o Desenvolvimento Humano Na Teoria de Piaget
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O DESENVOLVIMENTO HUMANO NA TEORIA DE PIAGET
Márcia Regina Terra*
Apresentação
O estudo do desenvolvimento do ser humano constitui uma área do conhecimento da
Psicologia cujas proposições nucleares concentram-se no esforço de compreender o homem
em todos os seus aspectos, englobando fases desde o nascimento até o seu mais completo
grau de maturidade e estabilidade. Tal esforço, conforme mostra a linha evolutiva da
Psicologia, tem culminado na elaboração de várias teorias que procuram reconstituir, a partir de
diferentes metodologias e pontos de vistas, as condições de produção da representação do
mundo e de suas vinculações com as visões de mundo e de homem dominantes em cada
momento histórico da sociedade.
Dentre essas teorias, a de Jean Piaget (1896-1980), que é a referência deste nosso trabalho,
não foge à regra, na medida em que ela busca, como as demais, compreender o
desenvolvimento do ser humano. No entanto, ela se destaca de outras pelo seu caráter
inovador quando introduz uma 'terceira visão' representada pela linha interacionista que
constitui uma tentativa de integrar as posições dicotômicas de duas tendências teóricas que
permeiam a Psicologia em geral - o materialismo mecanicista e o idealismo - ambas marcadas
pelo antagonismo inconciliável de seus postulados que separam de forma estanque o físico e o
psíquico.
Um outro ponto importante a ser considerado, segundo estudiosos, é o de que o modelo
piagetiano prima pelo rigor científico de sua produção, ampla e consistente ao longo de 70
anos, que trouxe contribuições práticas importantes, principalmente, ao campo da Educação -
muito embora, curiosamente aliás, a intenção de Piaget não tenha propriamente incluído a idéia
de formular uma teoria específica de aprendizagem (La Taille, 1992; Rappaport, 1981; Furtado
et. al.,1999; Coll, 1992; etc.).
O propósito do nosso estudo, portanto, é tecer algumas considerações referidas ao eixo
principal em torno do qual giram as concepções do método psicogenético de Piaget, o qual,
segundo Coll e Gillièron (1987:30), tem como objetivo "compreender como o sujeito se constitui
enquanto sujeito cognitivo, elaborador de conhecimentos válidos", conforme procuraremos
discutir na seqüência deste trabalho.
1) A visão interacionista de Piaget: a relação de interdependência entre o homem e o
objeto do conhecimento
Introduzindo uma terceira visão teórica representada pela linha interacionista, as idéias de
Piaget contrapõem-se, conforme mencionamos mais acima, às visões de duas correntes
antagônicas e inconciliáveis que permeiam a Psicologia em geral: o objetivismo e o
subjetivismo. Ambas as correntes são derivadas de duas grandes vertentes da Filosofia (o
idealismo e o materialismo mecanicista) que, por sua vez, são herdadas do dualismo radical de
Descartes que propôs a separação estanque entre corpo e alma, id est, entre físico e psíquico.
Assim sendo, a Psicologia objetivista, privilegia o dado externo, afirmando que todo
conhecimento provém da experiência; e a Psicologia subjetivista, em contraste, calcada no
substrato psíquico, entende que todo conhecimento é anterior à experiência, reconhecendo,
portanto, a primazia do sujeito sobre o objeto (Freitas, 2000:63).
Considerando insuficientes essas duas posições para explicar o processo evolutivo da filogenia
humana, Piaget formula o conceito de epigênese, argumentando que "o conhecimento não
procede nem da experiência única dos objetos nem de uma programação inata pré-formada no
sujeito, mas de construções sucessivas com elaborações constantes de estruturas novas"
(Piaget, 1976 apud Freitas 2000:64). Quer dizer, o processo evolutivo da filogenia humana tem
uma origem biológica que é ativada pela ação e interação do organismo com o meio ambiente -
físico e social - que o rodeia (Coll, 1992; La Taille, 1992, 2003; Freitas, 2000; etc.), significando
entender com isso que as formas primitivas da mente, biologicamente constituídas, são
reorganizadas pela psique socializada, ou seja, existe uma relação de interdependência entre o
sujeito conhecedor e o objeto a conhecer.
Esse processo, por sua vez, se efetua através de um mecanismo auto-regulatório que consiste
no processo de equilíbração progressiva do organismo com o meio em que o indivíduo está
inserido, como procuraremos expor em seguida.
2) O processo de equilibração: a marcha do organismo em busca do pensamento
lógico
Pode-se dizer que o "sujeito epistêmico" protagoniza o papel central do modelo piagetiano, pois
a grande preocupação da teoria é desvendar os mecanismos processuais do pensamento do
homem, desde o início da sua vida até a idade adulta. Nesse sentido, a compreensão dos
mecanismos de constituição do conhecimento, na concepção de Piaget, equivale à
compreensão dos mecanismos envolvidos na formação do pensamento lógico, matemático.
Como lembra La Taille (1992:17), "(...) a lógica representa para Piaget a forma final do
equilíbrio das ações. Ela é 'um sistema de operações, isto é, de ações que se tornaram
reversíveis e passíveis de serem compostas entre si'".
Precipuamente, portanto, no método psicogenético, o 'status' da lógica matemática perfaz o
enigma básico a ser desvendado. O maior problema, nesse sentido, concentra-se na busca de
respostas pertinentes para uma questão fulcral: "Como os homens constróem o
conhecimento?" (La Taille: vídeo). Imbricam-se nessa questão, naturalmente, outras
indagações afins, quer sejam: como é que a lógica passa do nível elementar para o nível
superior? Como se dá o processo de elaboração das idéias? Como a elaboração do
conhecimento influencia a adaptação à realidade? Etc.
Procurando soluções para esse problema central, Piaget sustenta que a gênese do
conhecimento está no próprio sujeito, ou seja, o pensamento lógico não é inato ou tampouco
externo ao organismo mas é fundamentalmente construído na interação homem-objeto. Quer
dizer, o desenvolvimento da filogenia humana se dá através de um mecanismo auto-regulatório
que tem como base um 'kit' de condições biológicas (inatas portanto), que é ativado pela ação
e interação do organismo com o meio ambiente - físico e social (Rappaport, op.cit.). Id est,
tanto a experiência sensorial quanto o raciocínio são fundantes do processo de constituição da
inteligência, ou do pensamento lógico do homem.
Está implícito nessa ótica de Piaget que o homem é possuidor de uma estrutura biológica que
o possibilita desenvolver o mental, no entanto, esse fato per se não assegura o
desencadeamento de fatores que propiciarão o seu desenvolvimento, haja vista que este só
acontecerá a partir da interação do sujeito com o objeto a conhecer. Por sua vez, a relação
com o objeto, embora essencial, da mesma forma também não é uma condição suficiente ao
desenvolvimento cognitivo humano, uma vez que para tanto é preciso, ainda, o exercício do
raciocínio. Por assim dizer, a elaboração do pensamento lógico demanda um processo interno
de reflexão. Tais aspectos deixam à mostra que, ao tentar descrever a origem da constituição
do pensamento lógico, Piaget focaliza o processo interno dessa construção.
Simplificando ao máximo, o desenvolvimento humano, no modelo piagetiano, é explicado
segundo o pressuposto de que existe uma conjuntura de relações interdependentes entre o
sujeito conhecedor e o objeto a conhecer. Esses fatores que são complementares envolvem
mecanismos bastante complexos e intrincados que englobam o entrelaçamento de fatores que
são complementares, tais como: o processo de maturação do organismo, a experiência com
objetos, a vivência social e, sobretudo, a equilibração do organismo ao meio.
O conceito de equilibração torna-se especialmente marcante na teoria de Piaget pois ele
representa o fundamento que explica todo o processo do desenvolvimento humano. Trata-se
de um fenômeno que tem, em sua essência, um caráter universal, já que é de igual ocorrência
para todos os indivíduos da espécie humana mas que pode sofrer variações em função de
conteúdos culturais do meio em que o indivíduo está inserido. Nessa linha de raciocínio, o
trabalho de Piaget leva em conta a atuação de 2 elementos básicos ao desenvolvimento
humano: os fatores invariantes e os fatores variantes.
(a) Os fatores invariantes: Piaget postula que, ao nascer, o indivíduo recebe como herança
uma série de estruturas biológicas - sensoriais e neurológicas - que permanecem constantes
ao longo da sua vida. São essas estruturas biológicas que irão predispor o surgimento de
certas estruturas mentais. Em vista disso, na linha piagetiana, considera-se que o indivíduo
carrega consigo duas marcas inatas que são a tendência natural à organização e à adaptação,
significando entender, portanto, que, em última instância, o 'motor' do comportamento do
homem é inerente ao ser.
(b) Os fatores variantes: são representados pelo conceito de esquema que constitui a
unidade básica de pensamento e ação estrutural do modelo piagetiano, sendo um elemento
que se tranforma no processo de interação com o meio, visando à adaptação do indivíduo ao
real que o circunda. Com isso, a teoria psicogenética deixa à mostra que a inteligência não é
herdada, mas sim que ela é construída no processo interativo entre o homem e o meio
ambiente (físico e social) em que ele estiver inserido.
Em síntese, pode-se dizer que, para Piaget, o equilíbrio é o norte que o organismo almeja mas
que paradoxalmente nunca alcança (La Taille, op.cit.), haja vista que no processo de interação
podem ocorrer desajustes do meio ambiente que rompem com o estado de equilíbrio do
organismo, eliciando esforços para que a adaptação se restabeleça. Essa busca do organismo
por novas formas de adaptação envolvem dois mecanismos que apesar de distintos são
indissociáveis e que se complementam: a assimilação e a acomodação.
(a) A assimilação consiste na tentativa do indivíduo em solucionar uma determinada situação
a partir da estrutura cognitiva que ele possui naquele momento específico da sua existência.
Representa um processo contínuo na medida em que o indivíduo está em constante atividade
de interpretação da realidade que o rodeia e, consequentemente, tendo que se adaptar a ela.
Como o processo de assimilação representa sempre uma tentativa de integração de aspectos
experienciais aos esquemas previamente estruturados, ao entrar em contato com o objeto do
conhecimento o indivíduo busca retirar dele as informações que lhe interessam deixando outras
que não lhe são tão importantes (La Taille, vídeo), visando sempre a restabelecer a
equilibração do organismo.
(b) A acomodação, por sua vez, consiste na capacidade de modificação da estrutura mental
antiga para dar conta de dominar um novo objeto do conhecimento. Quer dizer, a acomodação
representa "o momento da ação do objeto sobre o sujeito" (Freitas, op.cit.:65) emergindo,
portanto, como o elemento complementar das interações sujeito-objeto. Em síntese, toda
experiência é assimilada a uma estrutura de idéias já existentes (esquemas) podendo
provocar uma transformação nesses esquemas, ou seja, gerando um processo
de acomodação. Como observa Rappaport (1981:56),
os processos de assimilação e acomodação são complementares e acham-se presentes durante toda a vida do indivíduo e permitem um estado de adaptação intelectual (...) É muito difícil, se não impossível, imaginar uma situação em que possa ocorrer assimilação sem acomodação, pois dificilmente um objeto é igual a outro já conhecido, ou uma situação é exatamente igual a outra.
Vê-se nessa idéia de "equilibração" de Piaget a marca da sua formação como Biólogo que o levou a traçar
um paralelo entre a evolução biológica da espécie e as construções cognitivas. Tal processo pode ser
representado pelo seguinte quadro:
ambiente desequilíbrio adaptação equilibração
majorante
assimilação acomodação
Dessa perspectiva, o processo de equilibração pode ser definido como um mecanismo
de organização de estruturas cognitivas em um sistema coerente que visa a levar o indivíduo a
construção de uma forma de adaptação à realidade. Haja vista que o "objeto nunca se deixa
compreender totalmente" (La Taille, op.cit.), o conceito de equilibração sugere algo móvel e
dinâmico, na medida em que a constituição do conhecimento coloca o indivíduo frente a
conflitos cognitivos constantes que movimentam o organismo no sentido de resolvê-los. Em
última instância, a concepção do desenvolvimento humano, na linha piagetiana, deixa ver que é
no contato com o mundo que a matéria bruta do conhecimento é 'arrecadada', pois que é no
processo de construções sucessivas resultantes da relação sujeito-objeto que o indivíduo vai
formar o pensamento lógico.
É bom considerar, ainda, que, na medida em que toda experiência leva em graus diferentes a
um processo de assimilação e acomodação, trata-se de entender que o mundo das idéias, da
cognição, é um mundo inferencial. Para avançar no desenvolvimento é preciso que o ambiente
promova condições para transformações cognitivas, id est, é necessário que se estabeleça um
conflito cognitivo que demande um esforço do indivíduo para superá-lo a fim de que o equilíbrio
do organismo seja restabelecido, e assim sucessivamente.
No entanto, esse processo de transformação vai depender sempre de como o indivíduo vai
elaborar e assimilar as suas interações com o meio, isso porque a visada conquista da
equilibração do organismo reflete as elaborações possibilitadas pelos níveis de
desenvolvimento cognitivo que o organismo detém nos diversos estágios da sua vida. A esse
respeito, para Piaget, os modos de relacionamento com a realidade são divididos em 4
períodos, como destacaremos na próxima seção deste trabalho.
3) Os estágios do desenvolvimento humano
Piaget considera 4 períodos no processo evolutivo da espécie humana que são caracterizados
"por aquilo que o indivíduo consegue fazer melhor" no decorrer das diversas faixas etárias ao
longo do seu processo de desenvolvimento (Furtado, op.cit.). São eles:
1º período: Sensório-motor (0 a 2 anos)
2º período: Pré-operatório (2 a 7 anos)
3º período: Operações concretas (7 a 11 ou 12 anos)
4º período: Operações formais (11 ou 12 anos em diante)
Cada uma dessas fases é caracterizada por formas diferentes de organização mental que
possibilitam as diferentes maneiras do indivíduo relacionar-se com a realidade que o rodeia
(Coll e Gillièron, 1987). De uma forma geral, todos os indivíduos vivenciam essas 4 fases na
mesma seqüência, porém o início e o término de cada uma delas pode sofrer variações em
função das características da estrutura biológica de cada indivíduo e da riqueza (ou não) dos
estímulos proporcionados pelo meio ambiente em que ele estiver inserido. Por isso mesmo é
que "a divisão nessas faixas etárias é uma referência, e não uma norma rígida", conforme
lembra Furtado (op.cit.). Abordaremos, a seguir, sem entrar em uma descrição detalhada, as
principais características de cada um desses períodos.
(a) Período Sensório-motor (0 a 2 anos): segundo La Taille (2003), Piaget usa a expressão
"a passagem do caos ao cosmo" para traduzir o que o estudo sobre a construção do real
descreve e explica. De acordo com a tese piagetiana, "a criança nasce em um universo para
ela caótico, habitado por objetos evanescentes (que desapareceriam uma vez fora do campo
da percepção), com tempo e espaço subjetivamente sentidos, e causalidade reduzida ao poder
das ações, em uma forma de onipotência" (id ibid). No recém nascido, portanto, as funções
mentais limitam-se ao exercício dos aparelhos reflexos inatos. Assim sendo, o universo que
circunda a criança é conquistado mediante a percepção e os movimentos (como a sucção, o
movimento dos olhos, por exemplo).
Progressivamente, a criança vai aperfeiçoando tais movimentos reflexos e adquirindo
habilidades e chega ao final do período sensório-motor já se concebendo dentro de um cosmo
"com objetos, tempo, espaço, causalidade objetivados e solidários, entre os quais situa a si
mesma como um objeto específico, agente e paciente dos eventos que nele ocorrem" (id ibid).
(b) Período pré-operatório (2 a 7 anos): para Piaget, o que marca a passagem do período
sensório-motor para o pré-operatório é o aparecimento da função simbólica ou semiótica, ou
seja, é a emergência dalinguagem. Nessa concepção, a inteligência é anterior à emergência
da linguagem e por isso mesmo "não se pode atribuir à linguagem a origem da lógica, que
constitui o núcleo do pensamento racional" (Coll e Gillièron, op.cit.). Na linha piagetiana, desse
modo, a linguagem é considerada como uma condição necessária mas não suficiente ao
desenvolvimento, pois existe um trabalho de reorganização da ação cognitiva que não é dado
pela linguagem, conforme alerta La Taille (1992). Em uma palavra, isso implica entender que o
desenvolvimento da linguagem depende do desenvolvimento da inteligência.
Todavia, conforme demonstram as pesquisas psicogenéticas (La Taille, op.cit.; Furtado, op.cit.,
etc.), a emergência da linguagem acarreta modificações importantes em aspectos cognitivos,
afetivos e sociais da criança, uma vez que ela possibilita as interações interindividuais e
fornece, principalmente, a capacidade de trabalhar com representações para atribuir
significados à realidade. Tanto é assim, que a aceleração do alcance do pensamento neste
estágio do desenvolvimento, é atribuída, em grande parte, às possibilidades de contatos
interindividuais fornecidos pela linguagem.
Contudo, embora o alcance do pensamento apresente transformações importantes, ele
caracteriza-se, ainda, pelo egocentrismo, uma vez que a criança não concebe uma realidade
da qual não faça parte, devido à ausência de esquemas conceituais e da lógica. Para citar um
exemplo pessoal relacionado à questão, lembro-me muito bem que me chamava à atenção o
fato de, nessa faixa etária, o meu filho dizer coisas do tipo "o meu carro do meu pai", sugerindo,
portanto, o egocentrismo característico desta fase do desenvolvimento. Assim, neste estágio,
embora a criança apresente a capacidade de atuar de forma lógica e coerente (em função da
aquisição de esquemas sensoriais-motores na fase anterior) ela apresentará, paradoxalmente,
um entendimento da realidade desequilibrado (em função da ausência de esquemas
conceituais), conforme salienta Rappaport (op.cit.).
(c) Período das operações concretas (7 a 11, 12 anos): neste período o egocentrismo
intelectual e social (incapacidade de se colocar no ponto de vista de outros) que caracteriza a
fase anterior dá lugar à emergência da capacidade da criança de estabelecer relações e
coordenar pontos de vista diferentes (próprios e de outrem ) e de integrá-los de modo lógico e
coerente (Rappaport, op.cit.). Um outro aspecto importante neste estágio refere-se ao
aparecimento da capacidade da criança de interiorizar as ações, ou seja, ela começa a realizar
operações mentalmente e não mais apenas através de ações físicas típicas da inteligência
sensório-motor (se lhe perguntarem, por exemplo, qual é a vareta maior, entre várias, ela será
capaz de responder acertadamente comparando-as mediante a ação mental, ou seja, sem
precisar medi-las usando a ação física).
Contudo, embora a criança consiga raciocinar de forma coerente, tanto os esquemas
conceituais como as ações executadas mentalmente se referem, nesta fase, a objetos ou
situações passíveis de serem manipuladas ou imaginadas de forma concreta. Além disso,
conforme pontua La Taille (1992:17) se no período pré-operatório a criança ainda não havia
adquirido a capacidade de reversibilidade, i.e., "a capacidade de pensar simultaneamente o
estado inicial e o estado final de alguma transformação efetuada sobre os objetos (por
exemplo, a ausência de conservação da quantidade quando se transvaza o conteúdo de um
copo A para outro B, de diâmetro menor)", tal reversibilidade será construída ao longo dos
estágios operatório concreto e formal.
(d) Período das operações formais (12 anos em diante): nesta fase a criança, ampliando as
capacidades conquistadas na fase anterior, já consegue raciocinar sobre hipóteses na medida
em que ela é capaz de formar esquemas conceituais abstratos e através deles executar
operações mentais dentro de princípios da lógica formal. Com isso, conforme aponta
Rappaport (op.cit.:74) a criança adquire "capacidade de criticar os sistemas sociais e propor
novos códigos de conduta: discute valores morais de seus pais e contrói os seus próprios
(adquirindo, portanto, autonomia)".
De acordo com a tese piagetiana, ao atingir esta fase, o indivíduo adquire a sua forma final de
equilíbrio, ou seja, ele consegue alcançar o padrão intelectual que persistirá durante a idade
adulta. Isso não quer dizer que ocorra uma estagnação das funções cognitivas, a partir do
ápice adquirido na adolescência, como enfatiza Rappaport (op.cit.:63), "esta será a forma
predominante de raciocínio utilizada pelo adulto. Seu desenvolvimento posterior consistirá
numa ampliação de conhecimentos tanto em extensão como em profundidade, mas não na
aquisição de novos modos de funcionamento mental".
Cabe-nos problematizar as considerações anteriores de Rappaport, a partir da seguinte
reflexão: resultados de pesquisas* têm indicado que adultos "pouco-letrados/escolarizados"
apresentam modo de funcionamento cognitivo "balizado pelas informações provenientes de
dados perceptuais, do contexto concreto e da experiência pessoal" (Oliveira, 2001a:148). De
acordo com os pressupostos da teoria de Piaget, tais adultos estariam, portanto, no estágio
operatório-concreto, ou seja, não teriam alcançado, ainda, o estágio final do desenvolvimento
que caracteriza o funcionamento do adulto (lógico-formal). Como é que tais adultos (operatório-
concreto) poderiam, ainda, adquirir condições de ampliar e aprofundar conhecimentos (lógico-
formal) se não lhes é reservada, de acordo com a respectiva teoria, a capacidade de
desenvolver "novos modos de funcionamento mental"? - aliás, de acordo com a teoria, não
dependeria do desenvolvimento da estrutura cognitiva a capacidade de desenvolver o
pensamento descontextualizado?
Bem, retomando a nossa discussão, vale ressaltar, ainda, que, para Piaget, existe um
desenvolvimento da moral que ocorre por etapas, de acordo com os estágios do
desenvolvimento humano. Para Piaget (1977 apud La Taille 1992:21), "toda moral consiste
num sistema de regras e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o
indivíduo adquire por estas regras". Isso porque Piaget entende que nos jogos coletivos as
relações interindividuais são regidas por normas que, apesar de herdadas culturalmente,
podem ser modificadas consensualmente entre os jogadores, sendo que o dever de 'respeitá-
las' implica a moral por envolver questões de justiça e honestidade.
Assim sendo, Piaget argumenta que o desenvolvimento da moral abrange 3 fases:
(a) anomia (crianças até 5 anos), em que a moral não se coloca, ou seja, as regras são
seguidas, porém o indivíduo ainda não está mobilizado pelas relações bem x mal e sim pelo
sentido de hábito, de dever; (b) heteronomia (crianças até 9, 10 anos de idade), em que a
moral é = a autoridade, ou seja, as regras não correpondem a um acordo mútuo firmado entre
os jogadores, mas sim como algo imposto pela tradição e, portanto, imutável;
(c) autonomia, corresponde ao último estágio do desenvolvimento da moral, em que há a
legitimação das regras e a criança pensa a moral pela reciprocidade, quer seja o respeito a
regras é entendido como decorrente de acordos mútuos entre os jogadores, sendo que cada
um deles consegue conceber a si próprio como possível 'legislador' em regime de cooperação
entre todos os membros do grupo.
Para Piaget, a própria moral pressupõe inteligência, haja vista que as relações entre moral x
inteligência têm a mesma lógica atribuída às relações inteligência x linguagem. Quer dizer, a
inteligência é uma condição necessária, porém não suficiente ao desenvolvimento da moral.
Nesse sentido, a moralidade implica pensar o racional, em 3 dimensões: a) regras: que são
formulações verbais concretas, explícitas (como os 10 Mandamentos, por exemplo); b)
princípios: que representam o espírito das regras (amai-vos uns aos outros, por exemplo); c)
valores: que dão respostas aos deveres e aos sentidos da vida, permitindo entender de onde
são derivados os princípios das regras a serem seguidas.
Assim sendo, as relações interindividuais que são regidas por regras envolvem, por sua vez,
relações de coação - que corresponde à noção de dever; e de cooperação - que pressupõe a
noção de articulação de operações de dois ou mais sujeitos, envolvendo não apenas a noção
de 'dever' mas a de 'querer' fazer. Vemos, portanto, que uma das peculiaridades do modelo
piagetiano consiste em que o papel das relações interindividuais no processo evolutivo do
homem é focalizado sob a perspectiva da ética (La Taille, 1992). Isso implica entender que "o
desenvolvimento cognitivo é condição necessária ao pleno exercício da cooperação, mas não
condição suficiente, pois uma postura ética deverá completar o quadro" (idem p. 21).
4) As conseqüências do modelo piagetiano para a ação pedagógica
Como já foi mencionado na apresentação deste trabalho, a teoria psicogenética de Piaget não
tinha como objetivo principal propor uma teoria de aprendizagem. A esse respeito, Coll
(1992:172) faz a seguinte observação: "ao que se sabe, ele [Piaget] nunca participou
diretamente nem coordenou uma pesquisa com objetivos pedagógicos". Não obstante esse
fato, de forma contraditória aos interesses previstos, portanto, o modelo piagetiano,
curiosamente, veio a se tornar uma das mais importantes diretrizes no campo da aprendizagem
escolar, por exemplo, nos USA, na Europa e no Brasil, inclusive.
