O desenvolvimentismo e o estado brasileiro contemporâneo
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Aps um longo perodo de transio poltica (1983-94), institucionalizou-
-se uma nova forma de Estado no Brasil, configurada pela ambio de dar
ao pas posio de destaque na ordem internacional, de manter uma rela-
o democrtica com a sociedade e de seguir um padro moderadamente
liberal em suas relaes com a economia.
A poltica de insero internacional, a democracia e a orientao libe-
ral da economia surgiram _..:.cada uma delas - anos antes, mas passaram a
ter uma articulao consistente em meados da dcada de 1990. De fato, a
forma de Estado que hoje ordena a vida poltica brasileira tem dois pilares
centrais: de um lado, a Constituio democrtica de 1988, que estendeu,
ampliou e protegeu os direitos da cidadania; e, de outro, o Plano Real de
estabilizao, lanado em i994, e o conjunto de reformas liberais efetivadas
no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Embora a Constituio de 1988 tenha fixado as orientaes normati-
vas, as regras e as garantias da democracia brasileira, no conseguiu dar es-
tabilidade poltica ao pas antes do Plano Real e de as reformas econmicas
do perodo Cardoso terem redefinido as relaes entre o Estado brasileiro
e a esfera econmica. Somente a, com a estabilizao da moeda, a maioria
da populao reconciliou-se com o Estado de direito democrtico. Ao
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mesmo tem.po, as reformas liberais conseguiram superar as agudas contro-
vrsias promovidas pelo empresariado a propsito do estatismo da Cons-
tituio de 1988. Tal articulao entre os pilares a que me referi ganhou
grande solidez a partir de 2003, quando as organizaes polticas e sindicais
que tinham participado do processo de democratizao, esquerda do es-
pectro poltico, conquistaram a direo do Estado e aceitaram plenamente
a ordem poltica vigente.
A estabilidade poltica conquistada por essa forma de Estado - e de-
pois consolidada com a ascenso do PT ao poder central- no impediu e,
sim, pelo contrrio, foi o resultado de disputas polt icas acesastanto no plano
poltico-partidrio quanto no tocante orientao das polticas de Estado
em relao economia.
No que diz respeito s disputas polticas relativas interveno estatal
na esfera econmico-social, foco de minha ateno neste captulo, estas
tm sido moldadas desde o final dos anos 1980 por trs iderios principais:
o neoliberal, o neodesenvolvimentista e o estatal-distributivista.
O padro de relao Estado/mercado vigente nos anos 1980, o
nacional-desenvolvimentismo deteriorado desde a "crise da dvida" de
1982/83, encontrou defensores nas m ltiplas agncias econmicas do
Estado e nos segmentos empresariais mais dependentes da proteo es-
tatal. Mas sua defesa em relao s ideias liberais, que se expandiram
desde seu epicentro' anglo-saxo, foi feita de forma localizada e frag-
mentada. O velho nacional-desenvolvimentismo no encontrou, de fato,
defensores no plano poltico. As foras polticas de esquerda (PT, PCdoB,
PCB etc.) e parte da centro-esquerda nacionalista (existente no PMDB
e PDT) propugnavam no por sua continuidade, mas por sua renovao
com inflexo e sq ue rd a. Do que se tratava? Essa inflexo podia significar a
"desprivatizao do Estado", com o rompimento das articulaes" esp -
rias" entre empresas estatais e empresas privadas; e/ou a reorientao daspolticas de Estado para a distribuio da renda. Este ltimo significado
era o que contava com um n mero mais amplo de defensores. De qual-
quer forma, mantinha-se a nfase no crescimento baseado no mercado
interno. Pode-se denominar esse iderio "desenvolvimentismo estatista
e distributivo".
