O Livro Dos Espíritos

545
PRINCÍPIOS DA DOUTRINA ESPÍRITA sobre a imortalidade da alma, a natureza dos Espíritos e suas relações com os homens, as leis morais, a vida presente, a vida futura e o porvir da Humanidade - segundo os ensinos dados por Espíritos superiores com o concurso de diversos médiuns - recebidos e coordenados por ALLAN KARDEC ÍNDICE Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita_____________________5 I____________________________________________________________5 II___________________________________________________________6 III__________________________________________________________8 IV__________________________________________________________11 V___________________________________________________________13 VI__________________________________________________________14 VII_________________________________________________________19 VIII________________________________________________________21 IX__________________________________________________________23 X___________________________________________________________24 XI__________________________________________________________25 XII_________________________________________________________26 XIII________________________________________________________28 XIV_________________________________________________________30 XV__________________________________________________________30 XVI_________________________________________________________32 XVII________________________________________________________35 Prolegômenos_________________________________________________37 Parte Primeira - Das causas primárias________________________39 Capítulo I - de Deus________________________________________39 Deus e o infinito_________________________________________39 Provas da existência de Deus______________________________39 Atributos da divindade____________________________________40 Panteísmo_________________________________________________42 Capítulo II - dos Elementos Gerais do Universo_____________43 Conhecimento do princípio das coisas______________________43 Espírito e matéria________________________________________43 Propriedades da matéria___________________________________46 Espaço universal__________________________________________47 Capítulo III - da Criação___________________________________47 Formação dos mundos_______________________________________47

description

Espiritualidade, religiosidade.

Transcript of O Livro Dos Espíritos

FRANCISCO CNDIDO XAVIER

PAGE

PRINCPIOS DA DOUTRINA ESPRITA

sobre a imortalidade da alma, a natureza dos Espritos e suas relaes com os homens, as leis morais, a vida presente, a vida futura e o porvir da Humanidade - segundo os ensinos dados por Espritos superiores com o concurso de diversos mdiuns - recebidos e coordenados por ALLAN KARDEC

NDICE

5Introduo ao Estudo da Doutrina Esprita

I5

II6

III8

IV11

V13

VI14

VII19

VIII21

IX23

X24

XI25

XII26

XIII28

XIV30

XV30

XVI32

XVII35

Prolegmenos37

Parte Primeira - Das causas primrias39

Captulo I - de Deus39

Deus e o infinito39

Provas da existncia de Deus39

Atributos da divindade40

Pantesmo42

Captulo II - dos Elementos Gerais do Universo43

Conhecimento do princpio das coisas43

Esprito e matria43

Propriedades da matria46

Espao universal47

Captulo III - da Criao47

Formao dos mundos47

Formao dos seres vivos48

Povoamento da Terra. Ado50

Diversidade das raas humanas50

Captulo IV - do Princpio Vital54

Seres orgnicos e inorgnicos54

A vida e a morte56

Inteligncia e instinto57

Parte Segunda - do mundo esprita ou mundo dos Espritos59

Captulo I - dos Espritos59

Origem e natureza dos Espritos59

Mundo normal primitivo60

Forma e ubiqidade dos Espritos61

Perisprito62

Diferentes ordens de Espritos62

Escala esprita63

Terceira ordem. - Espritos imperfeitos65

Segunda ordem. - Bons Espritos67

Primeira ordem. - Espritos puros69

Progresso dos Espritos69

Anjos e demnios72

Captulo II - da Encarnao dos Espritos75

Objetivo da encarnao75

A alma75

Materialismo79

Captulo III - da Volta do Esprito, Extinta a Vida Corprea, Vida Espiritual81

A alma aps a morte81

Separao da alma e do corpo83

Perturbao espiritual85

Captulo IV - da Pluralidade das Existncias87

A reencarnao87

Justia da reencarnao88

Encarnao nos diferentes mundos88

Transmigraes progressivas93

Sorte das crianas depois da morte96

Sexo nos Espritos97

Parentesco, filiao97

Parecenas fsicas e morais98

Idias inatas101

Captulo V - Consideraes Sobre a Pluralidade das Existncias102

Captulo VI - da Vida Esprita110

Espritos errantes110

Mundos transitrios112

Percepes, sensaes e sofrimentos dos Espritos114

Ensaio terico da sensao nos Espritos118

Escolha das provas122

As relaes no alm-tmulo128

Espritos?130

Relaes de simpatia e de antipatia entre os Espritos. Metades eternas131

Recordao da existncia corprea133

Comemorao dos mortos. Funerais137

Captulo VII - da Volta do Esprito Vida Corporal139

Preldio da volta139

Unio da alma e do corpo141

Faculdades morais e intelectuais do homem144

Influncia do organismo146

Idiotismo, loucura147

A infncia149

Simpatia e antipatia terrenas152

Esquecimento do passado153

Captulo VIII - da Emancipao da Alma157

O sono e os sonhos157

Visitas espritas entre pessoas vivas162

Transmisso oculta do pensamento163

Letargia, catalepsia, mortes aparentes163

Sonambulismo164

xtase167

Dupla vista169

Resumo terico do sonambulismo, do xtase e da dupla vista170

Captulo IX - da Interveno dos Espritos no Mundo Corporal174

Faculdade, que tm os Espritos, de penetrar os nossos pensamentos174

Influncia oculta dos Espritos em nossos pensamentos e atos175

Possessos177

Convulsionrios179

Afeio que os Espritos votam a certas pessoas180

Anjos de guarda. Espritos protetores, familiares ou simpticos182

Pressentimentos190

Influncia dos Espritos nos acontecimentos da vida190

Ao dos Espritos nos fenmenos da Natureza194

Os Espritos durante os combates195

Pactos197

Poder oculto. Talisms. Feiticeiros198

Bnos e maldies199

Captulo X - das Ocupaes e Misses dos Espritos199

Captulo XI - dos Trs Reinos206

Os minerais e as plantas206

Os animais e o homem208

Metempsicose214

Parte Terceira - das Leis Morais216

Captulo I - da Lei Divina ou Natural216

Caracteres da lei natural216

Conhecimento da lei natural217

O bem e o mal220

Diviso da lei natural223

Captulo II - da Lei de Adorao223

Objetivo da adorao223

Adorao exterior224

Vida contemplativa225

A Prece225

Politesmo228

Sacrifcios229

Captulo III - da Lei do Trabalho231

Necessidade do trabalho231

Limite do trabalho. Repouso233

Captulo IV - da Lei de Reproduo234

Populao do globo234

Sucesso e aperfeioamento das raas234

Obstculos reproduo235

Casamento e celibato236

Poligamia237

Captulo V - da Lei de Conservao237

Instinto de Conservao237

Meios de conservao237

Gozo dos bens terrenos239

Necessrio e suprfluo240

Privaes voluntrias. Mortificaes241

Captulo VI - da Lei de Destruio243

Destruio necessria e destruio abusiva243

Flagelos destruidores244

Guerras246

Assassnio247

Crueldade248

Duelo249

Pena de morte250

Captulo VII - da Lei de Sociedade251

Necessidade da vida social251

Vida de insulamento. Voto de silncio252

Laos de famlia253

Captulo VIII - da Lei do Progresso253

Estado da natureza253

Marcha do progresso254

Povos degenerados256

Civilizao259

Progresso da legislao humana260

Influncia do Espiritismo no progresso261

Captulo IX - da Lei de Igualdade263

Igualdade Natural263

Desigualdade das aptides263

Desigualdades sociais264

Desigualdade das riquezas264

As provas de riqueza e de misria265

Igualdade dos direitos do homem e da mulher266

Igualdade perante o tmulo267

Captulo X - da Lei de Liberdade268

Liberdade natural268

Escravido268

Liberdade de pensar269

Liberdade de conscincia270

Livre-arbtrio271

Fatalidade272

Conhecimento do futuro277

Resumo terico do mvel das aes Humanas279

Captulo XI - da Lei de Justia, de Amor e de Caridade282

Justia e direitos naturais282

Direito de propriedade. Roubo284

Caridade e amor do prximo285

Amor materno e filial287

Captulo XII - da Perfeio Moral287

As virtudes e os vcios287

Paixes291

O egosmo293

Caracteres do homem de bem296

Conhecimento de si mesmo296

Parte Quarta - das Esperanas e Consolaes298

Captulo I - das Penas e Gozos Terrestres298

Felicidade e infelicidade relativas298

Perdas dos entes queridos303

Decepes. Ingratido. Afeies destrudas304

Unies antipticas305

Temor da morte306

Desgosto da vida. Suicdio307

Captulo II - das Penas e Gozos Futuros312

O Nada. Vida futura312

Intuio das penas e gozos futuros312

Interveno de Deus nas penas e recompensas313

Natureza das penas e gozos futuros314

Penas temporais320

Expiao e arrependimento322

Durao das penas futuras325

Ressurreio da carne330

Paraso, inferno e purgatrio332

Concluso335

I335

II336

III337

IV338

V339

VI341

VII343

VIII345

IX346

Introduo ao Estudo da Doutrina Esprita

I

Para se designarem coisas novas so precisos termos novos. Assim o exige a clareza da linguagem, para evitar a confuso inerente variedade de sentidos das mesmas palavras.

Os vocbulos espiritual, espiritualista, espiritualismo tm acepo bem definida. Dar-lhes outra, para aplic-los doutrina dos Espritos, fora multiplicar as causas j numerosas de anfibologia. Com efeito, o espiritismo o oposto do materialismo. Quem quer que acredite haver em si alguma coisa mais do que matria, espiritualista. No se segue da, porm, que creia na existncia dos Espritos ou em suas comunicaes com o mundo visvel. Em vez das palavras espiritual, espiritualismo, empregamos, para indicar a crena a que vimos de referir-nos, os termos esprita e espiritismo, cuja forma lembra a origem e o sentido radical e que, por isso mesmo, apresentam a vantagem de ser perfeitamente inteligveis, deixando ao vocbulo espiritualismo a acepo que lhe prpria. Diremos, pois, que a doutrina esprita ou o Espiritismo tem por princpio as relaes do mundo material com os Espritos ou seres do mundo invisvel. Os adeptos do Espiritismo sero os espritas, ou, se quiserem, os espiritistas.

Como especialidade, o Livro dos Espritos contm a doutrina esprita; como generalidade, prende-se doutrina espiritualista, uma de cujas fases apresenta. Essa a razo porque traz no cabealho do seu ttulo as palavras: Filosofia espiritualista.

II

H outra palavra acerca da qual importa igualmente que todos se entendam, por constituir um dos fechos de abbada de toda doutrina moral e ser objeto de inmeras controvrsias, mngua de uma acepo bem determinada. a palavra alma. A divergncia de opinies sobre a natureza da alma provm da aplicao particular que cada um d a esse termo. Uma lngua perfeita, em que cada idia fosse expressa por um termo prprio, evitaria muitas discusses.

Segundo uns, a alma o princpio da vida material orgnica. No tem existncia prpria e se aniquila com a vida: o materialismo puro. Neste sentido e por comparao, diz-se de um instrumento rachado, que nenhum som mais emite: no tem alma. De conformidade com essa opinio, a alma seria efeito e no causa.

