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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 787 O ENSINO DE LÍNGUA INGLESA E O COLÉGIO PEDRO II: LEGISLAÇÃO E COMPÊNDIOS Elaine Maria Santos 1 O ensino de Língua Inglesa no Brasil oitocentista esteve restrito, nas primeiras décadas, ao estabelecimento de algumas cadeiras espalhadas nas províncias, tendo em vista a orientação dos alunos para os exames de preparatórios para os cursos superiores. A grande maioria de aulas ofertadas era para o francês, por ter sido esta, durante todo o século XIX, a língua de acesso à cultura ocidental. Pode-se, então, afirmar, que a instrução secundária no Brasil Império visava prover os conhecimentos necessários para os cursos maiores nas Escolas, Faculdades e Academias do território brasileiro. A sua institucionalização se deu com a fundação do Colégio de Pedro II, em 1837, e a promulgação dos seus estatutos, em 1838. Criado para ser o exemplo de instrução secundária no Brasil, é importante relativizar a sua influência, dada a extensão territorial brasileiras e as realidades diversas em cada província. Dessa forma, para melhor compreensão do modo pelo qual a instrução secundária foi verificada no século XIX, tomando o Collegio de Pedro II como exemplo, é importante uma análise da legislação referente a esta instituição, bem como uma análise das obras utilizadas para as aulas de língua inglesa, tanto aquelas presentes nos programas de ensino, quanto as encontradas no Núcleo de Documentação e Memória (NUDOM) do Colégio Pedro II. O Collegio de Pedro II: cenário geral O Collegio de Pedro II foi fundado com o Decreto de 2 de dezembro de 1837, a partir da conversão do Seminário de S. Joaquim, tendo ofertado, desde o início, as cadeiras de latim, grego, francês, inglês, retórica, princípios elementares de geografia, história, filosofia, zoologia, mineralogia, botânica, química, física, aritmética, álgebra, geometria e astronomia. Apesar de ser uma instituição pública, os honorários estipulados pelo governo deveriam ser pagos pelos alunos, tanto os internos quanto os externos, havendo a possibilidade de admissão gratuita de até onze alunos internos e dezoito externos (BRASIL, 1861, p. 60). 1 Doutora em Educação pela Universidade Federal de Sergipe. Professora Adjunta no Departamento de Letras Estrangeiras da Universidade Federal de Sergipe, Campus São Cristóvão. E-Mail: <[email protected]>.

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ISSN 2236-1855 787

O ENSINO DE LÍNGUA INGLESA E O COLÉGIO PEDRO II: LEGISLAÇÃO E COMPÊNDIOS

Elaine Maria Santos1

O ensino de Língua Inglesa no Brasil oitocentista esteve restrito, nas primeiras décadas,

ao estabelecimento de algumas cadeiras espalhadas nas províncias, tendo em vista a

orientação dos alunos para os exames de preparatórios para os cursos superiores. A grande

maioria de aulas ofertadas era para o francês, por ter sido esta, durante todo o século XIX, a

língua de acesso à cultura ocidental. Pode-se, então, afirmar, que a instrução secundária no

Brasil Império visava prover os conhecimentos necessários para os cursos maiores nas

Escolas, Faculdades e Academias do território brasileiro. A sua institucionalização se deu

com a fundação do Colégio de Pedro II, em 1837, e a promulgação dos seus estatutos, em

1838. Criado para ser o exemplo de instrução secundária no Brasil, é importante relativizar a

sua influência, dada a extensão territorial brasileiras e as realidades diversas em cada

província. Dessa forma, para melhor compreensão do modo pelo qual a instrução secundária

foi verificada no século XIX, tomando o Collegio de Pedro II como exemplo, é importante

uma análise da legislação referente a esta instituição, bem como uma análise das obras

utilizadas para as aulas de língua inglesa, tanto aquelas presentes nos programas de ensino,

quanto as encontradas no Núcleo de Documentação e Memória (NUDOM) do Colégio Pedro

II.