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A esse iderio contrapunham-se os projetos liberalizantes. O iderio
neoliberal, como se sabe, ganhou relevncia no fim dos anos 1970 em
funo das dificuldades de superar a recesso e a inflao daquela dcada
com os instrumentos "keynesianos" de gesto macroeconmica, instru-
mentos antes predominantes, especialmente na Europa. Os governos da
primeira-ministra MargaretThatcher na Inglaterra e, depois, do presidente
Ronald Reagan nos EUA adotaram uma gesto econmica de orientao
monetarista, priorizando o combate inflao em relao preservao do
emprego e dos rendimentos do trabalho, abandonando as diretrizes keyne-
sianas. Aos poucos a poltica monetarista foi associada a outras propostas,
como a desregulao dos mercados, a privatizao de empresas estatais, a
reduo dos gastos sociais e do intervencionismo do Estado, o equilbrio
das finanas p blicas, o livre fluxo de capitais e de mercadorias, compondo,
ou melhor, dando fora poltica ao neoliberalismo, doutrina existente, mas
de pouca expresso desde o ps-Il Guerra Mundial. Esse neoliberalismo
renovado disseminou-se pelo mundo "ocidental", impulsionado pelos go-
vernos ingls e norte-americano e pelas agncias econmicas multilaterais,
como o Fundo Monetrio Internacional e o Banco Mundial. O reformis-
mo neoliberal adotava (e adota) uma perspectiva puramente mercantil-
-financeira, que tinha em vista a produtividade e a rentabilidade do capital
e, como horizonte, uma economia globalizada.
O iderio de "integrao competitiva" nasceu como reao crise do
Estado nacional-desenvolvimentista, que, estrangulado pela dvida externa
e por desequilbrios fiscais, perdeu condies, na dcada de 1980, de im-
pulsionar o desenvolvimento brasileiro, diretamente ou por meio de suas
empresas.' A idela central contida no projeto de "integrao competitiva"
era de transferir para a iniciativa privada o centro motor do desenvolvi-
mento brasileiro, reduzindo as funes empresariais do Estado e "abrin-
do" a economia brasileira para o exterior. No se propugnava, porm, um
1 Para a exposio do iderio, seu surgimento e sua evoluo dentro do BNDES e o impacto
imediato, ver Mouro (1994). Esse iderio no foi desenvolvido inicialmente no que diz
respeito s recomendacs macroeconmicas a que se associa. Recentemente, isso vem sendo
intentado por vrios autores que se identificam com essa corrente, principalmente Luiz Car-
los Bresser-Pereira.Ver, entre outros, Bresser-Pereira (2010 e 2012).
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"ajuste" passivo aos dinamismos do capitalismo mundial; propunha-se, ao
contrrio, uma reestruturao d o s is te ma p ro du tiv o brasileiro a fim de tor-
nar a ind stria brasileira competitiva no plano internacional. Da a nfase
dos formuladores e difusores do projeto de "integrao competitiva" na
formulao e execuo de polt icas industriais que estimulassem o empre-
sariado privado a agir nessa direo. Nisso tal projeto se distinguia e se
contrapunha ao iderio neoliberal. O iderio da "integrao competitiva"
diferenciava-se do neoliberalismo tambm por ser, ao contrrio deste, uma
forma de nacionalismo no defe ns iv o, mas de afirmao nacional no plano
internacional. Como consequncia, essa vertente liberal almeja um Estado
"forte", com capacidade de comando sobre as atividades econmicas que
se desenvolvem em seu territrio.
Em resumo: os motes do neoliberalismo so reduzir o Estado s suas
funes sociais (sa de p blica, educao etc.) e orientar sua poltica ma-
croeconmica para a estabilidade monetria, decorrente da boa administra-
o das finanas do Estado e de uma poltica monetria ortodoxa; os le-
mas do neodesenvolvimentismo - ou liberal-desenvolvimentismo - so
priorizar o investimento p blico em infraestrutura e polticas industriais
que reestruturem a ind stria e promovam a competitividade internacional
das empresas privadas; e as palavras de ordem do estatal-distributivismo so
a preservao de um Estado forte, o crescimento econmico baseado no
mercado interno e na distribuio de renda para as camadas desfavorecidas.
Quais eram, na dcada de 1980, os portadores desses iderios? O es-
tatismo distributivista teve como portadores nos anos 1980 os partidos de
esquerda, o PDT e parte do PMDB.Apesar da derrota de 1989, os partidos
de esquerda o mantiveram como diretriz poltica, que serviu, junto com
o velho nacional-desenvolvimentismo protecionista, como casamata ideo-
lgica de resistncia partidria, empresarial e da tecnoburocracia estatal ao
reformismo liberal.