Pensam outros que a alma o princpio da inteligncia, agente universal do qual cada ser absorve uma certa poro. Segundo esses, no haveria em todo o Universo seno uma s alma a distribuir centelhas pelos diversos seres inteligentes durante a vida destes, voltando cada centelha, mortos ou seres, fonte comum, a se confundir com o todo, como os regatos e os rios voltam ao mar, donde saram. Essa opinio difere da precedente em que, nesta hiptese, no h em ns somente matria, subsistindo alguma coisa aps a morte. Mas quase como se nada subsistisse, porquanto, destitudos de individualidade, no mais teramos conscincia de ns mesmos. Dentro desta opinio, a alma universal seria Deus, e cada ser um fragmento da divindade. Simples variante do pantesmo.

Segundo outros, finalmente, a alma um ser moral, distinto, independente da matria e que conserva sua individualidade aps a morte. Esta acepo , sem contradita, a mais geral, porque, debaixo de um nome ou de outro, a idia desse ser que sobrevive ao corpo se encontra, no estado de crena instintiva, no derivada de ensino, entre todos os povos, qualquer que seja o grau de civilizao de cada um. Essa doutrina, segundo a qual a alma causa e no efeito, a dos espiritualistas.

Sem discutir o mrito de tais opinies e considerando apenas o lado lingstico da questo, diremos que estas trs aplicaes do termo alma correspondem a trs idias distintas, que demandariam, para serem expressas, trs vocbulos diferentes. Aquela palavra tem, pois, trplice acepo e cada um, do seu ponto de vista, pode com razo defini-la como o faz. O mal est em a lngua dispor somente de uma palavra para exprimir trs idias. A fim de evitar todo equvoco, seria necessrio restringir-se a acepo do termo alma a uma daquelas idias. A escolha indiferente; o que se faz mister o entendimento entre todos reduzindo-se o problema a uma simples questo de conveno. Julgamos mais lgico tom-lo na sua acepo vulgar e por isso chamamos ALMA ao ser imaterial e individual que em ns reside e sobrevive ao corpo. Mesmo quando esse ser no existisse, no passasse de produto da imaginao, ainda assim fora preciso um termo para design-lo.

Na ausncia de um vocbulo especial para traduo de cada uma das outras idias a que corresponde a palavra alma, denominamos:

Princpio vital o princpio da vida material e orgnica, qualquer que seja a fonte donde promane, princpio esse comum a todos os seres vivos, desde as plantas at o homem. Pois que pode haver vida com excluso da faculdade de pensar, o princpio vital uma propriedade da matria, um efeito que se produz achando-se a matria em dadas circunstncias. Segundo outros, e esta a idia mais comum, ele reside em um fluido especial, universalmente espalhado e do qual cada ser absorve e assimila uma parcela durante a vida, tal como os corpos inertes absorvem a luz. Esse seria ento o fluido vital que, na opinio de alguns, em nada difere do fluido eltrico animalizado, ao qual tambm se do os nomes de fluido magntico, fluido nervoso, etc.

Seja como for, um fato h que ningum ousaria contestar, pois que resulta da observao: que os seres orgnicos tm em si uma forma ntima que determina o fenmeno da vida, enquanto essa fora existe; que a vida material comum a todos os seres orgnicos e independe da inteligncia e do pensamento; que a inteligncia e o pensamento so faculdades prprias de certas espcies orgnicas; finalmente, que entre as espcies orgnicas dotadas de inteligncia e de pensamento h uma dotada tambm de um senso moral especial, que lhe d incontestvel superioridade sobre as outras: a espcie humana.

Concebe-se que, com uma acepo mltipla, o termo alma no exclui o materialismo, nem o pantesmo. O prprio espiritualismo pode entender a alma de acordo com uma ou outra das duas primeiras definies, sem prejuzo do Ser imaterial distinto, a que ento dar um nome qualquer. Assim, aquela palavra no representa uma opinio: um Proteu, que cada um ajeita a seu bel-prazer. Da tantas disputas interminveis.

Evitar-se-ia igualmente a confuso, embora usando-se do termo alma nos trs casos, desde que se lhe acrescentasse um qualificativo especificando o ponto de vista em que se est colocado, ou a aplicao que se faz da palavra. Esta teria, ento, um carter genrico, designando, ao mesmo tempo, o princpio da vida material, o da inteligncia e o do senso moral, que se distinguiriam mediante um atributo, como os gases, por exemplo, que se distinguem aditando-se ao termo genrico as palavras hidrognio, oxignio ou azoto. Poder-se- ia, assim dizer, e talvez fosse o melhor, a alma vital - indicando o princpio da vida material; a alma intelectual - o princpio da inteligncia, e a alma esprita - o da nossa individualidade aps a morte. Como se v, tudo isto no passa de uma questo de palavras, mas questo muito importante quando se trata de nos fazermos entendidos.

De conformidade com essa maneira de falar, a alma vital seria comum a todos os seres orgnicos: plantas, animais e homens; a alma intelectual pertenceria aos animais e aos homens; e a alma esprita somente ao homem.

Julgamos dever insistir nestas explicaes pela razo de que a doutrina esprita repousa naturalmente sobre a existncia, em ns, de um ser independente da matria e que sobrevive ao corpo. A palavra alma, tendo que aparecer com freqncia no curso desta obra, cumpria fixssemos bem o sentido que lhe atribumos, a fim de evitarmos qualquer engano.

Passemos agora ao objeto principal desta instruo preliminar.

III

Como tudo que constitui novidade, a doutrina esprita conta com adeptos e contraditores. Vamos tentar responder a algumas das objees destes ltimos, examinando o valor dos motivos em que se apiam, sem alimentarmos, todavia, a pretenso de convencer a todos, pois muitos h que crem ter sido a luz feita exclusivamente para eles.

Dirigimo-nos aos de boa-f, aos que no trazem idias preconcebidas ou decididamente firmadas contra tudo e todos, aos que sinceramente desejam instruir-se e lhes demonstraremos que a maior parte das objees opostas doutrina promanam de incompleta observao dos fatos e de juzo leviano e precipitadamente formado.

Lembremos, antes de tudo, em poucas palavras, a srie progressiva dos fenmenos que deram origem a esta doutrina.

O primeiro fato observado foi o da movimentao de objetos diversos. Designaram-no vulgarmente pelo nome de mesas girantes ou dana das mesas. Este fenmeno, que parece ter sido notado primeiramente na Amrica, ou melhor, que se repetiu nesse pas, porquanto a Histria prova que ele remonta mais alta antigidade, se produziu rodeado de circunstncias estranhas, tais como rudos inslitos, pancadas sem nenhuma causa ostensiva. Em seguida, propagou-se rapidamente pela Europa e pelas partes do mundo. A princpio quase que s encontrou incredulidade, porm, ao cabo de pouco tempo, a multiplicidade das experincias no mais permitiu lhe pusessem em dvida a realidade.

Se tal fenmeno se houvesse limitado ao movimento de objetos materiais, poderia explicar-se por uma causa puramente fsica. Estamos longe de conhecer todos os agentes ocultos da Natureza, ou todas as propriedades dos que conhecemos: a eletricidade multiplica diariamente os recursos que proporciona ao homem e parece destinada a iluminar a Cincia com uma nova luz. Nada de impossvel haveria, portanto, em que a eletricidade modificada por certas circunstncias, ou qualquer outro agente desconhecido, fosse a causa dos movimentos observados. O fato de que a reunio de muitas pessoas aumenta a potencialidade da ao parecia vir em apoio dessa teoria. Visto poder-se considerar o conjunto dos assistentes como uma pilha mltipla, com o seu potencial na razo direta do nmero dos elementos.

O movimento circular nada apresentava de extraordinrio: est na Natureza. Todos os astros se movem em curvas elipsides; poderamos, pois, ter ali, em ponto menor, um reflexo do movimento geral do Universo, ou, melhor, uma causa, at ento desconhecida, produzindo acidentalmente, com pequenos objetos em dadas condies, uma corrente anloga que impele os mundos.

Mas, o movimento nem sempre era circular; muitas vezes era brusco e desordenado, sendo o objeto violentamente sacudido, derrubado, levado numa direo qualquer e, contrariamente a todas as leis da esttica, levantando e mantido em suspenso. Ainda aqui nada havia que se no pudesse explicar pela ao de um agente fsico invisvel, No vemos a eletricidade deitar por terra edifcios, desarraigar rvores, atirar longe os mais pesados corpos, atra-los ou repeli-los?

Os rudos inslitos, as pancadas, ainda que no fossem um dos efeitos ordinrios da dilatao da madeira, ou de qualquer outra causa acidental, podiam muito bem ser produzidos pela acumulao de um fluido oculto: a eletricidade no produz formidveis rudos?

At a, como se v, tudo pode caber no domnio dos fatos puramente fsicos e fisiolgicos. Sem sair desse mbito de idias, j ali havia, no entanto, matria para estudos srios e dignos de prender a ateno dos sbios. Por que assim no aconteceu? penoso diz-lo, mas o fato deriva de causas que provam, entre mil outros semelhantes, a leviandade do esprito humano. A vulgaridade do objeto principal que serviu de base s primeiras experincias no foi alheia indiferena dos sbios. Que influncia no tem tido muitas vezes uma palavra sobre as coisas mais graves!

Sem atenderem a que o movimento podia ser impresso a um objeto qualquer, a idia das mesas prevaleceu, sem dvida, por ser o objeto mais cmodo e porque, roda de uma mesa, muito mais naturalmente do que em torno de qualquer outro mvel, se sentam diversas pessoas. Ora, os homens superiores so com freqncia to pueris que no h como ter por impossvel que certos espritos de escol hajam considerado deprimente ocuparem-se com o que se convencionara chamar a dana das mesas. mesmo provvel que se o fenmeno observado por Galvni o fora por homens vulgares e ficasse caracterizado por um nome burlesco, ainda estaria relegado a fazer companhia varinha mgica. Qual, com efeito, o sbio que no houvera julgado uma indignidade ocupar-se com a dana das rs?

Alguns, entretanto, muito modestos para convirem em que bem poderia dar-se no lhes ter ainda a Natureza dito a ltima palavra, quiseram ver, para tranqilidade de suas conscincias. Mas aconteceu que o fenmeno nem sempre lhes correspondeu expectativa e, do fato de no se haver produzido constantemente vontade deles e segundo a maneira de se comportarem na experimentao, concluram pela negativa. Mau grado, porm, ao que decretaram, as mesas - pois que h mesas - continuam a girar e podemos dizer com Galileu: todavia, elas se movem! Acrescentaremos que os fatos se multiplicaram de tal modo que desfrutam hoje do direito de cidade, no mais se cogitando seno de lhes achar uma explicao racional.

Contra a realidade do fenmeno, poder-se-ia induzir alguma coisa da circunstncia de ele no se produzir de modo sempre idntico, conformemente vontade e s exigncias do observador? Os fenmenos de eletricidade e de qumica no esto subordinados a certas condies? Ser lcito neg-los, porque no se produzem fora dessas condies? Que h, pois, de surpreendente em que o fenmeno do movimento dos objetos pelo fluido humano tambm se ache sujeito a determinadas condies e deixe de se produzir quando o observador, colocando-se no seu ponto de vista, pretende faz-lo seguir a marcha que caprichosamente lhe imponha, ou queira sujeit-lo s leis dos fenmenos conhecidos, sem considerar que para fatos novos pode e deve haver novas leis? Ora, para se conhecerem essas leis, preciso que se estudem as circunstncias em que os fatos se produzem e esse estudo no pode deixar de ser fruto de observao perseverante, atenta e s vezes muito longa.

Objetam, porm, algumas pessoas: h freqentemente fraudes manifestas.

Perguntar-lhes-emos, em primeiro lugar, se esto bem certas de que haja fraudes e se no tomaram por fraude efeitos que no podiam explicar, mas ou menos como o campons que tomava por destro escamoteador um sbio professor de Fsica a fazer experincias.