O Collegio de Pedro II: cenário geral

O Collegio de Pedro II foi fundado com o Decreto de 2 de dezembro de 1837, a partir da

conversão do Seminário de S. Joaquim, tendo ofertado, desde o início, as cadeiras de latim,

grego, francês, inglês, retórica, princípios elementares de geografia, história, filosofia,

zoologia, mineralogia, botânica, química, física, aritmética, álgebra, geometria e astronomia.

Apesar de ser uma instituição pública, os honorários estipulados pelo governo deveriam ser

pagos pelos alunos, tanto os internos quanto os externos, havendo a possibilidade de

admissão gratuita de até onze alunos internos e dezoito externos (BRASIL, 1861, p. 60).

1 Doutora em Educação pela Universidade Federal de Sergipe. Professora Adjunta no Departamento de Letras Estrangeiras da Universidade Federal de Sergipe, Campus São Cristóvão. E-Mail: <[email protected]>.

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Ao discorrer sobre as modalidades de instrução secundária no Império, Haidar (2008,

p. 15-43) pontuou que as aulas ministradas nos Liceus e Seminários eram as mais procuradas

pelos alunos que apresentavam condições financeiras mais precárias, em decorrência dos

valores mais baixos a serem investidos, ficando o Collegio de Pedro II, geralmente, com os

alunos de famílias mais abastadas, constituindo-se em um estabelecimento público, com

características particulares, conforme propagado por Francisco de Sales Tôrres Homem

(1812-1876), ao considerá-lo como sendo uma escola pública com características particulares.

O Colégio de Pedro II é destinado para receber os filhos das classes abastadas de nossa sociedade, e a máxima parte da população não poderia gozar dos benefícios dessa instituição. Era, pois, indispensável criar uma instituição que, mediante uma retribuição muito módica, fizesse chegar a todos as vantagens de uma boa educação literária. É esta a necessidade que o liceu tem por fim satisfazer (HOMEM apud HAIDAR, 2008, p. 106).

Para Maria Thétis Nunes (1999, p. 70), o ensino observado no Collegio de Pedro II era

“livresco, literário, ornamental, contribuindo para a formação de oradores e retóricos”, ou

seja, para ocupação dos cargos destinados à elite. Após a conclusão do curso no Collegio de

Pedro II, o aluno alcançava o título de bacharel em letras, além da oportunidade de ingressar

nos cursos superiores do Império. No entanto, conforme observado por Oliveira (2006), as

aulas avulsas eram as mais cobiçadas, uma vez que o ensino poderia ser abreviado e o

ingresso nos tão sonhados Estudos Maiores poderia ser encurtado com a aprovação nos

exames de preparatórios, bastando frequentar, assim, as aulas avulsas das matérias

desejadas.

Os exames de preparatórios ou parcelados

Considerando o objetivo maior da instrução secundária, a aprovação nos exames

parcelados para os Estudos Maiores, e a possibilidade dos alunos do Collegio de Pedro II se

prepararem para estes exames, sem a necessidade de cumprimento de toda a carga horária

imposta aos alunos, Haidar (2008) comprovou, em suas pesquisas, que o número de

bacharéis do Collegio de Pedro II era bastante reduzido em meados do século XIX.

O maior obstáculo enfrentado pelos estabelecimentos particulares de ensino secundário

era, também, o pior problema do Colégio de Pedro II: a busca pela aprovação nos exames

parcelados, o que fazia com que houvesse um maior cuidado com os preparatórios, uma vez

que qualquer inovação poderia significar a retirada do aluno e a matrícula em outra

instituição educacional.