A grande imprensa e as elites empresariais adotaram, na segunda me-
tade dos anos 1980, uma perspectiva cada vez mais liberal, embora algo
imprecisa, cujo n cleo era o combate ao estatismo. Denunciava-se o in-
tervencionismo estatal nas relaes mercantis, especialmente o controle de
preos, e o desequilbrio das finanas p blicas, identificado como fonte
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primeira da inflao. No limite, especialmente entre os economistas, esse
liberalismo ganhou uma articulao mais definida e consistente na forma
de neoliberalismo. Esse iderio encontrou abrigo entre os partidos conser-
vadores e em segmentos do PSDB.No mesmo perodo - segunda metade dos anos 1980 - ganhou
fora entre dirigentes e tcnicos de alto nvel das empresas estatais, espe-
cialmente do BNDES, o iderio da "integrao competitiva", perspectiva
liberalizante alternativa ao neoliberalismo. No fim da dcada de 1980 ela
se difundiu entre as elites empresariais, mas de forma limitada, servindo
de plataforma poltico-intelectual para a organizao, por uma frao da
grande ind stria paulista, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento
Industrial (Iedi). No plano partidrio, foi adotada por parte do PSDB e
do PMDB.
Esses trs iderios marcaram, com nfases diversas, todos os governos
desde 1995. De fato, esses governos conduziram suas polticas orientando-
-se por combinaes distintas desses iderios. Em funo disso, estes foram
sendo ajustados uns aos outros, mas sempre com predomnio da poltica
macroeconmica tendente ortodoxia liberal.
O s p e r o d o s C ard o s o e L u la
No perodo Cardoso, focado principalmente na estabilidade, dominou
uma poltica macroeconmica ortodoxa, sendo as polticas monetria e
cambial favorveis ao rentismo financeiro e desestimulantes para o sistema
produtivo, A isso agregou-se um conjunto bastante extenso de reformas
institucionais liberalizantes: a consolidao do sistema financeiro privado,
privatizaes de empresas estatais, a concesso de servios p blicos ini-
ciativa privada e o disciplinamento das finanas p blicas. Essa poltica deu
continuidade ao Plano Real e, apesar das crises econmicas atravessadas
pelo pas no perodo, manteve-se a estabilidade monetria alcanada.
Embora predominasse no perodo uma retrica e polticas associadas
ao neoliberalismo, as polticas de Estado no se submeteram plenamente
quele iderio.
Por um lado, foram reforados os instrumentos de interveno do Esta-
do na economia, mediante a transferncia das concesses dos monoplios
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66 das empresas estatais para o prprio Estado, a recuperao e o reforo das
::; instituies financeiras da Unio - Banco do Brasil, Caixa Econmica
~ Federal (CEF) e BNDES -, a execuo de polticas industriais, como a
:::; efetivao de um acordo automotivo com a Argentina. No segundo gover-
g no Cardoso, porm, as iniciativas "desenvolvimentistas" foram praticamen-~ te abandonadas, embora a adoo do "cmbio flutuante" tenha aliviado aa:~ presso negativa do cmbio valorizado sobre a ind stria.
~ Por outro lado, no plano distributivo, seguiu-se desde 1994 uma poli-
~ tica de elevao do salrio mnimo real, desenvolveram-se polticas sociaisd
o universalistas - como, por exemplo, a universalizao do ensino funda-
mental-, criou-se a Comunidade Solidria, expandiu-se o atendimento
dos incapacitados para o trabalho e, no segundo governo Cardoso, foram
iniciadas polticas de transferncia de renda (com cerca de 6,5 milhes de
famlias atendidas pelo Bolsa Escola e pelo Bolsa Alimentao). A inten-
sificao das polticas sociais chama a ateno para uma caracterstica im-
portante do "neoliberalisrno" implementado no Brasil e em outros pases
da Amrica Latina: a inexistncia de restrio s polticas de bem-estar,
como ocorreu na Europa, e sim, pelo contrrio, uma acentuada expanso
dessas polticas em relao s vigentes no velho Estado nacional-desenvol-
vimentista.