Admitindo-se mesmo que tal coisa tenha podido verificar-se algumas vezes, constituiria isso razo para negar-se o fato? Dever-se-ia negar a Fsica, porque h prestidigitadores que se exornam com o ttulo de fsicos? Cumpre, ao demais, se leve em conta o carter das pessoas e o interesse que possam ter em iludir. Seria tudo, ento, mero gracejo? Admite-se que uma pessoa se divirta por algum tempo, mas um gracejo prolongado indefinidamente se tornaria to fastidioso para o mistificador, como para o mistificado. Acresce que, numa mistificao que se propaga de um extremo a outro do mundo e por entre as mais austeras, venerveis e esclarecidas personalidades, qualquer coisa h, com certeza, to extraordinria, pelo menos, quanto o prprio fenmeno.

IV

Se os fenmenos, com que nos estamos ocupando, houvessem ficado restritos ao movimento dos objetos, teriam permanecido, como dissemos, no domnio das cincias fsicas. Assim, entretanto, no sucedeu: estava-lhes reservado colocar-nos na pista de fatos de ordem singular. Acreditaram haver descoberto, no sabemos pela iniciativa de quem, que a impulso dada aos objetos no era apenas o resultado de uma fora mecnica cega; que havia nesse movimento a interveno de uma causa inteligente. Uma vez aberto, esse caminho conduziu a um campo totalmente novo de observaes. De sobre muitos mistrios se erguia o vu. Haver, com efeito, no caso, uma potncia inteligente? Tal a questo. Se essa potncia existe, qual ela, qual a sua natureza, a sua origem? Encontra-se acima da Humanidade? Eis outras questes que decorrem da anterior.

As primeiras manifestaes inteligentes se produziram por meio de mesas que se levantavam e, com um dos ps, davam certo nmero de pancadas, respondendo desse modo - sim, ou - no, conforme fora convencionado, a uma pergunta feita. At a nada de convincente havia para os cpticos, porquanto bem podiam crer que tudo fosse obra do acaso. Obtiveram-se depois respostas mais desenvolvidas com o auxlio das letras do alfabeto: dando o mvel um nmero de pancadas correspondente ao nmero de ordem de cada letra, chegava-se a formar palavras e frases que respondiam s questes propostas. A preciso das respostas e a correlao que denotavam com as perguntas causaram espanto. O ser misterioso que assim respondia, interrogado sobre a sua natureza, declarou que era Esprito ou Gnio, declinou um nome e prestou diversas informaes a seu respeito. H aqui uma circunstncia muito importante, que se deve assinalar. que ningum imaginou os Espritos como meio de explicar o fenmeno; foi o prprio fenmeno que revelou a palavra. Muitas vezes, em se tratando das cincias exatas, se formulam hipteses para dar-se uma base ao raciocnio. No aqui o caso.

Tal meio de correspondncia era, porm, demorado e incmodo. O Esprito (e isto constitui nova circunstncia digna de nota) indicou outro. Foi um desses seres invisveis quem aconselhou a adaptao de um lpis a uma cesta ou a outro objeto. Colocada em cima de uma folha de papel, a cesta posta em movimento pela mesma potncia oculta que move as mesas; mas, em vez de um simples movimento regular, o lpis traa por si mesmo caracteres formando palavras, frases, dissertaes de muitas pginas sobre as mais altas questes de filosofia, de moral, de metafsica, de psicologia, etc., e com tanta rapidez quanta se se escrevesse com a mo.

O conselho foi dado simultaneamente na Amrica, na Frana e em diversos outros pases. Eis em que termos o deram em Paris, a 10 de junho de 1853, a um dos mais fervorosos adeptos da doutrina e que, havia muitos anos, desde 1849, se ocupava com a evocao dos Espritos: Vai buscar, no aposento ao lado, a cestinha; amarra-lhe um lpis; coloca-a sobre o papel; pe-lhe os teus dedos sobre a borda Alguns instantes aps, a cesta entrou a mover-se e o lpis escreveu, muito legvel, esta frase: Probo expressamente que transmitas a quem quer qu seja o que acabo de dizer. Da primeira vez que escrever, escreverei melhor.

O objeto a que se adapta o lpis, no passando de mero instrumento, completamente indiferentes so a natureza e a forma que tenha. Da o haver-se procurado dar-lhe a disposio mais cmoda. Assim que muita gente se serve de uma prancheta pequena.

A cesta ou a prancheta s podem ser postas em movimento debaixo da influncia de certas pessoas, dotadas, para isso, de um poder especial, as quais se designam pelo nome de mdiuns, isto - meios ou intermedirios entre os Espritos e os homens. As condies que do esse poder resultam de causas ao mesmo tempo fsicas e morais, ainda imperfeitamente conhecidas, porquanto h mdiuns de todas as idades, de ambos os sexos e em todos os graus de desenvolvimento intelectual. , todavia, uma faculdade que se desenvolve pelo exerccio.

V

Reconheceu-se mais tarde que a cesta e a prancheta no eram, realmente, mais do que um apndice da mo; e o mdium, tomando diretamente do lpis, se ps a escrever por um impulso involuntrio e quase febril. Dessa maneira, as comunicaes se tornaram mais rpidas, mais fceis e mais completas. Hoje esse o meio geralmente empregado e com tanto mais razo quanto o nmero das pessoas dotadas dessa aptido muito considervel e cresce todos os dias. Finalmente, a experincia deu a conhecer muitas outras variedades da faculdade mediadora, vindo-se a saber que as comunicaes podiam igualmente ser transmitidas pela palavra, pela audio, pela viso, pelo tato, etc., e at pela escrita direta dos Espritos, isto , sem o concurso da mo do mdium, nem do lpis.

Obtido o fato, restava comprovar um ponto essencial - o papel do mdium nas respostas e a parte que, mecnica e moralmente, pode ter nelas. Duas circunstncias capitais, que no escapariam a um observador atento, tornam possvel resolver-se a questo.

A primeira consiste no modo por que a cesta se move sob a influncia do mdium, apenas lhe impondo este os dedos sobre os bordos. O exame do fato demonstra a impossibilidade de o mdium imprimir uma direo qualquer ao movimento daquele objeto. Essa impossibilidade se patenteia, sobretudo, quando duas ou trs pessoas colocam juntamente as mos sobre a cesta. Fora preciso entre elas uma concordncia verdadeiramente fenomenal de movimentos. Fora preciso, demais, a concordncia dos pensamentos, para que pudessem estar de acordo quanto resposta a dar questo formulada. Outro fato, no menos singular, ainda vem aumentar a dificuldade. a mudana radical da caligrafia, conforme o Esprito que se manifesta, reproduzindo-se a de um determinado Esprito todas as vezes que ele volta a escrever. Fora necessrio, pois que o mdium se houvesse exercitado em dar sua prpria caligrafia vinte formas diferentes e, principalmente, que pudesse lembrar-se da que corresponde a tal ou tal Esprito.

A segunda circunstncia resulta da natureza mesma das respostas que, as mais das vezes, especialmente quando se ventilam questes abstratas e cientficas, esto notoriamente fora do campo dos conhecimentos e, amide, do alcance intelectual do mdium, que, alm disso, como de ordinrio sucede, no tem conscincia do que se escreve debaixo da sua influncia; que, freqentemente, no entende ou no compreende a questo proposta, pois que esta o pode ser num idioma que ele desconhea, ou mesmo mentalmente, podendo a resposta ser dada nesse idioma. Enfim, acontece muito escrever a cesta espontaneamente, sem que se haja feito pergunta alguma, sobre um assunto qualquer, inteiramente inesperado.

Em certos casos, as respostas revelam tal cunho de sabedoria, de profundeza e de oportunidade; exprimem pensamentos to elevados, to sublimes, que no podem emanar seno de uma Inteligncia superior, impregnada da mais pura moralidade. Doutras vezes, so to levianas, to frvolas, to triviais, que a razo recusa admitir derivem da mesma fonte. Tal diversidade de linguagem no se pode explicar seno pela diversidade das Inteligncias que se manifestam. E essas Inteligncias esto na Humanidade ou fora da Humanidade? Este o ponto a esclarecer-se e cuja explicao se encontrar completa nesta obra, como a deram os prprios Espritos.

Eis, pois, efeitos patentes, que se produzem fora do crculo habitual das nossas observaes; que no ocorrem misteriosamente, mas, ao contrrio, luz meridiana, que toda gente pode ver e comprovar; que no constituem privilgio de um nico indivduo e que milhares de pessoas repetem todos os dias. Esses efeitos tm necessariamente uma causa e, do momento que denotam a ao de uma inteligncia e de uma vontade, saem do domnio puramente fsico.

Muitas teorias foram engendradas a este respeito. Examin-las-emos dentro em pouco e veremos se so capazes de oferecer a explicao de todos os fatos que se observam.

Admitamos, enquanto no chegamos at l, a existncia de seres distintos dos humanos, pois que esta a explicao ministrada pelas Inteligncias que se manifestam, e vejamos o que eles nos dizem.

VI

Conforme notamos acima, os prprios seres que se comunicam se designam a si mesmos pelo nome de Espritos ou Gnios, declarando, alguns, pelo menos, terem pertencido a homens que viveram na Terra. Eles compem o mundo espiritual, como ns constitumos o mundo corporal durante a vida terrena.

Vamos resumir, em poucas palavras, os pontos principais da doutrina que nos transmitiram, a fim de mais facilmente respondermos a certas objees.

Deus eterno, imutvel, imaterial, nico, onipotente, soberanamente justo e bom. Criou o Universo, que abrange todos os seres animados e inanimados, materiais e imateriais.

Os seres materiais constituem o mundo visvel ou corpreo, e os seres imateriais, o mundo invisvel ou esprita, isto , dos Espritos.

O mundo esprita o mundo normal, primitivo, eterno, preexistente e sobrevivente a tudo.

O mundo corporal secundrio; poderia deixar de existir, ou no ter jamais existido, sem que por isso se alterasse a essncia do mundo esprita.

Os Espritos revestem temporariamente um invlucro material perecvel, cuja destruio pela morte lhes restitui a liberdade.

Entre as diferentes espcies de seres corpreos, Deus escolheu a espcie humana para a encarnao dos Espritos que chegaram a certo grau de desenvolvimento, dando-lhe superioridade moral e intelectual sobre as outras.

A alma um Esprito encarnado, sendo o corpo apenas o seu envoltrio.

H no homem trs coisas: 1, o corpo ou ser material anlogo aos animais e animado pelo mesmo princpio vital; 2, a alma ou ser imaterial, Esprito encarnado no corpo; 3, o lao que prende a alma ao corpo, princpio intermedirio entre a matria e o Esprito.

Tem assim o homem duas naturezas: pelo corpo, participa da natureza dos animais, cujos instintos lhe so comuns; pela alma, participa da natureza dos Espritos.

O lao ou perisprito, que prende ao corpo o Esprito, uma espcie de envoltrio semimaterial. A morte a destruio do invlucro mais grosseiro. O Esprito conserva o segundo, que lhe constitui um corpo etreo, invisvel para ns no estado normal, porm que pode tornar-se acidentalmente visvel e mesmo tangvel, como sucede no fenmeno das aparies.

O Esprito no , pois, um ser abstrato, indefinido, s possvel de conceber-se pelo pensamento. um ser real, circunscrito, que, em certos casos, se torna aprecivel pela vista, pelo ouvido e pelo tato.

