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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
O CONTRATO INTERNACIONAL DE COMPRA E VENDA DE MERCADORIAS À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO
CARLOS HUMBERTO BÚRIGO FILHO
Itajaí, junho de 2010
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
O CONTRATO INTERNACIONAL DE COMPRA E VENDA DE MERCADORIAS À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO
CARLOS HUMBERTO BÚRIGO FILHO
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Msc. Prof. Newton César Pilau
Itajaí, junho de 2010
ii
AGRADECIMENTO
Agradeço a Deus pela proteção e orientação durante
o caminho.
Aos amigos, que estiveram presentes durante esta
jornada.
A todos os professores da academia, que
contribuíram para o alcance do conhecimento.
Ao meu orientador, Newton, que com talento e
sabedoria ajudou a conduzir este trabalho.
DEDICO ESTE TRABALHO:
A minha família, Carlos Humberto, Lislane e Priscilla, pelo amor e confiança depositados, estando
presentes em todos os momentos da minha vida.
iv
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do
Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de
toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí, junho de 2010
Carlos Humberto Búrigo Filho Graduando
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do curso de Direito da Universidade do Vale do
Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Carlos Humberto Búrigo Filho, sob o
título Contratos Internacionais de Compra e Venda de Mercardorias à Luz do
Ordenamento Jurídico Brasileiro foi submetida em 09/06/2010 à banca examinadora
composta pelos seguintes membros: Newton Cesár Pilau (Msc. Prof. De Direito
Internacional Público) e Felipe Werner (Mestrando em Direito Internacional), e
aprovada com a nota __________________________
Itajaí, junho de 2010
Newton César Pilau Orientador e Presidente da Banca
Antônio Augusto Lapa Coordenação de Monografia
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias1 que o autor considera estratégico à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais2.
Comércio Internacional : Exprime o conjunto de relações
comerciais, mantidas entre as nações, é a expressão que abrange, mesmo as
relações de qualquer ordem: econômicas ou culturais. E assim, exprime, de modo
amplo, todo o intercâmbio econômico, político ou cultural, mantidos entre os povos e
as nações, decorrendo de um Direito, que lhes é peculiar, e assegurado como uma
irradiação do poder soberano, em que fundam a sua individualidade política3.
Contrato : O contrato é uma espécie de negócio jurídico que se
distingue, na formação, por exigir a presença pelo menos de duas partes. Contrato
é, portanto, negócio jurídico bilateral, ou plurilateral4.
Contratos Internacionais de Comércio : Há contratos
celebrados entre pessoas (jurídicas ou não, de direito público ou privado) de
diferentes países que implicam o tráfego de bens e valores entre esses países e
que, assim, podem ser chamados de internacionais, inclusive no sentido semântico
da expressão. Há outros, todavia, cujo caráter internacional é falso5.
Contrato Internacional de Compra e Venda de Mercado rias :
O contrato de compra e venda internacional é o acordo de vontades de duas ou
mais partes, situadas em nações diferentes (exportador e importador), regulando
1 Categoria é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.
PASOLD. Cesar Luiz. Prática de Pesquisa Jurídica : Idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 7 ed. Florianópolis. OAB. p.40
2 Conceito operacional, é uma definição para uma palavra e/ou expressão, com desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos. PASOLD. Cesar Luiz. Prática de Pesquisa Jurídica : Idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. p.56
3 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 19 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 182 4 GOMES, Orlando. Contratos . 26 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 4 5 BAPTISTA, Luiz Olavo. Dos contratos internacionais : uma visão teórico e prática. p.9
vii
seus direitos e obrigações com relação a determinado objeto, para que o ato jurídico
seja perfeito e a transação rigorosamente legal6.
Exportação: Indica, na terminologia comercial e jurídica, todo
ato de remessa de uma mercadoria, ou produto para o exterior, isto é, para fora do
país em que foi produzida7
Importação: É empregado na terminologia jurídica e comercial
para significar a introdução de mercadorias, trazidas por mar, por terra ou por ar, de
um país estrangeiro para o território nacional8.
Lex Mercatoria : São regras que surgiram da crescente
institucionalização das normas disciplinadoras do comércio internacional, oriundas
de um sistema de forças múltiplas (consuetudinárias, convencionais,
jurisprudenciais, arbitrais)9
6 MURTA, Roberto de Oliveira. Princípios e contratos em comércio exterior. São Paulo: Saraiva,
2005, p. 15 7 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. p. 340 8 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. p. 340 9 GARCEZ, José Maria Rossani. Contratos internacionais comerciais : planejamento, negociação,
solução de conflitos, cláusulas especiais, convenções internacionais. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 7
SUMÁRIO
RESUMO............................................................................................ X
INTRODUÇÃO .................................................................................. 11
CAPÍTULO 1 ........................................ ............................................. 13
TEORIA GERAL DOS CONTRATOS ........................ ....................... 13
1.1 ESBOÇO HISTÓRICO ................................................................................... 13
1.2 NOÇÕES GERAIS ......................................................................................... 16 1.2.1 Conceituação ................................ ............................................................. 16 1.2.2 Função Social do Contrato ................... .................................................... 17
1.3 PRINCÍPIOS CONTRATUAIS ........................ ................................................ 19 1.3.1 Princípio da Autonomia da Vontade ........... ............................................. 19 1.3.2 Princípio do Consensualismo ................. ................................................. 20 1.3.3 Princípio do Força Obrigatória .............. ................................................... 21 1.3.4 Teoria da Imprevisão......................... ........................................................ 22 1.3.5 Princípio da Boa-Fé. ........................ .......................................................... 22 1.3.6 Princípio da Relatividade dos Efeitos dos Con tratos ............................ 23 1.3.7 Princípio do Equilíbrio Econômico ........... ............................................... 24
1.4 FORMAÇÃO DOS CONTRATOS ........................ .......................................... 24 1.4.1 Proposta .................................... ................................................................. 25 1.4.2 Aceitação ................................... ................................................................ 26 1.4.3 Contratos por meio eletrônico ............... .................................................. 26
1.5 CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS.................... ...................................... 27 1.5.1 Contratos Unilaterais e Bilaterais .......... .................................................. 27 1.5.2 Contratos Onerosos e Gratuitos .............. ................................................ 28 1.5.3 Contratos Típicos e Atípicos ................ .................................................... 28 1.5.4 Contratos Consensuais e Reais ............... ................................................ 29 1.5.5 Contratos de Execução Imediata e de Execução Diferida ..................... 29 1.5.6 Contratos Solenes e Não-Solenes ............. .............................................. 30 1.5.7 Contratos Principais e Acessórios ........... ............................................... 30
1.6 EXTINÇÃO DO CONTRATO .......................... ............................................... 30
CAPÍTULO 2 ........................................ ............................................. 33
CONTRATOS INTERNACIONAIS DO COMÉRCIO............... ........... 33
ix
2.1 NOÇÕES GERAIS ......................................................................................... 33 2.1.1 Comércio Internacional e Lex Mercatoria ..... .......................................... 33 2.1.2 Conceito de Contrato Internacional do Comérci o .................................. 34
2.2 LEI APLICÁVEL AOS CONTRATOS INTERNACIONAIS .... ........................ 35 2.2.1 Critério da Autonomia da Vontade............. .............................................. 36 2.2.2 Critério da lei do lugar da formação ou celeb ração do contrato .......... 39 2.2.3 Critério da lei do lugar da execução do contr ato ................................... 40 2.2.4 Critério da Proper Law of the Contract ...... .............................................. 41
2.3 ESPÉCIES DE CONTRATOS INTERNACIONAIS .......... .............................. 42 2.3.1 Contrato de Representação ou agente Internaci onal ............................. 42 2.3.2 Contrato de Leasing – Arrendamento Mercantil ..................................... 43 2.3.3 Contrato de Factoring – Contrato de Faturizaç ão. ................................. 44 2.3.4 Contrato de Franchising – Franquia .......... .............................................. 44 2.3.5 Contrato de Know-How ........................ ..................................................... 44 2.3.6 Contrato de Empreendimento em Conjunto – Join t Venture ................ 45 2.3.7 Contrato Internacional de Exportação de Servi ços ................................ 45
2.4 CLÁUSULAS TÍPICAS NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS COMERCIAIS ............................................................................................................................. 46 2.4.1 Cláusula de Estabilização da Moeda .......... ............................................. 47 2.4.2 Cláusula de eleição de foro ou de jurisdição .......................................... 47 2.4.3 Cláusula Arbitral ou Compromissória ......... ............................................ 48 2.4.4 Cláusula de Hardship ........................ ........................................................ 49 2.4.5 Cláusula Penal .............................. ............................................................. 50
CAPÍTULO 3 ........................................ ............................................. 52
DOS CONTRATOS INTERNACIONAIS DE COMPRA E VENDA DE MERCADORIAS .............................. .............................. 52
3.1 CONCEITUAÇÃO .................................. ........................................................ 52
3.2 REGULAÇÃO INTERNACIONAL ....................... ........................................... 53 3.2.1 Instituto Internacional para Unificação do Di reito Privado (UNIDROIT) 54 3.2.2 Conferência de Haia de Direito Internacional Privado ........................... 55 3.2.3 Conferência Internacional de Viena .......... ............................................... 57
3.3 INCOTERMS .................................................................................................. 58 3.3.1 Grupo “E” ................................... ................................................................ 59 3.3.2 Grupo “F” ................................... ................................................................ 60 3.3.3 Grupo “C” ................................... ............................................................... 61 3.3.4 Grupo “D” ................................... ............................................................... 63
3.4 O CONTRATO INTERNACIONAL DE COMPRA E VENDA DE M ERCADORIAS À LUZ DO ORDENAMENTO JURIDICO BRASILEIRO .......... ............................ 65
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................. ................................ 70
REFERENCIA DAS FONTES CITADAS ..................... ...................... 73
x
RESUMO
O presente trabalho, baseado na pesquisa científica, buscou
traçar os aspectos relevantes do instrumento de maior proteção jurídica conferido
aos comerciantes, o contrato. Discorreu-se acerca de seus elementos estruturais e
sua incidência no cenário internacional. A monografia teve como objeto o Contrato
Internacional de Compra e Venda de Mercadorias, estudando-o à Luz do
Ordenamento Jurídico Brasileiro, de forma a perceber se a legislação pátria está em
consonância com as exigências do comércio internacional contemporâneo, uma vez
que se constata a intensificação das operações de comércio exterior em território
nacional e assim a premente necessidade de estabelecer-se uma segurança jurídica
aos contratos oriundos de tais operações. Num primeiro momento trabalhou-se com
a teoria geral dos contratos, abordando desde a evolução histórica do instituto até o
momento em que ocorre a sua extinção. Na seqüência, tratou-se dos contratos
internacionais do comércio enquanto gênero do objeto pesquisado, pormenorizando
seus elementos constantes de maior importância. Ao final, lidou-se com o contrato
internacional de compra e venda de mercadorias e sua respectiva normatização
perante o ordenamento jurídico Brasileiro, contextualizando o referido instrumento às
disposições legais a ele atribuídas no âmbito internacional, verificando se esta é
adequada ao desenvolvimento do Comércio Exterior pátrio e conseqüentemente do
Comércio Internacional.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objeto “O Contrato Internacional
de Compra e Venda de Mercadorias”, e como objetivo institucional a produção de
uma monografia para obtenção do grau de Bacharel em Direito, abordando por meio
de uma investigação doutrinária não exauriente, a contratualização das relações
comerciais de compra e venda de mercadorias em âmbito internacional, de forma a
detalhar seu inteiro teor e assim identificar seus aspectos fundamentais.
Tem como objetivo específico, visualizar as feições que o
Contrato Internacional de Compra e Venda de Mercadorias assume no contexto
social-jurídico contemporâneo, de modo a esclarecer sua atual normatização
perante o ordenamento jurídico Brasileiro, e assim determinar se sua
regulamentação é adequada às exigências do comércio internacional, no sentido de
fomentar o Comércio Exterior Brasileiro, corolário ao desenvolvimento daquele
primeiro.
O Método10 a ser utilizado na fase de Investigação será o
Indutivo; na fase de Tratamento dos Dados será o Cartesiano, e, dependendo do
resultado das análises, no Relatório da Pesquisa poderá ser empregada a base
indutiva e/ou outra que for a mais indicada 11.
O tema proposto fora desenvolvido em razão da expansão
gradativa do Comércio Exterior Brasileiro, mormente em face da necessidade de se
identificar as disposições legais relativas ao objeto aqui vigentes, uma vez que
tende a dar segurança jurídica às operações de comércio internacional, devendo
assim se ter uma tutela jurisdicional rápida e eficiente na solução de um eventual
litígio decorrente.
10 “Método é a forma lógico-comportamental na qual se baseia o Pesquisador para investigar, tratar
os dados colhidos e relatar os resultados”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica - idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8 ed. rev.atual.amp.Florianópolis: OAB/SC Editora, 2003, p.104 .
11 Sobre os métodos nas diversas fases da Pesquisa Científica, vide PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, cit.. especialmente p. 99 a 107.
12
No curso do estudo utilizaram-se as seguintes hipóteses: a) O
comércio internacional no Brasil estaria vinculado à teoria geral dos contratos
vigente no ordenamento jurídico Brasileiro. b) Os Estados potenciais mercantes,
visando promover a integração do comércio internacional entre as nações,
tenderiam a uniformizar as regras pertinentes ao objeto. c) A normatização do
Contrato Internacional de Compra e Venda de Mercadorias pelo Estado Brasileiro
estaria adequada às exigências do comércio internacional, no sentido de dar
segurança jurídica as partes contratantes e estar promovendo o fomento do
Comércio Exterior pátrio, corolário à garantia do desenvolvimento nacional, um dos
anseios da república.
O estudo foi dividido em três capítulos. O primeiro capítulo
sustenta o desenvolvimento da pesquisa ao colacionar a teoria geral dos contratos
vigente na legislação Brasileira ao Comércio Internacional, visualizando aspectos
gerias que dão rumo para a compreensão final do tema, como a princípiologia, a
fomação, a classificação e a extinção dos contratos, .
O segundo capítulo abarca os contratos internacionais do
comércio, identificando sua natureza, os critérios de lei aplicável, cláusulas
importantes, além de algumas de suas espécies constantes no Direito das gentes.
O terceiro e último capítulo aborda a idéia central da pesquisa,
delineando o conceito dos contratos de compra e venda de mercadorias
internacionais, sua regulação internacional, os incoterms enquanto exemplo da lex
mercatoria, e por fim sua normatização perante o ordenamento jurídico Brasileiro,
estabelecendo se este último anda em compasso com o desenvolvimento do
Comércio Exterior Brasileiro, corolário do Comércio Internacional.
Nas considerações finais apresentam-se breves sínteses de
cada capítulo e se demonstra se as hipóteses básicas da pesquisa foram ou não
confirmadas.
CAPÍTULO 1
TEORIA GERAL DOS CONTRATOS
1.1 ESBOÇO HISTÓRICO
É de praxe que, ao analisar um instituto jurídico em sua
concepção integral, reportamo-nos ao Direito Romano para que lá se encontrem os
alicerces que embasam as normas de hoje aqui existentes e em plena vigência.
Porém, percebe-se que o instituto do Contrato não esgota sua origem na escola
romana, sendo esta apenas mais uma parte que contribuíra para a compreensão de
tal fenômeno jurídico.
