesmo na única oportunidade que mereceu uma formulação
holística, durante o Regime Militar. Os sucessivos governos nunca tiveram um
projeto estratégico para as cidades brasileiras envolvendo, de forma articulada, as
intervenções no campo da regulação do solo urbano, da habitação, do saneamento
ambiental, e da mobilidade e do transporte público. Sempre de forma fragmentada e
subordinada à lógica de favorecimento que caracterizava a relação inter-
governamental, as políticas urbanas foram de responsabilidade de diferentes órgãos
federais. Tomando como referência a política de habitação, vale a pena registrar que,
de 1985 a 2002, a política de habitação foi de responsabilidade de diferentes
Ministérios: de 1985 a 1987, do Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio
Ambiente; de 1987 a 1988, do Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio
Ambiente; de 1988 a 1990, do Ministério do Bem Estar Social; de 1990 a 1995, do
Ministério da Ação Social; de 1995 a 1999, da Secretaria de Política Urbana,
vinculada ao Ministério do Planejamento; de 1999 a 2002, da Secretaria Especial de
Desenvolvimento Urbano, vinculada à Presidência da República.14
Junto ao fim do BNH ocorreu o enfraquecimento do SFH, e consequentemente das
COHABs (Companhias Estaduais de Habitação), que eram uns dos principais órgãos
executores de suas demandas em nível local, que passaram a ter seus financiamentos
restringidos, resultando na redução do número de moradias populares construídas. Isto levou a
que as COHABs “passassem de agentes promotores (tomadores de empréstimos do FGTS e
executores de obras) a meros órgãos assessores, diminuindo assim a capacidade de atuação
dos estados e municípios na questão habitacional” (SANTOS, p. 20 apud BOTEGA, p. 21).
Somando-se a este contexto de desmonte das políticas e órgãos públicos de promoção
da habitação para pessoas de baixa renda, o Brasil foi atingido em cheio pelas políticas
neoliberais implementadas por governos de direita que seguiram fielmente as orientações
ditadas por organismos multilaterais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco
Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o chamado Consenso de
Washington15
.
Na passagem dos anos 1980 para a década de 1990 processou-se uma mudança
conjuntural em escala planetária, com o fim da Guerra Fria e a transição de um mundo 14
Texto disponível em <http://www.cronologiadourbanismo.ufba.br/apresentacao.php?idVerbete=1407>.
Acesso em: 18 abr. 2013. 15
Consenso de Washington foi a denominação informal das conclusões de uma reunião realizada em novembro
de 1989 na capital norte-americana, em que reuniram-se membros do governo dos EUA, FMI, Banco Mundial e
economistas latino-americanos. Estas conclusões são alguns dos principais tópicos da “cartilha neoliberal”,
receitadas pelos organismos multilaterais aos países periféricos em troca de financiamentos (recomendações
estas, porém, não utilizadas pelos países desenvolvidos). Dentre estas orientações destacam-se a busca pela
redução do papel do Estado na economia e na sociedade para a primazia do livre-mercado, a abertura comercial,
as privatizações de órgãos, serviços e empresas públicas, a desregulamentação e flexibilização das legislações
trabalhistas e a redução dos gastos públicos em áreas sociais.
43
marcado pela disputa de rumos entre capitalismo e socialismo, para uma hegemonia
capitalista sem precedentes históricos, a partir da derrocada do socialismo de tipo soviético.
Da bipolaridade mundial passou-se a disputa econômica intercapitalista entre empresas, países
e blocos regionais e a ascensão do discurso da globalização, que nada mais é do que a
mundialização do capitalismo, sob os marcos do neoliberalismo e da revolução tecnológica,
promovendo-se assim a financeirização da economia, comandada não por Estados soberanos,
mas sim por grandes oligopólios empresariais transnacionais que tornaram-se os verdadeiros
centros de tomadas de decisões, subordinando os países, principalmente os periféricos, aos
seus interesses. Os principais beneficiados pela globalização neoliberal foram as corporações
transnacionais e o capital especulativo, pois em um contexto de oligopolização da economia,
o livre-mercado fica restrito a liberdade de poucos que detém muito.
O neoliberalismo, além de possuir princípios equivocados, na prática demonstrou-se
desastroso. Suas orientações, seguidas no Brasil por governos como os de Fernando Collor de
Mello (1990-1992), Itamar Franco (1992-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002),
apontavam que os investimentos em áreas sociais eram gastos desnecessários, de forma a que
setores como saúde, educação, assistência social, sofreram graves cortes de recursos
necessários a sua manutenção. O mesmo ocorreu com as políticas de habitação, transporte e
saneamento básico, em que a omissão da ação estatal, aliado a sua subordinação ao mercado e
os interesses do capital privado, levaram ao agravamento da crise habitacional, bem como o
aumento da violência e do caos urbano em todo o País.
Exemplo de política habitacional direcionada aos interesses do capital imobiliário foi o
Plano de Ação Imediata para Habitação (PAIH), lançado pelo Governo Collor, em 1990,
plano que segundo Ribeiro (2007), previa a construção de 245 mil unidades habitacionais em
180 dias, via contratação de empreiteiras privadas, objetivo este, porém, não concretizado. A
autora destaca ainda, que neste governo, com o confisco das cadernetas de poupança, ocorreu
a estagnação na poupança e no FGTS, o que comprometeu ainda mais a política habitacional
brasileira, pois com a ausência do Estado, o acesso a terra e a moradia só ocorreram por
intermédio de sua aquisição no mercado.
Ainda, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 1993), em
relação ao descaso quanto à política de desenvolvimento urbano, em 1991, “as verbas
provenientes do Orçamento Geral da União continuaram a ser transferidas, pulverizadamente,
aos governos locais sem qualquer critério objetivo, por meio de práticas fisiológicas e
44
clientelistas” (Idem, p. 9). Já em relação ao saneamento básico, a publicação do IPEA aponta
como situação do setor, em 1991:
As estatísticas oficiais demonstram que as políticas públicas do saneamento no
Brasil têm avançado para a solução dos problemas do setor, sobretudo no segmento
da população de renda mais elevada. Entretanto, no que concerne à população de
mais baixa renda, em especial os habitantes em favelas, periferias urbanas e do meio
rural – cerca de 40% da população total do país –, os indicadores demonstram
carências agudas dos serviços. Em muitos casos, estes cidadãos sequer dispõem de
água potável, ou de serviços mínimos de esgotamento sanitário. (Idem, p. 14).
Cabe destacar ainda que segundo Botega (2007), os dados do Censo do IBGE de 1991
indicavam que no Brasil, 55,2% das famílias que compunham o déficit habitacional recebiam
até 2 salários mínimos apenas, revelando altos índices de pobreza e exclusão social.
Foi neste contexto de crise econômica e social e de ausência de políticas públicas para
a população de mais baixa renda, que foi criado em 1990, o MNLM, em nível nacional e, em
1991, em Santa Maria, a partir de demandas concretas de parcela significativa da população.
Os anos 1990 foram marcados no Brasil pela ampliação das contradições sociais e o
aprofundamento das desigualdades. De um lado, imperava o discurso do “pensamento único”
que afirmava não haverem alternativas políticas e econômicas ao neoliberalismo e ao próprio
capitalismo e, por outro, se erguiam as vozes das ruas em resistência às privatizações e em
defesa de políticas sociais aos setores mais necessitados da sociedade. Constituiu-se, assim,
um Fórum Nacional de Lutas, sendo construídas diversas greves no setor público e marchas
nacionais por Reforma Agrária e Urbana, por exemplo.
Mais especificamente em relação ao Governo FHC, alguns dados levantados por
Urrutia acerca de seus investimentos em políticas habitacionais nos mostram que, apesar deste
ter afirmado que primaria por estas na Conferência Mundial Habitat II, realizada na Turquia,
em 1996 (onde comprometeu-se a investir R$ 22 bilhões no programa “Plano de Ação
Habitacional” afim de sanar o problema de 1,3 milhões de famílias carentes), na prática, a
moradia não foi prioridade ao longo de seus governos. Assim, segundo a historiadora:
Em 1997, o governo previa apenas R$ 38 milhões para o programa de moradia
popular, e até o final de junho, apenas R$ 15 milhões haviam sido liberados. Em
1999, o governo federal não gastou nem um centavo com o programa social e de
habitação popular. Novamente, em 2000, nenhum centavo foi gasto com habitações
populares. (2002, p. 4).
Todas estas lutas e as ações articuladas pelos movimentos populares, sindicatos,
pastorais sociais e partidos de esquerda foram fundamentais na luta contra a implementação
45
do neoliberalismo no Brasil, contribuindo para que ocorresse uma mudança na conjuntura
política do País e da América Latina, com a eleição do primeiro operário como Presidente da
República, trazendo novos desafios aos movimentos sociais e a esquerda como um todo.
Neste novo cenário de 2003 em diante, logo foram desfeitas as grandes expectativas
que muitos depositaram sobre a eleição de Lula e ficaram nítidos os seus limites, pois se
“constituiu um governo de coalizão de centro-esquerda, composto por forças políticas com
interesses diferenciados e mesmo contraditórios” (SANTOS JR., 2003, p. 29), fato este que
apontou que somente com o fortalecimento da pressão popular seriam geradas as possíveis
transformações sociais colocadas nesta conjuntura.
Em termos gerais, pode-se afirmar que nos últimos anos houve uma melhora das
condições de vida da classe trabalhadora, através da política de valorização do salário
mínimo, ampliação do emprego formal, programas de transferência de renda, retomada do
papel do Estado na economia e nas áreas sociais, mas ao mesmo tempo não se tocou nas
riquezas dos poderosos, a exemplo do setor financeiro que seguiu obtendo lucros
extraordinários. Foi, principalmente, a partir do segundo mandato de Lula que ficaram mais
nítidas as tentativas de reversão do neoliberalismo e construção de um novo ciclo neo-
desenvolvimentista no País, a exemplo do lançamento do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC). Contudo, ainda assim, não foram implementadas as necessárias reformas
estruturais que o País demanda, como a Reforma Agrária e Urbana, dentre outras.
Em relação às políticas urbanas, é notório que, em comparação com os governos
anteriores, houve um maior aporte de investimentos nestas. Outro avanço foi a criação do
Ministério das Cidades, antiga pauta do FNRU, visando articular políticas urbanas entre os
diferentes níveis da federação, bem como a realização da 1ª Conferência das Cidades, a qual
resultou na criação do Conselho Nacional das Cidades, com a participação dos movimentos
populares, abrindo espaço para que outras reivindicações fossem colocadas. Porém, o fato do
Ministério das Cidades ser dirigido, desde 2005, por um partido de direita, tem limitado em
muito a implementação da agenda da Reforma Urbana no País
Neste contexto, a atuação dos movimentos sociais urbanos foi fundamental para pautar
os rumos do Governo em diversos momentos, com a realização de grandes manifestações em
Brasília e em diversas cidades, inclusive em Santa Maria, assim possibilitando que diversas
bandeiras fossem conquistadas, conforme atesta o Quadro 1:
46
PERÍODO AVANÇOS NA POLÍTICA DE HABITAÇÃO
DE INTERESSE SOCIAL
ATUAÇÃO DOS MOVIMENTOS DE
MORADIA E DE REFORMA URBANA
1985 – 1994
Nova República Sarney (1985-1989)
Collor (1990-1992 -
PRTB) Itamar (1993-1994)
- Emenda popular de Reforma Urbana (1987) e Capítulo
Política Urbana na Constituição Federal (1988).
- Formulação de Proposta de Emenda popular de Reforma
Urbana (1987)/Lobby no Congresso, Caravana à Brasília.
- 1ª Iniciativa popular de projeto de lei do Fundo Nacional
de Moradia Popular/FNMP (1991).
- Formulação da proposta e 4ª Caravana à Brasília
(1991)/Lobby no Congresso, Marcha da Reforma Urbana e
pelo Direito à Cidade, Jornadas Nacionais de Luta pela
Moradia Popular.
1995 – 2002 Governo FHC
(PSDB)
- Introdução do direito à moradia como um direito social (art. 6º) na Constituição Federal (2000).
- Formulação de Proposta de Emenda popular de Reforma Urbana (1987)/Lobby no Congresso, Caravana à Brasília.
- Aprovação do Estatuto da Cidade (2001). - Formulação de proposta/Lobby no Congresso.
2003-2010
Governo Lula (PT)
2003-2010 Governo Lula (PT)
- Criação do Ministério das Cidades (2003), das
Conferências das Cidades (2003) e do Conselho das
Cidades/ConCidades (2004).
- Participação de membros dos movimentos na Formulação
do Projeto Moradia com proposta de conferências e
conselho/ Atuação nas eleições – Plataforma da Reforma Urbana e do Direito à Cidade.
- Aprovação da Política Nacional de Habitação (2004) no
ConCidades.
- Participação no Conselho das Cidades e na formulação da
proposta do Projeto Moradia, onde foram definidas
diretrizes para PNH.
- Criação do Programa Crédito Solidário (2004), voltado
para Autogestão (Resolução 93/2004 do CCFDS).
- Atuação no Conselho das Cidades, Marcha da Reforma
Urbana e pelo Direito à Cidade (2005).
- Aprovação da Lei do Sistema e Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (2005) e sua regulamentação
através do decreto 5.796/2006.
- Formulação de proposta: primeira lei de iniciativa
popular/Lobby no Congresso, Caravanas, Marcha da Reforma Urbana e pelo Direito à Cidade (2005), Audiência
com Ministros e Presidência da República, Atuação do
FNRU na Conferência e no Conselho das Cidades (2005).
- Campanha Nacional dos Planos Diretores Participativos,
PDP‟s (2006).
- Atuação no Conselho das Cidades, nos Núcleos da
Campanha dos PDP‟s por todos os estados.
- Aprovação da Lei 11.447/2007 que estabeleceu a Política
Nacional de Saneamento Ambiental (2007).
- Atuação da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental,
em parceria com o FNRU
- Atuação no Conselho das Cidades, Lobby no Congresso,
Jornadas de Luta pela Reforma Urbana, Audiências com
Ministro das Cidades, com a Secretaria Geral da
Presidência (SGP).
- Aprovação da Lei 11.578/2007 que incluiu o acesso de
entidades sem fins lucrativos (cooperativas e associações
autogestionárias) aos recursos do FNHIS.
- Atuação no Conselho das Cidades.
Marchas, Jornadas, Audiências com Ministros, Casa Civil e
SGP.
- PAC Urbanização de Assentamentos Precários (2007). - Atuação no Conselho das Cidades.
- Ação de Apoio à Produção Social da Moradia (2008). - Atuação no Conselho das Cidades, Jornada da Reforma
Urbana e pelo Direito à Cidade.
- Plano Nacional de Habitação/PLANHAB (2008). - Atuação no Conselho das Cidades, participação nos
seminários do PLANHAB.
- Aprovação da Lei 11.888/2008 que assegura às famílias
de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social
(2008).
- Lobby no Congresso, atuação no Conselho das Cidades.
- Aprovação da Lei 11.977/09 que cria o Programa Minha
Casa Minha Vida e simplifica os processos de regularização
fundiária de interesse social (2009).
- Atuação no Conselho das Cidades.
- Programa Minha Casa Minha Vida Entidades (2009). - Atuação no Conselho das Cidades, Audiências com
Ministros, SGP e Casa Civil.
2011 – Atual Governo Dilma (PT)
- Programa Minha Casa Minha Vida Entidades 2, previsto
na Lei 12.424/2011, que altera a lei 11.977/09 (2011) - Atuação no Conselho das Cidades, audiências com SGP.
- Aprovação da Lei 12.587 que institui a Política Nacional
de Mobilidade Urbana (2012) - Atuação no Conselho das Cidades e no Congresso.
Quadro 1: Avanços da Política Habitacional e Urbana x Atuação dos Movimentos de Moradia e Reforma Urbana
Fonte: FERREIRA (2012, p. 8).
47
Desta maneira, percebe-se uma inflexão progressista em relação aos governos
anteriores, tanto no sentido da ampliação dos recursos destinados às políticas urbanas e de
habitação, como no sentido de gerar uma maior participação popular nos processos de
construção de políticas públicas, ainda que com muitos limites, podemos concordar com
Ferreira quando esta afirma que “desde o governo Lula, podemos dizer que o Estado volta a
ter um papel central na promoção do desenvolvimento urbano, em oposição às políticas
neoliberais da década de 90” (FERREIRA, 2012, p. 7).
Entretanto, apesar deste conjunto de leis e medidas, é fato que ainda ocorre uma
debilidade enorme no sentido da implementação concreta destas novas legislações e dos
instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto das Cidades.
Outro problema colocado é a priorização da implementação das principais medidas,
como o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), através do financiamento de empresas
e construtoras, e o fato deste ser pouco integrado às demais políticas urbanas e com o Sistema
Nacional de Habitação de Interesse Social e o Plano Nacional de Habitação, tendo sido uma
medida voltada mais para reaquecer a economia no contexto da crise econômica mundial
estourada em 2008. Ferreira explica que foi somente através da pressão dos movimentos
populares que foi aprovada em 2009 a modalidade PMCMV-Entidades para construção
autogestionada de moradias via associações e cooperativas, porém, frente às regras e a lógica
de mercado colocada nesta modalidade do Programa (basicamente as mesmas de um
financiamento para um empreendimento imobiliário qualquer), dificulta-se ou se inviabiliza
que os movimentos possam elaborar projetos em diversos municípios do País.
Além disto, há na atual conjuntura a problemática dos mega-eventos (Copa do Mundo,
Olímpiadas), que vêm ampliando as contradições e os conflitos urbanos, havendo de um lado,
o poder estatal utilizando de políticas de higienização social e remoções de comunidades, e de
outro, a população e os movimentos populares procurando resistir a esta investida da
especulação imobiliária. O MNLM tem feito campanhas e lutas de resistência a este processo,
principalmente nas capitais, nas quais este está se dando com mais força, a exemplo da
campanha “A Copa do Mundo é aqui, e nós para onde vamos?” em Porto Alegre.
As grandes manifestações ocorridas em meados de 2013, apontam o esgotamento do
atual modelo de urbanização, e colocam o desafio não apenas da necessidade de mais
investimentos públicos nas cidades, mas sim da construção de uma verdadeira e democrática
Reforma Urbana, que construa um modelo de urbanização para além do capital e
crescentemente integrada à natureza.
48
2 – SANTA MARIA, CIDADE DAS OCUPAÇÕES
“Quando morar é um privilégio, ocupar é um direito”
MNLM
Santa Maria é uma cidade com forte vocação urbana e que não foge à regra geral do
conjunto do País, sendo historicamente marcada por fortes disparidades sociais, expressas,
também, espacialmente na forma da segregação urbana. Desde sua fundação, até a atualidade,
esta passou por um intenso crescimento urbano e populacional, de forma a ser, atualmente, a
quinta cidade gaúcha em população.
Ao longo de seus 155 anos, Santa Maria acumulou uma série de problemas urbanos e
de habitação, que afetam principalmente a população local, tornando-se uma cidade marcada
por uma intensa segregação social, visível não apenas na contradição centro-periferia, mas
também presente no próprio “calçadão” da cidade. Através deste capítulo, buscaremos
compreender como isto se fez realidade, analisando o histórico de formação urbana do
Município.
2.1 Santa Maria: o Acampamento que Virou Cidade
O território onde hoje fica Santa Maria não era um vazio ou uma terra de ninguém,
sendo originariamente ocupada pelos povos indígenas Tapes (mais ao Norte) e Minuanos (ao
Sul). Desde o Tratado de Tordesilhas (1494), em tese esta área pertenceria à Coroa Espanhola,
porém a primeira presença ibérica espanhola na Região se deu com a criação da Redução
Jesuítica de São Cosme e São Damião, em 1634, pelo jesuíta Adriano Formoso, chegando a
aglutinar 1200 famílias, e que teve de ser abandonada e transmigrada poucos anos depois,
entre 1638-39, dado o avanço dos bandeirantes portugueses que destruíam as reduções da
Região do Tape em busca da escravização dos índios (PADOIN, 1992; SANTOS, 2010).
No entanto, as constantes disputas pelo atual território sul-rio-grandense e uruguaio
entre as coroas portuguesa e espanhola, no período colonial, tiveram como consequência o
extermínio de quase todos estes povos nativos, assim como a própria instalação de povoados
que, posteriormente, tornaram-se cidades, como é o caso de Santa Maria, criada para
assegurar o domínio do território aos portugueses. Situada em uma posição estratégica ao Sul
49
do Continente, Scherer aponta que Santa Maria “possui importância histórica dentre as
primeiras cidades construídas em função das necessidades da metrópole” (2008, p. 27).
Por sua vez, os remanescentes indígenas, ainda hoje, seguem lutando pela sua
sobrevivência física e cultural, por terra, direitos e contra o preconceito e a invisibilidade. Nas
proximidades da rodoviária, há mais de uma década está estabelecida em área tradicional e
lutando pela sua demarcação, a Aldeia Kaingang “Ketyjug Tegtu”, resistindo as tentativas de
reintegração de posse da área perpetradas pelos proprietários da mesma – que não cumpria
com sua função social, possuindo diversas irregularidades e uma dívida milionária com o
Município. Os Guarani Mbiá, por sua vez, após sobreviverem durante três décadas acampados
em condições precárias às margens da BR 392, no Arenal, em 2012 conquistaram uma área de
77 ha próxima ao Distrito Industrial, originando assim a Aldeia “Tekoa Guaviraty”, mantendo
também a luta por uma área definitiva nas proximidades do rio Ibicuy.
A posição estratégica e os constantes conflitos entre as Coroas, que geraram o vai-e-
vem das fronteiras, fizeram com que o princípio da Colonização Ibérica deste território tenha
se dado, além da redução jesuítica no século XVII, através de acampamentos militares no
século XVIII, quando se estabeleceu a Guarda Portuguesa de São Pedro, conforme descreve
Prado:
No ano de 1777, após ter sido assinado o Tratado de Santo Ildefonso, pelo qual a
Espanha cede os sete povos das missões à Portugal em troca da Colônia de
Sacramento, inicia-se em 1784 o processo de demarcação dos limites entre o
território que pertencia a Espanha e o que pertencia a Portugal, sendo que esta linha
divisória passava por Santa Maria. Esses limites foram traçados por uma Comissão
Demarcadora de Limites da América Meridional chefiada pelo Brigadeiro Sebastião
Xavier da Veiga Cabral da Câmara que permaneceu acampado no Arroio dos
Ferreiros, hoje Passo da Ferreira, durante dez anos. Dois anos depois esta comissão
se divide, sendo que uma parte em direção às Missões Orientais e a outra continua
no acampamento. Um ano após esta data o Capitão José Saldanha acampa-se às
margens do Arroio Santa Maria, hoje Passo da Areia. (2010, p. 53).
Em 1797, no Rincão de Santa Maria, se estabeleceu o acampamento militar que gerou
o efetivo povoamento do local, quando a Segunda Subdivisão da Comissão Demarcadora de
Limites se retirou das Missões (ante ao agravamento das tensões entre portugueses e
espanhóis) e se instalou em uma colina, nas terras da sesmaria16
que o tenente Jerônimo de
Almeida cedeu ao Padre Ambrósio José de Freitas, no local que hoje é a Praça Saldanha
16
Além da ocupação militar, a Coroa portuguesa utilizava como táticas de ocupação para povoamento do
território e demarcação das fronteiras, a distribuição de sesmarias (150 quadras: 13.068 hectares) e datas (272
ha), bem como a distribuição de cargos e títulos aos estancieiros, conferindo poder e autoridade local a estes,
desde que se mantivessem fiéis aos interesses da Coroa, práticas estas que se mantiveram no Império.
50
Marinho. O Acampamento de Santa Maria da Boca do Monte, como ficou conhecido, era
formado por militares e seus familiares, escravos, trabalhadores e índios, recebendo o
incremento de 50 famílias de guaranis missioneiros, no início do século XIX, bem como de
comerciantes ao longo dos anos. Ainda segundo a geógrafa,
Ao instalar este acampamento os militares começaram um trabalho das construções
das primeiras casas e principalmente o de abertura de estradas que hoje são as
principais vias de circulação de Santa Maria: a atual Dr. Bozzano, primeiramente
intitulada Rua Pacífica e a atual Rua do Acampamento, originalmente nomeada de
Rua São Paulo. A partir deste momento a paisagem começa a sofrer constantes
transformações, como por exemplo, a construção de um escritório, de uma capela,
bem como de um quartel que abriga os militares. (PRADO, op. cit.).
Com o passar dos anos, a população foi aumentando, e de acampamento, Santa Maria
da Boca do Monte (que em 1801 torna-se a sede do Distrito de Vacacaí, pertencente à
Cachoeira) foi elevada ao título de Oratório, em 1804; Capela, em 1810; Capela Curada, em
1812 e sede do 4º Distrito de Cachoeira, após sua emancipação, em 1819. Em 1828, chegou
ao local um Batalhão de Estrangeiros, contratados para lutar na Guerra Cisplatina (que
resultou na Independência do Uruguai), composto, principalmente, por alemães, dos quais
muitos, após o término do conflito, se estabeleceram em Santa Maria, como trabalhadores e
comerciantes.
Em 1837, durante a Guerra Farroupilha, o Curato tornou-se Freguesia de Santa Maria
da Boca do Monte, vindo, duas décadas depois, a tornar-se Vila, em dezembro de 1857,
emancipando-se política e administrativamente de Cachoeira, de forma que, em 17 de maio de
1858, foi instalado o Município, com a inauguração da Câmara Municipal. Nesse momento, a
população total da Vila de Santa Maria da Boca do Monte, era de aproximadamente cinco mil
habitantes, sendo que a economia local era baseada, principalmente, na produção agrícola,
pastoril e no comércio, facilitado pela posição geográfica centralizada da Vila, que já possuía
um sólido núcleo urbano, cuja primeira planta foi elaborada em 1861 e aprovada em 1865,
demarcando os quarteirões e terrenos, os quais foram cedidos a quem os edificasse em um
ano.
Tudo isto facilitou para que, em 6 de abril de 1876, através de Lei Provincial, a Vila
fosse elevada à categoria de Cidade: Santa Maria da Boca do Monte. Na Figura 1, podemos
conferir a localização do espaço urbano de Santa Maria, e desta no território brasileiro. Prado
destaca que a partir de então Santa Maria “começa a se beneficiar com uma serie de serviços e
infra-estrutura, dentre eles se destaca a chegada do telegrafo e a inauguração da linha férrea,
51
em 1885, que ligava Santa Maria à Cachoeira do Sul, trecho que, mais tarde, ligava a Porto
Alegre” (2010, p. 54).
Além disto, a chegada da iluminação a querosene (1881) e da luz elétrica (1898),
correios, telefones, pavimentação de diversas ruas, foram fatores que estimularam a vinda de
mais pessoas para Santa Maria (PINHEIRO, 2002) – além dos colonos italianos, os quais, a
partir de 1877, estabeleceram colônias no território santa-mariense e região.
Figura 1 – Mapa de localização da área urbana do município de Santa Maria
Fonte: MELARA, 2008, p. 18.
Com a chegada da ferrovia, símbolo de progresso17
, modernidade e integração ao
nascente modo de produção capitalista no Brasil, deu-se a consolidação de Santa Maria
enquanto um importante centro ferroviário, geopolítico-militar e entreposto comercial
regional, gerando transformações sociais e espaciais com um forte impulso ao processo de
crescimento e urbanização da cidade, especialmente no sentido Leste-Oeste.
Em fins do século XIX, 69% da população santa-mariense era rural, tendência esta que
foi se invertendo ao longo do século XX, ao se inaugurar uma nova divisão social do trabalho
com a ferrovia, assim como todo um conjunto de demandas urbanas (DEGRANDI, 2012, p.
134).
Conforme destaca Padoin, o comércio foi bastante impulsionado com a
implementação da ferrovia, ampliando consideravelmente a renda do município.
17
A própria Rua Rafael Pinto Bandeira foi urbanizada, “embelezada” e renomeada na época para Avenida do
Progresso (atual Avenida Rio Branco), ao longo da qual foram abertos diversos hotéis, restaurantes, lojas e
estabelecimentos comerciais aos viajantes em passagem pela cidade. Para melhor conhecer essa história assista
ao documentário da TV OVO chamado Avenida Progresso em:
<http://www.youtube.com/watch?v=EZjwSWg_faw>.
52
Com a Estrada de Ferro se deu um maior dinamismo econômico ao Município,
havendo uma abertura de uma rede hoteleira em Santa Maria, bem como o aumento
das atividades econômicas, com abertura de entrepostos comerciais e de grandes
depósitos de produtos agrícolas e pastoris. (1992, p. 19).18
Tal desenvolvimento do comércio, bem como da indústria de pequeno porte (em
especial nos ramos alimentícios e de bebidas), levou a associação da categoria empresarial-
comercial local. Assim, segundo a historiadora,
No dia 29 de julho de 1897, em uma reunião no Teatro Treze de Maio com mais de
50 cidadãos, foi fundada a “Praça do Comércio” de Santa Maria. Com o passar dos
anos, essa entidade sofreu mudanças em sua nomenclatura: em 6 de julho de 1918,
para melhor expressar o “espírito associativo”, a “Praça do Comércio” passou a
chamar-se Associação Comercial de Santa Maria. Em 1976, a Associação fundiu-se
com a União dos Caixeiros Varejistas, surgindo a atual Câmara de Comércio e
Indústria de Santa Maria (CACISM). (Ibid., p. 21-22).
Aos trabalhadores da Companhia Auxiliar de Caminhos de Ferro do Brasil
(Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brèsil), empresa privada belga que transferiu
sua sede para Santa Maria, em 1905, foi construída a Vila Belga no início do século XX,
composta por 80 residências, a exemplo das vilas operárias construídas pelos industriais nesse
período em diversas cidades brasileiras, ainda que não fosse totalmente isolada do conjunto da
cidade. Além da Vila Belga, os trabalhadores da Viação Férrea residiam em diversos locais da
cidade, porém alguns bairros foram formados, principalmente, por operários ferroviários,
como o Bairro Itararé19
, Chácara das Flores e o Bairro Km 3, no qual, por muitas décadas,
funcionaram as oficinas da Viação Férrea. Estes espaços, ao longo da chamada mancha
ferroviária, foram fundamentais para o fomento do associativismo e a construção do
Movimento Operário na cidade, seja enquanto ambiente de sociabilidade, seja enquanto
espaço de organização.
Com a substituição da escravidão pelo trabalho assalariado, parcela considerável dos
trabalhadores da Viação Férrea era negra, estes foram protagonistas da criação do que Flôres
apud Escobar apontou como a “primeira entidade genuinamente erigida por ferroviários na
cidade de Santa Maria” (2010, p. 75): a Sociedade/Clube Treze de Maio, fundado em 1903
por ferroviários negros, uma vez que as pessoas de pele negra eram impedidas de entrar nos
18
Para um estudo mais detalhado sobre a História do comércio em Santa Maria e de seus empresários
comerciais, bem como sua organização e ideologia, conferir a dissertação de Padoin (1992), disponível em:
<http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/handle/1884/24640/D%20-
%20PADOIN,%20MARIA%20MEDIANEIRA.pdf?sequence=1>. 19
Para mais informações sobre a História do Bairro Itararé, assista o documentário da TV OVO, Trilhos do
Itararé, disponível em: <www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=gIjADY7jbXU#!>.
53
clubes sociais20
tradicionais, contribuindo assim para estabelecer uma rede apoio mútuo entre
a comunidade negra, bem como a afirmação de sua identidade.
Escobar (2010) aponta que o primeiro Clube Social Negro santa-mariense foi o Clube
Sociedade União Familiar, fundando em 1896, não por ferroviários, mas por trabalhadores
negros de renda mais baixa, se localizando próximo a Vila Operária Brasil, na Rua Barão do
Triunfo. Além da Sociedade Treze de Maio, em Santa Maria, também, existiram o Clube Elite
e o Renascença, os quais, porém, não sobreviveram ao tempo. Os Clubes Sociais Negros
existiram por todo o País, pois, para Escobar
Eles surgiram como um contraponto à ordem social vigente, além de constituírem
um local de sociabilidade e de lazer para a população negra, que era impedida de
frequentar os tradicionais “clubes sociais brancos”. Além disso, tinham como
objetivo angariar fundos para o pagamento da liberdade dos trabalhadores negros
escravizados, auxiliar nas despesas com funeral, defesa de direitos e na educação de
seus associados, atuando de forma incisiva na luta contra a escravidão e a
discriminação racial. (2010, p. 57-58).
A sede do “Treze”21
foi construída em 1911, bem como ampliada e reformada
posteriormente, em regime de mutirão, sendo localizada na Rua 24 de Maio (atual Silva
Jardim), no Bairro Rosário22
, inicialmente construído por famílias de escravos ainda no
período da Guerra Farroupilha (1835-45) e que constituiu, por muitas décadas, parte da
periferia da cidade.
Evidencia-se, desta forma, que as marcas da segregação social e racial sempre se
fizeram presentes na História de Santa Maria, relegando ao povo negro os espaços periféricos
e mais distantes das áreas centrais, de forma a que este, além de sofrer o estigma do racismo,
seja tachado de “vileiro”, etc., não conseguindo emprego por estas situações, logo passando a
ser um “vagabundo”, Assim, o sujeito é culpabilizado pela sua condição social, numa
perversa soma de preconceitos que associa cor da pele, situação de pobreza, falta de emprego,
escolaridade e moradia, o que, na prática, contribuem para a manutenção desta condição,
20
Naquela época, não existiam boates ou casas de festas similares, onde se paga ingresso para frequentar. Assim,
os principais espaços de sociabilidade eram os clubes sociais. 21
Em 1946, a Sociedade Treze de Maio passou a chamar-se Sociedade Recreativa Ferroviária Treze de Maio,
enquanto que, em 1965, será denominada Sociedade Cultural Ferroviária Treze de Maio, no mesmo momento
em que a Rua 24 de Maio passou a chamar-se Silva Jardim, passando a admitir presidentes não ferroviários.
