O Conflito Distributivo em Sociedades Pretorianas: uma interpretação teórica da inflação...
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Publicado em Nova Economia, 4 (1): 107-29.
Belo Horizonte: Departamento de Cincias Econmicas da UFMG, novembro de 1994.
O CONFLITO DISTRIBUTIVO EM SOCIEDADES PRETORIANAS:
uma interpretao terica da inflao brasileira1
Bruno Pinheiro W. Reis2
Vem tornando-se moeda corrente na literatura especializada europia e norte-
americana a afirmao da tese de que democracia mesmo que institucionalmente estvel,
e organizada no que toca administrao do conflito distributivo causa inflao. O
presente trabalho pretende investigar at que ponto se pode tambm afirmar que democracia
desorganizada (ou seja, institucionalmente frgil e portanto com um conflito distributivo
sem regras consensualmente estabelecidas) propicia processos inflacionrios
particularmente descontrolados e violentos.
Artigo recente de Gustavo Franco lista os casos observados de hiperinflao neste
sculo, e salta aos olhos o fato de que todos os pases considerados enfrentavam na ocasio
graves crises polticas, seja a derrota numa guerra, com perda de territrios (ustria,
Alemanha), sejam problemas relacionados com a fundao do estado (Hungria, Polnia),
seja a agitao pr ou ps revolucionria (China e Unio Sovitica).3 Franco observa que
outros lugares enfrentaram dificuldades econmicas semelhantes quelas enfrentadas por
estes pases, sem que se repetisse o processo hiperinflacionrio; de fato, nunca houve
1 O presente trabalho uma adaptao do projeto de minha tese de doutorado, defendido no Iuperj em 19 de
dezembro de 1991, sob a orientao da Prof Maria Regina Soares de Lima. Durante o primeiro semestre
daquele ano contei com a orientao do Prof. Luiz Werneck Vianna, e ao longo de todo o processo de
elaborao do projeto pude contar com o Prof. Fbio Wanderley Reis, da UFMG, como um interlocutor
freqente, e, em algumas ocasies importantes, tambm com a Prof Elisa P. Reis, do Iuperj. Uma conversa
com meu colega no Iuperj, Prof. Fabiano Guilherme Mendes Santos, da UFF, num momento crucial da
elaborao do projeto, forneceu-me novas e valiosas referncias na literatura pertinente. Um outro colega,
Prof. Alberto Carlos Melo de Almeida, tambm da UFF, leu o projeto depois de defendido, fazendo
sugestes teis e chamando minha ateno para alguns deslizes que me haviam escapado. A todos o meu
agradecimento. A responsabilidade, porm, pelo resultado final deve, como de praxe, ser imputada a mim
exclusivamente.
2 Professor do Departamento de Cincia Poltica da UFMG.
3 FRANCO (1991, pp. 67-70). Para os propsitos de seu artigo, Franco define hiperinflao como a inflao
que supera a taxa de 50% ao ms (p. 67).
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sequer um processo inflacionrio crnico e de taxas mensais persistentemente acima dos
10% em democracias politicamente estveis.4 Torna-se intuitivamente evidente o papel da
poltica como elemento desencadeador da hiperinflao (parece mesmo que a instabilidade
institucional seria uma condio necessria da hper), mas este nexo tem sido explorado
inclusive por Franco de forma impressionista e pouco rigorosa. Cabe, portanto, o esforo
de investigar mais cuidadosamente o vnculo entre a poltica e processos inflacionrios
crnicos, de taxas persistentemente elevadas e especialmente resistentes a terapias
convencionais, como os que se observam em vrias democracias recentes do Terceiro
Mundo, entre elas o Brasil.
1. Democracia e Inflao em Pases Desenvolvidos:
A Teoria dos Ciclos Econmico-Eleitorais
A dcada de 70 produziu abundante literatura sobre o nexo entre democracia
poltica institucionalizada e inflao moderada diversos autores ligados corrente da
escolha pblica (public choice) estiveram explorando o problema, com o foco das
anlises voltado sobretudo para os casos da Europa Ocidental e dos Estados Unidos. Esta
literatura veio a se tornar conhecida sob o rtulo de teoria dos ciclos econmico-
eleitorais.5
Um dos fulcros da tese consiste na percepo a meu ver, acertada de que as
escolhas dos formuladores de poltica macroeconmica no se pautam prioritariamente pelo
objetivo da otimizao da eficincia da economia, sendo as decises de poltica econmica
antes o resultado de um conflito poltico entre interesses coletivos divergentes (LINDBERG,
1985, pp. 27-8). O outro pilar da teoria condio suficiente, embora no necessria, do
primeiro consiste numa modelagem dos atores envolvidos (basicamente, governo, de um
lado, e eleitores, do outro) calcada em seus traos bsicos no modelo j clssico de Anthony
DOWNS (1957) para a democracia contempornea: grosso modo, uma espcie de
microeconomia da poltica, onde as firmas so substitudas pelos partidos polticos e os
consumidores, pelos eleitores.