Em um primeiro momento, as manifestações contratuais
romanas eram pautadas simplesmente pela teoria das obrigações, enaltecidas pela
forma como um elemento indissociável de uma relação jurídica, segundo bem
esclarece LISBOA12:
No direito justinianeu, os juristas bizantinos entenderam que a obrigação nasce da forma e não do acordo de vontades. Tal orientação, porém, não prevaleceu. Pelo contrário, a evolução histórica do instituto acarretou a diminuição do formalismo excessivo e fortaleceu o valor juridicamente atribuído ao acordo entre as pessoas contratantes”
Seguindo a linha do pensamento Romano, PEREIRA13 reforça
o formalismo ora utilizado, o qual posteriormente deu lugar ao acordo recíproco de
vontades:
Entendia o romano não ser possível contrato sem a existência de elemento material, uma exteriorização de forma, fundamental na gênese da própria obligatio. Primitivamente, eram as categorias de contratos verbis, re ou litteris, conforme o elemento formal se ostentasse por palavras sacramentais, ou pela efetiva entrega do objeto, ou pela inscrição no codex. Somente mais tarde, com a
12 LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil . Contratos e Declarações Unilaterais. Teoria
Geral e Espécies. 3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 62. 13 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil . 4. ed. Rio de Janeiro: Editora
Forense, 1995, p. 3
14
atribuição de ação a quatro pactos de utilização freqüente (venda, locação, mandato e sociedade), surgiu a categoria dos contratos que se celebravam solo consensu, isto é, pelo acordo de vontades.
De outro lado, parcela da doutrina atrela a ascendência histórica dos contratos aos estudiosos do Jusnaturalismo e do Direito Canônico, os quais iniciaram a consagração do consensualismo, ou seja, o acordo de vontades como fonte precípua do começo da relação contratual, abonando assim, os formalismos das disposições romanas, e não obstante, surtindo as primeiras idéias do que viria a ser o princípio da Boa-fé objetiva posteriormente. É neste ínterim que merece destaque os ensinamentos de GOMES14:
A contribuição dos canonistas consistiu basicamente na relevância que atribuíram, de um lado, ao consenso, e , do outro, à fé jurada. Em valorizando o consentimento, preconizaram que a vontade é a fonte da obrigação, abrindo caminho para a formulação dos princípios da autonomia da vontade e do consensualismo. A estimação do consenso leva à idéia de que a obrigação deve nascer fundamentalmente de um ato de vontade e que, para cria-lo, é suficiente a sua declaração. O respeito à palavra dada e o dever da veracidade justificam, de outra parte, a necessidade de cumprir as obrigações pactuadas, fosse qual fosse a forma do pacto, tornando necessária a adoção de regras jurídicas que assegurassem a força obrigatória dos contratos, mesmo os nascidos do simples consentimento dos contraentes.
Acerca do pensamento jusnaturalista o autor complementa:
A escola de Direito Natural, racionalista e individualista, influiu na formação histórica do conceito moderno de contrato ao defender a concepção de que o fundamento racional do nascimento das obrigações se encontrava na vontade livre dos contratantes. Desse juízo, inferiram seus pregoeiros o principio de que o consentimento basta para obrigar (solus consensus obligat).
Vislumbra-se, pois, que na modernidade o simples acordo de
vontades, e até mesmo aquele estipulado de modo verbal entre as partes, dava
início a uma relação de obrigações recíprocas, as quais só eram pactuadas para
serem efetivamente cumpridas.
Embora tal concepção naquele tempo parecesse consolidada,
com o advento do período contemporâneo, e consequentemente o apogeu do
regime capitalista, as relações de troca de mercadorias tornaram-se freqüentes e em
razão disso ocorreu a popularização dos contratos, o que por sua vez, surtiu efeitos
14 GOMES, Orlando. Contratos . 26 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 6
15
no âmbito social e foi responsável pela alteração substancial de sua concepção
original, relativamente à autonomia da vontade e ao consensualismo15.
Assim, em virtude da massificação dos contratos e
consectariamente o desequilíbrio existente entre as partes contratantes, o Estado se
viu obrigado a intervir em tais relações negociais, seja atuando no caso em concreto,
seja editando normas de ordem pública para a formação dos mesmos, inferindo
assim, a limitação da liberdade e da vontade de contratar. GOMES16 esclarece a
transformação ocorrida com a noção de contrato:
A suposição de que a igualdade formal dos indivíduos asseguraria o equilíbrio entre os contratantes, fosse qual fosse a sua condição social, foi desacreditada na vida real. O desequilíbrio tornou-se patente, principalmente no contrato de trabalho, gerando insatisfação e provocando tratamento legal completamente diferente, o qual leva em consideração a desigualdade das partes. A interferência do Estado na via econômica implicou, por sua vez, a limitação legal da liberdade de contratar e o encolhimento da esfera de autonomia privada, passando a sofrer crescentes cortes, sobre todas, a liberdade de contratar o conteúdo da relação contratual.
Na mesma direção, RODRIGUES17 expõe com clareza as
razões de tal dirigismo estatal:
Com efeito, o principio da autonomia da vontade parte do pressuposto de que os contratantes se encontram em pé de igualdade, e que, portanto, são livres de aceitar ou rejeitar os termos do contratos. Mas isso nem sempre é verdadeiro, pois a igualdade que reina no contrato é puramente teórica e, por via de regra, enquanto o contratante mais fraco no mais das vezes não pode fugir à necessidade de contratar, o contratante mais forte leva uma sensível vantagem no negócio, pois é ele quem dita as condições do ajuste.
Neste diapasão, refere-se a doutrina aos denominados
“contratos de adesão”, que por total desequilíbrio, caracterizam-se por uma
exteriorização unilateral de vontade, em que resta ao aderente apenas aceita-lo, sob
pena de estar circunstancialmente desprovido de algum serviço ou bem essencial à
sua vida.
15 GOMES, Orlando. Contratos , p. 8 16 GOMES, Orlando. Contratos , p. 8 17 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil . Dos Contratos e Das Declarações Unilaterais de Vontade 30 ed.
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 18.
16
Com muita propriedade o professor e jurista Pablo Stolze
GAGLIANO18 sugere uma atenuação na dicotomia de interesses entre as partes:
De fato, a mesma sociedade, que contrata em massa e exige respostas imediatas e praticamente padronizadas para demandas repetidas, não pode desprezar o ser humano, enquanto individuo, com liberdade e consciência, que busca a forma adequada e segura para o cumprimento de sua livre e consciente vontade. Conjugar esses dois interesses, que aparentemente se chocam de forma diametral, é um dos grandes desafios do civilista da modernidade.
Portanto, é dedutível que, perante a sociedade contemporânea
hão os juristas de ponderar o fato da contratação em massa, indispensável ao
desenvolvimento econômico, e a proteção dos interesses do hiposuficiente na
relação contratual, como forma de não banalizar os direitos e garantias individuais
expressos na constituição.
1.2 NOÇÕES GERAIS
1.2.1 Conceituação
A palavra “contrato” pode conter diferentes acepções. Distante
da locução dada pelos dicionários em um sentido puramente superficial, qual seja de
“unir” ou “contrair”, jungimo-nos a conceituá-la num aspecto técnico-jurídico,
buscando a agregação de elementos que melhor o definam.
PEREIRA19 conceitua o contrato de modo consistente:
É um negócio jurídico bilateral, e de conseguinte exige o consentimento; pressupõe, de outro lado, a conformidade com a ordem legal, sem o que não teria o condão de criar direitos para o agente; e, sendo ato negocial, tem por escopo aqueles objetivos especificos. Com a pacificidade da doutrina, dizemos então que o contrato é um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos.
Assim, celebra-se um contrato sempre que se queira
18 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso De Direito Civil . Contratos. 3. ed. São Paulo: Saraiva,
2007, p. 8 19 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil ., p. 2
17
estabelecer normas para o desenvolvimento e realização de determinado negócio de
interesse jurídico, regulando-se interesses reconhecidos pela ordem jurídica,
criando-se, modificando-se ou extinguindo-se obrigações.
GOMES20, por sua vez, assinala que o contrato é “uma espécie
de negócio jurídico que se distingue, na formação, por exigir a presença pelo menos de
duas partes. Contrato é, portanto, negócio jurídico bilateral, ou plurilateral ”.
Nada obstante, preconiza DINIZ21 que:
concebe o contrato dois elementos fundamentais que perfeitamente denotam a noção do instituto, leia-se, o elemento estrutural, em que se caracteriza pela fusão de duas ou mais vontades contrapostas, e o elemento funcional, que identifica a composição de interesses também contrapostos, mas harmonizáveis, e que constituem, modificam ou solvem direitos e obrigações na área econômica.
Para tanto, é visível que o contrato representa o instrumento
que formaliza uma união de vontades destinadas a atingir os fins ditados pelos
interesses jurídicos dos contraentes, surtindo assim, efeitos na órbita obrigacional
do Direito.
1.2.2 Função Social do Contrato
Firmado o conceito do que seja um “contrato”, antes de
adentrar aos princípios propriamente ditos que o regem, se faz necessário uma
abordagem mais eloqüente acerca do que seja sua função social, em que muitos
doutrinadores a identifiquem como um princípio jurídico social de conteúdo geral e
indeterminado a ser aplicado em qualquer relação contratual.
Isto posto, eis a razão de ser pelo que dispõe o artigo 421 do
Novo Código Civil Brasileiro de 2002, que assim inovou“A liberdade de contratar
será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
A função social do contrato vai sendo desvendada na medida
em que os interesses privados e a liberdade de contratar colidem com a
20 GOMES. Orlando. Contratos , p. 4 21 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações Contratuais. São
Paulo: Saraiva, 1995, p. 22 - 23
18
necessidade de atuação do Estado na proteção de Direitos sociais, resultado da
constitucionalização de Direitos fundamentais, a qual se toma como exemplo a
função social da propriedade, esta última, a qual serviu de parâmetro para a
idealização da função social dos contratos. HUMBERTO THEODORO JR22 , ressalta
que a função social do contrato pode manifestar-se em dois níveis:
a) intrínseco – o contrato visto como relação jurídica entre as partes negociais, impondo-se o respeito a lealdade negocial e à boa-fé objetiva, buscando-se uma equivalência material entre os contratantes;
b) extrínseco – o contrato em face da coletividade, ou seja, visto sob o aspecto de seu impacto eficacial na sociedade em que fora celebrado.
Em vista disso, tornou-se visível que o contrato não se presta
mais simplesmente a equacionar a vontade única dos contratantes, mas há que,
outrossim, observar os reflexos de sua constituição no contexto social. A respeito
disto, GAGLIANO23 de maneira magnífica observa um exemplo:
Imagine-se, por exemplo, que se tenha pactuado um contrato de engineering (para a instalação de uma fábrica). Mesmo que o negócio seja formalmente perfeito (agente capaz, objeto lícito, forma prescrita ou não defesa em lei etc.), se a legislação ambiental ou de segurança do trabalho, por exemplo, houver sido violada, tal avença não haverá respeitado a sua função social, não devendo ser chancelada pelo Poder Judiciário. Na mesma linha, se se pretendeu instalar a indústria para fim de lavagem de dinheiro.
Por fim, GOMES24 conclui:
(...) o fenômeno da contratação passa por uma crise que causou a modificação da função do contrato: deixou de ser mero instrumento do poder de autodeterminação privada, para se tornar um instrumento que deve realizar também interesses da coletividade. Numa palavra: o contrato passa a ter função social.
Devem, portanto, os contratos de cumprirem suas funções
sociais, objetivando acima dos interesses próprios das partes, um complemento ao
desenvolvimento estatal, primordialmente em razão da circulação de riquezas que
22 THEODORO JUNIOR, Humberto. O Contrato e Sua Função Social . Rio de Janeiro: Forense,
2003, p. 43. 23 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso De Direito Civil . Contratos, p. 54. 24 GOMES, Orlando. Contratos , p. 49.
19
os contratos promovem.
1.3 PRINCÍPIOS CONTRATUAIS
Assim como todos os institutos jurídicos existentes, o Direito
Contratual também é estudado segundo princípios, os quais apontam, em um grau
de abstração, as diretrizes que devem ser tomadas pelo indivíduo segundo o objeto
em que se está trabalhando. Logo, verificam-se alguns princípios incidentes no
campo contratual.
1.3.1 Princípio da Autonomia da Vontade
Conforme a observação ora anotada a respeito da
conceituação dos contratos, denota-se que tal instrumento é resultado de um acordo
de vontades, ao passo em que, perecendo estas últimas, sequer se tem o contrato
por existente.
Para tanto, apresenta-se a autonomia da vontade em
consonância à liberdade de contratar, no sentido de que cabem as partes, e tão
somente à elas, decidir se, quando, como e de que forma contrairão obrigações
recíprocas, afim de satisfazerem seus interesses.
Didaticamente, PEREIRA25 aponta a essência de tal princípio,
alertando para as atenuações de que pode sofrer:
Em suas linhas gerais, eis o princípio da autonomia da vontade, que genericamente pode enunciar-se como a faculdade que têm as pessoas de concluir livremente os seus contratos.
Este princípio não é absoluto, nem reflete a realidade social na sua plenitude. Por isso, dois aspectos de sua incidência devem ser encarados seriamente: um diz respeito às restrições trazidas pela sobrelevância da ordem pública, e outro vai dar no dirigismo contratual, que é a intervenção do Estado na economia do contrato.
Importante destacar a classificação dada por GOMES26, a
respeito da liberdade de contratar, que tornou mais tênue o princípio da autonomia
da vontade: 25 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil . p. 21
20
O contrato de adesão, já referido, é talvez, a mais discutida dessas figuras, mas a doutrina moderna tenta isolar outras que conservam a aparência contratual, dentre as quais despontam como as mais interessantes o contrato coativo e o contrato necessário.
O contrato coativo, considerado por alguns uma relação paracontratual, é aquele em que a lei obriga as partes a estipulá-lo sem alternativa ou a conserva-lo mesmo contra a vontade de uma das partes. Enquadram-se na categoria o seguro obrigatório e a locação prorrogada por determinação legal.
Já o chamado contrato necessário resulta do permanente estado de oferta contratual de certos sujeitos de direito, como as empresas concessionárias de serviços públicos. Tais pessoas não podem recusar-se a contratar, falecendo-lhes, pois, não só a liberdade de escolher a contraparte, mas também a de afastar as regras constantes do regulamento a que devem obediência, em certos setores, para a publicização do contrato em virtude da qual o Direito Público absorve o conteúdo da relação contratual.
Têm-se aí, as limitações à liberdade de contratar, impostas
pela técnica legislativa como forma de atenuação ao arbítrio da parte mais forte na
relação contratual, e bem assim às ofensas aos bons costumes, e que, segundo as
quais, se não observadas, tornam o contrato nulo de pleno direito.
1.3.2 Princípio do Consensualismo
Posto alguns autores colacionem o princípio do
consensualismo à autonomia da vontade, sucintamente distinguimo-nos a fim de
obter um melhor entendimento, considerando estar o consensualismo enraizado no
pensamento jusnaturalista, o qual pregava pelo princípio de que o simples acordo
entre as partes bastava para obrigar (solus consensu obligat). Mais uma vez,
recorremos a GOMES27 na tarefa de explicar tal princípio:
No Direito hodierno vigora o princípio do consentimento, pelo qual o acordo de vontades é suficiente à perfeição do contrato. Em princípio, não se exige forma especial. O consentimento – solo consensu – forma os contratos, o que não significa sejam todos simplesmente consensuais, alguns tendo sua validade condicionada à realização de solenidades estabelecidas na lei e outros só se perfazendo se determinada exigência for cumprida. Tais são, respectivamente, os contratos solenes e os contratos reais.
26 GOMES, Orlando. Contratos , p. 33 27 GOMES, Orlando. Contratos , p. 37
21
Por este princípio, existirá o contrato, portanto, havendo a
declaração convergente de vontades acerca do objeto e de seu conteúdo,
ressalvada as hipóteses dos contratos que exigem forma ou a realização de alguma
solenidade especial.
1.3.3 Princípio do Força Obrigatória
Também conhecido pela expressão em latim “pacta sunt
servanda” , tal princípio tem o condão de assegurar o cumprimento do contrato, em
todos os seus termos, ou seja, firma o entendimento de que o contrato somente foi
constituído para ser efetivamente cumprido.
Daí dizer que a instrumentalização do negócio faz “lei entre as
partes”, refutando válidas as manifestações de vontade estipuladas por ambas as
partes, o que muito embora, poderão não ser consideradas de todo o modo um
vínculo mediato e definitivo da obrigação pactuada, uma vez que circunstâncias
supervenientes poderão interferir na avença.