Atualmente é o Museu Comunitário Treze de Maio. Para mais informações, acesse o blog
http://museutrezedemaio.blogspot.com.br e assista ao vídeo Minuto museu em
<http://www.youtube.com/watch?v=2hGD3fw5DLA>. 22
Para mais informações sobre a História do Bairro Rosário, assista ao documentário produzido pela TV OVO
“Qu4tro Mistérios do Rosário”, disponível em
<http://www.youtube.com/watch?v=LuF043AYmM8&list=UUf03hV6gYVPH6I2Gypa_qUA&index=4>.
54
sendo, portanto, algo funcional a um modo de produção baseado na exploração da maioria
para o benefício de uma pequena parcela da sociedade.
Retomando a questão dos bairros e vilas operárias, estes espaços de convivência e
moradia, junto aos de trabalho, foram muito importantes para a organização da classe operária
em Santa Maria, a qual teve nos trabalhadores ferroviários uma de suas principais categorias
no início do século XX. Apesar dos ferroviários serem vistos como uma categoria bastante
afinada com os poderes do Estado e o trabalhismo, estes possuíram uma forte tradição
grevista, mantendo militância mais à esquerda, sendo que, a partir destes locais, os operários,
apoiados por seus familiares e por diversos setores da sociedade, construíram várias greves
por reajustes salariais e melhores condições de trabalho.
Como exemplos de movimentos paredistas ferroviários (que geralmente iniciavam em
Santa Maria e se espraiavam por diversas cidades), podemos citar a greve de 1906, tendo
dentre suas conquistas a criação do Economat (sistema de armazéns mantido pela companhia
belga, com intuito de abastecimento de gêneros a preços reduzidos aos seus trabalhadores,
departamento este que funcionou até 1911, quando a Brazil Raiway assumiu a administração
da ferrovia23
e o repassou a um comerciante local, fato que indignou os trabalhadores);
Degrandi (2012), baseado em Hillig (2005), aponta que, entre 1911 e 1919 (período que a
Brazil Railway administrou a ferrovia), ocorreram 9 greves ferroviárias (6 locais e 3 gerais).
Já Jobim (2010), aponta que estas ocorreram apenas em 1911, 1917 e 1919, destacando-se
neste período a criação da Cooperativa de Consumo dos Empregados da VFRGS
(COOPFER)24
, em 1913, que chegou a tornar-se a maior cooperativa de consumo da América
do Sul. Além disso, nesse período, ocorrem as das duas greves ferroviárias de 1917, as quais,
em um efervescente contexto externo e nacional (greves gerais nas principais cidades do País)
e diante da alta precariedade no ambiente de trabalho, levaram os trabalhadores a paralisarem
não só o trabalho, mas toda a ferrovia, com depredações de vagões, retirada dos trilhos,
23
Segundo Degrandi (2012, p. 129), de 1885 até hoje, o comando das linhas de Santa Maria da ferrovia passou
por sete jurisdições: da União (1885-1898), da empresa belga Auxiliaire (1898-1911), da norte-americana Brazil
Railway Company (1911-1919), retorna a Auxiliaire (1919-1920), Governo Estadual: Viação Férrea do Rio
Grande do Sul (VFRGS – 1920-1959), Governo Federal: Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA – 1959-1996) e
América Latina Logística (ALL – a partir de 1997). 24
Padoin (1992) e Degrandi (2012) apontam que a COOPFER sucedeu o Economat e diversificou seus serviços,
estendendo-os por toda linha férrea. Em seu auge nos anos 50 chegou a possuir 20.752 associados, armazéns em
17 núcleos ferroviários, farmácias em 15, seções industriais de torrefação e moagem de café, fábrica de sabão, de
massas, de bolachas, açougue, matadouro, lenharia, padaria, confeitaria, tipografia, marcenaria, fundição, oficina
mecânica e de eletricidade, estofaria, fábricas de confecções. Na área da saúde a COOPFER criou a Casa de
Saúde, e na área educacional, além de convênios com diversas instituições em várias cidades, criou em 1922 a
Escola de Artes e Ofícios, posterior Ginásio Industrial Hugo Taylor (atual prédio do supermercado Carrefour),
Escola Santa Terezinha (1930), atual Colégio Estadual Manoel Ribas (Maneco), Escola Ruy Barbosa em Santa
Maria, Escolas Turmeiras e volantes ao longo das linhas, Clubes Agrícolas, etc.
55
explosões e incêndios de pontes, e, mesmo assim, sob forte repressão do Exército, a greve foi
vitoriosa, com a conquista de aumento salarial, a jornada diária de 8 horas e a demissão do Dr.
Cartwright (diretor da Viação Férrea), dentre outros pautas, tendo contribuído para a
estatização da ferrovia, em 1920. Em decorrência, as greves foram recursos de lutas utilizados
pelos ferroviários em diversos momentos, posteriormente, como em 1919, em 1936 (pelo
pagamento da gratificação proposta pelo Governo, em 1934, pela repartição de 30% dos
lucros anuais da VFRGS, pela jornada de 8 horas e por reajuste salarial), em 1945, 1951,
1952, 1954, a qual, de 5 mil ferroviários paralisou 4 mil, estendendo-se por diversas
cidades25
.
Ao mesmo tempo em que Santa Maria definiu-se enquanto centro ferroviário estadual,
isto impulsionou às Forças Armadas (Exército e Aeronáutica), se consolidando neste espaço
estratégico, reafirmando e potencializando a tradição militar que acompanha a cidade desde
sua fundação, de forma que esta tenha participado de diversos conflitos externos nos quais o
Brasil se envolveu, como a Guerra do Paraguai (1864-70), ou internos, como a Guerra do
Contestado (1912-16), além de promoverem o massacre na Greve de 1917 em Santa Maria.
Tudo isso fez com que hoje Santa Maria sediasse o segundo maior contingente militar do
País, por meio da implantação no decorrer das décadas, de quartéis e de colégios e hospitais
militares, seja pela instalação do Parque da Aviação Militar, em 1922, bem como do
aeródromo, em 1940, precursores da Base Área de Santa Maria (BASM), em 1970. Dessa
forma, pode-se afirmar que as Forças Armadas e suas atuais vinte subunidades espalhadas
pela cidade, influenciaram muito o crescimento urbano de Santa Maria26
, levando a criação de
novos bairros e vilas, bem como de ocupações irregulares e vazios urbanos.
Outro elemento importante relacionado à existência da ferrovia em Santa Maria foi o
fato de que, apesar de esta ser um elemento na esfera da circulação do capital, não
transportando apenas bens e mercadorias, mas, também, pessoas, com estas, toda uma gama
de informações, ideias e culturas diversas foram proporcionadas. Isto propiciou à Santa Maria
a existência de um ambiente político e cultural muito rico ao longo dos dois últimos séculos,
de forma a que as principais correntes ideológicas existentes no País, também, atuassem nesta
cidade, bem como os principais eventos que marcaram a política brasileira, repercutissem
entre seus cidadãos.
25
Para um estudo mais aprofundado sobre as greves ferroviárias em Santa Maria, ver os trabalhos de JOBIM
(2008, 2010, 2011) e CIGNACHI (2010). 26
Para uma análise mais específica sobre a relação entre as Forças Armadas e a urbanização santa-mariense, ver
a Dissertação de MACHADO (2008) – “A presença do Exército e da Aeronáutica na organização espacial Santa
Maria – RS”.
56
Ao passo em que a presença da ferrovia e das Forças Armadas contribuiu para o
fortalecimento das funções comerciais da cidade, elevando-a ao título de “capital regional”,
esta, também, constituiu-se enquanto um importante centro de drenagem da renda fundiária
local do campo para a cidade, devido aos proprietários rurais que, mesmo mantendo suas
fazendas, optaram por estabelecer moradia na cidade, transferindo parcela de sua renda e
abrindo negócios. A presença destes proprietários rurais citadinos ou absenteístas interferiu na
formação urbana de Santa Maria, bem como na definição de suas funções. Degrandi (2012)
baseado em Lílian Rocha (1993), aponta que
A hegemonia do capital fundiário do campo transformou-se em hegemonia do
capital fundiário urbano, exercida em diferentes atividades urbanas (comércio,
profissões liberais, indústria, política, etc.). Ao referir-se a estes múltiplos papéis
urbanos que os proprietários rurais passaram a representar, a autora (1993, p. 141)
afirma que, ao segrega-los para si, “passam a „representar‟ os interesses urbanos,
contudo, é dessa forma que preservam os seus interesses. (2012, p. 166).
Ademais, cabe destacar que a concentração das famílias dos proprietários rurais
citadinos manteve predominância espacial no centro e nos bairros imediatamente próximos a
ele, praticamente não se fazendo presente nos demais bairros (ROCHA, 1993, apud
SCHERER, 2008, p. 30). Isto, também, contribuiu para o fato que Pinheiro (2002, p. 30)
apontou, de que foi justamente nesta área central, que coincide com seu ponto de origem e se
tornou o principal centro comercial da cidade, no qual, historicamente, concentraram-se os
maiores investimentos em infraestrutura e valorização do espaço urbano ao longo do tempo.
Além da ferrovia e das Forças Armadas, que contribuíram para que Santa Maria se
firmasse tanto enquanto um lugar de passagem, como um polo de atração da população
regional, em grande parte proveniente do chamado êxodo rural, ou, concretamente, pela
expulsão do campo, os serviços educacionais existentes na cidade, também, reafirmaram estas
características. Possuindo um grande número de escolas da rede municipal, estadual e
particular, desde 1939, Santa Maria sedia a 8ª Delegacia de Educação do Rio Grande do Sul27
,
sendo que, já nos anos 1950 possuía o título de “Metrópole Escolar do Rio Grande do Sul”
(PADOIN, 1992, p. 28). Esta função educacional foi fortalecida com a criação da
Universidade de Santa Maria (USM), em 1960.
A criação de uma universidade pública em Santa Maria foi resultado não apenas da
agregação de escolas superiores pré-existentes na cidade, mas sim de uma série de
articulações políticas em nível estadual e nacional, criando as condições para que isto
27
Atual 8ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE).
57
acontecesse, movimentações estas promovidas pela Associação Santa-Mariense Pró-Ensino
Superior28
(ASPES), entidade criada em 1948, visando a incorporação da Faculdade de
Farmácia de Santa Maria (FFSM), faculdade privada, criada em 1931, à Universidade de
Porto Alegre, cuja direção se opunha a esta ideia.
A anexação foi garantida por meio de articulações da ASPES com políticos e outras
faculdades gaúchas, levando a transformação da UPA em Universidade do Rio Grande do Sul
(URGS), estabelecida na Constituição Estadual de 1947. A incorporação se deu de fato em
dezembro de 1948, através de projeto de lei da Assembleia Legislativa e assinado pelo
governador, levando a renúncia do reitor e de todo Conselho Universitário da UPA. Isto abriu
espaço para a criação da Faculdade de Medicina de Santa Maria, em 1954, a fim de absorver
os candidatos excedentes aprovados no vestibular de medicina da URGS.
Ao longo dos anos 1950, a ASPES, também, atuou no sentido de apoiar a criação de
outras faculdades em Santa Maria, as quais, posteriormente, compuseram os primeiros cursos
da USM. Em meados de 1960, iniciou-se a construção do Centro Politécnico de Santa Maria
em área recebida por doação no então Distrito de Camobi, o embrião que logo em seguida se
tornou o campus da USM, criada em dezembro de 1960, por lei sancionada pelo presidente
Juscelino Kubitschek, em seguida renomeada para Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM), em 1965, avançando assim, na tão almejada descentralização do Ensino Superior no
Brasil.
A implementação da UFSM, a partir dos anos 1960, marcou um novo processo de
atração populacional (fixa e flutuante) para a cidade, reforçando suas funções educacionais e
de serviços urbanos. Ao mesmo tempo, possibilitou o avanço da especulação imobiliária e
acarretou na aceleração da urbanização de Camobi, gerando uma forte valorização das áreas
adjacentes à universidade, e dos vazios urbanos entre esta e o centro da cidade, situação
melhor explicada por Degrandi:
No caso da UFSM, a implantação de seu campus em área ainda de produção rural e
de baixo valor imobiliário, oportunizou expressiva valorização dos imóveis de seu
entorno, a começar pela gleba da qual foram desmembrados e doados os hectares
que possibilitaram o início das obras. Na verdade, tal doação disfarçou um negócio,
que rendeu a seus proprietários grandes empreendimentos imobiliários, nas áreas
restantes. A consolidação do campus, ao precipitar a conurbação de Camobi com a
cidade, terminou por estender a valorização imobiliária para além do seu entorno,
beneficiando outros proprietários. (2012, p. 272).
28
A ASPES continuou atuando após a criação da UFSM, sendo que, posteriormente, teve seu nome alterado para
Fundação Educacional para o Desenvolvimento e o Aperfeiçoamento do Ensino (FUNDAE).
58
Além disto, para Botega, a criação da UFSM assinalou o princípio de um novo ciclo
de dinamização da economia local, ao passo em que a ferrovia iniciava a dar sinais de
decadência, em função da priorização do modelo rodoviário de transportes no País. Para este
autor
Ao longo de sua história, Santa Maria, teve dois grandes agentes dinamizadores de
sua economia, o primeiro foi a Rede Ferroviária, inaugurada em 1885, o segundo foi
a Universidade Federal de Santa Maria, inaugurada em 1960. A partir destes agentes
dinamizadores a cidade foi ganhando vida e a sua estrutura econômica e social foi
sendo moldada. Uma estrutura baseada majoritariamente no setor terciário
(comércio e prestação de serviços) ancorado no poder aquisitivo dos funcionários
públicos das mais variadas esferas (civis, militares, federal, estadual, municipal).
(2010, p. 86).
Estes fatores, que contribuíram para que Santa Maria se consolidasse enquanto um dos
mais importantes municípios do estado e recebesse diversos cognomes ao longo de sua
História, tais como “cidade militar”, “cidade ferroviária” e “cidade universitária”, fomentaram
o desenvolvimento do setor terciário e de uma classe média local, representada,
principalmente, pelos servidores públicos civis e militares.
Em sua tese, Degrandi (2012) observa estes processos e destaca a questão do histórico
comando de forças externas sobre Santa Maria, pois os seus usos principais (militar,
ferroviário, educacional e comercial29
), levaram a que seu desenvolvimento tenha sido
promovido, principalmente, “de fora, de longe e de cima”, através da instalação de entidades
federais, o que aliado ao fato de ser marcada como uma cidade de passagem, tornou-a muito
dependente de transferências de rendas (intergovernamentais e privadas). Além disto, o autor
aborda outros condicionantes gerados por estes entes federais, tais como o comando sobre
grande parte da oferta de emprego e das finanças do município e a própria seletividade e
fragmentação espacial do território gerado por estas áreas federais, espécies de “territórios
superpostos” ao do município – que não possui poder de gestão sobre estes –, ocorrendo a
valorização e a marginalização imobiliária de diversos locais em decorrência destas
instituições, a exemplo da valorização imobiliária de Camobi com a instalação do campus da
UFSM e da BASM, e da desvalorização e marginalização dos bairros ferroviários e do
entorno da Viação Férrea, a partir de sua decadência e privatização.
No entanto, este modelo de desenvolvimento não deu conta de garantir emprego, renda
e inclusão social para amplas parcelas da população local e migrante, oriunda do processo de
29
Na atualidade, inclusive o setor terciário é cada vez mais dirigido por forças externas, com a emergência de
redes comerciais regionais, nacionais e internacionais atuando na cidade nas últimas décadas.
59
expulsão rural estimulado pela implementação da Revolução Verde (apoiada por diversas
ações da UFSM, diga-se de passagem), bem como provenientes de outras cidades gaúchas,
pessoas estas que foram para Santa Maria em busca de emprego e melhores condições de
vida. A dimensão deste processo pode ser observada analisando a Tabela 2, destacando-se o
acelerado crescimento populacional que a cidade teve desde a década de 1950, resultando em
um desenvolvimento urbano desordenado e fortemente segregado.
Tabela 2 – Crescimento da população total, urbana e rural de Santa Maria entre 1940-2012
Ano População Total População Urbana População Rural
1940 75.596 41.688 – 55,40% 33.692 – 44,60%
1950 83.001 47.904 – 57,71% 33.097 – 42,29%
1960 120.971 85.014 – 70,27% 35.957 – 29,73%
1970 156.929 124.288 – 79,20% 32.641 – 20,80%
1980 181.685 154.619 – 85,10% 27.066 – 14,90%
1991 217.584 196.347 – 90,24% 25.237 – 9,76%
2000 243.392 230.464 – 94,69% 12.928 – 5,3%
2010 261.031 248.347 – 95,10% 12.684 – 4,9%
2012 263.662 - -
Fonte: Adaptado a partir de Figueiredo, 2010; Censo Demográfico 2010, IBGE e Estimativa da população
residente nos municípios brasileiros 2012, IBGE.
Comparando os dados da Tabela 2 com os da Tabela 1, podemos perceber que, em
relação ao conjunto do País, Santa Maria, já na década de 1940, atingiu um grau de
urbanização mais acentuado que a média nacional, índice este que o Brasil só alcançou nos
anos 1970. Os dados apontam, também, que, em um período de apenas sete décadas, a
população urbana de Santa Maria praticamente sextuplicou, ao passo que a população rural
reduziu-se progressivamente, quase 90% no período, observado tanto devido as migrações
campo-cidade, como pela emancipação de distritos. Analisando estes dados, Figueiredo e
Viero apontam que
O crescimento populacional está atrelado, por um lado, ao crescimento vegetativo, e,
por outro, aos movimentos migratórios, que se intensificaram, principalmente, a
partir da década de 60. Foi este crescimento populacional que provocou o processo
de expansão das áreas urbanizadas, especialmente em direção ao leste, em
decorrência da instalação da UFSM (1960) e da Base Aérea (1970) e, em direção ao
oeste, em função da criação do Distrito Industrial (1975). (FIGUEIREDO, 2001, p.
55 apud 2010, p. 126).
Neste sentido, podemos afirmar que a histórica vocação urbana de Santa Maria fez
com que esta se tornasse um pólo de atração de famílias do interior do estado em processo de
60
migração. O salto demográfico observado na cidade nas últimas décadas não se distribuiu de
forma planejada pelo território, mas sim de forma desordenada e excludente, reproduzindo
padrões de segregação social sobre o espaço urbano. Isto fez com que as ocupações
irregulares (espontâneas ou organizadas por movimentos sociais) de áreas sejam uma
constante na História do Município.
2.2 Ocupações Urbanas em Santa Maria
O ano de 1960 não foi marcado apenas pela fundação da UFSM, mas, também, de
acordo com os trabalhos consultados, pela realização da primeira ocupação irregular
espontânea na cidade, a Vila Nossa Senhora do Trabalho, na Região Norte, conhecida na
época como “Vila Matadouro”, pois lá havia o Matadouro Municipal (onde hoje fica a Escola
Estadual Marechal Rondon). Inicialmente, com apenas 4 famílias no campo do Matadouro, a
ocupação foi crescendo, chegando a mais de 1000 famílias no fim dos anos 1980, porém de
forma desordenada, com carência de infraestruturas e regularização fundiária (PINHEIRO,
2002).
Desde então, diversos processos de ocupação irregular do solo ocorreram nas
periferias de Santa Maria, contribuindo para a expansão não planejada da área urbana, e
deficitária em termos de infraestrutura básica e equipamentos urbanos. Segundo Urrutia
(2002), também contribuíram para a ampliação das áreas periféricas, com irregularidades
jurídicas, os loteamentos populares de iniciativa do poder público e a venda ilegal de lotes
particulares, que muitas vezes geraram a realização de novas ocupações nas adjacências.
Em relação às políticas habitacionais para a população de baixa renda em Santa Maria,
de acordo com os estudos de Pinheiro (2002) e Botega (2004, 2010), estas foram realizadas
inicialmente pela Companhia de Habitação do Rio Grande do Sul (COHAB-RS) e o Governo
Estadual. Estes empreendimentos foram feitos com recursos do BNH/SFH e executados pela
COHAB-RS: Cohab da Vila Kennedy (em 1967, com 116 unidades habitacionais) e Cohab
Salgado Filho (1968, 76 unidades), ambas localizadas na Zona Norte; Cohab Santa Marta
(1981, 872 unidades) e Cohab Passo da Ferreira (Tancredo Neves, em 1986, com 3166
unidades), localizadas na Zona Oeste30
; e a Cohab Fernando Ferrari (1984, 353 unidades), na
30
O fomento à moradia popular na Região Oeste se deu em decorrência da necessidade da alocação de mão-de-
obra próxima ao Distrito Industrial, de forma a que se constituíssem enquanto bairros operários. Porém, ante a
61
Zona Leste. Discutindo a questão da falta de conservação das praças, ruas e iluminação na
Cohab Santa Marta, o trabalho de Moura & Mello ressalta que
No caso das COHABs o governo federal atua apenas efetuando as construções das
casas das COHABs. Após a construção das casas, a conservação e melhoramento
das vias, das praças ou até mesmo as áreas verdes que o Conjunto Habitacional
possui, passa a ser compromisso do poder público municipal, que por sua vez, tende
a atender áreas habitadas por populações de renda mais elevada. (1994, p. 18).
Já por parte do poder municipal, os seguintes loteamentos populares foram feitos por
meio do programa do Governo Federal “Habitar Brasil”: Vila Conceição (1980), Vila
Renascença (1980), Vila Arco-Íris (1989) e o Loteamento Diácono João Luiz Pozzobom
(1994), sendo que “a maioria com inúmeros problemas de regularização fundiária,
deficiências na infra-estrutura e inexistência de projetos sociais” (PINHEIRO, 2002, p. 35).
No entanto, estes empreendimentos apenas amenizaram a demanda por moradia
popular, pois, como afirma Botega “não foram capazes de conter o déficit habitacional do
município” (2010, p. 83). Além disto, e ante ao fato de que as deficiências urbanas na cidade
não se restringiam a questão da moradia, nesta, também, foi implementado o Programa
Comunidade Urbana de Recuperação Acelerada (CURA), por meio do qual o BNH concedia
empréstimos às prefeituras para a realização de obras urbanas em áreas que dessem retorno
econômico, por meio de imposto territorial progressivo (ALBARELLO, 2012).
Em Santa Maria, foram implementados o Projeto Sinuelo (CURA I) e o Projeto
Minuano (CURA II), responsáveis pelas obras do Parque Itaimbé (inaugurada em 1982),
Praça Nonoai e Marechal Gomes Carneiro, Avenida Domingos de Almeida (atual Avenida
NS Dores), Avenida Gaspar Martins (atual Av. NS Medianeira), Ruas André Marques, Silva
Jardim, Venâncio Aires, Tuiuti, Pinheiro Machado, Fernando Ferrari, Tamanday, Euclides da
Cunha, Avenida Liberdade e Avenida Maurício Sirotsky Sobrinho. Com estes investimentos,
as propriedades próximas às “áreas CURA” tiveram seus valores e IPTUs aumentados, o que,
na prática, fomentou a especulação imobiliária e os reajustes dos aluguéis, empurrando para
as periferias os moradores que não tinham como arcar com o a crescente carga tributária. Em
seus estudos sobre o Programa CURA em Santa Maria, Albarello (2012) aponta que além do
endividamento do Município com estas obras, estas beneficiaram apenas o centro da cidade,
em detrimento das periferias, pois estas não dariam retorno aos recursos investidos. Aliás,
para os governantes da época, inclusive “calçar e iluminar todas as ruas seria um absurdo,
falta de êxito da tentativa de industrialização da cidade, esta zona se tornou foco de diversas ocupações nos anos
seguintes.
62
uma utopia”, conforme palavras do Prefeito Osvaldo Nascimento, em 1980, diante as
reivindicações das Associações Comunitárias (ALBARELLO, 2012, p. 1063).
As insuficiências na oferta de políticas habitacionais para a população de baixa renda,
aliado ao crescimento populacional e as difíceis condições econômicas e sociais vigentes,
estão na base do que motivou a realização de tantas ocupações urbanas em áreas públicas e
privadas em Santa Maria da década de 1960 para cá.
Acompanhando o ritmo da progressão demográfica verificada na cidade, bem como do
avanço dos processos de especulação imobiliária, as ocupações fizeram-se presentes em todas
as regiões da cidade, pois constituem uma das principais estratégias de sobrevivência da
população pobre. De acordo com levantamentos realizados por diversos trabalhos, Santa
Maria possui mais de 70 áreas de ocupação irregular, porém este número pode ser maior
(estima-se que sejam cerca de 100 áreas), pois segundo Prado (2010), a Prefeitura não conta
com uma base única de dados sobre estes locais. O Quadro 2 nos permite observar a relação,
ainda que possivelmente incompleta, de ocupações ocorridas na cidade desde 1960.
Áreas ocupadas de forma irregular em Santa Maria entre 1960-2012
Início Nome Bairro atual Região
1960 Vila Nossa Senhora do
Trabalho Salgado Filho Norte
1960 Vila Brigada Militar Atual Nossa Senhora de
Fátima Centro Urbano
1964 Vila Esperança Nossa Senhora Medianeira Centro Urbano
1966 Vila Bilibiu KM 3 Nordeste
1970 Vila Brasília Salgado Filho Norte
1970 Vila Bürger Itararé Nordeste
1970 Vila Nossa Senhora Aparecida Itararé Nordeste
1970 Vila Brasil
(Beco do Resbalo)31
Camobi Leste
1970 Vila Urlândia Urlândia Centro-Oeste
1972 Vila Santos Urlândia Centro-Oeste
1972 Vila Salgado Filho Salgado Filho Norte
1974 Vila Cerro Azul Chácara das Flores Norte
1974 Vila São Rafael e
Vila Itagiba Chácara das Flores Norte
1975 Vila Cerrito Cerrito, atual Diácono João
Luiz Pozzobon Centro-Leste
1976 Beco do Otávio Nossa Senhora do Rosário Centro Urbano
1976 Beco do Beijo Camobi Leste
31
Em 2004, os moradores da Vila Brasil foram realocados para o Loteamento Paróquia das Dores, na Vila
Maringá.
63
1976 Linha Velha de POA, atual
Rua Ary Nunes Tagarra Centro Centro Urbano
1976 Vila Renascença Patronato, hoje Renascença Oeste
1977 Vila Rossi, Rua Florianópolis
(área verde) Pinheiro Machado Oeste
1978 Vila Rossato Nossa Senhora das Dores Nordeste
1980 Vila Bela Vista Itararé Nordeste
1980 Vila São Serafim Pinheiro Machado Oeste
1980 Estrada da Picadinha Atual Boi Morto Oeste
1980 Vila Schirmer Presidente
João Goulart Nordeste
1980 Áreas ao redor da
Vila Schirmer
Presidente
João Goulart Nordeste
1980 Vila Severo Atual Lorenzi Sul
1980 Vila Cauduro Atual Boi Morto Oeste
1980 Montanha Russa Itararé Nordeste
1980 Área ao redor Tomazzetti Tomazzetti Sul
1980 Margens Vacacaí Presidente
João Goulart Nordeste
1982 Beco do Inter Patronato, atual Noal Centro-Oeste
1982 Vila Diácono
João Luiz Pozzobon
Cerrito, atual Diácono João
Luiz Pozzobon Centro-Leste
1982 Vila Jardim Camobi Leste
1982 Vila Pantaleão Patronato, atual Noal Centro-Oeste
1984 Vila Nossa Senhora da
Conceição Caturrita Norte
1986 Canários Itararé Nordeste
1986 Vila Floresta Atual Cerrito Centro-Leste
1986 Sargento Dorneles São José Centro-Leste
1988 Vila Lídia
(margem do arroio Cadena) Patronato, atual Noal Centro-Oeste
1989 Vila Arco-Íris (área verde) Patronato, atual Noal Centro-Oeste
1990 Vila Hípica e Vila Prado Juscelino Kubitschek Oeste
1990 Margens da Ferrovia Itararé Nordeste
1990 Vila Medianeira Nossa Senhora Medianeira Centro Urbano
1990 Vila Nonoai Nossa Senhora de Lourdes,
atual Nonoai Centro Urbano
1990 Vila Nova Presidente João Goulart Nordeste
1990 Passo dos Weber Chácara das Flores Norte
1990 Vila Portão Branco Caturrita Norte
1990 Vila Pires Itararé, atual Campestre do
Menino Deus Nordeste
1991 Vila Ecologia Pinheiro Machado Oeste
1991 Fazenda Santa Marta Juscelino Kubitschek, atual
Bairro Nova Santa Marta Oeste
1992 Vila Favarin KM 3 Nordeste
1993 Vila Aparício de Morais Camobi Leste
1993 Cohab Fernando Ferrari (área Camobi Leste
64
verde)
1997 Vila Presidente Vargas (área
verde) Pé de Plátano Centro-Leste
1998 Vila Lorenzi Atual Lorenzi Sul
1999 Vila Kennedy (área verde) Salgado Filho Norte
1999 Canaã Tancredo Neves Oeste
1999 Km2 Divina Providência Norte
1999 Parte da Vila Oliveira Passo D‟Areia Centro-Oeste
1999 Margens BR 287-Trecho 3,
Km 252, próximo à ULBRA Pinheiro Machado Oeste
2000 Vila Bela União Caturrita Norte
2000 Cohab Tancredo Neves (área
verde) Tancredo Neves Oeste
2000
Margens BR 287-Trecho 2,
Km 250, em frente ao bairro
Pinheiro Machado (2000) e
Cohab Santa Marta (2004)
Pinheiro Machado e Juscelino
Kubitschek Oeste
2001 Km3/Estação dos Ventos KM 3 Nordeste
2002 Margens BR 287-Trecho 1,
Km 245, perto da Urlândia32
Urlândia Centro-Oeste
2002 Gare Itararé Nordeste
2002 Área na Vila Jóquei Clube Juscelino Kubitschek Oeste
2012 Residencial Independência,
Vila Vitória Chácara das Flores Norte
- Portão Branco Caturrita Norte
- Vila Maringá Atual Diácono João Luiz
Pozzobon Centro-Leste
Quadro 2 – Ocupações irregulares no espaço urbano de Santa Maria, RS.
Fonte: Adaptado de Pinheiro (2004), Prado (2010), Pilar (2009), Lei Complementar nº 042, de 29/12/2006.
Todo este processo de expansão ilegal da cidade nas últimas décadas fez com que
Santa Maria, também, ficasse conhecida pela alcunha “Cidade das Invasões”, de forma que
hoje várias vilas e bairros tenham sido originadas por ocupações irregulares, muitas, no
entanto, ainda não regularizadas – na Figura 2 podemos observar a atual divisão urbana da
cidade, aprovada em 2006, evidenciando o quanto as ocupações se impuseram-na realidade
urbana, tornando-se parte da cidade oficial. No Anexo 3 deste trabalho (p. 157), podemos
conferir o mapa organizado por Prado (2010), o qual identifica a maioria das ocupações
irregulares no espaço urbano santa-mariense elencadas no Quadro 2.
32
Entre 2008 e 2009, os moradores desta ocupação foram realocados para o Loteamento Cipriano da Rocha, no
bairro Pinheiro Machado.
65
Iniciando-se nos anos 1960, o número de ocupações cresceu rapidamente ao longo das
décadas de 1970 a 1990, refletindo as dificuldades econômicas vigentes neste período em
todo País.
Figura 2 – Mapa da atual divisão urbana de Santa Maria
Fonte: LORENZONI, 2010, p. 16.
Estas ocupações, que são de dezenas, centenas e até milhares de pessoas, se deram
tanto em áreas públicas, como particulares, sendo que a maioria ocorreu de forma espontânea
(as famílias basicamente se instalam em uma área não habitada, autoconstroem suas moradias
e fazem “gatos” de água e luz), e uma parte foi previamente organizada por movimentos
sociais para a conquista e regularização de uma determinada área. Este processo fez com que
em 2002, 60% do território santa-mariense fosse constituído por ocupações irregulares
(BOTEGA, 2010, p. 91).
No levantamento realizado por Pinheiro (2004), destacam-se em áreas privadas os
loteamentos irregulares Bilibiu e Cerrito, bem como a ocupação do Beco do Otávio, da Jóquei
Clube e a mais recente na Vila Vitória. Já em áreas públicas, temos em área federal (áreas da
RFFSA) a Vila Bela Vista, rua dos Canários e a ocupação do Km3/Estação dos Ventos; a
ocupação da Fazenda Santa Marta em área estadual; e em diversas áreas municipais não
66
regularizadas: os reassentamentos Vila Esperança e Vila Nossa Senhora Aparecida, os
loteamentos Vila Brasília, Renascença, Lorenzi, Maringá e Cerro Azul, e as ocupações das
Vilas Nossa Senhora Aparecida, Brasil, Estrada da Picadinha, Vila Jardim, Lídia (margens do
Cadena), Ecologia, Aparício de Moraes, Km 2 (era de propriedade da RFFSA), Portão
Branco, Vila Itagiba, Oliveira, Canaã, Gare, e nas áreas verdes das Vilas Rossi, Arco-Íris,
Cohab Fernando Ferrari, Presidente Vargas, Kennedy e Cohab Tancredo Neves.