De acordo com Coll (op.cit.) as tentativas de aplicação da teoria genética no campo da
aprendizagem são numerosas e variadas, no entanto os resultados práticos obtidos com tais
aplicações não podem ser considerados tão frutíferos. Uma das razões da difícil penetração da
teoria genética no âmbito da escola deve-se, principalmente, segundo o autor, "ao difícil
entendimento do seu conteúdo conceitual como pelos método de análise formalizante que
utiliza e pelo estilo às vezes 'hermético' que caracteriza as publicações de Piaget" (idem p.
174). Coll (op.cit.) ressalta, também, que a aplicação educacional da teoria genética tem como
fatores complicadores, entre outros: a) as dificuldades de ordem técnica, metodológicas e
teóricas no uso de provas operatórias como instrumento de diagnóstico psicopedagógico,
exigindo um alto grau de especialização e de prudência profissional, a fim de se evitar os riscos
de sérios erros; b) a predominância no "como" ensinar coloca o objetivo do "o quê" ensinar em
segundo plano, contrapondo-se, dessa forma, ao caráter fundamental de transmissão do saber
acumulado culturalmente que é uma função da instituição escolar, por ser esta de caráter
preeminentemente político-metodológico e não técnico como tradicionalmente se procurou
incutir nas idéias da sociedade; c) a parte social da escola fica prejudicada uma vez que o
raciocínio por trás da argumentação de que a criança vai atingir o estágio operatório
secundariza a noção do desenvolvimento do pensamento crítico; d) a idéia básica do
construtivismo postulando que a atividade de organização e planificação da aquisição de
conhecimentos estão à cargo do aluno acaba por não dar conta de explicar o caráter da
intervenção por parte do professor; e) a idéia de que o indivíduo apropria os conteúdos em
conformidade com o desenvolvimento das suas estruturas cognitivas estabelece o desafio da
descoberta do "grau ótimo de desequilíbrio", ou seja, o objeto a conhecer não deve estar nem
além nem aquém da capacidade do aprendiz conhecedor.
Por outro lado, como contribuições contundentes da teoria psicogenética podem ser citados,
por exemplo: a) a possibilidade de estabelecer objetivos educacionais uma vez que a teoria
fornece parâmetros importantes sobre o 'processo de pensamento da criança' relacionados aos
estádios do desenvolvimento; b) em oposição às visões de teorias behavioristas que
consideravam o erro como interferências negativas no processo de aprendizagem, dentro da
concepção cognitivista da teoria psicogenética, os erros passam a ser entendidos como
estratégias usadas pelo aluno na sua tentativa de aprendizagem de novos conhecimentos
(PCN, 1998); c) uma outra contribuição importante do enfoque psicogenético foi lançar luz à
questão dos diferentes estilos individuais de aprendizagem; (PCN, 1998); entre outros.
Em resumo, conforme aponta Coll (1992), as relações entre teoria psicogenética x educação,
apesar dos complicadores decorrentes da "dicotomia entre os aspectos estruturais e os
aspectos funcionais da explicação genética" (idem, p. 192) e da tendência dos projetos
privilegiarem, em grande parte, um reducionismo psicologizante em detrimento ao social (aliás,
motivo de caloroso debate entre acadêmicos*), pode-se considerar que a teoria psicogenética
trouxe contribuições importantes ao campo da aprendizagem escolar.
5. Considerações finais
A referência deste nosso estudo foi a teoria de Piaget cujas proposições nucleares dão conta
de que a compreensão do desenvolvimento humano equivale à compreensão de como se dá o
processo de constituição do pensamento lógico-formal, matemático. Tal processo, que é
explicado segundo o pressuposto de que existe uma conjuntura de relações interdependentes
entre o sujeito conhecedor e o objeto a conhecer, envolve mecanismos complexos e
intrincados que englobam aspectos que se entrelaçam e se complementam, tais como: o
processo de maturação do organismo, a experiência com objetos, a vivência social e,
sobretudo, a equilibração do organismo ao meio.
Em face às discussões apresentadas no decorrer do trabalho, cremos ser lícito concluir que as
idéias de Piaget representam um salto qualitativo na compreensão do desenvolvimento
humano, na medida em que é evidenciada uma tentativa de integração entre o sujeito e o
mundo que o circunda. Paradoxalmente, contudo - no que pese a rejeição de Piaget pelo
antagonismo das tendências objetivista e subjetivista - o papel do meio no funcionamento do
indivíduo é relegado a um plano secundário, uma vez que permanece, ainda, a predominância
do indivíduo em detrimento das influências que o meio exerce na construção do seu
conhecimento.
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Teorias de Piaget e Vygostsky
Críticas e Implicações Educativas
Jean Piaget (1896-1980) foi um dos investigadores mais influentes do séc. 20 na área da psicologia do desenvolvimento. Piaget acreditava que o que distingue o ser humano dos outros animais é a sua capacidade de ter um pensamento simbólico e abstracto.
Piaget acreditava que a maturação biológica estabelece as pré-condições para o desenvolvimento cognitivo. As mudanças mais significativas são mudanças qualitativas (em género) e não qualitativas (em quantidade).
Existem 2 aspectos principais nesta teoria:
1. O processo de conhecer e
2. Os estádios/ etapas pelos quais nós passamos à medida que adquirimos essa habilidade.
A formação de Piaget como biólogo influenciou ambos os aspectos desta teoria.
Como biólogo, Piaget estava interessado em como é que um organismo se adapta ao seu ambiente (ele descreveu esta capacidade como inteligência)
O comportamento é controlado através de organizações mentais denominadas “esquemas”, que o indivíduo utiliza para representar o mundo e para designar as acções.
Essa adaptação é guiada por uma orientação biológica para obter o balanço entre esses esquemas e o ambiente em que está. (equilibração). Assim, estabelecer um desiquilíbrio é a motivação primária para alterar as estruturas mentais do indivíduo.
Piaget descreveu 2 processos utilizados pelo sujeito na sua tentativa de adaptação:
• assimilação e
• acomodação.
Estes 2 processos são utilizados ao longo da vida à medida que a pessoa se vai progressivamente adaptando ao ambiente de uma forma mais complexa. À medida que os esquemas se vão tornando mais complexos (i.e., responsáveis por comportamentos mais complexos) eles são estruturas “terminais” e à medida que as estruturas de uma pessoa se vão tornando mais complexas, elas são organizadas também de forma mais hierarquizada. (i.e., do geral para o específico).
A perspectiva de Piaget é frequentemente comparada com a de Lev Vygotsky (1896-1934), que olhou mais para a interacção social como fonte primária da cognição e do comportamento
O que é o conhecimento para Piaget?
• Conhecimento Físico
– Conhecer os atributos dos objectos
– Concreto e observável
• Conhecimento Lógico-matemático
– Construção mental de relações
• Conhecimento Social
– Conhecimento adquirido através das interacções (e.g., linguagem, palavras matemáticas, convenções morais)
O que é o pensamento para Piaget?
• De acordo com Piaget, o desenvolvimento cognitivo consiste em adaptações às novas observações eexperiência.
• A adaptação toma 2 formas:
– Assimilação
– Acomodação
Teoria de Piaget sobre o Desenvolvimento CognitivoConceitos-chave
• Organização e adaptação
– Organização: à medida que aumenta a maturação da criança, elas organizam padrões físicos ou esquemas mentais em sistemas mais complexos.
– Adaptação: capacidade de adaptar as suas estruturas mentais ou comportamento para se adaptar às exigências do meio.
• Assimilação e acomodação
– Assimilação: moldar novas informações para encaixar nos esquemas existentes.
– Acomodação: mudança nos esquemas existentes pela alteração de antigas formas de pensar ou agir.
• Processo desenvolvimental
– Equilibração: tendência para manter as estruturas cognitivas em equilíbrio.
Estádios de Desenvolvimento
• Estádio sensório-motor ( do nascimento aos 2/3 anos) - a criança desenvolve um conjunto de "esquemas de acção" sobre o objecto, que lhe permitem construir um conhecimento físico da realidade. Nesta etapa desenvolve o conceito de permanência do objecto, constrói esquemas sensório-motores e é capaz de fazer imitações, construindo representações mentais cada vez mais complexas
• Estádio pré-operatório (ou intuitivo) (dos 2/3 aos 6/7 anos) - a criança inicia a construção da relação causa e efeito, bem como das simbolizações. É a chamada idade dos porquês e do faz-de-conta.
• Estádio operatório-concreto (dos 6/7 aos 10/11 anos) - a criança começa a construir conceitos, através de estruturas lógicas, consolida a conservação de quantidade e constrói o conceito de número. Seu pensamento apesar de lógico, ainda está preso aos conceitos concretos, não fazendo ainda abstracções.
• Estádio operatório-formal (dos 10/11 aos 15/16 anos) - fase em que o adolescente constrói o pensamento abstracto, conceptual, conseguindo ter em conta as hipóteses possíveis, os diferentes pontos de vista e sendo capaz de pensar cientificamente.
Críticas à Teoria de Piaget
• Preocupações metodológicas nas pesquisas
– As tarefas apresentadas por Piaget são muito complexas
– Requerem aptidões verbais
– Natureza subjectiva das entrevistas clínicas
• Preocupações acerca da natureza do desenvolvimento
– Mudanças qualitativas?
– Universalidade?
– Influências culturais?
• Subestimou a importância do conhecimento
• Subestimou as capacidades das crianças
• Subestimou o impacto da CULTURA:
– As tarefas de Piaget têm uma base cultural
– Escolaridade e literacia afectam os níveis de desenvolvimento
– Pensamento formal não é universal
Porque é importante a Teoria de Piaget
• Capta as grandes tendências do pensamento da criança
• Encara as crianças como sujeitos activos da sua aprendizagem
Piaget - Implicações na Educação
• 3 Princípios da teoria de Piaget
– Aprendizagem por descoberta
– Prontidão para a aprendizagem
– Diferenças individuais
• Piaget acreditava que as crianças só aprendiam através da sua acção sobre o ambiente
• Abordagem construtivista
• Facilitar em vez de direccionar a aprendizagem,
• Considerar os conhecimentos da criança e o seu nível de pensamento
• Avaliação contínua
• Promoção da saúde intelectual dos estudantes
• Tornar a sala de aula num espaço de exploração e descoberta
Lev Vygotsky desenvolveu a teoria socio-cultural do desenvolvimento cognitivo.
A sua teoria tem raízes na teoria marxista do materialismo dialéctico, ou seja, que as mudanças históricas na sociedade e a vida material produzem mudanças na natureza humana.
Vygotsky abordou o desenvolvimento cognitivo por um processo de orientação. Em vez de olhar para o final do processo de desenvolvimento, ele debruçou-se sobre o processo em si e analisou a participação do sujeito nas actividades sociais.
Ele propôs que o desenvolvimento não precede a socialização. Ao invés, as estruturas sociais e as relações sociais levam ao desenvolvimento das funções mentais.
Ele acreditava que a aprendizagem na criança podia ocorrer através do jogo, da brincadeira, da instrução formal ou do trabalho entre um aprendiz e um aprendiz mais experiente.
O processo básico pelo qual isto ocorre é a mediação (a ligação entre duas estruturas, uma social e uma pessoalmente construída, através de instrumentos ou sinais). Quando os signos culturais vão sendo internalizados pelo sujeito é quando os humanos adquirem a capacidade de uma ordem de pensamento mais elevada.
• Ao contrário da imagem de Piaget em que o indivíduo constrói a compreensão do mundo, o conhecimento sózinho, Vygostky via o desenvolviemnto cognitivo como dependendo mais das interacções com as pessoas e com os instrumentos do mundo da criança.
• Esses instrumentos são reais: canetas, papel, computadores; ou símbolos: linguagem, sistemas matemáticos, signos.
Um pressuposto básico de Vygotsky é a de que durante o curso do desenvolvimento, tudo aparece duas vezes:
• 1º a criança entra em contacto com o ambiente social, o que ocorre ao nível interpessoal.
• Depois a criança entra em contacto com ela própria, num nível intrapessoal.
Teoria de Vygotsky do Desenvolvimento Cognitivo
Vygostsky sublinhou as infuências socioculturais no desenvolvimento cognitivo da criança:
- O desenvolvimento não pode ser separado do contexto social
- A cultura afecta a forma como pensamos e o que pensamos
- Cada cultura tem o seu próprio impacto
- O conhecimento depende da experiência social
A criança desenvolve representações mentais do mundo através da cultura e da linguagem.
Os adultos têm um importante papel no desenvolvimento através da orientação que dão e por ensinarem (“guidance and teaching”).
Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) – intervalo entre a resolução de problemas assistida e individual.
Uma vez adquirida a linguagem nas crianças, elas utilizam a linguagem/discurso interior, falando alto para elas próprias de forma a direccionarem o seu próprio comportamento, linguagem essa que mais tarde será
internalizada e silenciosa – Desenvolvimento da Linguagem.
Zona de Desenvolvimento Proximal — O mentor “orienta”/ “andaima” (“scaffolds”) a aprendizagem e o aprendiz desenvolve novos conhecimentos utilizando tarefas de aprendizagem apropriadas ao seu desenvolvimento
Vygotsky – Implicações na Educação
• Participação activa do sujeito e aceitação das diferenças individuais
• Descoberta assistida vs. Descoberta independente (Piaget)
• Jogo do faz de conta é o contexto ideal para promover o desenvolvimento cognitivo.
• Promove aprendizagem cooperativa
• Actividades entre estudantes de diferentes níveis competências
• Acompanhamento e utilização da ZDP da criança
• Utilizar os pares com mais competências como professores
• Monitorização e encorajamento da linguagem/discurso interior
• A instrução em contextos significativos
• Transformação da sala de aula
Desafios à Teoria de Vygotsky
• A comunicação verbal pode não ser a única forma pela qual o pensamento se desenvolve.
• Os educadores podem orientar as crianças em diferente formas, trans-culturalmente.
Construção do conhecimento:
A construção do conhecimento ocorre quando acontecem ações físicas ou mentais sobre objetos que, provocando o desequilíbrio, resultam em assimilação ou, acomodação e assimilação dessas ações e, assim, em construção de esquemas ou conhecimento. Em outras palavras, uma vez que a criança não consegue assimilar o estímulo, ela tenta fazer uma acomodação e após, uma assimilação e o equilíbrio é, então, alcançado.
Josiane Lopes, (revista Nova Escola - ano XI - Nº 95), cita que para quando o equilíbrio se rompe, o indivíduo age sobre o que o afetou buscando se reequilibrar. E para Piaget, isso é feito por adaptação e por organização.
Esquema:
Autores sugerem que imaginemos um arquivo de dados na nossa cabeça. Os esquemas são análogos às fichas deste arquivo, ou seja, são as estruturas mentais ou cognitivas pelas quais os indivíduos intelectualmente organizam o meio.São estruturas que se modificam com o desenvolvimento mental e que tornam-se cada vez mais refinadas à medida em que a criança torna-se mais apta a generalizar os estímulos.Por este motivo, os esquemas cognitivos do adulto são derivados dos esquemas sensório-motores da criança e, os processos responsáveis por esses mudanças nas estruturas cognitivas são assimilação e acomodação.
Assimilação:
É o processo cognitivo de colocar (classificar) novos eventos em esquemas existentes. É a incorporação de elementos do meio externo (objeto, acontecimento, ...) a um esquema ou estrutura do sujeito.Em outras palavras, é o processo pelo qual o indivíduo cognitivamente capta o ambiente e o organiza possibilitando, assim, a ampliação de seus esquemas.Na assimilação o indivíduo usa as estruturas que já possui.
Acomodação:
É a modificação de um esquema ou de uma estrutura em função das particularidades do objeto a ser assimilado.A acomodação pode ser de duas formas, visto que se pode ter duas alternativas:
Criar um novo esquema no qual se possa encaixar o novo estímulo, ou Modificar um já existente de modo que o estímulo possa ser incluído
nele.
Após ter havido a acomodação, a criança tenta novamente encaixar o estímulo no esquema e aí ocorre a assimilação.Por isso, a acomodação não é determinada pelo objeto e sim pela atividade do sujeito sobre este, para tentar assimilá-lo.O balanço entre assimilação e acomodação é chamado de adaptação.
Equilibração:
É o processo da passagem de uma situação de menor equilíbrio para uma de maior equilíbrio. Uma fonte de desequilíbrio ocorre quando se espera que uma situação ocorra de determinada maneira, e esta não acontece.
Lev Seminovitch Vygotsky (1896-1934) foi um teórico que iniciou-se sob forte influência do materialismo histórico e dialético de Marx e Engels. No seu trabalho, encontra-se uma visão de desenvolvimento baseada na concepção de um organismo ativo, cujo pensamento é construído paulatinamente num ambiente que é histórico e essencialmente social. O sujeito é herdeiro da evolução filogênica e cultural, e seu desenvolvimento se dá em do meio social em que vive, portanto sua teoria é considerada histórico-social. Nesta teoria é dado destaque as possibilidades que o indivíduo dispõe a partir do ambiente em que vive e que dizem respeito ao acesso que o ser humano tem a “instrumentos físicos”, como uma faca, uma mesa, e “instrumentos sociais”, como a cultura, costumes, valores (signos e linguagens) desenvolvidos em gerações precedentes. Vygotsky mostra que o desenvolvimento se dá de fora para dentro, preparando o educador para preparar o educando.
Para Vygotsky, a aprendizagem da criança antecede a entrada na escola e que o aprendizado escolar produz algo novo no desenvolvimento infantil, evidenciando as relações interpessoais.A aprendizagem acontece em todo lugar. O processo de formação de pensamento é despertado e acentuado pela vida social e pela constante comunicação que se estabelece entre crianças e adultos, a qual permite a assimilação da experiência de muitas gerações. A linguagem intervém no processo de desenvolvimento intelectual da criança desde o nascimento. Quando os adultos nomeiam objetos, indicando para a criança as várias relações que estes mantém entre si, ela constrói formas mais complexas e sofisticadas de conceber a realidade. Sozinha, não seria capaz de adquirir aquilo que obtém por intermédio de sua interação com os adultos e com as outras crianças, num processo que a linguagem é fundamental.Em sua teoria Vygotsky apresenta a noção de que o bom aprendizado é aquele que se adianta da criança, isto é, aquele que considera o nível de desenvolvimento potencial ou proximal. O conceito de “zona de desenvolvimento potencial” possibilita compreender funções de desenvolvimento que estão a caminho de se completar. Tal conceito é de suma importância para um ensino efetivo. Ele pode ser utilizado tanto para mostrar a forma como a criança organiza a informação, como para verificar o modo como seu pensamento opera, apenas conhecendo o que as crianças são capazes de realizar com e sem a ajuda externa é que se pode conseguir planejar as situações de ensino e avaliar os progressos individuais. Portanto o papel da educação e consequentemente, o de aprendizagem, ganham destaques na teoria de desenvolvimento de Vygotsky, que também mostra que a qualidade das trocas que se dão no plano verbal entre o professor e os alunos irá influenciar decisivamente na forma como as crianças tornam mais complexos o seu pensamento e processam novas informações.Na construção social, Vygotsky considera as crianças como sujeitos sociais que constroem o conhecimento socialmente produzido. O desenvolvimento é a apropriação ativa do conhecimento disponível na sociedade em que a criança nasceu. Esse processo de desenvolvimento na fase escolar, deve ser provocado de fora para dentro pelo professor, que é uma figura fundamental no processo de preparação do aluno.BIBLIOGRAFIA
MOSQUERA, Juan José Mourño; ISAIA, Silvia Maria de Aguiar. Vygotsky ou Piaget? Uma polêmica de repercussões significativas. N. 12, p 77 – 90. Porto Alegre: Educação , 1987.
VYGOTSKY, Lev S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987. - A Formação Social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O ENSINO MEDIADO POR COMPUTADORES
Cíntia Maria Basso
1. INTRODUÇÃO
As rápidas mudanças ocorridas na sociedade e o grande volume de informações estão refletindo-se no ensino, exigindo, desta forma, que a escola não seja uma mera transmissora de conhecimentos, mas que seja um ambiente estimulante, que valorize a invenção e a descoberta, que possibilite à criança percorrer o conhecimento de maneira mais motivada, crítica e criativa, que proporcione um movimento de parceria, de trocas de experiências, de afetividade no ato de aprender e desenvolver o pensamento crítico reflexivo.
A integração dos computadores nas escolas, vista como uma dinâmica de interação, como um ambiente rico para a mediação entre sujeitos, oferece condições para envolver as crianças e estimular a investigação, além de possibilitar paradas e retornos para interpretação, análise, atendendo o ritmo de cada criança.
Enfatiza-se, através da informática educativa, a descoberta e a invenção, possibilitando a formação de alunos capazes de construir seu próprio conhecimento, tornando-se pesquisadores autônomos à medida que descobrem novas áreas de seu interesse. O professor precisa transformar-se em um guia, capaz de estimular seus alunos a navegarem pelo conhecimento, fazerem suas próprias descobertas e
desenvolverem sua capacidade de observar, pensar, comunicar e criar.
Neste artigo, sistematizarei alguns pressupostos básicos das teorias do desenvolvimento de Piaget, Wallon e Vygotsky. Após, farei algumas reflexões sobre a integração de computadores nas escolas e as contribuições da teoria do desenvolvimento de Vygotsky, a qual explica a interatividade e a construção coletiva do conhecimento em um meio sócio-histórico cultural, propiciada pela mediação aluno/aluno; aluno/professor; aluno/computador; enfim, aluno/conhecimento.
2. TEORIA DO DESENVOLVIMENTO DE JEAN PIAGET
Formado em Biologia, Piaget especializou-se nos estudos do conhecimento humano, concluindo que, assim como os organismos vivos podem adaptar-se geneticamente a um novo meio, existe também uma relação evolutiva entre o sujeito e o seu meio, ou seja, a criança reconstrói suas ações e idéias quando se relaciona com novas experiências ambientais. Para ele, a criança constrói sua realidade como um ser humano singular, situação em que o cognitivo está em supremacia em relação ao social e o afetivo.
Na perspectiva construtivista de Piaget, o começo do conhecimento é a ação do sujeito sobre o objeto, ou seja, o conhecimento humano se constrói na interação homem-meio, sujeito-objeto. Conhecer consiste em operar sobre o real e transformá-lo a fim de compreendê-lo, é algo que se dá a partir da ação do sujeito sobre o objeto de conhecimento. As formas de conhecer são construídas nas trocas com os objetos, tendo uma melhor organização em momentos sucessivos de adaptação ao objeto. A adaptação ocorre através da organização, sendo que o organismo discrimina entre estímulos e sensações, selecionando aqueles que irá organizar em alguma forma de estrutura. A adaptação possui dois mecanismos opostos, mas complementares, que garantem o processo de desenvolvimento: a assimilação e a acomodação. Segundo Piaget, o conhecimento é a
equilibração/reequilibração entre assimilação e acomodação, ou seja, entre os indivíduos e os objetos do mundo.
A assimilação é a incorporação dos dados da realidade nos esquemas disponíveis no sujeito, é o processo pelo qual as idéias, pessoas, costumes são incorporadas à atividade do sujeito. A criança aprende a língua e assimila tudo o que ouve, transformando isso em conhecimento seu. A acomodação é a modificação dos esquemas para assimilar os elementos novos, ou seja, a criança que ouve e começa a balbuciar em resposta à conversa ao seu redor gradualmente acomoda os sons que emite àqueles que ouve, passando a falar de forma compreensível.
Segundo FARIA (1998), os esquemas são uma necessidade interna do indivíduo. Os esquemas afetivos levam à construção do caráter, são modos de sentir que se adquire juntamente às ações exercidas pelo sujeito sobre pessoas ou objetos. Os esquemas cognitivos conduzem à formação da inteligência, tendo a necessidade de serem repetidos (a criança pega várias vezes o mesmo objeto). Outra propriedade do esquema é a ampliação do campo de aplicação, também chamada de assimilação generalizadora (a criança não pega apenas um objeto, pega outros que estão por perto). Através da discriminação progressiva dos objetos, da capacidade chamada de assimilação recognitiva ou reconhecedora, a criança identifica os objetos que pode ou não pegar, que podem ou não dar algum prazer à ela.
FARIA (op.cit.) salienta que os fatores responsáveis pelo desenvolvimento, segundo Piaget, são: maturação; experiência física e lógico-matemática; transmissão ou experiência social; equilibração; motivação; interesses e valores; valores e sentimentos. A aprendizagem é sempre provocada por situações externas ao sujeito, supondo a atuação do sujeito sobre o meio, mediante experiências. A aprendizagem será a aquisição que ocorre em função da experiência e que terá caráter imediato. Ela poderá ser: experiência física -
comporta ações diferentes em função dos objetos e consiste no desenvolvimento de ações sobre esses objetos para descobrir as propriedades que são abstraídas deles próprios, é o produto das ações do sujeito sobre o objeto; e experiência lógico-matemática – o sujeito age sobre os objetos de modo a descobrir propriedades e relações que são abstraídas de suas próprias ações, ou seja, resulta da coordenação das ações que o sujeito exerce sobre os objetos e da tomada de consciência dessa coordenação. Essas duas experiências estão inter-relacionadas, uma é condição para o surgimento da outra.