4 Posta a questo nestes termos, possvel que exista quem queira considerar o caso da inflao israelense na
dcada de 80 como uma exceo a esta regra. Creio, todavia, que embora se possa falar de estabilidade
governamental em Israel, os dramticos conflitos internos e externos a que o pas est sujeito desde a sua
fundao nos permitem no consider-lo um caso de democracia institucionalmente estvel.
5 Uma abundante bibliografia sobre o tema pode ser encontrada em Wanderley Guilherme dos SANTOS (1983,
esp. pp. 153-5, nn. 41-65).
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Muito resumidamente, o argumento funciona, portanto, da seguinte maneira: como
os polticos so, acima de tudo, empresrios eleitorais cujo objetivo maximizar seus
votos na prxima eleio, eles so extremamente suscetveis s mais variadas presses, e
procuram atender s demandas do maior nmero possvel de grupos, evitando assim
incompatibilizarem-se com qualquer um deles. O resultado so gastos excessivos e muitas
vezes inteis, e uma poltica macroeconmica inconsistente, que produz uma perda na
eficincia da economia e propicia, entre outras coisas, o surgimento da inflao. A idia do
ciclo emerge a partir da constatao de que este processo se intensifica medida que se
aproxima a prxima eleio: o governo eleva seus gastos, a economia se aquece, cai o
desemprego e eleva-se a inflao. Aps a eleio, o governo v-se obrigado a implementar
uma poltica de estabilizao (ao mesmo tempo que se v mais livre para implement-la,
dada a distncia das prximas eleies), passando a adotar uma poltica relativamente mais
dura, desaquecendo a economia e segurando a inflao. Isto at que o governo sinta
novamente a necessidade de cuidar da sua popularidade com vistas prxima eleio, e o
ciclo recomea.
necessrio ter em mente, porm, algo que muitos autores parecem preferir ignorar.
O fenmeno da suscetibilidade dos governos a grupos de presso no pode ser tratado como
uma excrescncia que se tenha instalado nas democracias contemporneas por descuido dos
bons cidados ou m f de alguns aproveitadores, e que possa portanto ser eventualmente
removida sem deixar seqelas. antes um fenmeno inseparvel da prpria natureza da
democracia moderna, com o qual estamos condenados a conviver se quisermos viver em
regimes democrticos.6 Mancur Olson, apesar dos enormes mritos de sua obra, um dos
que parecem imaginar o contrrio. Parece-me contudo pouco plausvel a esperana por ele
manifestada do advento de uma sociedade livre dos danos causados por grupos de interesse
(OLSON, 1982, pp. 236-7). A condenao social das faces compreensvel numa
sociedade como a democracia ateniense do sculo V a.C., que politicamente se resumia a no
mximo trinta ou quarenta mil cidados adultos do sexo masculino, e onde virtualmente
ningum era completamente annimo, sendo a identificao individual de cada cidado
com a polis quase inimaginvel para os padres dos dias de hoje.7 Hoje, em rota batida
6 Polticas de gastos respondem a um largo espectro de presses pluralsticas que so a essncia do processo
democrtico. (LINDBERG, 1985, p. 47, traduo minha.)
7 H no grego uma palavra stasis cuja gama de significados polticos, segundo M.I. Finley, engloba partido, partido formado com fins sediciosos, faco, sedio, discrdia, diviso, disseno,
alm de guerra civil ou revoluo. Abundante na literatura da poca, sua conotao geralmente
pejorativa (FINLEY, 1985, pp. 60-1). Para uma estimao da populao ateniense de ento, ver FINLEY
(1985, pp. 29-30).
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rumo quilo que Karl Popper chamou de sociedade abstrata,8 esta hiptese simplesmente
no faz muito sentido.
Um outro ponto relevante a considerar em conexo com este o de que, dentro de
determinados limites, deve-se admitir a hiptese de que as pessoas podem simplesmente
preferir a persistncia de alguma inflao a pagar os custos de uma poltica de estabilidade
monetria.