Em Santa Maria, a segregação social foi responsável por um forte processo de
expansão e adensamento da área urbana, que acompanhou os trilhos do trem, as vias de acesso
à cidade, as áreas institucionais, o percurso de rios e arroios, como o Vacacaí-Mirim, Cadena
e Cancela, sendo restringida apenas ao Norte pelo limite natural dos morros do Rebordo do
Planalto e pelas unidades militares a sudoeste e noroeste do município.
Contribuíram para o avanço da cidade clandestina, além das difíceis condições de vida
(desemprego, inflação, fome), a intensa especulação imobiliária promovida por empresas
imobiliárias, incorporadoras e construtoras, bem como pelo próprio poder público, que além
de insuficientes e equivocadas políticas públicas, historicamente atuou em prol dos interesses
destas empresas e dos segmentos mais capitalizados, privilegiando poucos bairros (a exemplo
das “áreas CURA”), em detrimento dos demais.
Conforme ficam mais caros os preços dos terrenos e moradias nas áreas centrais ou
providas de mais estrutura, a população mais pobre vai sendo cada vez mais empurrada para
as áreas periféricas, despojadas de atenção por parte dos poderes públicos e distantes dos
postos de trabalho e serviços coletivos. De acordo com Gohn, “a expansão das periferias
urbanas ao longo dos anos 1960 e 1970 dissociou completamente a relação casa-emprego,
moradia-trabalho” (1995, p. 116), afastando e dispersando os trabalhadores de seus ambientes
de trabalho e organização sindical, consumindo tempo e energia destes em longos
deslocamentos, de forma que “os transportes adquiriram uma centralidade nunca dantes
conhecida”, além de constituir-se enquanto um importante ramo de acumulação do capital.
Este processo ocorreu intensamente em Santa Maria, sendo responsável por uma forte
imobilidade urbana, devido a pouca disponibilidade de linhas para as áreas periféricas e as
altas tarifas do transporte urbano. Cabe destacar que isto se deu sob a conivência do poder
municipal, pois mesmo após a Constituição de 1988 definir a obrigatoriedade de licitação para
a concessão de serviços públicos, “há mais de quarenta anos os contratos com as empresas de
transporte de Santa Maria são simplesmente renovados” (Frente de Mobilização pelo
Transporte Público, 2011, p. 3), beneficiando assim as mesmas famílias que sempre
67
controlaram o sistema de transporte coletivo público na cidade, auferindo enormes lucros a
estas.
A valorização diferenciada do espaço levou a população pobre a encontrar na prática
da ocupação de espaços não habitados a autoconstrução de suas moradias. Os estudos de
Schio (2010) e Corrêa (2013) nos permitem afirmar q a resposta do poder público municipal
frente a problemática habitacional e o elevado número de ocupações ocorridas na cidade, se
deu, principalmente, através de políticas de higienização social, levadas a cabo nas remoções
de populações periféricas, para áreas ainda mais periféricas, visando assim, apenas “esconder
o problema”, porém não resolvê-lo efetivamente.
Pesquisando sobre organização da Associação Comunitária na Renascença, Schio
(2010, p. 23) aponta que “muitos dos aglomerados que estão às margens da cidade foram
constituídos através da intervenção do poder público”, sendo este os casos dos loteamentos
financiados pelo Programa Habitar Brasil: Vila Conceição, Vila Arco-Íris, Renascença e
Diácono João Luiz Pozzobon.
Dihony Corrêa (2013), em seu trabalho, retoma a memória da transferência dos
moradores das antigas Vila das Pulgas (efetivada com o uso de caminhões do Exército), Vila
das Latas e Vila Caranguejo, para lotes sem infraestrutura (moradia, água, eletricidade, etc.),
respectivamente, nas atuais Vila Lídia (antigo aterro sanitário), Vila Arco-Íris e na época Vila
Renascença, tendo seus antigos territórios modernizados, remodelados e valorizados, sendo
estes as atuais Avenida Liberdade, Avenida Dois de Novembro e Avenida Maurício Sirotsky
Sobrinho, que além de moradias, edifícios e estabelecimentos comerciais, passaram a sediar o
Hotel de Trânsito da 3ª Divisão do Exército na Avenida Liberdade, a sede da empresa de
transporte urbano Medianeira e a sede regional da RBS TV, cujo terreno a esta foi doado, na
Avenida Maurício Sirotsky Sobrinho. Este processo, por si só, demonstra qual lado o poder
público historicamente beneficia em Santa Maria.
Também, passaram por realocação os moradores da Vila Brasil (Beco do Resbalo),
que foram transferidos em 2004 ao Loteamento Paróquia das Dores, localizado na Vila
Maringá, junto a famílias que viviam em áreas de risco na Vila Lídia, Renascença, Oliveira e
Cerrito, processo este que não se deu sem conflitos e o próprio retorno de uma parte das
famílias para as áreas de risco onde viviam (BAIRROS, 2006; ZANATTA, 2008).
O fato de muitas vezes as ocupações urbanas ocorrerem de forma espontânea em áreas
de proteção permanente inseguras para construção de moradias pode gerar diversos impactos
68
ambientais, assim como danos à saúde dos moradores, devido às ocupações em áreas
suscetíveis a riscos e em locais desprovidos de saneamento básico.
Estudando as principais ocupações humanas em áreas de risco ambiental em Santa
Maria, Nascimento & Souza (2010) e Avila & Robaina (2012) destacam que as áreas que
mais sofrem com movimentos de massas estão localizadas nas encostas do Planalto Sul
Riograndense, como a Vila Bilibiu e a Vila Bela Vista (na encosta oeste do Morro Cechela).
Já as comunidades mais afetadas por inundações, alagamentos e erosões de barrancas
(principalmente em dias chuvosos) estão situadas nas margens do Arroio Cadena, como a Vila
Oliveira, Vila Lídia, Renascença e Urlândia. A falta de coleta de lixo em muitos locais
contribui para seu acúmulo, de forma a agravar a poluição e os danos ambientais, assim como
à saúde da população. Toda a poluição no rio Vacacaí-Mirim, por exemplo, vai parar na
barragem do DNOS (Departamento Nacional de Obras e Saneamento), responsável pelo
abastecimento de 40% da água utilizada pelos santa-marienses.
De acordo com o Plano Municipal de Redução de Riscos de 2006, Santa Maria conta
com 22 áreas de ocupação humana sujeitas a riscos, sendo estas:
Risco de
Alagamento e
Inundação
Risco de
Deslizamento e
Solapamento
Risco simultâneo
Alagamento/Inundação e
Deslizamento/Solapamento
Margens de BR
Km 2 Vila Bela Vista Vila Salgado Filho BR 287, km 245
(já realocados)
Km 3 Montanha Russa Vila Urlândia BR 287, km 250
Vila Cerro Azul Margens da Ferrovia Vila Favarin BR 287, km 252
Vila Ecologia Passo dos Weber Vila Medianeira
Vila Renascença Vila Arco-Íris Vila Schirmer
Vila Santos Vila Oliveira
Vila Nonoai
Vila Bilibiu
Quadro 3 – Áreas ocupadas suscetíveis a riscos no espaço urbano de Santa Maria, RS.
Fonte: Prado (2010, p. 75).
Sucede-se, assim, uma mescla entre vulnerabilidade social e ambiental, determinadas
pela lógica da segregação sócio-territorial, que por sua vez é produto de um modelo de
sociedade assentado na injustiça social. Sendo a injustiça social a raiz da violência no meio
rural e urbano, percebe-se que o medo crescente que acomete a população nos médios e
grandes centros não é um fenômeno casual e desconexo a problemáticas sociais geradas pelo
modo de produção capitalista.
69
Paralelo a questão da segregação imposta às pessoas pobres, Prado (2010) aponta em
seu estudo que é cada vez mais notório os processos de auto-segregação urbana por parte dos
estratos mais abastados da sociedade, que através de condomínios horizontais fechados
procuram isolar suas famílias em espaços amplos, elitizados e repletos de infraestrutura, áreas
de lazer e segurança, porém privados.
Este novo modelo de segregação espacial, estimulado por um marketing intenso, pela
cultura do medo da criminalidade e o culto ao espaço privado, corrobora para a
desvalorização dos espaços públicos de convivência, como ruas, praças e áreas verdes, já não
mais frequentados pelos setores que concentram maior poder financeiro, pois agora possuem
seus próprios espaços de recreação, atrás dos muros e cercas elétricas de seus “enclaves
fortificados” de segurança privada.
Em Santa Maria, nas últimas duas décadas, vêm ampliando-se o número de
condomínios horizontais fechados, estando estes localizados, principalmente, entre a área
central e leste da cidade, porém tem se aumentado a presença destes em bairros periféricos,
reduzindo assim a dicotomia centro-periferia em termos de segregação territorial. Entretanto,
mesmo que haja uma maior proximidade geográfica entre ricos e pobres, o distanciamento
social entre estes ainda é enorme. De acordo com levantamento realizado por Prado (2010),
entre 1989 e 2009, foram criados 18 condomínios horizontais fechados em Santa Maria,
conforme pode ser observado no Quadro 4:
Condomínios Horizontais Fechados de 1989 a 2009 em Santa Maria, RS
Ano de
Aprovação Nome Bairro Região Nº Lotes Proprietário
1989 Vila Verde Camobi Leste Dados não
disponíveis
Dado não
disponível
1992 Morada do
Lago
Nossa
Senhora das
Dores
Centro
Urbano 93
José Mariano
Ravanelo
1992 Novo
Horizonte Camobi Leste 27 Dalci Pusch
1992 Cópis Camobi Leste 7 Antonio João
Pegorato
1996 Arco Verde Boi Morto Oeste 720 Kraft Haus Eng. e
Construções LTDA.
1996 Sociedade de
Medicina São José
Centro-
Leste 133 Construtora Lote
1998 Della Valle Urlândia Sul 13 Olindo Dalla Valle
2000 Villagio Di
Veneto Cerrito
Centro-
Leste 41
Gilseu Antonio
Bevilaqua
2003 Greenwood
Vilage Cerrito
Centro-
Leste 17
Marcelo Simão de
Lima
70
2004 Montes
Verdes
Nossa
Senhora do
Perpétuo
Socorro
Norte 20 Mário Ferreira dos
Santos
2008 Terra Nova 2 Cerrito Centro-
Leste
Dados não
disponíveis
Terra Nova
Rodobens
incorporadora
imobiliária S/A.
2008 Terra Nova 3 Cerrito Centro-
Leste
Dados não
disponíveis (idem)
2008 Terra Nova 4 Cerrito Centro-
Leste
Dados não
disponíveis (idem)
2009 Terra Nova 1 Cerrito Centro-
Leste
Dados não
disponíveis (idem)
2009 Terra Nova 5
D.J.L.
Pozzobon,
Cerrito
Centro-
Leste
Dados não
disponíveis (idem)
2009 Ughini
Providence São José
Centro-
Leste 118
Ughini
Empreendimentos
Imobiliários LTDA.
2009 Terra Nova 6 D.J.L.
Pozzobon
Centro-
Leste
Dados não
disponíveis (idem anteriores)
2009 Terra Nova 7 D.J.L.
Pozzobon
Centro-
Leste
Dados não
disponíveis (idem anteriores)
Quadro 4 – Condomínios horizontais fechados de 1989 a 2009, em Santa Maria, RS
Fonte: Prado (2010, p. 83-84).
Frente a este cenário, mostra-se cada vez mais evidente o crescente contraste entre as
áreas residenciais elitizadas e os espaços de moradia popular precários no contexto urbano
santa-mariense, revelando assim a forte disparidade social existente nesta cidade.
Em contrapartida, e enquanto expressões destas contradições do modo de produção
capitalista na estruturação do meio urbano, organizam-se movimentos sociais populares para
pressionar o Estado e a sociedade pela resolução de suas demandas.
Mais especificamente em torno da questão urbana e habitacional em Santa Maria é que
foi criado o MNLM, um movimento social urbano que visa aglutinar os setores populares
para a luta pela Reforma Urbana, a partir de suas demandas concretas e imediatas. A primeira
grande ação do MNLM na cidade foi a organização de famílias para a ocupação de área da
antiga Fazenda Santa Marta, em fins de 1991, consolidando-se como a maior ocupação urbana
de área pública no Rio Grande do Sul, processo este que iremos abordar no próximo capítulo.
71
3 – O MOVIMENTO NACIONAL DE LUTA PELA MORADIA E A
LUTA PELA REFORMA URBANA NA NOVA SANTA MARTA
“Com luta, com garra, a casa sai na marra!”
MNLM
Ao considerarmos o processo de formação urbana brasileira e santa-mariense, nos fica
nítido como se dá, na prática social, a produção do espaço comandada pela dinâmica
territorial decorrente da lógica de estruturação do capitalismo sob as cidades, compreendida
pelos grandes empresários não como espaço de bem viver em comunidade, mas sim enquanto
fonte de lucros e exploração da classe trabalhadora.
Sendo o solo urbano e a própria moradia, mercadorias de difícil acesso para amplas
parcelas da população, explica-se os porquês das ocupações de terras urbanas terem se
tornado parte inerente do modelo de urbanização vigente no País, representando “mais a regra
do que a exceção das formas de provisão de habitação” (Maricato, 1997, apud Silva, 2004, p.
28). Muitos conflitos e desocupações33
ocorreram neste processo, porém parte das ocupações
realizadas de forma espontânea ou organizada, principalmente, em áreas públicas, tiveram de
ser consentidas pelos poderes públicos, ante a falta de alternativas e políticas públicas para
moradia para estas famílias e a sua impossibilidade em serem incluídas no mercado
habitacional privado. Entretanto, não é a toa que foram consentidas, como afirma Kowarick
ao apontar que
A periferia como fórmula de reproduzir nas cidades a força de trabalho é
conseqüência direta do tipo de desenvolvimento econômico que se processou na
sociedade brasileira das últimas décadas. Possibilitou, de um lado, altas taxas de
exploração de trabalho e, de outro, forjou formas espoliativas que se dão no nível da
própria condição urbana de existência a que foi submetida a classe trabalhadora.
(1993, p.42 e 44).
Assim, podemos entender que, para a cidade capitalista, a pobreza e a miséria não são
disfunções de seu modelo de desenvolvimento, mas sim elementos funcionais e necessários a
este e a concentração privada de riquezas que almeja. Isto levou as políticas habitacionais
33
Ao longo dos anos 1990 e início dos anos 2000, em Santa Maria, ocorreram as seguintes desocupações: na
Rua Fernandes Veira (área da RFFSA) em 1992; na Rua Visconde de Pelotas com Aristide Lobo (área
particular), em 1995; na Rua das Orquídeas (4 lotes particulares), em 1996; no Km2 (área da RFFSA), em 1995;
no Km 3 (área da RFFSA), em 1997 e 2000 e; na Vila Santos (área particular), em 2001. (PINHEIRO, 2002, p.
87).
72
brasileiras a, historicamente, estarem submetidas à lógica de mercado, não sanando o déficit
habitacional, o que resultou nas ocupações de áreas ociosas.
As ocupações urbanas são uma das principais facetas da segregação urbana e revelam
o descaso dos poderes públicos para com a demanda social por moradia. Em Santa Maria não
é diferente. A percepção deste fenômeno nesta cidade já era percebida por Azevedo, em 1992,
quando este afirmou que “o ritmo de favelização da classe trabalhadora santa-mariense está
muito acelerado, enquanto que a busca de soluções por parte das autoridades competentes,
vem se desenvolvendo lentamente” (AZEVEDO, 1992, p. 55).
Tudo isto fez com que, em contraste com a cidade legal, a cidade real de Santa Maria
tenha crescido muito nas últimas décadas, através de ocupações irregulares, expandindo o
perímetro considerado urbano sobre áreas antes rurais, ainda que sem a infraestrutura
necessária, conforme destaca Urrutia:
Os migrantes da região ou população carente amontoam-se na periferia e têm de
buscar suas próprias soluções já que o Estado ou os chamados poderes públicos não
os apoiam, uma vez que a ação estatal volta-se mais para atender aos interesses das
empresas. Em função disso, surgem os “invasores” de terrenos ociosos, ou áreas
verdes, que são uma das únicas saídas encontradas por essas pessoas para construir
suas moradias. (2002, p. 10-11).
O leitor atento, certamente, já percebeu a preferência pelo uso do termo “ocupação” do
que “invasão” nesta monografia. Esta escolha, que não deixa de ser uma opção política, se dá
basicamente pelo fato de que apesar da palavra “invasão” ser popularmente mais utilizada
pelos santa-marienses, ela remete a uma noção de entrada deslegitima e violenta em alguma
área, retirando a força quem ali estivesse, o que não reflete a realidade dos fatos, pois
geralmente as ocupações organizadas ou espontâneas se dão em áreas não habitadas e não
utilizadas, não ocorrendo nenhuma violência no ato de entrada e na instalação das famílias –
exceto a violência que estas famílias já sofrem em decorrência da exclusão social, o que as
leva a ter de ocupar algum lugar para viver, afinal, ninguém ocupa por opção ou prazer, mas
sim por falta de opções e oportunidades em suas vidas. Desta maneira, o termo ocupação
mostra-se mais adequado, pois expressa um processo de resistência à exclusão social, mesmo
que talvez seja inconsciente por parte de quem o protagonizou, ao ocupar uma área que não
cumpria com sua função social. Neste diapasão, Santos, citada por Scherer, apresenta uma
distinção mais completa entre estes termos, ao destacar que
não é simplesmente semântica. No uso do termo invasão estão implícitas a
ilegalidade e a violência da ação: invadir a privacidade ou a propriedade de outrem.
73
Trata-se de uma ação ilegítima. O termo ocupação relaciona-se com a conquista de
um direito: ocupa-se o que é de direito. Aquilo que em algum momento, do passado
ou do presente foi usurpado de um grupo ou classe social, mesmo que não tenha sido
“diretamente” usurpado. Mas a desigualdade social, que também significa
desigualdade de oportunidades, a exploração e a espoliação impediram que esses
cidadãos mais pobres tivessem acesso a propriedade da terra ou a moradia. (2008, p.
132 apud 2010, p. 7).
No modo de produção capitalista, a privatização dos meios de vida está na base das
contradições entre as classes sociais, gerando a luta pelo espaço e por melhores condições de
vida, que na cidade se dá entre os especuladores imobiliários e os trabalhadores (formais,
informais e desempregados) em busca de um lugar para viver. Destas contradições, podem
emergir processos de resistência e lutas sociais protagonizadas pelos setores populares
organizados, construindo assim movimentos sociais, como explica Botega,
A partir desta relação dialética ocorrida entre a contradição estrutural em que se
inserem os serviços urbanos colocados sob a lógica da “cidade do capital”, e a
reação das classes populares na luta pelo “direito à cidade”, é que devemos entender
a formação dos movimentos populares urbanos. (2004, p. 60).
Em Santa Maria, mesmo que a maioria das ocupações urbanas tenham ocorrido de
maneira espontânea, sem uma organização popular prévia (o que fez com que várias
ocupações crescessem de forma desordenada conforme somavam-se mais famílias), em um
segundo momento, muitas vezes, deu-se a organização de seus moradores para pleitear acesso
a rede de água, a eletricidade, ao saneamento, as linhas de ônibus, a regularização fundiária e
aos demais serviços públicos e equipamentos urbanos, vindo a constituir Associações
Comunitárias integrantes da União das Associações Comunitárias (UAC), fundada em 1979,
para unificar as lutas das associações locais. Assim, como movimentos ou outras formas de
organização social. Um exemplo importante de organização posterior à ocupação foi a dos
moradores da inicialmente chamada “Vila Invasão”, próximo aos trilhos do trem em Camobi,
hoje Vila Jardim, quando, em 06/06/1983, ocuparam e interromperam a sessão da Câmara de
Vereadores para denunciar a situação em que viviam e a repressão policial sofrida, cobrando
da Prefeitura a negociação da área com a RFFSA, tendo sido vitoriosos em suas demandas
após esta manifestação (PINHEIRO, 2002, p. 60).
Em 1983, ocorreu outra ocupação pautando moradia em Camobi. Foi a ocupação do
Bloco 15 da Casa do Estudante Universitário II (CEU II), no campus da UFSM, em
09/03/1983, o qual era um Bloco ainda em estágio de “escombros” inacabados – até 1983 a
CEU II, inaugurada em 1968, era composta apenas pelos blocos 11 ao 14.
74
As moradias estudantis da UFSM abrigam uma parcela da população flutuante de
baixa renda que vem a Santa Maria em busca de formação profissional e não possui condições
de se manter pagando aluguel, necessitando do auxílio do programa de permanência estudantil
da Instituição, a fim de terem garantido o direito à educação, o que fez com que a História da
Assistência Estudantil e das residências estudantis da UFSM sejam marcadas por muitas lutas
e conquistas. Na ocasião, os estudantes adentraram e acamparam no Bloco, arrumando a
infraestrutura mínima para torná-lo habitável (limpando, fazendo “gatos” de água e luz, etc.).
Mesmo sob ameaças de punição por parte da Reitoria, os estudantes resistiram e
permaneceram por cinco meses acampados e mobilizados, até que a reforma do Bloco fosse
aprovada.
Além desta ocupação, na CEU II, também, ocorreram a ocupação das mulheres, em
1979, em um apartamento (até então a Casa era apenas masculina), a ocupação do Bloco 25,
em 1987, pela entrega de suas chaves (desocupada por 80 policiais) e a ocupação da União
Universitária, em 1988, para se tornar alojamento provisório (SILVEIRA, 2008). A ocupação
mais recente, ocorrida na CEU II, foi a do Bloco 35, em 2011, pela entrega de suas chaves.
Podemos afirmar que a luta pelas moradias estudantis, também, contribui com a luta
pela Reforma Urbana, pois reduz a demanda sobre o mercado imobiliário local e a
necessidade de transporte público e, inclusive, pelo fato de que diversos estudantes,
moradores das CEUs, na condição de pesquisadores, extensionistas e/ou militantes, também,
se somam nas lutas em defesa de um novo modelo de urbanização.
3.1 O MNLM e a luta pelo direito à cidade em Santa Maria
Conforme a implementação da agenda neoliberal no País, foi se tornando mais aguda a
exclusão e as contradições entre as classes, ao privilegiar a substituição do Estado pelo livre
mercado. Sendo assim, “nos anos 90, no espaço urbano, as desigualdades sociais aumentaram,
aumentando o conflito” (SILVA, 2004, p. 22) nas cidades. Foi nesse contexto que nasceram
movimentos como a União Nacional por Moradia Popular (UNMP), em 1989, o MNLM, em
1990, a Central dos Movimentos Populares (CMP), em 1993, que junto com a CONAM,
constituem alguns dos principais movimentos, em nível nacional, que passaram a pautar a
questão da moradia digna e um novo modelo de urbanização para o País, em consonância com
os princípios da Reforma Urbana.
75
Desta maneira, o MNLM é um movimento social popular proveniente da questão
urbana brasileira. Fundado com representantes de 13 estados, reunidos em Belo Horizonte, em
julho de 1990, durante o I Encontro Nacional de Unificação dos Movimentos pela Moradia, o
MNLM originou-se das necessidades de um amplo contingente de pessoas no que diz respeito
ao direito à cidade em suas diversas esferas (habitação regularizada, saneamento básico,
trabalho, saúde, educação, mobilidade urbana, gestão democrática das cidades, etc.),
atualmente, estando presente em 18 estados brasileiros, sendo organizado, em Santa Maria,
desde o início dos anos 1990.
Os movimentos sociais são, para Gohn, “ações sociais coletivas de caráter sócio-
político e cultural que viabilizam distintas formas da população se organizar e expressar suas
demandas” (2003, p. 13), adotando diferentes táticas e estratégias. Logo, os movimentos
sociais não são necessariamente “de esquerda”, havendo inclusive movimentos políticos e
sociais conservadores e reacionários. Já o MNLM identifica-se com aquilo que Gohn define
como “movimentos sociais progressistas”, quais sejam, aqueles que atuam segundo uma
agenda emancipatória, realizando diagnósticos sobre a realidade social e construindo
propostas, com vistas a articular ações coletivas que atuem como resistência a exclusão e
lutem pela inclusão social.
Sendo organizado desde o início da década de 1990, o Movimento construiu no
decorrer dos anos uma série de lutas e atividades em prol de um conjunto de bandeiras
específicas, que articuladas, conformam a proposta da Reforma Urbana, visando garantir
mudanças estruturais no modelo de urbanização vigente e acesso a direitos sociais básicos, a
promoção da cidadania e uma melhor qualidade de vida para a população mais pobre,
objetivando um projeto de transformação social.
Ao defender um projeto transformador, alicerçado em demandas fundamentais da
classe trabalhadora, o movimento social popular geralmente assume um caráter contra-
hegemônico ao se chocar com os interesses dos detentores do poder, as normas e estruturas da
sociedade vigente.
Este atrito, com as estruturas vigentes, se dá com mais força quando um movimento
atinge diretamente a questão da propriedade, pública e privada, pautando a sua socialização e
o cumprimento de sua função social. Gohn (1995) aponta que, ao longo dos anos 1980, uma
década marcada por intensas lutas sociais pelo País, nos campos e cidades, ocorreram diversas
ocupações urbanas, processo este que culminou na retomada das lutas pela Reforma Urbana e
76
na criação de movimentos populares urbanos, como o MNLM, que materializou-se a partir de
um conjunto de ocupações.
Inspirado, também, na metodologia de lutas do MST e possuindo uma forte ligação
com este Movimento, o MNLM assumiu como práxis de luta e pressão as ocupações de áreas
urbanas e de prédios abandonados, sejam públicos ou privados. Desta maneira, se, antes as
ocupações eram realizadas de forma espontânea e independente por famílias, agora, este
processo passou a ser organizado, planejado e construído coletivamente.
Em relação às estratégias para realização de ocupações, segundo Bolzan (2002) e
Pinheiro (2002), estas passam pelo seguinte planejamento básico:
– Fazer um levantamento do imóvel (topográfico e procedência);
– Cadastrar os futuros ocupantes;
– Fazer reuniões preparatórias;
– Definir horário único de entrada na área;
– Garantir o transporte do material de infraestrutura e dos ocupantes;
– Fazer o registro da ocupação (fotos, filmagens, relatórios);
– Fazer uma atividade cultural ou religiosa simultânea a entrada na área.
O fomento ao cooperativismo, também, foi bastante estimulado pelo Movimento, em
nível nacional, seja através da constituição de cooperativas habitacionais para a produção
social de moradias em regime de mutirão, seja para a geração de trabalho e renda, com a
criação de cooperativas e associações de catadores e selecionadores de materiais recicláveis,
dentre outras iniciativas no intuito de viabilizar economicamente a vida de parte dos
moradores das ocupações, dado o desemprego vigente na década de 1990.
A organização do Movimento se dá basicamente através da constituição de
coordenações municipais, estaduais e nacional, definidas em seus respectivos encontros
(municipais, estaduais e nacional). No Rio Grande do Sul, o MNLM começou a se estruturar a
partir do início de 1990, com a realização de reuniões em Porto Alegre, tendo como
orientação a discussão da problemática habitacional e a escolha de delegados ao I Encontro
Nacional, sendo que, em 1991, no II Encontro Estadual, contou-se com a participação de 60
delegados de diversos municípios.
Abordando a forma de organização do MNLM, Cristiano Schumacher nos conta um
pouco sobre seu funcionamento e limitações:
Nas cidades o movimento tem uma organização um pouco diferente de uma cidade
para outra, tem algumas cidades que mantém essa coisa de coordenação municipal
77
mais atuante, outras cidades tem os núcleos nas próprias comunidades onde nós
somos do movimento. (...), como o movimento não se organiza na esfera da
produção as pessoas se mantem muito mais tempo organizadas enquanto elas tão
resolvendo seus problemas de território, de moradia, de escola, de saúde na volta,
quando essas condições vão melhorando as pessoas tendem a se afastar, pelo menos
do cotidiano do movimento. (ENTREVISTA realizada em 11/02/2013).
De acordo com Bolzan (2002) e Pinheiro (2002), desde sua fundação, o MNLM possui
dez princípios e bandeiras de lutas, sendo estes:
1 – Lutar contra a especulação imobiliária nas ocupações: é necessário combater a
venda de lotes por grileiros, através de cadastro e “fiscalização” por parte dos ocupantes;
2 – Manter espaços de politização dos ocupantes, propiciando discussões que
contribuam para o resgate da autoestima e a reconstrução da cidadania;
3 – Garantir espaços de participação dos ocupantes nas decisões através de estruturas
coletivas (comissões), com o objetivo de formar novas lideranças;
4 – Ressaltar a importância da preservação do meio ambiente, há uma preocupação do
MNLM de não realização de ocupações em áreas de preservação ambiental, como margens de
recursos hídricos, encostas de morros, além de conservar as áreas ocupadas;
5 – Introduzir o debate sobre equidade de gênero, sobre etnia e geração;
6 – Buscar soluções para as questões relacionadas à saúde, educação e saneamento;
7 – Organizar a ocupação, visando um planejamento urbanístico, evitando a
favelização, buscando parceiros para a elaboração de projetos, além de não permitir a
construção de casas de alvenaria, facilitando a regularização futura;
8 – Buscar meios para viabilizar a geração de renda para os ocupantes através de
cursos de capacitação e incentivo a formação de grupos cooperativados com recursos
públicos;
9 – Manter a mobilização permanente para pressionar por recursos públicos para
viabilizar a infraestrutura;
10 – Buscar parcerias em todos os momentos, na área de assessoria jurídica, assessoria
técnica na construção de moradias e na elaboração de projetos sociais.
Compondo o FNRU desde sua fundação, o MNLM é uma das entidades
coordenadoras desta rede de articulação dos movimentos sociais urbanos brasileiros,
procurando construir, na base, as campanhas e atividades definidas no Fórum. O MNLM, por
exemplo, “foi um dos coordenadores nacionais da coleta de 850 mil assinaturas, com o
objetivo de instituir o primeiro Projeto de Lei de iniciativa popular instituindo a criação do
78
Fundo e do Conselho Nacional de Moradia Popular34
” (BOLZAN, 2002, p. 48). Todos estes
processos de lutas e pressões sobre os órgãos institucionais foram fundamentais para a
aprovação da Lei de Desenvolvimento Urbano, discutida desde a década de 1980 e aprovada
apenas em 2001, sob a forma do Estatuto da Cidade35
, importante instrumento de regulação
urbanística, o qual, infelizmente, vêm sendo sistematicamente desrespeitado na maioria das
cidades brasileiras.
Possuindo a compreensão de que a problemática urbana e habitacional não será
resolvida apenas com a garantia de moradias populares, mas sim com mudanças estruturais no
modelo econômico e de desenvolvimento das cidades, atuando, assim, na raiz das causas dos
problemas sociais urbanos e não apenas em suas consequências, o MNLM e o FNRU
defendem a efetivação de uma verdadeira Reforma Urbana no País. Segundo o MNLM-
Brasil, citado por Silva:
A Reforma Urbana está baseada num novo modelo de sistema econômico
implementado sobre a terra. Esse novo modelo de bairros, assentamentos humanos e
comunidades apontam à solidariedade e valores humanos, onde os espaços são
coletivos, a terra é comunitária e todos estejam garantidos com infra-estrutura para o
comércio solidário, para as fábricas cooperativadas. Isso irá garantir a geração de
trabalho e interação campo e a cidade, fortalecendo a Reforma Agrária.
(MOVIMENTO NACIONAL DE LUTA PELA MORADIA – BRASIL, 2003, apud
2004, p. 30-31).
A Reforma Urbana só se tornará possível com a efetiva implementação do princípio da
função social da propriedade, apresentado por Silva (2008) como a submissão do direito de
propriedade a um interesse coletivo, de forma que se o proprietário não cumpre ou cumpre
mal esta função, se não a cultiva, se deixa que sua propriedade se arruíne ou a mantenha
enquanto objeto de especulação financeira, tornando legítima a intervenção do poder público
para compeli-lo ao cumprimento de sua função social, assegurando a utilização desta riqueza,
conforme seu destino. Diversos instrumentos podem ser utilizados para isto, como o IPTU
progressivo, a usucapião coletiva, a desapropriação com pagamento em títulos de dívida
pública, etc.
Seguindo esta mesma linha de raciocínio, e abordando a questão da função social da
cidade como um todo, Silva & Saule Jr. abordam esta questão sob o seguinte viés:
34
Projeto este que só veio a ser aprovado em 2005, através da Lei 11.124/05, a qual institui o Sistema, o Fundo e
o Conselho Gestor de Habitação de Interesse Social no Brasil. 35
Estatuto da Cidade – Lei 10.257, aprovada em julho de 2001, regulamentando o capítulo de política urbana
(artigos 182 e 183) da Constituição Federal de 1988.
79
As cidades passam a cumprir a sua função social quando a justiça social e as
condições de vida urbana dignas forem asseguradas pelos direitos urbanos. Estes
englobam não só o acesso de todos os cidadãos aos equipamentos e serviços básicos,
como moradia, transporte público saneamento, energia elétrica, iluminação pública,
comunicação, cultura, educação, saúde, lazer e segurança, etc., bem como o acesso à
gestão democrática das cidades e à preservação do patrimônio ambiental e cultural.
(1993, p. 23 apud Silva, 2004, p. 31).