Para que ocorra uma adaptação ao seu ambiente, o indivíduo deverá equilibrar uma descoberta, uma ação com outras ações. A base do processo de equilibração está na assimilação e na acomodação, isto é, promove a reversibilidade do pensamento, é um processo ativo de auto-regulação. Piaget afirma que, para a criança adquirir pensamento e linguagem, deve passar por várias fases de desenvolvimento psicológico, partindo do individual para o social. Segundo ele, o falante passa por pensamento autístico, fala egocêntrica para atingir o pensamento lógico, sendo o egocentrismo o elo de ligação das operações lógicas da criança. No processo de egocentrismo, a criança vê o mundo a partir da perspectiva pessoal, assimilando tudo para si e ao seu próprio ponto de vista, estando o pensamento e a linguagem centrados na criança.
Para Piaget, o desenvolvimento mental dá-se espontaneamente a partir de suas potencialidades e da sua interação com o meio. O processo de desenvolvimento mental é lento, ocorrendo por meio de graduações sucessivas através de estágios: período da inteligência sensório-motora; período da inteligência pré-operatória; período da inteligência operatória-concreta; e período da inteligência operatório-formal.
3. TEORIA DO DESENVOLVIMENTO DE HENRY WALLON
A criança, para Wallon, é essencialmente emocional e gradualmente vai constituindo-se em um ser sócio-cognitivo. O autor estudou a criança contextualizada, como uma realidade viva e total no conjunto de seus comportamentos, suas condições de existência.
Segundo GALVÃO (2000), Wallon argumenta que as trocas relacionais da criança com os outros são fundamentais para o desenvolvimento da pessoa. As crianças nascem imersas em um mundo cultural e simbólico, no qual ficarão envolvidas em um "sincretismo subjetivo", por pelo menos três anos. Durante esse período, de completa indiferenciação entre a criança e o ambiente humano, sua compreensão das coisas dependerá dos outros, que darão às suas ações e movimentos formato e expressão.
Antes do surgimento da linguagem falada, as crianças comunicam-se e constituem-se como sujeitos com significado, através da ação e interpretação do meio entre humanos, construindo suas próprias emoções, que é seu primeiro sistema de comunicação expressiva. Estes processos comunicativos-expressivos acontecem em trocas sociais como a imitação. Imitando, a criança desdobra, lentamente, a nova capacidade que está a construir (pela participação do outro ela se diferenciará dos outros) formando sua subjetividade. Pela imitação, a criança expressa seus desejos de participar e se diferenciar dos outros constituindo-se em sujeito próprio.
Wallon propõe estágios de desenvolvimento, assim como Piaget, porém, ele não é adepto da idéia de que a criança cresce de maneira linear. O desenvolvimento humano tem momentos de crise, isto é, uma criança ou um adulto não são capazes de se desenvolver sem conflitos. A criança se desenvolve com seus conflitos internos e, para ele, cada estágio estabelece uma forma específica de interação com o outro, é um desenvolvimento conflituoso.
No início do desenvolvimento existe uma preponderância do biológico e após o social adquire maior força. Assim como Vygotsky, Wallon acredita que o social é imprescindível. A cultura e a linguagem fornecem ao pensamento os elementos para evoluir, sofisticar. A parte cognitiva social é muito flexível, não existindo linearidade no desenvolvimento, sendo este descontínuo e, por isso, sofre crises, rupturas, conflitos, retrocessos, como um movimento que tende ao crescimento.
De acordo com GALVÃO (op.cit.), no primeiro ano de vida, a criança interage com o meio regida pela afetividade, isto é, o estágio impulsivo-emocional, definido pela simbiose afetiva da criança em seu meio social. A criança começa a negociar, com seu mundo sócio-afetivo, os significados próprios, via expressões tônicas. As emoções intermediam sua relação com o mundo.
Do estágio sensório-motor ao projetivo (1 a 3 anos), predominam as atividades de investigação, exploração e conhecimento do mundo social e físico. No estágio sensório-motor, permanece a subordinação a um sincretismo subjetivo (a lógica da criança ainda não está presente). Neste estágio predominam as relações cognitivas da criança com o meio. Wallon identifica o sincretismo como sendo a principal característica do pensamento infantil. Os fenômenos típicos do pensamento sincrético são: fabulação, contradição, tautologia e elisão.
Na gênese da representação, que emerge da imitação motora-gestual ou motricidade emocional, as ações da criança não mais precisarão ter origem na ação do outro, ela vai “desprender-se” do outro, podendo voltar-se para a imitação de cenas e acontecimentos, tornando-se habilitada à representação da realidade. Este salto qualitativo da passagem do ato imitativo concreto e a representação é chamado de simulacro. No simulacro, que é a imitação em ato, forma-se uma ponte entre formas concretas de significar e representar e níveis semióticos de representação. Essa é a forma pela qual a
criança se desloca da inteligência prática ou das situações para a inteligência verbal ou representativa.
Dos 3 aos 6 anos, no estágio personalístico, aparece a imitação inteligente, a qual constrói os significados diferenciados que a criança dá para a própria ação. Nessa fase, a criança está voltada novamente para si própria. Para isso, a criança coloca-se em oposição ao outro num mecanismo de diferenciar-se. A criança, mediada pela fala e pelo domínio do “meu/minha”, faz com que as idéias atinjam o sentimento de propriedade das coisas. A tarefa central é o processo de formação da personalidade. Aos 6 anos a criança passa ao estágio categorial trazendo avanços na inteligência. No estágio da adolescência, a criança volta-se a questões pessoais, morais, predominando a afetividade. Ainda conforme GALVÃO, é nesse estágio que se intensifica a realização das diferenciações necessárias à redução do sincretismo do pensamento. Esta redução do sincretismo e o estabelecimento da função categorial dependem do meio cultural no qual está inserida a criança.
4. TEORIA DO DESENVOLVIMENTO DE LEV S. VYGOTSKY
Para Vygotsky, a criança nasce inserida num meio social, que é a família, e é nela que estabelece as primeiras relações com a linguagem na interação com os outros. Nas interações cotidianas, a mediação (necessária intervenção de outro entre duas coisas para que uma relação se estabeleça) com o adulto acontece espontaneamente no processo de utilização da linguagem, no contexto das situações imediatas.
Essa teoria apóia-se na concepção de um sujeito interativo que elabora seus conhecimentos sobre os objetos, em um processo mediado pelo outro. O conhecimento tem gênese nas relações sociais, sendo produzido na intersubjetividade e marcado por condições culturais, sociais e históricas.
Segundo Vygotsky, o homem se produz na e pela linguagem, isto é, é na interação com outros sujeitos que formas de pensar são construídas por meio da apropriação do saber da comunidade em que está inserido o sujeito. A relação entre homem e mundo é uma relação mediada, na qual, entre o homem e o mundo existem elementos que auxiliam a atividade humana. Estes elementos de mediação são os signos e os instrumentos. O trabalho humano, que une a natureza ao homem e cria, então, a cultura e a história do homem, desenvolve a atividade coletiva, as relações sociais e a utilização de instrumentos. Os instrumentos são utilizados pelo trabalhador, ampliando as possibilidades de transformar a natureza, sendo assim, um objeto social.
Os signos também auxiliam nas ações concretas e nos processos psicológicos, assim como os instrumentos. A capacidade humana para a linguagem faz com que as crianças providenciem instrumentos que auxiliem na solução de tarefas difíceis, planejem uma solução para um problema e controlem seu comportamento. Signos e palavras são para as crianças um meio de contato social com outras pessoas. Para Vygotsky, signos são meios que auxiliam/facilitam uma função psicológica superior (atenção voluntária, memória lógica, formação de conceitos, etc.), sendo capazes de transformar o funcionamento mental. Desta maneira, as formas de mediação permitem ao sujeito realizar operações cada vez mais complexas sobre os objetos.
Segundo Vygotsky, ocorrem duas mudanças qualitativas no uso dos signos: o processo de internalização e a utilização de sistemas simbólicos. A internalização é relacionada ao recurso da repetição onde a criança apropria-se da fala do outro, tornando-a sua. Os sistemas simbólicos organizam os signos em estruturas, estas são complexas e articuladas. Essas duas mudanças são essenciais e evidenciam o quanto são importantes as relações sociais entre os sujeitos na construção de processos psicológicos e no desenvolvimento dos processos mentais superiores. Os signos internalizados são compartilhados pelo grupo social, permitindo o
aprimoramento da interação social e a comunicação entre os sujeitos. As funções psicológicas superiores aparecem, no desenvolvimento da criança, duas vezes: primeiro, no nível social (entre pessoas, no nível interpsicológico) e, depois, no nível individual (no interior da criança, no nível intrapsicológico). Sendo assim, o desenvolvimento caminha do nível social para o individual.
Como visto, exige-se a utilização de instrumentos para transformar a natureza e, da mesma forma, exige-se o planejamento, a ação coletiva, a comunicação social. Pensamento e linguagem associam-se devido à necessidade de intercâmbio durante a realização do trabalho. Porém, antes dessa associação, a criança tem a capacidade de resolver problemas práticos (inteligência prática), de fazer uso de determinados instrumentos para alcançar determinados objetivos. Vygotsky chama isto de fase pré-verbal do desenvolvimento do pensamento e uma fase pré-intelectual no desenvolvimento da linguagem.
Por volta dos 2 anos de idade, a fala da criança torna-se intelectual, generalizante, com função simbólica, e o pensamento torna-se verbal, sempre mediado por significados fornecidos pela linguagem. Esse impulso é dado pela inserção da criança no meio cultural, ou seja, na interação com adultos mais capazes da cultura que já dispõe da linguagem estruturada. Vygotsky destaca a importância da cultura; para ele, o grupo cultural fornece ao indivíduo um ambiente estruturado onde os elementos são carregados de significado cultural.
Os significados das palavras fornecem a mediação simbólica entre o indivíduo e o mundo, ou seja, como diz VYGOTSKY (1987), é no significado da palavra que a fala e o pensamento se unem em pensamento verbal. Para ele, o pensamento e a linguagem iniciam-se pela fala social, passando pela fala egocêntrica, atingindo a fala interior que é pensamento reflexivo.
A fala egocêntrica emerge quando a criança transfere formas sociais e cooperativas de comportamento para a esfera das funções psíquicas interiores e pessoais. No início do desenvolvimento, a fala do outro dirige a ação e a atenção da criança. Esta vai usando a fala de forma a afetar a ação do outro. Durante esse processo, ao mesmo tempo que a criança passa a entender a fala do outro e a usar essa fala para regulação do outro, ela começa a falar para si mesma. A fala para si mesma assume a função auto-reguladora e, assim, a criança torna-se capaz de atuar sobre suas próprias ações por meio da fala. Para Vygotsky, o surgimento da fala egocêntrica indica a trajetória da criança: o pensamento vai dos processos socializados para os processos internos.
A fala interior, ou discurso interior, é a forma de linguagem interna, que é dirigida ao sujeito e não a um interlocutor externo. Esta fala interior, se desenvolve mediante um lento acúmulo de mudanças estruturais, fazendo com que as estruturas de fala que a criança já domina, tornem-se estruturas básicas de seu próprio pensamento. A fala interior não tem a finalidade de comunicação com outros, portanto, constitui-se como uma espécie de “dialeto pessoal”, sendo fragmentada, abreviada.
A relação entre pensamento e palavra acontece em forma de processo, constituindo-se em um movimento contínuo de vaivém do pensamento para a palavra e vice-versa. Esse processo passa por transformações que, em si mesmas, podem ser consideradas um desenvolvimento no sentido funcional. VYGOTSKY (op.cit.) diz que o pensamento nasce através das palavras. É apenas pela relação da criança com a fala do outro em situações de interlocução, que a criança se apropria das palavras, que, no início, são sempre palavras do outro. Por isso, é fundamental que as práticas pedagógicas trabalhem no sentido de esclarecer a importância da fala no processo de interação com o outro.
Segundo VYGOTSKY (1989), a aprendizagem tem um papel fundamental para o desenvolvimento do saber, do conhecimento. Todo e qualquer processo de aprendizagem é ensino-aprendizagem, incluindo aquele que aprende, aquele que ensina e a relação entre eles. Ele explica esta conexão entre desenvolvimento e aprendizagem através da zona de desenvolvimento proximal (distância entre os níveis de desenvolvimento potencial e nível de desenvolvimento real), um “espaço dinâmico” entre os problemas que uma criança pode resolver sozinha (nível de desenvolvimento real) e os que deverá resolver com a ajuda de outro sujeito mais capaz no momento, para em seguida, chegar a dominá-los por si mesma (nível de desenvolvimento potencial).
5. O INTERACIONISMO E A MEDIAÇÃO DAS NOVAS TECNOLOGIAS NA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO ESCOLAR
A integração de novas tecnologias nas escolas precisa dar ênfase na importância do contexto sócio-histórico-cultural em que os alunos vivem e a aspectos afetivos que suas linguagens representam. O uso de computadores como um meio de interação social, onde o conflito cognitivo, os riscos e desafios e o apoio recíproco entre pares está presente, é um meio de desenvolver culturalmente a linguagem e propiciar que a criança construa seu próprio conhecimento. Segundo RICHTER (2000), as crianças precisam correr riscos e desafios para serem bem sucedidas em seu processo de ensino-aprendizagem, produzindo e interpretando a linguagem que está além das certezas que já tem sobre a língua.
Vygotsky valoriza o trabalho coletivo, cooperativo, ao contrário de Piaget, que considera a criança como construtora de seu conhecimento de forma individual. O ambiente computacional proporciona mudanças qualitativas na zona de desenvolvimento proximal do aluno, os quais não acontecem com muita freqüência em salas de aula “tradicionais”. A colaboração entre crianças pressupõe um trabalho de parceria conjunta para produzir algo que não poderiam produzir individualmente.
A zona de desenvolvimento proximal, comentada anteriormente, possibilita a interação entre sujeitos, permeada pela linguagem humana e pela linguagem da máquina, força o desempenho intelectual porque faz os sujeitos reconhecerem e coordenarem os conflitos gerados por uma situação problema, construindo um conhecimento novo a partir de seu nível de competência que se desenvolve sob a influência de um determinado contexto sócio-histórico-cultural. Wallon também acredita que o processo de construção do conhecimento passa por conflitos, momentos de crises e rupturas.
A colaboração em um ambiente computacional torna-se visível e constante, vinda do ambiente livre e aberto ao diálogo, da troca de idéias, onde a fala tem papel fundamental na aplicação dos conteúdos. A interação entre o parceiro sentado ao lado, entre o computador, os conhecimentos, os professores que seguem o percurso da construção do conhecimento, e até mesmo os outros colegas que, apesar de estarem envolvidos com sua procura, pesquisa, navegação, prestam atenção ao que acontece em sua volta, gera uma grande equipe que busca a produção do conhecimento constantemente. Através disso tudo a criança ganhará mais confiança para produzir algo, criar mais livremente, sem medo dos erros que possa cometer, aumentando sua auto-confiança, sua auto-estima, na aceitação de críticas, discussões de um trabalho feito pelos seus próprios pares.
As novas tecnologias não substituem o professor, mas modificam algumas de suas funções. O professor transforma-se agora no estimulador da curiosidade do aluno por querer conhecer, por pesquisar, por buscar as informações. Ele coordena o processo de apresentação dos resultados pelos alunos, questionando os dados apresentados, contextualizando os resultados, adaptando-os para a realidade dos alunos. O professor pode estar mais próximo dos alunos, receber mensagens via e-mail com dúvidas, passar informações complementares para os alunos, adaptar a aula para o ritmo de cada um. Assim sendo, o processo de ensino-aprendizagem
ganha um dinamismo, inovação e poder de comunicação até agora pouco utilizados.
As crianças também podem utilizar o E-mail para trocar informações, dúvidas com seus colegas e professores, tornando o aprendizado mais cooperativo. O uso do correio eletrônico proporciona uma rica estratégia para aumentar as habilidades de comunicação, fornecendo ao aluno oportunidades de acesso a culturas diversas, aperfeiçoando o aprendizado em várias àreas do conhecimento.
O uso da Internet, ou seja, o hiperespaço, é caracterizado como uma forma de comunicação que propicia a formação de um contexto coletivizado, resultado da interação entre participantes. Conectar-se é sinônimo de interagir e compartilhar no coletivo. A navegação em sites transforma-se num jogo discursivo em que significados, comportamentos e conhecimentos são criticados, negociados e redefinidos. Este jogo comunicativo tende a reverter o “monopólio” da fala do professor em sala de aula.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desta forma, a implantação de novas tecnologias na escola deve ser mediada por atitudes pedagógicas que permitam formar o cidadão que ocupará seu lugar neste novo espaço. As tecnologias, dentro de um projeto pedagógico inovador, facilitam e estimulam o processo de ensino-aprendizagem. Neste sentido, a hipermídia introduz a interatividade no aprendizado, propiciando o diálogo ativo com o mundo do conhecimento, apresentando informações através de um contínuo canal de escolhas individuais. Ela nos permite navegar e determinar os caminhos a seguir de acordo com nossos interesses e nosso próprio ritmo. Enfim, é descoberta, é pesquisa, é conhecimento, é participação, sensibilizando assim, para novos assuntos, novas informações, diminuindo a rotina e nos ligando com o mundo, trocando
experiências entre si, conhecendo-se, comunicando-se, enfim, educando-se.
RICHTER (op.cit.), ao referir-se ao interacionismo, observa a necessidade de se dar ênfase à interação conversacional entre as crianças, para terem, com isso, acesso a input significativo e compreensivo (agir sobre uma mensagem para verificar o que entendeu sobre determinado assunto), com vistas à chegarem à negociação de sentidos (expressar e esclarecer intenções, pensamentos, opiniões). Através dessa negociação de sentidos, a criança poderá produzir uma nova mensagem sobre o que realmente entendeu (output).
Portanto, é no ensino fundamental que deve começar o processo de conscientização de professores e alunos no sentido de buscar e usar a informação, na direção do enriquecimento intelectual, na auto-instrução. Isso significa que não podemos admitir, nos tempos de hoje, um professor que seja um mero repassador de informações. O que se exige, é que ele seja um criador de ambientes de aprendizagem, parceiro e colaborador no processo de construção do conhecimento, que se atualize continuamente.
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DAVIS, CLÁUDIA. "O construtivismo de Piaget e o sócio-interacionismo de Vygotsky". In: Anais: I Seminário Internacional de Alfabetização & Educação Científica. Ijuí: UNIJUÍ, 1993.
FARIA, ANÁLIA RODRIGUES DE. Desenvolvimento da criança e do adolescente segundo Piaget. 4ª. ed. São Paulo : Ática, 1998. Capítulos 1 e 3.
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MOLL, LUIS C. Vygotsky e a educação: implicações pedagógicas da psicologia sócio- histórica. Porto Alegre : Artes Médicas, 1996.OLIVEIRA, MARTA KOHL DE. "O pensamento e a linguagem na perspectiva sócio-histórica". In: Anais: I Seminário Internacional de Alfabetização & Educação Científica. Ijuí : UNIJUÍ, 1993.
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PRETTO, NELSON DE LUCA. "A educação num mundo de comunicação". In: Uma escola com/sem futuro. Campinas: Papirus, 1996. (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico). pp. 97-120.
RICHTER, MARCOS GUSTAVO. Ensino do português e interatividade. Santa Maria: Ed. UFSM, 2000.136 p.
SCHAFFER, MARGARETH. "O construtivismo-interacionista e as novas intersecções". In: Anais: I Seminário Internacional de Alfabetização & Educação Científica. Ijuí : UNIJUÍ, 1993.
MARIA CECÍLIA GÓES; ANA LUIZA SMOLKA (orgs.) A significação nos espaços educacionais: interação social e subjetivação. Campinas: Papirus, 1997. (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico). 179 p.SMOLKA, ANA LUIZA B. et al. Leitura e desenvolvimento da linguagem. Porto Alegre : Mercado Aberto, 1989. (Série Novas Perspectivas). 69p.
TAJRA, SANMYA FEITOSA. Informática na educação: novas ferramentas pedagógicas para o professor da atualidade. 2ª.ed. São Paulo: Érica, 2000. 143 p.
VERÍSSIMO, MARA RÚBIA ALVES MARQUES. "O materialismo histórico e dialético nas abordagens de Vygotsky e Wallon acerca do pensamento e da linguagem". In: Educação e filosofia, v.10, n.19, p.129-143, jan./jun. 1996.
VYGOTSKY, LEV S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987. 135 p. (Coleção Psicologia e Pedagogia).
VYGOTSKY, LEV S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 3ª.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989. 168p. (ColeçãoPsicologia e Pedagogia. Nova Série).
Revista Brasileira de Ensino de FísicaPrint version ISSN 1806-1117
Rev. Bras. Ensino Fís. vol.26 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2004http://dx.doi.org/10.1590/S1806-11172004000400002
CARTA AO EDITOR
Por que, apesar do grande avanço da pesquisa acadêmica sobre ensino de Física no Brasil, ainda há pouca aplicação dos resultados em sala de aula?
Segundo Moreira [1], a questão da aprendizagem no ensino de Física começou a emergir no Brasil na década de setenta, logo após o período dos projetos curriculares para o Ensino Médio que envolviam diretamente ou indiretamente o ensino de Física, período classificado por ele como paradigma dos projetos. Para ele, o motivo da passagem relativamente efêmera deste paradigma parece que foi a falta de uma concepção de aprendizagem destes projetos, ou seja, eles foram muito claros em dizer como se deveria ensinar a Física, mas nada ou pouco disseram sobre como aprender Física. Conforme Moreira [1], a pesquisa sobre como aprender Física (a questão da aprendizagem) consolidou-se na década de oitenta com as investigações sobre concepções espontâneas, e hoje, se encontra em pleno vigor com um grande número de trabalhos e pesquisas bastante diversificadas: concepções espontâneas, mudança conceitual, resolução de problemas, representações mentais dos alunos, formação inicial e permanente de professores, etc.
Ainda na década de setenta, surgiram o Simpósio Nacional de Ensino de Física - SNEF (1970), as primeiras dissertações e teses em ensino de Física no Brasil (1972) e a Revista de Ensino de Física (1979), hoje (desde 1992), Revista Brasileira de Ensino de Física (RBEF), que se tornou um dos grandes veículos de divulgação e de publicação de trabalhos científicos e didáticos relativos ao ensino de Física; até então, não havia uma revista especializada na área (Pena e Freire Jr. [2]).
Nos anos oitenta surgiram o Caderno Catarinense de Ensino de Física (1984), hoje (desde 2002), Caderno Brasileiro de Ensino de Física (CBEF) - que também se tornou um dos grandes desaguadores e referências para a pesquisa em ensino de Física no Brasil - e o Encontro de Pesquisa em Ensino de Física - EPEF (1986).
Mais tarde, a partir da década de noventa, nasceram a Revista Ciência & Educação (1995), Revista Investigações em Ensino de Ciências (1996), o Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências - ENPEC (1997) e as revistas Ensaio - Pesquisa em Educação em Ciências (1999), a Física na Escola (2000) e ABRAPEC (2001). Periódicos e evento que, juntamente com RBEF, CBEF e as atas do SNEF e EPEFs, vêm sendo os principais disseminadores dos resultados da pesquisa em ensino de Física no Brasil.
Apesar do grande avanço da pesquisa acadêmica sobre ensino de Física no Brasil, no sentido da compreensão dos problemas relativos ao ensino dessa Ciência, e da existência de um sistema de divulgação (periódicos, eventos, dissertações, teses, cursos de pós-graduação etc), ainda há pouca aplicação desses resultados em sala de aula. Isto pode ser observado no trabalho de Marandino [3] quando coloca que mesmo com a crescente produção da pesquisa em ensino de Ciências e apesar da ampliação do número de experiências que incorporam os resultados das pesquisas do campo educacional, tais resultados ainda encontram resistências à sua aplicação na prática pedagógica, visto que a prática concreta dos professores na área ainda é marcada por perspectivas tradicionais de ensino e aprendizagem, seja por motivos políticos e econômicos da própria educação, seja por problemas na própria formação do professor de Ciências.
Megid e Pacheco [4] antecipam a colocação de Marandino [3] quando dizem que não basta simplesmente transferir os resultados da pesquisa para o professor, que é preciso que o professor circunstancie e transforme tais resultados frente a sua realidade escolar, a realidade de seus alunos, as suas convicções metodológicas, políticas e ideológicas, caso não tenha participado efetivamente da produção e análise desses resultados. Questão já sinalizada no trabalho de Mortimer [5] -
quando diz que um tipo de problema que vem sendo apontado nas estratégias de ensino construtivista é a dificuldade na preparação de professores para atuar segundo essa perspectiva, e que a aplicação dessas estratégias em sala de aula tem resultado numa relação de custo-benefício altamente desfavorável, gastando-se muito tempo com poucos conceitos, e muitas vezes não resultando na construção de conceitos científicos, mas na reafirmação do senso comum - e no trabalho de Carvalho e Vannuchi [6] quando chamam a atenção sobre a assimetria encontrada entre a significativa incidência de proposições no sentido do uso da história e filosofia da ciência no ensino de Ciências, e o pequeno número de experiências de sala de aula com essa abordagem.
Para Rosa [7] parece necessário o desenvolvimento de pesquisas que nos indiquem que conhecimentos a pesquisa em ensino de Ciências conseguiu gerar até momento, e que podem ser traduzidos na forma de instruções para o ensino das diversas Ciências.