Albert HIRSCHMAN (1985, p. 70), por exemplo, menciona um argumento de Mrio
Henrique SIMONSEN (1967, pp. 272-3) a respeito da inflao, baseado no axioma de
DUESENBERRY (1949, p. 89) segundo o qual as pessoas querem sempre recuperar a melhor
situao que j experimentaram. Uma peculiaridade da inflao, segundo Simonsen, que
diferentes grupos experimentam sua melhor situao em pontos diferentes no tempo (no
caso hipottico de existirem apenas dois grupos, a melhor situao de um grupo coincidir
sempre com a pior do outro). Como somente a inflao pode permitir esta alternncia
peridica nas rendas relativas dos diversos grupos na sociedade, as pessoas podem preferir
a persistncia de uma inflao moderada a uma estabilidade que as afaste indefinidamente
de uma renda temporariamente maior desde que o vale da oscilao no seja
intoleravelmente baixo.9
Tambm do ponto de vista do governo, especialmente em casos de transies
democrticas, uma inflao moderada pode tornar-se desejvel na medida em que ameniza
conflitos distributivos cuja radicalizao costuma ser inevitvel durante processos de
democratizao. O problema que, se persistir durante muito tempo ou agravar-se
excessivamente, a inflao pode tambm ajudar a derrubar esta mesma democracia nascente
cuja administrao ela a princpio havia facilitado.10
O reconhecimento da existncia de circunstncias plausveis onde a inflao pode
ser desejvel corrobora a atitude de Brian BARRY (1985), que chega a desqualificar a
inflao como problema relevante. Em uma crtica minuciosa das teses do ciclo econmico-
eleitoral, Barry mostra o que h de excessivamente simplificador nas suposies do modelo.
8 Para Popper, uma sociedade tanto mais abstrata (no confundir com sua clebre sociedade aberta),
quanto menores forem os contatos pessoais entre os integrantes desta sociedade. O crescimento populacional
e o avano tecnolgico contribuem nesta direo, embora Popper afirme que sociedade alguma ser jamais
totalmente abstrata (POPPER, 1944, pp. 189-91). Em minha opinio, este processo, ao enfraquecer os
vnculos afetivos das pessoas em relao sociedade, exacerba o seu impulso para a adeso a grupos
particulares dentro desta mesma sociedade, em busca de uma identidade grupal, sectria, que elas no
encontram na sociedade como um todo. A sociedade abstrata tenderia, assim, a meu ver, a estimular a
stasis.
9 Em corroborao a este ponto, Hirschman cita tambm a Tibor SCITOVSKY (1976).
10 Cf. HIRSCHMAN (1985, p. 72), onde se ilustra a tese com o caso da inflao espanhola em 1977. Em Brian
BARRY (1985, p. 288) encontra-se uma tese semelhante.
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Alm de compartilhar a tese de que a inflao pode ser menos indesejvel do que parece ser
aos olhos de alguns autores,11 Barry chama ateno para o carter um tanto bvio dos
resultados da teoria dadas as suas suposies. Em linhas gerais, Barry acusa a teoria do
ciclo econmico-eleitoral de postular polticos que so exclusivamente caadores de poder,
dispostos a impor qualquer dano nao desde que isto possa aumentar sua votao, alm
de hbeis manipuladores dos instrumentos da poltica econmica em busca da reeleio; por
outro lado, os eleitores comportam-se como perfeitos idiotas, sem memria ou capacidade
prospectiva. Com premissas como estas, afirma Barry, no surpresa alguma que a
democracia se revele um sistema vicioso.12 Lindberg corrobora o ceticismo de Barry a
respeito das concluses da teoria do ciclo econmico-eleitoral quando menciona o fato de
que no parece haver correlao entre, de um lado, altas taxas de inflao, tendncias a
dficits e produtividade declinante e, de outro, alto grau de taxao ou de gasto pblico
often quite the opposite: quando o estado falha na regulao, o conflito transfere-se para
o mercado, onde pode alimentar o cabo-de-guerra inflacionrio.13
Ao final de seu artigo, porm, Barry concede que a democracia do welfare state tal
como existe hoje, e que se estabeleceu sob o manto da hegemonia keynesiana na cincia
econmica, possui efetivamente caractersticas propcias ao surgimento da inflao. S que
ele simplesmente descarta este fato como um problema importante: a inflao moderada
que comumente se observa na Europa e nos Estados Unidos perfeitamente til
administrao do conflito distributivo, e no haveria razo, segundo Barry, para nenhuma
histeria antiinflacionria. A nica razo pela qual a inflao importante, para Barry, que
ela permite uma certa mobilizao em torno de propostas que em tempos mais calmos
seriam largamente reconhecidas como reacionrias.14
11
BARRY (1985, pp. 291-7).