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Com os Estatutos dos Cursos Jurídicos, datados de 1825, o uso do termo

“preparatórios” se tornou mais recorrente no Império, tendo sido consolidada a importância

na aprovação em exames preparatórios que atestassem o domínio dos assuntos considerados

como essenciais para o acesso aos cursos superiores. Assim, reforçando os referidos

estatutos, a Lei de 11 de agosto de 1827, responsável pela criação de dois cursos de ciências

jurídicas e sociais em São Paulo e Olinda, em seu artigo 11, determinou que “o Governo creará

nas cidades de S. Paulo, e Olinda as cadeiras necessarias para os estudos preparatórios

declarados no art. 8º”, a saber: língua francesa, gramática latina, retórica, filosofia racional e

moral e geometria. Ou seja, para que os alunos pudessem ter acesso aos estudos maiores, o

governo tinha por obrigação ofertar as cadeiras necessárias, com a certificação devida ao final

das aulas (BRASIL, 1878, p. 6). O ensino do inglês, no entanto, não foi considerado como

essencial, de acordo com esses estatutos. Conforme já destacado, somente após a criação do

Collegio de Pedro II, o Inglês começou a ter mais espaço nos estudos secundários no Brasil

Império.

Com a promulgação dos estatutos para os cursos de Ciências Jurídicas e Sociais de 1825

e 1827, têm-se a sistematização dos estudos e exames preparatórios. Já no Capítulo 1, dos

estudos preparatórios para o curso jurídico, é determinado que apenas os alunos de 16 anos

poderão se inscrever para os referidos exames, desde que tenham, também, certidão de

exame e aprovação em retórica, filosofia racional e moral, aritmética e geometria, bem como

nas línguas latina e francesa. O conhecimento “perfeito” de latim e francês era fundamental

para o “plano de uma boa instrucção litteraria, para conhecimento dos livros classicos de

toda a literatura”, necessário para os estudantes juristas (BRASIL, 1878, p. 13).

A língua inglesa não entrou entre os pré-requisitos necessários para os estudos

superiores no curso jurídico, mostrando a supremacia da língua francesa nessa área, uma vez

que, conforme comprovado na legislação, muitos livros importantes para a área jurídica

estavam escritos em francês, entre eles, “os melhores livros de direito natural publico, e das

gentes, marítimo, e commercial”, com destaque para as obras de Brie e Perrault, para o

direito natural (BRASIL, 1878, p. 14, 18). Ao se referir ao direito comercial, o modelo francês

foi destacado e colocado como um ideal a ser alcançado, ao reconhecer a justiça e a equidade

na decisão dos negócios daquele país. Assim, as ordenações de Luiz XIV foram ovacionadas,

juntamente com as universidades francesas, com destaque para os autores Azuni, Boucher,

Peuchet, Lampredi, Hubner, Galliani, Pardessus e Boucher, e obras tais com o Consulat del

Mare, Traité des Assurances, Abot. (idem, p. 22). As influências inglesas são percebidas

quando da descrição do ensino dedicado ao direito político, por intermédio da indicação do

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estudo de autores tais como Adam Smith, Thomas Maltus e David Ricardo (idem, p. 27), mas,

mesmo com a indicação destas obras, o ensino da língua inglesa não foi considerado como de

utilidade, resultando em sua exclusão dos preparatórios.

Os exames preparatórios são as chaves mestras para os estudos maiores. De posse das

certidões, os alunos eram submetidos aos exames supracitados, com dois examinadores

peritos nas respectivas matérias. As prescrições para os exames das línguas estavam

centradas nos princípios da gramática e tradução, considerados como meios indispensáveis

para que a inteligência pudesse ser examinada e, durante as aulas, o rito indicado era o de

que, na primeira meia hora, o professor ouvisse as lições, utilizando o tempo restante para a

explicação do compêndio (idem, p. 15, 32).