Moreira [1] alerta que não se pode esperar que a pesquisa em ensino de Física aponte soluções milagrosas, ou panacéias, para o ensino em sala de aula, alegando que boa parte da pesquisa em ensino de Física é básica e não visa aplicabilidade imediata em sala de aula.
Studart [8] discute o tema realçando pontos como a definição de critérios que permitam ao docente avaliar a utilidade e o possível impacto da pesquisa na melhoria da qualidade do processo de ensino/aprendizagem; a diferença entre pesquisa em ensino de Física e pesquisa em Física; e o preconceito, por parte dos não pesquisadores em ensino de Física, contra qualquer mudança substancial no ensino.
Delizoicov [9] enfatiza a necessidade de se conceber a pesquisa em ensino de Ciências como Ciências humanas aplicadas. Para ele isto significa, dentre outros aspectos, considerar o impacto dos resultados de pesquisa em ensino de Ciências no âmbito da educação escolar. Ou seja, responder a seguinte questão: qual é o retorno, em termos de usos e aplicações, dos resultados de pesquisa em ensino de Ciências para alterações significativas das práticas educativas na escola?
Segundo Delizoicov [9], para o exame desse problema, três aspectos, pelo menos, precisam ser analisados: o teor das pesquisas; o uso dos resultados das pesquisas nos cursos de formação, tanto enquanto subsídios para a atuação do docente formador de professores, como conteúdo a ser incluído no currículo de formação; e o uso dos resultados em cursos de formação continuada de professores. Ele crê que o possível anacronismo de docentes formadores relativos à produção em ensino de Ciências não se deve a simples rejeição ou preconceitos em relação à área, ainda que eles existam, e pensa que uma pesquisa, tendo como foco o impacto da produção da área na atuação do docente formador, forneceria elementos elucidativos da importância da pesquisa em ensino de Ciências.
Relativamente à formação continuada, Delizoicov [9] coloca que nos últimos anos tem havido múltiplas iniciativas, bem como alguma discussão sobre a temática, mas que resta avaliar o que elas têm significado em termos de modificação da prática docente e da incorporação pelos envolvidos no processo de formação dos resultados de pesquisa em ensino de Ciências, eventualmente empregados, e que tais cursos, quando não planejados juntamente com o professor e desconsiderando as condições em que está atuando na escola, têm pouca influência na implantação de novas práticas na perspectiva de almejar mudanças. Ele ainda diz que é preciso tratar com alguma parcimônia as críticas ao problema do débil retorno dos resultados da pesquisa em ensino de Ciências para a sala de aula. Primeiro, porque o pesquisador está sujeito, de alguma forma, dependendo do seu engajamento em processos de intervenção nas duas instâncias formadoras, a um contexto sobre o
qual não tem controle. Segundo, porque o impacto dos resultados de pesquisa em ensino de Ciências em práticas educativas no interior da escola ou de redes de ensino é bastante diferenciado, não tendo um único padrão como referência, isto é, que qualquer tipo de pesquisa possa estar mantendo essa distância. Por último, que o teor das pesquisas de algum modo tem relação com esse problema.
Por um lado, fica claro que a pesquisa em ensino de Física avançou bastante na identificação de muitos dos problemas que assolam o ensino de Física e na apresentação de propostas de intervenção e subsídios para ação pedagógica do professor em sala de aula com vista à formulação de tentativas de superação desses problemas (Megid e Pacheco [4]). Por outro lado, pouco avançou na questão da aplicação dos resultados de pesquisa em sala de aula.
Portanto, faz-se necessário - para responder a pergunta intitulada neste texto - identificar os resultados de pesquisa em ensino de Física que vêm sendo aplicados em sala de aula, bem como investigar o que favorece e o que dificulta a aplicação de tais resultados.
Fábio Luís Alves Pena - IF/UFBA
Referências
[1] M. Moreira, Rev. Bras. Ens. Fis. 22, 1 (2000).
[2] F.L.A. Pena e Freire Jr, in 4o Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, CD - ROM, Bauru, SP (2003).
[3] M. Marandino, Cad. Bras. Ens. Fis. 20, 2 (2003).
[4] J. Megid Neto e D. Pacheco, in: Pesquisas sobre o ensino de Física do 2º grau no Brasil - concepção e tratamento de problemas em teses e dissertações. Roberto Nardi (org.), Pesquisas em Ensino de Física(Escrituras, São Paulo, 1998).
[5] E.F. Mortimer, Rev. Inv. Ens. Cien. 1, 1 (1996).
[6] A.M.P. Carvalho e A. Vannuchi, Rev. Inv. Ens. Cien. 1, 1 (1996).
[7] P.R.S. Rosa, Cad. Bras. Ens. Fis. 16, 2 (1996).
[8] Editorial, Rev. Bras. Ens. Fis. 23, 3 (2001).
[9] D. Delizoicov, Cad. Bras. Ens. Fis. 21, 2 (2004).
Cad.Cat.Ens.Fis., v.14,n3: p.229-253, dez.1997. 229
SOBRE A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS NO ENSINO DA
FÍSICA+
Luiz O.Q. Peduzzi
Departamento de Física / Centro de Ciências Físicas e Matemáticas
Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências Naturais / Centro de
Ciências da Educação
Universidade Federal de Santa Catarina
Florianópolis, SC
Resumo
Este trabalho procura mostrar que a resolução de problemas de lápis e
papel, em física, não deve ser considerada pelo professor como uma
atividade na qual o aluno, por esforço próprio e sem qualquer
orientação específica, tenha necessariamente êxito se preparado
conceitualmente para tal . Constituindo-se em um segmento do ensino
com especificidades próprias e por vezes bastante peculiares, a
resolução de problemas, não somente em física mas também em outras
áreas do conhecimento, não pode ser alijada ou pouco considerada no
contexto geral das ações do professor como mediador do processo
ensino-aprendizagem. Uma ampla discussão sobre este assunto, em
sala de aula, seguramente resultará em um estudante melhor orientado
e mais consciente de suas ações junto a este importante componente da
sua aprendizagem em física.
I- Introdução
A resolução de problemas é de uma variedade infinitamente grande. Ela se
faz presente, rotineiramente, não apenas no trabalho dos cientistas e nas atividades
escolares dos estudantes, mas no dia-a-dia das pessoas, em geral.
De uma forma bastante genérica, pode-se dizer que uma dada situação,
quantitativa ou não, caracteriza-se como um problema para um indivíduo quando,
+ Agradeço aos professores Marco Antonio Moreira, Arden Zylbersztajn, Sayonara Salvador
Cabral da Costa e Norberto Jacob Etges, pelas críticas e sugestões a este artigo.230 Peduzzi, L.O.Q.
procurando resolvê-la, ele não é levado à solução (no caso dela ocorrer) de uma forma
imediata ou automática. Isto é, quando, necessariamente, o solucionador se envolve em
um processo que requer reflexão e tomada de decisões sobre uma determinada
seqüência de passos ou etapas a seguir.
(1)
Em um exercício, por outro lado, independentemente de sua natureza, o que
se observa é o uso de rotinas automatizadas como conseqüência de uma prática
continuada. Ou seja, as situações ou tarefas com que o indivíduo se depara já são dele
conhecidas, não exigindo nenhum conhecimento ou habilidade nova, podendo, por isso
mesmo, ser superadas por meios ou caminhos habituais.
(2)
Deste modo, a distinção entre problema e exercício é bastante sutil, não
devendo ser especificada em termos absolutos. Ela é função do indivíduo (de seus
conhecimentos, da sua experiência etc.) e da tarefa que a ele se apresenta. Assim,
enquanto uma determinada situação pode representar um problema genuíno para uma
pessoa, para outra ela pode se constituir em um mero exercício.
Na escola, e notadamente no campo da matemática, por exemplo, muitas
situações que emergem inicialmente como problema para um indivíduo se transformam,
para ele próprio, em exercícios de aplicação da teoria, à medida que adquire e
desenvolve novos conhecimentos e habilidades.
É oportuno, aqui, destacar, e não desmerecer ou relevar a um segundo
plano, o papel do exercício nas tarefas escolares. É através dele que o estudante desenvolve e consolida habilidades. Este fato, no entanto, nem sempre fica claro ao aluno,
que muitas vezes considera enfadonho, cansativo e sem propósito a repetição
continuada de uma certa prática.
Neste sentido, cumpre ao professor realçar a importância e a função dos
exercícios e dos problemas em sua disciplina. Ao se empenhar nisso ele pode contribuir
para que seu aluno veja com outros olhos os exercícios e também se prepare melhor,
tanto do ponto de vista cognitivo como emocional, para se envolver em atividades mais
elaboradas, como as que caracterizam a resolução de problemas.
Infelizmente, a didática usual da resolução de problemas sofre de sérias
insuficiências. Particularmente na área do ensino da física, objeto das considerações
deste trabalho, o que se verifica é que o professor, ao exemplificar a resolução de
problemas, promove uma resolução linear, explicando a situação em questão como
algo cuja solução se conhece e que não gera dúvidas nem exige tentativas
(3)
. Ou seja,
ele trata os problemas ilustrativos como exercícios de aplicação da teoria e não como
verdadeiros problemas, que é o que eles representam para o aluno.
O entendimento destes problemas-exemplo ou problemas-tipo, pelo
estudante, que supostamente exigem o respaldo do conhecimento teórico do assunto
estudado, é visto pelo professor como condição suficiente para que o aluno se lance à
resolução dos problemas que lhe são propostos.Cad.Cat.Ens.Fis., v.14,n3: p.229-253, dez.1997. 231
Dentro desta concepção, as dificuldades do aluno com a resolução de
problemas são geralmente diagnosticadas, pelo professor, como estando relacionadas a
não compreensão, em níveis desejáveis, dos temas abordados e/ou a insuficientes
conhecimentos matemáticos. Quando se pergunta ao professor em atuação quais
podem ser as causas do fracasso generalizado na resolução de problemas de física,
raramente expõe razões que culpem a própria didática empregada.
(3)
Neste trabalho procura-se mostrar que a resolução de problemas de lápis e
papel, em física, não deve ser considerada pelo professor, com o consentimento passivo
do aluno, como uma atividade na qual este último, por esforço próprio, sem qualquer
orientação específica, tenha necessariamente êxito. Ao contrário! O que se vê em sala
de aula, tanto a nível de segundo grau quanto no ciclo básico do ensino universitário, é
que as dificuldades do estudante na transferência do que aprendeu à novas situações
são muito grandes.
Constituindo-se em um segmento do ensino com especificidades próprias e
por vezes bastante peculiares, a resolução de problemas, não somente em física mas
também em outras áreas do conhecimento, não pode ser alijada ou pouco considerada
no contexto geral das ações do professor como mediador do processo ensinoaprendizagem.
II - Fases ou estágios na resolução de problemas
Durante bastante tempo, como ressaltam Echeverría e Pozo
(4)
, estudos
psicológicos e suas aplicações educativas pareceram compartilhar a idéia de que a
resolução de problemas se baseia na aquisição de estratégias gerais, de forma que uma
vez adquiridas podem se aplicar, com poucas restrições, a qualquer tipo de problema.
Segundo este enfoque, ensinar a resolver problemas é proporcionar aos alunos essas
estratégias gerais, para que as apliquem cada vez que se encontrem com uma situação
nova ou problemática .
G.Wallas, em seu livro A arte do pensamento
(5)
, de 1926, sugere quatro
fases na solução de problemas:
Preparação - reunião de informações e tentativas preliminares de solução.
Incubação - abandono temporário do problema para envolvimento em outras
atividades.
Iluminação - a chave para a solução aparece (é onde ocorre o flash de insight ,
o aha! ).
Verificação - a solução obtida é testada para verificar a sua eficácia.
J.Dewey
(6)
, em 1910, enfatiza os seguintes aspectos envolvidos na resolu-
ção de problemas:232 Peduzzi, L.O.Q.
Um estado de dúvida, perplexidade cognitiva, frustração ou consciência da
dificuldade.
Uma tentativa para identificar o problema, para compreender o que se procura, isto é,
o objetivo a ser alcançado.
Relacionamento da situação-problema à estrutura cognitiva do solucionador, ativando
idéias de fundo relevante e soluções de problemas previamente alcançadas, que
geram proposições de solução ou hipóteses.
Comprovação sucessiva das hipóteses e reformulação do problema, se necessário.
Incorporação da solução bem sucedida à estrutura cognitiva (compreendendo-a) e sua
posterior aplicação ao problema em questão e a outros espécimes do mesmo
problema.
Também G.Polya, mais recentemente, em seu famoso livro A arte de
resolver problemas
(7)
propõe uma série de passos na solução de problemas, baseado em
observações que ele fez como professor de matemática, que não se limitam à didática de
seu campo específico de trabalho. Primeiro, temos de compreender o problema,
perceber claramente o que é necessário. Segundo, temos de ver como os diversos itens
estão inter-relacionados, como a incógnita está ligada aos dados, para termos a idéia
da resolução, para estabelecermos um plano. Terceiro, executamos o nosso plano.
Quarto, fazemos um retrospecto da resolução completa, revendo-a e discutindo-a.
(8)
Assim, segundo Polya, é preciso:
Compreender o problema: O solucionador reúne informações sobre o problema e
pergunta: O que se quer, o que é desconhecido? O que se tem, quais são os dados e
as condições? Se houver uma figura deve ser traçada, introduzindo-se notação
adequada para especificar os dados e a(s) incógnita(s).
Delinear um plano: O solucionador procura valer-se da sua experiência com outros
problemas para encaminhar a solução e pergunta: Conheço um problema correlato
que já foi antes resolvido? É possível utilizá-lo? Deve-se introduzir algum elemento
auxiliar para tornar possível a sua utilização? É difícil imaginar um problema
absolutamente novo, sem qualquer semelhança ou relação com algum outro que já
tenha sido objeto de estudo; se um tal problema pudesse existir, ele seria insolúvel.
De fato, ao resolver um problema, via de regra, aproveitamos alguma coisa de um
problema anteriormente solucionado, usando o seu resultado, ou o seu método, ou a
experiência adquirida ao resolvê-lo.
Se, contudo, não conseguir resolver o problema proposto, procure antes solucionar
algum problema correlato. É possível imaginar um problema correlato mais
acessível? Um problema mais genérico? Um problema mais específico? Um
problema análogo? É possível resolver uma parte do problema?Cad.Cat.Ens.Fis., v.14,n3: p.229-253, dez.1997. 233
Colocar em execução o plano: O solucionador experimenta o plano de solução,
conferindo cada passo.
O caminho que vai desde a compreensão do problema até o estabelecimento de um
plano pode ser longo e tortuoso. Executar o plano é muito mais fácil; paciência é o
de que mais se precisa. O plano, no entanto, proporciona apenas um roteiro geral.
Precisamos ficar convictos de que os detalhes inserem-se nesse roteiro e, para isto,
temos de examiná-los, um após outro, pacientemente, até que tudo fique
perfeitamente claro e que não reste nenhum recanto obscuro no qual possa ocultarse um erro.
Olhar restrospectivamente: O solucionador deve examinar a solução obtida. É
possível verificar o resultado, o argumento utilizado? É possível chegar ao
resultado por um caminho diferente? É possível utilizar o resultado, ou o método,
em algum outro problema?
Até mesmo bons alunos ao visualizarem a solução de um problema e escreverem a
sua demonstração passam rapidamente a um outro problema, ou então fecham os
livros e dedicam-se a um outro assunto. Assim procedendo, eles perdem uma fase
importante e instrutiva do trabalho da resolução. Se fizerem um retrospecto da
resolução completa, reconsiderando e reexaminando o resultado final e o caminho
que levou até este, eles poderão consolidar o seu conhecimento e aperfeiçoar a sua
capacidade de resolver problemas.
As fases de Polya, por exemplo, se fazem presentes nas sugestões de Reif e
outros
(9)
, relativamente à resolução de problemas de lápis e papel em física, quando
orientam o estudante a adotar os seguintes procedimentos:
Descrição: listar explicitamente os dados e a informação desejada. Fazer um
diagrama da situação (o resultado deste passo deve ser uma formulação clara do
problema).
Planejamento: selecionar as relações básicas pertinentes para a solução do problema
e delinear como serão usadas (o resultado deste passo deve ser um plano específico
para encontrar a solução).
Implementação: executar o plano precedente fazendo todos os cálculos necessários
(o resultado deste passo deve ser a solução do problema).
Conferência: certificar-se de que cada um dos passos precedentes seja válido e que a
solução final faça sentido (o resultado deste passo deve ser uma solução segura do
problema).
A identificação de fases ou etapas que permeiam a resolução de qualquer
problema, e que portanto não dependem explicitamente de conhecimentos e habilidades234 Peduzzi, L.O.Q.
específicas a uma determinada área do conhecimento, ao mesmo tempo que dá um tom
de unidade e homogeneidade a esta forma de conceber e abordar problemas, deixa
claramente transparecer as suas deficiências.
Não há como negar que do ponto de vista psicológico variáveis como
ansiedade, expectativas, intuição, sucesso, frustrações, etc. se fazem realmente
presentes em qualquer tarefa de resolução de problema. O mesmo pode ser dito de
parâmetros que sugerem ao solucionador uma certa organização ou melhor
posicionamento em relação à situação-problema, como ler o enunciado do problema
com atenção e circular a informação relevante, dividir o problema em partes ou subproblemas, analisar o resultado encontrado, etc.
Contudo, o que sem dúvida permite o acesso consciente e responsável do
indivíduo em tarefas de resolução de problemas é o conhecimento específico que possui
na área de abrangência do mesmo e de como este conhecimento se encontra organizado
e disponível em sua estrutura cognitiva. Afirmar, no entanto, que o aluno só deve
começar a resolver problemas depois de dominar inteiramente a teoria é partilhar do
erro de muitos professores que vêm a resolução de problemas como meros exercícios
de aplicação dos conteúdos estudados. Como bem ressalta Kuhn
(10)
, também se aprende
a teoria resolvendo problemas.
De qualquer modo, é importante enfatizar que a implementação prática das
quatro fases de Polya em problemas de matemática, ou das sugestões de Reif à
resolução de problemas de física, depende, fundamentalmente, do arcabouço teórico do
solucionador, sob pena de resultarem estéreis se o mesmo não for minimamente
adequado ou pertinente.
A pesquisa mais recente na área de resolução de problemas tem dado
bastante ênfase à relevância do conhecimento específico e da experiência acumulada em
tarefas que exigem do indivíduo a busca de uma solução sem um caminho imediato,
evidente, para a sua consecução.
Dos processos gerais úteis à solução de qualquer problema, passa-se,
particularmente, a ver com interesse a figura do perito ou expert como exemplo de
eficiência para a resolução de problemas num determinado domínio do conhecimento.
Ao se procurar caracterizar, em linhas gerais, como o especialista
(pesquisador ou professor) aborda e desenvolve experimentalmente uma situaçãoproblema na área das ciências naturais (física, química e biologia), por exemplo,
verifica-se que o procedimento típico deste profissional, em seu laboratório, é,
basicamente, o seguinte:
Primeiro, há a identificação do problema a ser tratado, propriamente dito.
Segue-se daí, entre outras coisas, a formulação de hipóteses e a construção de um
modelo da situação subjacente. A obtenção, processamento e interpretação dos dados
dão seqüência natural a este approach inicial. Isto é, os dados provenientes de umCad.Cat.Ens.Fis., v.14,n3: p.229-253, dez.1997. 235
criterioso delineamento experimental são organizados e representados graficamente
visando a sua quantificação. As limitações do experimento, o potencial dos resultados
obtidos, a pertinência da realização de um novo experimento envolvendo eventuais
correções de rumo ou mesmo a busca de uma confirmação e ampliação do escopo de
validade dos resultados alcançados são então analisados.
Do ponto de vista do ensino de laboratório nas ciências naturais, a adoção
deste procedimento leva a que se referendem leis já conhecidas ou que se proceda à sua
descoberta , conforme o enfoque dado pelo professor à atividade experimental. Ao
cientista, por seu turno, cabe uma análise criteriosa sobre a consistência dos resultados
obtidos e a pertinência da sua divulgação à comunidade científica.
Mas a ênfase na identificação e desenvolvimento de habilidades e
estratégias relacionadas ao ensino de laboratório, um capítulo certamente muito especial
dentro da didática da física, em particular, não é o objetivo deste trabalho. É sobre a
resolução de problemas de lápis e papel, no ensino da física, que se concentram as
discussões conduzidas nas próximas seções.
III - A contribuição do especialista no delineamento de estratégias para a
resolução de problemas de lápis e papel em física
Na área do ensino de física, a resolução de problemas pelo professor (e
também por certos estudantes que se destacam por seu desempenho acadêmico) deveria
apresentar-se, potencialmente, para muitos alunos, como um modelo a ser seguido.
Isto é, a observação atenta do aprendiz à forma como o especialista aborda
uma situação nova e utiliza os conhecimentos disponíveis para equacioná-la e proceder
à sua solução deveria, em princípio, ser suficiente para que o primeiro, dispondo de
conhecimento relevante e seguindo o exemplo do segundo, tivesse igual sucesso no
seu envolvimento com outras situações-problema.
As persistentes dificuldades dos estudantes na resolução de problemas de
física têm sistematicamente mostrado que isto não é o que ocorre na prática. Por quê?
Basicamente, porque a resolução de problemas não é vista pelo professor de
física como uma atividade que mereça, por si mesma, uma discussão mais específica de
sua parte. Paradoxalmente, no entanto, este mesmo professor elege a eficiência na
resolução de problemas como condição necessária e suficiente para a aprovação de seu
aluno (como atestam as extensas listas de problemas que o estudante recebe para
solucionar e as avaliações a que se submete, constituídas quase que exclusivamente de
problemas).
Deixando o ceticismo de lado e admitindo-se que há o que aprender em
relação à resolução de problemas, tanto da parte do professor, pela mudança de sua
postura didática em relação a este tema, quanto do aluno, que melhor orientado pode ter236 Peduzzi, L.O.Q.
um desempenho mais consciente e ser menos averso a este importante componente de
sua aprendizagem de física, cabe de imediato a pergunta: o que fazer, então, a este
respeito?
Pode-se, por exemplo, procurar investigar mais amiúde como o expert
resolve problemas, e a partir dos dados disponíveis aprofundar algumas discussões
neste sentido.
Assim, solicitar a um bom solucionador que pense alto enquanto resolve
um problema, ou que o solucione sem qualquer manifestação oral e depois exprima o
que fez e por que fez, pode trazer informações úteis sobre o processo de resolução. Em
qualquer dos casos, contudo, é preciso estar atento para as limitações dos registros
feitos.
Forçar um solucionador a pensar alto durante o seu envolvimento com um
problema pode levá-lo, consciente ou inconscientemente, a relatar apenas os passos ou
movimentos por ele julgados seguros ou pertinentes. A análise retrospectiva, por outro
lado, sem escapar a mesma crítica, torna pouco provável que considerações precisas de
comportamento, incluindo todos os processos cognitivos empregados, possam ser
reconstituídos pelo solucionador .
(11)
A observação crítica em sala de aula, que busca contrastar como situaçõesproblema são abordadas por alunos com diferentes graus de sucesso em relação às
mesmas, complementada por informações que advêm da comparação entre o
desempenho do aluno em testes e verificações de aproveitamento e a forma como
resolve os problemas que constam nestas avaliações, também contribui para que se
tenha uma melhor compreensão das diferenças existentes entre bons e maus
solucionadores e das dificuldades enfrentadas por muitos estudantes em relação a
resolução de problemas em física.
As pesquisas desenvolvidas a partir destas e de outras técnicas e
metodologias de investigação mostram que existem diferenças significativas em relação
a como bons e maus solucionadores, ou especialistas e novatos, resolvem problemas de
física
(12-16)
.
O modelo de Kramers-Pals e Pilot
(17)
(Fig.1), de aplicabilidade em diversas
áreas do conhecimento, segundo os seus autores, é bastante ilustrativo e sugestivo para
os propósitos do presente trabalho. Nele, as dificuldades mais freqüentemente
encontradas por estudantes com pouca experiência na resolução de problemas são
elencadas em função de quatro etapas bem distintas existentes no processo de resolução
de um problema: análise do problema, planejamento do processo de solução, execução
de operações de rotina e conferência da resposta e interpretação do resultado.
Além de deixar patente o mau posicionamento do novato frente a uma
situação-problema, este modelo também evidencia as limitações, e mesmo a ineficácia,Cad.Cat.Ens.Fis., v.14,n3: p.229-253, dez.1997. 237
da aprendizagem por imitação do novato pelo expert , ou do estudante pelo
professor, em tarefas de resolução de problemas.
Ocorre que durante o processo de solução de um problema pelo especialista
muitos dos passos por ele seguidos não se fazem perceptíveis ao observador atento,
pois são tomados mentalmente e de uma forma bastante abreviada. Usualmente, a única
parte passível de um acompanhamento mais detalhado é a que se refere a execução das
operações de rotina (fase 3, na Fig.1), isto é, os cálculos principais do problema. Na
fase1, a parte escrita limita-se freqüentemente ao rabisco de alguns dados. Na fase 2,
o loop 2b-2c não é em geral comentado, porque a maioria dos problemas são meras
rotinas para o professor (exercícios). A conferência dos resultados, tão usual ao
especialista, também é feita mentalmente. Como, então, podem os estudantes aprender
a fazerem uma cuidadosa análise do problema, a planejarem os passos relativos a
solução e a avaliarem os resultados se eles não vêem o professor fazendo isso?