Os Espritos pertencem a diferentes classes e no so iguais, nem em poder, nem em inteligncia, nem em saber, nem em moralidade. Os da primeira ordem so os Espritos superiores, que se distinguem dos outros pela sua perfeio, seus conhecimentos, sua proximidade de Deus, pela pureza de seus sentimentos e por seu amor do bem: so os anjos ou puros Espritos. Os das outras classes se acham cada vez mais distanciados dessa perfeio, mostrando-se os das categorias inferiores, na sua maioria eivados das nossas paixes: o dio, a inveja, o cime, o orgulho, etc. Comprazem-se no mal. H tambm, entre os inferiores, os que no so nem muito bons nem muito mais, antes perturbadores e enredadores, do que perversos. A malcia e as inconseqncias parecem ser o que neles predomina. So os Espritos estrdios ou levianos.

Os Espritos no ocupam perpetuamente a mesma categoria. Todos se melhoram passando pelos diferentes graus da hierarquia esprita. Esta melhora se efetua por meio da encarnao, que imposta a uns como expiao, a outros como misso. A vida material uma prova que lhes cumpre sofrer repetidamente, at que hajam atingido a absoluta perfeio moral.

Deixando o corpo, a alma volve ao mundo dos Espritos, donde sara, para passar por nova existncia material, aps um lapso de tempo mais ou menos longo, durante o qual permanece em estado de Esprito errante.

Tendo o Esprito que passar por muitas encarnaes, segue-se que todos ns temos tido muitas existncias e que teremos ainda outras, mais ou menos aperfeioadas, quer na Terra, quer em outros mundos.

A encarnao dos Espritos se d sempre na espcie humana; seria erro acreditar-se que a alma ou Esprito possa encarnar no corpo de um animal.

As diferentes existncias corpreas do Esprito so sempre progressivas e nunca regressivas; mas, a rapidez do seu progresso depende dos esforos que faa para chegar perfeio.

As qualidades da alma so as do Esprito que est encarnado em ns; assim, o homem de bem a encarnao de um bom Esprito, o homem perverso a de um Esprito impuro.

A alma possua sua individualidade antes de encarnar; conserva-a depois de se haver separado do corpo.

Na sua volta ao mundo dos Espritos, encontra ela todos aqueles que conhecera na Terra, e todas as suas existncias anteriores se lhe desenham na memria, com a lembrana de todo bem e de todo mal que fez.

O Esprito encarnado se acha sob a influncia da matria; o homem que vence esta influncia, pela elevao e depurao de sua alma, se aproxima dos bons Espritos, em cuja companhia um dia estar. Aquele que se deixa dominar pelas ms paixes, e pe todas as suas alegrias na satisfao dos apetites grosseiros, se aproxima dos Espritos impuros, dando preponderncia sua natureza animal.

Os Espritos encarnados habitam os diferentes globos do Universo.

Os no encarnados ou errantes no ocupam uma regio determinada e circunscrita; esto por toda parte no espao e ao nosso lado, vendo-nos e acotovelando-nos de contnuo.

toda uma populao invisvel, a mover-se em torno de ns.

Os Espritos exercem incessante ao sobre o mundo moral e mesmo sobre o mundo fsico. Atuam sobre a matria e sobre o pensamento e constituem uma das potncias da Natureza, causa eficiente de uma multido de fenmenos at ento inexplicados ou mal explicados e que no encontram explicao racional seno no Espiritismo.

As relaes dos Espritos com os homens so constantes. Os bons Espritos nos atraem para o bem, nos sustentam nas provas da vida e nos ajudam a suport-las com coragem e resignao. Os maus nos impelem para o mal: -lhes um gozo ver-nos e assemelhar-nos a eles.

As comunicaes dos Espritos com os homens so ocultas ou ostensivas. As ocultas se verificam pela influncia boa ou m que exercem sobre ns, nossa revelia.

Cabe ao nosso juzo discernir as boas das ms inspiraes. As comunicaes ostensivas se do por meio da escrita, da palavra ou de outras manifestaes materiais, quase sempre pelos mdiuns que lhes servem de instrumentos.

Os Espritos se manifestam espontaneamente ou mediante evocao.

Podem evocar-se todos os Espritos: os que animaram homens obscuros, como os das personagens mais ilustres, seja qual for a poca em que tenham vivido; os de nossos parentes, amigos, ou inimigos, e obter-se deles, por comunicaes escritas ou verbais, conselhos, informaes sobre a situao em que se encontram no Alm, sobre o que pensam a nosso respeito, assim como as revelaes que lhes sejam permitidas fazer-nos.

Os Espritos so atrados na razo da simpatia que lhes inspire a natureza moral do meio que os evoca. Os Espritos superiores se comprazem nas reunies srias, onde predominam o amor do bem e o desejo sincero, por parte dos que as compem, de se instrurem e melhorarem. A presena deles afasta os Espritos inferiores que, inversamente, encontram livre acesso e podem obrar com toda a liberdade entre pessoas frvolas ou impelidas unicamente pela curiosidade e onde quer que existam maus instintos.

Longe de se obterem bons conselhos, ou informaes teis, deles s se devem esperar futilidades, mentiras, gracejos de mau gosto, ou mistificaes, pois que muitas vezes tomam nomes venerados, a fim de melhor induzirem ao erro.

Distinguir os bons dos maus Espritos extremamente fcil. Os Espritos superiores usam constantemente de linguagem digna, nobre, repassada da mais alta moralidade, escoimada de qualquer paixo inferior; a mais pura sabedoria lhes transparece dos conselhos, que objetivam sempre o nosso melhoramento e o bem da Humanidade. A dos Espritos inferiores, ao contrrio, inconseqente, amide trivial e at grosseira. Se, por vezes, dizem alguma coisa boa e verdadeira, muito mais vezes dizem falsidades e absurdos, por malcia ou ignorncia. Zombam da credulidade dos homens e se divertem custa dos que os interrogam, lisonjeando-lhes a vaidade, alimentando-lhes os desejos com falazes esperanas. Em resumo, as comunicaes srias, na mais ampla acepo do termo, s so dadas nos centros srios, onde intima comunho de pensamentos, tendo em vista o bem.

A moral dos Espritos superiores se resume, como a do Cristo, nesta mxima evanglica: Fazer aos outros o que quereramos que os outros nos fizessem, isto , fazer o bem e no o mal. Neste princpio encontra o homem uma regra universal de proceder, mesmo para as suas menores aes.

Ensinam-nos que o egosmo, o orgulho, a sensualidade so paixes que nos aproximam da natureza animal, prendendo-nos matria; que o homem que, j neste mundo, se desliga da matria, desprezando as futilidades mundanas e amando o prximo, se avizinha da natureza espiritual; que cada um deve tornar-se til, de acordo com as faculdades e os meios que Deus lhe ps nas mos para experiment-lo; que o Forte e o Poderoso devem amparo e proteo ao Fraco, porquanto transgride a Lei de Deus aquele que abusa da fora e do poder para oprimir o seu semelhante. Ensinam, finalmente, que, no mundo dos Espritos, nada podendo estar oculto, o hipcrita ser desmascarado e patenteadas todas as suas torpezas, que a presena inevitvel, e de todos os instantes, daqueles para com quem houvermos procedido mal constitui um dos castigos que nos esto reservados; que ao estado de inferioridade e superioridade dos Espritos correspondem penas e gozos desconhecidos na Terra.

Mas, ensinam tambm no haver faltas irremissveis, que a expiao no possa apagar. Meio de consegui-lo encontra o homem nas diferentes existncias que lhe permitem avanar, conformemente aos seus desejos e esforos, na senda do progresso, para a perfeio, que o seu destino final.

Este o resumo da Doutrina Esprita, como resulta dos ensinamentos dados pelos Espritos superiores. Vejamos agora as objees que se lhe contrapem.

VII

Para muita gente, a oposio das corporaes cientficas constitui, seno uma prova, pelo menos forte presuno contra o que quer que seja. No somos dos que se insurgem contra os sbios, pois no queremos dar azo a que de ns digam que escouceamos. Temo-los, ao contrrio, em grande apreo e muito honrado nos julgaramos se fssemos conta- do entre eles. Suas opinies, porm, no podem representar, em todas as circunstncias, uma sentena irrevogvel.

Desde que a Cincia sai da observao material dos fatos, em se tratando de os apreciar e explicar, o campo est aberto s conjeturas. Cada um arquiteta o seu sistemazinho, disposto a sustent-lo com fervor, para faz-lo prevalecer. No vemos todos os dias as mais opostas opinies serem alternativamente preconizadas e rejeitadas, ora repelidas como erros absurdos, para logo depois aparecerem proclamadas como verdades incontestveis? Os fatos, eis o verdadeiro critrio dos nossos juzos, o argumento sem rplica. Na ausncia dos fatos, a dvida se justifica no homem ponderado.

Com relao s coisas notrias, a opinio dos sbios , com toda razo, fidedigna, porquanto eles sabem mais e melhor do que o vulgo. Mas, no tocante a princpios novos, a coisas desconhecidas, essa opinio quase nunca mais do que hipottica, por isso que eles no se acham, menos que os outros, sujeitos a preconceitos. Direi mesmo que o sbio tem mais prejuzos que qualquer outro, porque uma propenso natural o leva a subordinar tudo ao ponto de vista donde mais aprofundou os seus conhecimentos: o matemtico no v prova seno numa demonstrao algbrica, o qumico refere tudo ao dos elementos, etc.

Aquele que se fez especialista prende todas as suas idias especialidade que adotou. Ti-rai- o da e o vereis quase sempre desarrazoar, por querer submeter tudo ao mesmo cadinho: conseqncia da fraqueza humana. Assim, pois, consultarei, do melhor grado e com a maior confiana, um qumico sobre uma questo de anlise, um fsico sobre a potncia eltrica, um mecnico sobre uma fora motriz. Ho de eles, porm, permitir-me, sem que isto afete a estima a que lhes d direito o seu saber especial, que eu no tenha em melhor conta suas opinies negativas acerca do Espiritismo, do que o parecer de um arquiteto sobre uma questo de msica.

As cincias ordinrias assentam nas propriedades da matria, que se pode experimentar e manipular livremente; os fenmenos espritas repousam na ao de inteligncias dotadas de vontade prpria e que nos provam a cada instante no se acharem subordinadas aos nossos caprichos. As observaes no podem, portanto, ser feitas da mesma forma; requerem condies especiais e outro ponto de partida. Querer submet-las aos processos comuns de investigao estabelecer analogias que no existem. A Cincia, propriamente dita, , pois, como cincia, incompetente para se pronunciar na questo do Espiritismo: no tem que se ocupar com isso e qualquer que seja o seu julgamento, favorvel ou no, nenhum peso poder ter. O Espiritismo o resultado de uma convico pessoal, que os sbios, como indivduos, podem adquirir, abstrao feita da qualidade de sbios. Pretender deferir a questo Cincia equivaleria a querer que a existncia ou no da alma fosse decidida por uma assemblia de fsicos ou de astrnomos. Com efeito, o Espiritismo est todo na existncia da alma e no seu estado depois da morte. Ora, soberanamente ilgico imaginar-se que um homem deva ser grande psicologista, porque eminente matemtico ou notvel anatomista. Dissecando o corpo humano, o anatomista procura a alma e, porque no a encontra, debaixo do seu escalpelo, como encontra um nervo, ou porque no a v evolar-se como um gs, conclui que ela no existe, colocado num ponto de vista exclusivamente material. Segue-se que tenha razo contra a opinio universal? No.