Todo este conjunto de propostas que compõem a bandeira da Reforma Urbana, e que
são interdependentes entre si e com os demais Direitos Humanos e Sociais, visa garantir a
efetivação do Direito à Cidade, conforme formulado por Henri Lefebvre:
O direito à cidade se manifesta como forma superior dos direitos: à liberdade, à
individualização na socialização, ao habitat e ao habitar. O direito à obra (à
atividade participante) e ao direito à apropriação (bem distinto do direito à
propriedade) estão implicados no direito à cidade. (2008, p. 134 apud LOBO Jr.,
2010, p. 2).
Com vistas a acumular forças para consecução destes objetivos, nas últimas duas
décadas, muitas lutas, debates e ocupações foram realizadas com o apoio do MNLM na
cidade de Santa Maria. De acordo com Sandra Feltrin, uma das fundadoras do MNLM na
cidade, o Movimento surgiu a partir de articulações da ANSUR, setores progressistas da
Igreja Católica e outros movimentos sociais (GRUNEWALDT; ALBARELLO, 2009). Como
exemplo destas lutas, podemos citar as ocupações da Nova Santa Marta (1991), a qual
abordaremos mais detidamente em seguida, da Canaã (1999), do Km 2 (1999) e da Estação
dos Ventos/Km 3 (2001), bem como as respectivas lutas para se garantir a permanência das
famílias nos locais, pela regularização fundiária, pela infraestrutura, pela busca de
investimentos e por políticas públicas. O MNLM, também, sempre procurou prestar
solidariedade e auxílio às demais ocupações espontâneas que vieram ocorrendo na cidade nas
últimas duas décadas.
Em 1999, ocorreu a ocupação da área da RFFSA do Km 2, que já havia sido alvo de
desocupação, em 1995. Esta ocupação se deu de forma espontânea por cerca de 30 famílias,
em 15 de janeiro de 1999, sendo que, em apenas uma semana, o número de famílias já
ultrapassava 200, de forma a que foi solicitado o auxílio do MNLM para organizar a
ocupação, definindo-se, assim, os critérios para participação na mesma. Através de muita
pressão social e de manifestações, conseguiu-se que a área fosse negociada pela Prefeitura
com a RFFSA, que havia entrado com pedido de reintegração de posse, de forma que a área
tornou-se municipal e a regularização fundiária, iniciada em 2001 pela Prefeitura, momento
em que já haviam 390 famílias no Km 2, vivendo em condições precárias, como moradias
80
improvisadas, sem água encanada, esgoto a céu aberto (PINHEIRO, 2002, p. 81), fazendo
com que, em 2002, esta representasse a terceira maior ocupação da cidade, ficando atrás
apenas da Nova Santa Marta e da Vila Nossa Senhora do Trabalho (BOTEGA, 2010). Nesta
ocupação, foi fundada, em 2001, em parceria com o MNLM, a Associação de Reciclagem
Seletiva de Lixo Esperança (ARSELE), a qual, em 2005, conquistou um galpão e maquinário
para viabilizar o empreendimento, além de ser um espaço onde, junto a outras entidades, são
desenvolvidos diversos projetos sociais voltados para a comunidade (SILVA, 2010, p. 79).
Ainda em 1999, foi realizada a ocupação do “Assentamento Canaã”, em 05 de junho,
por 62 famílias organizadas pelo MNLM, em área da Cohab Tancredo Neves desocupada
desde 1982. Inicialmente, foram fixadas as barracas de lona dos novos moradores da área,
tendo ao centro uma barraca na qual eram realizadas as assembleias diárias ou extraordinárias,
bem como as refeições coletivas, cujos alimentos eram doados por pessoas e entidades
sociais. Mesmo com as dificuldades impostas pelo calor, chuva e barro, as tentativas de
reintegrações de posse, a ausência de eletricidade por um ano, a falta de esgoto e o acesso a
água somente através de uma torneira comunitária, por cerca de dois anos, a maioria das
famílias resistiu e conquistou este espaço, iniciando os mutirões para construções de
moradias, a partir de meados do ano 2000. Um importante avanço para o Assentamento
Canaã36
foi a instalação da rede de água e luz, no final de 2003, aprovado pelos moradores
através de intensa participação nos processos do Orçamento Participativo Municipal e
Estadual em 2002. (PINHEIRO, 2002, p. 57; SILVA, 2004, p. 53).
Já a Ocupação Estação dos Ventos, localizada no Km 3, foi realizada por cerca de 50
famílias organizadas pelo MNLM, em 17 de julho de 2001, em virtude da reintegração de
posse ocorrida na ocupação do Movimento na Vila Santos, em 03 de junho daquele ano,
retirando mais de 200 famílias do local, mesmo com a área não sendo utilizada pelo seu
proprietário, mantida apenas para especulação imobiliária. Sob orientação do MNLM, cerca
de 50 famílias que não tinham para onde ir ocuparam a área da RFFSA, no Km 3, área que já
havia sido ocupada outras duas vezes. Desta vez, as famílias conseguiram permanecer, ainda
que em precárias condições, nesta área. (PINHEIRO, 2002, p. 77; SILVA, 2004, p. 38).
Além da realização de ocupações com famílias pobres em Santa Maria, pode-se
perceber que o MNLM nunca atuou de forma desconexa a outros movimentos sociais e
processos políticos da cidade. Aliás, foi justamente esta capacidade de diálogo e parceria com
36
Mais informações sobre a Canaã podem ser conferidas no trabalho de Buemo (2003) e Silva (2004).
81
demais setores da sociedade, como sindicatos, movimentos, universidades, pastorais sociais,
que colaboraram para que muitas demandas das ocupações fossem sanadas ou minimizadas.
Isto, também, levou o Movimento a contribuir com as demais lutas sociais existentes
na cidade nas últimas duas décadas, indo inclusive, para além das pautas específicas da
Reforma Urbana, como o apoio a eventos, lutas e atividades específicas que outros
movimentos e segmentos tenham construído (a exemplo da Feira do Cooperativismo e da
Economia Solidária – FEICOOP), até lutas e articulações em conjunto, como na questão do
transporte público, que tem suas tarifas reajustadas praticamente todos os anos, bem como em
manifestações mais gerais, como a Marcha dos Sem37
e o Grito dos Excluídos38
, e na
construção da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS)39
e do Fórum Social Mundial
(FSM)40
, apontando caminhos para a transformação da sociedade como um todo.
Outra questão que se destaca no MNLM é o protagonismo das mulheres na construção
do Movimento, tanto em termos de atuação de base, como na existência de muitas lideranças
femininas.
Isto se dá, em grande medida, pelo fato de que, conforme apontado no primeiro
capítulo, as mulheres constituem um dos segmentos mais afetados pelas precárias condições
de vida nas periferias, ao mesmo tempo em que na divisão de atribuições colocada pela
sociedade machista, “cabendo”, principalmente, ao homem trabalhar fora para prover os
recursos necessários à manutenção da família, ficando por conta das mulheres o cuidado com
a casa e as crianças, de forma que estas passem mais tempo nas ocupações, sofram suas
dificuldades, se informem e participem dos processos de discussão e lutas que envolvem
diretamente suas moradias e entorno, além de procurarem meios de sobrevivência.
Tendo nascido em um contexto pós-redemocratização do País, em Santa Maria, o
MNLM nunca se furtou de participar dos processos políticos e eleitorais que ocorrem
periodicamente na sociedade, geralmente definindo posição política e apoio a candidatos do
37
Marcha dos Sem – manifestação de diversos movimentos sociais, realizada anualmente em Porto Alegre,
desde 1996. 38
Grito dos Excluídos – manifestação popular, articulada inicialmente pelas Pastorais Sociais da Igreja Católica,
que congrega os movimentos sociais, desde 1995, no dia 7 de setembro, no Brasil, e, desde 1999, na América
Latina, no dia 12 de outubro. 39
Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) – criada em abril de 2003, agrega as principais organizações
populares do país, como a CUT, UNE, MST, CPT, CMP, CONAM, MNLM, MMM, entre outras, tendo também
se organizado em âmbito estadual, no Rio Grande do Sul, e municipal, em Santa Maria. 40
Fórum Social Mundial – foi realizado pela primeira vez em janeiro de 2001, em Porto Alegre, enquanto um
contraponto ao Fórum Econômico Mundial de Davos (Suíça). É um espaço internacional que congrega ativistas,
movimentos sociais, ONGs, partidos de esquerda, etc. para defender um “outro mundo possível”.
82
campo da esquerda, especialmente da esquerda petista41
, inclusive lançando candidatos para a
Câmara de Vereadores em diversos momentos, sendo que, nas eleições de 1996, um dos
fundadores do MNLM na cidade, Fernando Menezes, foi eleito vereador com a maior votação
entre os candidatos do PT, tendo sido, posteriormente, em 2001, no primeiro governo petista
na cidade, nomeado secretário municipal de habitação e regularização fundiária, momento
este em que acabou se afastando do Movimento (BOLZAN, 2002).
Os movimentos populares urbanos com suas lutas em prol da cidadania aos segmentos
historicamente abandonados pelos agentes públicos cumpriram – e ainda cumprem – um
papel fundamental no processo de redemocratização e ampliação do direito à participação
popular nos espaços institucionais no Brasil. Um dos efeitos deste processo foi a criação de
espaços e estruturas colegiadas, como conselhos, encontros, fóruns e conferências que
englobam a participação de representantes dos movimentos sociais, que passaram por uma
mudança em seu perfil de atuação, agora além de reivindicativo, mais operativo e propositivo
(GOHN, 2003).
Se, no período ditatorial, os movimentos atuavam à margem da institucionalidade,
com um caráter fortemente reivindicativo, a partir dos anos 1990 emergiu um novo contexto
político no País, somado a uma nova conjuntura internacional, marcada pelo fim da chamada
Guerra Fria e pela ascensão “vitoriosa” da versão neoliberal do capitalismo, que contribuiu
para o refluxo nas lutas sociais e da esquerda como um todo, em nível mundial. Assim,
mesmo tendo ocorrido a ampliação do direito à participação política, inclusive com a
ascensão de dirigentes dos movimentos a espaços de governo, com a criação de projetos em
parceria com o poder público e com novas políticas de participação popular (como o
Orçamento Participativo), percebe-se que isto tem sido marcado por muitas limitações e
contradições, devido em parte, ao enfraquecimento dos processos mobilizatórios.
41
DA ROS comenta esta fragmentação entre distintas correntes no PT: “Essa divisão interna está relacionada à
pluralidade dos grupos políticos que compuseram o PT desde a sua origem, cada qual com uma concepção
política bastante singular e com diferentes propostas programáticas a respeito do caráter e das estratégias a serem
adotadas pelo partido no processo da luta política. O divisor de águas entre as ditas tendências „radicais‟ e as
„moderadas‟ está relacionado à concepção particular que cada uma delas defende em relação à estratégia de
construção de uma sociedade socialista. Isso porque, o PT já nos seus primeiros documentos definiu o socialismo
como o seu horizonte estratégico, apostando nas lutas de massas protagonizadas pela classe trabalhadora como a
sua principal estratégia para conquistar hegemonia na sociedade a fim de transformá-la estruturalmente. Com o
passar dos anos essa estratégia política foi sendo abandonada em favor de uma concepção que apostava mais na
ocupação de espaços institucionais (governos e parlamentos) e numa prática política pautada no pragmatismo e
na conciliação dos interesses antagônicos presentes entre as classes e os grupos sociais” (2006, p. 286 apud
RODRIGUES, 2010, p. 78). Podemos afirmar que, na atualidade, as tendências moderadas são hegemônicas no
PT de Santa Maria. Já os militantes do MNLM, com vínculo partidário, em sua maioria, são ligados aos setores
mais críticos e radicais do Partido.
83
Tendo surgido em meio a este contexto, o MNLM é parte desta realidade. No caso do
MNLM, em Santa Maria, o Movimento sempre procurou dialogar com as diferentes esferas
do poder público, no sentido de pressioná-las pelo atendimento de suas reivindicações, em
especial para as demandas das ocupações, mas nunca deixou de lado a mobilização popular,
buscando articular a participação nos espaços institucionais com a luta social.
Em relação aos órgãos colegiados que o MNLM possui direito a assento em Santa
Maria, ocorre sua participação no Conselho de Saúde da Zona Oeste, no Conselho Municipal
de Habitação42
e no Escritório da Cidade. No entanto, as demandas apresentadas pelo
Movimento nestes fóruns são sistematicamente desrespeitadas, sendo que a presença do
Movimento nestes espaços, por muitos ainda, é tida como uma “pedra no sapato”, dado o seu
caráter crítico e não submisso às práticas clientelistas.
Em sua dissertação sobre a questão da participação popular e as políticas públicas
habitacionais em Santa Maria, Pinheiro destaca que “apesar do crescente número de
experiências participativas, elas ainda estão restritas a espaços consultivos e deliberativos
distantes do centro de decisão política” (2004, p. 114), sendo muito limitadas devido à falta de
informações, formação e orientações aos cidadãos, pois este é historicamente “um campo de
conhecimento restrito aos especialistas, o que reflete na estrutura administrativa, na
linguagem técnica, na complexidade da própria legislação” (Ibid., p. 116), de forma que
São notórias as dificuldades que o cidadão comum tem para acessar informações
sobre a gestão pública. Sem essas informações não há como discutir prioridades, não
há como discutir a destinação das verbas públicas. É comum que, depois de um
enorme esforço de organização coletiva, as reivindicações populares por mais
escolas, postos de saúde, pelo asfaltamento da rua, por mais segurança, muitas
vezes, fiquem sem retorno pela falta dessas informações e de mecanismos de
acompanhamento das decisões. (Ibidem, p. 115).
Isto faz com que o recurso à mobilização social ainda seja um dos principais caminhos
para que o MNLM e outros movimentos populares urbanos sejam efetivamente ouvidos em
suas pautas. Discutindo este ponto em relação à participação dos movimentos sociais no
Conselho das Cidades, existente em nível nacional desde 2004, Ferreira (2012) aborda a
questão da diversidade do repertório de ações utilizadas pelos movimentos enquanto
42
Conselho Municipal de Habitação e o Fundo Municipal de Moradia Popular foram instituídos pela Lei
Municipal 4415/01 de 05.02.2001, sendo que sua composição foi aprovada com a portaria 005/02, de 04 de
janeiro de 2002. Isto também foi uma conquista do MNLM, o qual propôs, em 1993, juntamente com a Diocese
Católica, a criação destes espaços, por meio da coleta de 8600 assinaturas entregues à Câmara de Vereadores
(Jornal A Razão, 08 e 27/04/1993, apud PINHEIRO, 2004), seguindo o exemplo do Projeto de Lei de iniciativa
popular, em nível nacional, pautado dois anos antes, também proposto em nível estadual, em 1993.
84
estratégias de incidência política, que passam por atuação tanto em espaços políticos
institucionalizados, como por ações societárias:
As ações dos movimentos de moradia e reforma urbana combinam, portanto, ações
de mobilização social (caravanas, marchas, jornadas, atos em espaço público,
ocupações, encontros e cursos de formação), com ações no campo institucional
(participação em Conferências Legislativas, audiências públicas e atuação nas
esferas públicas de gestão, como os conselhos de políticas públicas). As ações de
mobilização social, consideradas centrais, não se dissociam da estratégia de atuação
no Conselho das Cidades. (2012, p. 7).
Desta forma, o MNLM é um dos frutos do processo de reascenso das lutas sociais e da
redemocratização do País, mantendo esta tradição combativa ao longo dos anos 1990, 2000 e
na atualidade.
3.2 Nova Santa Marta: “Pra Morar, Ocupar, Resistir!”
Analisando o processo histórico de construção social da Nova Santa Marta, desde o
estágio de ocupação e acampamento na antiga Fazenda Santa Marta, até sua conformação
enquanto um dos maiores bairros de Santa Maria, é notório o envolvimento da comunidade
nas lutas para que este sonho se tornasse uma realidade.
Com base em diversas pesquisas, especialmente as de Leonardo Botega sobre o
processo inicial de ocupação, e de Mauricio Scherer, que comprovou em seu trabalho a
relação existente entre o êxodo rural com esta ocupação urbana (ver SCHERER, 2008), além
do apoio de diversos outros trabalhos temáticos e de várias fontes, foi possível sistematizar
esta narrativa histórica sobre a Nova Santa Marta, ainda que com muitas lacunas.
3.2.1 O acampamento que virou Bairro
A Fazenda Santa Marta foi o espaço escolhido para ser ocupado, pois era uma área
pública em setor de expansão da cidade em sua Zona Oeste, que deveria ter sido utilizada para
implementar uma política habitacional e que, naquele momento, não estava cumprindo uma
função social.
A antiga Fazenda, que era de propriedade dos “irmãos Ermindo e Gentil Carlesso,
ambos naturais de e residentes em Alegrete, que vinham à fazenda só para ver como andava a
85
criação de gado” (SCHERER, 2008, p. 33), havia sido desapropriada pelo estado em 30 de
novembro de 1978. Da área de 1200 hectares, 39 ha foram utilizados pela COHAB-RS, que,
em 1981, inaugurou a COHAB Santa Marta43
, com 872 moradias. Do restante da área
Em 1984, foi autorizada a doação, pela Lei Estadual 7.933/1984, de
aproximadamente 340 hectares para a Companhia de Habitação do estado do Rio
Grande do Sul – Cohab, a fim de que fosse construído, no prazo de cinco anos, um
conjunto residencial. Isto não se efetivou, fazendo valer a pena de retorno de
domínio da área para o estado do Rio Grande do Sul. (MATTIONI, 2010, p. 58).
Segundo Weber (2000), em 1989, chegou-se a criar em Santa Maria a expectativa de
se realizar um loteamento na área por parte do Governo Estadual, de forma que
Estavam previstas a entrega de 900 lotes e a construção de moradias nos mesmos,
através do Projeto Pró-Morar, da COHAB. Porém, por problemas de abastecimento
de água, a CORSAN (Companhia Rio-grandense de Saneamento) alegava a
dificuldade de se construir uma adutora até o local. Até final de 1990 nada havia
acontecido. (2000, p. 43).
Foi neste contexto, diante da grave crise social vivenciada na época, que se iniciou as
discussões que deram forma e organização ao MNLM em Santa Maria. Conforme Vanderlei
dos Santos, em entrevista para este trabalho, a situação era muito dura para a população mais
pobre:
Na época a gente percebia que o déficit habitacional da cidade era muito grande, era
muita gente pagando aluguel, muita gente morando nos fundos das casas dos pais,
da casa dos sogros, e o setor imobiliário era muito forte na época e vivia entorno
disso, vivia sacrificando a pobreza com o aluguel, e o aluguel como todos sabem
“come mais do que o rancho”, até falta comida, muitas vezes os pais não podiam
sustentar os filhos de uma forma adequada, porque tinha que pagar o aluguel, e esse
dinheiro ia pros empresários e não se tornava em benefício dos moradores mais
pobres da cidade. (Vanderlei dos Santos, Entrevista realizada em 11/02/2013).
Ainda, de acordo com Vanderlei, que na época era membro do Sindicato dos
Trabalhadores da Indústria e Comércio da Alimentação da Região (SINTICAL), desde 1988,
as lideranças sindicais da cidade discutiam a questão da pobreza e da falta de moradia da
classe trabalhadora, procurando alternativas concretas para sanar esta situação, sendo este um
dos pontapés iniciais que culminou com a criação do Movimento pela Moradia na cidade.
Iniciou-se, assim, um trabalho de base pelas vilas e ocupações de Santa Maria no
sentido de organizar as famílias de baixa renda que necessitavam de moradia própria para
43
Para mais informações sobre a COHAB Santa Marta, além do trabalho de Moura & Mello (1994), ver também
as obras de Gomes (1999) e Jacques (2008).
86
lutar por uma política habitacional mais inclusiva. Foi assim que, de acordo com Weber,
começaram as discussões que culminaram com a ocupação da Fazenda Santa Marta:
Um grupo de famílias interessadas em participar do programa de moradias, através
do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM, que em Santa Maria
ficaram conhecidos como os “Sem-Teto”), realizou, então uma série de reuniões nas
vilas da cidade, além de três grandes plenárias na Câmara de Vereadores, onde
foram convidadas a participar a Caixa Econômica Federal, Prefeitura Municipal,
COHAB e Câmara de Vereadores, porém somente a última se fez presente. Na
quarta reunião plenária, culminada por uma grande passeata, as famílias decidiram,
em assembléia, ocupar o espaço da Fazenda Santa Marta. (2000, p. 43).
Este processo é muito bem narrado por Leonel Pacheco, em entrevista à Botega (2004)
sobre a época que compunha a coordenação municipal44
do MNLM:
Quando se veio do encontro nacional em Minas em 1990 a tarefa em Santa Maria
era organizar uma coordenação municipal que previamente já havia sido anunciada,
e começou a se fazer um trabalho de quantas pessoas tinham sem moradia. Aí se
começou a trabalhar nas vilas, já naquelas ocupações que tinha no leito do Cadena,
na Arco-Íris, enfim, na periferia da cidade. Se fez um levantamento de que tinha um
número muito grande de pessoas que necessitavam de habitação e o poder público
não tinha nenhum projeto de moradia. Se fez uma discussão dentro da coordenação
municipal e se apontou uma ocupação. As pessoas que naquela época estavam na
executiva municipal da coordenação fizeram levantamento de área e foi apontado a
Fazenda Santa Marta. Começou a se fazer reuniões sistemáticas pelas vilas,
conversando com as pessoas explicando e as pessoas colocando as suas
necessidades. Aconteceu em dezembro de 1990 uma plenária municipal na Câmara
aonde tinha em torno de 400 pessoas, 430, 440 pessoas, não lembro muito bem, e
estas pessoas já começaram a ter o entendimento que a única forma de ter habitação
era através da ocupação e a gente fez esta reunião geral, e a gente apontou algumas
regiões, aonde o número era mais elevado, a necessidade era maior, e se partiu para
esta ocupação da Fazenda Santa Marta (...) (Entrevista realizada em 02/09/2003,
Botega, 2004, p. 42).
Percebe-se, assim, que a decisão de ocupar a Fazenda Santa Marta não estava dada a
priori, mas sim foi amadurecendo, conforme os poderes públicos deixavam mais claro o seu
descaso com a questão da moradia para os setores populares, seja ao não buscar meios para
implementar um programa habitacional em uma área cedida para isto, seja ao ignorar os
anseios das famílias e pessoas que participavam das reuniões públicas, a fim de cobrar uma
política habitacional mais inclusiva – pois, naquele período, a Cohab-RS exigia a
comprovação de uma renda mensal entre 2,5 e 5 salários mínimos para se obter uma moradia.
Ainda, de acordo com Vanderlei dos Santos, na época, a área da Fazenda Santa Marta era
utilizada apenas para promessas eleitorais, pois “quando ia se elege o próximo governo do
44
A Coordenação Municipal do MNLM era composta inicialmente por Élso Ferreira Pires, Fátima Olália,
Fernando Menezes, Leonel Pacheco, Pedro Zoé Barcellos, Sandra Feltrin, entre outros (BOTEGA, 2004).
87
estado, se dizia que iam construir casas populares, mas na verdade era só plano eleitoreiro né”
(Entrevista realizada em 11/02/2013).
Foi justamente este descaso e as promessas não cumpridas o que gerou a indignação
daqueles que pouco ou nada tinham a perder e os mobilizou para a ação direta de ocupação
coletiva e organizada como forma de pressão sobre os órgãos institucionais. Ante a
impossibilidade de diálogo e a negociação buscada pelo MNLM com os setores responsáveis
pelas políticas habitacionais, e
Tendo como principais reivindicações a redução dos níveis salariais exigidos pela
Cohab/RS para a aquisição de casas populares e o inicio das obras de expansão da
Cohab‟s Fernando Ferrari, Tancredo Neves e Santa Marta, o MNLM organizou um
grupo de 357 famílias que não se adequavam aos critérios exigidos pela Cohab/RS
para a aquisição da casa própria. (BOTEGA, 2004, p. 61).
Teve origem, assim, a primeira ocupação de terras organizada por um movimento
social e com uma pauta política de reivindicações em Santa Maria, pois apesar de já terem
ocorrido dezenas de ocupações urbanas nesta cidade, nas décadas anteriores, estas sempre se
deram em um nível mais individual e de forma espontânea, com vistas a permanecer na área
tomada, o que não necessariamente era o objetivo da ocupação da Fazenda Santa Marta pelo
MNLM.
Realizado o levantamento das famílias, o planejamento e os preparativos para a
ocupação, definiu-se a madrugada do sábado, dia 07/12/1991 para que a ação fosse executada
com a primeira entrada dos manifestantes na área, seguidos pelos demais nos dias seguintes,
conforme Grunewaldt & Albarello:
Usando como ponto de concentração a Igreja São João Evangelista, localizada na
Vila Caramelo e distante quarenta minutos de caminhada até o local escolhido, a
partir da 1 hora da manhã passaram a se deslocar até o local. Na noite da referida
data, foi realizada a ocupação de um pequeno local com trinta e quatro famílias. (...)
A área ocupada não foi dividida entre os ocupantes, já que o objetivo do movimento
era negociar com o Governo estadual a construção de moradias através da COHAB.
(2009, p. 3-4).
Este foi um fim de semana de muita luta em Santa Maria, pois, no dia seguinte,
08/12/1991, ocorreu, também, a chegada de 16 famílias de trabalhadores rurais sem-terra em
outra área da Fazenda Santa Marta, próximo ao Distrito Industrial, algo que não estava
combinado entre os movimentos, mas que trouxe à tona a luta pelas Reforma Agrária e
Urbana em Santa Maria, praticamente ao mesmo tempo e espaço. Às 16 famílias que vieram
88
no domingo, somaram-se mais 17, em 11/12/1991, totalizando 33 famílias – cerca de 139
pessoas –, todas oriundas de acampamento do MST em Bagé (A Razão, 12/12/1991).
Apesar dos militantes do MST possuírem um documento do Governo Estadual,
assegurando que ali seria implantado um assentamento, houve dificuldades com a Brigada
Militar (BM) para que os colonos pudessem montar acampamento. Também houve forte
repercussão na mídia local e, principalmente, oposição por parte da Companhia Estadual de
Desenvolvimento Industrial e Comercial (CEDIC) o qual administrava aquela área, da
FUNDAE (que possuía uma Escola de Produtores Mirins, próximo à área – e que em 2012,
por uso irregular, perdeu o comodato sobre 77 dos 96 ha sob sua responsabilidade, que
passaram então a pertencer a Aldeia Guarani) e da CACISM, levando o Governo do Estado a
transferir os sem-terra de Santa Maria, no início de 1993, após estes permanecerem
acampados em precárias condições durante todo este período, sem receber a posse definitiva
da terra. Somente no ano 2000, enquanto parte do Programa Estadual de Reforma Agrária do
Governo Olívio Dutra, é que foi implementado um assentamento da reforma agrária, em 305
ha desta área, sendo composto por 18 famílias, o Assentamento Carlos Marighella45
.
Já em relação à ocupação protagonizada pelo MNLM,
As demais famílias que estavam cadastradas pelo Movimento, e que não entraram
durante a madrugada, entraram durante a manhã e nos dias seguintes, somando 357
famílias ocupantes cadastradas pela coordenação do MNLM no dia 12/12/1991.
(SCHERER, 2005, p. 4).
A respeito da atuação das forças policiais, inicialmente a atuação da BM limitou-se a
vigiar e acompanhar o processo de ocupação. No entanto, da terceira noite em diante, a BM
cercou o local e passou a permitir somente a saída dos ocupantes, de forma que sequer água,
comida ou outros materiais podiam ser buscados por parte de quem estava dentro da
ocupação, pois se saísse seria impedido de retornar, da mesma forma que dificultava-se as
pessoas e instituições que iam levar doações, prestar apoio e solidariedade ao Movimento dos
“Sem-Teto”.
Este cerco somente foi superado devido ao apoio de diversos setores da sociedade para
com a ocupação e a pressão sobre as autoridades, especialmente por parte dos setores da
45
O Assentamento Carlos Marighella foi criado na perspectiva do chamado na época “modelo novo”, que seriam
assentamentos coletivos (sem divisão dos lotes) e de produção agroecológica cooperativada. No entanto, diversas
dificuldades, como assistência técnica despreparada para o trabalho agroecológico, proximidade do lixão
municipal, solo arenoso, degradado e com baixa fertilidade, geraram frustrações e divergências internas que
prejudicaram o projeto inicial. Para um estudo mais detalhado sobre este assentamento, ver a obra de Rodrigues
(2010) e suas referências bibliográficas.
89
Igreja Católica, identificados com a Teologia da Libertação, como as pastorais sociais e o
Projeto Esperança/Cooesperança, assim como do Movimento Sindical, que desde o começo
deram suporte e angariaram bens de primeira necessidade aos movimentos sociais acampados
na Fazenda Santa Marta, tanto o MST, como o MNLM.
O apoio recebido foi de grande importância para viabilizar a ocupação, pois “essas
pessoas viveram mais de nove meses dentro de barracas de lona, tendo somente uma torneira
para as necessidades de todas as pessoas, as quais ao final desse tempo totalizavam em torno
de 4000 pessoas” (GRUNEWALDT; ALBARELLO, 2009, p. 4). Nesse período, organizar-se
foi fundamental, de forma que “a disposição das barracas possibilitava uma área central no
acampamento, nesta área foi construída uma barraca de referência, onde eram realizadas as
reuniões e plenárias decisivas da ocupação” (SCHERER, 2008, p. 37), sendo que
Existia toda uma organização interna e externa da ocupação e de funcionamento do
acampamento. Pela negociação externa com o governo e comunicação com a mídia
havia alguns representantes como Fernando Menezes e Sandra Feltrin.
Para a organização interna foi dividido em várias equipes de trabalho. Havia equipe
da cozinha, segurança, primeiros socorros, e outras necessárias para o
funcionamento organizado do acampamento. (Ibid., p. 38).
Conforme já salientado, o objetivo inicial do MNLM. por meio da ocupação. era de
abrir um processo de negociação que levasse a redução dos níveis salariais exigidos pela
COHAB-RS, porém esta não se mostrou aberta ao diálogo, como deixaram claras as
declarações do gerente regional da COHAB-RS, Paulo Carús Juliani, no jornal A Razão, em
13/12/1991. Na ocasião, desferiu críticas a ocupação (definindo-a como uma “sangria
desatada”, que em sendo atendidas as reivindicações das famílias “logo aparecerão outras
pedindo casas”) e informou que nos próximos dias estariam entrando com pedido de
reintegração de posse da área, pois a mesma seria destinada para um projeto habitacional em
que seriam mantidas as exigências de comprovação de renda vigentes (BOTEGA, 2004, p.
45). Os órgãos públicos afirmavam que apenas negociariam caso os manifestantes
desocupassem a área. O depoimento de Leonel Pacheco explica bem esta questão:
O Estado queria a área livre para negociar. Não queria que tivessem famílias lá
dentro. Mas nós entendíamos naquela época que se nós saíssemos de lá, com certeza
nós não entraríamos de novo. Porque esta é uma das questões que sempre que tem
uma área ocupada, a parte interessada faz o pedido desocupem a área que a gente
negocia. Mas é bem diferente na realidade. Eles não tinham o menor interesse de
negociar a área porque eles tinham alguns projetos que para nós naquela época eram
meramente eleitoreiros e não atenderiam aquelas pessoas pelo fato de que os
critérios eram muito rígidos. Atendiam só quem estava empregado e lá tinha um
número muito grande de desempregados, quase que 80%, 85% eram
90
desempregados, só viviam de bico e com isso já não estavam conseguindo pagar seu
aluguel. Com certeza se a Cohab tivesse algum projeto, se o Estado trabalhasse
algum projeto, estas pessoas não seriam selecionadas porque não se enquadrariam
dentro dos critérios. (BOTEGA, 2004, p. 45).
Frente às negativas de negociação por parte do poder público e a ameaça de
reintegração de posse – impetrada pela COHAB-RS, em 18/12/1991 –, o MNLM procurou
apoio em diversos setores, como com o reitor da UFSM e presidente do Corede-Centro
(Conselho Regional de Desenvolvimento), Tabajara Gaúcho da Costa, para que este se
tornasse um intermediário nas negociações (A Razão, 19/12/1991, p. 1). Em seu trabalho
sobre a ocupação da Fazenda Santa Marta, Leonardo Botega relata que a postura da Prefeitura
Municipal foi de total omissão em relação à ocupação, por ser uma área do estado, tendo
chego ao cúmulo de afirmar que só o que poderia fazer “era abrir uma vala e botar todos esses
pobres que estavam incomodando dentro e colocar terra”. Assim, alguns vereadores, como
Valdeci Oliveira e Paulo Pimenta, ambos do PT, e os deputados estaduais Marcos Rolim,
também do PT, e Renan Kurtz, do PDT, se colocaram como intermediários, sendo que este
último, por ser do partido do governador Alceu Collares, era visto com desconfiança, como
alguém que estava no papel do estado (BOTEGA, 2004, p. 48).
Esta postura de omissão deliberada por parte da Prefeitura santa-mariense é muito bem
elucidada por Pinheiro, com base em Offe:
Segundo Clauss Offe (1984), uma das estratégias preferidas dos detentores do poder
é o não reconhecimento de uma determinada realidade, situação ou acontecimento.
Essa “não realidade” implica em “não decisões”, ou seja, na ausência deliberada de
ações ou políticas públicas em relação a ela. Esta tem sio uma prática constante, ao
longo dos anos, do poder municipal de Santa Maria em relação aos assentamentos de
interesse sociais. (2004, p. 36).