Desse modo, acentua LISBOA28:
A obrigatoriedade contratual não pode ser considerada, no entanto, absoluta. Com a superveniência dos contratos de adesão e os efeitos decorrentes da sociedade industrial e da sociedade da informação, há duas possibilidades para que as partes se desobriguem do cumprimento do contrato. São elas: a revisão judicial do contrato e a exceção do contrato não cumprido. O dirigismo econômico poderá ensejar a revisão judicial do contrato, como meio de tutela dos interesses individuais e transindividuais. Além disso, uma das partes poderá deixar de cumprir com suas obrigações, invocando a exceção de contrato não cumprido.
No ápice do movimento liberalista, surgem as grandes
potências comerciais, e consequentemente, as posições dispares entre estas e o
consumidor hipossuficiente nas relações contratuais que até então eram paritárias,
fazendo, pois, com que certa desigualdade vertesse alvo do poder Estatal na
contenção de abusos, seja através da revisão judicial, ou mesmo pelo indivíduo,
com amparo da lei, por meio da exceção do contrato não cumprido, que nada mais é
28 LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil . Contratos e Declarações Unilaterais. Teoria
Geral e Espécies, p. 93.
22
do que a possibilidade de não cumprir a avença até que o outro contratante cumpra
sua obrigação.
1.3.4 Teoria da Imprevisão
Ainda que por vezes afastada pela doutrina seu caráter
principiológico, concebe a teoria da imprevisão tamanha importância a ponto de se
poder classificá-la com o status de princípio, a qual é característica marcante da
atenuação da autonomia privada, e bem assim da influencia do dirigismo estatal
nesta última, no intuito de salvaguardar preceitos constitucionais. E é neste sentido
que GOMES29 aclara a referida teoria:
Na justificação moderna da relatividade do poder vinculante do contrato, a idéia de imprevisão predomina. Exige-se que a alteração das circunstancias seja de tal ordem que a excessiva onerosidade da prestação não possa ser prevista. Por outras palavras, a imprevisão há de decorrer do fato de ser a alteração determinada por circunstancias extraordinárias.
Destarte, a teoria da imprevisão pende para a conservação do
pacto incial, buscando o equilíbrio contratual originário, constituindo uma exceção à
inalterabilidade e à intangibilidade do negócio jurídico.
Inovou assim, a chamada cláusula rebus sic stantibus,
disposição esta, que partia do pressuposto de que o contrato para que conservasse
sua eficiência, era subentendido que não deveria ser alterado o estado de fato
existente no momento de sua formação, sendo muito similar à teoria da imprevisão,
mas que distingue-se pelo fato de não aceitar que o acontecimento seja
extraordinário e imprevisível, o que no sentido contraposto, é a essência desta.
1.3.5 Princípio da Boa-Fé.
O princípio da Boa-Fé, inserido no sistema jurídico sob uma
perspectiva neoconstitucional e adequado a todo e qualquer instituto no Direito
hodierno quando presentes interesses contrapostos, atua no cenário contratual de
modo informador dos deveres de lealdade e respeito quando de sua constituição,
condutas estas esperadas pelo homem médio. 29 GOMES, Orlando. Contratos , p. 41
23
Válido ressaltar que referimo-nos à boa-fé objetiva, uma vez
que o termo pode conter diferentes acepções, desdobrando-se em boa-fé subjetiva,
a qual traduz uma situação psicológica do indivíduo, e na boa-fé objetiva, que
consiste em uma regra de comportamento, de fundo ético e com exigibilidade
jurídica. Assim, pontifica DINIZ30 acerca deste princípio:
Segundo esse princípio, na interpretação do contrato, é preciso ater-se mais à intenção do que ao sentido literal da linguagem, e, em prol do interesse social de segurança das relações jurídicas, as partes deverão agir com lealdade e confiança recíprocas, auxiliando-se mutuamente na formação e na execução do contrato. Daí estar ligado ao princípio da probidade.
Em vista disso, o princípio da boa-fé se mostra de forte cunho
valorativo, estabelecendo que as partes, ante quaisquer disposições expressas,
devem zelar pelo cumprimento do contrato, inclinando suas condutas de forma a
alcançar o resultado finalístico pré-ordenado por elas.
1.3.6 Princípio da Relatividade dos Efeitos dos Con tratos
Conforme visto alhures, o contrato faz lei entre as partes. Em
conseqüência disto, tem-se a relativização dos efeitos contratos, ou seja, na
qualidade de princípio informador, significa que o contrato é válido apenas para as
partes contratantes, não prejudicando e nem beneficiando terceiros, embora cabível
algumas raras exceções, como o contrato com pessoa a declarar e o contrato com
estipulação em favor de terceiro.
A respeito do tema doutrina LISBOA31 “Segundo o princípio da
relatividade dos efeitos (res inter alios), o contrato tem seus efeitos limitados àqueles
que o celebraram (efeitos internos), isto é, a relação contratual se torna oponível
perante terceiros, não podendo vir a ser por eles questionada.”
Conclui-se, pois, que a vontade convergente dos contraentes
impõe restrições às eventuais oponibilidades de terceiros, salvo algumas exceções.
30 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações Contratuais. p. 46 31 LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil . Contratos e Declarações Unilaterais. Teoria
Geral e Espécies, p. 97.
24
1.3.7 Princípio do Equilíbrio Econômico
No decorrer da evolução sofrida pela teoria dos contratos,
percebe-se, em certo momento, a inserção no mercado das grandes potências
comerciais e industriais capitalistas, fruto da expansão liberalista. Logo, em face
disso, a referida teoria sofre grandes mudanças, resultado da opressão exercida
pelos mais fortes na constituição de contratos excessivamente onerosos. Neste
diapasão, GOMES32 encontra seu fundamento:
O princípio do equilíbrio econômico do contrato, ou do sinalagma, encontra-se presente no Código Civil primordialmente como fundamento de duas figuras, a lesão e a revisão ou resolução do contrato por excessiva onerosidade surpeveniente. Em ambos os casos, desempenha papel de limite à rigidez do princípio da força obrigatória do contrato.
Sendo assim o princípio do equilíbrio econômico visa atenuar
certas desproporções, dando azo à proteção do hipossuficiente na relação
contratual.
1.4 FORMAÇÃO DOS CONTRATOS
Dada a conceituação dos contratos, leia-se, um negócio
jurídico bilateral ou plurilateral, o qual pressupõe um acordo de vontades recíprocas
em que se busca determinado fim, se faz importante analisar como sucede a sua
formação.
Deste modo, verifica-se que a união convergente de vontades
é não somente um requisito do contrato, mas sim, elemento estruturante e
pressuposto de existência do mesmo, as quais, desde que devidamente
coincidentes, darão início à sua constituição.
DINIZ33 relaciona os elementos indispensáveis à formação do
contrato:
Acordo de vontades das partes contratantes, tácito ou expresso, que se manifesta de um lado pela oferta e de outro pela aceitação. A
32 GOMES, Orlando. Contratos , p. 41 33 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações Contratuais. p. 76
25
proposta e a aceitação são elementos indispensáveis à formação do contrato, e entre elas gira toda a controvérsia sobre a força obrigatória do contrato, sobre o momento exato em que ambas se fundem para produzir a relação contratual, e sobre o lugar em que se reputará celebrado o negócio jurídico.
Embora se verifique na proposta e na aceitação os elementos formadores do contrato, há que se fazer menção ao que se denomina de compromissos preparatórios, atos praticados pelas partes que visem a sua melhor e mais ponderada formação, deduzidos na fase pré-constitutiva.
No que pese, em regra, não terem força vinculante, as
negociações preliminares podem induzir uma responsabilidade pré-contratual, como
bem explicita GOMES34:
O dever de indenizar, no caso, explica-se, segundo alguns, pela teoria da culpa “in contrahendo”. Aquele que é ilaqueado em sua boa-fé, frustrado na sua fundada esperança de contratar, tem direito à reparação dos prejuízos sofridos, isto é, ao interesse contratual negativo – negative Vertragsinteresse -, de acordo com a explicação de Ihering. Em síntese: deixando de contratar, age culposamente, o que, até certo ponto, implica reconhecer que, pelo menos em determinadas circunstancias, as negociações preliminares obrigam. Justificam outros a obrigação de ressarcir os danos, nos limites, evidentemente, do interesse contratual negativo, fazendo apelo à teoria do abuso de direito.
Portanto, a mera criação de expectativa para com o outro
contraente na fase de delineação dos atos preparatórios, pode suportar ao
proponente o ônus da responsabilidade pré-contratual.
1.4.1 Proposta
Em uma segunda fase da formação dos contratos,
diferentemente das negociações preliminares, encontra-se a proposta, que, com
força vinculante, já tende à concretizar o negócio nos termos em que a dispõe, para
análise do aceitante.
PEREIRA35 ensina que:
deve ela ser séria e precisa, uma vez que constitui impulso inicial de uma fonte obrigacional; e deve conter as linhas estruturais do
34 GOMES, Orlando. Contratos , p. 72 35 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil . p. 20
26
negócio em vista, para que o contrato possa considerar-se perfeito, da manifestação singela e até simbólica daquele a quem é dirigida, denominado oblato..
Assim, uma vez feita a proposta, se o contrário não resultar dos
seus termos, da natureza do negócio ou das circunstâncias do caso, vinculado
estará o proponente, o qual não se eximirá de tal obrigação senão retratá-la em
tempo hábil, dado o seu efeito obrigatório, o qual importará, na constatação de tal
hipótese, em responsabilidade por perdas e danos.
1.4.2 Aceitação
RODRIGUES36 leciona que a aceitação: “(...) consiste na
formulação da vontade concordante do oblato, feita dentro do prazo e envolvendo
adesão integral à proposta recebida”.
Trata-se da terceira fase na formação dos contratos, eis que,
condizente com a proposta ofertada, ter-se-á por concluído o negócio, restando
apenas efetivar as formalidades de praxe, quando assim as forem indispensáveis.
Há, no entanto, a figura da contraproposta, assim doutrinada
por RODRIGUES37:
Caso a manifestação da vontade do aceitante não se submeta a tais requisitos necessários, não se tratará de aceitação, mas de nova proposta, que não gerará os efeitos daquela, pois o primeiro proponente ficará desvinculado da obrigação de contratar.
Denota-se, então, que para que se tenha formado o contrato,
jungir-se-ão proposta e aceitação, esta última em total sintonia com a primeira, pois,
de outro modo, ter-se-á a contraproposta, e em conseqüência disto, a inversão dos
papéis, de aceitante para proponente, e vice-versa.
1.4.3 Contratos por meio eletrônico
Com o surto da globalização, mediante a inovação tecnológica,
e especialmente a introdução da internet na vida contemporânea, as relações 36 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil . Dos Contratos e Das Declarações Unilaterais de Vontade. p. 72 37 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil . Dos Contratos e Das Declarações Unilaterais de Vontade p. 73.
27
jurídicas tomaram proporções imensas, a ponto de ultrapassar os limites territoriais
nacionais com um simples clique no computador. Por conta disto, contratos se
formam diariamente, o que exige do operador jurídico uma nova visão acerca do
tema.
Desta feita, interessante a classificação dada por GOMES38,
dentro desta nova perspectiva contratual:
Não é possível qualificar a priori os contratos celebrados por meios eletrônicos (dentre estes os meios informáticos) como contratos entre presentes ou entre ausentes. Esta qualificação dependerá das características do meio em questão. Nas hipóteses em que for possível e usual a aceitação imediata, tais como a teleconferência, vídeo conferencia e meios de comunicação em tempo real (como os chats), aplicar-se-ão as regras dos contratos entre presentes. Ao contrario, os contratos concluídos por meio de troca de mensagens eletrônicas (e-mail), ou diretamente nos endereços eletrônicos de empresas na internet, devem ser considerados contratos entre ausentes, aplicando-lhes, então, o art. 434 do Código Civil.
Denota-se que a doutrina alerta para as hipóteses de presença
ou ausência dos contratantes quando da formação do ato negocial, o que importa no
desdobramento de algumas teorias acerca do momento em que a proposta chega
ao conhecimento do aceitante e vice-versa.
1.5 CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS
Uma vez formado, o contrato traz em seu bojo algumas
peculiaridades símiles presentes em diferentes declarações de vontade. Para tanto,
se vislumbra possível classificá-los a fim de se obter certa homogeneidade de
tratamento e sujeição a regras idênticas visando sua melhor compreensão.
1.5.1 Contratos Unilaterais e Bilaterais
PEREIRA39 os conceitua:
38 GOMES, Orlando. Contratos , p. 81 39 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil ., p. 38
28
(...) define-se como unilateral o contrato que cria obrigações para um só dos contratantes; bilateral, aquele que as origina para ambos. No contrato unilateral, há um credor e um devedor; no bilateral, cada uma das partes é credora e reciprocamente devedora da outra.
Faz-se necessário destacar que a aludida classificação recai
sobre as obrigações pactuadas e não sobre o elemento subjetivo, uma vez que todo
contrato pressupõe declarações bilaterais de vontade.
1.5.2 Contratos Onerosos e Gratuitos
RODRIGUES40 aduz a classificação: “Diz-se a título oneroso o
contrato quando uma das partes sofre um sacrifício patrimonial, ao qual corresponde
uma vantagem que pleiteia”
Trata-se pois, de uma troca de prestações de certo modo
equivalentes, em ambas as partes buscam obter vantagens, tomando-se como
exemplo o contrato de compra e venda.
A respeito dos contratos gratuitos o referido autor prossegue:
“Diz-se a título gratuito o contrato quando somente uma das partes sofre um
sacrifício patrimonial, enquanto a outra apenas obtém um beneficio”
Na mão inversa, o contrato gratuito desprestigia o sentido
formal da equivalência nas prestações, importando vantagens à uma parte e
deveres a outra, como no exemplo do contrato de doação sem encargo.
1.5.3 Contratos Típicos e Atípicos
Acerca da tipicidade dos contratos ensina GOMES41 “A
expressão típicos designa os contratos esquematizados na lei, com esquematização
própria, formando espécies definidas. Dizem-se atípicos os que não se acham
especificamente regulados.”
40 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil . Dos Contratos e Das Declarações Unilaterais de Vontade p. 73. 41 GOMES, Orlando. Contratos , p. 97
29
Por esta classificação identificam-se as espécies contratuais,
quando típicos, também denominados contratos nominados, e quando atípicos,
contratos inominados
1.5.4 Contratos Consensuais e Reais
Por contrato consensual entende GAGLIANO42 num rol
exemplificativo “São exemplos de contratos consensuais todos aqueles não-solenes,
ou seja, que a ordem jurídica não exige nenhuma forma especial para a sua
celebração, tais como a compra e venda de bem móvel, locação, parceria rural,
mandato, transporte e emprego”.
Quanto aos contratos reais, DINIZ43 expõe “Contratos reais são
aqueles que apenas se ultimam com a entrega da coisa, feita por um contraente a
outro, p. ex., o comodato, o mutuo, o deposito, as arras, o penhor e a anticrese.”
Verificando ser o contrato consensual ou real, pode-se
depreender o momento exato de sua formação, pois, conforme seja a estipulação,
estará ela revestida de atos indispensáveis para a sua concretização, tais como a
entrega imediata de coisa em razão de um pagamento.
1.5.5 Contratos de Execução Imediata e de Execução Diferida
Com relação ao momento em que executa-se o contrato,
PEREIRA44 é objetivo:
De execução imediata ou instantânea é o contrato em que a solução se efetua de uma só vez e por prestação única, tendo por efeito a extinção cabal da obrigação. Exemplo típico é a venda a vista, em que o comprador, contra entrega da coisa, faz o pagamento do preço em um só ato.
De execução diferida ou retardada é aquele em que a prestação de uma das partes não se dá de um só jato, porem a termo, não ocorrendo a extinção da obrigação enquanto não se completar a solutio.
42 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso De Direito Civil . Contratos, p. 128 43 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações Contratuais. p.
102 44 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil ., p. 41.