Vedes, portanto, que o Espiritismo no da alada da Cincia.

Quando as crenas espritas se houverem vulgarizado, quando estiverem aceitas pelas massas humanas (e, a julgar pela rapidez com que se propagam, esse tempo no vem longe), com elas se dar o que tem acontecido a todas as idias novas que ho encontrado oposio: os sbios se rendero evidncia. L chegaro, individualmente, pela fora das coisas. At ento ser intempestivo desvi-los de seus trabalhos especiais, para obrig-los a se ocuparem com um assunto estranho, que no lhes est nem nas atribuies, nem no programa. Enquanto isso no se verifica, os que, sem estudo prvio e aprofundado da matria, se pronunciam pela negativa e escarnecem de quem no lhes subscreve o conceito, esquecem que o mesmo se deu com a maior parte das grandes descobertas que fazem honra Humanidade. Expem-se a ver seus nomes alongando a lista dos ilustres proscritores das idias novas e inscritos a par dos membros da douta assemblia que, em 1752, acolheu com retumbante gargalhada a memria de Franklin sobre os pra-raios, julgando-a indigna de figurar entre as comunicaes que lhe eram dirigidas; e dos daquela outra que ocasionou perder a Frana as vantagens da iniciativa da marinha a vapor, declarando o sistema de Fulton um sonho irrealizvel. Entretanto, essas eram questes da alada daquelas corporaes. Ora, se tais assemblias, que contavam em seu seio a nata dos sbios do mundo, s tiveram a zombaria e o sarcasmo para idias que elas no percebiam, idias que, alguns anos mais tarde, revolucionaram a cincia, os costumes e a indstria, como esperar que uma questo, alheia aos trabalhos que lhes so habituais, alcance hoje das suas congneres melhor acolhimento?

Esses erros de alguns homens eminentes, se bem que deplorveis, atenta a memria deles, de nenhum modo poderiam priv-los dos ttulos que a outros respeitos conquistaram nossa estima; mas, ser precisa a posse de um diploma oficial para se ter bom-senso? Dar-se- que fora das ctedras acadmicas s se encontrem tolos e imbecis? Dignem-se de lanar os olhos para os adeptos da Doutrina Esprita e digam se s com ignorantes deparam e se a imensa legio de homens de mrito que a tm abraado autoriza seja ela atirada ao rol das crendices de simplrios. O carter e o saber desses homens do peso a esta proposio: pois que eles afirmam, foroso reconhecer que alguma coisa h.

Repetimos mais uma vez que, se os fatos a que aludimos se houvessem reduzido ao movimento mecnico dos corpos, a indagao da causa fsica desse fenmeno caberia no domnio da Cincia; porm, desde que se trata de uma manifestao que se produz com excluso das leis da Humanidade, ela escapa competncia da cincia material, visto no poder explicar-se por algarismos, nem por uma fora mecnica. Quando surge um fato novo, que no guarda relao com alguma cincia conhecida, o sbio, para estud-lo, tem que abstrair na sua cincia e dizer a si mesmo que o que se lhe oferece constitui um estudo novo, impossvel de ser feito com idias preconcebidas.

O homem que julga infalvel a sua razo est bem perto do erro. Mesmo aqueles, cujas idias so as mais falsas, se apiam na sua prpria razo e por isso que rejeitam tudo o que lhes parece impossvel. Os que outrora repeliram as admirveis descobertas de que a Humanidade se honra, todos endereavam seus apelos a esse juiz, para repeli-las. O que se chama razo no muitas vezes seno orgulho disfarado e quem quer que se considere infalvel apresenta-se como igual a Deus. Dirigimo-nos, pois, aos ponderados, que duvidam do que no viram, mas que, julgando do futuro pelo passado, no crem que o homem haja chegado ao apogeu nem que a Natureza lhe tenha facultado ler a ltima pgina do seu livro.

VIII

Acrescentemos que o estudo de uma doutrina, qual a Doutrina Esprita, que nos lana de sbito numa ordem de coisas to nova quo grande, s pode ser feito com utilidade por homens srios, perseverantes, livres de prevenes e animados de firme e sincera vontade de chegar a um resultado. No sabemos como dar esses qualificativos aos que julgam a priori, levianamente, sem tudo ter visto; que no imprimem a seus estudos a continuidade, a regularidade e o recolhimento indispensveis. Ainda menos saberamos d-los a alguns que, para no decarem da reputao de homens de esprito, se afadigam por achar um lado burlesco nas coisas mais verdadeiras, ou tidas como tais por pessoas cujo saber, carter e convices lhes do direito considerao de quem quer que se preze de bem-educado.

Abstenham-se, portanto, os que entendem no serem dignos de sua ateno os fatos.

Ningum pensa em lhes violentar a crena; concordem, pois, em respeitar a dos outros.

O que caracteriza um estudo srio a continuidade que se lhe d. Ser de admirar que muitas vezes no se obtenha nenhuma resposta sensata a questes de si mesmas graves, quando propostas ao acaso e queima-roupa, em meio de uma aluvio de outras extravagantes? Demais, sucede freqentemente que, por complexa, uma questo, para ser elucidada, exige a soluo de outras preliminares ou complementares. Quem deseje tornar-se versado numa cincia tem que a estudar metodicamente, comeando pelo princpio e acompanhando o encadeamento e o desenvolvimento das idias. Que adiantar aquele que, ao acaso, dirigir a um sbio perguntas acerca de uma cincia cujas primeiras palavras ignore? Poder o prprio sbio, por maior que seja a sua boa-vontade, dar-lhe resposta satisfatria? A resposta isolada, que der, ser forosamente incompleta e quase sempre por isso mesmo, ininteligvel, ou parecer absurda e contraditria. O mesmo ocorre em nossas relaes com os Espritos. Quem quiser com eles instruir-se tem que com eles fazer um curso; mas, exatamente como se procede entre ns dever escolher seus professores e trabalhar com assiduidade.

Dissemos que os Espritos superiores somente s sesses srias acorrem, sobretudo s em que reina perfeita comunho de pensamentos e de sentimentos para o bem. A leviandade e as questes ociosas os afastam, como, entre os homens, afastam as pessoas criteriosas; o campo fica, ento, livre turba dos Espritos mentirosos e frvolos, sempre espreita de ocasies propcias para zombarem de ns e se divertirem nossa custa. Que o que se dar com uma questo grave em reunies de tal ordem? Ser respondida; mas, por quem?

Acontece como se a um bando de levianos, que estejam a divertir-se, propussseis estas questes: Que a alma? Que a morte? e outras to recreativas quanto essas. Se quereis respostas sisudas, haveis de comportar-vos com toda a sisudeza, na mais ampla acepo do termo, e de preencher todas as condies reclamadas. S assim obtereis grandes coisas.

Sede, alm do mais, laboriosos e perseverantes nos vossos estudos, sem o que os Espritos superiores vos abandonaro como faz um professor com os discpulos negligentes.

IX

O movimento dos objetos um fato incontestvel. A questo est em saber se, nesse movimento, h ou no uma manifestao inteligente e, em caso de afirmativa, qual a origem dessa manifestao.

No falamos do movimento inteligente de certos objetos, nem das comunicaes verbais, nem das que o mdium escreve diretamente. Este gnero de manifestaes, evidente para os que viram e aprofundaram o assunto, no se mostra, primeira vista, bastante independente da vontade, para firmar a convico de um observador novato. No trataremos, portanto, seno da escrita obtida com o auxlio de um objeto qualquer munido de um lpis, como cesta, prancheta, etc. A maneira pela qual os dedos do mdium repousam sobre os objetos desafia, como atrs dissemos, a mais consumada destreza de sua parte no intervir, de qualquer modo, em o traar das letras. Mas admitamos que a algum, dotado de maravilhosa habilidade, seja isso possvel e que esse algum consiga iludir o olhar do observador; como explicar a natureza das respostas, quando se apresentam fora do quadro das idias e conhecimentos do mdium? E note-se que no se trata de respostas monossilbicas, porm, muitas vezes, de numerosas pginas escritas com admirvel rapidez, quer espontaneamente, quer sobre determinado assunto. De sob os dedos do mdium menos versado em literatura, surgem de quando em quando poesias de impecveis sublimidade e pureza, que os melhores poetas humanos no se dedignariam de subscrever.

O que ainda torna mais estranhos esses fatos que ocorrem por toda parte e que os mdiuns se multiplicam ao infinito. So eles reais ou no? Para esta pergunta s temos uma resposta: vede e observai; no vos faltaro ocasies de faz-lo; mas, sobretudo, observai repetidamente, por longo tempo e de acordo com as condies exigidas.

Que respondem a essa evidncia os antagonistas? - Sois vtimas do charlatanismo ou joguete de uma iluso. Diremos, primeiramente, que a palavra charlatanismo no cabe onde no h proveito. Os charlates no fazem grtis o seu ofcio. Seria, quando muito, uma mistificao. Mas, por que singular coincidncia esses mistificadores se achariam acordes, de um extremo a outro do mundo, para proceder do mesmo modo, produzir os mesmos efeitos e dar, sobre os mesmos assuntos e em lnguas diversas, respostas idnticas, seno quanto forma, pelo menos quanto ao sentido? Como compreender-se que pessoas austeras, honradas, instrudas se prestassem a tais manejos? E com que fim? Como achar em crianas a pacincia e a habilidade necessrias a tais resultados? Porque, se os mdiuns no so instrumentos passivos, indispensveis se lhes fazem habilidade e conhecimentos incompatveis com a idade infantil e com certas posies sociais.

Dizem ento que, se no h fraude, pode haver iluso de ambos os lados. Em boa lgica, a qualidade das testemunhas de alguma importncia. Ora, aqui o caso de perguntarmos se a Doutrina Esprita, que j conta milhes de adeptos, s os recruta entre os ignorantes? Os fenmenos em que ela se baseia so to extraordinrios que concebemos a existncia da dvida. O que, porm, no podemos admitir a pretenso de alguns incrdulos, a de terem o monoplio do bom-senso, e que, sem guardarem as convenincias e respeitarem o valor moral de seus adversrios, tachem, com desplante, de ineptos os que lhes no seguem o parecer. Aos olhos de qualquer pessoa judiciosa, a opinio das que, esclarecidas, observaram durante muito tempo, estudaram e meditaram uma coisa, constituir sempre, quando no uma prova, uma presuno, no mnimo, a seu favor, visto ter logrado prender a ateno de homens respeitveis, que no tinham interesse algum em propagar erros nem tempo a perder com futilidades.

X

Entre as objees, algumas h das mais especiosas, ao menos na aparncia, porque tiradas da observao e feitas por pessoas respeitveis.

A uma delas serve de base a linguagem de certos Espritos, que no parece digna da elevao atribuda a seres sobrenaturais. Quem se reportar ao resumo da doutrina acima apresentado, ver que os prprios Espritos nos ensinam no haver entre eles igualdade de conhecimentos nem de qualidades morais, e que no se deve tomar ao p da letra tudo quanto dizem. s pessoas sensatas incumbe separar o bom do mau. Indubitavelmente, os que desse fato deduzem que s se comunicam conosco seres malfazejos, cuja nica ocupao consista em nos mistificar, no conhecem as comunicaes que se recebem nas reunies onde s se manifestam Espritos superiores; do contrrio, assim no pensariam. de lamentar que o acaso os tenha servido to mal, que apenas lhes haja mostrado o lado mau do mundo esprita, pois nos repugna supor que uma tendncia simptica atraia para eles, em vez dos bons Espritos, os maus, os mentirosos, ou aqueles cuja linguagem de revoltante grosseria. Poder-se-ia, quando muito, deduzir da que a solidez dos princpios dessas pessoas no bastante forte para preserv-las do mal e que, achando certo prazer em lhes satisfazerem a curiosidade, os maus Espritos disso se aproveitam para se aproximar delas, enquanto os bons se afastam.