12 BARRY (1985, p. 300). Para qualificaes ao retrato simplificador dos polticos freqentemente traado,
BARRY (1985, p. 301, n. 41) menciona Robert PUTNAM (1973), um minucioso estudo emprico sobre as
atitudes bsicas dos polticos de dois pases bastante diferentes um do outro (Gr-Bretanha e Itlia). Um
trao saliente do comportamento dos polticos, segundo Barry e tambm Putnam, a preocupao com a
reputao e com seu lugar na Histria, ainda que esta preocupao seja motivada apenas por vaidade. Ver
tambm, a respeito, PUTNAM (1971).
13 LINDBERG (1985, pp. 47-8). Ele cita, a respeito (p. 48, n. 37), M. PANIC (1978).
14 Cf. BARRY (1985, pp. 315-7). Barry (p. 317) ironiza aqueles que, comprometidos primariamente com a
idia do livre funcionamento do mercado, se vem diante do problema de obter uma aprovao democrtica
da populao para que se mantenham perpetuamente de mos atadas governos eleitos tambm
democraticamente. No toa, segundo ele, que pases autoritrios como Hong Kong, Taiwan e Coria do
Sul se tornam freqentemente as meninas dos olhos de tais economistas.
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2. Inflao Acelerada e Fragilidade Institucional
Apesar de minha simpatia posio que Brian Barry assume em relao s teses do
ciclo econmico-eleitoral, preciso estar atento ao fato de que ele se reporta sempre a
pases que esto lidando com inflaes que atingiram no mximo a casa dos 10% ao ano.
Quando passamos a tratar de inflaes com taxas percentuais anuais que gravitam na casa
das centenas, a situao muda completamente. Passa a haver um efeito concentrador de
renda que no depende mais de mudanas nos preos relativos, mas simplesmente do fato
de que algumas pessoas (as mais ricas) tm acesso privilegiado a diversos meios de
proteger seus ativos financeiros da corroso inflacionria, em detrimento dos mais pobres.15
Alm disso h um forte desincentivo ao investimento produtivo, pois torna-se impossvel
qualquer clculo seguro das taxas de retorno.
Conforme foi visto acima, este tipo de inflao nunca foi observado em democracias
institucionalmente estveis, e esta determinao poltica de processos inflacionrios
crnicos com taxas elevadas vem sendo crescentemente ventilada na literatura. Resta ver,
portanto, por que afinal a taxa de inflao escapa ao controle do governo nesses casos e no
em pases poltica e institucionalmente estveis.
2.1. Huntington e o grau de governo
Pelo menos desde que Max Weber escreveu Parlamento e Governo numa
Alemanha Reconstruda (WEBER, 1918), os problemas relacionados baixa
institucionalizao da vida poltica de um pas se converteram em um dos temas clssicos
da Cincia Poltica. O prprio Weber j apontava, no estudo citado, alguns dos principais
efeitos deste quadro de baixa institucionalizao: poltica negativa da parte do
parlamento, ingerncia da burocracia sobre a esfera das decises polticas do governo etc.
Sem querer questionar a acuidade e o valor dos insights de Weber em seu ensaio,
creio porm que foi Samuel Huntington quem mais longe levou a anlise dos problemas
associados baixa institucionalizao poltica. Adotando uma postura realista,
HUNTINGTON (1968) estabelece como seu problema no o tipo de governo e nisso difere
no s de Weber, mas tambm de um Robert Dahl, por exemplo mas o grau de
governo.16 Associando o problema do grau de governo ao nvel de institucionalizao da
15
Em frase recente do ex-ministro e atual deputado federal Delfim Netto: O que financia o dficit pblico a
queda dos salrios reais. (Entrevista TV Cultura de So Paulo, dia 11 de novembro de 1991.)