(17)
Assim, não há dúvida de que cabe não apenas ao professor (devidamente
preparado para tal) mas também a textos didáticos (mais atentos aos resultados das
pesquisas educacionais) a tarefa de atuarem como mediadores para capacitar o
estudante a ter uma visão mais abrangente e crítica sobre a resolução de problemas em
física. Os estudos veiculados na literatura especializada em resolução de problemas
fornecem subsídios valiosos para este fim.
Com o objetivo de promover, didaticamente, uma discussão mais
pormenorizada sobre a resolução de problemas de lápis e papel no ensino da física
geral, apresenta-se, a seguir, a estrutura básica de uma estratégia supostamente adotada
por um bom solucionador no processo de resolução de um problema, comentando os
seus elementos constituintes na seção 5. Os itens que a compõem são, basicamente, os
apresentados por Peduzzi no grupo de trabalho F2 ( La solución de problemas y la
formación de profesores de Física ) da V Reunião Latino Americana de Ensino de
Física
(18)
. A sua aceitabilidade geral, entre os participantes, fez com que constassem no
item Algunas recomendaciones al alumno das recomendações gerais feitas por este
grupo.
Desde já, contudo, cabe ressaltar que uma dada estratégia,
independentemente de como esteja estruturada e de como seja utilizada, não pode ser
vista como uma receita-padrão para a solução de qualquer problema por qualquer
pessoa.
O número de variáveis envolvidas na resolução de problemas é, como se
viu, muito grande, já que o ato de solucionar, propriamente dito, não se relaciona
apenas com o conhecimento em si. A intuição, a criatividade, a perspicácia, ansiedades,
frustrações etc. do solucionador claramente interferem nesta atividade, contribuindo
para diferenciar as pessoas umas das outras.238 Peduzzi, L.O.Q.
Repetidas dificuldades de estudantes na
resolução de problemas quantitativos
não fazem uma boa leitura
começam a resolução
muito depressa
não conhecem exatamente 1. Análise do problema
qual é a incógnita
não possuem uma imagem
completa da situação-problema
2. Planejando
o processo
de resolução
confundem-se, não trabalham
sistematicamente
não conhecem
bem o assunto (estudado
não podem, portanto, relacionar
assunto ao problema em
cometem muitos erros 3. Execução de operações de rotina
não conferem as 4. Conferência da resposta e interpretação do resultado
suas respostas
Fig.1 - Um modelo interpretativo para a análise das dificuldades de
estudantes em relação a resolução de problemas.
2.a
Rotinas
Padrões?
2.b
Listando possíveis rela-
ções úteis; checando a
validade em relação
situação problema
2.c
Realizando as transformações necessárias
Não
SimCad.Cat.Ens.Fis., v.14,n3: p.229-253, dez.1997. 239
A recusa do cético ao exame dos elementos de uma estratégia, por
duvidar de sua eficácia geral, resulta, então, sem sentido, se a estratégia em questão
for vista como um elemento desencadeador de dois importantes processos: o de
pro-mover, como já foi dito, uma discussão que se faz realmente necessária sobre a
resolução de problemas e o de se constituir em uma fonte de possíveis subsídios e
inspiração para que o estudante desenvolva estratégias próprias para a resolução de
problemas.
IV - Uma estratégia para a resolução de problemas em física básica
A implementação da estratégia reúne as seguintes ações (que não estão
ordenadas por hierarquia ou ordem de importância) na abordagem de um problema
de física básica:
1. Ler o enunciado do problema com atenção, buscando à sua
compreensão;
2. Representar a situação-problema por desenhos, gráficos ou diagramas
para melhor visualizá-la;
3. Listar os dados (expressando as grandezas envolvidas em notação
simbólica);
4. Listar a(s) grandeza(s) incógnita(s) (expressando-a(s) em notação
simbólica);
5. Verificar se as unidades das grandezas envolvidas fazem parte de um
mesmo sistema de unidades; em caso negativo, estar atento para as transformações
necessárias;
6. Analisar qualitativamente a situação problema, elaborando as
hipóteses necessárias;
7. Quantificar a situação-problema, escrevendo uma equação de
definição, lei ou princípio em que esteja envolvida a grandeza incógnita e que seja
adequada ao problema;
8. Situar e orientar o sistema de referência de forma a facilitar a
resolução do problema;
9. Desenvolver o problema literalmente, fazendo as substituições
numéricas apenas ao seu final ou ao final de cada etapa;
10. Analisar criticamente o resultado encontrado;
11. Registrar, por escrito, as partes ou pontos chave no processo de
resolução do problema;240 Peduzzi, L.O.Q.
12. Considerar o problema como ponto de partida para o estudo de
novas situações-problema.
V - Comentários sobre a estratégia apresentada na seção anterior
Para fins didáticos, examina-se, agora, os componentes da estratégia
apresentada na seção anterior sob a ótica do especialista (professor), que,
concordando com a sua estrutura geral, tenta sensibilizar o novato (no caso, o
estudante iniciante e interessado) à consideração de seus itens.
O primeiro quesito da estratégia enfatiza a importância da leitura
cuidadosa do enunciado de um problema. É através dele que o solucionador toma
contato com as condições de partida do problema e tem conhecimento das metas a
serem atingidas. Por isso, o enunciado deve ser objeto de toda a atenção possível
para não serem desconsideradas informações relevantes nele contidas. A sua
compreensão é portanto fundamental. De fato, é uma tolice responder a uma
pergunta que não tenha sido compreendida
(19)
. Tolice ainda maior é abordar um
problema sem querer, de fato, resolvê-lo.
A leitura do enunciado deve ser acompanhada, naturalmente, das
primeiras tentativas de visualização e de delineamento do problema. Deste modo, o
item dois da estratégia sugere ao solucionador que esboce um desenho ou diagrama
da situação física considerada com o objetivo de evitar abstrações desnecessárias
que podem ser prejudiciais ao desenvolvimento do problema. Fazer desenhos,
gráficos ou diagramas na fase inicial ou de formulação de um problema é uma
praxe que se mostra muito mais freqüente entre bons solucionadores do que entre
aqueles que não detêm igual sucesso na resolução de problemas.
(12,14)
Na forma convencional, em geral apresentada pelos livros de texto e
utilizada pelo professor, um problema de física encontra-se especificado em termos
de um conjunto bem estruturado de informações - os dados do problema -
juntamente com o que se deseja atingir com as informações disponíveis - os
objetivos ou metas do problema. Assim, no que diz respeito a organização do
problema, pode ser conveniente listar os dados e as grandezas incógnitas (itens 3 e 4
da estratégia), expressando-os em notação pertinente, para se ter fácil acesso, em
qualquer etapa da resolução, acerca do que se dispõe e do que se necessita
determinar. Inserir dados, e mesmo incógnitas, nos diagramas apresentados pelo
problema ou naqueles elaborados pelo solucionador pode ser de grande utilidade.
A partir dos dados, explicitamente apresentados nos problemas
numéricos, isto é, não literais, verifica-se a vantagem de trabalhar neste ou naquele
sistema de unidades, caso as grandezas envolvidas não possuam unidades expressasCad.Cat.Ens.Fis., v.14,n3: p.229-253, dez.1997. 241
em um mesmo sistema. Algumas vezes pode ser interessante efetuar, de imediato,
as transformações necessárias para se ter uma idéia mais clara das intensidades
relativas das grandezas envolvidas ou, mesmo, para evitar possíveis esquecimentos
quando da substituição das mesmas pelos seus correspondentes valores numéricos
nas equações do problema. Muitas vezes, contudo, simplificações de termos ou de
unidades podem tornar desnecessária esta tarefa de transformação.
Estes primeiros itens da estratégia, que dependendo da natureza do
problema exigem uma maior ou menor aplicação do solucionador para a sua
implementação, procuram incentivar o estudante a dar início ao problema,
auxiliando-o na sua formulação. Um começo, mesmo incipiente, representa, por si,
uma mudança significativa em relação à atitude de leitura e desistência que se
apodera de muitos alunos quando se envolvem com a resolução de problemas em
física. Este procedimento inicial, enfim, pode e deve direcionar a atenção do
solucionador para o que propõe o próximo item da estratégia.
O item seis da estratégia sugere uma analise qualitativa do problema, a
fim de delineá-lo o mais claramente possível, antes de passar à sua quantificação,
isto é, antes de se lidar com as equações que permitirão resolvê-lo. Considerações
sobre a constância desta ou daquela grandeza, as aproximações envolvidas, a
aplicabilidade de leis e princípios implicados, etc., exemplificam aspectos de um
problema que, levados em conta em uma discussão inicial, contribuem para que se
desenvolva uma melhor clareza e compreensão da situação tratada.
Esta discussão qualitativa, em nível mais aprofundado, é a que se busca,
propositadamente, em problemas não convencionais, de enunciados abertos ou
semi-abertos. Nestes casos, o enunciado não se constitui em uma fonte completa de
informações, isto é, não apresenta os dados usuais de que se necessita para
resolver o problema, como ocorre nos de enunciados fechados - os tradicionais.
Assim, um enunciado do tipo Calcule o tempo em que se dará o
encontro entre um automóvel e um carro de polícia que se lança em sua
perseguição exemplifica um enunciado aberto, em contraste com um enunciado
fechado que, envolvendo situação análoga, apresentaria uma descrição completa da
mesma, especificando, para o cálculo do tempo de encontro dos veículos, a
separação inicial entre eles, suas respectivas velocidades e os tipos de movimentos.
Os problemas sem dados no enunciado obrigam os alunos a fazer hipóteses, a
imaginar quais devem ser os parâmetros pertinentes e de que forma intervêm. São
as hipóteses que focalizam e orientam a solução.
(3)
Já a estrutura rígida de um
enunciado fechado dá pouca, ou nenhuma, margem para a emissão de hipóteses por
parte do solucionador.
Com problemas de enunciados abertos, Gil Perez, seu grande
incentivador, propõe uma mudança radical na didática habitual da resolução de242 Peduzzi, L.O.Q.
problemas em física. Além de propiciarem uma resolução de problemas
necessariamente mais participativa e consciente, pelo estudante, estes problemas
mostram-se potencialmente úteis para familiarizar melhor o aluno com alguns
aspectos da metodologia científica, que aparece distorcida nos problemas
tradicionais, segundo este pesquisador espanhol.
Ocorre que a estrutura usual dos problemas de lápis e papel, em física,
calcada na busca de uma conexão entre dados e incógnitas, induz o estudante a
considerar o conhecimento como resultado de um processo indutivo de inferência a
partir de dados conhecidos, isto é, a uma visão empirista da ciência.
De acordo com Gil Perez, uma autêntica resolução de problema deve,
necessariamente, possibilitar ao solucionador a emissão de hipóteses e a elaboração
de estratégias de solução, a partir do repertório teórico de que dispõe, bem como
uma cuidadosa apreciação da resposta obtida, em termos de sua viabilidade física à
situação desenvolvida.
(20)
Neste sentido, ao mesmo tempo que ressalta a importância
dos problemas de enunciados abertos para alcançar estes objetivos, ele se posiciona
contra o uso de problemas-tipo , que provocam fixação e tornam mais difícil o
engajamento do aluno dentro de uma concepção de problema que privilegia o
caráter de investigação que esta atividade deve ter.
É importante ressaltar que a metodologia proposta por Gil Perez para a
abordagem de problemas sustenta-se, teoricamente, no desenvolvimento de um
ensino em conformidade com certos aspectos consensuais da moderna filosofia da
ciência (Kuhn, Popper, Lakatos, Toulmin, Hanson etc.). Isto é, em um ensino que
deve destacar o papel central da hipótese e do conjunto de pressupostos teóricos do
cientista na proposição, delineamento, articulação e seleção de teorias. A
transformação de um problema fechado em um problema de enunciado aberto não
demanda maiores dificuldades
(21,22)
, o que sem dúvida facilita a sua utilização pelo
professor em classe.
A análise qualitativa (e a elaboração de hipóteses) presente em maior ou
menor intensidade em um problema, dependendo de seu tipo , conduz de forma
natural à busca por equações que se ajustem às condições do problema e que
relacionem as grandezas nele envolvidas (item sete da estratégia).
Os itens seis e sete da estratégia deixam claro que é necessária uma
adequada fundamentação teórica para que seja viável uma resolução de problema
bem sucedida. Uma boa compreensão das equações de definição, leis e princípios é
essencial para uma aplicação correta dos mesmos. A posse de um conhecimento
relevante na estrutura cognitiva, especialmente se claro, estável e discriminável,
facilita a solução de problemas. De fato, sem tal conhecimento nenhuma solução de
problemas é possível, apesar do grau de habilidade do aprendiz na aprendizagem Cad.Cat.Ens.Fis., v.14,n3: p.229-253, dez.1997. 243
pela descoberta; sem este conhecimento ele não poderia nem começar a
compreender a natureza do problema com que se defronta.
(23)
Vê-se, assim, o quanto é imprópria a atitude, bastante comum, de
estudantes que se lançam à resolução de problemas sem antes terem desenvolvido
ao menos uma compreensão básica do quadro conceitual em que eles se inserem.
Isto, certamente, em nada favorece o intercâmbio entre teoria e problemas, nos
termos de Kuhn. O que acontece, então, nesses casos, via de regra, é que o
estudante fica perdido e ou desiste do problema ou incorre em erro, utilizando,
indiscriminadamente, equações que nada têm a ver com a situação considerada.
O item oito da estratégia salienta a importância do sistema de referência
na resolução de problemas. O caráter vetorial de inúmeras grandezas físicas, bem
como especificações de energia potencial, de posição etc., exigem do solucionador
uma particular atenção para definir convenientemente o referencial que vai orientar
as suas ações, já que uma escolha apropriada do mesmo pode simplificar bastante o
equacionamento de um problema.
A instrução nove da estratégia incentiva o desenvolvimento literal de
um problema, já que este procedimento, amplamente utilizado por bons
solucionadores de problemas, se constitui em um fator diferenciador entre
especialistas e novatos.
(14)
As vantagens em se obter uma expressão algébrica para a
grandeza incógnita e, somente após, nela inserir valores numéricos são, entre outras,
as seguintes
(24)
:
a) a expressão obtida pode ser checada dimensionalmente;
b) o cancelamento de termos na derivação da expressão é exato;
c) o significado físico do resultado é frequentemente mais claro;
d) problemas similares, com diferentes valores para as variáveis, podem
ser resolvidos sem que se tenha que recorrer a uma nova derivação;
e) quando a resposta não está correta, pode-se verificar se o erro está na
física, na álgebra ou na aritmética;
f) em verificações de aprendizagem, a obtenção correta de uma
expressão poderá merecer a maior parte dos pontos da questão, em que pese erro de
aritmética no resultado encontrado.
Ao se desenvolver um problema literalmente e encontrar uma expressão
geral para a quantidade procurada em função de parâmetros especificados pelo
enunciado (problemas fechados) ou indicados pelo próprio solucionador (problemas
abertos) se obtém, especificamente, a relação de dependência da incógnita sobre
outras quantidades (independente desta ou daquela grandeza, proporcional a esta ou
aquela quantidade, etc.). Isto possibilita contrastar a análise qualitativa previamente
realizada pelo solucionador com o resultado do problema, além de viabilizar o
exame de casos limites (atribuir a uma grandeza valores muito grandes ou muito244 Peduzzi, L.O.Q.
pequenos e verificar o seu efeitos sobre a grandeza incógnita). A consideração de
casos limites não é apenas útil para detectar resultados incorretos, mas também
para modificar delineamentos qualitativos, fixar limites de validade das expressões
obtidas, etc.
(25)
A analise crítica do resultado de um problema (item dez da estratégia) é,
sem dúvida, uma importante e imprescindível tarefa a ser executada pelo
solucionador. Além do que já foi dito a este respeito, deve-se ainda mencionar que
o exame da viabilidade física de uma resposta pode sugerir a existência de
incorreções na fase de execução do plano estabelecido: é comum, por exemplo,
erro no desenvolvimento literal de um problema, ou quando da substituição das
grandezas por seus valores numéricos. Por outro lado, em situações onde a
aritmética proporciona mais de um resultado (como ocorre em certos problemas
envolvendo o movimento de projéteis e também em situações que demandam o
cálculo do tempo de encontro de dois corpos), a interpretação e seleção da resposta
pertinente faz-se presente como uma ação indispensavelmente obrigatória.
Registrar os pontos-chave no processo de solução (item onze da
estratégia), como aspectos relativos à análise qualitativa, possíveis hipóteses,
adequação de equações, leis e princípios e a análise do resultado, além de tornar o
problema mais compreensível para quem o lê (professor ou colega), pode ser útil ao
próprio solucionador em uma leitura ou estudo posterior do mesmo. Uma resolução
fundamentada e claramente explicada, previamente ou à medida que se avança ,
como adverte Gil Perez
(3)
, exige verbalização, o que a coloca longe dos tratamentos
puramente operativos, sem nenhuma explicação, que se encontram muito
comumente nos livros de texto e em situações de sala de aula.
Há sempre alguma coisa a se fazer em relação a um problema, mesmo
depois de resolvido. Assim, considerar as perspectivas abertas pelo problema para o
estudo de novas situações-problema é o que propõe o item doze da estratégia. O
estudo de uma (ou mais) variante do problema recém resolvido pode e deve levar o
solucionador a uma compreensão mais abrangente do quadro teórico em que ele se
situa. Quando dar realmente por finalizado um problema é, portanto, uma
interessante questão que se coloca ao solucionador
(26)
.
Todo este conjunto integrado de ações contribui, enfim, para que o
estudante proceda à resolução significativa de um problema, incorporando a solução
à sua estrutura cognitiva. Com isso, afasta-se o fantasma da solução mecânica, que
tão incansavelmente acompanha a resolução de problemas de muitos estudantes.
Esta última ocorre quando se obtém a solução de uma dada situação sem entendê-la
bem
(27,28)
. Uma fonte geradora deste mecanismo é o que o pesquisador americano
Clement
(29)
denomina conhecimento centrado em fórmula. Isto sucede quando o
solucionador utiliza corretamente uma equação, princípio, etc. chegando aoCad.Cat.Ens.Fis., v.14,n3: p.229-253, dez.1997. 245
resultado, mas a idéia que tem da situação física envolvida é pouca ou nenhuma.
Neste caso, ele pode utilizar um tipo de representação com sucesso (por exemplo
uma fórmula) mas ter muita dificuldade com uma outra forma de representação da
mesma situação (um gráfico, por exemplo). Pode, também, ter bastante dificuldade
em explicar o quê, e por quê, fez.
Às vezes, por mais que se tente, e dispondo de conhecimento específico
para tal, não se consegue resolver um problema. Nestes casos, pode ser interessante
utilizar o processo de incubação , mencionado por Wallas (seção 2). Deixar o
problema temporariamente de lado, envolvendo-se em outros afazeres, parece
contribuir no sentido de dissipar idéias confusas sobre o mesmo. Ao retornar
novamente ao problema, depois de passado um certo tempo, o solucionador, por
vezes, consegue obter a solução correta do mesmo. Um exemplo bastante comum
deste fato provém de relatos de estudantes que afirmam ter resolvido em casa um
problema que durante a prova não haviam conseguido solucionar.
Uma versão mais dramática do processo de incubação seguido por
iluminação, nos termos de Wallas, sucede quando vem à mente do indivíduo, de
repente, a resposta, a chave para a resolução, num contexto em que, curiosa e
caprichosamente, o solucionador não está diretamente envolvido com o problema
em si. Isto foi exatamente o que se passou com o notável matemático francês
J.Henri Poincaré (1854-1912), quando deixou Caen, onde vivia, para realizar uma
excursão geológica. Conforme ele mesmo relata, ...a sensação e o motivo da
viagem fizeram-me esquecer meu trabalho matemático. Tendo atingido Countances,
dirigimo-nos ao ônibus que nos levaria a nosso destino. No momento em que pus o
pé no estribo veio-me a idéia, sem que nada em meus pensamentos anteriores
tivesse pavimentado o caminho para isto, de que as transformações que usei para
definir as funções fuchsianas eram idênticas às da geometria não-euclidiana. Não
verifiquei de imediato a idéia; não teria tempo, eis que, assentando-me no ônibus,
prossegui numa conversa que já tinha começado - mas eu sentia uma certeza
absoluta. Quando de meu retorno a Caen, verifiquei o resultado...
(30)
.
Um outro exemplo, bastante interessante, vem do historiador e tradutor
galileano Stillman Drake. Profundo conhecedor da obra e da vida de Galileu, surge
a este conceituado pesquisador, repentinamente , uma nova e perturbadora
hipótese que tem a força de redirecionar todo o planejamento de um trabalho já em
andamento. Assim, no capítulo introdutório de seu livro Galileu ele relata: Só
quando escrevia este livro, e depois de ter redigido parte dele de maneira bastante
diferente, é que me ocorreu, muito repentinamente, tentar a hipótese de que Galileu 246 Peduzzi, L.O.Q.
tinha falado não convencional mas sinceramente no seu zelo pela Igreja+, e que, na
verdade, o zelo católico o motivara a correr certos riscos pelos quais, finalmente,
não foi recompensado mas castigado. Tendo lido anteriormente, e muitas vezes, os
documentos relevantes, tinha-os, por assim dizer, simultaneamente presentes com
palavras de Galileu em várias ocasiões relacionadas com elas. O efeito que esta
nova hipótese me provocou foi como um choque elétrico, como encontrar por acaso
um documento esquecido, que resolve velhas confusões.
(31)
Naturalmente, é condição necessária para a ocorrência de situações
análogas as acima descritas o empenho do indivíduo em reinteradas tentativas de
resolução de seu problema . Não é de forma alguma eficaz deixar temporariamente
de lado um problema sem termos a impressão de que já conseguimos alguma
coisa, de que pelo menos um pequeno ponto foi estabelecido, de que algum aspecto
da questão ficou de certo modo elucidado, quando paramos de trabalhar nele.
Somente voltam melhor delineados aqueles problemas cuja resolução desejamos
ardentemente ou para o qual tenhamos trabalhado com grande intensidade. O
esforço consciente e a tensão parecem necessários para deflagrar o trabalho
subconsciente. De qualquer modo, tudo se passaria com grande facilidade se assim
não fosse: poderíamos resolver difíceis problemas simplesmente indo dormir ou
esperando o aparecimento de uma idéia brilhante.
(32)
VI - Observações e comentários finais
Em um levantamento informal realizado pelo autor deste trabalho no
segundo semestre de 1995, em consulta a dez professores do Departamento de
Física da UFSC em atuação (ou recentemente envolvidos) na disciplina Física I
(Mecânica), cursada por estudantes de diversas áreas do conhecimento (Física,
Química, Matemática, Engenharias etc.), sobre as possíveis causas do fracasso dos
estudantes em relação à resolução de problemas nesta disciplina, houve, como era
de se esperar, quase que uma unanimidade no diagnóstico destes docentes em
relação a dois pontos básicos:
a) falta de um adequado embasamento teórico, isto é, pouca
compreensão dos conceitos e princípios subjacentes aos problemas, o que conduz,
do ponto de vista cognitivo, a dificuldades na descrição física e na própria
interpretação e compreensão do enunciado do problema; a pouca visão física da
+ O tratamento formal, em comunicação oral ou escrita mantido com autoridades exigia, ao
tempo de Galileu (e ainda hoje), o uso de palavras de estima e apreço que não tinham,
necessariamente, compromisso com a sinceridade.Cad.Cat.Ens.Fis., v.14,n3: p.229-253, dez.1997. 247
situação apresentada; ao não entendimento do que as equações expressam, o que
resulta na aplicação incorreta de conceitos e leis físicas, favorecendo a resolução
mecânica; a dificuldades na análise do problema e aplicação dos conceitos e
princípios pertinentes etc. e
b) insuficientes conhecimentos de matemática elementar (deficiências
em trigonometria básica, na análise de gráficos, na manipulação das variáveis de
uma equação, na resolução de equações de 1
0
e 2
0
graus, e na solução de um sistema
de equações), que impedem uma adequada formalização e tratamento sem erros
da situação-problema.
Foram também destacados:
a falta de uma metodologia para a abordagem de problemas, pelo
aluno; (Professores R e S)
a falta de raciocínio lógico; (Professores R, S e ML)
o desinteresse do aluno pela disciplina, manifesto pelo pouco empenho na resolução dos problemas propostos, pela freqüência irregular em sala de
aula, por uma rotina assistemática de trabalho e pelo seu descrédito quanto a
utilidade da disciplina em seu currículo. (Professores T, ML, PC, H e W)
Cabe ainda registrar algumas observações isoladas que, no conjunto das
respostas às causas das dificuldades dos alunos recém ingressos na universidade
com a resolução de problemas de física, ajudam a mostrar a dimensão do problema
em que se insere esta questão.
Um operativismo mecânico. Os alunos são condicionados, a partir
do 2
0
grau, a verem os problemas como uma questão de aplicação da fórmula
correta , a qual eles devem encontrar no seu repertório decorado. Desta forma, não
se preocupam, ou mesmo não desenvolvem, as habilidades de interpretação do
enunciado e de análise teórica da situação-problema. Deve-se notar que as formas
como os problemas são apresentados nos textos do 2
0
grau e mesmo universitários
induzem a este tipo de atitude por parte do aluno (e do professor, muitas vezes).