Durante o perodo Lula, foram preservadas todas as reformas liberali-
zantes institudas anteriormente e a poltica macroeconmica do segundo
governo FHC. No se avanou, porm, no plano institucional; o processo
de privatizao foi praticamente estancado e pouco se fez para superar
gargalos conhecidos, como o previdencirio e o tributrio. Embora no pe-
rodo Lula se acentuasse a retrica desenvolvimentista, e, em seu segundo
mandato, tenha crescido exponencialmente o apoio do BNDES ao setor
produtivo, a nfase foi distributiva. nfase, claro, na medida do permitido
pela poltica macroeconmica ortodoxa, de inspirao liberal.
Os investimentos p blicos - que sinalizariam uma poltica desenvol-
vimentista - mantiveram-se muito acanhados, a despeito da publicidade
em torno do PAC. A condio essencial para, pelo menos, preservar a
competitividade do capital produtivo teria sido expandir o investimen-
to p blico. Ora, em relao ao PIB, o investimento p blico ficou pouco
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acima de 2% em 2009 e 2010, o que coloca o Brasil em 1232 lugar entre
128 pases, segundo dados do FMI.Apenas para dimensionar melhor o que
isso significa, o investimento p blico em 26 pases de perfil semelhante ao
brasileiro - incluindo China, ndia, Mxico, frica do Sul, R ssia etc. -
ficou em 6,2% do PIB entre 2000 e 2010. Ou seja, foi cerca de trs vezes
maior do que o do Estado brasileiro (Afonso, 2010).
Se a isso agregarmos o cmbio sistematicamente valorizado e a pol-
tica de juros altos, no havia expanso de crdito do BNDES que pudes-
se compensar a falta de estmulo expanso da capacidade produtiva da
ind stria. Ainda mais que, desde a crise de 2008, se tornou mais dificil a
capitalizao das empresas via lanamento de aes. O que compensou,
do ponto de vista macroeconmico, o baixo impulso industrial foi o ex-
traordinrio impulso nos preos internacionais das commodities ocorrido
desde 2003 e provocado pela expanso industrial chinesa e de outros pases
asiticos. Essa disparada dos preos internacionais permitiu uma grande
elevao nas exportaes de minrios e produtos agrcolas, evitando o
estrangulamento da capacidade brasileira de importao.
J do ponto de vista da distribuio andou-se muito melhor: instituiu-
-se uma poltica formalizada de elevao do salrio minimo real de acordo
com o crescimento do PIB; aumentou-se substancialmente o n mero de
famlias beneficiadas por transferncias de renda (de 6,5 para 12 milhes
de famlias); ampliou-se o acesso ao sistema e ao crdito bancrio para
assalariados, aposentados e microempresas, e aumentou-se muito o acesso
da baixa classe mdia ao ensino superior privado. Obviamente, essa injeo
de recursos na base da pirmide social deu maior amplitude ao mercado
interno.
Ainda nessa perspectiva distributiva, masj no beneficiando os mais po-
bres,foram elevados substancialmente, por presso dos sindicatos do setor
p blico, os salrios dos funcionrios de carreira da Unio e o n mero de
carreiras do Estado. Aumentou-se, pois, a participao da classe mdia
profissional- o funcionalismo de carreira - nos gastos correntes do Es-
tado, gastos que no cessam de crescer em proporo ao PIB desde 1995.
Aumentaram-se as despesas com salrios do funcionalismo, mediante a
ampliao dos quadros da administrao p blica, uma elevao enorme
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mostra a dificuldade do desenvolvimentismo para ganhar centralidade po-
ltica.
Em suma, as pol t icas desenvolvimentistas so ma is comp licad as de susten-
tar politicamente. Desde o final dos anos 1980, as correntes desenvolvi-
mentistas no conseguiram fazer da expanso do investimento produtivo,
da competitividade e do crescimento econmico acelerado valores centrais
para a poltica econmica. Centrais no sentido de que a efetivao desses
valores fosse considerada uma alavanca para a distribuio e a estabilidade
a longo prazo.