Julgar a questo dos Espritos por esses fatos seria to pouco lgico, quanto julgar do carter de um povo pelo que se diz e faz numa reunio de desatinados ou de gente de m nota, com os quais no entretm relaes as pessoas circunspectas nem as sensatas. Os que assim julgam se colocam na situao do estrangeiro que, chegando a uma grande capital pelo mais abjeto dos seus arrabaldes, julgasse de todos os habitantes pelos costumes e linguagem desse bairro nfimo. No mundo dos Espritos tambm h uma sociedade boa e uma sociedade m; dignem-se, os que daquele modo se pronunciam, de estudar o que se passa entre os Espritos de escol e se convencero de que a cidade celeste no contm apenas a escria popular.

Perguntam eles: os Espritos de escol descem at ns? Responderemos: No fiqueis no subrbio; vede, observai e julgareis; os fatos a esto para todo o mundo. A menos que lhes sejam aplicveis estas palavras de Jesus: Tm olhos e no vem; tm ouvidos e no ouvem.

Como variante dessa opinio, temos a dos que no vem, nas comunicaes espritas e em todos os fatos materiais a que elas do lugar, mais do que a interveno de uma potncia diablica, novo Proteu que revestiria todas as formas, para melhor nos enganar. No a julgamos suscetvel de exame srio, por isso no nos demoramos em consider-la. Alis, ela est refutada pelo que acabamos de dizer. Acrescentaremos, to-somente, que, se assim fosse, foroso seria convir em que o diabo s vezes bastante criterioso e ponderado, sobretudo muito moral; ou ento, em que tambm h bons diabos.

Efetivamente, como acreditar que Deus s ao Esprito do mal permita que se manifeste, para perder-nos, sem nos dar por contrapeso os conselhos dos bons Espritos? Se Ele no o pode fazer, no onipotente; se pode e no o faz, desmente a Sua bondade.

Ambas as suposies seriam blasfemas. Note-se que admitir a comunicao dos maus Espritos reconhecer o princpio das manifestaes. Ora, se elas se do, no pode deixar de ser com a permisso de Deus. Como, ento, se h de acreditar, sem impiedade, que Ele s permita o mal, com excluso do bem? Semelhante doutrina contrria s mais simples noes do bom-senso e da Religio.

XI

Esquisito , acrescentam, que s se fale dos Espritos de personagens conhecidas e perguntam por que so eles os nicos a se manifestarem. H ainda aqui um erro, oriundo, como tantos outros, de superficial observao. Dentre os Espritos que vm espontaneamente, muito maior , para ns, o nmero dos desconhecidos do que o dos ilustres, designando-se aqueles por um nome qualquer, muitas vezes por um nome alegrico ou caracterstico. Quanto aos que se evocam, desde que no se trate de parente ou amigo, muito natural nos dirijamos aos que conhecemos, de preferncia a chamar pelos que nos so desconhecidos. O nome das personagens ilustres atrai mais a ateno, por isso que so notadas.

Acham tambm singular que os Espritos dos homens eminentes acudam familiarmente ao nosso chamado e se ocupem, s vezes, com coisas insignificantes, comparadas com as de que cogitavam durante a vida. Nada a h de surpreendente para os que sabem que a autoridade, ou a considerao de que tais homens gozaram neste mundo, nenhuma supremacia lhes d no mundo esprita. Nisto, os Espritos confirmam estas palavras do Evangelho: Os grandes sero rebaixados e os pequenos sero elevados, devendo esta sentena entender-se com relao categoria em que cada um de ns se achar entre eles. assim que aqueles que foi primeiro na Terra pode vir a ser l um dos ltimos. Aquele diante de quem curvvamos aqui a cabea pode, portanto, vir falar-nos como o mais humilde operrio, pois que deixou, com a vida terrena, toda a sua grandeza, e o mais poderoso monarca pode achar-se l muito abaixo do ltimo dos seus soldados.

XII

Um fato demonstrado pela observao e confirmado pelos prprios Espritos o de que os Espritos inferiores muitas vezes usurpam nomes conhecidos e respeitados. Quem pode, pois, afirmar que os que dizem ter sido, por exemplo, Scrates, Jlio Csar, Carlos Magno, Fnelon, Napoleo, Washington, etc., tenham realmente animado essas personagens? Esta dvida existe mesmo entre alguns adeptos fervorosos da Doutrina Esprita, os quais admitem a interveno e a manifestao dos Espritos, mas inquirem como se lhes pode comprovar a identidade. Semelhante prova , de fato, bem difcil de produzir-se. Conquanto, porm, no o possa ser de modo to autntico como por uma certido de registro civil, pode-o ao menos por presuno, segundo certos indcios.

Quando se manifesta o Esprito de algum que conhecemos pessoalmente, de um parente ou de um amigo, por exemplo, mormente se h pouco tempo que morreu, sucede geralmente que sua linguagem se revela de perfeito acordo com o carter que tinha aos nossos olhos, quando vivo. J isso constitui indcio de identidade. No mais, entretanto, h lugar para dvidas, desde que o Esprito fala de coisas particulares, lembra acontecimentos de famlia, sabidos unicamente do seu interlocutor. Um filho no se enganar, decerto, com a linguagem de seu pai ou de sua me, nem pais haver que se equivoquem quanto de um filho. Neste gnero de evocaes, passam-se s vezes coisas ntimas verdadeiramente empolgantes, de natureza a convencerem o maior incrdulo. O mais obstinado cptico fica, no raro, aterrado com as inesperadas revelaes que lhe so feitas.

Outra circunstncia muito caracterstica acode em apoio da identidade. Dissemos que a caligrafia do mdium muda, em geral, quando outro passa a ser o Esprito evocado e que a caligrafia sempre a mesma quando o mesmo Esprito se apresenta. Tem-se verificado inmeras vezes, sobretudo se se trata de pessoas mortas recentemente, que a escrita denota flagrante semelhana com a dessa pessoa em vida. Assinaturas se ho obtido de exatido perfeita. Longe estamos, todavia, de querer apontar esse fato como regra e menos ainda como regra constante. Mencionamo-lo apenas como digna de nota.

S os Espritos que atingiram certo grau de purificao se acham libertos de toda influncia corporal. Quando ainda no esto completamente desmaterializados ( a expresso de que usam) conservam a maior parte das idias, dos pensadores e at das manias que tinham na Terra, o que tambm constitui um meio de reconhecimento, ao qual igualmente, se chega por uma imensidade de fatos minuciosos, que s uma observao acurada e detida pode revelar. Vem-se escritores a discutir suas prprias obras ou doutrinas, a aprovar ou condenar certas partes delas; outros a lembrar circunstncias ignoradas, ou quase desconhecidas de suas vidas ou de suas mortes, toda sorte de particularidades, enfim, que so, quando nada, provas morais de identidade, nicas invocveis, tratando-se de coisas abstratas.

Ora, se a identidade de um Esprito evocado pode, at certo ponto, ser estabelecida em alguns casos, razo no h para que no o seja em outros; e se, com relao a pessoas, cuja morte data de muito tempo, no se tm os mesmos meios de verificao, resta sempre o da linguagem e do carter, porquanto, inquestionavelmente, o Esprito de um homem de bem no falar como o de um perverso ou de um devasso. Quanto aos Espritos que se apropriam de nomes respeitveis, esses se traem logo pela linguagem que empregam e pelas mximas que formulam. Um que se dissesse Fnelon, por exemplo, e que, ainda quando apenas acidentalmente ofendesse o bom-senso e a moral, mostraria, por esse simples fato, o embuste. Se, ao contrrio, forem sempre puros os pensamentos que exprima, sem contradies e constantemente altura do carter de Fnelon, no h motivo para que se duvide da sua identidade. De outra forma, havamos de supor que um Esprito que s prega o bem capaz de mentir conscientemente e, ainda mais, sem utilidade alguma.

A experincia nos ensina que os Espritos da mesma categoria, do mesmo carter e possudos dos mesmos sentimentos formam grupos e famlias. Ora, incalculvel o nmero dos Espritos e longe estamos de conhec-los a todos; a maior parte deles no tm mesmo nomes para ns. Nada, pois, impede que um Esprito da categoria de Fnelon venha em seu lugar, muitas vezes at como seu mandatrio. Apresenta-se ento com o seu nome, porque lhe idntico e pode substitu-lo e ainda porque precisamos de um nome para fixar as nossas idias. Mas, que importa, afinal, seja um Esprito, realmente ou no, o de Fnelon?

Desde que tudo o que ele diz bom e que fala como o teria feito o prprio Fnelon, um bom Esprito. Indiferente o nome pelo qual se d a conhecer, no passando muitas vezes de um meio de que lana mo para nos fixar as idias. O mesmo, entretanto, no admissvel nas evocaes ntimas; mas, a, como dissemos h pouco, se consegue estabelecer a identidade por provas de certo modo patentes.

Inegavelmente a substituio dos Espritos pode dar lugar a uma poro de equvocos, ocasionar erros e, amide, mistificaes. Essa uma das dificuldades do Espiritismo prtico. Nunca, porm, dissemos que esta cincia fosse fcil, nem que se pudesse aprend-la brincando, o que, alis, no possvel, qualquer que seja a cincia.

Jamais teremos repetido bastante que ela demanda estudo assduo e por vezes muito prolongado. No sendo lcito provocarem-se os fatos, tem-se que esperar que eles se apresentem por si mesmos. Freqentemente ocorrem por efeito de circunstncias em que se no pensa. Para o observador atento e paciente os fatos abundam, por isso que ele descobre milhares de matizes caractersticos, que so verdadeiros raios de luz. O mesmo se d com as cincias comuns. Ao passo que o homem superficial no v numa flor mais do que uma forma elegante, o sbio descobre nela tesouros para o pensamento.

XIII

As observaes que a ficam nos levam a dizer alguma coisa acerca de outra dificuldade, a da divergncia que se nota na linguagem dos Espritos.

Diferindo estes muito uns dos outros, do ponto de vista dos conhecimentos e da moralidade, evidente que uma questo pode ser por eles resolvida em sentidos opostos, conforme a categoria que ocupam, exatamente como sucederia, entre os homens, se a propusessem ora a um sbio, ora a um ignorante, ora a um gracejador de mau gosto. O ponto essencial, temo-lo dito, sabermos a quem nos dirigimos.

Mas, ponderam, como se explica que os tidos por Espritos de ordem superior nem sempre estejam de acordo? Diremos, em primeiro lugar, que, independentemente da causa que vimos de assinalar, outras h de molde a exercerem certa influncia sobre a natureza das respostas, abstrao feita da probidade dos Espritos. Este um ponto capital, cuja explicao alcanaremos pelo estudo. Por isso que dizemos que estes estudos requerem ateno demorada, observao profunda e, sobretudo, como alis o exigem todas as cincias humanas, continuidade e perseverana. Anos so precisos para forma-se um mdico medocre e trs quartas partes da vida para chegar-se a ser um sbio. Como pretender-se em algumas horas adquirir a Cincia do Infinito?