Crescia cada vez mais, entre os membros da ocupação, a certeza de que deveriam
resistir e conquistar aquele pedaço de terra para construir suas moradias. A confiança de que
isto era possível se fortaleceu em 24/12/1991, momento em que a juíza da 1ª Vara Cível de
Santa Maria, Judith dos Santos Moteccy, indeferiu o pedido de reintegração de posse
solicitado pela COHAB-RS, por considerá-lo deficitário e insuficientemente instruído para
um ato de despejo, o que representou um verdadeiro presente de Natal para as famílias
acampadas. Somente a partir de então se puderam iniciar, de fato, as negociações, mas então
para discutir – e disputar – o futuro da área ocupada, além do Movimento, também, continuar
pressionando pela redução dos níveis salariais exigidos pela COHAB-RS e pautando uma
nova política urbano-habitacional. A Figura 3 ilustra como era a ocupação neste período:
91
Figura 3 – Acampamento na área ocupada
Fonte: Blog do MNLM Santa Maria46
.
Ante a pressão do movimento popular, firmou-se um acordo assinado pelo
Governador, em 27/02/1992, o qual previa a construção de 200 moradias, o que, entretanto,
ainda não englobava a totalidade das 357 famílias ocupantes, de forma que, após mais um mês
de discussão, se conseguiu ampliar o número de lotes para 260. Fez-se necessário, então,
constituir uma comissão para discutir os critérios para destinação das casas. Esta comissão foi
composta por 11 membros: quatro representantes do MNLM, três vereadores (Valdeci
Oliveira - PT, Vicente Paulo Bisogno - PDT e Arnildo Müller - Partido do Movimento
Democrático Brasileiro - PMDB), um representante da CEEE; um da CORSAN, um da
prefeitura e um da COHAB-RS, (A Razão, 24/03/1992, p. 7) existindo assim um certo
equilíbrio político na mesma. Neste processo, o MNLM, também, pautou que as cerca de 40
famílias da ocupação Fernandes Vieira, na Região Norte da cidade, e que já estavam em vias
de serem desalojadas, também, entrassem na seleção dos lotes.
No mês de maio, foi realizado o sorteio dos lotes. No entanto, no momento em que as
famílias foram tomar posse destes, foram surpreendidos pela BM, que tentou impedir o seu
estabelecimento definitivo, demonstrando novamente a discordância do Governo para com a
ocupação (SCHERER, 2005, p.7). Mais tensionamentos e negociações se sucederam:
Após os conflitos com a Brigada Militar, ocorreu uma reorganização do
acampamento, pois, ao invés de ficarem agrupadas, as famílias posicionaram suas
barracas improvisadas próximas de seus futuros lotes na 7 de Dezembro e algumas
começaram imediatamente a construir suas casas.
Depois de vários meses de negociação entre Movimento e COHAB estes chegaram a
um acordo no dia 9 de dezembro deste ano, porém com muita desconfiança por parte
do MNLM. O acordo ocorreu em uma reunião que contou com a presença de um
representante do Movimento, três da Câmara e um da COHAB. Neste acordo foi
definido o assentamento de 292 famílias e a retirada imediata das que estavam em
áreas verdes. Dentre as 292 famílias estavam incluídas as da Ocupação Fernandes
46
Página do MNLM de Santa Maria na internet: <www.mnlmsm.blogspot.com>.
92
Vieira, que chegaram no dia 10 de outubro, dando origem a atual Vila 10 de
Outubro. (Idem 2008, p. 38-39).
Desta maneira, transcorreu-se sete meses entre o sorteio dos lotes e sua posse
definitiva, dando início a estruturação do que hoje são as Vilas 7 de Dezembro e 10 de
Outubro. Os relatos da época recordam o quão duro foi esse período, seja pelo calor sentido
debaixo da lona preta, seja pela rigorosidade do inverno de 1992, ou pelos dias de chuva e o
barro gerado, o que somado a questão da falta de eletricidade e de água potável (o básico do
saneamento básico), levou muitas pessoas a adoecerem e terem de, inclusive, abandonar a
ocupação.
Também, foram diversas as denúncias de repressão e de arbitrariedades por parte da
polícia, o que junto (e na verdade expressando) a indisposição em negociar por parte do
Governo Estadual, detentor da área, e municipal, agora sob a gestão de José Haidar Farret,
“por considerarem a ação um ato criminoso, levou a um vazio da presença do Estado na
região. Tal fato gerou o início de uma série de ocupações espontâneas, bem como da ação dos
grileiros na área” (BOTEGA, 2010, p. 87).
A cada dia mais famílias iam (e ainda vão) para a fazenda Santa Marta, em busca de
uma alternativa ante a impossibilidade de pagar aluguel ou adquirir a casa própria por meio de
financiamentos, o que gerou a expansão da ocupação inicial organizada pelo MNLM, a
exemplo da atual Vila Pôr do Sol, surgida de forma espontânea, a partir de 1993. Isto fez com
que, daquele ano em diante, o Movimento passasse a cobrar do Governo Estadual um projeto
urbanístico para todo o local, pois as Vilas 7 de Dezembro e 10 de Outubro, também não
possuíam infraestrutura, além de atuar no sentido de organizar e conscientizar as famílias a
não ocupar os espaços de forma desordenada, pois isto dificultaria sua futura urbanização.
Outra ocupação ocorrida na época sem ter sido planejada pelo MNLM foi a do local
da atual Vila Núcleo Central, quando, em 04 de março de 1993, oito famílias adentraram no
local, seguidas por dezenas de outras nos dias seguintes. Os primeiros ocupantes organizaram
uma comissão (COTETO), presidida por Juceli Noschang Teixeira, que tinha por atribuições
realizar o cadastro daqueles que nela iam se estabelecer (na qual declaravam não possuir bens
imóveis, não estar participando de um movimento de cunho político e não estar acampando
para terceiros), dividir os lotes entre estes e se reunir com o gerente regional da COHAB-RS,
Paulo Carús, a fim de reivindicar a posse da área de 25 ha para as famílias presentes no local.
A postura do MNLM foi de apoio a esta nova ocupação, se colocando como intermediário nas
negociações e buscando impedir com que a COHAB ingressasse com pedido de reintegração
93
de posse (A Razão, 09/03/1993 – Figura 4). De fato a COHAB-RS não solicitou a
reintegração, conforme noticiado no dia seguinte, porém cogitava a hipótese de transferir os
ocupantes (que já chegava ao número de 314 famílias cadastradas em apenas uma semana)
para outro local da cidade, próximo à Vila Caturrita, algo que as famílias presentes não
queriam (A Razão, 10/03/1993).
Sobre a relação entre o MNLM e as ocupações realizadas de maneira independente,
Scherer aponta que
Mesmo sem participação direta, o MNLM ajudou as ocupações espontâneas,
trabalhando como intermediário nas negociações e possibilitando que o estado não
viesse a pedir reintegração de posse. A ajuda também vinha de forma indireta, pois
após o estabelecimento das ocupações espontâneas todas as reivindicações do
MNLM acerca de melhorias na área foram dirigidas também para o Pôr do Sol e
Núcleo Central. (2005, p. 10-11).
Figura 4 – Matéria sobre a ocupação do Núcleo Central
Fonte: A Razão, 09/03/1993.
Junto às legítimas ocupações espontâneas das famílias pobres, alguns oportunistas de
plantão criaram uma “comissão” e iniciaram um esquema de venda ilegal de lotes,
inaugurando, assim, a prática da grilagem na área, o que foi denunciado no jornal A Razão,
em edição de 30/03/1993 – Figura 5. Em relação a isto, Sandra Feltrin, da coordenação
municipal do MNLM, na ocasião declarou que este “não reconhece a comissão” e que estava
“mais do que na hora da Cohab Estadual tomar uma providência definitiva e fazer um
levantamento oficial das famílias que estão no local”.
94
Figura 5 – “Já são 1500 famílias acampadas no local”
Fonte: A Razão, 30/03/1993.
As cobranças por melhorias e por um plano de assentamento por parte do MNLM
levaram a COHAB-RS a alegar que iriam fazer um cadastramento de todos os ocupantes da
área da antiga Fazenda, incluindo as novas ocupações, para que com posse e análise destas
informações, o Governo elaborasse este projeto. Porém, para realizar este levantamento e
“evitar novas invasões”, a COHAB-RS chamou a polícia para cercar novamente a área e
controlar a entrada e saída das pessoas (A Razão, 31/03/1993, p. 6). Assim, em 31 de março,
houve a chegada da BM a cavalos na região (A Razão, 01/04/1993, p. 5), se instalando em
pontos estratégicos. O jornal, também, divulgou a indignação e as propostas do MNLM:
Sandra Feltrin lembrou que a questão habitacional não deve ser tratada através da
Brigada Militar. “A COHAB deve apresentar um projeto de política habitacional”,
salientou Sandra. A coordenadora do movimento diz não saber como a Brigada
Militar irá identificar aqueles que já estão acampados no local, uma vez que não
existe um cadastramento oficial. “Não podemos dar um cheque em branco ao
Carús”, pois não existe uma proposta de assentamento e cadastramento das famílias
acampadas e muito menos a garantia de que aquelas famílias ficarão na Fazenda
Santa Marta”, concluiu Sandra.
O Movimento pela Moradia quer negociar com a UFSM, COREDE (Conselho
Regional de Desenvolvimento), Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores o
cadastramento das famílias, sendo que estas entidades fiscalizaram os trabalhos. “A
COHAB não tem mais credibilidade”, (...).
Além de discordar da inclusão da Brigada Militar no processo, Sandra Feltrin quer a
apresentação, em 30 dias, de um projeto de assentamento definitivo para as
entidades citadas anteriormente, com critérios para quem ganha de zero a 5 salários
e que não possua propriedade em seu nome. (A Razão, 31/03/1993, p. 5).
95
Figura 6 – Enquanto este jornal circulava, a Brigada cercava a ocupação
Fonte: A Razão, 31/03/1993.
O vereador Werner Rempel (PMDB), então presidente da Comissão de Serviços
Públicos, Saúde, Educação e Meio Ambiente, também, endossou as cobranças do MNLM, ao
enviar um documento ao governador, solicitando providências para resolução dos problemas
das famílias acampadas na Fazenda, com a realização de um cadastramento e um projeto de
loteamento dos terrenos, além do oferecimento de saneamento básico, perfuração de poços
artesianos e atendimento médico (A Razão, 01/04/1993, p. 5).
Assim, durante a primeira semana de abril de 1993, foi realizado o cadastro de todas
as famílias, num total de 1.450, juntamente com o relatório sobre a situação da área, enviados
à COHAB-RS para a elaboração de um projeto de assentamento.
A expectativa era grande com a vinda do governador Alceu Collares para Santa Maria,
em 19 de abril, momento em que visitou a ocupação. Em seu discurso, ele reconheceu o
déficit habitacional no estado e pediu aos acampados que se mantivessem organizados e
aguardassem os trabalhos dos técnicos do Governo, além de ter assinado os trabalhos para
construção de uma adutora d‟água de 5,5km, orçada em Cr$ 15 bilhões (A Razão, 20/04/1993,
p. 14), algo que veio a beneficiar toda a Região Oeste da cidade. Entretanto, não foi
apresentado um projeto de assentamento definitivo.
A não apresentação deste projeto habitacional motivou o MNLM a planejar uma nova
ocupação de terras na Fazenda Santa Marta. Após organizar um conjunto de 45 famílias e a
tática de ação, a ocupação foi realizada no início do mês de maio, dando assim origem a
futura Vila Alto da Boa Vista. Apesar da pressão da polícia e da COHAB-RS para que se
retirassem dali, os membros dessa ocupação permaneceram cerca de oito meses acampados,
organizando a demarcação e sorteio dos lotes por meio de uma comissão interna, bem como
96
do traçado das ruas, tendo sido assentadas mais de 400 famílias no decorrer desse processo e
garantido inclusive a preservação de uma área verde para futuros projetos. Segundo Botega:
Desde as ocupações espontâneas o MNLM teve a preocupação com a urbanização
da área e esta tornou-se mais presente nesta segunda ocupação. Esta organização
fora facilitada devido ao fato de o MNLM ter encontrado um projeto que a
Cohab/RS pretendia adotar na área desde 1981, onde estava determinado o traçado
de uma possível organização territorial da área visando a urbanização desta. (2004,
p. 58).
De acordo com o jornal A Razão, a principal diferença entre o anteprojeto de
loteamento da COHAB e o que o MNLM iria implementar era a dimensão dos terrenos, que
pelo projeto original seria de 8 x 20 metros, enquanto a orientação do MNLM é de que fossem
demarcados lotes de 10 x 25 metros, seguindo assim o padrão de toda a Fazenda Santa Marta
(A Razão, 19/05/1993, p. 5).
Figura 7 – Ocupação do Alto da Boa Vista em resposta a falta de uma política habitacional. Ao mesmo tempo,
greve na UFSM
Fonte: A Razão, 19/05/1993
Esta resposta à inoperância dos poderes públicos foi uma forma contundente do
MNLM demonstrar seu descontentamento com a situação vivenciada, procurando, assim,
solucionar a seu modo a problemática habitacional do município, como alega Nilda Ribeiro
em sua entrevista, ao dizer que
(...) uma cidade que não trata com dignidade as pessoas que moram nessa cidade,
alguma coisa está bastante errada, e a forma que o movimento encontrou, a forma
que a gente encontra de diminuir essa diferença, essa desigualdade, é cuidando do
habitacional da nossa forma, que é ocupando, que é dando condições de luta, que é
pensando não só no futuro das nossas famílias, mas também no futuro da cidade.
(ENTREVISTA realizada em 11/02/2013).
97
No entanto, por mais organizado que fosse o movimento de ocupação, por si só este
não bastava, dado as dificuldades posteriores colocadas para se ter condições de viver com
dignidade no local – como nos mostra a Figura 8, momento em que não havia água encanada
e eletricidade para a maioria das casas da ocupação,
Figura 8 – Riscos à saúde e a vida dos ocupantes. UAC pede decretação de calamidade púbica
Fonte: A Razão, 01/09/1993.
Isto tornou necessário, também, atuar em outras frentes de luta para se garantir
infraestrutura para a área e políticas públicas voltadas para a moradia popular, pois o
Movimento sempre compreendeu a habitação enquanto um direito fundamental do ser
humano, sendo, portanto, atribuição do Estado provê-la. Foi neste sentido que muitas lutas,
passeatas, caminhadas até o centro da cidade e panelaços foram realizadas como forma de
denúncia e pressão sobre os órgãos públicos, assim como as campanhas realizadas, em 1993,
pela criação do Fundo e do Conselho Municipal e Estadual de Moradia, conquistadas por
meio da elaboração de Projetos de Lei de iniciativa popular, algo que requeria que 1% do
eleitorado do município e do estado assinasse a proposta. Sobre este tópico, Ana Patrícia
Moura recorda que
Em Santa Maria a gente fez a coleta no calçadão, com intervenções teatrais, como
uma das formas das pessoas se aproximarem, porque só o papel ali pra assinar a
gente percebia que as pessoas não chegavam perto, não se interessavam em só
assinar, não entendiam muito bem o que era, daí a gente fez intervenções teatrais, só
com militantes, eu participei diversas vezes. (ENTREVISTA realizada em
11/02/2013).
98
A imagem anterior ilustra as dificuldades e condições subhumanas enfrentadas pelos
ocupantes da Fazenda Santa Marta, que arriscaram suas próprias vidas no decorrer deste
período consumindo água de sanga contaminada (A Razão, 06/01/1994), devido às poucas
torneiras comunitárias disponíveis, ou tendo de caminhar por vários quilômetros com baldes e
bacias para conseguir um pouco de água potável. Além disto, conviveram sem energia
elétrica, iluminação pública e transporte coletivo dado a ausência de ruas.
Outro grande problema era a questão do lixo, pois a ausência de coleta gerava o seu
acúmulo a céu aberto em diversos locais, como margens de sangas, áreas verdes e voçorocas
(GARCIA, 2006, p. 66), o que junto com o esgoto a céu aberto, prejudicava a saúde dos
moradores e gerava a proliferação de parasitas, como carrapatos, pulgas, bichos-de-pé e,
inclusive, escorpiões (A Razão, 19/01/1994, p. 12) – que somente foram controlados no ano
2000, por meio de ação da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) e Vigilância Sanitária
(SANTOS, 2000). Os problemas de saúde se agravam ainda mais com o desemprego,
pobreza, moradias precárias e falta de alimentação de muitas famílias, além da distância com
o posto de saúde mais próximo, localizado na Cohab Santa Marta.
Em agosto de 1994, o Governo Estadual procedeu a realização de um novo
recadastramento dos presentes no local, apontando o número de 2500 famílias instaladas, com
o objetivo de iniciar a legalização dos lotes e a cobrança de uma taxa de ocupação (A Razão,
09/08/1994). Tal taxa corresponderia a 25% da renda de cada família, de forma que pagando
entre R$ 17,00 e R$ 20,00 mensais, por cerca de 25 anos, os moradores tornar-se-iam
proprietários do terreno (SCHERER, 2008, p. 42).
Por mais que o Governo divulgasse na mídia que estava realizando melhorias na área
da ocupação, com a instalação de infraestrutura, seus habitantes denunciavam esta inverdade
(A Razão, 10/08/1994, capa). Outro fato criticado na época foi o uso eleitoreiro da ocupação
da Fazenda Santa Marta pelo Governo Estadual, durante o período de campanha:
A quarenta dias da eleição estadual, Renan Kurtz, Presidente da Assembléia
Legislativa, pede ao governador Alceu Collares para decretar estado de calamidade
pública. Segundo Kurtz seria mais rápido solucionar os problemas da Nova Santa
Marta assim, pois o decreto possibilitaria que os recursos fossem liberados mais
rapidamente e poderia haver suplementação de verba no caso de insuficiência.
A atitude do presidente da Assembléia Legislativa foi duramente criticada por
muitos vereadores da época, dizia-se que, se houvesse vontade política, no ano
anterior quando o governador esteve visitando o assentamento, já teria anunciado
um plano de habitação. O vereador Valdeci Oliveira lembrou na ocasião que no ano
anterior já havia a necessidade de pedir o decreto de calamidade pública. Então, qual
o motivo de fazer uso deste recurso na véspera da eleição? É o que questionava. (A
Razão, 24/08/94, p. 3).
99
Ainda neste ano na véspera da eleição, foi agilizada a melhoria na iluminação
pública e prometido o empedramento de algumas ruas para posterior conclusão do
prédio da CEASA. (A Razão, 16/09/94, p. 3). O governo de Alceu Collares não se
reelegeu e o prometido não se concretizou. (SCHERER, 2005, p. 12-13).
Esta não havia sido a primeira vez que o Movimento havia denunciado o uso
eleitoreiro da ocupação, pois, no final de 1992, um dos representantes do MNLM, Fernando
Menezes denunciou na Tribuna Livre da Câmara de Vereadores da cidade o fato de que 58
lotes, na Fazenda Santa Marta, estavam sob a guarda de Renan Kurtz, para serem distribuídos
de acordo com critérios políticos, tendo em vista que estavam passando por eleições
municipais e Kurtz era candidato a vice-prefeito na chapa da Frente Trabalhista (BOLZAN,
2002).
Ainda em 1994, foi criada a primeira linha de ônibus a passar dentro da ocupação, a
linha 7 de Dezembro. Porém, apenas este itinerário e poucos horários disponíveis não foram
suficientes para atender a demanda dos cerca de 10 mil habitantes, levando muitas pessoas a
terem de continuar indo pegar o transporte público em comunidades vizinhas, ou ir para o
centro e outros bairros a pé ou de bicicleta devido o alto preço da tarifa. Inclusive, conforme
noticiado na mídia dois anos depois, as más condições das estradas da Nova Santa Marta, que
ainda não eram pavimentadas, impediram a entrada de uma ambulância e de transporte
público, de forma que “alguns moradores chegaram a improvisar uma „operação tapa-buraco‟,
pois a região ficou 15 dias sem ônibus porque a empresa alegou haver muitos buracos e
enquanto não os tapassem, os ônibus não „subiriam‟ na vila.” (Idem, 2008, p. 42).
Figura 9 – Convênios que não chegam para todos: moradores fazem mutirão para recuperar ruas
Fonte: A Razão, 09/08/1996.
100
Se até então a situação era muito difícil para os moradores da Nova Santa Marta, a
partir do início dos governos de Antônio Britto (PMDB), no plano estadual, e de Fernando
Henrique Cardoso (PSDB), em nível federal, em 1995, esta tendeu a piorar nos anos
seguintes, devido ao fato de estas administrações dialogarem muito pouco com os
movimentos populares e não priorizarem as demandas sociais como um todo, a exemplo da
questão das políticas para habitação e moradia popular, que inclusive sofreram retrocessos.
Neste contexto, Pinheiro aponta que
Em 1995, com a política dos governos estadual e federal de privatização e redução
da máquina pública, a COHAB-RS foi colocada em liquidação e a Caixa Econômica
Estadual foi extinta pelo Governo do Estado. Com isto, o Estado perdeu os seus
instrumentos para realização de uma política habitacional de interesse social. (2004,
p. 63).
A falta de investimentos em políticas públicas, somado aos altos índices de
desemprego vigentes nos anos 1990 e a implementação de políticas neoliberais de
privatizações e redução do papel do Estado na economia e na sociedade, não deixaram
alternativas aos movimentos sociais a não ser construir lutas para defender direitos e resistir a
crescente exclusão social. Foi neste sentido, por exemplo, que o jornal A Razão divulgou, em
29/03/1995, a participação do MNLM de Santa Maria na “Caravana pela Reforma Urbana e
Cidadania”, manifestação realizada em Brasília para pressionar o Governo FHC por
saneamento básico e uma política de moradia popular, assim como a realização da primeira
“Marcha dos Sem”, em Porto Alegre, em 1996, cuja origem foi a Plenária dos Trabalhadores
do Rio Grande do Sul, realizada em 25 de julho de 1995, a qual convocou a 1ª Conferência
Unitária dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul, em 16 de setembro de 1996, que, por sua
vez, convocou a Marcha dos Sem, para novembro do mesmo ano.
Em Santa Maria, o MNLM procurou dialogar com o novo Governo Estadual, em 14 de
março de 1995, quando o deputado estadual Marcos Rolim agendou reunião na Prefeitura
Municipal com o secretário de obras, saneamento e habitação do Governo Estadual, Mendes
Ribeiro Filho (BOLZAN, 2002). No entanto, as únicas ações realizadas pelo Governo
Estadual no assentamento na antiga Fazenda Santa Marta foram a realização de um novo
recadastramento dos moradores47
e o impedimento da entrada de materiais de construção na
área por meio da BM – materiais que só seriam liberados após os moradores comprarem seus
47
O recadastramento foi realizado por uma comissão composta pelo Governo Estadual, pela Prefeitura, pela
Câmara de Vereadores, pela UFSM e por representantes dos moradores.
101
lotes –, que, também, retomou o controle da entrada e saída da ocupação (SCHERER, 2005,
p. 14).
O objetivo do recadastramento era fazer o diagnóstico socioeconômico dos moradores
e averiguar possíveis irregularidades entre os ocupantes (como famílias que possuíssem outras
moradias em seus nomes ou que tivessem demarcado mais de um lote), para assim realizar a
cobrança da taxa mensal de cerca de R$ 20,00 por lote, tendo-se constatado ao final do
cadastro a presença de 2,3 mil famílias. Dava-se a entender, desta forma, que se estava
avançando na regularização fundiária do assentamento, no entanto além do estado não
promover melhorias – que só ocorriam lentamente frente a pressão e lutas promovidas pelos
moradores –, esta era uma cobrança ilegal, que mesmo parecendo barata, na prática gerou um
índice de inadimplência que dois anos após instituído já atingia um índice de 75% das
famílias (SCHERER, 2005 p. 18).
Isto levou o MNLM a passar a cobrar um maior protagonismo da Prefeitura
Municipal, ainda sob o comando de Farret. Porém, o Prefeito se negou a assinar um acordo de
co-responsabilidade em junho de 1995, alegando falta de tempo para analisar a proposta
(Ibid., 2005), enquanto, em 1996, discordou da proposta de municipalização da área,
defendida por Fernando Menezes, da coordenação do MNLM e então secretário do Conselho
Municipal de Habitação, alegando falta de recursos para tal (BOLZAN, 2002).
O fato de todas as instâncias governamentais abdicarem de quaisquer
responsabilidades e apoio a resolução das demandas da Nova Santa Marta gerou um quadro
de abandono sobre o local, o que indignava os moradores. Scherer (2008) resgatou inclusive a
letra do samba enredo de um bloco da Nova Santa Marta que ficou em terceiro lugar no
carnaval de 2005 e que já denunciava esse jogo de “empurra-empurra” por parte dos governos
em vigor:
102
Figura 10 – Samba enredo Protesto e Alegria, 3º lugar em 1995
Fonte: Carlos Martins “Romeiro”, Scherer, 2008, p. 44.
Desta maneira, muitos dos problemas básicos existentes desde o início da ocupação
ainda faziam-se presentes, afetando diretamente a qualidade de vida dos moradores da
comunidade. Mesmo com a instalação de água e luz para parte do assentamento durante o ano
de 1996, conforme relata Scherer (2005), muitas demandas ainda se faziam presentes, pois as
melhorias não chegavam para todos ao mesmo tempo, condição esta atestada pela matéria
“Fala Santa Maria” de junho de 1996, uma parceria entre a UAC e o jornal A Razão
abordando a realidade das vilas e bairros da cidade. Em relação à Nova Santa Marta se
afirmava “Sem-teto não. Sem-infraestrutura”, sendo um dos motivos para isto a omissão do
poder público, pois como relatado na matéria, “o presidente da Associação Comunitária Alto
da Boa Vista, Carlo Alberto de Souza Martins, disse que na prefeitura não mais o recebem
para discutir os problemas da vila” (A Razão, 10/06/1996, p. 6):
103
Figura 11 – Sem-teto não. Sem-infraestrutura
Fonte: A Razão, 10/06/1996.
Um grave problema apresentado na reportagem da Figura 11 é o do acesso a educação
aos moradores da comunidade, expresso tanto pela longa distância e baixo número de escolas
que havia na Região Oeste, quanto pelas poucas vagas disponíveis frente à demanda e pela
insuficiência de transporte público para se estudar em outros bairros e no turno da noite. Isto
fez com que, em 1996, momento em que já haviam mais de 3 mil famílias na Nova Santa
Marta, a reportagem afirmasse que “o número de crianças que nunca foram à aula é de
aproximadamente 500 em toda a região” (A Razão, 10/06/1996, p. 7), e que já havia a
possibilidade da construção de uma escola filantrópica dos Irmãos Maristas no assentamento,
bastando apenas a doação do terreno por parte da COHAB-RS. Esta necessidade fez da luta
por creches e escolas uma importante bandeira dos moradores desta comunidade. Suelen
Aires Gonçalves, uma jovem militante do MNLM, relata parte das dificuldades enfrentadas
por quem vivia na ocupação para se ter acesso a educação e o preconceito sofrido por estas
pessoas:
Eu estudava na escola Augusto Ruschi e recordo que para estudar lá foi um
sacrifício, somente consegui vaga pois tinha transferência da minha antiga escola em
Uruguaiana em mãos. Após isso percebi o preconceito por morar na ocupação, que
era chamada de “sem-teto”. Meus colegas não visitavam minha casa, por medo do
local. Recordo também que estar com os pés sujos de barro incomodava os demais
na escola. Criamos então uma tática para evitar o constrangimento com a sujeira:
104
sacolas plásticas nos pés. Recordo também que meus pais tiveram muita dificuldade
em encontrar um emprego, pois quando diziam que moravam na ocupação as
pessoas temiam. Foram anos com essa sensação de insegurança que era transmitida
pela mídia sobre a nossa ocupação! (ENTREVISTA realizada em 13/02/2013).
Somente em 07 de março de 1998, é que foi inaugurada, na Vila Pôr-do-Sol, a Escola
Marista Santa Marta, oferecendo vagas da pré-escola até a 4ª série do Ensino Fundamental de
forma gratuita às crianças da comunidade, porém ainda não dando conta de abranger a sua
totalidade. Em sua dissertação, Vargas (2008) traz à tona a luta da comunidade pela
construção de uma ponte para dar acesso a esta escola:
Avoluma-se neste período a preocupação com as vias de acesso, pois o caminho até
à escola envolvia a travessia de uma sanga. Desde então começaram passeatas, envio
de cartas às autoridades municipais, as manifestações públicas com a participação
dos alunos. (2008, p. 21).
Scherer (2005, p. 19) relata que desde 1997 a Associação Comunitária do Alto da Boa
Vista já solicitava à Prefeitura Municipal a construção desta ponte, que por sua vez a
ignorava. Apenas após o início das aulas, quando um casal de irmãos foi levado sanga abaixo
em um dia de chuva intensa e com a subsequente intensificação da mobilização dos
educandos e da comunidade é que o poder público atendeu a reivindicação popular e
canalizou a sanga.
A Escola Marista Santa Marta tem se constituído ao longo dos anos como mais um
importante instrumento de conscientização e organização da comunidade, atuando com o
MNLM em diversas questões e abrindo suas portas para a realização de atividades que
beneficiem a Nova Santa Marta. Como exemplos de ações construídas pela escola com seus
educandos e por meio do Centro Social Marista (que possui uma equipe multiprofissional
composta por assistente social, psicóloga, pedagoga, enfermeira, dentistas), podemos destacar
diversos projetos extraclasse, como capoeira, teatro, dança de rua, aulas de informática,
cursos, atividades de geração de renda e atenção primária a saúde, o Projeto Cidadania,
Projeto Meio Ambiente, o Centro Marista de Inclusão Digital (CMID), a realização anual dos
mutirões da consciência ambiental, a caminhada pela paz, dentre outros eventos e atividades
voltadas para a comunidade e suas pautas. Um exemplo deste envolvimento com a
comunidade pode ser conferido na capa do jornal A Razão, de 04 de junho de 1999:
105
Figura 12 – Caminhada ecológica na Nova Santa Marta
Fonte: A Razão, 04/06/1999.
Outra questão relacionada a esta escola destacado por Scherer foi o fato de que a
criação desta foi um fator que motivou a que mais famílias viessem se instalar na Nova Santa
Marta, ampliando-a e gerando novas ocupações espontâneas nos campos em seu entorno,
como as ocupações Maristas I e II. Para este pesquisador, “o fato de surgirem mais famílias
dispostas a permanecer um longo período sem água encanada e energia elétrica comprova
ainda a necessidade do estado realmente investir em habitação” (2008, p. 48). Foi neste ano,
também, que ocorreu de forma coletiva a ocupação que originou a Vila 18 de Abril, “sendo no
início uma iniciativa de alguns taxistas e motoristas da cidade” (Idem, 2006, p. 10).
A ampliação das ocupações espontâneas nas áreas verdes adjacentes aos locais já
estabelecidos se dava, também, devido a prática relatada por Garcia, com base em Figueiró et
al (2001), de algumas prefeituras da região “cujas administrações chegam até mesmo a
contratar veículos para „despejar‟ parte de sua população excluída na área da fazenda Santa
Marta, transferindo assim uma parcela dos seus déficits habitacionais” (2006, p. 22) para
Santa Maria. Isto contribuía não apenas para ampliar o número de membros da ocupação,
mas, também, seus problemas internos (como furtos, violência, ocupações desordenadas e em
zonas de risco ambiental) e o próprio preconceito dos demais bairros da cidade para com a
“invasão dos sem-teto”.
Pode-se afirmar que um dos maiores obstáculos enfrentados pelos moradores da Nova
Santa Marta foi a superação do estigma sofrido por estes (chamados “invasores”, “sem-teto”,
termos amplamente disseminados pela mídia local), principalmente no centro da cidade, mas,
também, presente em outras vilas e bairros, algo que, também, contribuiu para a letargia dos
agentes governamentais, que possuíam outro público prioritário, assim como para uma
postura mais repressiva das forças policiais para com os moradores deste local. A ausência de
106
regularização fundiária determinava a inexistência de um endereço oficial, seja para o
recebimento de correspondências, seja para a abertura de um carnê em uma loja ou uma conta
em banco, o que, também, dificultava a vida e a busca por empregos aos moradores da
comunidade Nova Santa Marta algo que levou uma moradora a afirmar que “na hora que
procuramos serviço nos atendem normalmente, mas quando fornecemos o endereço, a vaga já
está preenchida” (WEBER, 2000, p. 49).
Estes estereótipos são reproduzidos inclusive por moradores de comunidades de baixa-
renda próximas à Nova Santa Marta, conforme apontou Melara (2008) em seus estudos sobre
a violência criminal em Santa Maria, como moradores do bairro Juscelino Kubitschek e da
Vila Jóquei Clube, que os apontam como os principais responsáveis pela criminalidade nesta
parte da região Oeste da cidade. Melara considera que existe todo um contexto social a partir
do qual se forma um “criminoso” na Nova Santa Marta, enquanto um reflexo da segregação
induzida, carências socioeconômicas e de infraestrutura, desemprego, preconceito, sendo que
“estes criminosos praticam pequenos delitos, pois são pessoas pobres e com baixo nível de
instrução, que se sujeitam a pequenos roubos e furtos na periferia pobre, no próprio bairro ou
no bairro vizinho” (2008, p. 154). Sua pesquisa, referente ao ano de 2003, assinala que:
Na zona oeste, a questão da criminalidade é representada principalmente pelos
bairros Nova Santa Marta e Juscelino Kubitschek. O bairro Nova Santa Marta
apresenta quantidades elevadas de presos oriundos de sua área. As principais causas
de prisão dos mesmos estariam atreladas às ocorrências de furtos e assaltos. Muitos
desses crimes podem estar vinculados à questão de consumo de drogas. Estima-se
que existam no bairro pequenos traficantes, os quais podem ser, ao mesmo tempo,
traficantes e consumidores de drogas. O bairro Juscelino Kubitschek destaca-se pela
elevada quantidade de ocorrências criminais presentes no local relacionadas
principalmente a furtos, roubos e agressões. As causas da quantidade elevada desses
crimes podem, em parte, estar ligadas aos presos do bairro Nova Santa Marta. Pelo
trabalho de campo realizado verifica-se também a existência, no bairro, de pequenos
traficantes e consumidores de drogas.