16 importante ter em mente que a idia a que Huntington se refere quando fala em grau de governo no
necessariamente coincide com grau de autoritarismo, refletindo, sim, a eficcia das aes de um governo em
seu propsito de governar um pas. Para Huntington, as diferenas entre democracia e ditadura so menores
que as existentes entre os pases cuja poltica compreende consenso, comunidade, legitimidade, organizao,
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7
vida poltica de uma sociedade, Huntington faz uma contribuio valiosa ao estudo das
condies de governabilidade, especialmente daqueles pases que atravessaram
recentemente processos de modernizao acelerada, nos quais via de regra se observou
grande instabilidade poltica, que freqentemente resultou em golpes militares. Rejeitando a
possibilidade de explicao do fenmeno dos freqentes golpes militares por meio da
imputao de supostas caractersticas peculiares aos militares deste ou daquele pas,
Huntington concentrou sua ateno na fragilidade institucional dos pases em processo de
modernizao. Ele estendeu o conceito de pretorianismo (usualmente referido
estritamente interveno dos militares na poltica) caracterizao da sociedade como um
todo, pretendendo, com o conceito de sociedade pretoriana, caracterizar sociedades onde
no existem instituies polticas efetivas, capazes de mediar, refinar e moderar a ao
poltica dos grupos (HUNTINGTON, 1968, p. 208). Como conseqncia, tem-se uma
sociedade onde aparentemente observa-se um alto grau de politizao de todos os grupos
sociais, reflexo da interveno conflituosa e desastrada dos mais diversos grupos sociais na
arena poltica, mas que fruto, porm, no propriamente daquilo que no Brasil se costuma
chamar de politizao dos grupos (alto grau de informao poltica, ou orientao
poltico-ideolgica mais ou menos ntida ou sofisticada), mas da inexistncia pura e simples
de acordo entre os grupos quanto aos mtodos legtimos e conclusivos de dirimir os
conflitos (idem, ibidem).17
Ao contrrio do que poderia parecer primeira vista, o pretorianismo de
Huntington, com sua nfase sobre a instabilidade institucional, no encontra
correspondncia exata no modelo bidimensional da poliarquia de Dahl. Digo
eficincia, estabilidade e os pases cuja poltica deficiente nessas qualidades (HUNTINGTON, 1968, p. 13).
Ou seja, o grau de governo alto quando o governo governa. J Dahl, por seu turno, est ocupado
eminentemente com problemas relacionados ao tipo de governo: basicamente, os pases se dividem entre
democrticos ou no, e o esforo se dirige para investigar as condies de possibilidade da emergncia de
uma democracia (ver por exemplo DAHL, 1971).
17 H um trecho famoso e freqentemente citado que sem dvida a mais eloqente descrio que
HUNTINGTON (1968, pp. 208-9) faz da sociedade pretoriana:
Numa sociedade pretoriana [...] cada grupo utiliza os meios que refletem sua natureza peculiar e
suas capacidades. Os ricos subornam; os estudantes se amotinam; os operrios fazem greve; as
massas promovem manifestaes e os militares efetuam golpes. Na ausncia de procedimentos
reconhecidos, todas essas formas de ao direta so encontradas no cenrio poltico. As tcnicas de
interveno militar so apenas mais dramticas e eficientes que as outras porque, como diz Hobbes:
Quando nada mais se apresenta, o trunfo paus.
A ausncia de instituies polticas efetivas numa sociedade pretoriana significa que o poder
fragmentado: manifesta-se de muitas formas e em pequenas quantidades. A autoridade sobre o
sistema em seu todo transitria e a fraqueza das instituies polticas significa que a autoridade e o
cargo com facilidade se adquirem e se perdem. Por conseguinte, no h incentivo para que um lder
ou um grupo faa concesses importantes em busca de autoridade.
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8
bidimensional porque Dahl define seu conceito de poliarquia por meio de dois vetores: a
contestao pblica (liberalizao) e o direito participao (incluso). Ele chega a
representar seu esquema por meio de um diagrama bidimensional onde a poliarquia est
situada no extremo que corresponde mxima liberalizao e mxima incluso. No
extremo oposto estariam as hegemonias fechadas, com nenhuma liberalizao e nenhuma
incluso das massas. As trajetrias por meio das quais diferentes pases tenham logrado
alcanar um estado polirquico ou quase-polirquico a partir de um estado original de
hegemonia fechada condicionaro as possibilidades de sucesso de cada poliarquia (DAHL,
1971, esp. pp. 5-9). Assim, o problema em Dahl no tanto a estabilidade/instabilidade (em
suma, a famosa governabilidade), mas antes os processos de democratizao. Com vistas
compatibilizao das duas abordagens, ainda pode-se afirmar que o vetor da
liberalizao, por medir a existncia de contestao e competio poltica, supe a
existncia de regras polticas acatadas de forma mais ou menos consensual e portanto algum
grau de institucionalizao do sistema poltico nos termos de Huntington. No obstante,
parece-me claro que os dois autores trabalham com problemas diferentes, estando o esforo
de Dahl voltado sobretudo para o problema do tipo de governo, contrariamente a
Huntington, atento para o grau de governo dos diversos pases. Para os fins do presente
trabalho, interessaria fundamentalmente aquilo que em Dahl est representado no vetor da
liberalizao, e que mais amplamente desenvolvido em Huntington.