Em parte, essa fragilidade se deve prioridade social absoluta dada
estabilizao monetria em funo da crise dos anos 1980. Mas, depois
de consolidada a estabilizao, a baixa prioridade efetiva - no a ret-
rica - dada ao desenvolvimento decorreu, em parte, da incapacidade de
articulao poltico-intelectual dos maiores beneficiados potenciais dessas
polticas, os empresrios industriais, principalmente.
Isso nos leva a indagar de onde veio o evidente suporte empresarial ao governo
Lula ,j que este prosseguiu fundamentalmente, alm da nfase distributiva,
executando a poltica macroeconmica de Cardoso, preservando a estabi-
lidade monetria e, com isso, a renda salrio e os altos ganhos dos rentistas,
sem favorecer a competitividade industrial. verdade que, especialmente
no segundo mandato de Lula, foi muito ampliado o apoio do BNDES
ao capital industrial, mas essa proteo s costuma favorecer uma parcela
muito limitada do empresariado.
Creio que parte da explicao disso est em que o empresariado in-
dustrial tambm tira aproveito, como rentista, da poltica macroeconmica
mantida desde 1995, o que o torna tambm beneficirio da proteo ou-
torgada, implicitamente, ao capital dinheiro pela poltica macroeconmica.
Mas, alm disso, h que considerar a dificuldade enfrentada pelo empresa-
riado industrial brasileiro para se ajustar ao padro mais liberal e favorvel
competio das polticas de Estado que sucedeu o velho padro liberal-
-desenvolvimentista.A antiga frao dominante do empresariado brasileiro
(a industrial) perdeu proeminncia tanto no plano produtivo quanto no
mbito poltico. Atualmente, os segmentos que se expandem na rea pro-
dutiva so o agronegcio e o setor extrativo. Mais ainda, esses novos setores
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e o de infraestrutura vm se expandindo no s com o apoio creditcio
do Estado, mas tambm associando-se a grandes fundos de penso (de em-
presas estatais e privatizadas), em larga medida controlados pelo governo.
compreensvel, pois, que esse empresariado renovado tenha se associadopoliticamente ao governo Lula, ainda que a competitividade propriamente
industrial no tenha sido sua prioridade.
Seguramente, a mudana ocorrida no empresariado no inviabiliza o
iderio desenvolvimentista, mas exige sua redefinio, de modo que possa ser visto
como vetor das demandas de conjunto desse segmento renovado de capitalistas
produtivos.
De qualquer maneira, essas mudanas de suporte social e o consequen-
te desajuste entre iderio e base social acentuam a dificuldade do desen-
volvimentismo em se tornar o eixo das polticas de Estado. Os problemas
apontados marcaram bastante o governo Lula e no desapareceram com
a eleio de Dilma Rousseff para a Presidncia de Rep blica. No h
d vida quanto adeso da nova presidenta ao iderio desenvolvimentista,
embora no haja tanta segurana quanto ao tipo de desenvolvimentismo
que professa.
Embora s se possa avaliar, e com precariedade, o primeiro ano de
seu mandato, o governo Dilma vem mostrando grande empenho em de-
senvolver uma poltica desenvolvimentista consistente. A despeito desse
empenho, tem sido muito dificil reorientar as polticas fiscal e monetria
legadas pelo governo anterior, isso para no falar na ineficincia e na cor-
rupo da administrao p blica.
Os an ncios iniciais de controle dos gastos correntes, o lanamento de
um programa de estmulo inovao, a preservao da poltica do BNDES
e a ousadia na conduo da poltica monetria pelo Banco Central, que
tende a reduzir a remunerao de curto prazo do capital dinheiro, foram
boas indicaes da prioridade atribuda expanso do sistema produtivo.
Particularmente a poltica de juros sugere, se no me equivoco, a procura
de um novo mix de polticas, diferente do predominante desde 1999.