30
Aparentemente tal distinção apenas aperfeiçoa até que
momento ocorre a sobrevivência das obrigações, uma vez que, conforme visto
anteriormente, o contrato pode perdurar sua execução por qualquer tempo.
1.5.6 Contratos Solenes e Não-Solenes
GOMES45 descreve que “são solenes os contratos que só se
aperfeiçoam quando o consentimento é expresso pela forma prescrita na lei.
Também se denominam contratos formais.”
Portanto, os contratos solenes são revestidos de determinada
formalidade, enquanto que, os não-solenes, do outro lado, são despidos de tal
requisito, bastando o consenso mútuo dos contratantes.
1.5.7 Contratos Principais e Acessórios
Pelos ensinamentos de DINIZ46 certifica-se a distinção
“Contratos Principais são os que existem por si, excercendo sua função e finalidade
independentemente de outro”. Contratos Acessórios são aqueles cuja existência
jurídica supõe a do principal, pois visam assegurar a sua execução”.
Conclui-se que o contrato principal é caracterizado pela sua
autonomia e independência, onde está calcado o interesse imediato do contratante,
ao passo em que no contrato acessório sua consistência apenas se verifica com a
existência do negócio jurídico principal, de modo a tornar-lo adimplido.
1.6 EXTINÇÃO DO CONTRATO
O modo normal de extinção de um contrato, via de regra, se dá
pela sua execução. No entanto, nada impede aos contratantes exaurirem seus
efeitos, seja antes do alcance do termo extintivo ou quando da notificação prévia no
contrato por tempo intedeterminado, desde que observadas algumas peculiaridades
45 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria das Obrigações Contratuais. p. 111
31
pertinentes, as quais identificam os demais modos de extinção do contrato,
supervenientes a sua formação e que levam a dissolução do vinculo, sendo assim
classificadas por GOMES47 Resolução: “(...) é, portanto um remédio concedido à parte
para romper o vínculo contratual mediante ação judicial.”
Sucede a resolução por inexecução total ou parcial, voluntaria
ou involuntária, do contrato, consectário de suas obrigações, podendo implicar no
pagamento de perdas e danos, quando ocorrer voluntariamente. Não obstante, pode
uma das partes, unilateralmente dar cabo a sua extinção, prosseguindo GOMES48:
Resilição: (...) é, propriamente, o acordo de vontades para por termo a um contrato, desfazimento, de comum acordo, do laço que prendia os contraentes. Sua forma pura é, assim, o distrato, mas também sucede pela vontade de um só dos contratantes. Há portanto, resilição bilateral e unilateral.
Finalmente, observa-se uma terceira classificação, não
plenamente distinta das anteriores, uma vez que, vez ou outra se encontra inserta
naquelas, assim também lecionada por GOMES49: Rescisão. (...) ruptura de um
contrato em que houve lesão”.
Atente-se para o instituto da conservação do negócio jurídico,
previsto no Código Civil pátrio, e perfeitamente aplicável a situação retro, suscetível
conquanto as partes restabeleçam o equilíbrio das prestações anteriormente
estipuladas.
Ante todo o exposto, num primeiro momento, desenvolvendo a
sistematização basilar da teoria geral dos contratos, mediante um acervo prolixo de
obras doutrinárias, em busca da concretude do tema proposto, tornou-se conclusa a
evolução sofrida pela referida teoria, fruto da massificação econômica social que
constantemente efetiva a troca de prestações obrigacionais visando benefícios
recíprocos, e que espera respostas rápidas para os problemas encontrados,
exigindo do operador jurídico, o devido enquadramento legal, para não restar às
sombras da lei.
47 GOMES, Orlando. Contratos , p. 205 48 GOMES, Orlando. Contratos , p. 222 49 GOMES, Orlando. Contratos , p. 227
32
Na acepção do tema em estudo, tal evolução demonstra
tamanha importância, eis que, como adiante se verificará, a instituição do contrato
não limitou-se a ser objeto das legislações nacionais, mas assumiu feição
internacional com o desenvolvimento do comércio internacional, corolário da
globalização, sendo alvo de regulação própria por meio de normas internacionais.
CAPÍTULO 2
CONTRATOS INTERNACIONAIS DO COMÉRCIO
2.1 NOÇÕES GERAIS
2.1.1 Comércio Internacional e Lex Mercatoria
Antes de adentrar ao estudo dos contratos internacionais
propriamente ditos, necessário se faz uma breve análise de sua conjuntura a fim de
verificar os elementos que o fomentam, ou que, ao menos, permeiam tal ato jurídico.
Salutar, portanto, verificar o momento em que o comércio
internacional toma corpo e se dimensiona, passando a exigir do operador jurídico
maiores cautelas quando da formação de um ato internacional.
STELZER50 denomina o fenômeno como a “globalização
econômica”, e alerta para as transformações decorrentes:
O período pós-guerra pode ser tido como o marco inicial da globalização econômica. Trata-se, em parte, da história mesmo do capitalismo, tornando-se difícil descolar um do outro. Dessa forma, quando determinados eventos econômicos entraram em acelerado desenvolvimento, uma série de acontecimentos disparou como mola desarticuladora do sistema internacional.
Dentre as circunstancias responsáveis pela radical transformação da realidade mundial estavam, entre outros, a emergência da informática aliada à tecnologia, a intensificação das relações comerciais, a reorganização dos padrões de gestão, a dinamicidade das finanças, o incremento de investimentos estrangeiros, o modo de produção desterritorializado e o desconhecimento das fronteiras nacionais.
Neste sentido, o contrato internacional encontra seu
fundamento na habitualidade da prática comercial entre pessoas internacionais, pelo
50 STELZER, Joana. Introdução às relações do comércio internacional : Universidade do Vale do
Itajaí, 2007, p. 26
34
que bem esclarece STRENGER51:
A atividade comercial transcende as fronteiras internacionais e acarreta a interdependência econômica; esse fenômeno percebe-se não somente nos países em que predomina o sistema de economia de consumo, como também nos de economia planificada. Matérias-primas, componentes e produtos são importados de forma intermitente, e simultaneamente são exportados equipamentos, máquinas e mesmo mão-de-obra, Esta corrente incessante de ingresso e saída de mercadorias e serviços tem que se plasmar em acordos e contratos que reciprocamente celebrem importadores e exportadores. Paulatinamente vai sendo tecida rede cada vez mais intrincada.
Ainda sob a perspectiva do comércio internacional,
indispensável fazer menção à intitulada Lex Mercatoria, espécie de direito criado
pelos comerciantes internacionais com base nos usos e costumes internacionais
bem como em princípios gerais de direito a fim de orientar e uniformizar tais práticas
nas relações comerciais bilaterais e multilaterais internacionais, sendo assim
conceituada por STRENGER52:
um conjunto de procedimentos que possibilita adequadas soluções para as expectativas do comércio internacional, sem conexões necessárias com os sistemas nacionais e de forma juridicamente eficaz.
Muito embora exista divergência doutrinária a respeito de sua
aplicação ou não aos conflitos surgidos, é fato que tal instrumento uniformiza regras
atinentes ao comércio internacional, visando uma forma mais célere e menos
burocrática de mobilizar a economia internacional.
2.1.2 Conceito de Contrato Internacional do Comérci o
A reunião de vontades dos comerciantes de diferentes países
com vistas a alcançar determinado fim pode conduzi-los à formação de um contrato
internacional do comércio. ENGELBERG53 conceitua tal instituto em breve
comparação ao contrato estabelecido pelo Direito interno:
51 STRENGER, Irineu. Contratos internacionais do comércio. 4 ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 34 52 STRENGER, Irineu. Direito do Comércio Internacional e Lex Mercatoria . São Paulo: LTR, 1996.
p. 78. 53 ENGELBERG, Esther. Contratos Internacionais do Comércio .4 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.19
35
O Código Civil Brasileiro no seu art. 81 traz o conceito de ato jurídico e é dele que decorre o conceito de contrato, acrescido do elemento “acordo de vontades”.
O contrato internacional tem elementos que o aproximam dessa definição, uma vez que também é acordo de vontades que visa colimar um objetivo. A diferença fundamental está no fato de que o contrato internacional as cláusulas concernentes à conclusão, capacidade das partes e objeto se relacionam a mais de um sistema jurídico.
Dando ênfase à qualidade do instituto, STRENGER54
complementa “Os contratos internacionais são o motor, no sentido estrito, do
comércio internacional e, no sentido amplo, das relações internacionais, em todos
seus matizes”.
Não obstante, leciona ARAÚJO55 acerca sua característica
internacional:
O que caracteriza a internacionalidade de um contrato é a presença de um elemento que o ligue a dois ou mais ordenamentos jurídicos. Basta que uma das partes seja domiciliada em um país estrangeiro ou que um contrato seja celebrado em um país, para ser cumprido em outro.
Assim sendo, depreende-se que o contrato internacional do
comércio instrumentaliza a prática do comércio internacional, e bem assim, torna
possível a implementação de mais de um ordenamento jurídico em seu conteúdo.
2.2 LEI APLICÁVEL AOS CONTRATOS INTERNACIONAIS
Conforme fora visto, a internacionalidade de um contrato se dá no
momento em que as disposições elencadas em seu bojo relacionam-se a mais de
um ordenamento jurídico. Assim, faz-se necessário saber qual lei aplicá-lo na
hipótese de seu descumprimento. RODAS56 explica que:
a doutrina, o direito positivo e a jurisprudência comparados apontam várias soluções, relativamente à lei aplicável à substancia dos
54 STRENGER, Irineu. Direito Internacional Privado . 6 ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 836. 55 ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado : teoria e prática brasileira. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003, p. 312 56 RODAS, João Grandino. Contratos Internacionais . 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2002, p. 43
36
contratos: lei do lugar da execução (Lex loci executions), lei do lugar do contrato (Lex loci contratus), lei pessoal do devedor (Lex patriae ou domicilii do devedor), lei pessoal das partes (Lex patriae ou domicilii comum das partes), lei escolhida pelas partes (Lex voluntatis).
Partindo-se da premissa que o contrato é uma congregação de
vontades e que faz lei entre as partes, conclui-se que na hipótese de escolha pelas
partes da lei a ser aplicada à determinado contrato, esta terá força para solucionar
eventual conflito, do contrário, buscar-se-ão os elementos de conexão ora citados,
presentes no ordenamento de Direito Internacional Privado de cada Estado.
Deste modo verificam-se alguns critérios de conexão, os quais
estabelecem a lei aplicável ao contrato internacional:
2.2.1 Critério da Autonomia da Vontade
Consentâneo à natureza contratual, qual seja, a de fazer lei
entre as partes, por este critério também prevalecerá a vontade das partes,
determinando a lei regente do contrato internacional.
Assim, BAPTISTA57 trata de explicá-lo:
O princípio da autonomia decorre da importância atribuída ao interesse das partes que, nesta hipótese, prevalece sobre os interesses do tráfego jurídico e de tutela dos interesses dos terceiros. Eis porque na maioria dos sistemas jurídicos se determina a conexão do contrato pela vontade das partes, que – presume-se - devem exprimir seu interesse.
Segundo STRENGER58:
a autonomia da vontade consagrou-se como princípio objetivado em todo o complexo comportamental do comércio internacional, exatamente porque se revelou apta a consumar a formalização dos atos jurídicos, de que serve o intercambio mercantil na consecução de seus fins.
57 BAPTISTA, Luiz Olavo. Dos contratos internacionais: uma visão teórico e prática. p.46 58 STRENGER, Irineu. Direito Internacional Privado. p. 820
37
ARAÚJO59 complementa afirmando que tal princípio “tornou-se
universalmente aceito, com adoção expressa tanto em convenções internacionais
como na legislação interna de diversos países”.
No Brasil o princípio vigorou expressamente na lei de
introdução do código civil de 1916 em seu artigo 13 que assim dispunha: “Regulará,
salvo disposição em contrário, quanto à substância e aos efeitos das obrigações, a lei do
local onde forem contraídas”.
A expressão ‘salvo disposição em contrário’ é o segmento do
texto legislativo que permitira a aplicação da autonomia da vontade no ordenamento
nacional, o que no entanto, com a supressão da expressão na elaboração da nova
lei de introdução ao código civil de 1942, a aplicação do princípio no Brasil tornou-se
bastante controvertida, segundo preleciona ARAÚJO60:
Ao contrário da grande utilização do princípio nos países europeus, a situação no Brasil ainda não evoluiu. A LICC, no seu artigo 9°, não menciona o principio da autonomia da vontade e, embora muitos juristas sejam a favor, o princípio é proibido. Esta afirmação decorre da leitura do artigo que não pode ser comparado com outras normas sobre o tema que o permitem expressamente, como, por exemplo, a Convenção do México sobre a Lei Aplicável aos Contratos Internacionais, que começa a dizer ser o contrato regido pelo direito escolhido pelas partes logo no caput do artigo.
A mencionada convenção foi assim identificada por
JUENGER61: “seguindo o exemplo europeu, a convenção da cidade do México de
1994 fez da autonomia da vontade a estrela guia da lei aplicável interamericana”.
Neste sentido que, buscando harmonizar soluções para as
questões relacionadas ao comércio internacional também tratou de regulamentar a
autonomia da vontade expressamente em seu artigo 7°:
O contrato rege-se pelo direito escolhido pelas partes. O acordo das partes sobre esta escolha deve ser expresso ou, em caso de inexistência de acordo expresso, depreender-se de forma evidente da conduta das partes e das cláusulas contratuais, consideradas em
59 ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado : teoria e prática brasileira.p.320 60 ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado : teoria e prática brasileira. p.323 61 JUENGER, Friedrich K.. Escolha da lei do contrato nas Américas. São Paulo: Renovar, 2000. p.
475
38
seu conjunto. Essa escolha poderá referir-se à totalidade do contrato ou a uma parte do mesmo.
O Brasil, naquela ocasião, fora signatário da convenção
mexicana62, que bem assim ressoou no projeto de lei 4905/9563 cujo teor
apresentava-se consoante às disposições daquela primeira, e que assim poderia
legitimar o princípio da autonomia da vontade.
No entanto, até o presente momento, o Brasil não ratificou
mencionada convenção, e o projeto de lei que poderia de uma vez por todas eliminar
a hipótese de não aplicação da autonomia da vontade no país restou prejudicado,
conforme aduz ARAUJO64:
A convenção do México teve repercussão no Brasil através de sua influencia nos artigos relativos aos contratos internacionais do projeto de lei n. 4905/95. No projeto, coerentemente com a posição do Brasil na Conferencia da CIDIP V, adotou-se a teoria da autonomia da vontade e, como norma subsidiária, à falta de escolha, a regra de conexão dos vínculos mais estreitos. Na exposição de motivos, justificou-se a adoção desses artigos fazendo-se referencia expressa à convenção interamericana. (...) Todavia, o projeto foi retirado do Congresso Nacional pelo Poder Executivo, e embora representasse o amadurecimento da posição tomada pelo Brasil no México, pois não faria sentido ratificar a convenção do México e manter os princípios da LICC com ela inconsistentes, entendemos que a modificação da legislação poderia ser feita de outra forma. É preciso enviar a Convenção do México ao Congresso Nacional e garantir a sua aprovação não só entre os países signatários, mas aproveitar a oportunidade para substituir o artigo 9 da LICC pelo seu texto, para que suas disposições sejam aplicáveis a todos os contratos internacionais conectados com o ordenamento jurídico Brasileiro.
Deste modo, como a referida norma não fora internalizada no
ordenamento pátrio, percebe-se que tal princípio não encontra respaldo legal no
sistema jurídico nacional e não pode ser aplicado, muito embora alguns
62 Relação dos Estados signatários disponíveis no site: http://www.trf4.jus.br/ trf4/upload
/arquivos/ji_orgaos_internacionais/oea-onv.inter.dir.aplic.contrat.pdf 63 Disponível em: http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=225255 64 ARAÚJO, Nadia de. Contratos Internacionais . Autonomia da Vontade. Mercosul e Convenções
internacionais. 3 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p
39
doutrinadores apontarem pela sua relativa aplicação, a exemplo de LOPES65, que
admite sua utilização com uma devida restrição:
no caso em que não esteja em jogo uma lei imperativa. (...) De fato, a lei não impõe uma restrição pelo simples prazer de cercear a liberdade individual, mas por motivos ponderáveis, motivos esses que não podem subsistir, em se tratando de situações onde não esteja em causa qualquer norma imperativa.