Na verdade, porm, o problema institucional tem histria muito mais longa na teoria
poltica do que faria supor a meno exclusiva a autores do sculo XX, como Weber,
Huntington e Dahl. Ele constitui, por exemplo, o objeto central da obra de um gigante como
Hobbes, e penso que valeria a pena tecer algumas consideraes em torno deste ponto.
Menciono Hobbes aqui porque entendo que sua caracterizao do estado de natureza
levada a cabo no Leviat (HOBBES, 1651) pode ser considerada o extremo negativo de um
continuum hipottico que comportasse variados graus de institucionalizao: o estado de
natureza hobbesiano corresponderia a um caso ideal de sociedade no-institucional,
enquanto que no outro extremo do continuum estaria a sociedade perfeitamente
institucionalizada (igualmente imaginria), onde todos os conflitos encontrassem
encaminhamento institucional, ao ponto de a prpria mudana institucional se dar por
meios institucionais.
No Leviat, o trao bsico do estado de natureza consiste na percepo de que, na
ausncia de regras que os obriguem cooperao e preservao da ordem, os homens
vem-se diante de uma situao idntica quela que na teoria dos jogos ficou conhecida
como o dilema do prisioneiro: mesmo que prefiram a cooperao universal, todos so
obrigados a agir egoisticamente, uma vez que no tm como se certificar de que o outro
-
9
pretende cooperar; e uma vez que no h sanes mesmo se todos os demais
cooperarem, cada um pode se beneficiar ao adotar sozinho uma estratgia egosta.18 No caso
do estado de natureza hobbesiano, este clculo redunda na famosa guerra de todos contra
todos, pois todos os indivduos se vem diante do imperativo de atacar primeiro, uma
vez que cada um deles sabe que nada h que possa impedir o outro de tentar o mesmo
contra ele.
Numa sociedade pretoriana eu diria que temos uma proxy moderna do estado de
natureza hobbesiano, e que os dilemas com que se defrontam os homens podem ser
considerados semelhantes em ambas as situaes, embora seja evidente que o conceito de
sociedade pretoriana j se refere a sociedades onde existe um razovel grau de
institucionalizao. Exatamente por isso que sendo a sociedade pretoriana um caso de
institucionalizao incipiente, e portanto um caso intermedirio entre a plena
institucionalizao e o estado de natureza se pode utilizar o estado de natureza como um
parmetro extremo das caractersticas da sociedade pretoriana. Assim, pode-se esperar que
na sociedade pretoriana os diversos grupos sejam compelidos a se comportarem mais
agressivamente uns em relao aos outros do que numa sociedade mais institucionalizada,
pois tm menos motivos para esperar que seus adversrios se mostrem cooperativos. Numa
sociedade institucionalizada, o estado eficaz em constranger os cidados a manterem a
ordem, ainda que atravs de uma soluo diferente daquela imaginada por Hobbes. Os
prprios grupos, em sociedades pretorianas, sero provavelmente mais instveis, pois os
atores das diversas coalizes estaro agindo sobre cenrios mais fluidos e incertos do que
18
Na teoria dos jogos, cada ator se depara com uma situao em que tem de escolher entre cooperar (C) ou
no (D), e cada jogo definido pela estrutura de preferncias dos atores pelos quatro resultados possveis.
O dilema do prisioneiro um jogo no qual a estrutura de preferncias dos atores a seguinte:
1) a situao preferida por cada um dos jogadores conhecida por carona (free-rider), pois aquela em
que todos cooperam menos eu (DC);
2) em segundo lugar os atores desejam a cooperao universal (CC);
3) em terceiro lugar, o egosmo universal (DD);
4) e, por ltimo, a situao em que s eu adoto uma conduta cooperativa enquanto todos os demais adotam
condutas egostas (CD).