Oliveira (2006, p. 302-317) analisou a legislação referente aos Exames Parcelados de

1852 a 1890, de modo que duas observações podem ser feitas. Primeiramente, seguindo o

relato dos Inspetores Gerais de Ensino e Ministros do Império, havia uma contínua

necessidade de renovação das diretrizes para os exames, uma vez que os próprios inspetores

e ministros reconheciam as falhas humanas nas avaliações feitas, principalmente em

decorrência da desorganização na realização de algumas provas, da subjetividade do

avaliador, de problemas relacionados à imparcialidade e das limitações dos avaliados, já que

era comum encontrar alunos tentando uma vaga nos Estudos Maiores com o auxílio da cola,

ou até mesmo desistindo da prova após o sorteio dos pontos. As preocupações com os

Exames Gerais de Preparatórios continuaram no início da República, com relatos de políticos

que criticavam os Diplomas obtidos por muitos alunos, de ciências que eram completamente

ignoradas por aqueles que se formavam e que eram preparados em apenas poucos meses por

professores que não tinham comprometimento com a educação (Oliveira, 2006, p. 310-314).

Como ponto positivo, Oliveira (2006, p. 302-317) destacou que os Exames Parcelados,

apesar de provocarem um fracionamento de ensino e desmotivação para que os alunos

pudessem frequentar os cursos do Colégio de Pedro II e os Liceus Provinciais, conforme

destacado por Haidar (2008), constituíam-se em um avanço no que se refere ao ensino de

línguas e sua avaliação de aprendizagem, por ponderar sobre a ineficácia na aplicação de

questões de simples tradução e levar a sua gradual substituição por questões de versão e

composição livre, elevando o nível dos Exames, e avaliando o conhecimento do aluno, e não

simplesmente as regras e vocabulários que haviam sido memorizados.

Os exames parcelados de preparatórios só foram extintos em 1890, com a

transformação do Pedro II em Ginásio Nacional e a criação dos Exames de Madureza, que

deveriam ser utilizados como porta de acesso aos estudos superiores. Segundo Haidar (2008,

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p. 138-149), as concessões que continuaram sendo dadas se constituíram em um dos fatores

que fizeram com que os estudos secundários continuassem desorganizados por muito tempo.

Era justamente o investimento nos preparatórios para os exames parcelados que fez

com o ensino secundário, segundo Haidar (ibidem), fosse tão atrasado no Império, viciando

todas as instâncias educacionais a se conformarem com o adestramento dos alunos que iriam

se submeter a tais exames. Mesmo o Collegio de Pedro II, supostamente criado para instruir

os cidadãos que provavelmente ocupariam os melhores cargos na sociedade, sucumbiu ao

sistema, pois seus alunos, ao perceberem a facilidade dos exames, não se interessavam mais

em tirar seus diplomas de bacharéis.

É importante conhecer o sistema instaurado com os exames de preparatórios antes de

analisar os livros utilizados no Collegio de Pedro II, considerando-se que, em grande parte, os

materiais adotados visavam preparar os discentes para tais provas.

Os compêndios de Língua Inglesa do Collegio de Pedro II

Com duração de sete anos, o aluno terminava seus estudos, no Collegio de Pedro II,

com o título de Bacharel em Letras, podendo ingressar em qualquer curso superior logo após.

Por ter sido referência para o ensino secundário no Império, principalmente na corte, é

importante analisar os compêndios de inglês adotados nesta instituição, bem como os

catalogados na Biblioteca do NUDOM (Núcleo de Documentação e Memória), com o objetivo

de levantar alguns indícios sobre quais obras foram adotadas e circularam no Brasil, e quais

os princípios metodológicos recorrentes no século XIX.

De acordo com Michael (1987), em decorrência de heranças renascentistas, as

gramáticas, desde o século XVI, eram comumente divididas em quatro partes: Ortografia,

Etimologia, Sintaxe e Prosódia, com muitas regras, memorizações e exercícios de parafrasear,

de substituição de expressões, e correção de erros. Para Auroux (1992, p. 67), a análise dos

exemplos encontrados nas gramáticas de séculos anteriores é importante para o processo de

gramatização, uma vez que esses compêndios “testemunham sempre uma certa realidade

lingüística. Eles podem não somente disfarçar a ausência de certas regras [...] como, quando

necessário, podem ser invocados contra as regras e a descrição morfológica”.