(Professor A)
Atitude de apatia frente a um problema - o aluno conclui que não
sabe (ou não quer) fazer e portanto nem tenta, espera que o professor faça.
(Professor S)
Os alunos não se interessam pela resolução de um problema,
apenas pela sua solução. (Professor ML)
O imediatismo. Nossos estudantes permanecem em aula se a
gratificação for imediata (uma dica importante, um bom humor em classe, uma
brincadeira etc.). A noção de que a verdadeira gratificação é cumulativa e muito248 Peduzzi, L.O.Q.
pouco estimulante do ponto de vista emocional parece ser estranha aos alunos.
Talvez isso seja infantilismo intelectual. (PC)
A existência de inúmeras edições de problemas resolvidos, que
funciona como um mecanismo que desmobiliza o estudante a dar a devida atenção
ao trabalho de resolver os problemas (Professor PC)
Os alunos manipulam variáveis físicas como se fossem meras
variáveis matemáticas. Também lêem o enunciado com pouca atenção, o que os
impede de captar a mensagem do problema. (Professor W)
Os alunos não estão acostumados a estudar de forma correta, o que
impede uma associação pertinente entre teoria e problemas. Os problemas são
estudados de forma aleatória e não como exemplares paradigmáticos de certos
aspectos teóricos. (Professor A)
A opinião destes professores, de modo geral, vem reforçar o que se
procurou mostrar nas considerações feitas ao longo deste trabalho. Ou seja, que
além da ênfase no conteúdo teórico (físico e matemático) em que se fundamenta a
resolução de problemas sobre um determinado assunto, de capital importância para
uma resolução significativa de problemas e à sua subseqüente incorporação à
estrutura cognitiva do solucionador, é preciso, igualmente, se investir na resolução
de problemas como um tema também suscetível de uma aprendizagem, por parte do
aluno.
A análise crítica de estratégias (como a aqui apresentada e/ou de outras
existentes na literatura especializada
(24,33-35)
), inserida num contexto de discussão
geral sobre a importância e os objetivos da resolução de problemas de lápis e papel
no ensino da física, pode ser de grande utilidade para que o estudante, mais
consciente e com uma melhor compreensão do assunto, desenvolva metodologias
mais eficientes para a abordagem dos problemas que lhe são propostos.
Problemas de enunciados abertos, pelo impacto inicial que causam e
interesse que logo despertam no estudante, devidamente explorados pelo professor
em sala de aula e nas usuais listas de problemas, mostram-se, da mesma forma,
indubitavelmente úteis no delineamento de um conjunto articulado de ações que
visa mudar o perfil do tradicional aluno resolvedor de problemas , origem de tantos
insucessos.
Quanto aos problemas fechados, no qual se incluem os problemasexemplo ou problemas-tipo, de amplo uso na didática usual da resolução de
problemas, não é preciso e nem se deve rechaçá-los, ou buscar, necessariamente,
tranformá-los em problemas abertos equivalentes. Eles também têm a sua função no
aprendizado do estudante. Não há nada de errado, naturalmente, com a solução de
problemas, identificando-os genuinamente como exemplos de uma classe maisCad.Cat.Ens.Fis., v.14,n3: p.229-253, dez.1997. 249
extensa à qual certos princípios e operações podem ser aplicados - desde que se
compreenda os princípios em questão, porque eles se aplicam a este caso em particular, e a relação entre os princípios e as operações manipulativas usadas na
aplicação. Com demasiada freqüência, porém, isto não é o caso. Na maioria das
salas de aula de matemática ou de ciências, a solução de problemas-tipo envolve
pouco mais do que a memorização de rotina e aplicação [mecânica] de
fórmulas.
(36)
Cabe, portanto, ao professor, estar atento à esta importante observação ao fazer uso destes problemas em classe.
Neste contexto de transformação , a postura coerente do professor que
valoriza em suas avaliações o registro dos pontos-chave no processo de resolução
de um problema (análise qualitativa, hipóteses feitas, justificativa de leis e
princípios utilizados, análise do resultado e comentários gerais) aparece como um
incentivo (com as duas interpretações que lhe cabem) de fundamental importância
para que o aluno reveja a sua prática usual de abordar problemas.
Também não se pode deixar de constatar que a rotina da resolução de
problemas, seja em grande grupo (professor + classe, geralmente com ênfase em
problemas-tipo) ou em grupos menores (aluno-aluno, aluno-professor-aluno), que se
formam espontaneamente ou com o auxílio do professor, em sala de aula e também
em situações extra-classe, caracteriza esta atividade como um empreendimento
eminentemente coletivo. Estruturado convenientemente, certamente estimula a
colaboração entre diferentes indivíduos.
Visto estritamente sob esta ótica, contudo, parece procedente a crítica de
que as dificuldades individuais dos estudantes em relação a resolução de problemas
são absolutamente normais, pois em avaliações de aprendizagem, notadamente,
exige-se do aluno uma competência para o qual não foi apropriadamente preparado
e/ou estimulado - resolver problemas sozinho: Se observarmos o comportamento
de alunos numa sala de aula, envolvidos na resolução de um problema, vamos
notar que a interação social e os comportamentos cooperativos predominam. Os
alunos trocam idéias e informações entre si; o professor freqüentemente intervém
dirigindo-se a alguns grupos ou à toda sala fazendo sugestões, chamando a atenção
para determinados detalhes ou cuidados a serem tomados, até que, aqui e ali, aos
poucos, a solução aparece. Logo ela é compartilhada e a maioria dos alunos
consegue resolver o problema.... No entanto, nas avaliações, é isso que se exige do
aluno: fazer o que não aprendeu, mostrar uma competência que ainda não
adquiriu. Ele, então, fracassa, é claro.
(37)
Por isso, é também muito importante alertar o estudante para que invista
parte do seu tempo de estudos à reflexão individual, visando o aprofundamento
teórico do quadro conceitual e a resolução de problemas por esforço próprio. Neste
caso, todo o contexto de discussão ocorrido nos grupos de trabalho certamente250 Peduzzi, L.O.Q.
contribuirá para o seu posicionamento mais crítico e envolvimento mais produtivo
com novas situações-problema.
A resolução de problemas em pequenos grupos também pode e deve ser
explorada pelo professor em suas avaliações da aprendizagem, até como forma de
espelhar melhor a realidade dos trabalhos desenvolvidos em sala de aula. Não há
porque ser contra esta idéia. Os problemas abertos de Gil Perez são bastante
propícios para este fim.
O tema resolução de problemas de lápis e papel no ensino da física é
abrangente, complexo, sutil,...desafiador, também, pelas possibilidades de
investigação e de opções que abre ao professor e das perspectivas de mudança que
traz ao aluno.
VII - Referências Bibliográficas
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Cad.Cat.Ens.Fis., v.14,n3: p.229-253, dez.1997. 229
SOBRE A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS NO ENSINO DAFÍSICA+Luiz O.Q. PeduzziDepartamento de Física / Centro de Ciências Físicas e MatemáticasPrograma de Pós-graduação em Ensino de Ciências Naturais / Centro deCiências da EducaçãoUniversidade Federal de Santa CatarinaFlorianópolis, SCResumoEste trabalho procura mostrar que a resolução de problemas de lápis e
papel, em física, não deve ser considerada pelo professor como umaatividade na qual o aluno, por esforço próprio e sem qualquerorientação específica, tenha necessariamente êxito se preparadoconceitualmente para tal . Constituindo-se em um segmento do ensinocom especificidades próprias e por vezes bastante peculiares, aresolução de problemas, não somente em física mas também em outrasáreas do conhecimento, não pode ser alijada ou pouco considerada nocontexto geral das ações do professor como mediador do processoensino-aprendizagem. Uma ampla discussão sobre este assunto, emsala de aula, seguramente resultará em um estudante melhor orientadoe mais consciente de suas ações junto a este importante componente dasua aprendizagem em física.I- IntroduçãoA resolução de problemas é de uma variedade infinitamente grande. Ela sefaz presente, rotineiramente, não apenas no trabalho dos cientistas e nas atividadesescolares dos estudantes, mas no dia-a-dia das pessoas, em geral.De uma forma bastante genérica, pode-se dizer que uma dada situação,quantitativa ou não, caracteriza-se como um problema para um indivíduo quando,+ Agradeço aos professores Marco Antonio Moreira, Arden Zylbersztajn, Sayonara SalvadorCabral da Costa e Norberto Jacob Etges, pelas críticas e sugestões a este artigo.230 Peduzzi, L.O.Q.procurando resolvê-la, ele não é levado à solução (no caso dela ocorrer) de uma formaimediata ou automática. Isto é, quando, necessariamente, o solucionador se envolve emum processo que requer reflexão e tomada de decisões sobre uma determinadaseqüência de passos ou etapas a seguir.(1)
Em um exercício, por outro lado, independentemente de sua natureza, o que
se observa é o uso de rotinas automatizadas como conseqüência de uma práticacontinuada. Ou seja, as situações ou tarefas com que o indivíduo se depara já são deleconhecidas, não exigindo nenhum conhecimento ou habilidade nova, podendo, por issomesmo, ser superadas por meios ou caminhos habituais.(2)
Deste modo, a distinção entre problema e exercício é bastante sutil, nãodevendo ser especificada em termos absolutos. Ela é função do indivíduo (de seusconhecimentos, da sua experiência etc.) e da tarefa que a ele se apresenta. Assim,enquanto uma determinada situação pode representar um problema genuíno para umapessoa, para outra ela pode se constituir em um mero exercício.Na escola, e notadamente no campo da matemática, por exemplo, muitassituações que emergem inicialmente como problema para um indivíduo se transformam,para ele próprio, em exercícios de aplicação da teoria, à medida que adquire edesenvolve novos conhecimentos e habilidades.É oportuno, aqui, destacar, e não desmerecer ou relevar a um segundoplano, o papel do exercício nas tarefas escolares. É através dele que o estudante desenvolvee consolida habilidades. Este fato, no entanto, nem sempre fica claro ao aluno,que muitas vezes considera enfadonho, cansativo e sem propósito a repetiçãocontinuada de uma certa prática.Neste sentido, cumpre ao professor realçar a importância e a função dosexercícios e dos problemas em sua disciplina. Ao se empenhar nisso ele pode contribuirpara que seu aluno veja com outros olhos os exercícios e também se prepare melhor,tanto do ponto de vista cognitivo como emocional, para se envolver em atividades maiselaboradas, como as que caracterizam a resolução de problemas.Infelizmente, a didática usual da resolução de problemas sofre de sériasinsuficiências. Particularmente na área do ensino da física, objeto das considerações
deste trabalho, o que se verifica é que o professor, ao exemplificar a resolução deproblemas, promove uma resolução linear, explicando a situação em questão comoalgo cuja solução se conhece e que não gera dúvidas nem exige tentativas (3). Ou seja,ele trata os problemas ilustrativos como exercícios de aplicação da teoria e não comoverdadeiros problemas, que é o que eles representam para o aluno.O entendimento destes problemas-exemplo ou problemas-tipo, peloestudante, que supostamente exigem o respaldo do conhecimento teórico do assuntoestudado, é visto pelo professor como condição suficiente para que o aluno se lance àresolução dos problemas que lhe são propostos.Cad.Cat.Ens.Fis., v.14,n3: p.229-253, dez.1997. 231Dentro desta concepção, as dificuldades do aluno com a resolução deproblemas são geralmente diagnosticadas, pelo professor, como estando relacionadas anão compreensão, em níveis desejáveis, dos temas abordados e/ou a insuficientesconhecimentos matemáticos. Quando se pergunta ao professor em atuação quaispodem ser as causas do fracasso generalizado na resolução de problemas de física,raramente expõe razões que culpem a própria didática empregada. (3)
Neste trabalho procura-se mostrar que a resolução de problemas de lápis epapel, em física, não deve ser considerada pelo professor, com o consentimento passivodo aluno, como uma atividade na qual este último, por esforço próprio, sem qualquerorientação específica, tenha necessariamente êxito. Ao contrário! O que se vê em salade aula, tanto a nível de segundo grau quanto no ciclo básico do ensino universitário, éque as dificuldades do estudante na transferência do que aprendeu à novas situaçõessão muito grandes.Constituindo-se em um segmento do ensino com especificidades próprias e
por vezes bastante peculiares, a resolução de problemas, não somente em física mastambém em outras áreas do conhecimento, não pode ser alijada ou pouco consideradano contexto geral das ações do professor como mediador do processo ensinoaprendizagem.II - Fases ou estágios na resolução de problemasDurante bastante tempo, como ressaltam Echeverría e Pozo(4), estudospsicológicos e suas aplicações educativas pareceram compartilhar a idéia de que aresolução de problemas se baseia na aquisição de estratégias gerais, de forma que umavez adquiridas podem se aplicar, com poucas restrições, a qualquer tipo de problema.Segundo este enfoque, ensinar a resolver problemas é proporcionar aos alunos essasestratégias gerais, para que as apliquem cada vez que se encontrem com uma situaçãonova ou problemática .G.Wallas, em seu livro A arte do pensamento (5), de 1926, sugere quatrofases na solução de problemas:Preparação - reunião de informações e tentativas preliminares de solução.Incubação - abandono temporário do problema para envolvimento em outrasatividades.Iluminação - a chave para a solução aparece (é onde ocorre o flash de insight ,o aha! ).Verificação - a solução obtida é testada para verificar a sua eficácia.J.Dewey(6), em 1910, enfatiza os seguintes aspectos envolvidos na resoluçãode problemas:232 Peduzzi, L.O.Q.Um estado de dúvida, perplexidade cognitiva, frustração ou consciência dadificuldade.Uma tentativa para identificar o problema, para compreender o que se procura, isto é,o objetivo a ser alcançado.Relacionamento da situação-problema à estrutura cognitiva do solucionador, ativando
idéias de fundo relevante e soluções de problemas previamente alcançadas, quegeram proposições de solução ou hipóteses.Comprovação sucessiva das hipóteses e reformulação do problema, se necessário.Incorporação da solução bem sucedida à estrutura cognitiva (compreendendo-a) e suaposterior aplicação ao problema em questão e a outros espécimes do mesmoproblema.Também G.Polya, mais recentemente, em seu famoso livro A arte deresolver problemas (7) propõe uma série de passos na solução de problemas, baseado emobservações que ele fez como professor de matemática, que não se limitam à didática deseu campo específico de trabalho. Primeiro, temos de compreender o problema,perceber claramente o que é necessário. Segundo, temos de ver como os diversos itensestão inter-relacionados, como a incógnita está ligada aos dados, para termos a idéiada resolução, para estabelecermos um plano. Terceiro, executamos o nosso plano.Quarto, fazemos um retrospecto da resolução completa, revendo-a e discutindo-a. (8)
Assim, segundo Polya, é preciso:Compreender o problema: O solucionador reúne informações sobre o problema epergunta: O que se quer, o que é desconhecido? O que se tem, quais são os dados eas condições? Se houver uma figura deve ser traçada, introduzindo-se notaçãoadequada para especificar os dados e a(s) incógnita(s).Delinear um plano: O solucionador procura valer-se da sua experiência com outrosproblemas para encaminhar a solução e pergunta: Conheço um problema correlatoque já foi antes resolvido? É possível utilizá-lo? Deve-se introduzir algum elementoauxiliar para tornar possível a sua utilização? É difícil imaginar um problemaabsolutamente novo, sem qualquer semelhança ou relação com algum outro que játenha sido objeto de estudo; se um tal problema pudesse existir, ele seria insolúvel.
De fato, ao resolver um problema, via de regra, aproveitamos alguma coisa de umproblema anteriormente solucionado, usando o seu resultado, ou o seu método, ou aexperiência adquirida ao resolvê-lo.Se, contudo, não conseguir resolver o problema proposto, procure antes solucionaralgum problema correlato. É possível imaginar um problema correlato maisacessível? Um problema mais genérico? Um problema mais específico? Umproblema análogo? É possível resolver uma parte do problema?Cad.Cat.Ens.Fis., v.14,n3: p.229-253, dez.1997. 233Colocar em execução o plano: O solucionador experimenta o plano de solução,conferindo cada passo.O caminho que vai desde a compreensão do problema até o estabelecimento de umplano pode ser longo e tortuoso. Executar o plano é muito mais fácil; paciência é ode que mais se precisa. O plano, no entanto, proporciona apenas um roteiro geral.Precisamos ficar convictos de que os detalhes inserem-se nesse roteiro e, para isto,temos de examiná-los, um após outro, pacientemente, até que tudo fiqueperfeitamente claro e que não reste nenhum recanto obscuro no qual possa ocultarseum erro.Olhar restrospectivamente: O solucionador deve examinar a solução obtida. Épossível verificar o resultado, o argumento utilizado? É possível chegar aoresultado por um caminho diferente? É possível utilizar o resultado, ou o método,em algum outro problema?Até mesmo bons alunos ao visualizarem a solução de um problema e escreverem asua demonstração passam rapidamente a um outro problema, ou então fecham oslivros e dedicam-se a um outro assunto. Assim procedendo, eles perdem uma faseimportante e instrutiva do trabalho da resolução. Se fizerem um retrospecto daresolução completa, reconsiderando e reexaminando o resultado final e o caminho
que levou até este, eles poderão consolidar o seu conhecimento e aperfeiçoar a suacapacidade de resolver problemas.As fases de Polya, por exemplo, se fazem presentes nas sugestões de Reif eoutros(9), relativamente à resolução de problemas de lápis e papel em física, quandoorientam o estudante a adotar os seguintes procedimentos:Descrição: listar explicitamente os dados e a informação desejada. Fazer umdiagrama da situação (o resultado deste passo deve ser uma formulação clara doproblema).Planejamento: selecionar as relações básicas pertinentes para a solução do problemae delinear como serão usadas (o resultado deste passo deve ser um plano específicopara encontrar a solução).Implementação: executar o plano precedente fazendo todos os cálculos necessários(o resultado deste passo deve ser a solução do problema).Conferência: certificar-se de que cada um dos passos precedentes seja válido e que asolução final faça sentido (o resultado deste passo deve ser uma solução segura doproblema).A identificação de fases ou etapas que permeiam a resolução de qualquerproblema, e que portanto não dependem explicitamente de conhecimentos e habilidades234 Peduzzi, L.O.Q.específicas a uma determinada área do conhecimento, ao mesmo tempo que dá um tomde unidade e homogeneidade a esta forma de conceber e abordar problemas, deixaclaramente transparecer as suas deficiências.Não há como negar que do ponto de vista psicológico variáveis comoansiedade, expectativas, intuição, sucesso, frustrações, etc. se fazem realmentepresentes em qualquer tarefa de resolução de problema. O mesmo pode ser dito deparâmetros que sugerem ao solucionador uma certa organização ou melhorposicionamento em relação à situação-problema, como ler o enunciado do problema
com atenção e circular a informação relevante, dividir o problema em partes ou subproblemas,analisar o resultado encontrado, etc.Contudo, o que sem dúvida permite o acesso consciente e responsável doindivíduo em tarefas de resolução de problemas é o conhecimento específico que possuina área de abrangência do mesmo e de como este conhecimento se encontra organizadoe disponível em sua estrutura cognitiva. Afirmar, no entanto, que o aluno só devecomeçar a resolver problemas depois de dominar inteiramente a teoria é partilhar doerro de muitos professores que vêm a resolução de problemas como meros exercíciosde aplicação dos conteúdos estudados. Como bem ressalta Kuhn(10), também se aprendea teoria resolvendo problemas.De qualquer modo, é importante enfatizar que a implementação prática dasquatro fases de Polya em problemas de matemática, ou das sugestões de Reif àresolução de problemas de física, depende, fundamentalmente, do arcabouço teórico dosolucionador, sob pena de resultarem estéreis se o mesmo não for minimamenteadequado ou pertinente.A pesquisa mais recente na área de resolução de problemas tem dadobastante ênfase à relevância do conhecimento específico e da experiência acumulada emtarefas que exigem do indivíduo a busca de uma solução sem um caminho imediato,evidente, para a sua consecução.Dos processos gerais úteis à solução de qualquer problema, passa-se,particularmente, a ver com interesse a figura do perito ou expert como exemplo deeficiência para a resolução de problemas num determinado domínio do conhecimento.Ao se procurar caracterizar, em linhas gerais, como o especialista(pesquisador ou professor) aborda e desenvolve experimentalmente uma situaçãoproblemana área das ciências naturais (física, química e biologia), por exemplo,
verifica-se que o procedimento típico deste profissional, em seu laboratório, é,basicamente, o seguinte:Primeiro, há a identificação do problema a ser tratado, propriamente dito.Segue-se daí, entre outras coisas, a formulação de hipóteses e a construção de ummodelo da situação subjacente. A obtenção, processamento e interpretação dos dadosdão seqüência natural a este approach inicial. Isto é, os dados provenientes de umCad.Cat.Ens.Fis., v.14,n3: p.229-253, dez.1997. 235criterioso delineamento experimental são organizados e representados graficamentevisando a sua quantificação. As limitações do experimento, o potencial dos resultadosobtidos, a pertinência da realização de um novo experimento envolvendo eventuaiscorreções de rumo ou mesmo a busca de uma confirmação e ampliação do escopo devalidade dos resultados alcançados são então analisados.Do ponto de vista do ensino de laboratório nas ciências naturais, a adoçãodeste procedimento leva a que se referendem leis já conhecidas ou que se proceda à suadescoberta , conforme o enfoque dado pelo professor à atividade experimental. Aocientista, por seu turno, cabe uma análise criteriosa sobre a consistência dos resultadosobtidos e a pertinência da sua divulgação à comunidade científica.Mas a ênfase na identificação e desenvolvimento de habilidades eestratégias relacionadas ao ensino de laboratório, um capítulo certamente muito especialdentro da didática da física, em particular, não é o objetivo deste trabalho. É sobre aresolução de problemas de lápis e papel, no ensino da física, que se concentram asdiscussões conduzidas nas próximas seções.III - A contribuição do especialista no delineamento de estratégias para aresolução de problemas de lápis e papel em físicaNa área do ensino de física, a resolução de problemas pelo professor (e
também por certos estudantes que se destacam por seu desempenho acadêmico) deveriaapresentar-se, potencialmente, para muitos alunos, como um modelo a ser seguido.Isto é, a observação atenta do aprendiz à forma como o especialista abordauma situação nova e utiliza os conhecimentos disponíveis para equacioná-la e procederà sua solução deveria, em princípio, ser suficiente para que o primeiro, dispondo deconhecimento relevante e seguindo o exemplo do segundo, tivesse igual sucesso noseu envolvimento com outras situações-problema.As persistentes dificuldades dos estudantes na resolução de problemas defísica têm sistematicamente mostrado que isto não é o que ocorre na prática. Por quê?Basicamente, porque a resolução de problemas não é vista pelo professor defísica como uma atividade que mereça, por si mesma, uma discussão mais específica desua parte. Paradoxalmente, no entanto, este mesmo professor elege a eficiência naresolução de problemas como condição necessária e suficiente para a aprovação de seualuno (como atestam as extensas listas de problemas que o estudante recebe parasolucionar e as avaliações a que se submete, constituídas quase que exclusivamente deproblemas).Deixando o ceticismo de lado e admitindo-se que há o que aprender emrelação à resolução de problemas, tanto da parte do professor, pela mudança de suapostura didática em relação a este tema, quanto do aluno, que melhor orientado pode ter236 Peduzzi, L.O.Q.um desempenho mais consciente e ser menos averso a este importante componente desua aprendizagem de física, cabe de imediato a pergunta: o que fazer, então, a esterespeito?Pode-se, por exemplo, procurar investigar mais amiúde como o expertresolve problemas, e a partir dos dados disponíveis aprofundar algumas discussões
neste sentido.Assim, solicitar a um bom solucionador que pense alto enquanto resolveum problema, ou que o solucione sem qualquer manifestação oral e depois exprima oque fez e por que fez, pode trazer informações úteis sobre o processo de resolução. Emqualquer dos casos, contudo, é preciso estar atento para as limitações dos registrosfeitos.Forçar um solucionador a pensar alto durante o seu envolvimento com umproblema pode levá-lo, consciente ou inconscientemente, a relatar apenas os passos oumovimentos por ele julgados seguros ou pertinentes. A análise retrospectiva, por outrolado, sem escapar a mesma crítica, torna pouco provável que considerações precisas decomportamento, incluindo todos os processos cognitivos empregados, possam serreconstituídos pelo solucionador .(11)
A observação crítica em sala de aula, que busca contrastar como situaçõesproblemasão abordadas por alunos com diferentes graus de sucesso em relação àsmesmas, complementada por informações que advêm da comparação entre odesempenho do aluno em testes e verificações de aproveitamento e a forma comoresolve os problemas que constam nestas avaliações, também contribui para que setenha uma melhor compreensão das diferenças existentes entre bons e maussolucionadores e das dificuldades enfrentadas por muitos estudantes em relação aresolução de problemas em física.As pesquisas desenvolvidas a partir destas e de outras técnicas emetodologias de investigação mostram que existem diferenças significativas em relaçãoa como bons e maus solucionadores, ou especialistas e novatos, resolvem problemas defísica(12-16).O modelo de Kramers-Pals e Pilot (17) (Fig.1), de aplicabilidade em diversas
áreas do conhecimento, segundo os seus autores, é bastante ilustrativo e sugestivo paraos propósitos do presente trabalho. Nele, as dificuldades mais freqüentementeencontradas por estudantes com pouca experiência na resolução de problemas sãoelencadas em função de quatro etapas bem distintas existentes no processo de resoluçãode um problema: análise do problema, planejamento do processo de solução, execuçãode operações de rotina e conferência da resposta e interpretação do resultado.Além de deixar patente o mau posicionamento do novato frente a umasituação-problema, este modelo também evidencia as limitações, e mesmo a ineficácia,Cad.Cat.Ens.Fis., v.14,n3: p.229-253, dez.1997. 237da aprendizagem por imitação do novato pelo expert , ou do estudante peloprofessor, em tarefas de resolução de problemas.Ocorre que durante o processo de solução de um problema pelo especialistamuitos dos passos por ele seguidos não se fazem perceptíveis ao observador atento,pois são tomados mentalmente e de uma forma bastante abreviada. Usualmente, a únicaparte passível de um acompanhamento mais detalhado é a que se refere a execução dasoperações de rotina (fase 3, na Fig.1), isto é, os cálculos principais do problema. Nafase1, a parte escrita limita-se freqüentemente ao rabisco de alguns dados. Na fase 2,o loop 2b-2c não é em geral comentado, porque a maioria dos problemas são merasrotinas para o professor (exercícios). A conferência dos resultados, tão usual aoespecialista, também é feita mentalmente. Como, então, podem os estudantes aprendera fazerem uma cuidadosa análise do problema, a planejarem os passos relativos asolução e a avaliarem os resultados se eles não vêem o professor fazendo isso? (17)
Assim, não há dúvida de que cabe não apenas ao professor (devidamentepreparado para tal) mas também a textos didáticos (mais atentos aos resultados das
pesquisas educacionais) a tarefa de atuarem como mediadores para capacitar oestudante a ter uma visão mais abrangente e crítica sobre a resolução de problemas emfísica. Os estudos veiculados na literatura especializada em resolução de problemasfornecem subsídios valiosos para este fim.Com o objetivo de promover, didaticamente, uma discussão maispormenorizada sobre a resolução de problemas de lápis e papel no ensino da físicageral, apresenta-se, a seguir, a estrutura básica de uma estratégia supostamente adotadapor um bom solucionador no processo de resolução de um problema, comentando osseus elementos constituintes na seção 5. Os itens que a compõem são, basicamente, osapresentados por Peduzzi no grupo de trabalho F2 ( La solución de problemas y laformación de profesores de Física ) da V Reunião Latino Americana de Ensino deFísica(18). A sua aceitabilidade geral, entre os participantes, fez com que constassem noitem Algunas recomendaciones al alumno das recomendações gerais feitas por estegrupo.Desde já, contudo, cabe ressaltar que uma dada estratégia,independentemente de como esteja estruturada e de como seja utilizada, não pode servista como uma receita-padrão para a solução de qualquer problema por qualquerpessoa.O número de variáveis envolvidas na resolução de problemas é, como seviu, muito grande, já que o ato de solucionar, propriamente dito, não se relacionaapenas com o conhecimento em si. A intuição, a criatividade, a perspicácia, ansiedades,frustrações etc. do solucionador claramente interferem nesta atividade, contribuindopara diferenciar as pessoas umas das outras.238 Peduzzi, L.O.Q.Repetidas dificuldades de estudantes naresolução de problemas quantitativosnão fazem uma boa leituracomeçam a resolução
muito depressanão conhecem exatamente 1. Análise do problemaqual é a incógnitanão possuem uma imagemcompleta da situação-problema2. Planejandoo processode resoluçãoconfundem-se, não trabalhamsistematicamentenão conhecembem o assunto (estudadonão podem, portanto, relacionarassunto ao problema emcometem muitos erros 3. Execução de operações de rotinanão conferem as 4. Conferência da resposta e interpretação do resultadosuas respostasFig.1 - Um modelo interpretativo para a análise das dificuldades deestudantes em relação a resolução de problemas.2.aRotinasPadrões?2.bListando possíveis relaçõesúteis; checando avalidade em relaçãosituação problema2.cRealizando as transformaçõesnecessáriasNãoSimCad.Cat.Ens.Fis., v.14,n3: p.229-253, dez.1997. 239A recusa do cético ao exame dos elementos de uma estratégia, porduvidar de sua eficácia geral, resulta, então, sem sentido, se a estratégia em questãofor vista como um elemento desencadeador de dois importantes processos: o depro-mover, como já foi dito, uma discussão que se faz realmente necessária sobre aresolução de problemas e o de se constituir em uma fonte de possíveis subsídios e
inspiração para que o estudante desenvolva estratégias próprias para a resolução deproblemas.IV - Uma estratégia para a resolução de problemas em física básicaA implementação da estratégia reúne as seguintes ações (que não estãoordenadas por hierarquia ou ordem de importância) na abordagem de um problemade física básica:1. Ler o enunciado do problema com atenção, buscando à suacompreensão;2. Representar a situação-problema por desenhos, gráficos ou diagramaspara melhor visualizá-la;3. Listar os dados (expressando as grandezas envolvidas em notaçãosimbólica);4. Listar a(s) grandeza(s) incógnita(s) (expressando-a(s) em notaçãosimbólica);5. Verificar se as unidades das grandezas envolvidas fazem parte de ummesmo sistema de unidades; em caso negativo, estar atento para as transformaçõesnecessárias;6. Analisar qualitativamente a situação problema, elaborando ashipóteses necessárias;7. Quantificar a situação-problema, escrevendo uma equação dedefinição, lei ou princípio em que esteja envolvida a grandeza incógnita e que sejaadequada ao problema;8. Situar e orientar o sistema de referência de forma a facilitar aresolução do problema;9. Desenvolver o problema literalmente, fazendo as substituiçõesnuméricas apenas ao seu final ou ao final de cada etapa;10. Analisar criticamente o resultado encontrado;11. Registrar, por escrito, as partes ou pontos chave no processo deresolução do problema;240 Peduzzi, L.O.Q.12. Considerar o problema como ponto de partida para o estudo denovas situações-problema.