Dada esta estrutura de preferncias, o resultado de equilbrio do dilema do prisioneiro o egosmo universal
(DD), pois a estratgia D a minha melhor independentemente do que os outros faam. um equilbrio
sub-timo, pois existe um estado alternativo a cooperao universal (CC) que melhoraria o resultado de todos, sem piorar o de ningum. Apesar disso, a cooperao universal um estado inalcanvel pela
agregao de estratgias individuais racionais: pois, partindo-se de uma situao de egosmo universal (DD),
ningum estar estimulado a mudar unilateralmente sua estratgia para C, sob pena de ver-se diante do
pior resultado possvel (CD). Pior ainda, mesmo que a cooperao universal seja eventualmente atingida, ela
se revelar uma situao individualmente instvel, pois cada um poder melhorar individualmente sua
situao se mudar sua estratgia para D, tentando pegar carona na cooperao dos demais. Um eventual
estado de cooperao universal, portanto, tende naturalmente a se degenerar no egosmo universal, dadas as
preferncias dos atores envolvidos em um dilema do prisioneiro.
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10
seria o caso em outra circunstncia. Torna-se claro, com este pequeno esboo, que aquilo
que Huntington chama de grau de governo um dos problemas mais antigos da tradio da
teoria poltica moderna, e que a relevncia desta varivel no pode ser posta em dvida.19
2.2. Pretorianismo e inflao:
o conflito distributivo no-regulado
O ponto de partida fundamental da minha tentativa de buscar as afinidades bsicas
entre sociedades pretorianas e processos inflacionrios crnicos consiste na afirmao de
que o conflito distributivo, em qualquer pas, configura um exemplo de dilema do
prisioneiro.20 Para qualquer grupo envolvido em disputa pela apropriao da maior parcela
possvel da renda nacional, o melhor seria que os demais grupos se mostrassem
cooperativos e generosos enquanto ele prprio atuasse de maneira reivindicante e agressiva.
A pior situao, ao contrrio, seria aquela em que todos se mostrassem agressivos na luta
pela apropriao da maior parcela possvel do produto, ao passo que ele se mantivesse
tmido e cooperativo. O conflito distributivo s no descamba para a animosidade aberta,
sendo possvel ainda se ouvirem exortaes de parte a parte pela cooperao, porque no se
trata de um jogo de soma zero (o que faz com que a cooperao universal seja prefervel ao
egosmo universal), uma vez que o comportamento generalizadamente agressivo pode ter
efeitos negativos sobre o tamanho do bolo, comprometendo no limite a fatia de cada
um.
Na verdade, esta caracterizao do conflito distributivo como um dilema do
prisioneiro a principal tese subjacente ao livro de Mancur Olson, The Rise and Decline of
Nations (OLSON, 1982). Tendo quase duas dcadas antes diagnosticado o dilema do
prisioneiro com que se defronta o potencial integrante de um grupo de interesse,21 Olson
19
Observe-se que o diagnstico da guerra de todos contra todos no supe que os homens sejam maus,
contrariamente ao que est implcito em muitas anlises superficiais, tanto da teoria de Hobbes, quanto da
inflao brasileira.
20 Talvez seja oportuno esclarecer que quando me refiro a conflito distributivo no penso exclusivamente no
conflito entre capital e trabalho em torno da determinao de lucros e salrios, como espero que j tenha
ficado claro. Conflito distributivo, no sentido em que o conceito usado no presente trabalho, engloba
qualquer disputa entre grupos ou setores da economia em torno da apropriao da maior parcela possvel da
renda nacional. Entre estes setores deve-se incluir tambm o estado, de modo que, quando relaciono a
inflao ao conflito distributivo, no excluo de sada as teorias mais ortodoxas da inflao, baseadas no
dficit pblico e nas diversas formas de seu financiamento.