As pesquisas de Santos (2017) comprovaram que os onze programas de ensino do

Collegio de Pedro II, no século XIX, trouxeram indicações de gramáticas baseadas nas quatro

partes da oração destacadas por Auroux (1996). Após a análise detalhada de cada obra

indicada, foram encontrados 31 títulos diferentes, que se repetiam em diversos programas de

ensino, sempre promulgados por Decreto. Entre os livros encontrados, destacam-se as

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seletas, livros de leitura e gramáticas, todos propícios aos métodos baseados na gramática e

na tradução, corriqueiros desde o século XVI. De acordo com Larsen-Freeman (2011), o

método da gramática e tradução, também conhecido como método clássico, caracteriza-se

pela valorização de textos clássicos e de um sistema de ensino pautado na tradução de

palavras e no ensino exaustivo de regras gramaticais, seguidos de longos exercícios, ausentes

de contextualização e que primam pela repetição e análise sintática. Os livros adotados no

Collegio de Pedro II se enquadravam no rol de obras esperadas para que essa metodologia

pudesse ser empregada, uma vez que a leitura de clássicos se colocava como elemento central

do ensino para que a aprendizagem da língua estrangeira pudesse ser alcançada, pautada em

práticas de tradução e memorização de vocabulários. Assim, dos 31 livros adotados nos onze

programas de ensino da instituição, três eram destinados ao ensino da gramática e os demais

às práticas de leitura, que, em última análise, culminavam em aulas de gramática, por

estarem repletas de textos que serviam de modelo para tradução e posterior ensino

gramatical.

Foi necessária uma visita ao Núcleo de Documentação e Memória do Colégio Pedro II

para uma investigação sobre possíveis títulos nos arquivos da instituição, diferentes dos

indicados nos planos de ensino, o que fez com que fossem encontrados 35 livros destinados

ao ensino de língua inglesa, datados do século XIX, com oito deles apresentando o nome

gramática no seu título. Entre as obras encontrada, destaca-se a gramática de T. Robertson,

que foi selecionada para uma análise mais detalhada, por ter servido como modelo para

diversas outras publicações ao redor do mundo.

Theodore Robertson foi um professor e autor de materiais didáticos e seu nome foi

dado ao método de ensino de línguas estrangeiras, aplicado ao inglês, francês, alemão,

italiano e espanhol na primeira metade do século XIX. Este método foi bastante popular na

Europa e se caracterizou por se autodenominar como um método prático, baseado na

repetição, tradução e comparação de línguas, fazendo com que as regras e prática fossem

desenvolvidas por meio de exercícios compostos por frases curtas (HOWATT, 1988, p. 149).

Em cada país em que a obra era publicada, um novo autor se apropriava do original e a

traduzia para a língua em questão. A versão em língua portuguesa mais conhecida foi a de

Polycarpo Wake, tendo sido esta a escolhida para análise.

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Novo Curso Pratico, Analytico, Theorico e Synthetico da Língua Ingleza por T. Robertson applicado á Lingua Portugueza por Polycarpo Wake, professor da Lingua Ingleza – Lisboa: Typographia de A. J. de Paula, 1856

De acordo com o Diccionario Bibliographico Portuguez, de Innocencio Francisco da

Silva (1862, p. 19), Polycarpo Wake foi professor de língua inglesa em Lisboa, tendo

publicado, além da obra aqui destacada, o compêndio Princípios de leitura ingleza, em 1857,

na Imprensa Nacional de Lisboa, com apenas 32 páginas. De sua naturalidade e datas de

nascimento e morte, no entanto, não se tem conhecimento.

A gramática de Polycarpo Wake (1856), composta por 280 páginas e mais 54 dedicadas

às respostas dos exercícios propostos, segue o modelo de ensino de língua inglesa aplicado

por T. Robertson, popular no século XIX, em que as regras gramaticais deveriam estar

pautadas no estudo intensificado de vocabulário, com memorização de palavras e exercícios

de escrita baseados nas estruturas apresentadas nos textos.