É importante salientar que a zona norte e oeste da cidade se caracterizam por uma
quantidade elevada de pessoas com um baixo nível salarial, baixos níveis de
instrução e uma infra-estrutura urbana deficiente. Apresentam também um número
elevado de ocupações clandestinas, as quais possuem características sócio-
econômicas, condições de habitação e saneamento básico ainda mais precárias.
Neste sentido, pode-se dizer que todos estes fatores, de certa forma, tendem a
influenciar no processo de criminalidade nesses locais. Já foi visto que a “pobreza” é
funcional ao sistema do tráfico de drogas e que muitos crimes decorrem deste, como
é o caso de alguns tipos de furtos e roubos. Verificou-se ainda, que na zona oeste, o
crime que ocorre com maior freqüência é o furto a residências, visando aparelhos de
som, eletrodomésticos, bicicletas, calçados e roupas, os quais são objetos de pouco
valor econômico, denunciando que os praticantes desses crimes seriam pessoas
pobres e as vítimas, na sua maioria, seriam pessoas de classe média-baixa. (2008, p.
158-159).
107
Percebe-se, assim, um vínculo entre exclusão social e a segregação espacial, elementos
que compõem a dinâmica do capital no ambiente urbano, com a questão da criminalidade
entre os pobres e que possui maior visibilidade devido à histórica dinâmica de repressão
seletiva, direcionada prioritariamente ao público periférico e, principalmente, aos jovens e
negros. Durante muitos anos, a principal forma de atuação do Estado na Nova Santa Marta se
deu basicamente por meio de seus aparatos repressivos, o que contribuiu para aumentar sua
fama enquanto um “local perigoso”, “onde só tem bandido”. A atuação dos grandes meios de
comunicação tende apenas a reforçar tais estigmas e estereótipos, contribuindo assim com a
criminalização da pobreza e dos movimentos sociais, como podemos perceber analisando a
manchete na capa do jornal A Razão, de 04 de março de 1999 (Figura 13), em que os
manifestantes da ocupação do Km 2, articulados pelo MNLM, acamparam na praça central da
cidade, sendo tratados como “invasores” da área reivindicada:
Figura 13 – Ocupação ou invasão? Moradores da Ocupação Km 2 acampam na Praça Saldanha Marinho
Fonte: A Razão, 04/03/1999.
Foi visando acabar com este preconceito que, em 1999, a professora aposentada Ruth
Goulart realizou uma campanha junto às escolas e entidades para incentivar o uso do nome
“Nova Santa Marta” (SCHERER, 2005, p. 22), que passou a ser utilizado com maior
intensidade tanto pelos moradores, como na própria cidade, especialmente a partir de 2006,
quando a Nova Santa Marta passou a ser considerada um Bairro e existir no mapa urbano da
cidade.
Ainda no ano anterior (1998), o Movimento seguia pautando a municipalização da
área ocupada como forma de facilitar as negociações por regularização e infraestrutura. No
entanto, apenas o que se conseguiu foi que fosse firmado entre a Prefeitura (então sob gestão
108
de Osvaldo Nascimento) e o Governo Estadual um ato de intenções, nas vésperas das eleições
para o Governo do Estado, como ressalta Scherer:
Dia 21 de setembro de 1998, o Governador em exercício, Vicente Bogo, veio a
Santa Maria para assinar um ato de intenções entre os governos Estadual e
Municipal. Este ato de intenções previa uma transferência lenta e gradual de 304 ha
da Nova Santa Marta para responsabilidade da Prefeitura Municipal. O estado ficaria
com a responsabilidade de asfaltar as ruas durante o período de transição, não se
eximindo da responsabilidade de entregar a área com alguma melhoria, e o
Município ficaria com o restante das obrigações. Desta maneira acabaria em parte o
“jogo de empurra-empurra” que existira entre estado e Município. (2008, p. 49).
Na prática, tal transição não se efetivou, pois o Governo Estadual não se reelegeu e o
acordo assinado ficou apenas no plano das intenções, enquanto marketing eleitoral.
Entretanto, com o início do Governo da Frente Popular48
no Rio Grande do Sul, reabriu-se a
possibilidade de implementação de um projeto de Reforma Urbana para a Nova Santa Marta.
Assim, logo no início de 1999, em meados de fevereiro, os moradores da Nova Santa
Marta, em conjunto com o MNLM, realizaram uma audiência, em Porto Alegre, com o novo
Governador eleito (Figura 14) para cobrar não apenas melhorias, mas um projeto para a área,
algo pautado desde o princípio da ocupação, uma demanda com a qual o Governador Olívio
Dutra se comprometeu (SCHERER, 2008, p. 49-50). Somente então, e com a criação da
Secretaria Especial de Habitação (SEHAB), primeira secretaria estadual voltada
especificamente para a questão da habitação no Rio Grande do Sul, no Governo Olívio,
encontrou-se vontade política para que isto realmente se efetivasse. Assim, a questão da
municipalização da Nova Santa Marta foi deixada de lado pelo Governo e pelo Movimento,
assim como a cobrança aos moradores pelos terrenos por parte do Governo Estadual.
Figura 14 – Audiência da comunidade com o governador em Porto Alegre
Fonte: SCHERER, 2005, 23.
48
A Frente Popular era composta por PT, PCdoB, PSB e PCB, tendo sido vitoriosa nas eleições de 1998 no Rio
Grande do Sul.
109
Já no mês seguinte, iniciaram-se as tratativas entre o Governo Estadual, a Prefeitura, a
Câmara de Vereadores, a UFSM, a COHAB, a Fundação Estadual de Proteção ao Meio
Ambiente (FEPAM), associações comunitárias e entidades religiosas, para a construção do
projeto (A Razão, 06/03/1999), cujo esboço foi apresentado pelo Secretário Especial de
Habitação, Ary Vanazzi (um dos fundadores do MNLM no estado), em 15 de abril de 1999,
em Santa Maria, conforme noticiado pela mídia local:
Figura 15 – Comunidade Conquista Projeto Santa Marta
Fonte: A Razão, 15/04/1999.
As entidades citadas formaram uma comissão executiva que se reunia semanalmente
na Escola Marista, tendo por objetivo discutir e encaminhar as necessidades mais urgentes do
assentamento. Foi por meio desta, por exemplo, que foram criadas as caixas postais
comunitárias para o recebimento de correspondências, a criação de um escritório para
trabalhos técnicos na Escola Marista, o cercamento das áreas não ocupadas, a iluminação de
mais de 238 novos pontos, a abertura e o empedramento de diversas ruas, a criação de grupo
de geração de trabalho e renda e a ligação de telefones residenciais, dentre outros avanços
(SCHERER, 2005, p. 25).
O denominado “Projeto de Reorganização Espacial, Qualificação Urbana e
Regularização Fundiária Santa Marta”, ou apenas “Projeto Santa Marta”, visava transformar a
ocupação em um novo bairro. Para isto, previa um conjunto de melhorias ao assentamento
urbano, tais como “remoção das famílias das áreas de risco, abertura de ruas, instalação de
energia elétrica, saneamento básico, dentre outras prioridades” (PINHEIRO, 2002, p. 75), e
foi dividido em duas fases: uma de regularização fundiária, com a realização do levantamento
das condições físicas da área e do número e perfil das famílias para legalização dos lotes, e a
segunda de reorganização espacial e qualificação urbana (Ibidem, 2005).
110
Esta fase de levantamento das condições físicas e sociais da ocupação foi realizada por
uma comissão encabeçada pela UFSM, responsável pelo geoprocessamento da área e pela
realização de cadastramento socioeconômico com a aplicação de questionários aos moradores,
tendo apontado a presença de 3287 famílias (SCHERER, 2008, p. 51). Este processo gerou
diversos trabalhos e pesquisas, a exemplo da monografia de Santos (2000) sobre a qualidade
ambiental das Vilas 10 de Outubro e 7 de Dezembro, a qual, considerando diversos fatores
socioambientais49
, constatou a existência de uma baixa qualidade ambiental na maioria dos
lotes, e portanto, uma baixa qualidade de vida de seus moradores, fruto das desigualdades
socioeconômicas, educativo-culturais e ambientais propriamente ditas (SANTOS, 2000).
A partir do dia 16 de agosto de 1999, iniciaram-se as obras de melhorias urbanas na
Nova Santa Marta em parceria entre o Governo Estadual, Municipal e os moradores da
comunidade, de acordo com matéria publicada em A Razão de 17/08/1999:
Figura 16 – Inicia Projeto Santa Marta
Fonte: A Razão, 17/08/1999.
É importante destacar que o Projeto Santa Marta não previa ações apenas para a
comunidade da Nova Santa Marta, mas, também, para o conjunto da antiga fazenda, conforme
exposto na cartilha informativa do projeto, em que se apresentavam propostas de
49
Os principais fatores considerados nesta pesquisa foram lotação da casa, renda familiar, acesso a lazer,
escolaridade e acesso a informação, uso do solo e problemas ambientais, destino do lixo, destino do esgoto
sanitário e doméstico, fonte de abastecimento de água, acesso a saúde, regularização fundiária, existência de
parasitas, tipo de moradia, todos estes fatores que geram um ambiente adequado.
111
desenvolvimento econômico, rural e ambiental, como a revitalização do Distrito Industrial,
criação de assentamento da Reforma Agrária de Novo Tipo (inaugurado em 2000),
recuperação do lixão, criação de um Parque Florestal e de lazer, dentre outras. A ideia era
realizar políticas públicas integradas, envolvendo educação, cultura, lazer, saúde, transporte e
trabalho, para assim construir um projeto de desenvolvimento local autossustentável, de
ampla abrangência social e que representasse uma “ruptura de modelo”, alicerçada na
participação popular por meio de um processo de radicalização da democracia. Procurava-se,
assim, realizar um projeto transformador daquela realidade, e que ao mesmo tempo fosse
parte de um projeto societário alternativo ao que vinha sendo implementado em nível
nacional. A passagem abaixo elucida melhor o que foi dito aqui:
Esta integração de projetos – combinada com ações de inclusão social embasados na
participação popular –, faz da Santa Marta uma experiência inovadora que se
contrapõe à ausência de iniciativas e investimentos pela União em políticas sociais,
imposto pelo modelo que defende o Estado mínimo. (INFORMATIVO DO
PROJETO SANTA MARTA, 1999, p. 3).
A radicalização da democracia para definição de prioridades e políticas públicas foi
efetivada por meio da criação de um Conselho Popular da Nova Santa Marta, de caráter
deliberativo e fiscalizador, quando, em 6 e 7 de maio de 2000, foram realizadas assembleias
em que elegeram-se 130 delegados e 130 suplentes representantes de todas as quadras da
ocupação, além de possuir representantes de organizações da sociedade civil e instituições
públicas (que em sua totalidade não poderiam superar a 20% do número de delegados da
comunidade). A posse do Conselho Popular ocorreu em 20 de maio, na Escola Marista Santa
Marta, momento em que foi aprovado seu Regimento Interno. A solenidade de posse contou
ainda com a presença do Vice-Governador do Estado, Miguel Rosseto, do Secretario Especial
de Habitação, Ary Vanazzi, e do diretor do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem
(DAER), Hideraldo Caron (A Razão, 22/05/2000).
Outra importante ação pautada pela comunidade e realizada pelo Projeto foi a
construção da Escola Estadual Nova Santa Marta, inaugurada em julho de 2001, na Vila
Núcleo Central, ofertando todo o Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos
(SCHERER, 2008, p. 53).
Avançavam, também, entre 2001 e 2002, os trabalhos de reestruturação do
assentamento, utilizando-se do levantamento cartográfico realizado pela UFSM a fim de
implementar ações de organização das quadras e ruas, para assim se poder efetivar a
urbanização do local, principalmente das ocupações mais recentes e que ocorreram de forma
112
mais desordenada, como a Marista I e II, que a partir de então passaram a contar com água e
luz (Idem, 2008, p. 54). Podemos conferir, através da sequência de imagens da Figura 17, uma
parte do processo de transformações que a Nova Santa Marta vivenciou no período:
Figura 17 – Reorganização das Vilas Maristas I e II: a) residência sendo notificada por funcionários da prefeitura
e estado em 2002; b) projeção da rua no lugar da casa; c) rua já estruturada; d) rua após intervenção do PAC.
Fonte: SCHERER, 2008, p. 54; Arquivo pessoal, 2013.
Um grande, talvez o principal problema, colocado ao Governo Estadual para
implementar o Projeto Santa Marta, foi a questão da falta de recursos públicos para a
efetivação de um projeto deste porte, pois não haviam auxílios por parte do Governo Federal
para isto, o que limitou em muito a possibilidade de atuação do Governo estadual. Chegou-se,
inclusive, a se articular apoio de ONGs internacionais para viabilizar o Projeto, com a vinda
em 2001, por exemplo, da ex-primeira dama francesa Danielle Mitterrand (então presidenta
da Fundação France Libertés) à Nova Santa Marta (URRUTIA, 2002, p. 56) e, também, de
um representante da ONG espanhola Fundação Centro de Iniciativas e Investigações
Europeias no Mediterrâneo (CIREM) para auxiliar, através de cooperação técnica, na
elaboração do Plano Diretor do Projeto Santa Marta (BOLZAN, 2002, p. 87).
Tudo isto demonstra que, por mais que houvesse vontade política e real interesse do
Governo Olívio em solucionar as demandas da Nova Santa Marta e construir um projeto
113
participativo de Reforma Urbana, que se tornasse uma referência em termos de regularização
fundiária e reorganização espacial de uma região excluída e segregada, e mesmo contando
com uma parceria mais efetiva com a Prefeitura Municipal após a posse de Valdeci Oliveira
(PT), em 2001, isto foi insuficiente para implementar o Projeto Santa Marta na íntegra.
Seu grande mérito foi, justamente, ser o primeiro governo a dar importância real e ter
a coragem de romper com o ciclo de abandono e de estagnação em termos de políticas
públicas para com esta ocupação, apresentando um verdadeiro Projeto para a mesma.
Diversas melhorias em termos de infraestrutura e organização no assentamento foram
realizadas, assim como avanços na área da saúde e educação, porém ainda ficou inconclusa a
questão da regularização fundiária e a posse dos lotes por seus moradores. O Governo da
Frente Popular, com a candidatura de Tarso Genro, não conseguiu se reeleger e o Projeto
Santa Marta foi abandonado pelos governos seguintes, dando fim, também, a experiência do
Conselho Popular local. Nas palavras de Botega:
Infelizmente as mudanças de orientação política nos governos estaduais, que
tomaram posse, respectivamente, em 2003 e 2007, contiveram os avanços relativos a
este projeto entre 1999-2002. Mesmo assim, alguns progressos significativos foram
feitos na região, sobretudo no que diz respeito à educação. (2010, p. 88).
Outro avanço significativo relacionado à educação foi a conquista da construção de
uma escola municipal na Nova Santa Marta, em um local que havia sido preservado sem
moradias. O MNLM e os moradores da ocupação, já calejados de tantas batalhas e dos usos
eleitoreiros da Nova Santa Marta, com a realização de pequenas melhorias em vésperas de
eleições por parte de governantes, tinham consciência de que não bastava apenas eleger
representantes e esperar pela ação destes para se gerar as melhorias necessárias, conforme
explica Vanderlei dos Santos:
O movimento da moradia sempre tratou todos os governos como qualquer governo,
nossa pauta de reivindicação, fosse o governo que fosse, a gente nunca mudou um
item na pauta e nem vai mudar, o movimento tem uma política diferenciada, todo
governo tu tem que fazer tua pauta e levar lá, eles não vem cá pra ver o que precisa,
embora se tenha um governo de esquerda, quando é governo eles mudam
completamente (...) (ENTREVISTA realizada em 11/02/2013).
Partindo desta compreensão, e da crescente necessidade por mais educação na
comunidade, foi que, na Caminhada da Cruz do ano de 2003, realizada anualmente nas
Sextas-Feiras Santas, “dia em que a comunidade caminha em procissão, com uma cruz a ser
cravada no local eleito para abrigar a meta estabelecida para o ano” (MATTIONI, 2010, p.
114
77), os moradores decidiram pautar a criação de uma escola municipal, reivindicação esta que
foi atendida pela Prefeitura. Já no ano seguinte, em 06 de março de 2004, foi inaugurada, na
Vila Marista II, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Adelmo Simas Genro, garantindo
a oferta de mais de 700 vagas às crianças e EJA, abrigando, também, em suas dependências
uma Equipe de Estratégia Saúde da Família, além de desenvolver diversos projetos.
Outra luta relacionada à questão da educação foi a protagonizada pelos estudantes da
Escola Marista, em setembro de 2003, quando protestaram por melhorias no pontilhão que
ligava a vila Alto da Boa Vista com a 7 de Dezembro (Figura 18), de forma que “para forçar
uma solução os alunos fizeram cartas convidando o Secretário Municipal de Viação e
Transporte a participar da caminhada que reivindicava uma nova ponte de concreto”
(SCHERER, 2005, p. 29). Ainda em relação a esta escola, mais um avanço obtido foi a
ampliação de suas turmas, contemplando todos os anos do Ensino Fundamental a partir de
2006, quando os demais anos passaram a ser gradativamente implementados.
Figura 18 – Protesto contra a precariedade do pontilhão
Fonte: Blog Comunidade Nova Santa Marta50
.
Todo este processo histórico, narrado até aqui, demonstra que, apenas ocorreram
melhorias e avanços na Nova Santa Marta a partir de sua organização e luta. Após o fim do
Projeto Santa Marta, poucas foram as iniciativas levadas a cabo pelos governos estaduais, o
que fez com que diversos locais que haviam sido reformados, voltassem a se tornar precários,
e problemas cotidianos, como a falta de água periódica, seguisse ocorrendo.
50
Ver: <http://www.comunidadenovasantamarta.blogspot.com.br>.
115
O mesmo pode ser colocado em relação ao Governo Municipal, pois mesmo durante o
período em que Valdeci Oliveira foi Prefeito, chegou-se a promover algumas pequenas
melhorias na comunidade, no entanto, apenas após pressão, ficando ainda muito aquém do
necessário e do possível de ser realizado, dado o caráter contraditório de seus mandatos.
Em diversos momentos, como nos períodos de discussão sobre aumentos de tarifa do
transporte público na cidade, o MNLM se mobilizou em conjunto com o Movimento
Estudantil e posicionou-se de forma crítica à Prefeitura, a exemplo das mobilizações entre
abril e junho de 2005, que culminaram com o trancamento efetivado por estudantes,
sindicatos e militantes do MNLM, da empresa de transporte Medianeira, na manhã do dia 01
de junho (data da Jornada de Lutas pela Reforma Urbana51
), os quais, logo em seguida,
ocuparam o prédio da 8ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), ao lado do Colégio
Estadual Cilon Rosa, que estava há quatro anos abandonado (tendo se tornado um ponto de
prostituição e tráfico de drogas), para assim pautar sua reforma, o que de fato foi conquistado,
de forma que aquele prédio voltou a sediar a 8ª CRE – Figura 19. Nas semanas seguintes, o
MNLM também ocupou uma área no Cerrito, reprimida por milícias e pela ação da Brigada
Militar, além de um antigo terminal da Central Estadual de Abastecimento S.A.(CEASA), o
qual, posteriormente, foi demolido durante o Governo de Yeda Crusius, do Partido da Social
Democracia Brasileira (PSDB).
51
As pautas defendidas nesta mobilização eram: mudanças na política econômica do país; aumento do salário
mínimo regional; reforma urbana e agrária; qualidade no transporte, redução da tarifa e manutenção dos direitos;
reforma do prédio abandonado da 8ª CRE.
116
Figura 19 – Trancamento da empresa Medianeira de transporte e ocupação do prédio abandonado da 8ª CRE, em
01/06/2005
Fonte: Blog Cratera Urbana, 26/05/200752
.
Entre 20 de novembro e 07 de dezembro de 2006, foram realizadas diversas atividades
alusivas aos 15 anos da ocupação da Nova Santa Marta (Figura 20), organizadas pelo MNLM
e por escolas e entidades religiosas da comunidade, com o objetivo de valorizar o histórico do
local, mobilizar e conscientizar os moradores. Poucos dias depois, em 29 de dezembro, o
Prefeito assinou a Lei Complementar nº 42, instituindo uma nova divisão urbana municipal
(revogando a lei anterior, nº 2270 de 1986), de forma que, em seu artigo 49, designou-se a
Nova Santa Marta como um novo Bairro de Santa Maria (ver Figura 21), ainda que carecendo
de regularização fundiária (VARGAS, 2008).
Figura 20 – Ato referente aos 15 anos de ocupação da Nova Santa Marta
Fonte: Blog Comunidade Nova Santa Marta.
52
Ver: <http://crateraurbana.blogspot.com.br/2007/05/pra-no-dizer-que-no-falei-de-flores.html>.
117
Figura 21 – Mapa com a localização do Bairro Nova Santa Marta
Fonte: MELARA, 2008, p. 137.
3.2.2 “Com luta, com garra, o PAC sai na marra”
Uma grande possibilidade aberta no ano de 2007 foi a criação, por parte do Governo
Federal do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), na modalidade “urbanização de
assentamentos precários”, o que motivou o MNLM a organizar um forte processo de
mobilização na Nova Santa Marta – que neste momento já contava com mais de 22 mil
moradores em cerca de 5 mil moradias – a fim de garantir a sua inclusão no programa. Em
articulação do Movimento com a CMP, as seis associações comunitárias do bairro, as escolas,
os centros sociais, a Sociedade Assistencial e Educativa Mãe Admirável (SAEMA), após
várias reuniões preparatórias, realizaram uma manifestação, contando com cerca de 300
pessoas, em 27 de abril de 2007, a qual bloqueou a rodovia, por mais de uma hora, em que se
exigiu uma audiência com o Prefeito e os demais níveis de governo.
Logo em seguida, em 03 de maio, reuniram-se com o Governo Estadual e, no dia 09
foram à Brasília reunir-se com o Ministério das Cidades e Secretário de Habitação e Prefeito,
118
conseguindo, assim, colocar a Nova Santa Marta como uma área de possível intervenção do
PAC. Além disso, foram realizados, também, um ato em Porto Alegre e uma audiência
pública com mais de 1500 pessoas no ginásio da Escola Marista (VARGAS, 2008, p. 152),
em que os representantes dos três níveis de poder alegaram que esta seria uma prioridade.
Em 13 de junho, também, foi realizada uma manifestação no centro da cidade, com
cerca de 300 pessoas das ocupações Canaã, Km2, Km3 e Nova Santa Marta, a fim de cobrar
melhorias emergenciais nos locais de ocupação, apoio para o PAC no Km2, Km3 e Nova
Santa Marta, além de Ensino Médio nos mesmos locais (Blog do MNLM-SM, 14/06/2007).
Tudo isto foi fundamental para garantir que, dos R$ 138,6 milhões de reais em investimentos
aprovados para projetos em Santa Maria, R$ 39,9 milhões fossem destinados para a Nova
Santa Marta, o que foi assegurado em 13 de agosto, quando saíram dois ônibus a Porto Alegre
para acompanhar a assinatura do termo de adesão.
119
Figura 22 – Trancamento da BR 258, em 27/04/2007, pela inclusão da Nova Santa Marta no PAC e
Manifestação das ocupações no centro da cidade em 13/06/2007
Fonte: Blog do MNLM SM e Diário de Santa Maria, 14/06/2007.
A importância da aprovação do PAC para o bairro não se dava apenas por permitir
investimentos em urbanização, infraestrutura e saneamento básico para o seu território, mas,
também, pelos investimentos em ações sociais inerentes ao programa e, principalmente, pelo
avanço no processo de regularização fundiária dos lotes, pois para ser realizado, também,
seria necessária a legalização da área, que ainda pertencia ao estado (MATTIONI, 2010, p.
86). Em sua dissertação, Mattioni apresenta outros benefícios que a implementação do PAC
poderia gerar para melhoria da qualidade de vida dos moradores:
A efetivação das obras de infraestrutura (principalmente saneamento, pavimentação
e habitação) está diretamente relacionada à melhoria do nível de Determinação
Social da Saúde no qual se encontram as condições de vida. Desta maneira, embora
não articulada intersetorialmente e com o propósito específico de melhorar a saúde,
as obras do PAC podem ser consideradas uma prática de Promoção da Saúde, pelo
impacto que representam nas condições de vida da comunidade. (2010, p. 85).
O passo seguinte seria, então, o repasse do território do Bairro para a Prefeitura de
Santa Maria, porém, após o Governo Estadual adiar por quatro vezes a transferência da área,
os moradores indignados ocuparam o escritório regional da COHAB-RS, em 13/11/2007
exigindo a demanda53
. Assim, o repasse ocorreu, ainda que de forma parcial, quando, em 30
de novembro de 2007, a Governadora Yeda Crusius veio a Escola Marista Santa Marta e, em
ato público, assinou um termo de uso da área pela Prefeitura (e não o repasse da escritura
53
Blog Diário da Cratera Urbana, 14/11/2007.
120
desta), o que permitia que se pudesse apenas abrir as licitações para escolha das empreiteiras
que fariam as obras e a regularização.
Figura 23 – Após muita pressão, Governadora assina termo de uso da Nova Santa Marta para Prefeitura
Fonte: MATTIONI, 2010, p. 87.
Para a abertura das licitações, também, se fazia necessário a aprovação de Projeto de
Lei na Câmara de Vereadores, autorizando a Prefeitura a fazer isto. Novamente, os moradores
da comunidade se mobilizaram para acompanhar a sessão da Câmara, no dia 13 de dezembro
de 2007, a fim de garantir a aprovação do Projeto de Lei nº 7017, que autorizava o Poder
Executivo a contratar financiamento com a CEF e oferecer garantias, em um total de R$
63.650.000,00, dos quais R$ 39,9 milhões54
destinados à Nova Santa Marta. Esta foi a sessão
da Câmara santa-mariense mais longa da qual se tem registro, tendo iniciado as 15hs da tarde
e finalizado as 7:30hs da manhã do dia seguinte. Os moradores permaneceram em vigília do
início ao final da sessão e o projeto foi aprovado por unanimidade (VARGAS, 2008, p. 24-
25). Aprovou-se, assim, um grande avanço, o que representou uma enorme conquista para
aqueles que, historicamente, foram abandonados pelo Estado, tendo em vista que os recursos
aprovados para este bairro eram maiores do que aqueles destinados a maioria dos municípios.
O projeto do PAC na Nova Santa Marta previa a pavimentação das ruas e a drenagem
pluvial nas sete vilas, a construção de 36 km de rede de esgoto, áreas de lazer e centros
comunitários, a construção de 145 casas para retirar moradores de áreas de risco, a realização
54
Com a contrapartida da Prefeitura, este valor subiria para R$ 42 milhões e complementação posterior ampliou
para cerca de R$ 50 milhões os recursos a serem investidos no bairro.
121
de melhorias em outras 355 casas e a regularização das 5 mil famílias, além de atividades de
trabalho social no decorrer da implementação (Diário de Santa Maria, 03/04/2010).
Assim, após vários meses de lutas, abriram-se as licitações, sendo que algumas obras
iniciaram, mas correndo o risco de serem paralisadas ou atrasadas. O motivo foi o fato de o
Governo Estadual ficar postergando o repasse da escritura da área para a Prefeitura55
, fator
necessário para que se pudesse assinar o contrato e a CEF pudesse liberar os recursos para as
empreiteiras. Logo, novamente os moradores precisaram se mobilizar para pressionar o
Governo Estadual a tomar esta atitude, quando, em 30 de abril de 2008, cerca de um ano após
a manifestação de trancamento da BR 258, mais de 300 pessoas foram para Porto Alegre se
manifestar em frente ao Palácio Piratini, obtendo então a promessa de que, em uma semana,
estaria tudo resolvido (Diário de Santa Maria, 01/05/2008, p. 6).
Figura 24 – Manifestação em Porto Alegre pressiona Governo a repassar a escritura da Nova Santa Marta ao
Município
Fonte: Blog do MNLM SM.
Somente após muitas lutas, disputas e negociações começaram a ser realizadas parte
das obras do PAC na Nova Santa Marta, como pavimentação e saneamento. No entanto, em
2009, muitas das ações previstas para a implementação do PAC simplesmente estavam
paralisadas, pois o jogo de empurra-empurra continuava. O Governo Estadual, descumprindo
sua palavra, ainda não havia repassado a escritura da área para a Prefeitura Municipal, agora
sob gestão de Cezar Schirmer (PMDB) e José Farret (PP), alegando problemas burocráticos.
Isto fez com que fosse necessária inclusive uma intervenção do Governo Federal, com a vinda
55
A principal hipótese que destaco para explicar esta letargia por parte do governo estadual é o fato de que 2008
era um ano de eleições municipais. Assim, sendo realizadas obras de melhorias em um município governado por
um partido rival, isto geraria um bônus político que poderia beneficiar o mesmo no pleito, assim como seus
candidatos a vereador. Ou seja, novamente o conservadorismo e interesses eleitoreiros prejudicaram a população
da Nova Santa Marta.
122
da Ministra-Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, a Santa Maria, em 23 de abril, para
vistoriar o andamento das obras e assinar ordens de serviços para pavimentação e drenagem
na Nova Santa Marta, agilizando, assim, parte das obras (Blog do MNLM-SM, 22/04/2009).
Apenas em 23 de setembro deste ano, após muita pressão sobre os governos Municipal
(pelo andamento das obras paradas em diversas locais56
) e Estadual, foi que a governadora
Yeda Crusius veio a Santa Maria repassar a escritura da área de 254 ha à Prefeitura, em
cerimônia realizada na Escola Marista Santa Marta, passando agora toda a responsabilidade
do andamento das ações do PAC no bairro para a Prefeitura (Diário de Santa Maria,
24/09/2009).
Figura 25 – Governadora repassa escritura da área para prefeito Cezar Schirmer, em 23/09/2009
Fonte: Diário de Santa Maria, 24/09/2009.
Tudo isto demonstra as dificuldades colocadas aos moradores da Nova Santa Marta e
demais ocupações urbanas da cidade para terem seus direitos garantidos, pois, mesmo após a
aprovação de recursos e políticas para tal, continuam sendo negligenciados pelos governantes.
Com a transferência da escritura da área para o Município, acreditava-se que se
encerrariam o jogo de empurra-empurra e a apatia do poder público, porém, o que se verificou
com o tempo, é que esta apenas mudou de endereço, demonstrando uma enorme falta de
interesse e vontade política. Os anos seguintes foram – e continuam sendo – anos dramáticos
aos moradores.
Isto se verifica quando observamos os diversos projetos e recursos que foram
aprovados para a Nova Santa Marta nos últimos anos – coisas muito difíceis de acontecer em
56
Como a retomada das obras paradas no Loteamento Cipriano da Rocha, lentas no Km2 ou sequer iniciadas,
como no Km3, além das ações de Trabalho Social e a criação de espaços de participação popular com controle
social nos projetos, sendo que, em todos os momentos, os coordenadores do PAC na cidade alegavam
compromisso com o seu andamento (Blog do MNLM, agosto e setembro de 2009).
123
comunidades periféricas – e que poderiam ser implementados, gerando, assim, dignidade e
melhores condições de vida. Bastaria para isto que houvesse a regularização fundiária, algo
que, infelizmente, vem sendo sistematicamente boicotado pelo Governo Municipal, desde
2009. Projetos como a construção da escola estadual de ensino técnico, as moradias pelo
Programa Minha Casa Minha Vida Entidades, a Praça da Juventude, a creche e o próprio
PAC, todas foram aprovados pelos governos Estadual e Federal e estão todos emperrados na
burocracia da falta de legalização da área.
Um dos poucos avanços obtidos no último período (e que não dependia do Governo
Municipal) foi a implementação do Ensino Médio na Escola Estadual do Bairro, a partir de
2012, algo que vinha sendo pautado há vários anos, tendo em vista que as escolas do Bairro
ofereciam apenas o Ensino Fundamental para mais de 2000 estudantes, sendo que a maioria
destes jovens, quando o encerravam, ou paravam de estudar ou enfrentavam muitas
dificuldades para se manterem estudando (desde falta de vagas para todos nas escolas dos
bairros vizinhos, até dificuldades de pagar pelo transporte público), gerando assim alta
evasão. O início das aulas de Ensino Médio na Escola Estadual, em 2012 (e que já estava
aprovado desde 2011), se deu poucas semanas após o anúncio por parte do Governo do
Estado da construção de uma Escola de Ensino Técnico Estadual, a ser construída em área
localizada atrás da Escola Estadual já existente, com um investimento de R$ 7 milhões em
parceria com o MEC, vindo a beneficiar mais de 1,2 mil estudantes.