V - Comentários sobre a estratégia apresentada na seção anteriorPara fins didáticos, examina-se, agora, os componentes da estratégiaapresentada na seção anterior sob a ótica do especialista (professor), que,concordando com a sua estrutura geral, tenta sensibilizar o novato (no caso, oestudante iniciante e interessado) à consideração de seus itens.O primeiro quesito da estratégia enfatiza a importância da leituracuidadosa do enunciado de um problema. É através dele que o solucionador tomacontato com as condições de partida do problema e tem conhecimento das metas aserem atingidas. Por isso, o enunciado deve ser objeto de toda a atenção possívelpara não serem desconsideradas informações relevantes nele contidas. A suacompreensão é portanto fundamental. De fato, é uma tolice responder a umapergunta que não tenha sido compreendida (19). Tolice ainda maior é abordar umproblema sem querer, de fato, resolvê-lo.A leitura do enunciado deve ser acompanhada, naturalmente, dasprimeiras tentativas de visualização e de delineamento do problema. Deste modo, oitem dois da estratégia sugere ao solucionador que esboce um desenho ou diagramada situação física considerada com o objetivo de evitar abstrações desnecessáriasque podem ser prejudiciais ao desenvolvimento do problema. Fazer desenhos,gráficos ou diagramas na fase inicial ou de formulação de um problema é umapraxe que se mostra muito mais freqüente entre bons solucionadores do que entreaqueles que não detêm igual sucesso na resolução de problemas.(12,14)
Na forma convencional, em geral apresentada pelos livros de texto eutilizada pelo professor, um problema de física encontra-se especificado em termosde um conjunto bem estruturado de informações - os dados do problema -
juntamente com o que se deseja atingir com as informações disponíveis - osobjetivos ou metas do problema. Assim, no que diz respeito a organização doproblema, pode ser conveniente listar os dados e as grandezas incógnitas (itens 3 e 4da estratégia), expressando-os em notação pertinente, para se ter fácil acesso, emqualquer etapa da resolução, acerca do que se dispõe e do que se necessitadeterminar. Inserir dados, e mesmo incógnitas, nos diagramas apresentados peloproblema ou naqueles elaborados pelo solucionador pode ser de grande utilidade.A partir dos dados, explicitamente apresentados nos problemasnuméricos, isto é, não literais, verifica-se a vantagem de trabalhar neste ou naquelesistema de unidades, caso as grandezas envolvidas não possuam unidades expressasCad.Cat.Ens.Fis., v.14,n3: p.229-253, dez.1997. 241em um mesmo sistema. Algumas vezes pode ser interessante efetuar, de imediato,as transformações necessárias para se ter uma idéia mais clara das intensidadesrelativas das grandezas envolvidas ou, mesmo, para evitar possíveis esquecimentosquando da substituição das mesmas pelos seus correspondentes valores numéricosnas equações do problema. Muitas vezes, contudo, simplificações de termos ou deunidades podem tornar desnecessária esta tarefa de transformação.Estes primeiros itens da estratégia, que dependendo da natureza doproblema exigem uma maior ou menor aplicação do solucionador para a suaimplementação, procuram incentivar o estudante a dar início ao problema,auxiliando-o na sua formulação. Um começo, mesmo incipiente, representa, por si,uma mudança significativa em relação à atitude de leitura e desistência que seapodera de muitos alunos quando se envolvem com a resolução de problemas emfísica. Este procedimento inicial, enfim, pode e deve direcionar a atenção do
solucionador para o que propõe o próximo item da estratégia.O item seis da estratégia sugere uma analise qualitativa do problema, afim de delineá-lo o mais claramente possível, antes de passar à sua quantificação,isto é, antes de se lidar com as equações que permitirão resolvê-lo. Consideraçõessobre a constância desta ou daquela grandeza, as aproximações envolvidas, aaplicabilidade de leis e princípios implicados, etc., exemplificam aspectos de umproblema que, levados em conta em uma discussão inicial, contribuem para que sedesenvolva uma melhor clareza e compreensão da situação tratada.Esta discussão qualitativa, em nível mais aprofundado, é a que se busca,propositadamente, em problemas não convencionais, de enunciados abertos ousemi-abertos. Nestes casos, o enunciado não se constitui em uma fonte completa deinformações, isto é, não apresenta os dados usuais de que se necessita pararesolver o problema, como ocorre nos de enunciados fechados - os tradicionais.Assim, um enunciado do tipo Calcule o tempo em que se dará oencontro entre um automóvel e um carro de polícia que se lança em suaperseguição exemplifica um enunciado aberto, em contraste com um enunciadofechado que, envolvendo situação análoga, apresentaria uma descrição completa damesma, especificando, para o cálculo do tempo de encontro dos veículos, aseparação inicial entre eles, suas respectivas velocidades e os tipos de movimentos.Os problemas sem dados no enunciado obrigam os alunos a fazer hipóteses, aimaginar quais devem ser os parâmetros pertinentes e de que forma intervêm. Sãoas hipóteses que focalizam e orientam a solução.(3) Já a estrutura rígida de umenunciado fechado dá pouca, ou nenhuma, margem para a emissão de hipóteses porparte do solucionador.Com problemas de enunciados abertos, Gil Perez, seu grande
incentivador, propõe uma mudança radical na didática habitual da resolução de242 Peduzzi, L.O.Q.problemas em física. Além de propiciarem uma resolução de problemasnecessariamente mais participativa e consciente, pelo estudante, estes problemasmostram-se potencialmente úteis para familiarizar melhor o aluno com algunsaspectos da metodologia científica, que aparece distorcida nos problemastradicionais, segundo este pesquisador espanhol.Ocorre que a estrutura usual dos problemas de lápis e papel, em física,calcada na busca de uma conexão entre dados e incógnitas, induz o estudante aconsiderar o conhecimento como resultado de um processo indutivo de inferência apartir de dados conhecidos, isto é, a uma visão empirista da ciência.De acordo com Gil Perez, uma autêntica resolução de problema deve,necessariamente, possibilitar ao solucionador a emissão de hipóteses e a elaboraçãode estratégias de solução, a partir do repertório teórico de que dispõe, bem comouma cuidadosa apreciação da resposta obtida, em termos de sua viabilidade física àsituação desenvolvida.(20) Neste sentido, ao mesmo tempo que ressalta a importânciados problemas de enunciados abertos para alcançar estes objetivos, ele se posicionacontra o uso de problemas-tipo , que provocam fixação e tornam mais difícil oengajamento do aluno dentro de uma concepção de problema que privilegia ocaráter de investigação que esta atividade deve ter.É importante ressaltar que a metodologia proposta por Gil Perez para aabordagem de problemas sustenta-se, teoricamente, no desenvolvimento de umensino em conformidade com certos aspectos consensuais da moderna filosofia daciência (Kuhn, Popper, Lakatos, Toulmin, Hanson etc.). Isto é, em um ensino que
deve destacar o papel central da hipótese e do conjunto de pressupostos teóricos docientista na proposição, delineamento, articulação e seleção de teorias. Atransformação de um problema fechado em um problema de enunciado aberto nãodemanda maiores dificuldades(21,22), o que sem dúvida facilita a sua utilização peloprofessor em classe.A análise qualitativa (e a elaboração de hipóteses) presente em maior oumenor intensidade em um problema, dependendo de seu tipo , conduz de formanatural à busca por equações que se ajustem às condições do problema e querelacionem as grandezas nele envolvidas (item sete da estratégia).Os itens seis e sete da estratégia deixam claro que é necessária umaadequada fundamentação teórica para que seja viável uma resolução de problemabem sucedida. Uma boa compreensão das equações de definição, leis e princípios éessencial para uma aplicação correta dos mesmos. A posse de um conhecimentorelevante na estrutura cognitiva, especialmente se claro, estável e discriminável,facilita a solução de problemas. De fato, sem tal conhecimento nenhuma solução deproblemas é possível, apesar do grau de habilidade do aprendiz na aprendizagemCad.Cat.Ens.Fis., v.14,n3: p.229-253, dez.1997. 243pela descoberta; sem este conhecimento ele não poderia nem começar acompreender a natureza do problema com que se defronta. (23)
Vê-se, assim, o quanto é imprópria a atitude, bastante comum, deestudantes que se lançam à resolução de problemas sem antes terem desenvolvidoao menos uma compreensão básica do quadro conceitual em que eles se inserem.Isto, certamente, em nada favorece o intercâmbio entre teoria e problemas, nostermos de Kuhn. O que acontece, então, nesses casos, via de regra, é que o
estudante fica perdido e ou desiste do problema ou incorre em erro, utilizando,indiscriminadamente, equações que nada têm a ver com a situação considerada.O item oito da estratégia salienta a importância do sistema de referênciana resolução de problemas. O caráter vetorial de inúmeras grandezas físicas, bemcomo especificações de energia potencial, de posição etc., exigem do solucionadoruma particular atenção para definir convenientemente o referencial que vai orientaras suas ações, já que uma escolha apropriada do mesmo pode simplificar bastante oequacionamento de um problema.A instrução nove da estratégia incentiva o desenvolvimento literal deum problema, já que este procedimento, amplamente utilizado por bonssolucionadores de problemas, se constitui em um fator diferenciador entreespecialistas e novatos.(14) As vantagens em se obter uma expressão algébrica para agrandeza incógnita e, somente após, nela inserir valores numéricos são, entre outras,as seguintes(24):a) a expressão obtida pode ser checada dimensionalmente;b) o cancelamento de termos na derivação da expressão é exato;c) o significado físico do resultado é frequentemente mais claro;d) problemas similares, com diferentes valores para as variáveis, podemser resolvidos sem que se tenha que recorrer a uma nova derivação;e) quando a resposta não está correta, pode-se verificar se o erro está nafísica, na álgebra ou na aritmética;f) em verificações de aprendizagem, a obtenção correta de umaexpressão poderá merecer a maior parte dos pontos da questão, em que pese erro dearitmética no resultado encontrado.Ao se desenvolver um problema literalmente e encontrar uma expressãogeral para a quantidade procurada em função de parâmetros especificados pelo
enunciado (problemas fechados) ou indicados pelo próprio solucionador (problemasabertos) se obtém, especificamente, a relação de dependência da incógnita sobreoutras quantidades (independente desta ou daquela grandeza, proporcional a esta ouaquela quantidade, etc.). Isto possibilita contrastar a análise qualitativa previamenterealizada pelo solucionador com o resultado do problema, além de viabilizar oexame de casos limites (atribuir a uma grandeza valores muito grandes ou muito244 Peduzzi, L.O.Q.pequenos e verificar o seu efeitos sobre a grandeza incógnita). A consideração decasos limites não é apenas útil para detectar resultados incorretos, mas tambémpara modificar delineamentos qualitativos, fixar limites de validade das expressõesobtidas, etc. (25)
A analise crítica do resultado de um problema (item dez da estratégia) é,sem dúvida, uma importante e imprescindível tarefa a ser executada pelosolucionador. Além do que já foi dito a este respeito, deve-se ainda mencionar queo exame da viabilidade física de uma resposta pode sugerir a existência deincorreções na fase de execução do plano estabelecido: é comum, por exemplo,erro no desenvolvimento literal de um problema, ou quando da substituição dasgrandezas por seus valores numéricos. Por outro lado, em situações onde aaritmética proporciona mais de um resultado (como ocorre em certos problemasenvolvendo o movimento de projéteis e também em situações que demandam ocálculo do tempo de encontro de dois corpos), a interpretação e seleção da respostapertinente faz-se presente como uma ação indispensavelmente obrigatória.Registrar os pontos-chave no processo de solução (item onze daestratégia), como aspectos relativos à análise qualitativa, possíveis hipóteses,
adequação de equações, leis e princípios e a análise do resultado, além de tornar oproblema mais compreensível para quem o lê (professor ou colega), pode ser útil aopróprio solucionador em uma leitura ou estudo posterior do mesmo. Uma resoluçãofundamentada e claramente explicada, previamente ou à medida que se avança ,como adverte Gil Perez(3), exige verbalização, o que a coloca longe dos tratamentospuramente operativos, sem nenhuma explicação, que se encontram muitocomumente nos livros de texto e em situações de sala de aula.Há sempre alguma coisa a se fazer em relação a um problema, mesmodepois de resolvido. Assim, considerar as perspectivas abertas pelo problema para oestudo de novas situações-problema é o que propõe o item doze da estratégia. Oestudo de uma (ou mais) variante do problema recém resolvido pode e deve levar osolucionador a uma compreensão mais abrangente do quadro teórico em que ele sesitua. Quando dar realmente por finalizado um problema é, portanto, umainteressante questão que se coloca ao solucionador(26).Todo este conjunto integrado de ações contribui, enfim, para que oestudante proceda à resolução significativa de um problema, incorporando a soluçãoà sua estrutura cognitiva. Com isso, afasta-se o fantasma da solução mecânica, quetão incansavelmente acompanha a resolução de problemas de muitos estudantes.Esta última ocorre quando se obtém a solução de uma dada situação sem entendê-labem(27,28). Uma fonte geradora deste mecanismo é o que o pesquisador americanoClement(29) denomina conhecimento centrado em fórmula. Isto sucede quando osolucionador utiliza corretamente uma equação, princípio, etc. chegando aoCad.Cat.Ens.Fis., v.14,n3: p.229-253, dez.1997. 245resultado, mas a idéia que tem da situação física envolvida é pouca ou nenhuma.