A obra de Wake (1856) é dividida em 20 lições, começando com a seção intitulada de

conversação, em que há a apresentação de um pequeno texto em língua inglesa e duas

traduções para o português. O autor, seguindo os princípios defendidos por Robertson,

acreditava que o exercício contínuo da tradução seria capaz de fazer com que o aluno se

concentrasse na ortografia das palavras inglesas e na sua tradução para o português. Após os

exercícios de tradução, ter-se-ia uma sequência de perguntas em português e respostas em

inglês, com a sugestão de que as respostas fossem completas e os alunos tentassem chegar à

perfeição de respostas, o que levaria, na concepção do autor, à aprendizagem correta do

idioma.

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Figura 1 - Capa do livro Novo Curso Pratico, Analytico, Theorico e Synthetico da Língua Ingleza por T. Robertson applicado á Lingua Portugueza

Fonte: WAKE, 1856

Apesar da metodologia empregada ser totalmente relacionada a práticas de gramática e

tradução, percebe-se um rudimento dos conceitos que foram, no século XX, classificados

como método direto, em decorrência da proposta de se ensinar o idioma a partir da

apresentação de um texto e de perguntas relacionadas ao que foi lido. O que diferencia a

abordagem empregada nesta obra com a defendida pelo método direto é que Wake (1856)

colocava o texto seguido de sua tradução, e as questões eram dadas em português, pedindo-se

respostas em inglês, enquanto que, no método direto, a língua materna não é utilizada em

nenhum momento. Para exemplificar, confira a Figura 2, a seguir. Nela, tem-se o primeiro

texto em língua inglesa, bastante simples e com poucas linhas, seguido de sua respectiva

tradução e uma tradução alternativa.

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Figura 2 – Primeira lição do livro Novo Curso Pratico, Analytico, Theorico e Synthetico da Língua Ingleza por T. Robertson applicado á Lingua Portugueza

Fonte: WAKE, 1856, p. 3

Mesmo apresentando poucas informações, dada a simplicidade e tamanho do texto, a

tradução literal foi incentivada, partindo-se da premissa de que, para a efetivação da

aprendizagem, cada termo deve ser compreendido de forma literal, ficando o entendimento

conferido pelas respostas dadas, na língua inglesa, sobre o que foi lido. Para exemplificar o

trabalho com as perguntas e respostas, algumas utilizadas pelo autor para a primeira lição

podem ser conferidas na Figura 3. Com a análise das perguntas, fica clara a diferença entre

esta abordagem e o método direto, uma vez que as perguntas são feitas em português e

respondidas em inglês. No método direto, perguntas e respostas devem ser feitas na língua

alvo, sem interferência da língua materna.

.

Figura 3 – Perguntas da Primeira lição do livro Novo Curso Pratico, Analytico, Theorico e Synthetico da Língua Ingleza por T. Robertson applicado á Lingua Portugueza

Fonte: WAKE, 1856, p. 5

Na parte da fraseologia, partindo novamente de exercícios de tradução, os alunos

deveriam pensar nas estruturas das frases. São usadas as mesmas estruturas vistas no texto

inicial, com a apresentação de outros complementos. Assim, por exemplo, na primeira lição,

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após aprender “we are told”, o aluno é apresentado a outras possibilidades de combinação de

palavras, aprendendo, pela tradução, “we are at home”, “we are abroad” e “we are with the

sultan” (WAKE, 1856, p. 6-7).

Outras partes da gramática foram exercitadas em cada lição, como, a pronunciação; a

lexicologia, em que cada palavra era analisada e suas terminações e origens trabalhadas; a

sintaxe, com as explicações gramaticais necessárias, no caso da primeira lição, cobrindo a voz

passiva, preposição e pronomes; e a composição, com novas frases a serem traduzidas. Para

estes exercícios, no entanto, todas as palavras eram conhecidas, mas com combinações

diferentes. Cada lição terminava com uma recapitulação das principais regras estudadas

(idem, p. 3-18).