A bandeira do Ensino Médio e Técnico já vinha sendo pautada há anos, em diversas
reuniões, lutas e articulações construídas pela comunidade, como nos relata uma matéria
publicada no blog do MNLM. De acordo com o texto, esta luta se fortaleceu quando, em
novembro de 2009, uma comitiva da comunidade foi a Porto Alegre dialogar com a Secretaria
Estadual de Educação e com todos os deputados estaduais, conseguindo que o então Deputado
Estadual Dionilso Marcon (PT) apresentasse emenda de R$ 1 milhão ao orçamento estadual
de 2010 para construção da escola, mas que não foi votada devido ao Governo afirmar que a
emenda era desnecessária, pois garantiria o recurso, palavra que não foi cumprida.
No decorrer deste processo, foi realizada uma grande manifestação em 06/11/2009
(Figura 26 - primeira foto), com mais de 2 mil pessoas na Nova Santa Marta, a fim de exigir
esta demanda. Entre fins de 2010 e dezembro de 2011, a proposta foi apresentada em três
ocasiões distintas ao candidato e depois Governador Tarso Genro, que enfim se comprometeu
a efetivar a pauta na reunião realizada em dezembro de 2010, no Palácio Piratini (Figura 26 -
124
segunda foto), agendada após a realização da Marcha Estadual pela Reforma Urbana em
outubro deste mesmo ano (Blog do MNLM, 25/12/2012).
As obras da escola deveriam começar no início de 2013, no entanto, ocorreram alguns
impasses entre os governos Estadual e Municipal, em relação ao local em que será construída,
sendo necessário ainda que o Município repasse logo esta área ao estado, sob o risco do
recurso federal ser perdido.
Figura 26 – Na luta pelo Ensino Médio e Técnico: manifestação com 2 mil pessoas no bairro, em 06/11/2009 e
reunião com o governador, em dezembro de 2010
Fonte: Blog do MNLM SM.
Outro projeto aprovado para a área verde da Vila Pôr-do-Sol e que diz respeito a uma
necessidade muito importante da juventude, dos grupos culturais e dos moradores do bairro,
como a criação de espaços públicos de cultura, lazer e esportes, é o projeto “Praça da
Juventude” do Ministério do Esporte. O projeto visa a requalificação de espaços urbanos em
125
áreas de vulnerabilidade social, com investimentos na ordem de R$ 2 milhões e que
necessitam de uma contrapartida de 20% por parte do Município, para a construção de uma
praça com 8 mil metros quadrados, contendo ginásio poliesportivo, pista de skate, caminhada
e atletismo, auditório, teatro de arena e espaço para a terceira idade57
. A criação da praça
contribuiria muito na prevenção da violência no local, pois sem iluminação, as áreas verdes
são espaços em que muitos crimes já ocorreram, além de fomentar a cultura e a prática de
esportes entre todos, pois há carência de espaços de socialização no bairro. Colaboraria
também com as diversas expressões juvenis presentes no bairro, a exemplo do Movimento
Hip Hop, o qual é muito forte na zona Oeste da cidade.
Em 2010, a cidade de Santa Maria foi contemplada com a construção de uma praça,
sendo que, em 28 de maio deste ano, foi realizada uma grande Audiência Pública na Câmara
de Vereadores, ocasião em que mais de 200 pessoas – a maioria jovens da Nova Santa Marta
– discutiram a importância deste projeto. O local escolhido para a construção da Praça da
Juventude foi a Nova Santa Marta, justamente por esta ser um dos poucos locais a possuir
condições de receber um projeto desta dimensão, ao ser uma região periférica que não foi
ocupada de maneira desordenada, o que garantiu a preservação de suas áreas verdes por mais
de duas décadas. Entretanto, a construção da praça ainda não iniciou devido à falta de
legalização da área, correndo-se o risco de se perder esta oportunidade. O Movimento,
também, denuncia que o atual Governo não concluiu e nem fez manutenção da praça da Vila
Alto da Boa Vista, iniciada no Governo anterior58
.
Figura 27 – Jovens do bairro participam da Audiência Pública sobre a Praça da Juventude no dia 28/05/2010
Fonte: Arquivo pessoal.
57
Mais informações sobre o projeto Praça da Juventude em:
<http://www.esporte.gov.br/index.php/institucional/secretaria-executiva/praca-da-juventude>. 58
Ver as matérias “Abandono das áreas de lazer colabora com a violência na Periferia”, publicadas no blog do
MNLM, em 17/11/2011, com as fotos do ato realizado.
126
Ainda relacionada à questão da educação, são as notícias veiculadas, ao longo de
2013, acerca da construção de seis creches públicas na cidade com recursos do programa
Proinfância do Governo Federal, cujo convênio foi assinado em 2011 com o Município, mas
que ainda não saíram do papel (Diário de Santa Maria, 07/08/2013). Um dos locais que
receberá uma das creches é a Vila Pôr-do-Sol, e que oferecerá 250 vagas em dois turnos ou
125 vagas em turno integral. Se realizada, esta medida contribuirá tanto com a educação,
como com empregos e maior autonomia para mães e pais moradores do bairro.
Retomando a questão da implementação do PAC e, também, do Programa Minha
Casa, Minha Vida, algo que podemos perceber é que estas políticas, em nível nacional, são
disputadas por diferentes segmentos. Os grandes empresários, o capital imobiliário, as
incorporadoras e as construtoras atuam no sentido de aproveitar a demanda aquecida pelo
aumento de crédito público às famílias e, assim, obter grandes lucros. Isto gera uma
ampliação da disputa pela terra e pelos vazios urbanos para a construção de grandes
empreendimentos, a exemplo dos condomínios fechados. Por outro lado, os movimentos
sociais populares procuram apresentar propostas por meio de suas cooperativas, ainda que
com muitas dificuldades. Desta maneira, o mercado está vencendo esta disputa, dado as
condições colocadas.
Na cidade de Santa Maria, isto ocorre de maneira muito nítida, pois há um visível
direcionamento e priorização na atuação do poder público em prol do capital imobiliário e
uma postura de negligência para com as demandas populares de todas as regiões periféricas
da cidade. Em relação à Nova Santa Marta isto se expressa na forma de um verdadeiro boicote
à resolução de suas demandas e auxílio para execução de seus projetos, duramente
conquistados pela organização e mobilização popular.
O principal exemplo que nos permite constatar isto é o não interesse pela legalização
fundiária do Bairro, pois mesmo após todo o empenho para que a área fosse contemplada com
obras e verbas do PAC (que conta inclusive com recursos específicos para regularização
fundiária) e a escritura do terreno fosse repassada para o Município, o Governo local vem
postergando a realização da regularização a qual, enfim, permitiria que os diversos projetos
citados sejam realizados.
A leitura do blog do MNLM de Santa Maria nos dá dimensão do quanto o Governo
vem “enrolando” os moradores com falsas promessas. Enquanto isto ocorre, as obras e
projetos seguem parados, se deteriorando e correndo o risco de se perderem as verbas. Várias
manifestações foram realizadas nos últimos anos pelos moradores de diversas áreas oriundas
127
de ocupações, como a Vila Km 2, Bairro Km 3 e a Nova Santa Marta, pelo andamento das
obras do PAC, porém, o Governo segue insensível frente a isto. Em reportagem publicada
pelo jornal Diário de Santa Maria, no início de abril de 2010, apurou-se que apenas 44% das
obras do PAC estavam em andamento na cidade59
, sendo que, em relação ao bairro Nova
Santa Marta, 80% das ruas haviam sido asfaltadas ou calçadas, 90% da rede esgoto estaria
pronta, faltando ainda a construção das 145 casas para realocação dos moradores de áreas de
risco, melhorias em outras 355 e a regularização de todos os lotes, cujo prazo seria em 2012,
de acordo com o coordenador do PAC, para todos os moradores terem suas escrituras (Diário
de Santa Maria, 03/04/2010).
Em muitos momentos, o Movimento pela Moradia procurou e ainda procura dialogar
com o Governo, fazendo um esforço de organização e mobilização nas bases, porém este
sempre afirma que as coisas serão encaminhadas em breve, inclusive assinando documentos,
para logo em seguida descumprir sua palavra, de forma que aquilo que parecia ser um avanço
para os moradores, logo demonstra não ser uma realidade, gerando um processo de desgaste
entre os habitantes do bairro e os militantes do Movimento, assim como ampliando a
descrença acerca da possibilidade dos projetos realmente saírem do papel e serem concluídos.
Em 2010, o MNLM cadastrou centenas de famílias da Nova Santa Marta para
participarem de um empreendimento habitacional autogestionado, por meio do PMCMV
Entidades. Este programa permite que, por meio de cooperativas habitacionais tocadas pelo
próprio movimento social no Rio Grande do Sul, estas se tornem responsáveis por organizar e
cadastrar as famílias interessadas para assim elaborar, apresentar e executar os projetos de
moradias populares de qualidade e a baixo custo.
No entanto, se faz necessário que a prefeitura emita a certidão de lote de cada família
cadastrada neste empreendimento para que estas informações sejam entregues à CEF, os
contratos assinados e as casas executadas, documentos estes que nunca são liberados,
revelando que o Governo Municipal tem atuado no sentido de inviabilizar o projeto, pois
provavelmente entende que impedindo o MNLM de construir as moradias, estará o
enfraquecendo politicamente, além de disseminar boatos e inverdades acerca do movimento
para muitos moradores.
É neste sentido, buscando destravar a implementação do PAC e a realização do
PMCMV, que diversas assembleias da Nova Santa Marta ou apenas dos cadastrados no
MCMV foram realizadas nos últimos anos, a fim de discutir esta problemática e a dos demais
59
Confira o quadro publicado no jornal com o balanço do andamento das ações do PAC 1 na cidade em:
<http://www.clicrbs.com.br/pdf/7994542.pdf>.
128
projetos para o Bairro (exemplificadas pelas Figuras 28 e 29), encaminhando-se nestas
tentativas de negociação ou, também, nas manifestações públicas, dada a inoperância e má
vontade política do Governo local.
Figura 28 – Assembleia sobre o Minha Casa Minha Vida na Nova Santa Marta, em 14/03/2011, na qual
membros da Prefeitura assinaram documento com as pautas
Fonte: Blog do MNLM SM.
Figura 29 – Assembleia Geral da Nova Santa Marta, em 12/04/2011
Fonte: Blog do MNLM SM.
Em matéria alusiva aos quatro anos de luta pela implementação do PAC, na Nova
Santa Marta, o MNLM denunciava:
A situação está preocupante, as obras realizadas de infraestrutura e saneamento
realizadas até aqui apresentam diversos problemas, desde problemas na rede de
esgotos, na drenagem das águas da chuva, na pavimentação e nas redes de
distribuição de água, entre outros tantos. Quem anda hoje pelas ruas percebe a falta
de cuidado na realização das obras, o desleixo da Administração com obras desta
envergadura, pois além de não executar as obras com qualidade ainda não consegue
minimamente realizar a manutenção da infraestrutura destas áreas. Além disso a
129
prefeitura ainda não iniciou a intervenção nas áreas de risco nem o trabalho social
com as famílias, assim como não iniciou a construção das casas para os
reassentamentos. (BLOG MNLM SANTA MARIA, 28/04/2011).
Outro fato que muito preocupava a coordenação do MNLM e os moradores do Bairro
era a demora da Prefeitura em publicar o edital de licitação para contratação da empresa que
iria fazer a regularização fundiária. Nesse caso, a Prefeitura sempre alegava que iria fazer isto
até determinada data, porém não o fazia.
Assim, a assembleia, realizada em 06 de maio de 2011, deliberou pela realização de
uma manifestação em frente ao Centro Administrativo municipal, em 09 de maio (Figura 30),
a fim de apresentar a pauta de reivindicações relativas à Nova Santa Marta60
, ato este que,
também, pautou o início das obras do PAC no Km 3, contando com a participação do
Movimento Estudantil, devido as discussões sobre o aumento da tarifa do transporte. Durante
a manifestação, se conseguiu realizar uma reunião com membros da Prefeitura, a qual acabou
sendo “implodida” pelo Secretario de Ação Social, Cláudio Rosa, devido a ofensas proferidas
aos participantes, relatadas em matéria publicada na revista eletrônica O Viés. Ainda, de
acordo com esta reportagem, “a prefeitura, em nome dos Secretários presentes ao final da
discussão, fora da sala, assegurou que em cinco dias traria respostas e documentos oficiais
que outorgassem o início do trabalho reivindicado. Cinco dias.” (O Viés, 09/05/2011).
Figura 30 – Manifestação em frente a Prefeitura, em 09/05/2011
Fonte: Revista eletrônica O Viés.
60
Pauta de reivindicações para Prefeitura Municipal de Santa Maria, dia 09/05/2011: A) Regularização dos lotes:
licitação imediata dos serviços de topografia, cadastramento e registro dos lotes; quitação antecipada com
desconto quando o lote for destinado para financiamento para produção e melhoria habitacional; B) Obras de
infraestrutura e saneamento: realização de vistoria de todas as obras já realizadas; exigir das empresas executoras
a correção dos problemas encontrados nas obras; conclusão das redes de água, esgoto e energia; início imediato
do trabalho técnico social do PAC; solução para áreas de risco; início do trabalho de recuperação ambiental;
conclusão e manutenção da Praça do Alto da Boa Vista; C) Constituição de um Grupo de Trabalho para análise e
elaboração para propostas de utilização das áreas restantes da Antiga Fazenda Santa Marta; D) Constituição de
um Grupo de Trabalho para discutir e acompanhar a implantação da “Praça da Juventude” na Vila Pôr-do-Sol; E)
Construção de uma Unidade de Saúde e uma creche na Nova Santa Marta.
130
Entretanto, passado mais de um mês e tendo o MNLM ido semanalmente discutir com
a Prefeitura, o edital ainda não havia sido publicado, o que levou a realização de uma nova
assembleia, encaminhando a realização de um novo ato/vigília na noite do dia 15 de junho,
em frente ao Paço Municipal, o que, por sua vez, gerou novas reuniões com a Prefeitura (Blog
do MNLM SM, 13 e 16/06/2011).
Assim, somente após muita pressão e insistência, conseguiu-se a publicação do edital
de licitação para escolha da empresa responsável pelo serviço de regularização fundiária do
bairro, em 09 de julho, destinando R$ 1,1 milhão para levantamento topográfico, elaboração
dos memoriais descritivos, cadastramentos e providências cartoriais de aproximadamente
5500 lotes, em um prazo de 6 meses, sendo que cinco empresas apresentaram-se para
concorrência no processo licitatório, em 12 de agosto (Blog do MNLM SM, 13/07 e
12/08/2011).
Este fato gerou uma grande euforia e expectativas nos militantes do Movimento e
moradores da Nova Santa Marta, pois parecia que uma das primeiras bandeiras da ocupação,
realizada em 1991, enfim, seria atendida.
No final de 2011, além de apresentações teatrais e celebrações religiosas, outra
atividade realizada para rememorar os 20 anos de ocupação da antiga Fazenda Santa Marta foi
um protesto de bloqueio parcial da BR 258, em 08 de dezembro (Figura 31), como forma de
pressionar pela retomada das obras do PAC e pelo início do processo de regularização
fundiária da área, de forma que, após duas horas de manifestação, conseguiu-se agendar uma
audiência com a Prefeitura na própria comunidade para o dia seguinte, a fim de discutir as
suas pautas61
(Blog MNLM SM, 08/12/2011).
61
No panfleto distribuído no dia constam as seguintes reivindicações: Início do Trabalho técnico social do PAC
com espaço para participação da comunidade na gestão das obras; Retomada imediata das obras de infraestrutura
do PAC; Início das obras nas áreas de lazer; Legalização dos Terrenos; Início das Construções das 200 Casas
pelo programa Minha Casa Minha Vida; Início das Construções das 500 Casas pelo PAC para reassentar os
moradores de áreas de Risco; Construção da Escola de Ensino Médio; Melhoria na segurança pública;
Construção das unidades de saúde e ampliação do programa de agentes comunitários de saúde; Melhoria no
transporte coletivo.
131
Figura 31 – Manifestação na BR 258, em 08/12/2011
Fonte: Blog do DCE UFSM62
.
Na contramão das necessidades dos moradores da Nova Santa Marta, ainda no final de
2011, a Prefeitura Municipal tentou despejar os moradores que ocupavam lotes na Vila
Núcleo Central, o que exigiu mobilização e resistência para garantir a permanência destas
famílias e a retirada da ação de reintegração de posse (Blog do MNLM SM, 21 e 24/12/2011).
Ação semelhante já havia sido realizada, em abril deste mesmo ano, quando tentaram destruir
casas e despejar a força os moradores de um assentamento de caráter “rururbano” (para
moradia e produção de alimentos) existente desde abril de 2007 (Diário de Santa Maria,
14/04/2011), quando cerca de 70 famílias desempregadas, estimuladas pelo MNLM,
ocuparam uma área localizada entre a Escola Municipal e o Lixão da Caturrita (Diário de
Santa Maria, 01/05/2007).
Em meio a tantas disputas, resistência, lutas e negociações, os problemas continuavam
praticamente os mesmos, gerando angústia e impaciência. Em nova matéria sobre o
andamento das obras do PAC, em 1 em março de 201263
, o Diário de Santa Maria relatava
que, de acordo com a CEF, apenas 55,49% das obras haviam sido realizadas na Nova Santa
Marta, sendo que
Grande parte das frentes de obras previstas para as sete vilas do bairro seguem sem
previsão de retomada Só estão andando algumas obras de asfaltamento e de esgoto
que estavam paradas desde o governo Valdeci e foram reiniciadas em 2011. (Diário
de Santa Maria, 15/03/2012).
62
Ver: <http://dceufsm.blogspot.com.br/2011/12/o-movimento-nacional-de-luta-pela.html>. 63
Confira o quadro sobre a situação das obras do PAC em Santa Maria elaborada pelo jornal em 2012, no link:
<http://www.clicrbs.com.br/pdf/13167973.pdf>.
132
Desta forma, continuavam paradas a maioria das ações do PAC para o Bairro,
demonstrando a negligência e a má vontade política em se agilizar a resolução das demandas
dos bairros e vilas pobres da cidade, em contraste com as diversas ações empenhadas nas
áreas centrais.
Foi com grande alegria que o Movimento divulgou que iriam começar os trabalhos de
regularização fundiária do Bairro, a partir do dia 02 de abril de 2012, quando, em 28 de
março, o Prefeito Schirmer assinou a ordem de serviço para a empresa Engeplus Engenharia e
Consultoria Ltda., vencedora da licitação, dar início a esta tarefa. A partir de então, “cada
família assinará o seu contrato, iniciará o pagamento dos seus terrenos e receberá, finalmente,
o título de Concessão de Direito Real de Uso – CDRU, o qual, após cinco anos, será
convertido em Escritura Definitiva” (Blog do MNLM SM, 30/03/2012). Com isto, as famílias
poderiam acessar recursos do MCMV e outras políticas habitacionais, pois passariam a existir
legalmente e poderiam colocar os terrenos como garantia para participar destes projetos, pois,
em um prazo de cinco anos, pagando uma taxa de R$ 21,00, quitariam a escritura de seus
lotes, e seriam, enfim, proprietárias de seus terrenos, realizando o sonho daquelas pessoas que
ocuparam esta área pela primeira vez.
Ainda, ao longo de 2012 ocorreram algumas obras na Nova Santa Marta e em diversas
vilas da cidade, especialmente na véspera e durante a campanha eleitoral em que Schirmer e
Farret se reelegeram, obras estas que novamente foram estancadas em 2013. Isto indica, junto
ao fato da Prefeitura ter segurado, desde 2009 até 2012, o início da regularização fundiária do
Bairro, novamente o uso eleitoreiro destas medidas e do sofrimento das classes subalternas
por parte dos governantes locais, não interessados na resolução de seus problemas, mas sim
apenas em garantir suas carreiras políticas e a manutenção do poder nas mãos de uma
minoria, com a reprodução das desigualdades sociais.
Com relação à regularização fundiária, que de acordo com o processo licitatório em
seis meses deveria estar pronta, verifica-se que esta não ocorreu. Segundo relatos de membros
do MNLM, a empresa não finalizou o serviço, alegando falta de pagamento, ao mesmo tempo
em que a Prefeitura alega que o recurso “sumiu”. Este problema já foi denunciado pelo
Movimento junto a CEF, em Brasília, no entanto, ainda não há previsões de que seja
resolvido. Enquanto isto, continuam parados projetos importantes como a Praça da Juventude
e o MCMV, por falta de documentação, assim como a legalização dos cerca de 5500 lotes do
bairro.
133
Outra notícia preocupante é a da possibilidade da perda dos recursos do PAC,
publicada pelo Diário de Santa Maria, em maio de 2013, momento em que representantes do
Ministério das Cidades estavam em Santa Maria a fim de vistoriar obras e discutir a
reformulação de projetos, pois os prazos já estariam bastante apertados. Frente a isto, a
Prefeitura promete agilizar os trabalhos, repetindo o que falam há vários anos. A novidade em
seu discurso é a da possibilidade de alterar os objetivos dos investimentos do PAC 1 na
cidade, pois os recursos que deveriam ser alocados em projetos de saneamento básico,
pavimentação e habitação para as periferias da cidade podem não mais ser destinados a estes
setores, representando um enorme retrocesso e indicando quais são as prioridades do Prefeito
Municipal. De acordo com o jornal, “uma das apostas de Schirmer, sugeridas ao Ministério
das Cidades, é realocar recursos para uma incubadora empresarial no Distrito Industrial e para
a aquisição de lixeiras e abrigos de ônibus para o transporte público coletivo” (Diário de
Santa Maria, 24/05/2013).
Quanto ao MNLM, este segue suas lutas, seja no auxílio a ocupações que ocorrem na
cidade, seja pautando os projetos e demandas das ocupações e a Reforma Urbana como um
todo, em espaços institucionais, como a recentemente realizada 5ª Conferência das Cidades. O
Movimento tem se empenhado no último período, também, em fundar sua própria cooperativa
habitacional em nível municipal, a Cooperativa Habitacional de Trabalhadores/as Urbanos/as
(COOPTURB), partindo do acúmulo das experiências do MNLM em outros locais, a fim de
poder realizar projetos de produção e melhorias em moradia popular, assim como de trabalho
e geração de renda, como reciclagem, artesanato, etc. O MNLM, também, está realizando,
entre dezembro de 2013 e janeiro de 2014 (dividido em duas etapas) o seu Encontro
Municipal, que além de discutir os problemas das ocupações (muitas das quais hoje já são
bairros ou vilas do Município, porém não tratados como tal), também, irá aprovar suas táticas
de luta para o próximo período, bem como uma nova Coordenação Municipal do Movimento.
Em relação à Nova Santa Marta, na atualidade, mais de 22 mil pessoas vivem neste
bairro, de acordo com o último censo. Este local é resultado da organização, empenho e
energia de milhares de pessoas, muitas das quais já se foram, outras que ainda estão
chegando. Sua História, conforme vista neste capítulo, é de muita resistência aos processos de
exclusão social inerentes ao modelo de urbanização capitalista historicamente existente no
País e que se expressou com muita intensidade na cidade de Santa Maria. Muitos avanços já
foram conquistados e muitos ainda estão por vir, com organização popular, consciência social
e luta coletiva.
134
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Que na cidade tranquila
Sarada cada ferida
Tudo se transforme em vida
Canteiro cheio de flores
Pra que só chorem, querido,
Tu e a cidade, de amores
Sebastian, Milton Nascimento
A partir da aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, o
direito a moradia adequada e a um nível de vida suficiente para todas as pessoas foram
reconhecidos mundialmente enquanto direitos humanos fundamentais para a vida das pessoas.
O Brasil é signatário da referida Declaração. Sua prática histórica, entretanto, tem se
configurado de forma contraditória a vários fundamentos preconizados por esta carta, dando a
entender que ela foi assinada mais “para inglês ver”, como um conjunto ideal de intenções e
não enquanto objetivos a serem perseguidos e efetivados, em especial no que diz respeito aos
direitos sociais.
Como vimos, no decorrer do presente trabalho, tudo isto não se deu por acaso, mas
sim faz parte da dinâmica e da lógica do capital na estruturação do espaço urbano, sendo a
segregação um elemento funcional a este, pois reduz os custos de reprodução da força de
trabalho e, portanto, seus salários. Logo, se este modo de produção econômico e da vida em
sociedade é injusto, excludente e degradante, consequentemente, suas cidades, também, o
serão.
As políticas habitacionais implementadas durante a maior parte da História do País
raramente foram voltadas aos segmentos de baixo poder aquisitivo, geralmente beneficiando
os setores mais capitalizados e politicamente influentes. Isto levou as classes dominadas a ter
de ocupar áreas de forma irregular, enquanto tática de sobrevivência, processo este que se
acentuou, a partir da segunda metade do século XX, devido a crescente expulsão dos
trabalhadores do campo.
As contradições de nossa urbanização, por outro lado, também, levaram a classe
trabalhadora a construir movimentos sociais populares urbanos, que a partir da compreensão
da dinâmica de exclusão social vigente, se organizaram para lutar pela reversão deste quadro,
realizando ocupações, pautando direitos e políticas públicas específicas a estes setores
135
postergados, de forma articulada a projetos de transformação mais gerais, do qual faz parte a
bandeira da Reforma Urbana e do Direito à Cidade.
Em Santa Maria, uma cidade marcada pela especulação imobiliária, tudo isto ocorreu
de maneira muito intensa, sendo assim que, no início dos anos 1990, ante a negação de seus
direitos básicos, como emprego, moradia, alimentação, saúde, etc., de forma organizada junto
ao MNLM, centenas de famílias passaram por cima das leis vigentes e ocuparam uma área
que não cumpria com sua função social, a antiga Fazenda Santa Marta. Deste momento em
diante, estes sujeitos sociais iniciaram a construção de uma nova etapa em suas vidas e na
própria História de Santa Maria.
Praticamente contra quase tudo e todos, a ocupação resistiu e se consolidou, crescendo
cada vez mais, assim como seus problemas. Muitos afirmavam que ela não daria certo, que
uma nova favela estava nascendo na cidade. Ledo engano, pois subestimaram a capacidade de
organização popular: aí se processava um assentamento que, em um período de apenas 15
anos, se tornou um dos maiores bairros da cidade, ainda que um bairro periférico, que muito
sofreu, e ainda sofre, com o preconceito e a violência, especialmente o preconceito e a
violência institucionais, expressos não apenas por ações repressivas, mas, principalmente, na
negação de direitos e cidadania.
Foram poucos os apoiadores e governantes que deram importância real a este espaço e
a estas pessoas. Percebe-se que pelo grande contingente populacional, em todos os pleitos
eleitorais, passam pela Nova Santa Marta muitos candidatos prometendo aos moradores que
em breve todos teriam os documentos legalizados de suas casas e que iriam trazer melhorias,
mas que, passados os pleitos, só retornam lá nas próximas eleições, repetindo as mesmas
promessas, ou se eleitos, apenas após muita pressão dos moradores.
Por meio do presente estudo, podemos perceber que a contribuição do MNLM para a
luta pela Reforma Urbana na Nova Santa Marta se deu de forma contínua, ao longo de todos
estes anos, desde a articulação das famílias, o planejamento e a realização da ocupação,
passando pela permanência, organização e consolidação da mesma, bem como pelo apoio e
pelo auxílio na estruturação de ocupações espontâneas na área e pela interlocução com
apoiadores internos e externos, chegando-se à pressão, à disputa e à negociação com os
diferentes níveis dos poderes públicos, governos e espaços institucionais, sempre visando
garantir direitos, projetos e melhorias na perspectiva da Reforma Urbana.
Ganha destaque a questão da busca de um planejamento urbanístico para a ocupação,
com a distribuição dos lotes respeitando um traçado e a manutenção de áreas verdes como
136
formas de evitar uma ocupação desordenada, que poderia gerar favelização. Isto permitiu a
construção de escolas e outras estruturas, além de ser um espaço de reserva no qual serão
implementados novos projetos.
Não foi nada fácil a garantia desta autogestão popular do território, segundo relatos de
quem vivenciou essa História, pois sempre havia novas famílias querendo se estabelecer
nestas áreas verdes, por exemplo, o que gerou diversos tensionamentos com as mesmas,
fazendo-se necessário um forte trabalho de conscientização nas ocupações. Este modelo de
ocupação planejada, em uma área deste porte, tornou a Nova Santa Marta uma referência em
termos de gestão popular do espaço e fez com que esta tenha se desenvolvido e avançado
muito em um curto período de tempo, se comparada com outras ocupações existentes na
cidade. Podemos comparar a evolução da ocupação por meio da Figura 32:
Figura 32 – Fazenda Santa Marta, em 1985, e Nova Santa Marta, em 2001
Fonte: SCHERER, 2008, p. 58.
Outra questão importante é a ambiental. Muitos alegam que a presença de um grande
aglomerado humano sobre aquele território teria gerado um forte impacto ambiental. As
pesquisas de Scherer (2005) apontam que os principais problemas ambientais na área se
deram anteriormente a ocupação, tendo se originado com o mau uso da terra, o intenso
desmatamento e a retirada das matas ciliares promovidos pelos donos da antiga Fazenda para
a criação de gado – as manchas brancas na primeira imagem da Figura 32 indicam áreas
desmatadas, e os traços brancos a ausência de mata ciliar nos córregos. Os moradores da Nova
Santa Marta, pelo contrário, plantaram muitas árvores, arborizando quase todo o bairro no
decorrer dos anos.
Já com relação aos problemas de acúmulo de lixo, isto ocorria e ainda ocorre em
alguns locais, devido à falta de recolhimento do mesmo, da mesma forma que a falta de
saneamento básico pode gerar esgotos a céu aberto. As escolas conquistadas pela
137
comunidade, também, realizam um intenso trabalho de conscientização ambiental com os
estudantes e moradores, contribuindo para minimizar o problema.
Verifica-se, também, o caráter democratizante dos movimentos sociais populares. Sua
atuação, além de dar voz a quem antes não possuía nenhum meio de se pronunciar, de forma
articulada em nível nacional, também, garantiu a elaboração e aprovação de um arcabouço de
normas e instrumentos jurídicos que permitiriam a democratização das cidades, mas que, no
entanto, vem sendo continuamente desrespeitadas pelo Estado e seus poderes. O caso da Nova
Santa Marta é ainda mais dramático quando vemos que, mesmo com a legislação atual a seu
favor, e a luta social tendo garantido a destinação dos recursos necessários para promoção de
uma verdadeira transformação daquele local, através de sua inclusão no PAC e outros
projetos, ainda assim há a falta de vontade política e o boicote por parte de governos elitistas
que não colaboram para efetivar estas conquistas.
Mesmo diante destes e de outros problemas, é importante reconhecer que a Nova
Santa Marta é um Bairro que, além de possuir um caráter simbólico na luta pela Reforma
Urbana, vem passando por mudanças nos últimos anos que alteraram suas feições, sendo um
exemplo concreto de que a transformação social de viés popular é possível e muda as vidas de
milhares de pessoas.
Por fim, cabe a constatação de que, para transformações mais profundas, não basta
apenas a eleição de representantes comprometidos com as causas populares. Faz-se
necessária, também, a luta social e a pressão permanente por uma Reforma Urbana que
combata a especulação imobiliária e altere o padrão de desenvolvimento urbano injusto e
insustentável que está em curso, socializando a propriedade, superando a dicotomia centro-
periferia, democratizando o espaço e sua gestão, incorporando a perspectiva ecológica nas
cidades, para que estas se tornem espaços mais integrados ao meio natural do qual fazemos
parte, assim como com o mundo rural, reduzindo ao máximo a poluição, a geração de dejetos
e detritos, e passando a produzir alimentos saudáveis através da agricultura urbana. Para isto,
faz-se necessário assimilar experiências da Permacultura64
, como bioconstruções, uso de
banheiros secos, reaproveitamento de águas, captação de águas da chuva, uso de tecnologias e
energias alternativas, telhados verdes, dentre outros, assim como ampliar as áreas verdes e
alterar o padrão de mobilidade urbana, criando ciclovias e priorizando o transporte público,
criando empresas públicas para tal. Nada disto será possível sem a realização de uma ampla 64
Para mais informações e exemplos sobre Permacultura em ambientes urbanos acesse:
<http://elementalsolucoes.com.br/permacultura-urbana-apresentando-solucoes-para-os-problemas-da-cidade/>.
Para um estudo um pouco mais aprofundado, ver o trabalho de Magrini (2009), disponível em:
<http://www.geografiaememoria.ig.ufu.br/downloads/330_Renato_Velloso_Magrini_2009.pdf>.
138
Reforma Agrária de orientação popular e agroecológica, que democratize o acesso a terra e
limite sua propriedade, ampliando a produção de alimentos saudáveis e baratos para toda a
população. Logo, as Reformas Agrária e Urbana são bandeiras fundamentais, que articuladas
com outras reformas estruturais, conformam um projeto alternativo de sociedade.
Esta grande mudança somente se viabilizará rompendo com a cultura de consumo
desenfreado e irresponsável, disseminada pelo mercado capitalista, no qual mais importa
lucrar, ter e consumir, do que compartilhar, ser e viver em harmonia. As crises econômica,
social, alimentar, urbana e ambiental, que vivemos atualmente em nível planetário, são
insolúveis nos marcos do capitalismo, tornando mais do que nunca necessário a sua superação
rumo a uma sociedade justa, democrática e equilibrada, a sociedade socialista.