Neste caso, ele pode utilizar um tipo de representação com sucesso (por exemplouma fórmula) mas ter muita dificuldade com uma outra forma de representação damesma situação (um gráfico, por exemplo). Pode, também, ter bastante dificuldadeem explicar o quê, e por quê, fez.Às vezes, por mais que se tente, e dispondo de conhecimento específicopara tal, não se consegue resolver um problema. Nestes casos, pode ser interessanteutilizar o processo de incubação , mencionado por Wallas (seção 2). Deixar oproblema temporariamente de lado, envolvendo-se em outros afazeres, parececontribuir no sentido de dissipar idéias confusas sobre o mesmo. Ao retornarnovamente ao problema, depois de passado um certo tempo, o solucionador, porvezes, consegue obter a solução correta do mesmo. Um exemplo bastante comumdeste fato provém de relatos de estudantes que afirmam ter resolvido em casa umproblema que durante a prova não haviam conseguido solucionar.Uma versão mais dramática do processo de incubação seguido poriluminação, nos termos de Wallas, sucede quando vem à mente do indivíduo, derepente, a resposta, a chave para a resolução, num contexto em que, curiosa ecaprichosamente, o solucionador não está diretamente envolvido com o problemaem si. Isto foi exatamente o que se passou com o notável matemático francêsJ.Henri Poincaré (1854-1912), quando deixou Caen, onde vivia, para realizar umaexcursão geológica. Conforme ele mesmo relata, ...a sensação e o motivo daviagem fizeram-me esquecer meu trabalho matemático. Tendo atingido Countances,dirigimo-nos ao ônibus que nos levaria a nosso destino. No momento em que pus opé no estribo veio-me a idéia, sem que nada em meus pensamentos anteriores
tivesse pavimentado o caminho para isto, de que as transformações que usei paradefinir as funções fuchsianas eram idênticas às da geometria não-euclidiana. Nãoverifiquei de imediato a idéia; não teria tempo, eis que, assentando-me no ônibus,prossegui numa conversa que já tinha começado - mas eu sentia uma certezaabsoluta. Quando de meu retorno a Caen, verifiquei o resultado...(30).Um outro exemplo, bastante interessante, vem do historiador e tradutorgalileano Stillman Drake. Profundo conhecedor da obra e da vida de Galileu, surgea este conceituado pesquisador, repentinamente , uma nova e perturbadorahipótese que tem a força de redirecionar todo o planejamento de um trabalho já emandamento. Assim, no capítulo introdutório de seu livro Galileu ele relata: Sóquando escrevia este livro, e depois de ter redigido parte dele de maneira bastantediferente, é que me ocorreu, muito repentinamente, tentar a hipótese de que Galileu246 Peduzzi, L.O.Q.tinha falado não convencional mas sinceramente no seu zelo pela Igreja+, e que, naverdade, o zelo católico o motivara a correr certos riscos pelos quais, finalmente,não foi recompensado mas castigado. Tendo lido anteriormente, e muitas vezes, osdocumentos relevantes, tinha-os, por assim dizer, simultaneamente presentes compalavras de Galileu em várias ocasiões relacionadas com elas. O efeito que estanova hipótese me provocou foi como um choque elétrico, como encontrar por acasoum documento esquecido, que resolve velhas confusões. (31)
Naturalmente, é condição necessária para a ocorrência de situaçõesanálogas as acima descritas o empenho do indivíduo em reinteradas tentativas deresolução de seu problema . Não é de forma alguma eficaz deixar temporariamentede lado um problema sem termos a impressão de que já conseguimos alguma
coisa, de que pelo menos um pequeno ponto foi estabelecido, de que algum aspectoda questão ficou de certo modo elucidado, quando paramos de trabalhar nele.Somente voltam melhor delineados aqueles problemas cuja resolução desejamosardentemente ou para o qual tenhamos trabalhado com grande intensidade. Oesforço consciente e a tensão parecem necessários para deflagrar o trabalhosubconsciente. De qualquer modo, tudo se passaria com grande facilidade se assimnão fosse: poderíamos resolver difíceis problemas simplesmente indo dormir ouesperando o aparecimento de uma idéia brilhante.(32)
VI - Observações e comentários finaisEm um levantamento informal realizado pelo autor deste trabalho nosegundo semestre de 1995, em consulta a dez professores do Departamento deFísica da UFSC em atuação (ou recentemente envolvidos) na disciplina Física I(Mecânica), cursada por estudantes de diversas áreas do conhecimento (Física,Química, Matemática, Engenharias etc.), sobre as possíveis causas do fracasso dosestudantes em relação à resolução de problemas nesta disciplina, houve, como erade se esperar, quase que uma unanimidade no diagnóstico destes docentes emrelação a dois pontos básicos:a) falta de um adequado embasamento teórico, isto é, poucacompreensão dos conceitos e princípios subjacentes aos problemas, o que conduz,do ponto de vista cognitivo, a dificuldades na descrição física e na própriainterpretação e compreensão do enunciado do problema; a pouca visão física da+ O tratamento formal, em comunicação oral ou escrita mantido com autoridades exigia, aotempo de Galileu (e ainda hoje), o uso de palavras de estima e apreço que não tinham,necessariamente, compromisso com a sinceridade.Cad.Cat.Ens.Fis., v.14,n3: p.229-253, dez.1997. 247situação apresentada; ao não entendimento do que as equações expressam, o que
resulta na aplicação incorreta de conceitos e leis físicas, favorecendo a resoluçãomecânica; a dificuldades na análise do problema e aplicação dos conceitos eprincípios pertinentes etc. eb) insuficientes conhecimentos de matemática elementar (deficiênciasem trigonometria básica, na análise de gráficos, na manipulação das variáveis deuma equação, na resolução de equações de 10 e 20 graus, e na solução de um sistemade equações), que impedem uma adequada formalização e tratamento sem errosda situação-problema.Foram também destacados:a falta de uma metodologia para a abordagem de problemas, peloaluno; (Professores R e S)a falta de raciocínio lógico; (Professores R, S e ML)o desinteresse do aluno pela disciplina, manifesto pelo pouco empenhona resolução dos problemas propostos, pela freqüência irregular em sala deaula, por uma rotina assistemática de trabalho e pelo seu descrédito quanto autilidade da disciplina em seu currículo. (Professores T, ML, PC, H e W)Cabe ainda registrar algumas observações isoladas que, no conjunto dasrespostas às causas das dificuldades dos alunos recém ingressos na universidadecom a resolução de problemas de física, ajudam a mostrar a dimensão do problemaem que se insere esta questão.Um operativismo mecânico. Os alunos são condicionados, a partirdo 20 grau, a verem os problemas como uma questão de aplicação da fórmulacorreta , a qual eles devem encontrar no seu repertório decorado. Desta forma, nãose preocupam, ou mesmo não desenvolvem, as habilidades de interpretação doenunciado e de análise teórica da situação-problema. Deve-se notar que as formascomo os problemas são apresentados nos textos do 20 grau e mesmo universitários
induzem a este tipo de atitude por parte do aluno (e do professor, muitas vezes).(Professor A)Atitude de apatia frente a um problema - o aluno conclui que nãosabe (ou não quer) fazer e portanto nem tenta, espera que o professor faça.(Professor S)Os alunos não se interessam pela resolução de um problema,apenas pela sua solução. (Professor ML)O imediatismo. Nossos estudantes permanecem em aula se agratificação for imediata (uma dica importante, um bom humor em classe, umabrincadeira etc.). A noção de que a verdadeira gratificação é cumulativa e muito248 Peduzzi, L.O.Q.pouco estimulante do ponto de vista emocional parece ser estranha aos alunos.Talvez isso seja infantilismo intelectual. (PC)A existência de inúmeras edições de problemas resolvidos, quefunciona como um mecanismo que desmobiliza o estudante a dar a devida atençãoao trabalho de resolver os problemas (Professor PC)Os alunos manipulam variáveis físicas como se fossem merasvariáveis matemáticas. Também lêem o enunciado com pouca atenção, o que osimpede de captar a mensagem do problema. (Professor W)Os alunos não estão acostumados a estudar de forma correta, o queimpede uma associação pertinente entre teoria e problemas. Os problemas sãoestudados de forma aleatória e não como exemplares paradigmáticos de certosaspectos teóricos. (Professor A)A opinião destes professores, de modo geral, vem reforçar o que seprocurou mostrar nas considerações feitas ao longo deste trabalho. Ou seja, quealém da ênfase no conteúdo teórico (físico e matemático) em que se fundamenta aresolução de problemas sobre um determinado assunto, de capital importância parauma resolução significativa de problemas e à sua subseqüente incorporação àestrutura cognitiva do solucionador, é preciso, igualmente, se investir na resolução
de problemas como um tema também suscetível de uma aprendizagem, por parte doaluno.A análise crítica de estratégias (como a aqui apresentada e/ou de outrasexistentes na literatura especializada(24,33-35)), inserida num contexto de discussãogeral sobre a importância e os objetivos da resolução de problemas de lápis e papelno ensino da física, pode ser de grande utilidade para que o estudante, maisconsciente e com uma melhor compreensão do assunto, desenvolva metodologiasmais eficientes para a abordagem dos problemas que lhe são propostos.Problemas de enunciados abertos, pelo impacto inicial que causam einteresse que logo despertam no estudante, devidamente explorados pelo professorem sala de aula e nas usuais listas de problemas, mostram-se, da mesma forma,indubitavelmente úteis no delineamento de um conjunto articulado de ações quevisa mudar o perfil do tradicional aluno resolvedor de problemas , origem de tantosinsucessos.Quanto aos problemas fechados, no qual se incluem os problemasexemploou problemas-tipo, de amplo uso na didática usual da resolução deproblemas, não é preciso e nem se deve rechaçá-los, ou buscar, necessariamente,tranformá-los em problemas abertos equivalentes. Eles também têm a sua função noaprendizado do estudante. Não há nada de errado, naturalmente, com a solução deproblemas, identificando-os genuinamente como exemplos de uma classe maisCad.Cat.Ens.Fis., v.14,n3: p.229-253, dez.1997. 249extensa à qual certos princípios e operações podem ser aplicados - desde que secompreenda os princípios em questão, porque eles se aplicam a este caso em particular,e a relação entre os princípios e as operações manipulativas usadas na
aplicação. Com demasiada freqüência, porém, isto não é o caso. Na maioria dassalas de aula de matemática ou de ciências, a solução de problemas-tipo envolvepouco mais do que a memorização de rotina e aplicação [mecânica] defórmulas. (36) Cabe, portanto, ao professor, estar atento à esta importante observaçãoao fazer uso destes problemas em classe.Neste contexto de transformação , a postura coerente do professor quevaloriza em suas avaliações o registro dos pontos-chave no processo de resoluçãode um problema (análise qualitativa, hipóteses feitas, justificativa de leis eprincípios utilizados, análise do resultado e comentários gerais) aparece como umincentivo (com as duas interpretações que lhe cabem) de fundamental importânciapara que o aluno reveja a sua prática usual de abordar problemas.Também não se pode deixar de constatar que a rotina da resolução deproblemas, seja em grande grupo (professor + classe, geralmente com ênfase emproblemas-tipo) ou em grupos menores (aluno-aluno, aluno-professor-aluno), que seformam espontaneamente ou com o auxílio do professor, em sala de aula e tambémem situações extra-classe, caracteriza esta atividade como um empreendimentoeminentemente coletivo. Estruturado convenientemente, certamente estimula acolaboração entre diferentes indivíduos.Visto estritamente sob esta ótica, contudo, parece procedente a crítica deque as dificuldades individuais dos estudantes em relação a resolução de problemassão absolutamente normais, pois em avaliações de aprendizagem, notadamente,exige-se do aluno uma competência para o qual não foi apropriadamente preparadoe/ou estimulado - resolver problemas sozinho: Se observarmos o comportamentode alunos numa sala de aula, envolvidos na resolução de um problema, vamos
notar que a interação social e os comportamentos cooperativos predominam. Osalunos trocam idéias e informações entre si; o professor freqüentemente intervémdirigindo-se a alguns grupos ou à toda sala fazendo sugestões, chamando a atençãopara determinados detalhes ou cuidados a serem tomados, até que, aqui e ali, aospoucos, a solução aparece. Logo ela é compartilhada e a maioria dos alunosconsegue resolver o problema.... No entanto, nas avaliações, é isso que se exige doaluno: fazer o que não aprendeu, mostrar uma competência que ainda nãoadquiriu. Ele, então, fracassa, é claro. (37)
Por isso, é também muito importante alertar o estudante para que invistaparte do seu tempo de estudos à reflexão individual, visando o aprofundamentoteórico do quadro conceitual e a resolução de problemas por esforço próprio. Nestecaso, todo o contexto de discussão ocorrido nos grupos de trabalho certamente250 Peduzzi, L.O.Q.contribuirá para o seu posicionamento mais crítico e envolvimento mais produtivocom novas situações-problema.A resolução de problemas em pequenos grupos também pode e deve serexplorada pelo professor em suas avaliações da aprendizagem, até como forma deespelhar melhor a realidade dos trabalhos desenvolvidos em sala de aula. Não háporque ser contra esta idéia. Os problemas abertos de Gil Perez são bastantepropícios para este fim.O tema resolução de problemas de lápis e papel no ensino da física éabrangente, complexo, sutil,...desafiador, também, pelas possibilidades deinvestigação e de opções que abre ao professor e das perspectivas de mudança quetraz ao aluno.VII - Referências Bibliográficas1. ECHEVERRÍA, M.P.P. & POZO, J.I. Aprender a resolver problemas y resolver
problemas para aprender. In: POZO, J.I. (Coord.) La solución de problemas.Madri, Santillana, 1994. p.17.2. ECHEVERRÍA, M.P.P. & POZO, J.I. Referência 1, p.18.3. GIL-PEREZ, D., MARTINEZ-TORREGROSA, J., RAMIREZ, L., DUMASCARRÉ,A., GOFARD, M. & CARVALHO, A.M.P. Questionando a didáticade resolução de problemas: elaboração de um modelo alternativo. CadernoCatarinense de Ensino de Física, 9 (1): 7-19, 1992.4. ECHEVERRÍA, M.P.P. & POZO, J.I. Referência 1, p.20.5. WALLAS, G. The art of thought. Nova York, Harcourt, 1926. Citado porMAYER, R.E. Cognição e aprendizagem humana (Tradução de Thinking andproblemsolving, 1977). São Paulo, Cultrix. p.86.6. DEWEY, J. How we think. Boston: Heath, 1910. Citado por AUSUBEL,D.P., NOVAK, J.D. & HANESIAN, H. Psicologia Educacional (Tradução deEducational Psychology, 1968). Rio de Janeiro, Interamericana, 1980. p.478.7. POLYA, G. A arte de resolver problemas (Tradução de How to solve it, 1945).Rio de Janeiro, Interciência, 1995.8. POLYA, G. Referência 7, pp.3-4.Cad.Cat.Ens.Fis., v.14,n3: p.229-253, dez.1997. 2519. REIF, F., LARKIN, J.H. & BRACKETT, G.C. Teaching general learning andproblem-solving skills. American Journal of Physics., 44(3): 212-217, 1976.10. KUHN, T.S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo, EditoraPerspectiva, 1987.pp.232-233.11. LESTER, F.K. A procedure for studying the cognitive processes used duringproblem-solving. Journal of Experimental Education, 48(4): 323-327, 1980.12. LARKIN, J.H. & REIF, F. Understanding and teaching problem-solving inphysics. European Journal of Science Education, 1(2): 191-203, 1979.13. LARKIN, J.H. & McDERMOTT, J. Expert and novice performance in solvingphysics problems. Science, 208(4450): 1335-1342, 1980.14. ROSA, P.R.S., MOREIRA, M.A. & BUCHWEITZ, B. Alunos bons
solucionadores de problemas de Física: caracterização a partir de umquestionário para análise de entrevistas. Revista Brasileira de Ensino de Física,14(2): 94-100, 1992.15. ZAJCHOWSKI, R. & MARTIN, J. Differences in the problem solving ofstronger and weaker novices in physics: knowledge, strategies, or knowledgestructure? Journal of Research in Science Teaching, 30(5): 459-470, 1993.16. POZO, J.I. (Coord.) La solución de problemas. Madri, Santillana, 1994.17. KRAMERS-PALS, H. & PILOT, A. Solving quantitative problems: guidelinesfor teaching derived from research. International Journal of Science Education,10(5): 511-521, 1988.18. RECOMENDAÇÕES DOS GRUPOS DE TRABALHO DA V RELAEF.Caderno Catarinense de Ensino de Física, 9(3): 258-276, 1992.19. POLYA, G. Referência 7, p.4.20. GIL-PEREZ, D. & MARTINEZ-TORREGROSA, J. La resolución deproblemas de Física una didáctica alternativa. Madrid/Barcelona, EdicionesVicens-Vives, 1987. p.10.21. GIL-PEREZ, D. & MARTINEZ-TORREGROSA, J. Referência 20, Capítulo 3.252 Peduzzi, L.O.Q.22. GARRET, R.M., SATTERLY, D., GIL-PEREZ, D. & MARTINEZTORREGROSA,J. Turning exercises into problems: an experimental studywith teachers in training. International Journal of Science Education, 12(1): 1-12, 1990.23. AUSUBEL, D.P., NOVAK, J.D. & HANESIAN, H. Psicologia Educacional(Tradução de Educational Psychology, 1968). Rio de Janeiro,Interamericana,1980. pp.476-477.24. BURGE, E.J. How to tackle numerical problems in physics.Physics.Education, 6(4): 233-237, 1971.25. GIL-PEREZ, D. & MARTINEZ-TORREGROSA, J. Referência 20, p.54.26. BLAKESLEE, D. & WALKIEWICZ, T. A. When is a problem finished?The Physics Teacher, 29(7): 464-466, 1991.
27. PEDUZZI, L.O.Q. O movimento de projéteis e a solução mecânica deproblemas.Caderno Catarinense de Ensino de Física, 1(1): 8-13, 1984.28. PEDUZZI, L.O.Q. Solução de problemas e conceitos intuitivos. CadernoCatarinense de Ensino de Física, 4(1): 17-24, 1987.29. CLEMENT, J. Solving problems with formulas: some limitations. EngineeringEducation, 72(-): 158-162, 1981.30. MAYER, R.E. Cognição e aprendizagem humana (Tradução de Thinking andproblem solving, 1977). São Paulo, Cultrix. p.87 (Adaptado).31. DRAKE, S. Galileu. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1981. p.21.32. POLYA, G. Referência 7, p.156.33. WRIGHT, D.S. & CLAYTON, D.W. A wise strategy for introductory physics.The Physics Teacher, 24(4): 211-216, 1986.34. PADGETT, W.T. The long list and the art of solving physics problems. ThePhysics Teacher, 29(4): 238-239, 1991.Cad.Cat.Ens.Fis., v.14,n3: p.229-253, dez.1997. 25335. MESTRE, J.P., DUFRESNE, R.J., GERACE, W.J. & HARDIMAN, P.T.Promoting skilled problem-solving behavior among beginning physics students.Journal of Research in Science Teaching, 30(3): 303-317, 1993.36. AUSUBEL, D.P., NOVAK, J.D. & HANESIAN, H. Referência 23, p.474.37. GASPAR, A. A teoria de Vygotsky e o ensino de física. Trabalho apresentadono IV Encontro de Pesquisa em Ensino de Física. Florianópolis, maio, 1994.
UFF - Instituto de Física
Situações-Problema a partir de Tiras de Humor
Novembro/2003 Equipe:
Profª Lucia da Cruz de Almeida
Profª Isa Costa
Profª Maria Camila Morato
Prof Renato Cardoso Santos
Adriano Ferreira da Silva
Jaqueline Michele da Silva 1 Introdução
• Exercícios/problemas de Física no ensino médio:
Prática Usual Diretrizes Atuais
- Excessivo número de exercícios repetitivos;
- Abordagem quantitativa em detrimento dos
conceitos/aplicação de fórmulas;
- Na maioria das vezes, sem aplicabilidade no
cotidiano do aluno;
- Aprendizagem: predominância da
memorização.
- Desenvolvimento de competências e
habilidades que permitam: a explicitação de
concepções, a elaboração de hipóteses, busca
por solução e senso crítico;
- Fórmulas: síntese da abordagem
conceitual/um tipo de linguagem;
- Situações contextualizadas, relacionadas com
o cotidiano do aluno;
- Aprendizagem: assimilação ativa (percepção,
compreensão, reflexão e aplicação)
• Situações-Problema:
São compreendidas como situações que abrangem, além dos “tradicionais”
problemas numéricos de Física, outras que favoreçam a explicitação das concepções
alternativas dos estudantes, a elaboração e verificação de hipóteses e, num estágio final,
permitam o aprofundamento dos conteúdos se configurando como desafios.
• Outras Formas de Linguagem e a Linguagem Científica
A literatura decorrente das pesquisas educacionais tem revelado a importância da
utilização das diversas formas de expressão cultural como “ponte” para que os alunos
venham a dominar o discurso racional da Ciência.
Dessa forma, têm sido empregados como recursos de ensino diferentes materiais
que integram a vivência do aluno fora do espaço escolar. Dentre eles, textos literários, letras de música, filmes de ficção científica, desenho animado, anúncios, jornais e
histórias em quadrinhos.
Em relação às histórias em quadrinhos, percebe-se que uma das suas
particularidades – as tiras de humor (THs) - têm sido bastante usadas em livros didáticos
e alguns concursos de vestibular. Nos livros didáticos, na maioria das vezes, elas têm
servido apenas de ilustração para o conteúdo.
Uma outra forma de exploração das THs no ensino de Física, que tem tido boa
aceitação nos meios acadêmicos, é a proposta por Francisco Caruso e Luisa Daou. Ao
invés de serem utilizadas THs de reconhecidos autores nacionais e estrangeiros, as tiras
são criadas por estudantes do ensino médio com orientação de professores universitários,
centradas em temas da Física.
3. Proposta para a utilização de THs
As características das THs de circulação social (jornais, revistas, catálogos e
Internet) permite destacá-las como um recurso importante para o ensino. Como elas
integram a vivência cotidiana das pessoas, considera-se que poderão servir de elo entre
os conteúdos escolares e as experiências dos alunos, estimulando-os ao estudo.
Dentre as características das THs, destaca-se:
- Familiaridade dos estudantes com o material;
- Articulam elementos básicos da comunicação: desenho e linguagem direta;
- Abrangem múltiplos universos, inclusive o científico (Física);
- Linguagem e contexto comuns aos estudantes;
- Material de fácil acesso aos professores;
- Vertente lúdica. Em relação à Física, parte-se do pressuposto que a exploração das THs como
elemento central na elaboração de enunciados de situações-problema em aulas de Física
do ensino médio possa resultar em:
- Desenvolvimento do senso crítico;
- Domínio da linguagem científica;
- Aplicabilidade dos conteúdos da Física em situações cotidianas;
- Compreensão dos modelos científicos em confronto com outras formas de
interpretação do mundo Físico;
- Contribuir para a superação de falhas na leitura e na escrita.
A análise de diversas THs de autores nacionais e internacionais, tais como
Maurício de Sousa, Ziraldo, Fernando Gonsales, Quino, A. Silvério, Bill Watterson, J.
Davis, para citar apenas alguns, indicaram que em relação aos conteúdos da Física que
abrangem podem ser classificadas como:
Diálogos e desenhos apresentam diretamente os enunciados
www.monica.com.br http://www.publico.pt/calvin_and_hobbes
Diálogos e desenhos apresentam a situação física para a elaboração do enunciado;A análise da tira pelo leitor (professor) permite a criação do contexto para a situação.
Quino,1993
4 A Construção de Situações-Problema
A exploração das THs no ensino de Física têm permitido a construção de
enunciados de situações-problema que permitem: introdução de conteúdos com
exploração das representações dos estudantes (exemplo 1); apropriação de
conhecimentos e habilidades (exemplo 2); o aprofundamento de conhecimentos
(exemplos 3 e 4); a correlação dos conceitos físicos com os conteúdos disciplinares de
outras áreas do conhecimento (exemplo 5).
Para melhor utilização das THs, além dos procedimentos usuais de informática
para digitalização de imagens e textos decorrente de material impresso, os softwares
I_view 32 e photo MG suite facilitam algumas alterações importantes, tais como: inversão
de imagens, omissão/inclusão de diálogos, recorte de partes da TH, etc.
A seguir, são apresentados alguns exemplos de situações-problema construídas. Exemplo 1:
Analise a tirinha abaixo:
http://www.publico.pt/calvin_and_hobbes
a) Suponha que você dispõe de fios, uma lâmpada de 1,5 V e uma pilha. Dentre as
opções a seguir, escolha aquela que representa a ligação correta para o
funcionamento da lâmpada.
a.1 ( ) a.2 ( ) a.3 ( )
b) Solicite ao seu professor a lâmpada, os fios e a pilha e faça a ligação de acordo
com a sua escolha anterior. Verifique se a lâmpada acendeu. Tente outras ligações
até que a lâmpada acenda.
c) Se você estivesse no lugar do pai do Calvin, qual seria a sua explicação para o
funcionamento da lâmpada de filamento? Exemplo 2:
Na tirinha a seguir é apresentado um diálogo fisicamente incorreto.
http://www.publico.pt/calvin_and_hobbes
Utilizando seus conhecimentos sobre trocas de calor, crie, nos balões em branco da
reprodução da tirinha, um diálogo coerente com a linguagem científica. Exemplo 3
Observe a tirinha abaixo.
Maurício de Sousa
a) A Mônica afirmou, num certo dia, que era conhecedora de todos os ramos e leis
da Física. Sabendo desta afirmação e observando a tirinha acima você concorda
com ela?
b) Agora chegou a sua vez de mostrar que conhece um pouco dos assuntos da
Física.
b.1) Que grandeza física a Mônica parece não conhecer? Justifique.
b.2)Supondo que os módulos da velocidade da bola na incidência e reflexão na
parede sejam iguais, represente vetorialmente, para a situação mostrada na
terceira cena, a direção e o sentido da força resultante na bola, durante o
contato com a parede. Exemplo 4:
Tira 1
http://www.publico.pt/calvin_and_hobbes
Tira 2
http://www.publico.pt/calvin_and_hobbes
Tira 3
http://www.publico.pt/calvin_and_hobbes
Analise as cenas das tiras acima e responda os itens a seguir:
a) Represente na figura da cena 3, da tira 1, as forças que estão atuando no Calvin.
Apresente uma explicação para o questionamento do Calvin na cena 4 da mesma
tira. b) Sabendo que o peso do Calvin é de aproximadamente 250 N, qual o volume
mínimo do balão de gás para suspendê-lo do chão? Considere que o balão está
cheio de hélio (µ = 1,7 x 10
-4
g/cm
3
).
c) Com base na resposta encontrada no item anterior, discuta com seus colegas
de grupo sobre a possibilidade de um fato semelhante (um único balão
suspender uma criança) ocorrer no dia-a-dia. Justifique sua resposta.
d) Nas cenas da tira 2, quando Calvin decidiu mudar o ponto de fixação da
extremidade livre do fio do balão para uma das presilhas de sua calça, seu corpo
sofreu um “giro”. Que grandeza física provocou a rotação do corpo de Calvin?
e) Na tira 3, Calvin prevê a explosão de seu balão, você concorda com a explicação
dele? Justifique.
Exemplo 5:
Enquanto em algumas regiões do Brasil ocorrem grandes desperdícios de
energia elétrica, milhões de brasileiros não têm acesso a este bem.
“ Em pleno século XXI, mais de 10 milhões de brasileiros ainda não têm energia
elétrica em casa. Em regiões como Gravatá, zona rural a apenas 85 km de Recife,
famílias passam noites à luz de vela. (...) Geograficamente, o maior desafio é levar
energia elétrica às regiões mais distantes dos grandes centros. A região Norte é a
de menor índice de eletrificação. Entre as áreas menos atendidas, destacam-se o
Alto do Solimões, no Amazonas, e uma grande faixa do estado do Pará que vai da
divisa com o Mato Grosso, ao sul, até o Oceano Atlântico. São áreas maiores do que
o estado de São Paulo ...” ( Jornal O Globo, 19/09/2003)
O plano do atual governo prevê que em 5 anos todos os brasileiros que não têm
energia elétrica em suas residências sejam atendidos. Porém, especialistas consideram
ser evidente a necessidade de melhorar a eficiência nos processos de geração de
energia e de utilizá-la de forma racional, evitando desperdícios. a) Qual o consumo médio de energia elétrica em sua residência nos últimos doze
meses (você pode encontrar este valor na conta mensal de energia elétrica,
procure se informar)?
b) Na tabela, a seguir, estão listados alguns aparelhos elétricos utilizados com
freqüência nas residências. Complete as informações da tabela, de acordo com
os dados de sua residência.
Aparelho Elétrico Potência Elétrica Tempo de uso
mensal
Consumo de energia
mensal
Chuveiro
Ferro de passar
Lâmpadas
c) Você acha que sua família está desperdiçando energia? Justifique.
d) Suponha que você deixe a lâmpada do seu quarto acesa por 6 h diariamente.
Considerando que estava desperdiçando energia elétrica, decidiu reduzir 10%
do tempo de permanência da lâmpada em funcionamento. Ao término de 30 dias:
d.1) Qual foi a redução, em kWh, no consumo de energia?
d.2) Qual o valor, em Reais, que foi economizado por sua família?
e) No quadro a seguir está identificada a matriz de geração de energia elétrica do
Brasil.
Faça uma pesquisa sobre estas formas de geração de energia elétrica e seus
aspectos positivos e negativos. Apresente os resultados de sua pesquisa num texto de
aproximadamente uma página. 6 Onde encontrar THs
• Sites:
- www.mônica.com.br
- www.publico.pt/calvin_and_hobbes
- www.meninomaluquinho.com.br
• Jornais:
- O Globo
- Folha de São Paulo
- Jornal do Brasil
- O Dia
• Catálogos
- Gonsales, F. (2002) Níquel Nausea: com mil demônios. São Paulo: Devir
- _________ (2002) Níquel Náusea – Botando os Bofes para Fora. São Paulo: Devir
- Lavado, J. S. (Quino) (1993) Toda Mafalda. Tradutores Andréa Stahel et al. São Paulo:
Martins Fontes.
- Watterson, B. (1995) Os Dias estão Simplesmente Lotados. Tradução e adaptação:
Sueli de Jesus Lopes e Antony R. l. Seadon. São Paulo: Best Expressão Social e Editora
Ltda.
- Watterson, B. (1996) Felino Selvagem Psicopata Homicida. Tradução: Marcelo de
Castro Bastos. São Paulo: Best Expressão Social e Editora Ltda.
- Davis, J. Garfield em Ação (vários volumes). RJ:Salamandra.
- Davis, J. Garfield em Peso. Tradução de Laura Rosseti Barreto Ribeiro. SP:CEDIBRA.
- Sousa, Maurício (2003) As Melhores Tiras de Nico Demo. São Paulo:Globo.