Finalmente, constata-se que o critério da autonomia da vontade
é corolário ao princípio que rege o instituto contratual nacionalmente considerado,
onde as partes têm o livre arbítrio de, assim como escolher o que se deseja alcançar
com o mesmo também estabelecer a lei substancial a qual irá regê-lo na hipótese de
inadimplemento, embora sua aplicação no Brasil dependa de ratificação da
convenção mexicana de 1994.
2.2.2 Critério da lei do lugar da formação ou celeb ração do contrato
Via de regra, o critério da lei do lugar da formação ou da
celebração do contrato é o que vige na legislação pátria, segundo dispõe a lei de
introdução ao código civil em seu artigo 9°:
Art. 9°: Para qualificar e reger as obrigações, apl icar-se-á a lei do país em que se constituírem.
Seguindo tal orientação, DINIZ66 assim explica:
A lex loci contratus regerá o negócio, atendendo as negociações feitas, fixando o elemento de conexão necessário, excluindo outras leis aplicáveis à avença, respeitando as limitações de ordem pública. Há contratos que, apesar da lei que irá regê-los não se subordinam a lei da autonomia da vontade das partes, por estarem vinculados a determinada lei em razão de ditames de ordem pública.
BAPTISTA67 destaca que existem duas premissas a levar em
conta na aplicação deste critério:
65 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Comentários à Lei de Introdução ao Código Civil. . 2 ed. São
Paulo: Freitas Bastos, 1959. v 2. p. 201 66 DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interp retada. 5 ed. São
Paulo: Saraiva, 1999, p, 258 67 BAPTISTA, Luiz Olavo. Dos contratos internacionais : uma visão teórico e prática. São Paulo:
40
A primeira é que a lei do lugar em que é firmado o contrato deve reconhecer o tipo de negócio objeto dele: assim, não se podia celebrar contrato de compra e venda com cláusula de reserva de domínio na França, antes que esta fosse admitida pela legislação daquele país.
A segunda premissa refere-se ao lugar em que ocorre a emissão da vontade, a declaração e a assinatura do contrato. Se a vontade foi expressa através de um núncio, é o lugar em que a parte comunica sua vontade a este que predomina, isso em razão da aplicação analógica do parágrafo segundo do art. 9 da LICC.
Ou seja, uma vez consentido pelas partes qual o local de
celebração do contrato, plausível será a aplicação deste critério, tornando-se
prevento para a solução do conflito.
2.2.3 Critério da lei do lugar da execução do contr ato
Pelo critério da execução do contrato, a lei aplicável incidirá no
local onde aquele revelar sua eficácia, ou seja, onde fora predeterminada a sua
execução. Assim, salvo estipulação em contrário, a lei a ser aplicada será aquela
onde o mesmo se cumpriu68.
No entanto, referido elemento de conexão poderá sofrer
objeções, conforme leciona BATIFFOL apud BAPTISTA 69:
Há entretanto, objeções à escolha do lugar da execução do contrato como elemento de conexão. A primeira é a de que por vezes há mais de um lugar de execução num contrato – o caso típico é o do transporte: será preciso, quando há pluralidade de locais de execução, estabelecer qual o principal deles. Outra hipótese que apresenta dificuldades é a dos contratos sinalagmáticos, em que cada obrigação se cumpre num pais diferente: compra e venda, em que a entrega da coisa e o pagamento do preço se dão nos países de cada uma das partes. Qual das prestações é mais importante ou caracteriza a execução?
No Brasil, o critério da lei do lugar da execução vem disposto
no artigo no 9°, §1° da Lei de Introdução ao Código Civil, que assim dispõe:
Saraiva, 1994, p. 32
68 BAPTISTA, Luiz Olavo. Dos contratos internacionais : uma visão teórico e prática. p.33 69 BAPTISTA, Luiz Olavo. Dos contratos internacionais : uma visão teórico e prática. p.34
41
Art. 9° §1°: Destinando-se a obrigação a ser execut ada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.
Comenta o dispositivo a professora Maria Helena DINIZ70:
O artigo 9°, §1°, visa contrapor a forma ad solemnitatem à ad probationem. A forma essencial ou ad solemnitatem é o requisito sem o qual a obrigação não chegará a existir, devendo portanto, ser obervada de conformidade com as exigências da lei brasileira. Exemplificadamente, se um imóvel situado no Brasil for vendido ao estrangeiro, o contrato deverá ser feito mediante escritura pública, forma essencial reclamada pelo direito brasileiro onde será executado, mas os demais requisitos extrínsecos deverão seguir as peculiaridades do Estado onde a escritura for lavrada.
Com isso, denota-se que o referido critério será aplicado
quando as obrigações tiverem de ser aqui cumpridas, o que determina o respeito à
lei Brasileira relativamente à forma essencial, assim consagrada pela legislação
nacional.
2.2.4 Critério da Proper Law of the Contract
Trata-se de um critério que pode ser utilizado quando as partes
nada tenham acordado acerca da lei regente, hipótese em que o julgador buscará no
contrato o maior número de conexões ou afinidades com a respectiva lei que irá
regê-lo.71 Para tanto, GARCIA JUNIOR72 denota que:
ao juiz cabe a missão de buscar o centro de gravidade da relação jurídica (ou “vínculos mais estreitos”), em cada caso concreto, ponderando objetivamente todas as circunstâncias peculiares ao tipo de contrato, seu objeto e partes contratantes.
2.2.5 Depeçage ou fracionamento
70 DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interp retada. 5 ed. São
Paulo: Saraiva, 1999, p, 266 71 BAPTISTA, Luiz Olavo. Dos contratos internacionais : uma visão teórico e prática. P.52 72 GARCIA JÚNIOR, Armando Álvares. Lei aplicável aos contratos internacionais, p.26
42
Não obstante à utilização dos elementos de conexão ora
mencionados pelos diversos ordenamentos de direito internacional privado no
mundo, um fenômeno a parte pode ocorrer na seara internacional dos contratos.
Denomina-se o depeçage ou fracionamento. É o que explicita ARAÚJO73:
A lei do local da celebração resolve tudo que disser respeito à substancia e aos efeitos do contrato. No entanto, há ainda a possiblidade da aplicação de mais de uma lei às questões correlatas. Convencionou-se chamar tal aplicação de depeçage ou fracionamento, havendo consenso a respeito.
Revela a mesma autora74 que tal fenômeno pode ocorrer em
dois níveis:
No primeiro, pelo próprio sistema de DIPr, pois a substancia da obrigação pode ser regida por uma lei, enquanto a capacidade das partes, a forma e a execução poderão ser regidas por outra. No segundo, o depeçage decorre da própria autonomia das partes, que tem a faculdade de determinar mais de uma lei aplicável ao contrato.
Verifica-se assim, traços característicos da internacionalidade
do contrato, concebido, não raras vezes, por mais de uma lei aplicável, seja em
respeito à capacidade das partes, às obrigações constituídas ou à sua forma.75
2.3 ESPÉCIES DE CONTRATOS INTERNACIONAIS
Assim como o contrato de compra e venda de mercadorias,
analisado em capítulo próprio, destacam-se na seara internacional outras
modalidades de contratação, não diferentes daquele quanto às suas características
internacionais, sendo a seguir expostos num rol exemplificativo:
2.3.1 Contrato de Representação ou agente Internaci onal
A respeito deste contrato MURTA76 assim ensina:
73 ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado : teoria e prática brasileira. p.325 74 ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado : teoria e prática brasileira. p.325 75 ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado : teoria e prática brasileira. p.327
43
Por meio do contrato de representação de agenciamento internacional, a parte contratante firma o acordo com um terceiro – pessoa física ou jurídica – que irá atuar como representante legal de seus produtos, nos mercados internacionais designados pelo contratante e previamente pactuados entre ambos.
Logo, infere-se que a representação ou a agencia internacional
está intimamente ligada à posterior efetivação do contrato que vem a ser o centro do
estudo em questão, a compra e venda internacional de mercadorias.
2.3.2 Contrato de Leasing – Arrendamento Mercantil
O contrato de leasing, comumente denominado de
“arrendamento mercantil”, na acepção de STRENGER77:
é um contrato ortodoxo e cumpre com os princípios básicos de sua concepção, quando o seu bem objeto está suficientemente potenciado a proporcionar rendimento que cubra o custo da amortização mais os benefícios esperados, no caso de um normal funcionamento da empresa. Vale dizer: há de ser o próprio equipamento que se autofinanciará, de maneira que com maiores ingressos derivados de sua utilização cubra o pagamento dos alugueres estipulados, cumprindo, assim, sua regra básica: pay as you earn.
Trata-se de instrumento hábil a operacionalizar a aquisição de
bens pelas empresas a fim de dimensionar suas produções, sem grandes
dispêndios imediatos. Ao final do contrato, o arrendatário pode ficar com o bem para
si, devolvê-lo ao arrendador, ou mesmo continuar pagando parcelas, desta vez
menores, pelo uso do bem, como se um aluguel fosse.
76 MURTA, Roberto de Oliveira. Princípios e contratos em comércio exterior. São Paulo: Saraiva,
2005, p. 125 77 STRENGER, Irineu. Contratos internacionais do comércio. 4 ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 408
44
2.3.3 Contrato de Factoring – Contrato de Faturizaç ão.
MURTA78 assinala que o contrato de factoring, ou faturização
“é o tipo de contrato no qual um comerciante cede a outro, no todo ou em parte, os
créditos de suas vendas a terceiros, recebendo o primeiro montante desses créditos,
mediante o pagamento de uma remuneração”.
Portanto, o factoring muito se assemelha ao contrato de
comissão, e consiste num adiantamento dos créditos sobre as vendas realizadas,
onde as empresas são beneficiárias com a captação imediata de recursos advindos
daquelas primeiras.
2.3.4 Contrato de Franchising – Franquia
Didaticamente STRENGER79 aponta que “a ‘franchise’ é uma
licença do proprietário de uma marca de comércio, de nome comercial, permitindo a
um outro o direito de vender produto ou serviço com o mesmo nome ou marca”.
Nada obstante, o mesmo autor80 faz uma ressalva quanto a tal
espécie de contrato: “A independência recíproca das partes, característica da
franquia, tem, porém, seus limites. O sistema não pode ser bem empreendido a não
ser que responda a critérios estritamente definidos e harmoniosamente agenciados”.
Assim, se considera que o contrato de franquia potencializa o
negócio de uma das partes, enquanto a outra, aproveitando-se da estrutura
corporativa da primeira, agrega valor ao seu negócio primitivo, tendo em vista a
posição de mercado consolidada da marca ou nome comercial que a sustenta.
2.3.5 Contrato de Know-How
STRENGER81 de forma muito clara acentua que:
78 MURTA, Roberto de Oliveira. Princípios e contratos em comércio exterior. p. 181 79 STRENGER, Irineu. Contratos internacionais do comércio. p. 382 80 STRENGER, Irineu. Contratos internacionais do comércio. p, 385 81 STRENGER, Irineu. Contratos internacionais do comércio. p. 501
45
o know-how “ é uma convenção pela qual uma pessoa, física ou jurídica, se obriga a proporcionar ao co-contratante os direitos que ela possui sobre certas fórmulas e procedimentos secretos, durante um certo tempo e mediante certo preço que este se obriga a pagar-lhe.
Portanto o know-how, como a própria denominação assim o faz, tem como pressuposto a capacidade técnica ou de conhecimento a respeito de algum procedimento ou fórmula, que quando assim utilizados por terceiros mediante sua contratação, passam a produzir efeitos na órbita negocial e ecônomica, induzindo parte do lucro para o seu inventor, detentor ou portador.
2.3.6 Contrato de Empreendimento em Conjunto – Joi nt Venture
Segundo MURTA82 um contrato de joint venture “identifica
preferivelmente, associação de capitais, participação acionária, mediante concurso
efetuado entre particulares, entre Estados ou entre particulares e estados, dentro ou
fora do país”.
Neste contexto, denota-se que tal contrato, abrangente em sua
extensão, propicia a alocação comum de recursos complementares de empresas já
existentes, as quais, quando assim associadas, propulsionam o desenvolvimento do
empreendimento a ser constituído, mormente em razão de sua complexidade
orçamentária.
2.3.7 Contrato Internacional de Exportação de Servi ços
MURTA83 com propriedade assinala que:
“O contrato de exportação de serviços tem por objetivo amparar as vendas de serviços ao exterior. Pode-se dizer que essa espécie de contrato é uma variante do contrato de compra e venda internacional, entretanto, com algumas variações, uma vez que seu objeto não constitui um bem tangível, concreto, físico”.
82 MURTA, Roberto de Oliveira. Princípios e contratos em comércio exterior. p. 231 83 MURTA, Roberto de Oliveira. Princípios e contratos em comércio exterior. p. 249
46
Desse modo, vislumbra-se que o comércio internacional não se
limitou tão somente às operações de compra e venda de mercadorias, mas,
outrossim, possibilitou o intercâmbio de mão de obra especializada entre países, os
quais, assim como em relação a compra e venda internacional, se viram na
incumbência de regulamentar tal prática, dando azo à formação de um contrato
internacional de exportação de serviços.
2.4 CLÁUSULAS TÍPICAS NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS COMERCIAIS
Não diferente dos contratos firmados sob a égide do Direito
interno, aqueles de caráter internacional também trazem consigo a presença de
cláusulas, ou seja, condições as quais dão norte a real intenção das partes quanto
ao objetivo em que visam alcançar, atribuindo àqueles, maior especificidade e
detalhamento acerca da vontade dos contratantes.
STRENGER84 afirma que “as cláusulas situam-se como
verdadeiros alicerces de sustentação, permitindo sedimentar metodologicamente os
critérios interpretativos dos contratos internacionais”.
O mesmo autor prossegue e destaca que “as cláusulas
contratuais do comércio internacional, quase sempre, são universalmente aceitas e,
muitas vezes, conectadas com organizações privadas internacionais, por meio de
fórmulas estandardizadas acatadas pelos negociantes”85
Percebe-se então, a importância das cláusulas no bojo
contratual, as quais, no âmbito internacional, poderão estabelecer entre outras
disposições, as relativas ao foro competente para eventual solução de litígios, lei
aplicável, compromisso arbitral, estabilização de moeda e etc.
84 STRENGER, Irineu. Contratos internacionais do comércio. p.213 85 STRENGER, Irineu. Contratos internacionais do comércio. p.214
47
Assim, verificam-se algumas das principais cláusulas
constantes em um contrato internacional comercial:
2.4.1 Cláusula de Estabilização da Moeda
Ao celebrar um contrato internacional, mormente os
relacionados à entrada e saída de divisas em determinado país, estarão as partes
diante um fenômeno incomum nos contratos de direito pátrio, a necessidade de
fixação da moeda objeto de pagamento, que por vezes pode oscilar, tornando-se
proveitosa a utilização desta cláusula, conforme explica BAPTISTA86:
O fato de o pagamento ser escalonado em prestações e estas serem vinculadas a determinadas etapas da execução contratual também pode afetar a certeza de recebimento ou sujeitar a moeda a variações no tempo, que impõe recurso à indexação ou a cláusulas de moeda estrangeira.
Portanto, haja visto as variações que a moeda pode sofrer no
mercado financeiro durante a execução do contrato, com a inserção dessa cláusula,
verterão as partes ao status quo do negócio, ou seja, manter-se-ão os preços
ajustados à data em que se formalizou o contrato.
2.4.2 Cláusula de eleição de foro ou de jurisdição
Usualmente, na esfera do Direito nacional, e quando não em
contrário às normas de ordem pública da lei regente, costumam as partes
contratantes estabelecer o foro competente para dirimir eventuais conflitos advindos
do negócio.