Ningum, pois, se iluda: o estudo do Espiritismo imenso; interessa a todas as questes da metafsica e da ordem social; um mundo que se abre diante de ns. Ser de admirar que o efetu-lo demande tempo, muito tempo mesmo?

A contradio, demais, nem sempre to real quanto possa parecer. No vemos todos os dias homens que professam a mesma cincia divergirem na definio que do de uma coisa, quer empreguem termos diferentes, quer a encarem de pontos de vista diversos, embora seja sempre a mesma a idia fundamental? Conte quem puder as definies que se tm dado de gramtica! Acrescentaremos que a forma da resposta depende muitas vezes da forma da questo. Pueril, portanto, seria apontar contradio onde freqentemente s h diferena de palavras. Os Espritos superiores no se preocupam absolutamente com a forma. Para eles, o fundo do pensamento tudo.

Tomemos, por exemplo, a definio de alma. Carecendo este termo de uma acepo invarivel, compreende-se que os Espritos, como ns, divirjam na definio que dela dem: um poder dizer que o princpio da vida, outro chamar-lhe centelha anmica, um terceiro afirmar que ela interna, que externa, etc., tendo todos razo, cada um do seu ponto de vista. Poder-se- mesmo crer que alguns deles professem doutrinas materialistas e, todavia, no ser assim. Outro tanto acontece relativamente a Deus. Ser: o princpio de todas as coisas, o criador do Universo, a inteligncia suprema, o infinito, o grande Esprito, etc. Em definitivo, ser sempre Deus. Citemos, finalmente, a classificao dos Espritos.

Eles formam uma srie ininterrupta, desde o mais nfimo grau at o grau superior. A classificao , pois, arbitrria. Um, grup-los- em trs classes, outro em cinco, dez ou vinte, vontade, sem que nenhum esteja em erro. Todas as cincias humanas nos oferecem idnticos exemplos. Cada sbio tem o seu sistema; os sistemas mudam, a Cincia, porm, no muda. Aprenda-se a botnica pelo sistema de Linneu, ou pelo de Jussieu, ou pelo de Tournefort, nem por isso se saber menos botnica. Deixemos, conseguintemente, de emprestar a coisas de pura conveno mais importncia do que merecem, para s nos atermos ao que verdadeiramente importante e, no raro, a reflexo far se descubra, no que parea disparate, uma similitude que escapara a um primeiro exame.

XIV

Passaramos de longe pela objeo que fazem alguns cpticos, a propsito das faltas ortogrficas que certos Espritos cometem, se ela no oferecesse margem a uma observao essencial. A ortografia deles, cumpre diz-lo, nem sempre irreprochvel; mas, grande escassez de razes seria mister para se fazer disso objeto de crtica sria, dizendo que, visto saberem tudo, os Espritos devem saber ortografia. Poderamos opor-lhes os mltiplos pecados desse gnero cometidos por mais de um sbio da Terra, o que, entretanto, em nada lhes diminui o mrito. H, porm, no fato, uma questo mais grave. Para os Espritos, principalmente para os Espritos superiores, a idia tudo, a forma nada vale. Livres da matria, a linguagem de que usam entre si rpida como o pensamento, porquanto so os prprios pensamentos que se comunicam sem intermedirio. Muito pouco vontade ho de eles se sentirem, quando obrigados, para se comunicarem conosco, a utilizarem-se das formas longas e embaraosas da linguagem humana e a lutarem com a insuficincia e a imperfeio dessa linguagem, para exprimirem todas as idias. o que eles prprios declaram. Por isso mesmo, bastante curiosos so os meios de que se servem com freqncia para obviarem a esse inconveniente. O mesmo se daria conosco, se houvssemos de exprimir-nos num idioma de vocbulos e fraseados mais longos e de maior pobreza de expresses do que o de que usamos. o embarao que experimenta o homem de gnio constitui motivo de impacincia a lentido da sua pena sempre muito atrasada no lhe acompanhar o pensamento. Compreende-se, diante disto, que os Espritos liguem pouca importncia puerilidade da ortografia, mormente quando se trata de ensino profundo e grave. J no maravilhoso que se exprimam indiferentemente em todas as lnguas e que as entendam todas? No se conclua da, todavia, que desconheam a correo convencional da linguagem. Observam-na, quando necessrio. Assim , por exemplo, que a poesia por eles ditada desafiaria quase sempre a crtica do mais meticuloso purista, a despeito da ignorncia do mdium.

XV

H tambm pessoas que vem perigo por toda parte e em tudo o que no conhecem.

Da a pressa com que, do fato de haverem perdido a razo alguns dos que se entregaram a estes estudos, tiram concluses desfavorveis ao Espiritismo. Como que homens sensatos enxergam nisto uma objeo valiosa? No se d o mesmo com todas as preocupaes de ordem intelectual que empolguem um crebro fraco? Quem ser capaz de precisar quantos loucos e manacos os estudos da matemtica, da medicina, da msica, da filosofia e outros tm produzido? Dever-se-ia, em conseqncia, banir esses estudos? Que prova isso? Nos trabalhos corporais, estropiam-se os braos e as pernas, que so os instrumentos da ao material; nos trabalhos da inteligncia, estropia-se o crebro, que o do pensamento. Mas, por se haver quebrado o instrumento, no se segue que o mesmo tenha acontecido ao Esprito. Este permanece intacto e, desde que se liberte da matria, gozar, tanto quanto qualquer outro, da plenitude das suas faculdades. No seu gnero, ele , como homem, um mrtir do trabalho.

Todas as grandes preocupaes do esprito podem ocasionar a loucura: as cincias, as artes e at a religio lhe fornecem contingentes. A loucura tem como causa primria uma predisposio orgnica do crebro, que o torna mais ou menos acessvel a certas impresses. Dada a predisposio para a loucura, esta tomar o carter de preocupao principal, que ento se muda em idia fixa, podendo tanto ser a dos Espritos, em quem com eles se ocupou, como a de Deus, dos anjos, do diabo, da fortuna, do poder, de uma arte, de uma cincia, da maternidade, de um sistema poltico ou social. Provavelmente, o louco religioso se houvera tornado um louco esprita, se o Espiritismo fora a sua preocupao dominante, do mesmo modo que o louco esprita o seria sob outra forma, de acordo com as circunstncias.

Digo, pois, que o Espiritismo no tem privilgio algum a esse respeito. Vou mais longe: digo que, bem compreendido, ele um preservativo contra a loucura.

Entre as causas mais comuns de sobreexcitao cerebral, devem contar-se as decepes, os infortnios, as afeies contrariadas, que, ao mesmo tempo, so as causas mais freqentes de suicdio. Ora, o verdadeiro esprita v as coisas deste mundo de um ponto de vista to elevado; elas lhe parecem to pequenas, to mesquinhas, a par do futuro que o aguarda; a vida se lhe mostra to curta, to fugaz, que, aos seus olhos, as tribulaes no passam de incidentes desagradveis, no curso de uma viagem. O que, em outro, produziria violenta emoo, mediocremente o afeta. Demais, ele sabe que as amarguras da vida so provas teis ao seu adiantamento, se as sofrer sem murmurar, porque ser re- compensado na medida da coragem com que as houver suportado. Suas convices lhe do, assim, uma resignao que o preserva do desespero e, por conseguinte, de uma causa permanente de loucura e suicdio. Conhece tambm, pelo espetculo que as comunicaes com os Espritos lhe proporcionam, qual a sorte dos que voluntariamente abreviam seus dias e esse quadro bem de molde a faz-lo refletir, tanto que a cifra muito considervel j ascende o nmero dos que foram detidos em meio desse declive funesto. Este um dos resultados do Espiritismo. Riam quanto queiram os incrdulos. Desejo-lhes as consolaes que ele prodigaliza a todos os que se ho dado ao trabalho de lhe sondar as misteriosas profundezas.

Cumpre tambm colocar entre as causas da loucura o pavor, sendo que o do diabo j desequilibrou mais de um crebro. Quantas vtimas no tm feito os que abalam imaginaes fracas com esse quadro, que cada vez mais pavoroso se esforam por tornar, mediante horrveis pormenores? O diabo, dizem, s mete medo a crianas, um freio para faz-las ajuizadas. Sim, , do mesmo modo que o papo e o lobisomem. Quando, porm, elas deixam de ter medo, esto piores do que dantes. E, para alcanar-se to belo resultado, no se levam em conta as inmeras epilepsias causadas pelo abalo de crebros delicados.

Bem frgil seria a religio se, por no infundir terror, sua fora pudesse ficar comprometida.

Felizmente, assim no . De outros meios dispe ela para atuar sobre as almas. Mais eficazes e mais srios so os que o Espiritismo lhe faculta, desde que ela os saiba utilizar.

Ele mostra a realidade da coisas e s com isso neutraliza os funestos efeitos de um temor exagerado.

XVI

Resta-nos ainda examinar duas objees, nicas que realmente merecem este nome, porque se baseiam em teorias racionais. Ambas admitem a realidade de todos os fenmenos materiais e morais, mas excluem a interveno dos Espritos.

Segundo a primeira dessas teorias, todas as manifestaes atribudas aos Espritos no seriam mais do que efeitos magnticos. Os mdiuns se achariam num estado a que se poderia chamar sonambulismo desperto, fenmeno de que podem dar testemunho todos os que ho estudado o magnetismo. Nesse estado, as faculdades intelectuais adquirem um desenvolvimento anormal; o crculo das operaes intuitivas se amplia, para alm das raias da nossa concepo ordinria. Assim sendo, o mdium tiraria de si mesmo e por efeito da sua lucidez tudo o que diz e todas as noes que transmite, mesmo sobre os assuntos que mais estranhos lhe sejam, quando no estado habitual.

No seremos ns quem conteste o poder do sonambulismo, cujos prodgios observamos, estudando-lhe todas as fases durante mais de trinta e cinco anos. Concordamos em que, efetivamente, muitas manifestaes espritas so explicveis por esse meio.

Contudo, uma observao cuidadosa e prolongada mostra grande cpia de fatos em que a interveno do mdium, a no ser como instrumento passivo, materialmente impossvel.

Aos que partilham dessa opinio, como aos outros, diremos: Vede e observai, porque certamente ainda no vistes tudo. Opor-lhes-emos, em seguida, duas consideraes tiradas da prpria doutrina deles. Donde veio a teoria esprita? um sistema imaginado por alguns homens para explicar os fatos? De modo algum. Quem ento a revelou? Precisamente esses mdiuns cuja lucidez exaltais. Ora, se essa lucidez tal como a supondes, por que teriam eles atribudo aos Espritos o que em si mesmos hauriam? Como teriam dado, sobre a natureza dessas inteligncias extra-humanas, as informaes precisas, lgicas e to sublimes, que conhecemos? Uma de duas: ou eles so lcidos, ou no o so. Se o so e se se pode confiar na sua veracidade, no haveria meio de admitir-se, sem contradio, que no estejam com a verdade. Em segundo lugar, se todos os fenmenos promanassem do mdium, seriam sempre idnticos num determinado indivduo; jamais se veria a mesma pessoa usar de uma linguagem disparatada, nem exprimir alternativamente as coisas mais contraditrias. Esta falta de unidade nas manifestaes obtidas pelo mesmo mdium prova a diversidade das fontes. Ora, desde que no as podemos encontrar todas nele, foroso que as procuremos fora dele.

Segundo outra opinio, o mdium a nica fonte produtora de todas as manifestaes; mas, em vez de extra-las de si mesmo, como o pretendem os partidrios da teoria sonamblica, ele as toma ao meio ambiente. O mdium seria ento uma espcie de espelho a refletir todas as idias, todos os pensamentos e todos os conhecimentos das pessoas que o cercam; nada diria que no fosse conhecido, pelo menos, de algumas destas.