É importante observar que, mesmo com a inovação na apresentação dos conteúdos, a

divisão das partes da oração continuou focada na etimologia, sintaxe, ortografia e prosódia,

como já vinha sendo feito desde o século XVI (AUROUX, 1992).

Após a apresentação das vinte lições, tem-se uma revisão, com a apresentação da

gramática estudada na obra e o acréscimo de outras regras consideradas essenciais para a

aprendizagem do idioma, com destaque para uma longa lista de verbos irregulares e uma

outra de advérbios e locuções adverbiais, ao final do compêndio.

Algumas considerações

A análise dos compêndios produzidos no século XIX não pode estar desvinculada de

um estudo dos pressupostos metodológicos compartilhados no período e das condições de

ensino na maior instituição dedicada à educação secundária no Brasil: o Collegio de Pedro II.

Após uma análise inicial sobre a instrução secundária, é notória a importância dos exames

parcelados para que os alunos pudessem ter acesso aos estudos maiores. Assim, tendo testes

guiados pela tradução de autores clássicos, é fácil perceber a importância em inserir obras de

tais natureza nos programas de ensino do Collegio e de possibilitar o ensino da gramática,

auxiliar nesse processo de aprendizagem que, desde o século XIX, era empregado.

A obra Novo curso prático, Analytico, Theorico e Synthetico de Lingua Ingleza., de T.

Robertson, foi selecionada neste trabalho por ter sido o seu autor um dos responsáveis pela

consolidação de um método de ensino bastante difundido no século XIX, através do qual as

regras gramaticais deveriam estar pautadas no estudo intensificado de vocabulário, com

memorização de palavras e exercícios de escrita baseados nas estruturas apresentadas nos

textos. No entanto, a escolha desta obra também esteve pautada no fato de que algumas

características do método direto foram encontradas, consistindo em uma série de perguntas

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sobre o texto apresentado, com o objetivo de fazer com que o aluno compreendesse o máximo

possível do texto introduzido.

Larsen-Freeman (2011) caracterizou o método direto como sendo um conjunto de

técnicas destinadas a ensinar a língua estrangeira na própria língua alvo, sem traduções e

sem o auxílio de regras gramaticais, uma vez que estas deveriam ser aprendidas de forma

indutiva, a partir do contexto, partindo-se da experimentação, sempre que possível. É

importante perceber que traços metodológicos diversos podem ser encontrados em métodos

considerados como antagônicos, representando as aflições dos autores pela busca de um

ensino mais condizente com as necessidades identificadas.

O livro de T. Robertson, traduzido por Polycarpo Wake, foi apenas um, dos 33

compêndios encontrados no NUDOM. Destes, apenas dois foram publicados no Brasil (Rio

de Janeiro), com destaque para as publicações da França (Paris), da Inglaterra (Londres e

Oxford) e dos Estados Unidos (Nova York e Washington). 24 compêndios (74% dos

encontrados no NUDOM) reproduziam os principais preceitos relacionados ao ensino de

línguas a saber: gramática, leitura e memorização de vocabulário, reforçando a tese de que as

abordagens que privilegiavam a gramática e a tradução eram aquelas de eleição no século

XIX, e foram privilegiadas no Collegio de Pedro II, modelo de instrução secundária no Brasil

Império.

A quase totalidade de obras destinadas ao ensino de inglês que foram adotadas nos

onze programas de ensino do século XIX privilegiaram a gramática e tradução, mesmo após a

identificação, de acordo com Santos (2017), de que o século XIX foi repleto de um discurso

por práticas indutivas, encontrado, também, nos textos dos programas do Collegio de Pedro

II, especialmente no de 1898. Essa busca por inovação, no entanto, não foi contemplada no

material adotado, que continuava consolidando práticas mecanicistas e tradicionais.

Referências

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Page 12: O ENSINO DE LÍNGUA INGLESA E O COLÉGIO PEDRO II ... · O ensino de Língua Inglesa ... línguas e sua avaliação de aprendizagem, por ponderar sobre a ineficácia na aplicação

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 798

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