Em sede internacional, importante é a inserção da referida
cláusula, o que de outro modo pode acarretar em uma situação inoportuna, segundo
preceitua STRENGER87:
Pode ocorrer que os contratantes não estabeleçam explicitamente a que regras legais se subordinam, e nem designem jurisdição competente. Essa lacuna contratual pode apresentar inconvenientes
86 BAPTISTA, Luiz Olavo. Dos contratos internacionais : uma visão teórico e prática. p.163 87 STRENGER, Irineu. Contratos internacionais do comércio. p.276
48
no momento do litígio, podendo em face dessa ocorrência, o proponente da ação utilizar os expedientes processuais originários de sua própria lei, em que pese a possiblidade de ocorrer conflito de competências.
Exatamente para evitar essa contingência, será muito mais prudente incluir no contrato internacional do comércio a chamada clausula atribuitiva de competência, que determina, implicitamente, a jurisdição competente.
Daí tira-se a ilação de que em um contrato internacional,
coberto por elementos de estraneidade jurídicos, onde, porém se estabeleça o
respectivo foro competente, melhor se dará sua interpretação e sua conseqüente
possibilidade de execução, seja na via forçada ou não.
2.4.3 Cláusula Arbitral ou Compromissória
De acordo com o que fora visto alhures, vislumbra-se no
comércio internacional uma complexidade normativa que uma operação de tal monta
pode carregar em si, muitas vezes comprometendo a ordem jurídica interna e
fazendo os comerciantes buscarem soluções mais céleres e eficazes visando
dirimirem eventuais conflitos, a exemplo do uso da lex mercatoria.
Nada obstante, tem-se a utilização da cláusula arbitral ou
compromissória uma saída adequada para prevenir os conflitos de lei que
porventura possam obstar uma tutela jurisdicional comum às partes, deste modo
definida por GARCEZ88:
Podem os contratantes convencionar que os conflitos originários dos contratos que assinam serão solucionados pela via arbitral. Essa escolha importa na exclusão da tutela jurisdicional interna dos países, para que o conflito seja submetido à decisão de árbitros privados, cujas sentenças, no entanto, deverão adquirir foro de coisa julgada e ser assim passíveis de execução. As cláusulas em que as partes elegem a solução arbitral não seguem exatamente modelos determinados, sendo variada sua feição.
88 GARCEZ, José Maria Rossani. Contratos internacionais comerciais : planejamento, negociação,
solução de conflitos, cláusulas especiais, convenções internacionais. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 74
49
No Brasil, a via da arbitragem é aceita, após o país ter
ratificado o Protocolo de Genebra de 1923, no ano de 1932, mediante o Decreto
21.187 de 22 de março daquele ano.
Não obstante, há ainda, internamente, a lei de arbitragem de n.
9307/96 a qual assim preceitua em seu artigo 2°:
Art. 2º A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes.
§ 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.
§ 2º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.
Verifica-se logo, mediante análise do artigo retro, que a referida
lei dá margem à aplicação do principio da autonomia da vontade, além trazer
inúmeras vantagens, conforme sustenta AMARAL89:
A arbitragem traz inúmeras vantagens à solução de litígios comparativamente aos tribunais judiciais, especialmente em função da prevalência da autonomia da vontade das partes, da rapidez, da maior especialização do arbitro nas questões levadas a sua apreciação, do (em tese) menor custo e também da possibilidade de ser mantido o sigilo da questão em debate.
Tem-se dessa forma, em contraste à proibição da autonomia
da vontade no país, uma maneira das partes colacionarem junto ao contrato suas
reais intenções quanto a escolha da lei aplicável, ainda que indiretamente, mediante
a indicação do respectivo tribunal arbitral que julgará a demanda.
2.4.4 Cláusula de Hardship
A cláusula de “hardship”, presente nos contratos internacionais,
muito se assemelha à clausula rebus sic stantibus e bem assim à aplicação da
89 AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Direito do Comércio Internacional . São Paulo:
Aduaneiras, 2004. p. 338
50
denominada teoria da imprevisão, institutos paralelos aos contratos celebrados entre
nacionais sob sua respectiva legislação. GARCEZ90 assim nos ensina:
A expressão hardship clause se aplica às cláusulas de revisão, frequentes nos contratos internacionais e em particular nos de longa duração, podendo tal expressão (hardship) ser livremente traduzida como ‘adversidade’, ‘infortunio’, ‘necessidade’, ou ‘privação’ (de fatos ou circunstancias). Essas cláusulas serão complementares às de força maior, porque, alem dos fenômenos naturais, políticos e outros que autorizarão a suspensão ou a resolução do contrato, através delas será possibilitada a intervenção no contrato para promover-lhe adaptação que o torne mais equilibrado.
Interessante ainda destacar os ensinamentos de BAPTISTA91:
As cláusulas de hardship estão ligadas como concepção econômica as de correçao monetária ou indexação, podendo-se até relacioná-las às clausulas ouro! Assim é porque todos esses tipos de cláusulas prevêem a modificação das condições do contrato quando se alterem certas circunstancias externas a ele, dando-lhe um dinamismo e adaptabilidade que lhe permita sobreviver as procelas econômicas, mantendo à tona o equilíbrio estabelecido inicialmente entre as partes.
Se considera então, que a mencionada cláusula permitirá a
parte sucumbente propor a revisão do contrato, de modo que possa restabelecer o
equilíbrio das obrigações inicialmente pactuadas.
2.4.5 Cláusula Penal
Trata-se de uma cláusula que com freqüência encontra-se nos
contratos de direito nacionais, permitindo estabelecer uma sanção à parte
inadimplente com base no que fora acordado, segundo a argumentação de
STRENGER92:
A cláusula penal é de extrema eficácia para conduzir à sanção os comportamentos incondizentes com os ajustes contratuais, que, exemplificadamente, podem ser elencados entre a mora na execução, inexecução das garantias de rendimento ou de qualidade, falhas no fornecimento, inexecução de obrigação de compra, inexecução por parte do transmitente de licença de licença e de suas
90 GARCEZ, José Maria Rossani. Contratos internacionais comerciais: planejamento, negociação,
solução de conflitos, cláusulas especiais, convenções internacionais. p. 122 91 BAPTISTA, Luiz Olavo. Dos contratos internacionais : uma visão teórico e prática. p.144 92 STRENGER, Irineu. Contratos internacionais do comércio. p.369
51
obrigações, relativas a defesa de patentes, ou ainda inexecução das obrigações de não fazer.
GARCEZ93 aponta para a tendência de uniformização das
regras atinentes às cláusulas penais:
Apesar de sua diversidade, a Comissão do Direito Internacional para o Direito Comercial Internacional das Nações Unidas vem procurando estabelecer padrões para a elaboração de uma lei uniforme a respeito. Uma preocupação dos juristas diz respeito a possível desproporção que a cláusula penal possa apresentar em relação ao todo contratual, levando a hipóteses de redução da pena pelos tribunais.
Ante o exposto, se tem que a cláusula penal tem o condão de
evitar determinadas condutas passíveis de serem perpetradas pelas partes
contratantes durante a execução do contrato, impondo assim, uma sanção de
caráter coativo, específica ou não, que na maior parte das vezes verterá em multa
para o inadimplente.
Em síntese, buscou-se no presente capítulo contextualizar o
contrato no cenário internacional, verificando as características e adaptações que o
mesmo apresenta quando em vistas a concretizar um negócio que abrange mais de
um sistema jurídico.
Para tanto, dentre os elementos observados, pode-se
identificar a conceituação, a lei aplicável e bem assim a discussão acerca da
aplicação da autonomia da vontade, a incidência de cláusulas típicas, bem como
algumas espécies de contratos internacionais do comércio, além de uma breve
análise da denominada lex mercatoria, instituto presente no comércio internacional.
93 GARCEZ, José Maria Rossani. Contratos internacionais comerciais: planejamento, negociação,
solução de conflitos, cláusulas especiais, convenções internacionais. p. 143
CAPÍTULO 3
DOS CONTRATOS INTERNACIONAIS DE COMPRA E VENDA DE MERCADORIAS
Por tudo o que foi exposto até o presente momento, se pôde
observar alguns dos efeitos jurídicos que o comércio internacional traz consigo,
mormente quando correlacionado ao instituto contratual. Deveras, aferiu-se que o
contrato é o instrumento capaz de harmonizar interesses, e conseqüentemente
estabelecer uma segurança ao negócio, até mesmo no plano internacional.
Neste entendimento, considerando as hipóteses da presente
pesquisa, busca-se agora pormenorizar o instituto, examinando a regulação
internacional pertinente e não obstante se localize sua normatização perante o
ordenamento jurídico Brasileiro, a fim de que se possa saber se a atual legislação
referente contribui para o desenvolvimento nacional do Estado, considerado um dos
objetivos da república.
3.1 CONCEITUAÇÃO
Assim, num primeiro momento, cabe delinear um conceito para
os contratos internacionais de compra e venda de mercadorias, a fim de que se
possa conhecer os elementos que o compõe e possibilitar um melhor estudo.
Na acepção de MURTA94 “com o incremento do comércio,
estendendo-se ao âmbito internacional, surgiu a necessidade da figura contratual
escrita, com características próprias, segundo a atividade e a finalidade às quais se
destine”.
94 MURTA, Roberto de Oliveira. Princípios e contratos em comércio exterior. p. 1
53
O mesmo autor, de modo preciso assim o conceitua95:
O contrato de compra e venda tem como objetivo, especificamente, regulamentar os direitos e as obrigações das partes, relativo a determinado objeto, bem como estabelecer a relação jurídica pactuada entre parceiros comerciais, tornando-a - tanto quanto possível – imparcial e perfeita. Assumirá caráter internacional quando esta relação jurídica ocorrer entre parceiros comerciais de nações diferentes – exportador (vendedor) e importador (comprador).
Já GARCEZ96 citando o artigo 1° da Convenção de Viena sobre
Contratos Internacionais de Compra e Venda de Mercadorias de 1980, a qual se
verá adiante, oportunamente o classifica como sendo “os contratos realizados entre
as partes que tenham seu estabelecimento em Estados diferentes”, e não obstante
prossegue com o artigo aferindo que “não são tomados em consideração para a
aplicação da convenção nem a nacionalidade dos contratantes nem o caráter civil ou
comercial das partes ou do contrato”.
Sendo assim, o contrato é um instrumento regulatório do direito
das partes, leia-se exportador e importador, fazendo com que a negociação se torne
o mais transparente possível, ao estabelecer alguns critérios de extrema
importância, como a lei aplicável e o foro competente para dirimir eventuais lides na
hipótese de sua inexecução.
3.2 REGULAÇÃO INTERNACIONAL
Destarte AMARAL97 assinala que os contratos internacionais
de compra e venda de mercadorias podem ser regidos pela lei de determinado
estado, dependendo do elemento de conexão utilizado, o qual normalmente será a
lei do domicilio do vendedor ou do comprador, ou ainda podem-se valer dos tratados
e convenções internacionais, desde que devidamente ratificados e internalizados
95MURTA, Roberto de Oliveira. Princípios e contratos em comércio exterior. p. 1 96 GARCEZ, José Maria Rossani. Curso de Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro: Forense,
2003. p. 299 97 AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Direito do Comércio Internacional . São Paulo:
Aduaneiras, 2004. p. 232
54
pelos Estados nos quais estão domiciliadas ambas as partes da operação
internacional.
Pelo fato de o contrato internacional ser um instituto que
permeia mais de um sistema jurídico, e bem assim, sujeito as regras de Direito
Internacional Privado dos respectivos países contratantes, constatou-se que por
vezes poderá ter sua aplicabilidade vinculada a tratados e convenções
internacionais de forma a harmonizar os direitos e deveres das partes contratantes98.
Assim, consoante o fato de o contrato internacional ser um
elemento do Direito Internacional Privado, necessário se faz uma análise de alguns
dos tratados inerentes enquanto fontes normativas das operações de compra e
venda internacional de mercadorias e, igualmente, propensos a unificar as normas
respectivas à sua implementação.
3.2.1 Instituto Internacional para Unificação do Di reito Privado (UNIDROIT)
Entre as tentativas de uniformização da legislação contratual
internacional por meio de acordos entre entes políticos, assume o Instituto
Internacional para Unificação do Direito Privado (UNIDROIT) papel marcante e
originário no cenário mercantil das nações, segundo certifica AMARAL99:
Os primeiros estudos visando à elaboração de uma lei uniforme sobre a matéria foram desenvolvidos na década de 30 pelo Instituto Internacional para Unificação do Direito Privado (UNIDROIT), uma organização internacional intergovernamental constituída em 1926, com sede em Roma, e da qual o Brasil é membro. Naquela época, os agentes do comércio internacional já sentiam a necessidade de uma unificação das regras aplicáveis à compra e venda internacional de mercadorias, principalmente para evitar divergências quanto ao momento exato da formação do contrato e da transferência da posse, da propriedade e dos riscos sobre as mercadorias, para mencionar apenas algumas.
98 AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Direito do Comércio Internacional . 2004. p.232 99 AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Direito do Comércio Internacional . 2004. p. 232
55
Contudo, sua atuação restou prejudicada conforme salienta
FONSECA100:
A pouca representatividade dos países representados é, unanimemente, apontada como a causa maior do fracasso das convenções. A escassa representatividade é aqui referida não pelo número, vinte e oito países, mas, fundamentalmente, porque a maioria absoluta destes países, vinte e dois, representava um mesmo sujeito no mercado internacional: vendedores de produtos manufaturados. A ausência dos países em desenvolvimento na elaboração de um corpo normativo que pretendia uniformizar normas do mercado internacional refletiu o favorecimento dos países industrializados.
Considera-se assim, que desde o começo do século passado
os operadores do comércio internacional já buscavam padronizar a legislação
mercantil, embora naquela oportunidade tal tratativa não tenha prosperado em razão
da inexpressiva presença de Estados em desenvolvimento.
3.2.2 Conferência de Haia de Direito Internacional Privado
Devido à paralisação dos trabalhos do UNIDROIT na década
de 30 em virtude da segunda guerra mundial, prosseguiu-se logo após o incidente,
com a otimização das normas atinentes ao comércio internacional, desta vez, com a
realização da conferência de Haia em julho de 1964, conforme ensina AMARAL101:
Após um período de interrupção desses trabalhos em virtude da 2ª Guerra Mundial, duas convenções internacionais foram adotadas, em julho de 1964, ao término da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado, iniciada em 25 de abril desse mesmo ano, quais sejam: a Lei Uniforme Sobre a Venda Internacional de Bens Corpóreos Móveis (mais conhecida como ULIS, a abreviatura em inglês para Uniform Law on the International Sale of Goods) e a Lei Uniforme sobre a Formação dos Contratos de Venda Internacional de Bens Corpóreos Móveis (ou ULF – Uniform Law on the Formation of Contracts for the International Sale of Goods). Referidas convenções entraram em vigor internacionalmente, respectivamente, em 18 e 23 de agosto de 1972.
100 FONSECA. Patrícia Galindo da. O Brasil perante uma nova perspectiva do direito me rcantil
internacional . Disponível em: www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/fonseca.html Acesso em 28/04/2010
101 AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Direito do Comércio Internacional . 2004. p. 232
56
Destaca ainda ARAÚJO102 que tais convenções “tiveram como
objetivo principal procurar conciliar as tradições do direito civil com aquelas do direito
da common Law, mas sua influencia foi limitada a países, na sua maioria, Europeus,
só entrando em vigor em 1972”.
Assim, referidas convenções não foram bem recepcionadas
perante a comunidade internacional, segundo justifica AMARAL103 “principalmente
porque refletiam as tradições jurídicas e as realidades econômicas da Europa
continental ocidental”.
Ocorre que a unificação das normas acerca da contratação
internacional de venda de mercadorias restara prejudicada pelo fato da não adesão
de um número expressivo de países às convenções celebradas em Haia, fazendo
com que os operadores do comércio internacional diligenciassem uma comissão
capaz de promover a integração de um maior número de estados, assim
denominada a UNCITRAL, como bem leciona AMARAL104:
Não é de se estranhar, portanto, que uma das primeiras tarefas assumidas pela Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (UNCITRAL), quando de sua criação em 1968, foi estudar como essas convenções internacionais poderiam ser modificadas para melhor atender às necessidades de um maior numero de Estados com diferentes sistemas jurídicos, sociais e econômicos.