Apesar disso, os resultados alcanados pela poltica no novo governo
em 2011 foram bastante decepcionantes. O crescimento econmico no
chegou a 3% do PIE, embora o governo almejasse uma taxa de 4,5%; a
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inflao foi contida dentro da tolerncia mxima, mas ultrapassou o centro
da meta fixada: o supervit primrio prometido foi atingido, mas custa
de uma reduo dos investimentos p blicos e graas elevao da arrecadao
rributria.?
possvel atribuir a insuficincia desses resultados s dificuldades de
instalao de um novo governo, ainda muito marcado pela herana rece-
bida do perodo Lula, presidente mais atento preservao de sua coalizo
poltica do que eficincia da administrao p blica.' Mas as presses
dos vrios setores do funcionalismo, do Judicirio e da base parlamentar
governista sobre a nova administrao mostram que se mantm as razes
polticas que militam contra a transferncia de despesas de custeio para
gastos com investimentos. Tais dificuldades no afetam exclusivamente o
governo da Unio: em 2011, os estados mais importantes da Federao,
exceo de Pernambuco, tambm reduziram seus dispndios com investi-
mentos em relao ao ano anterior. 4
A despeito dos problemas apontados, no descabido manter um oti-
mismo cauteloso em relao ao futuro. Apesar das ameaas que pesam so-
bre o crescimento econmico do pas em funo da crise econmica eu-
ropeia, o governo Dilma deve apresentar mais consistncia entre intenes
e resultados. Isso na medida em que tenha superado pelo menos parte dos
obstculos poltico-administrativos herdados e continue a romper as balizas
ideolgico-partidrias que vm bloqueando uma melhor articulao entre
os setores p blicos e a iniciativa privada na realizao de projetos-chave
2 Em 2011, a folha de pessoal e encargos sociais, por exemplo, consumiu R$ 196,6 bilhes,
um aumento de R$ 13,2 bilhes em relao ao total do ano anterior. No que diz respeito ao
investimento, o governo despendeu R$ 41,9 bilhes, bem menos do que em 2010, quando
foram desembolsados R$ 44,7 bilhes para obras e para a compra de equipamentos, segundo
a organizao Contas Abertas, especializada em finanas p blicas.
3Exemplo disso a extraordinria desordem administrativa existente no Departamento Na-cional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), vinculado ao Ministrio dos Transportes e
criado em 2002. Seu novo diretor executivo, nomeado pela presidenta depois da descoberta
de uma rede de corrupo nele presente, declarou, aps a realizao de uma auditoria, que
"o Dnit no tem condies de tocar o PAC". Reportagem de O Estado de S. Paulo de 19
de janeiro de 2012, mostra que as deficincias do rgo atrasam obras, retm pagamentos
- leva-se 300 dias, depois de feita a medio de um servio, para se pagar o devido - e
favorecem desvios.
4 Cf. Editorial de O Estado de S. Paulo de 1Qde fevereiro de 2012.
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para o desenvolvimento do pas. A realizao bem-sucedida, no incio de
2012, do leilo para concesso parcial da gesto de trs grandes aeroportos
iniciativa privada um forte indicador da disposio do governo Dilma
de romper com os mencionados parmetros, o que permitiria acelerar a
recuperao da infraestrutura produtiva do pas, essencial para o aumento
da competitividade empresarial.
claro que as iniciativas apontadas como de tipo liberal-desenvolvi-
mentista ainda no formam um "sistema", pois no tm articulao sufi-
ciente para formar um novo "regime de poltica econmica", nem contam
com forte engajamento poltico-partidrio, dado que o PT parece pouco
disposto a abandonar o ataque a que vinha submetendo as privatizaes.
De qualquer modo, embora problemtica, mantm-se a possibilidade de o
governo Dilma caracterizar-se, mais que os governos que a antecederam
desde 1995, por uma diretriz liberal-desenvolvimentista.
R e fe r n c i a sAFONSO,]. R. O n dos investimentos p blicos. Digesto Econmico, Associao Comercialde So Paulo, 2010. Edio Especial. Disponvel em: .
BRESSER-PERElRA, L. C. Do antigo ao novo desenvolvimentismo na Amrica Latina.
2010, Disponvel em: .
__ . Struturalist rnacroeconorrucs and new developmentalism. 2012, Disponvel em:
.
MOURO, Julio O. F . A integrao competitiva e o planejamento no sistema BNDES.
Revista do BNDE S, v,1,n. 2,dez. 1994.