Sabemos que este ideal não é consenso na sociedade em que vivemos, pois existe uma
minoria de privilegiados pelo atual modelo societário que por se beneficiarem com as mazelas
da maioria da população, atuam no sentido de mantê-la dividida e alienada. São indivíduos
que, por tanto amar o poder, acabaram perdendo o poder de amar.
A semente da mudança está em cada um de nós, em nossa unidade e diversidade. Para
que estas sementes floresçam e frutifiquem, precisamos regá-las e iluminá-las diariamente,
cuidando de todos os seus brotos com muito carinho e cooperação. Assim, somente com
muita consciência, organização e luta sob uma perspectiva crítica e radical, construiremos
uma hegemonia alternativa que criará as condições para as rupturas revolucionárias que irão
permitir a humanidade realizar a transição para a construção de uma nova era.
Há 22 anos, a Nova Santa Marta luta e resiste. E avança. Nada nunca foi fácil para
essa comunidade, que coletivamente superou enormes barreiras. Suas conquistas são resultado
de muito esforço e alimentam o sonho real de que outro mundo possível. Eis aí um grande
exemplo de que um “sonho que se sonha só é só um sonho, mas sonha que se sonha junto é
realidade!”.
139
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OUTRAS FONTES
Entrevistas realizadas:
GONÇALVES, Suelen Aires. Entrevista ao autor via email, em 13/02/2013.
MOURA, Ana Patrícia; SCHUMACHER, Cristiano; RIBEIRO, Nilda Marlize; SANTOS,
Vanderlei. Entrevista coletiva ao autor, em 11/02/2013. Transcrita em 20/02/2013.
Duração: 38:02 min.
Jornais consultados, cedidos por Suelen Aires Gonçalves:
A Razão:
12-12-1991: Colonos sem-terra provocam polêmica
19-12-1991: Reintegração
24-03-1992: Começa a discussão sobre os lotes da Santa Marta
09-03-1993: Mais de 40 famílias cadastradas na área invadida na Santa Marta - Sem-teto
reivindicam 25 hectares na Santa Marta
10-03-1993: Cohab descarta pedido de reintegração de posse
30-03-1993: “Comissão” fatura com a cobrança de taxa na Fazenda Santa Marta
31-03-1993: Brigada Militar vai impedir a chegada de Sem-teto na S. Marta
01-04-1993: Brigada Militar envia policiamento a cavalo para Cohab Santa Marta
20-04-1993: Collares pede organização aos sem-teto da Santa Marta
19-05-1993: Movimento pela Moradia coordenou nova invasão – Fazenda Santa Marta sofre
nova invasão
01-09-1993: Ocupantes da Santa Marta dividem água contaminada com animais
06-01-1994: Água na Santa Marta não é potável: está infectada
19-01-1994: Escorpiões apavoram moradores da Vila Altos da Boa-Vista
09-08-1994: Cohab começa a legalizar assentamento dos sem-teto
10-08-1994: Moradores da vila Alto da Boa Vista sofrem com a falta de infra-estrutura
24-08-1994: Governo deverá decretar estado de calamidade
16-09-1994: Sem-teto da Santa Marta recebem rede de luz e água
09-08-1996: Moradores da Santa Marta fazem um mutirão para recuperar ruas
29-03-1995: Movimentos populares de SM participam de mobilização
10-06-1996: Fala Santa Maria – Sem-teto não. Sem-infraestrutura – Mais de 30 famílias sem
água
147
04-03-1999: Invasores do Km 2 protestam
06-03-1999: Parcerias discutem Nova Santa Marta
15-04-1999: “Sem-teto” vai ganhar projeto
04-06-1999: Caminhada ecológica na Santa Marta
17-08-1999: Reestruturação da Nova Sta Marta – Inicia reestruturação da Nova Santa Marta
22-05-2000: Conselho popular da Nova Santa Marta toma posse
Diário de Santa Maria:
01-05-2007: Área é invadida na Nova Santa Marta
01-05-2008: Pressão no Piratini
24-09-2009: A Santa Marta é da prefeitura
03-04-2010: O início de uma nova realidade
14-04-2011: Impasse na Santa Marta
15-03-2012: À espera das obras
24-05-2013: Incerteza ronda obras do PAC
07-08-2013: Seis escolas infantis do programa Proinfância serão construídas em até cinco
meses após o início das obras
148
ANEXOS
ANEXO 1 – ENTREVISTA VIA E-MAIL COM SUELEN AIRES
GONÇALVES
Entrevistador: Pedro Sergio da Silveira
Entrevistada: Suelen Aires Gonçalves
Data: 13/02/2013
1 – Quem é você?
Sou uma militante do MNLM desde 1995, quando ainda tinha nove anos de idade. Mas iniciei minha
militância realmente após meus 15 anos no ano de 2001, quando de fato iniciei minha participação
para além de acompanhar minha mãe nas atividades no Movimento.
2 – Você participou da ocupação? Quando você foi morar lá?
Não participei da ocupação em 1991, fui morar na ocupação no dia 20/02/1995.
3 – Por que ocupar? Por que no período havia um déficit muito grande no que tange a habitação.
Estávamos em busca de saúde pública para meu irmão e Santa Maria era a referência para a região.
Morávamos em Uruguaiana, na fronteira oeste e ocupamos a Nova Santa Marta por não ter condições
de pagar aluguel e arcar com os gastos da saúde de meu irmão.
4 – Fale sobre como era a ocupação quando você foi morar nela.
Bom, fui morar na vila 10 de outubro, na divisa com a vila Prado. Não existiam ruas delimitadas, não
tínhamos água encanada. Em 1998, iniciou uma revolução na vila, com o Governo Olívio iniciamos
arrumando as ruas, fazendo uma canalização do esgoto, contamos com água em todas as casas, iniciou
o debate de escolas e saúde na região...
5 – Havia muito preconceito com relação aos moradores da Nova Santa Marta?
Sim, muito. Eu estudava na escola Augusto Ruschi e recordo que para estudar lá foi um sacrifício,
somente consegui vaga pois tinha transferência da minha antiga escola em Uruguaiana em mãos. Após
isso percebi o preconceito por morar na ocupação, que era chamada de “sem-teto”. Meus colegas não
visitavam minha casa, por medo do local. Recordo, também, que estar com os pés sujos de barro
incomodava os demais na escola. Criamos então uma tática para evitar o constrangimento com a
sujeira: sacolas plásticas nos pés. Recordo, também, que meus pais tiveram muita dificuldade em
encontrar um emprego, pois quando diziam que moravam na ocupação as pessoas temiam. Foram anos
com essa sensação de insegurança que era transmitida pela mídia sobre a nossa ocupação!
149
6 – Quando/como decidiu participar do MNLM?
Quando fomos morar na ocupação minha família conheceu o MNLM e desde então iniciou esse
processo de vínculo real com o Movimento. Inicialmente estava apenas acompanhando minha família
nas reuniões e tal. Mas logo percebi que, também, deveria contribuir de alguma maneira.
7 – Como o MNLM se organiza?
Com reuniões periódicas e com pautas que tocavam toda a comunidade, por exemplo a educação na
comunidade.
8 – Quais são as principais contribuições do MNLM para as lutas e conquistas na Nova Santa
Marta?
Creio que se existe a NSM foi fruto na luta dos companheiros do MNLM. Sua contribuição vem desde
o inicio da ocupação, até a busca por recursos, por obras de infra na comunidade, de pensar a nossa
memória coletiva, enfim...
9 – Como foi/é a contribuição das mulheres no MNLM e na ocupação da Nova Santa Marta?
Creio que muito significativo. Pois no inicio da ocupação, como me relatavam, eram elas que davam
sustentação em todos os sentidos. Pois os homens saiam para o trabalho e elas tinham o papel de estar
na frente das pautas e zelando pelos barracos. Logo após elas lutaram por creches, e nesse período
percebi uma emancipação dessas mulheres em busca de trabalho e educação para elas e para seus
filhos. Elas eram a maioria nas reuniões, bem como até hoje e tivemos muitas lideranças mulheres na
ocupação.
10 – Qual a situação da Nova Santa Marta hoje? Quais suas principais demandas?
Hoje nossa demanda maior é pela regularização fundiária, nossa última etapa pelas obras do PAC a ser
implementada. Para que possamos dar um passo para implementar o Minha Casa Minha Vida. Minhas
energias estão para realizar mais essa conquista.
11 – Como tem sido a atuação do diferentes governos com relação ao MNLM e a Nova Santa
Marta?
A atuação dos governos petistas como aliados na busca por soluções às demandas foram satisfatórias,
pois todos os avanços foram em governos do PT. Nos demais governos encontramos muitas barreiras e
falta de diálogo para sanar nossas dificuldades.
Muito obrigado!
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ANEXO 2 – ENTREVISTA COLETIVA COM MILITANTES DO MNLM
Entrevistador: Pedro Sergio da Silveira
Entrevistados: Ana Patrícia Moura, Cristiano Schumacher, Nilda Marlize Ribeiro e Vanderlei
Santos
Data: 11/02/2013
Transcrição: 20/02/2013
Duração: 38:02s
1 – Como é o seu nome, em qual ocupação mora e desde quando entrou no Movimento?
Meu nome é Cristiano Schumacher, eu moro na ocupação da Nova Santa Marta, no Alto da Boa
Vista, e entrei no Movimento em 1998 quando fui morar na Nova Santa Marta e depois participei de
todas as ocupações que o Movimento fez na cidade, como lá, em 1999, a ocupação do Km2, depois
teve as demais ocupações.
Vanderlei dos Santos, moro na Nova Santa Marta, participei da ocupação, em 1991, no dia 07 de
dezembro de 91, mas na verdade eu devo dizer que em 88 eu era sindicalista na época e militava no
Movimento Sindical e entrei como apoiador da ocupação e me tornei uma liderança do Movimento da
Moradia.
Ana Patrícia Moura, ocupei a Nova Santa Marta, em 1993, na Vila Alto da Boa Vista, foi quando
entrei pro Movimento da Moradia, participei, também, de outras ocupações como apoiadora,
trabalhando especificamente nas cirandas das crianças, fazendo oficinas de teatro, oficinas de
recreação, tanto nas ocupações que foram realizadas depois de 93 aqui no RS como, também, no
estado né no Fórum Social Mundial participei das ocupações e das oficinas.
Meu nome é Nilda Marlize Ribeiro, eu sou moradora da ocupação NSM desde 1992 quando eu
retornei pra Santa Maria, a ocupação já estava em andamento, as pessoas ainda todas moravam nas
barracas, foi quando começamos a construir os barracos de madeira, bem no início, ainda nos
primeiros meses da ocupação.
2 - A segunda pergunta é: por que ocupar?
Quem começa primeiro...
Vanderlei: acho que o porquê ocupar é, no ponto de vista do Movimento da Moradia tem vários
porquês, pela necessidade né, na época a gente percebia que o déficit habitacional da cidade era muito
grande, era muita gente pagando aluguel, muita gente morando nos fundos das casas dos pais, da casa
dos sogros, e o setor imobiliário era muito forte na época e vivia entorno disso, vivia sacrificando a
pobreza com o aluguel, e o aluguel como todos sabem “come mais do que o rancho”, até falta comida,
muitas vezes os pais não podiam sustentar os filhos de uma forma adequada, porque tinha que pagar o
aluguel, e esse dinheiro ia pros empresários e não se tornava em benefício dos moradores mais pobres
da cidade.
Ana Patrícia: No meu caso quando eu entrei pro Movimento foi assim uma admiração que eu tive
pelos militantes na época, a forma de adquirir uma moradia própria, eu sou de uma família que a vida
toda pagou aluguel, e pagava e ficava devendo, eu fui despejada várias vezes com minha família, com
meus pais, e quando eu conheci o histórico do Movimento eu me apaixonei pela luta, e a possibilidade
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de poder ter uma casa própria, que ninguém na família tinha, e eu acreditei, apostei que era possível, e
foi quando eu ocupei, no Alto da Boa Vista, de princípio assim, fiquei bem assustada, com a atitude e
a forma que era, pra mim era tudo muito novo, era um desafio muito grande, a forma que foi realizada
a ocupação, pra mim foi uma surpresa muito grande, e pra mim foi uma felicidade saber que com a
luta do povo, da forma que foi, a gente conseguiu conquistar, adquirir a casa própria, então foi a
necessidade de ter a casa própria que me levou a militar no Movimento, e mesmo depois de adquirir a
minha casa eu continuo militando pra que outros possam vir a ter, acreditar que é possível.
Nilda: parecido assim com o que o Vanderlei conta e a Pati acabou de falar, eu venho, também, de
uma família bem grande, a gente morou de aluguel a vida toda, desde que saímos do interior, e a
dificuldade na cidade, de moradia digna, a gente pagava aluguel e vivia em moradias a vida toda, casas
muito ruins, barracos mesmo, e a gente pagava muito caro pelo aluguel, e uma cidade que não trata
com dignidade as pessoas que moram nessa cidade, alguma coisa está bastante errada, e a forma que o
Movimento encontrou, a forma que a gente encontra de diminuir essa diferença, essa desigualdade, é
cuidando do habitacional da nossa forma, que é ocupando, que é dando condições de luta, que é
pensando não só no futuro das nossas famílias, mas, também, no futuro da cidade.
Cristiano: ouvindo o que o pessoal falou, a ocupação na verdade se tornou uma ferramenta das
pessoas garantirem aquilo que não acontecia, garantir seu direito a morar, outras politicas públicas
acontecerem e tem muito do papel do Movimento, também, nesse resultado de politicas públicas,
durante um bom período foi a única forma de as pessoas garantirem sua moradia, era de fato com a
ocupação de terras.
3 - Então pessoal, que participou da ocupação mesmo dia 07 de dezembro foi só tu né Vanderlei,
tu pode contar como foi a organização antes da ocupação, como vocês chegaram ao ponto de
ocupar lá dia 07 de dezembro?
Vanderlei: na verdade é que desde 88 a gente reunia né, as lideranças sindicais da cidade reuniam-se e
faziam o debate entorno daquilo que era possível né, o que resolveria o problema da pobreza na cidade
em busca de um lugar certo pra morar, muita gente era trabalhadora de várias categorias da cidade e
não possuía sua casa, e assim na época os governos não tinham aquela questão de trabalhar políticas,
eram só planos eleitoreiros.. como a Santa Marta era uma enorme área que tavam devendo pra cidade,
ocupar a Santa Marta que era a maior área que tinha na região e que resolveria nosso problema, na
verdade na época, os governos anteriores da época, servia como plano eleitoral quando ia se elege o
próximo Governo do Estado, se dizia que iam construir casas populares, mas na verdade era só plano
eleitoreiro né, o Movimento fez o debate desde 88 ou 91 mudando a trajetória da cidade e com uma
política diferenciada através do Movimento a nível nacional e avançou na cidade o tema habitacional.
4 - O MNLM foi fundado em 90, então antes de 90 como vocês se identificavam, vocês se
consideravam um Movimento pela Moradia, como que vocês se reuniam?
Vanderlei: Não existia, a partir de 88 a gente começou a discutir de criar o Movimento da Moradia, o
movimento que satisfazesse a necessidade de construir casas pra famílias de baixa renda e aí sim, em
91 a gente formalizou o movimento pela moradia, legítimo, pra lutar pelas causas sociais.
5 - E teve gente de Santa Maria participando do 1º encontro lá em Belo Horizonte em 90?
Vanderlei: se teve foi um ou dois..
Cristiano: o Élso e o Zoé..
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6 - E quem apoiou a ocupação naquele momento?
Vanderlei: num primeiro momento foi a Igreja Católica, não me recordo muito bem.. do Padre Carlos,
da Irmã Terezinha, e a partir daí se buscou apoio no Movimento Sindical, o Movimento Sindical foi
protagonista nisso, (....) alimentação, lona, e a vizinhança, também,, a vizinhança que era ao redor, a
gente conquistô, tinha uma necessidade de disputar aquela área que só servia pra burguesia, na época
tinha até uns aviõezinhos que servia só pra burguesia brincar, e tinha um latifundiário ali, tinha só bois
que pastavam ali, sem pagar nenhum tipo de arrendamento, então a gente tomou por iniciativa
denunciar, fazer o social assim né.
7 - E qual foi a postura da Prefeitura, dos governos Estadual e Nacional, qual foi a postura dos
governos?
Vanderlei: a postura do Governo Municipal foi totalmente contra, o Governo do Estado balançava pra
todos os lados, (Cristiano: quem era o governo da época?) Alceu Collares, PDT. Nós puxamos um
vínculo maior com um secretário dentro da casa civil, é o Renan Kurtz que depois veio atuar (Pedro:
veio pro PT depois né?), veio pro PT, trabalhar na prefeitura em Santa Maria, foi através desse elo que
a gente abriu um diálogo maior com o estado, que a gente conseguiu amenizar um pouco, mas foi
sofrido igual, fomos sitiados pela Brigada, fomos corrido pela Brigada, tomamo um pau...
8 - A Brigada ficou cercando a área da Nova Santa Marta até quando?
Vanderlei: nós ficamos dois dias sitiados, sem ninguém poder sair e nem entrar..
Nilda: depois ficou mais um tempo..
Vanderlei: teve um episódio em que boicotaram até o material pra quem tava construindo já, depois
que começaram a liberar a construção das casas, e eles queriam frear a questão de expandir a
ocupação, que na época era só duas ocupações, era a 7 de dezembro e o Alto da Boa Vista.
Nilda: no inicio, no inicio, era.. (..?..).. e nesse período que teve maior dificuldade com a Brigada..
9 - E quantas famílias tavam lá nesse momento?
Vanderlei: Eram muitas famílias, tinha muita gente.
Ana Patrícia: Já tinha saído o sorteio de posse, o Vanderlei já tava construindo..
10 - Eu li que no começo do Governo do Brito eles, também, botaram a polícia e cobraram das
famílias uma taxa..
Cristiano: foi a vez que o Vanderlei falou que foi proibido entrar material, saiu o sorteio da 7 e depois
saiu o Alto, e era o Governo Brito, e aí tudo piorou, tudo piorou, (...)
Vanderlei: Eles fizeram uma valeta na rua, que vários caminhão de cal e material voltava né..
Cristiano: e era uma cobrança ilegal..
11 - A pergunta agora é como o MNLM se organiza, quais são as principais atividades, enfim,
como o Movimento se organiza?
Cristiano: temos os encontros nacionais, estaduais e municipais, onde elegemos a direção. Nas
cidades o Movimento tem uma organização um pouco diferente de uma cidade para outra, tem
algumas cidades que mantém essa coisa de coordenação municipal mais atuante, outras cidades tem os
núcleos nas próprias comunidades onde nós somos do Movimento. Mas é muito gratificante, dá pra
viver algumas coisas, que eu acho que é interessante fazer esse vínculo que o Vanderlei falava da
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década de 1990 ou de antes de 1990, 20 anos depois né, essa capacidade que o Movimento teve de
combinar essa coisa da ocupação, da luta direta como forma de resolver os problemas, com a
construção de políticas púbicas, muita gente não entendia por que que o Movimento ia pros
Conselhos, dialogava com os governos, é que a gente aprendeu que não adiantava só brigar, tinha que
resolver os problemas concretos das pessoas, e pra resolver o Movimento tinha que, também, ajudar a
construir, tanto é que já era década de 1990 eu acho, não participei disso mas eu tenho na memória, me
contaram, que foi o abaixo-assinado pelo Fundo da Habitação, que foi a 1ª lei de iniciativa popular que
foi apresentada em Brasília, isto foi feito no País afora, todos os municípios aonde tinha presença do
Movimento saiu a lei do Fundo e do Conselho Municipal de Habitação, e que em nível nacional ficou
anos em Brasília tramitando.
Ana Patrícia: Em Santa Maria a gente fez a coleta no calçadão, com intervenções teatrais, como uma
forma das pessoas se aproximarem, porque só o papel ali pra assinar a gente percebia que as pessoas
não chegavam perto, não se interessavam em só assinar, não entendiam muito o bem o que era, daí a
gente fez intervenções teatrais, só com os militantes, eu participei diversas vezes.
Cristiano: Tudo assim que tem avanço na área da Reforma Urbana no Brasil tem a presença do
MNLM e do povo aqui de Santa Maria de alguma forma, querendo o Fundo Nacional de Habitação, o
Estatuto da Cidade, as experiências de regularização fundiária que teve de vulto no estado, até por que
a Santa Marta chama muita atenção, é muito grande, nos planos diretores, nos Fóruns Sociais
Mundiais, então sempre teve uma participação muito forte de Santa Maria e do MNLM de Santa
Maria nessas conquistas, então se hoje a gente tem no Brasil Estatuto das Cidades, Ministério das
Cidades, tem muito, se procurar com atenção, vai encontrar em muitas lideranças de base reflexos
dessas discussões que foi feitas.
Voltando a questão da organização do Movimento, como o Movimento não se organiza na esfera da
produção as pessoas se mantem muito mais tempo organizadas enquanto elas tão resolvendo seus
problemas de território, de moradia, de escola, de saúde na volta, quando essas condições vão
melhorando as pessoas tendem a se afastar, pelo menos do cotidiano do Movimento.
12 - Qual a contribuição do MNLM pra luta e conquista da Nova Santa Marta?
Nilda: na questão da organização, e da informação das pessoas..
Cristiano: ocupar lá, as pessoas não participavam do Movimento, mas se espelhavam no que ele fazia,
até hoje é uma referência.
Vanderlei: na questão da autonomia, no momento que a pessoa conquista sua casa, deixa de pagar o
aluguel e aquele dinheiro que era pra pagar aluguel coloca na alimentação dos filhos, numa boa
educação, o comércio, também, cresce, dá pra ver que quem colocou mercado na NSM começou com
uma pecinha e hoje tem um prédio de dois pisos, e aqui na cidade é difícil quem tenha um mercado
grande, isso quer dizer que o pobre, também, compra e, também, consome, tem 4 ou 5 lojas de
material de construção, (...) muito do comércio na região Oeste se desenvolveu com aquele território
ocupado, que levou muita população pra ali, se for ver envolta do Km2, todo aquele trecho perto dos
trilhos do trem, se tu for no Km3, que é isolado, ali dentro tem vários pequenos mercados,
borracharia..
Ana Patrícia: e tem a educação, as escolas que a gente tem dentro da ocupação.
Cristiano: talvez a segunda grande briga de vocês no inicio foi colégio né, primeiro era ficar no
acampamento e segundo era conseguir vaga pra colocar todas aquelas crianças que tavam indo morar
na NSM, e hoje tem 3 colégios, 4ª escola já, então, também, trouxe pra região toda, jóquei clube,
prado (...)
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13 - Quais as conquistas mais recentes que se teve agora na NSM?
Cristiano: O PAC é uma grande coisa, significa quase 70% das nossas reivindicações ao longo do
tempo, sendo resolvidas só agora.
Vanderlei: pouco mais da metade pronta, áreas verdes, meio ambiente, cultura pra periferia, Praça da
Juventude, tem a verba pra terminar isso, mas falta concluir, se já tivesse tudo pronto nós taria quase
satisfeito.
Cristiano: sempre falta uma coisinha né, já foi gasto 30 milhões, do total de recurso federal, do PAC
mais 20, da Escola Estadual Técnica mais 3, Praça da Juventude mais 1, na NSM tem pra investir mais
de 40 milhões de reais, assim como todas as ocupações da cidade. Então boa parte da geração de
emprego desde 2008 (já era pra tá pronto em 2011), nas empreiteiras, nas empresas do ramo da
construção estão acontecendo nas ocupações que a gente fez.
Ana Patrícia: empresas de transporte, o quanto ganham em cima das ocupações, a quantidade de
gente..
14 - E todas as regiões da Nova Santa Marta tem água, luz?
Cristiano: Falta alguma coisinha que vai ser concluída na obra do PAC..
Vanderlei: falta esgoto..
15 - Qual a situação da Nova Santa Marta hoje? Quais são as principais demandas e
necessidades?
Cristiano: PAC incompleto, Praça da Juventude, Centro Comunitário, reassentamento, legalização
dos terrenos, a partir do momento que legalizar os terrenos eles podem apresentar o terreno como
garantia e pegar o financiamento da Caixa pelo Minha Casa Minha Vida.
E outra característica bem interessante do Movimento é que se você olhar o mapa da cidade por cima ,
quando você ver uma ocupação organizada que tem ruas traçadas, áreas verdes grandes, essa ocupação
é do Movimento, discutir de não deixar que o projeto urbanístico saísse do alinhamento pra poder
fazer projetos depois, as únicas grandes áreas de Santa Maria em que se podia fazer empreendimentos
como a Praça da Juventude, escolas, obras, é na NSM onde foi preservado, lá tem quase 10hectares de
áreas verdes, 92 hectares ocupados.
Nilda: falta qualidade no transporte coletivo
16 - Vocês querem falar um pouco sobre a cooperativa do Movimento, sobre o Minha Casa
Minha Vida Entidades, que vocês têm projeto, como está esse processo todo?
Cristiano: O MCMV em Santa Maria ainda não teve muita realização na NSM. (...) E a ideia da
cooperativa, é uma questão muito antiga no Movimento, já teve várias experiências, várias idas e
voltas, e acho que a cooperativa aqui em Santa Maria ela nasce mais madura, por que ela pôde
acompanhar essas experiências todas que tiveram, pra o Movimento, também, entrar no aspecto da
produção, da economia, já que, vamos tratar assim, as demandas habitacionais já não são mais tão
gritantes quanto eram há um tempo atrás, hoje é necessário o Movimento se desafiar a estar discutindo
isto, que pra nós é uma novidade, lutar por terra, por infraestrutura, isso é uma coisa que a gente já
conhece, mas nesse aspecto da economia nem tanto.
Nilda: A posse da terra, da casa em si, a gente já está em processo, agora com a cooperativa a gente
quer dar qualidade a isto né.
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17 - Como tem sido a atuação dos diferentes governos em relação ao MNLM e a NSM?
Cristiano: Tirando os governos que foram contrários a nós, os outros foram uma relação, acho como
devia de ser, com os conflitos que tinha que ter entre o Movimento e os governos, com alguns
avanços, alguns governos foram extraordinariamente abertos com a NSM, orgulhosos de buscar
desenvolver, acho que nos governos progressistas (aqueles de esquerda) o que muda talvez é o
tamanho do orgulho e da vontade de mexer com a NSM e com as pautas do Movimento, alguns mais
por obrigação, outros por desejo mesmo, mas em geral sempre teve aqueles que são totalmente contra
e aqueles que foram de alguma forma dialogáveis, é comum entre os partidos de centro-esquerda ter
uma visão de que aquilo que devia ser popular deveria ser olhado com mais atenção, no Governo
Olívio chegou a ter um processo de participação popular, teve intervenção de várias secretarias do
Governo do Olívio ao mesmo tempo na NSM, desde a área da assistência social, do trabalho, da
educação, da habitação, os outros nunca se teve isso, já o Olívio, se nós pudesse ter tido o presente de
ter o recurso federal do PAC do Lula e da Dilma com a gestão do Olívio, talvez a NSM fosse parte de
uma grande experiência, um exemplo de transformação de um território, de regularização fundiária, de
urbanização, de participação.. mas as coisas não aconteceram ao mesmo tempo né. (...) Talvez a
possibilidade da NSM ter entrado no PAC, além da nossa luta, foi o fato de que naquele período do
Governo do Olivio que se tentou implantar um projeto de regularização, que não era só legalizar os
terreno, era desenvolver o bairro todo.
Vanderlei: na verdade o Movimento, o Movimento da Moradia sempre tratou todos os governos como
qualquer governo, nossa pauta de reivindicação, fosse o governo que fosse, a gente nunca mudou um
item na pauta e nem vai mudar, o Movimento tem uma política diferenciada, todo governo tu tem que
fazer tua pauta e levar lá, eles não vem cá pra ver o que precisa, embora se tenha um governo de
esquerda, quando é governo eles mudam completamente, então, o Movimento sempre foi diferente,
por que se a gente pensasse que só ia ganhar a NSM com governos que fossem de partido tal, do
partido tal ou tal, teria escolhido o governo pra fazer a ocupação, mas a gente fez a ocupação durante
um governo do PDS contrário a tudo aquilo que o Movimento faz, e mesmo assim, foi sofrido, mas foi
gostoso que a gente ganhou na luta, foi sofrido mas ganhamo.
18 - E em relação aos governos Valdeci e Schirmer, quais são as opiniões do Movimento?
Cristiano: era aquilo que eu falava antes, o Valdeci, por diversos motivos tinha algum compromisso
com a nossa comunidade e com o Movimento, por ter feito militância de base, agora o Schirmer é um
governo de elite que não consegue imaginar o que é o sofrimento de uma pessoa num barraco de
madeira quando chove, não consegue ter noção da falta que faz a legalização de um terreno de uma
família de baixa renda, ele não tem noção do que é pisar no barro. Uma vez nos falaram “ah mas vocês
bateram mais no Governo do Valdeci do que bateram no Governo do Schirmer”, aí eu respondi que do
Schirmer nós não esperava nada, do Valdeci nós esperava muito e cobrava dele muito porque ele tinha
obrigação com nós, o Schirmer não tem nenhuma obrigação com nós a não ser o fato de ser prefeito,
não tem nenhum compromisso ou solidariedade de classe, acho que essa é a diferença, não é nem na
competência nem na administração, é no compromisso, entendeu.
19 - Agora a última pergunta, qual a contribuição das mulheres pra luta na NSM e pro
Movimento como um todo? As mulheres cumpriram algum papel na organização do
Movimento, estiveram nas manifestações, na coordenação do Movimento?
Ana Patrícia: Com certeza, inclusive geralmente nas ocupações a maior parte são mulheres, são as
que mais seguram a ocupação, as crianças, as mulheres, em torno de fazer os grupos de apoio,
cuidando da questão da saúde, da questão da própria ciranda, tem que organizar quem vai ficar com as
crianças, na questão da alimentação – acho que o Vanderlei pode colocar um pouco sobre isto né, que
a ocupação que eu participei foi mais a do Alto da Boa Vista, mas geralmente a gente faz um barracão
central onde ali vai ficar concentrada a questão da alimentação, é uma barraca onde ficam todos
entorno ali né, onde as pessoas se reúnem, onde é feitas as discussões sobre quem vai ficar responsável
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sobre determinada função. Mas as mulheres geralmente tão na liderança de frente, teve a Sandra
Feltrin, na época era advogada, era estagiária.
Cristiano: No início dos protestos sempre a maioria são mulheres, ao longo do tempo vai diminuindo
a participação das mulheres, mas mesmo assim, sem nenhum tipo de política de gênero ou de cota que
incentive a participação das mulheres, é um dos ambientes da política mais feminino, já teve
assembleias, reuniões de coordenação, de lideranças, aonde a maioria eram mulheres e a minoria
homens, reunião de 10 pessoas com 3 homens, então isso é muito comum. Com o passar do tempo
acaba tendo um debate de gênero legal pra fazer, acaba que vai ficando mais os homens nos espaços
de poder político e as mulheres vão se afastando do processo, na época do acampamento quem vai
bater panela na porta da prefeitura, quem vai lutar por água, essas necessidades fundamentais nesse
primeiro momento nos primeiros meses de acampamento é maior o número de mulheres na ativa, os
homens cumprem mais um papel de retaguarda, de trazer sustento pra casa, de segurança, acaba que
não convivem o dia todo no acampamento. Eu lembro que no Km2, por exemplo, eu passava o dia
inteiro no acampamento liberado pra essa tarefa, só com mulheres, eu só ia ver homens adultos de
noite, desde as 6hs da manhã até anoitecer tu convivia só com mulheres.. reuniões no fórum, com o
juiz, na maior parte das vezes foram mulheres e alguns quadros, que são homens que ficam ali
acompanhando o processo, geralmente vem de outra ocupação.
Vanderlei: na verdade divide o trabalho, o homem e a mulher trabalham, então na questão da
ocupação, ocupam a área de forma momentânea, pode durar pouco tempo como pode demorar
bastante, daí o casal passava a dividir as tarefas, e as mulheres que os maridos trabalham como
empregado, a mulher sai do emprego e garante o teto, a ocupação. (...) Então por isso que fica
flutuando, (...) viver o coletivo, dos filhos dela e os filhos das outras mulheres que tem que trabalhar
(...)
Cristiano: até o ano de dois mil e pouco era período de desemprego total né, de uma em cada quatro
pessoas, tu reunia muita gente em qualquer horário inclusive, mas tinha mais biscate pra homem do
que biscate pra mulher, (...), agora a luta da moradia é uma luta que tem muito a ver com as mulheres,
e essa coisa do abrigo da família. O Vanderlei lembrava que boa parte das mulheres que acampava tem
maridos com filhos, mas é, também, um momento de libertação, várias mulheres que se separam e
vão pro acampamento já separadas, deixa os maridos e os problemas tudo pra trás e começa uma vida
nova ali, é muito interessante perceber esse momento, várias mulheres que deixaram os maridos e às
vezes os maridos íam na ocupação e brigavam pra mulher voltar pra casa, é muito interessante.
20 - Algum comentário mais? Então eu agradeço pessoal, muito obrigado mesmo..
Cristiano: uma coisa muito interessante, quando o Vanderlei fala da NSM, ele fala de uma ocupação
articulada com ficha de orelhão..
Ana Patrícia: é uma das primeiras conquistas da ocupação foi o orelhão, depois de vários tempos (...)
(...)
“Brigadão” pessoal, pela atenção e disponibilidade de vocês!