Em face da necessidade iminente, a UNCITRAL tratou elaborar
uma nova convenção, unificando as convenções de Haia no intuito de aprimorar a
legislação pertinente, o que se sucedeu com a conferência internacional de Viena
em 1980.
102 ARAÚJO, Nadia de. Contratos Internacionais. Autonomia da Vontade. Mercosul e Convenções
internacionais. 3 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 138 103 AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Direito do Comércio Internacional . 2004. p. 233 104 AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Direito do Comércio Internacional . 2004. p. 233
57
3.2.3 Conferência Internacional de Viena
Tão logo constituída a UNCITRAL em 1968 “motivada pela
necessidade dos Estados, que não ignoravam o fato de que seus nacionais podiam
ser vendedores em uma hora e compradores em outra”105 prosseguiu-se no intento
de uniformização das normas de compra e venda de mercadorias, desta vez com a
realização da Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda
Internacional de Mercadorias na Conferência Internacional de Viena de 1980,
conforme explica AMARAL106:
Os trabalhos da UNCITRAL culminaram na adoção, na conferencia diplomática realizada em Viena em 10 e 11 de abril de 1980, da Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias, a qual unificou as duas convenções de Haia de 1964 e entrou em vigor na esfera internacional em 1 de janeiro de 1988. A maior receptividade dessa convenção é evidenciada pelo fato de que não apenas 11 Estados para os quais ela entrou em vigor nessa data, mas também as dezenas de Estados que nestas ultimas três décadas a ratificaram apresentam grande diversidade geográfica, econômica, social e jurídica. Contudo, países como o Brasil, a África do Sul, Portugal e Reino Unido não aderiram à convenção.
A convenção da UNCITRAL em Viena, segundo ARAÚJO107
“teve como razão principal a substituição de diversas leis domésticas por uma lei
internacional uniforme”.
Embora o Brasil não tenha aderido a tal Convenção108,
AMARAL109 alerta que é de suma importância que o advogado brasileiro conheça
bem seu corpo de normas, pois ele pode vir a reger um contrato internacional de
compra e venda de mercadorias firmado por parte domiciliada no País, segundo as
seguintes hipóteses:
105 ARAÚJO, Nadia de. Contratos Internacionais. Autonomia da Vontade. Mercosul e Convenções
internacionais. 2004. p. 139 106 AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Direito do Comércio Internacional . 2004. p. 233 107 ARAÚJO, Nadia de. Contratos Internacionais. Autonomia da Vontade. Mercosul e Convenções
internacionais. 2004. p. 143 108 Situação dos países que a aderiram e ratificaram disponível no site:
http://www.uncitral.org/uncitral/es/uncitral_texts/sale_goods/1980CISG_status.html Acesso em 05/05/2010
109 AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Direito do Comércio Internacional . 2004. p. 233
58
i) quando ambas as partes ao contrato decidirem nele incorporar as disposições da Convenção de Viena; e
ii) quando, através dos elementos de conexão, a lei de regência for aquela do Estado do domicilio da outra parte, Estado esse que tenha ratificado a Convenção e assim, incorporado suas disposições em seu ordenamento jurídic”.
Destaca-se então, que atualmente a Convenção de Viena é a
principal lei internacional que regula os contratos de compra e venda de
mercadorias, vinculada a 74 países representativos de 90% do comércio mundial110.
Ainda sob a perspectiva da regulação internacional, vale
lembrar-se da já mencionada lex mercatoria, instituto que paralelamente aos
tratados tem força normativa nas operações internacionais mercantis, pelo que
aponta AMARAL111:
A adoção da lex mercatoria apresenta-se, na atual fase da globalização da economia, como grande facilitador no comércio internacional, afastando a incerteza da aplicação de normas nacionais conflitantes. Com sua observância, podem ser evitados julgamentos nacionalistas, seja por ideologia, seja por xenofobia, ou pelo prosaico comodismo de decidirem os juízes sem maiores indagações sobre o direito (...) Adicione-se a isso a tendência que se revela de maior incremento da utilização da arbitragem no campo internacional, afastando-se, além dos fatores acima, e principalmente no caso do Brasil, a morosidade da justiça, demora na prestação jurisdicional que não é um problema somente do sistema judiciário brasileiro, mas que aflige também inúmeros países.
A exemplo da lex mercatoria tem-se os Termos Internacionais
do Comércio, ou os INCOTERMS, criação de órgão intergovernamental (Câmara de
Comercio Internacional - CCI), o qual se dará ênfase no tópico seguinte.
3.3 INCOTERMS
Uma vez negociada uma venda internacional de mercadorias,
não raras vezes tem os mercadores se valido dos Termos Internacionais de
Comércio, cláusulas padrão cujo objetivo tem por fim delimitar as obrigações dos
importadores e exportadores no negócio, afastando a incerteza da imposição de
110 Disponível em: http://www.cisg-brasil.net/doc/lgama1.htm Acesso em 12/05/2010 111 AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Direito do Comércio Internacional . 2004. p. 68
59
uma norma de Direito Internacional Privado interna de cada estado, pelo que assim
explica MURTA112
Incoterms é a abreviatura da expressão international commercial terms. São regras básicas, padronizadas, criadas pela International Chamber of Commerce (ICC) – Camara de Comércio Internacional (CCI) – órgão mundialmente reconhecido como responsável em orientar e administrar as práticas comerciais internacionais, bem como dirimir e resolver eventuais conflitos, controvérsias e litígios, eventualmente oriundos dos diversos contratos celebrados em âmbito internacional. Tem como fulcro, fundamentalmente, as práticas comerciais mais recorrentes entre as diversas nações do mundo e os princípios gerais do Direito Internacional – tanto público como privado.”
Deste modo passa-se a identificar cada um de seus termos, os
quais se dividem em grupos (E, F, C e D).
3.3.1 Grupo “E”
Este grupo caracteriza-se pela responsabilidade mínima do
exportador, que apenas tem o dever de disponibilizar a mercadoria em seu
estabelecimento ou em local análogo, afim de que possa o importador retirar a
mercadoria e bem assim ficar na incumbência dos demais tramites de importação. A
única cláusula existente no grupo “e” denomina-se Ex Works (EXW) em alusão ao
ponto de partida. Acerca da cláusula Ex Works assinala MURTA113:
O termo EXW determina que o vendedor cumpre a obrigação de entrega quando coloca as mercadorias em suas próprias dependências, (por exemplo industria, fábrica, armazém etc.) ou em outro local designado, à disposição do comprador, não embarcadas em nenhum outro veículo coletor e não-desembaraçadas para exportação, cabendo a este providenciar tais expedientes.
Portanto, o exportador cumpre sua obrigação ao viabilizar a
mercadoria em seu local de produção, cabendo ao importador assumir todos os
112 MURTA, Roberto de Oliveira. Princípios e contratos em comércio exterior. p. 8 113 MURTA, Roberto de Oliveira. Princípios e contratos em comércio exterior. p. 11
60
riscos e custos da operação, desde o seguro e transporte até o desembaraço da
mercadoria com o despacho aduaneiro.
3.3.2 Grupo “F”
O grupo “F” compõe-se das cláusulas Free Carrier (FCA), Free
Alongside Ship (FAS) e a Free On Board (FOB). Seu ponto característico é que nele
o transporte principal não é pago pelo exportador, sendo ele apenas responsável até
que mercadoria saia do país. Sobre a cláusula FCA, MURTA114 ensina:
O termo FCA determina que o vendedor entregue ao transportador (carregador, carreteiro) indicado pelo comprador, no local designado, as mercadorias desembaraçadas para exportação. Deve-se observar que o local escolhido exerce um impacto sobre as obrigações de embarque e desembarque das mercadorias. Se a entrega ocorre nas dependências do vendedor, este é o responsável pelo embarque. Se ocorre em qualquer outro local, o vendedor deixa de ser responsável pelo desembarque
A cláusula Free Carrier determina ao exportador entregar a
mercadoria no local indicado pelo importador, com todas as taxas e impostos
devidamente pagos. Assim, responsabiliza-se apenas pela entrega da mercadoria
no local previamente designado pelo importador, seja o transportador ou a outro
ponto determinado. A respeito da cláusula FAS, leciona assim AMARAL115
Com a utilização desta cláusula, o exportador fica responsável por todos os custos necessários à exportação até o momento em que as mercadorias estejam prontas para embarque no navio indicado pelo importador. Aqui também a responsabilidade pelo desembaraço das mercadorias para a exportação fica totalmente por conta do exportador. O importador assume todos os custos e riscos do transporte principal das mercadorias até o local de seu destino. É uma cláusula que somente é utilizada para os casos de transporte marítimo ou fluvial de mercadorias.
Pela cláusula FAS o exportador obriga-se a entregar a
mercadoria no costado no navio, tornado-se responsável até esse momento,
instante em que cabe ao importador providenciar o desembaraço da mercadoria e
114 MURTA, Roberto de Oliveira. Princípios e contratos em comércio exterior. p. 15 115 AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Direito do Comércio Internacional . 2004. p. 271
61
bem assim os demais tramites para a exportação. Em relação a cláusula FOB,
sustenta MURTA116
O termo FOB determina que o vendedor cumpre a entrega quando as mercadorias passam além da amurada do navio (embarque a bordo), no ponto de embarque designado. Isso quer dizer que o comprador deverá assumir todos os custos e riscos de perdas e danos das mercadorias a partir daquele ponto. O termo FOB requer que o vendedor desembarace as mercadorias para exportação. Esse termo pode ser usado apenas para o transporte marítimo ou de cabotagem. Caso as partes não tenham a intenção de que as mercadorias sejam entregues além da amurada do navio, deverá ser aplicado o termo FCA.
Nos mesmos moldes da cláusula FCA, a cláusula FOB atribui a
responsabilidade da mercadoria ao exportador até que o mesmo coloque a
mercadoria a bordo do navio, traço este que a distingue da cláusula FCA. Assim,
cessam as responsabilidades do exportador no momento em que este
desembaraçar a mercadoria e colocá-la a bordo do navio.
3.3.3 Grupo “C ”
Neste grupo denota-se a responsabilidade do exportador pelo
pagamento do transporte. Desdobra-se nas cláusulas Cost and Freight (CFR), Cost
Insurance and Freight (CIF), Carriage Paid to (CPT) e Carriage and Insurance Paid
to (CIP). Sobre a cláusula CFR assim dispõe MURTA117
O termo CFR estabelece que o vendedor cumpre a entrega das mercadorias no momento em que cruza além da amurada do navio (embarque a bordo), no porto de embarque, como ocorre em FOB.
O vendedor deverá pagar todas as despesas e o frete necessários
para levar as mercadorias até o porto de destino; porém, o risco de
perdas e danos das mercadorias, bem como quaisquer despesas
adicionais que de devam a eventos que ocorram após o período de
entrega, é transferido do vendedor ao comprador no momento em
que se consuma o embarque a bordo. 116 MURTA, Roberto de Oliveira. Princípios e contratos em comércio exterior. p. 26 117 MURTA, Roberto de Oliveira. Princípios e contratos em comércio exterior. p. 31
62
Assim como na cláusula FOB o vendedor também providencia
o embarque da mercadoria a bordo, só que desta vez, diferentemente daquela,
efetiva o pagamento do frete, apesar de não responsabilizar-se com os riscos de
perdas e danos a partir do embarque da mercadoria. Por sua vez, a cláusula CIF
atribui maior responsabilidade ao exportador, segundo o destaque de AMARAL118:
Pela utilização desta cláusula, o exportador arca com todas as despesas e também com os riscos de danos ou perda das mercadorias desde a saída do seu estabelecimento até a chegada ao país de destino. Assim, o exportador deve arcar com os custos para o transporte das mercadorias até o porto, despesas de armazenagem, desembaraço aduaneiro para exportação, embarque das mercadorias e o transporte principal, ficando responsável ate o desembarque das mercadorias no país de destino. O importador, a partir do desembarque das mercadorias, passa a arcar com todos os custos e correr os riscos de perda ou dano que as mercadorias podem sofrer. É uma cláusula utilizada para transporte marítimo ou fluvial de mercadorias.
A cláusula CIF significa que o exportador tem as mesmas
atribuições da cláusula CFR, entretanto terá que providenciar o seguro do transporte
marítimo.
Ainda no grupo “C” existe também a cláusula CPT, assim
denominada por MURTA119:
O termo CPT determina que o vendedor deverá entregar as mercadorias ao transportador (carreteiro) que ele mesmo nomeia, e adcionalmente, pagar o custo de transporte necessário para deslocar as mercadorias até o destino designado. Isso significa que o comprador assume todos os riscos e quaisquer outras despesas que ocorram após as mercadorias terem sido entregues dessa forma.
Denota-se que essa cláusula tem características semelhantes
às da cláusula CFR, no entanto, é utilizada para transportes diversos do marítimo,
onde o exportador arca com todos os custos, cessando sua responsabilidade com a
entrega da mercadoria ao transportador.
118 AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Direito do Comércio Internacional . 2004. p. 272 119 MURTA, Roberto de Oliveira. Princípios e contratos em comércio exterior. p. 43
63
Por fim tem-se a cláusula CIP, novamente citada por
MURTA120:
O termo CIP determina que o vendedor entregue as mercadorias ao transportador (carreteiro) que ele mesmo nomeia, e, assuma o pagamento do transporte necessário para levar as mercadorias ate o destino designado. Isso quer dizer que o comprador assume todos os riscos e quaisquer custos adicionais que surjam depois que as mercadorias tenham assim sido entregues. Entretanto, sob a égide de CIP, o vendedor também terá de providenciar o seguro contra os riscos do comprador por perda e danos das mercadorias durante o trajeto. Conseqüentemente, o vendedor contrata o seguro e paga o respectivo premio.
Trata-se de cláusula muito semelhante à CPT, embora a CIP
preveja o pagamento do seguro da mercadoria.
3.3.4 Grupo “D”
Uma vez escolhida alguma cláusula do Grupo “D”, está o
contratante diante uma disposição que atrela maior responsabilidade ao exportador.
Tal grupo segmenta-se nas cláusulas Delivered at Frontier (DAF), Delivered Ex Ship
(DES), Delivered Ex Quay (DEQ), Delivered Duty Unpaid (DDU) e Delivered Duty
Paid (DDP). Acerca da cláusula DAF preceitua AMARAL121:
A utilização desta cláusula pressupõe o transporte terrestre das mercadorias (rodoviário ou ferroviário). O exportador é responsável por todos os custos, inclusive transporte, para a entrega das mercadorias ao importador no ponto da fronteira que foi acordado. O exportador deve entregar as mercadorias ao importador livres para a exportação, arcando com todos os custos daí decorrentes. O importador deve arcar com os custos da importação das mercadorias e a sua responsabilidade começa a partir do recebimento das mercadorias do exportador no local da fronteira que foi acordado.
Verifica-se então, que a cláusula DAF é utilizada em modais
diferentes do marítimo, de forma que o exportador é responsável pela entrega da
120 MURTA, Roberto de Oliveira. Princípios e contratos em comércio exterior. p. 48 121 AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Direito do Comércio Internacional . 2004. p. 273
64
mercadoria na fronteira do país importador. Com relação à cláusula DES vale os
ensinamentos de MURTA122:
O termo DES determina que o vendedor cumpre a entrega quando as mercadorias estiverem à disposição do comprador a bordo do navio, não desembaraçadas para importação, no porto de destino designado. O vendedor terá de bancar todos os custos e riscos envolvidos em levar as mercadorias até o porto de destino antes de descarregá-la. Se as partes desejarem que o vendedor assuma os riscos pelo descarregamento das mercadorias, então deverá ser aplicado o termo DEQ.