No lcito negar-se, e isso constitui mesmo um princpio da doutrina, a influncia que os assistentes exercem sobre a natureza das manifestaes. Esta influncia, no entanto, difere muito da que supem existir, e, dela que faria do mdium um eco dos pensamentos daqueles que o rodeiam, vai grande distncia, porquanto milhares de fatos demonstram o contrrio. H, pois, nessa maneira de pensar, grave erro, que uma vez mais prova o perigo das concluses prematuras. Sendo-lhes impossvel negar a realidade de um fenmeno que a cincia vulgar no pode explicar e no querendo admitir a presena dos Espritos, os que assim opinam o explicam a seu modo. Seria especiosa a teoria que sustentam, se pudesse abranger todos os fatos. Tal, entretanto, no se d. Quando se lhes demonstra, at evidncia, que certas comunicaes do mdium so completamente estranhas aos pensamentos, aos conhecimentos, s opinies mesmo de todos os assistentes, que essas comunicaes freqentemente so espontneas e contradizem todas as idias preconcebidas, ah! eles no se embaraam com to pouca coisa. Respondem que a irradiao vai muito alm do crculo imediato que nos envolve; o mdium o reflexo de toda a Humanidade, de tal sorte que se as inspiraes no lhe vm dos que se acham a seu lado, ele as vai beber fora, na cidade, no pas, em todo o globo e at nas outras esferas.

No me parece que em semelhante teoria se encontre explicao mais simples e mais provvel que a do Espiritismo, visto que ela se baseia numa causa bem mais maravilhosa. A idia de que seres que povoam os espaos e que, em contacto conosco, nos comunicam seus pensamentos, nada tem que choque mais a razo do que a suposio dessa irradiao universal, vindo, de todos os pontos do Universo, concentrar-se no crebro de um indivduo.

Ainda uma vez, e este o ponto capital sobre que nunca insistiremos bastante: a teoria sonamblica e a que se poderia chamar refletiva foram imaginadas por alguns homens; so opinies individuais, criadas para explicar um fato, ao passo que a Doutrina dos Espritos no de concepo humana. Foi ditada pelas prprias Inteligncias que se manifestam, quando ningum disso cogitava, quando at a opinio geral a repelia. Ora, perguntamos, onde foram os mdiuns beber uma doutrina que no passava pelo pensamento de ningum na Terra? Perguntamos ainda mais: por que estranha coincidncia milhares de mdiuns espalhados por todos os pontos do globo terrqueo, e que jamais se viram, acordaram em dizer a mesma coisa? Se o primeiro mdium que apareceu na Frana sofreu a influncia de opinies j aceitas na Amrica, por que singularidade foi ele busc-las a 2.000 lguas alm-mar e no seio de um povo to diferente pelos costumes e pela linguagem, em vez de as tomar ao seu derredor?

Tambm ainda h outra circunstncia em que no se tem atentado muito. As primeiras manifestaes, na Frana, como na Amrica, no se verificaram por meio da escrita nem da palavra, e, sim, por pancadas concordantes com as letras do alfabeto e formando palavras e frases. Foi por esse meio que as inteligncias, autoras das manifestaes, se declararam Espritos. Ora, dado se pudesse supor a interveno do pensamento dos mdiuns nas comunicaes verbais ou escritas, outro tanto no seria lcito fazer-se com relao s pancadas, cuja significao no podia ser conhecida de antemo.

Poderamos citar inmeros fatos que demonstram, na inteligncia que se manifesta, uma individualidade evidente e uma absoluta independncia de vontade. Recomendamos, portanto, aos dissidentes, observao mais cuidadosa e, se quiserem estudar bem, sem prevenes, e no formular concluses antes de terem visto tudo, reconhecero a impotncia de sua teoria para tudo explicar. Limitar-nos-emos a propor as questes seguintes: Por que que a inteligncia que se manifesta, qualquer que ela seja, recusa responder a certas perguntas sobre assuntos perfeitamente conhecidos, como, por exemplo, sobre o nome ou a idade do interlocutor, sobre o que ele tem na mo, o que fez na vspera, o que pensa fazer no dia seguinte, etc.? Se o mdium fosse o espelho do pensamento dos assistentes, nada lhe seria mais fcil do que responder.

A esse argumento retrucam os adversrios, perguntando, a seu turno, por que os Espritos, que devem saber tudo, no podem dizer coisa to simples, de acordo com o axioma: Quem pode o mais pode o menos, e da concluem que no so os Espritos os que respondem. Se um ignorante ou um zombador, apresentando-se a uma douta assemblia, perguntasse, por exemplo, por que dia s doze horas, acreditar algum que ela se daria o incmodo de responder seriamente e fora lgico que, do seu silncio ou das zombarias com que pagasse ao interrogante, se conclusse serem todos os seus membros? Ora, exatamente porque os Espritos so superiores, que no respondem a questes ociosas ou ridculas e no consentem em ir para a berlinda; por isso que se calam ou declaram que s se ocupam com coisas srias.

Perguntaremos, finalmente, por que que os Espritos vm e vo-se, muitas vezes em dado momento e, passado este, no h pedidos, nem splicas que os faam voltar? Se o mdium obrasse unicamente por impulso mental dos assistentes, claro que, em tal circunstncia, o concurso de todas as vontades reunidas haveria de estimular-lhe a clarividncia. Desde, portanto, que no cede ao desejo da assemblia, corroborado pela prpria vontade dele, que o mdium obedece a uma influncia que lhe estranha e aos que o cercam, influncia que, por esse simples fato, testifica da sua independncia e da sua individualidade.

XVII

O cepticismo, no tocante Doutrina Esprita, quando no resulta de uma oposio sistemtica por interesse, origina-se quase sempre do conhecimento incompleto dos fatos, o que no obsta a que alguns cortem a questo como se a conhecessem a fundo. Pode-se ter muito atilamento, muita instruo mesmo, e carecer-se de bom-senso. Ora, o primeiro indcio da falta de bom-senso est em crer algum infalvel o seu juzo. Muita gente tambm para quem as manifestaes espritas nada mais so do que objeto de curiosidade.

Confiamos em que, lendo este livro, encontraro nesses extraordinrios fenmenos alguma coisa mais do que simples passatempo.

A cincia esprita compreende duas partes: experimental uma, relativa s manifestaes em geral, filosfica, outra, relativa s manifestaes inteligentes. Aquele que apenas haja observado a primeira se acha na posio de quem no conhecesse a Fsica seno por experincias recreativas, sem haver penetrado no mago da cincia. A verdadeira Doutrina Esprita est no ensino que os Espritos deram, e os conhecimentos que esse ensino comporta so por demais profundos e extensos para serem adquiridos de qualquer modo, que no por um estudo perseverante, feito no silncio e no recolhimento. Porque, s dentro desta condio se pode observar um nmero infinito de fatos e particularidades que passam despercebidos ao observador superficial, e firmar opinio. No produzisse este livro outro resultado alm do de mostrar o lado srio da questo e de provocar estudos neste sentido e rejubilaramos por haver sido eleito para executar uma obra em que, alis, nenhum mrito pessoal pretendemos ter, pois que os princpios nela exarados no so de criao nossa. O mrito que apresenta cabe todo aos Espritos que a ditaram. Esperamos que dar outro resultado, o de guiar os homens que desejem esclarecer-se, mostrando-lhes, nestes estudos, um fim grande e sublime: o do progresso individual e social e o de lhes indicar o caminho que conduz a esse fim.

Concluamos, fazendo uma ltima considerao. Alguns astrnomos, sondando o espao, encontraram, na distribuio dos corpos celestes, lacunas no justificadas e em desacordo com as leis do conjunto. Suspeitaram que essas lacunas deviam estar preenchidas por globos que lhes tinham escapado observao. De outro lado, observaram certos efeitos, cuja causa lhes era desconhecida e disseram: Deve haver ali um mundo, porquanto esta lacuna no pode existir e estes efeitos ho de ter uma causa. Julgando ento da causa pelo efeito, conseguiram calcular-lhe os elementos e mais tarde os fatos lhes vieram confirmar as previses. Apliquemos este raciocnio a outra ordem de idias. Se se observa a srie dos seres, descobre-se que eles formam uma cadeia sem soluo de continuidade, desde a matria bruta at o homem mais inteligente. Porm, entre o homem e Deus, alfa e mega de todas as coisas, que imensa lacuna! Ser racional pensar-se que no homem terminam os anis dessa cadeia e que ele transponha sem transio a distncia que o separa do infinito? A razo nos diz que entre o homem e Deus outros elos necessariamente haver, como disse aos astrnomos que, entre os mundos conhecidos, outros haveria, desconhecidos. Que filosofia j preencheu esta lacuna? O Espiritismo no-la mostra preenchida pelos seres de todas as ordens do mundo invisvel e estes seres no so mais do que os Espritos dos homens, nos diferentes graus que levam perfeio. Tudo ento se liga, tudo se encadeia, desde o alfa at o mega. Vs, que negais a existncia dos Espritos, preenchei o vcuo que eles ocupam. E vs, que rides deles, ousai rir das obras de Deus e da Sua onipotncia!

Prolegmenos

Fenmenos alheios s leis da cincia humana se do por toda parte, revelando na causa que os produz a ao de uma vontade livre e inteligente.

A razo diz que um efeito inteligente h de ter como causa uma fora inteligente e os fatos ho provado que essa fora capaz de entrar em comunicao com os homens por meio de sinais materiais.

Interrogada acerca da sua natureza, essa fora declarou pertencer ao mundo dos seres espirituais que se despojaram do invlucro corporal do homem. Assim que foi revelada a Doutrina dos Espritos.

As comunicaes entre o mundo esprita e o mundo corpreo esto na ordem natural das coisas e no constituem fato sobrenatural, tanto que de tais comunicaes se acham vestgios entre todos os povos e em todas as pocas. Hoje se generalizaram e tornaram patentes a todos.

Os espritos anunciam que chegaram os tempos marcados pela Providncia para uma manifestao universal e que, sendo eles os ministros de Deus e os agentes de Sua vontade, tm por misso instruir e esclarecer os homens, abrindo uma nova era para a regenerao da Humanidade.

Este livro o repositrio de seus ensinos. Foi escrito por ordem e mediante ditado de Espritos superiores, para estabelecer os fundamentos de uma filosofia racional, isenta dos preconceitos do esprito de sistema. Nada contm que no seja a expresso do pensamento deles e que no tenha sido por eles examinado. S a ordem e a distribuio metdica das matrias, assim como as notas e a forma de algumas partes da redao constituem obra daquele que recebeu a misso de os publicar.

Em o nmero dos Espritos que concorreram para a execuo desta obra, muitos se contam que viveram, em pocas diversas, na Terra, onde pregaram e praticaram a virtude e a sabedoria. Outros, pelos seus nomes, no pertencem a nenhuma personagem, cuja lembrana a Histria guarde, mas cuja elevao atestada pela pureza de seus ensinamentos e pela unio em que se acham com os que usam de nomes venerados.

Eis em que termos nos deram, por escrito e por muitos mdiuns, a misso de escrever este livro:

Ocupa-te, cheio de zelo e perseverana, do trabalho que empreendeste com o nosso concurso, pois esse trabalho nosso. Nele pusemos as bases de um novo edifcio que se eleva e que um dia h de reunir todos os homens num mesmo sentimento d