Trata-se de cláusula que atribui considerável responsabilidade
ao exportador, que assume todos os riscos da operação até a chegada da
mercadoria no porto de destino, a bordo do navio, momento em que o importador
incumbe-se de realizar o despacho aduaneiro. A respeito da cláusula DEQ, mais
uma vez cita-se MURTA123:
O termo DEQ determina que o vendedor cumpre a entrega quando as mercadorias forem colocadas à disposição do comprador, não desembaraçadas para importação, no cais (píer) do porto de importação pactuado. O vendedor terá de absorver as despesas e os riscos envolvidos em deslocar as mercadorias até o porto de destino nomeado e em seu descarregamento no cais (píer). O DEQ determina que o comprador desembarace as mercadorias para importação e pague por todas as formalidades, direitos, impostos e outros encargos decorrentes da importação.
Portanto, quando estipulada a cláusula DEQ, o devedor
cumprirá sua obrigação ao desembarcar a mercadoria no porto de destino
designado pelo importador e não somente dispor-la a bordo, como na cláusula DES.
Acerca da cláusula DDU complementa MURTA124
O termo DDU estabelece que o vendedor transfira as mercadorias ao comprador, não desembaraçadas para importação e não descarregadas a partir de qualquer veículo transportador, no local de destino designado. O vendedor deverá absorver todo e qualquer
122 MURTA, Roberto de Oliveira. Princípios e contratos em comércio exterior. p. 60 123 MURTA, Roberto de Oliveira. Princípios e contratos em comércio exterior. p. 65 124 MURTA, Roberto de Oliveira. Princípios e contratos em comércio exterior. p. 70
65
custo e risco envolvidos – quando for o caso – em levar as mercadorias até aquele local, exceto os que se refiram aos direitos de importação no pais de destino (este termo inclui a responsabilidade por quaisquer riscos de assumir as formalidades alfandegárias e seus respectivos custos, direitos aduaneiros, impostos e outros encargos). Esses direitos terão de ser assumidos pelo comprador, bem como quaisquer custos e riscos motivados por sua omissão em desembaraçar as mercadorias para importação, dentro do prazo legal.
Pela cláusula DDU o vendedor assume toda a
responsabilidade pela entrega da mercadoria no local designado, exceto quanto aos
direitos relativos a importaçao no país de destino. Finalmente tem-se a cláusula DDP
assim descrita por AMARAL125:
Pela utlização desta cláusula, o exportador assume todos os custos e despesas necessárias para a entrega das mercadorias no local designado pelo importador. É a cláusula que prevê maiores obrigações ao exportador, ao contrário da cláusula EXW que prevê as maiores obrigações ao importador. Assim, o exportador assume todos os custos necessários para o transporte local e principal das mercadorias, armazenagem, desembaraço aduaneiro para exportação, embarque das mercadorias no local da saída, desembarque das mercadorias no local da chegada, desembaraço aduaneiro necessário a importação e o transporte das mercadorias no país do importador até o estabelecimento deste.
Referida cláusula é a mão inversa da cláusula EXW. Assim o
exportador assumirá todos os riscos no caso de ocorrência de danos ou perda das
mercadorias durante todo o trajeto desde o seu estabelecimento até o local de
destino das mercadorias.
3.4 O CONTRATO INTERNACIONAL DE COMPRA E VENDA DE M ERCADORIAS
À LUZ DO ORDENAMENTO JURIDICO BRASILEIRO
Uma vez estabelecida a sistemática dos contratos
internacionais do comércio, mormente quanto ao de compra e venda internacional 125 AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Direito do Comércio Internacional . 2004. p. 275
66
de mercadorias, objeto deste estudo, ora identificando suas generalidades ora seus
elementos estruturantes, parte-se agora para uma análise teórica de sua situação
quando à luz do ordenamento jurídico Brasileiro, de forma a elucidar os aspectos
legais a ele concernentes e aqui vigentes.
Ao longo do trabalho, demonstrou-se que o contrato
internacional de compra e venda de mercadorias tem a função precípua de regular o
direito e as obrigações das partes, leia-se importador e exportador, quando da
realização de uma operação de compra e venda internacional de mercadorias, de
modo a estabelecer uma segurança jurídica ao negócio e assim precaver as partes
de um eventual inadimplemento, pelo uso da força normativa do instrumento.
Apesar da exígua utilização do instrumento pelos operadores
do comércio internacional Brasileiro devido a suas inexperiências126, é fato que, com
o incremento cada vez maior do comércio internacional, as partes busquem
solidificar sua situação jurídica perante a jurisdição internacional, uma vez que o
fluxo de negócios torna-se intenso e bem assim os efeitos jurídicos deles
decorrentes, onde para tanto demonstra-se mais que necessário uma legislação
nacional coesa e apta a dirimir um conflito.
Neste entendimento é salutar e necessário se fazer uma
análise do instituto sob a ótica do ordenamento jurídico Brasileiro, uma vez que,
como visto alhures, embora haja uma tendência internacional de uniformização das
regras atinentes ao comércio internacional, o Brasil infelizmente ainda não se
inclinara para tanto, sujeitando-se atualmente às disposições nacionais de Direito
Internacional Privado, o que pode acarretar em uma insegurança para as partes
contratantes.
Partindo desta constatação, percebe-se que as principais
questões legais atinentes ao contrato internacional de compra e venda de
mercadorias repousam na capacidade das partes, objeto e sua conclusão,
disposições legais oportunamente detalhadas mais a frente.
126 MINERVINI, Nicola. O Exportador . São Paulo: Makron Books, 2001. p. 339
67
O contrato quando celebrado entre entes internacionais, como
fora visto, via de regra extingue-se com a sua execução, situação que até então não
necessitaria de um estudo legal mais aprofundado, no entanto, numa hipótese de
inexecução, mister se faz conhecer a legislação pertinente para que o direito das
partes sejam efetivamente tutelados.
Segue, portanto, a normatização dos contratos internacionais
de compra e venda de mercadorias perante o ordenamento jurídico brasileiro.
Insista-se mais uma vez, que o contrato internacional será
aquele que possuir elementos que permitam vinculá-lo a mais de um sistema jurídico
e tiver por objeto uma operação que envolva o duplo fluxo de bens pela fronteira.
Dito isto, analisa-se o contrato de compra e venda internacional
de mercadorias enquanto elemento de Direito Internacional Privado, onde a partir
daí pode se encontrar sua normatização. No Brasil sabe-se que as normas de
Direito Internacional Privado encontram-se, sobretudo na Lei de Introdução ao
Código Civil na forma do Decreto lei 4657 de 1942, donde se passa a identificar as
questões relativas a tais contratos.
Tendo em vista que o instituto em estudo abrange mais de um
sistema jurídico, deve-se visualizar perante o diploma civil o que dispõe a legislação
brasileira a respeito da lei aplicável aos mesmos, segundo os elementos contratuais
já mencionados. Acerca da capacidade das partes seu artigo 7° assim esclarece: “A
lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o
fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família”.
Infere-se aí que o estado Brasileiro adotou o critério do
domicílio para regular as questões referentes à capacidade das partes no bojo dos
contratos internacionais, aspecto este muito importante quando utilizado o critério do
fracionamento na escolha da lei aplicável.
A respeito da conclusão do contrato, também por meio da Lei
de Introdução ao Código Civil, preceitua a norma Brasileira no seu artigo 9°:
Art. 9o Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.
68
§ 1o Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.
§ 2o A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.
Ora, considerando-se que as obrigações derivam da lei, dos
atos ilícitos e da vontade, compreendem-se nesta última os contratos internacionais
de compra e venda de mercadorias, restando aí consagrado no território nacional o
critério do lugar da celebração do contrato para se definir a sua lei aplicável, e bem
assim o lugar de residência do proponente, pelo que consta no parágrafo segundo
de tal artigo.
Nesta esteira, haja vista a regulação internacional do contrato
de compra e venda internacional de mercadorias por meio de tratados como uma
forma de uniformizar tais relações, se considera que o Brasil não evoluiu em tal
questão, senão veja-se o porquê.
Primeiramente, com relação a aplicação da autonomia da
vontade na escolha da lei aplicável, constata-se que atualmente, segundo a lei
Brasileira, a possibilidade de incidência do principio é proibida, senão relativizada à
ordem pública e aos bons costumes, e no âmbito dos tratados, apesar do Estado ter
assinado a convenção Mexicana de 1994127, ainda não a ratificou, o que não altera
em nada a situação atual.
Corroborando tal entendimento ARAÚJO128 aponta que “é
cada vez mais evidente a necessidade de efetuar-se substanciais modificações no
artigo 9 da LICC, para afinal, adotar-se a autonomia da vontade como principio
determinador de lei aplicável às obrigações internacionais”.
No entanto, referido princípio poderá ser argüido pelas partes
se assim as dispuserem por meio de uma cláusula arbitral, com fundamento na lei
127 VIDE Capítulo II – 2.2.1 128 ARAÚJO, Nadia de. Contratos Internacionais. Autonomia da Vontade. Mercosul e Convenções
internacionais. 2004. p. 205
69
de arbitragem Brasileira129, situação em que excepciona a regra do artigo 9° d a
LICC, submetendo o litígio a um tribunal arbitral escolhido pelas mesmas, o que
conseqüentemente induzirá na apreciação da lei escolhida pela respectiva jurisdição
arbitral.
Outro aspecto importante a se destacar é a não participação do
Estado Brasileiro na Convenção de Viena de 1980, o que de fato pode estar
mudando. A referida convenção, já mencionada em tópico anterior, conta com um
número expressivo de Estados adeptos, e é atualmente a mais completa
normatização internacional e em plena vigência a respeito dos contratos
internacionais de compra e venda de mercadorias.
Diante disso, recentemente a o Conselho de Ministros da
Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) autorizou130 o Ministério das Relações
exteriores a encaminhar ao Congresso Nacional a proposta de adesão à referida
Convenção, o que traria segurança jurídica e previsibilidade das relações comerciais
entre as empresas Brasileiras e as estabelecidas em diferentes países, corolário ao
que sustenta o artigo 3° da Constituição Federal Br asileira, em seu inciso II, ao tratar
como objetivo fundamental da República “garantir o desenvolvimento nacional”.
Sendo assim, assenta-se que no Brasil, até o presente
momento, especificamente em relação aos contratos internacionais de compra e
venda de mercadorias, a incidência de tratados internacionais é desprovida de
robustez, fato que remete o operador jurídico aos elementos de conexão do Direito
Internacional Privado Brasileiro, sendo esta sua principal normatização, muito
embora tal situação possa alterar-se completamente com a adesão do Estado à
Convenção de Viena de 1980.
Infere-se finalmente, que a atual legislação Brasileira atinente
aos Contratos Internacionais de Compra e Venda de Mercadorias, verdadeiros
propulsores do Comércio Exterior Nacional, encontra-se inadequada aos propósitos
de desenvolvimento da nação, uma vez que, conforme visto dantes, os Estados
129 VIDE Capitulo II – 2.4.3 130 Disponível em: http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/noticia.php?area=1¬icia=9543
Acesso em: 05/05/2010
70
representativos de 90% do comércio internacional já se encontram submissos à uma
lei uniforme, leia-se a Convenção de Viena, cuja intenção primordial é reduzir os
custos jurídicos de tais operações, diante a previsibilidade de seus efeitos mediante
a sua aplicação, o que ainda não acontece no Brasil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve como objetivo específico analisar o
Contrato Internacional de Compra e Venda de Mercadorias à luz do ordenamento
jurídico Brasileiro.
A escolha do tema se deu em razão da expansão gradativa do
Comércio Exterior nacional, e pelo fato de ser a região do Vale do Itajaí um potencial
pólo de exportação no Estado e no Brasil, mormente em razão da atividade portuária
nela exercida. Assim tal estudo sucedeu-se pela importância de instrumentalizar-se
uma operação de comércio exterior, especificamente às de compra e venda de
mercadorias, e assim identificar se a legislação Brasileira confere segurança jurídica
aos que a ela se submetem, de modo a estabelecer se tais contratos quando aqui
conexos, terão a sua disposição uma legislação hábil a resolver seus conflitos
decorrentes, de forma célere e eficaz, corolário ao que busca o comércio
internacional.
O trabalho fora dividido em três capítulos. O primeiro tratou de
esboçar a teoria geral dos contratos, identificando sua evolução histórica, princípios,
formação, classificações e hipóteses de extinção, de modo a obterem-se os
fundamentos do objeto pesquisado.
No segundo capítulo, trabalhou-se com os contratos
internacionais do comércio, segmento de Direito Internacional Privado que se
desdobra em várias espécies, dentre elas o de Compra e Venda de Mercadorias,
denotando seus elementos estruturais, como os critérios de lei aplicável e algumas
cláusulas fundamentais.
No terceiro e último capítulo, estudou-se especificamente o
Contrato Internacional de Compra e Venda de Mercadorias nos seus aspectos
pertinentes, a regulação internacional a ele conferida, e sua normatização perante o
ordenamento jurídico Brasileiro, demonstrando por fim, a inadequação da legislação
nacional em face aos que com aqui contratam ou que porventura venham a escolher
a lei Brasileira como a lei aplicável aos referidos contratos.
72
Enfim, cabe verificar se houve a confirmação das três
hipóteses da pesquisa:
A) Fora demonstrado que a teoria geral dos contratos em
vigência no ordenamento pátrio é intimamente vinculada ao comércio internacional
Brasileiro uma vez que os aspectos fundamentais do objeto em pesquisa nela se
podem fundamentar, como os princípios e sua formação, confirmando-se assim a
primeira hipótese.
B) Ficou evidenciado que há uma tendência de uniformização
da legislação pertinente pela expressiva maioria dos Estados mercantes do
comércio internacional, ante a internalização de tratados que regulam o objeto, de
forma a conferir segurança jurídica às partes contratantes e incitar o
desenvolvimento e a integração do comércio internacional, confirmando-se também
a segunda hipótese.
C) Por fim não se confirmou a terceira e ultima hipótese de
que a legislação Brasileira referente ao objeto é adequada às exigências do
comércio internacional, uma vez que carece de previsibilidade quanto aos seus
respectivos efeitos. Primeiro, por não aderir a convenções importantes, como a
Convenção Mexicana de 1994 que prevê a autonomia da vontade na escolha da lei
aplicável, assim como a Convenção de Viena de 1980 que regula o objeto de modo
específico e abarca 74 Estados representativos de 90% do comércio mundial, o que
traduz em um retrocesso para o comércio internacional Brasileiro. Segundo, pelo
fato de que quando aqui submetido um litígio de tal natureza, certamente este
passará por delongas judiciais até que se contextualize o sistema jurídico das
partes, aumentando o custo da operação frustrada, e cerceando ainda que
relativamente, um objetivo fundamental da república, o de garantir o
desenvolvimento nacional.
Portanto, se considera que a regulamentação do Contrato
Internacional de Compra e Venda de Mercadorias no Brasil é, senão antiquada,
deficitária ao desenvolvimento do Comércio Exterior Brasileiro, e bem assim do
73
Comércio Internacional, uma vez que traz insegurança jurídica às partes
contratantes, ao não dispor de uma normatização hábil a desembaraçar um litígio
decorrente de forma célere e eficaz. O que por sua vez assim o faz a expressiva
maioria dos Estados mercantes, numa tendência de fomentar a integração e o
desenvolvimento do comércio internacional, ao uniformizar as regras legais
pertinentes por meio de tratados internacionais, provendo assim a devida
previsibilidade e segurança jurídica a tais operações.
Percebe-se, pois, que no Brasil, ante a atual normatização dos
Contratos Internacionais de Compra e Venda de Mercadorias, e tendo em vista ser a
Convenção de Arbitragem uma a exceção à proibição da autonomia da vontade,
seria preferível às partes submeterem seus contratos à tribunais especializados,
visando celeridade e eficácia na resolução de eventuais litígios decorrentes, já que a
jurisdição estatal ainda não dispõe de um diploma legal uniforme e eficiente que
contemple às exigências do comércio internacional, ou seja, efetivar este último com
o mínimo de entraves jurídicos, lastreando-se em uma regulamentação uniforme,
segura, previsível e desburocratizada.
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