21 Muito rapidamente, o argumento pode ser exposto como se segue. A todos os membros de um grupo
latente interessa que o grupo seja constitudo para atuar em defesa de seus interesses. Contudo, cada um
destes membros preferiria que outros membros que no ele prprio assumissem os encargos relativos
constituio e atuao do grupo, de modo que ele prprio pudesse pegar carona no trabalho dos outros e se
beneficiar da atuao do grupo sem ter que ele prprio se mobilizar. O resultado, segundo Olson, que via
-
11
estende ali sua anlise sobre a prpria conduta dos grupos (coalizes distributivas) uma
vez constitudos, e configura de maneira parecida a interao entre eles. Tambm para os
integrantes das coalizes distributivas existe uma meta que compartilhada por todos: o
contnuo crescimento do bolo da renda nacional, que dependeria da manuteno da
concorrncia e portanto de um comportamento cooperativo das coalizes distributivas, que
deveriam deixar de pleitear a proteo de suas fatias do bolo pela legislao.22 No
obstante, esta meta individualmente inatingvel e individualmente instvel: se todas as
organizaes estiverem atuando predatoriamente, pretender atuar isoladamente de maneira
cooperativa seria suicdio; se, por outro lado, todas estiverem cooperando, a organizao
que resolvesse ser agressiva poderia auferir lucros extraordinrios. Assim, entre aumentar o
bolo ou aumentar a sua fatia do bolo (mesmo que para isto tenha de diminuir o tamanho do
prprio bolo), as organizaes tendem a adotar a segunda alternativa. Pois, para aumentar o
bolo (a renda nacional), a organizao enfrenta, perante toda a sociedade, o mesmo dilema
da ao coletiva que um indivduo perante a prpria organizao. Assim, uma organizao
escolher sempre um comportamento que aumente a fatia de seus clientes, mesmo que s
expensas do prprio produto global da sociedade, at o ponto no qual a perda em que cada
um dos seus clientes incorre como membro da sociedade em virtude exclusivamente da
atuao da organizao seja maior que o ganho oferecido a eles pela mesma organizao
(OLSON, 1982, pp. 42-4). Em termos empricos, somente em circunstncias muito especiais,
em que um s grupo ou coalizo possua o monoplio da representao de um setor de
de regra esses grupos de interesse no sero formados a no ser que sejam oferecidos incentivos seletivos
aos membros participantes. (OLSON, 1965, esp. pp. 48-52.)
22 Est admitida explicitamente na anlise de OLSON (1982, p. 216) a suposio de que uma economia sem
grupos de interesse se comportaria de maneira muito parecida com o que est descrito nos manuais
monetaristas de macroeconomia. Esta est longe de ser, contudo, uma posio consensual entre os
estudiosos do assunto. Leon LINDBERG (1985, p. 30), por exemplo, associa a transformao do mercado
liberal num mercado organizado e politizado a uma reao defensiva dos agentes instabilidade do
mercado. Para Olson, provavelmente, a organizao de grupos de interesse e lobbies tenderia a emergir
independentemente da percepo de qualquer instabilidade no mercado, bastando para tanto a constatao
de que determinados interesses coletivos privados poderiam ser melhor atendidos atravs de uma atuao
organizada, e que incentivos seletivos garantissem a transformao de grupos latentes em coalizes
distributivas, abrindo assim a cada membro de grupo de interesse a possibilidade de apropriao de uma
fatia maior do produto global da economia. De qualquer maneira, esta mesma hiptese demonstra a
irrealidade e o carter um tanto estril em termos prticos da posio de Olson de que um mercado sem
grupos de presso funcionaria mais eficientemente: um mercado assim simplesmente no existir jamais,
uma vez que o poder coercitivo exclusivo do estado tem de continuar existindo at para a garantia do processo de trocas sob a gide do mercado e sua mera existncia estimula a formao de lobbies. E quanto mais lobbies houver, mais grupos sero obrigados a formar o seu prprio lobby, para no se tornarem as
principais vtimas do processo. Como j foi visto, trata-se de um dilema do prisioneiro, onde todos estariam
melhor sem lobbies, mas ao mesmo tempo todos so obrigados a se defender dos lobbies dos outros com o
seu prprio lobby.
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importncia central na economia. Mesmo no caso, porm, de se considerar a hiptese de
que as lideranas nacionais operrias e patronais em vista dos riscos envolvidos (que, no
caso de sociedades pretorianas, podem chegar ao risco de uma ruptura institucional)
adotem uma postura cautelosa e moderada, deve-se ter em mente que estas organizaes
nacionais so compostas por um sem nmero de organizaes locais e regionais, e que est
aberta a estas bases especialmente as locais a possibilidade de atuarem como caronas:
sabendo que sozinho ele no influir na estabilidade econmica do pas, um sindicato local
(assim como o dono de uma fbrica isolada) pode se permitir ser intransigente, deixando
para terceiros o nus da moderao. Neste caso, a varivel crucial seria a capacidade das
lideranas de fazer cumprir nas bases o que se acertou na cpula (capacidade esta que, no
por coincidncia, tende a ser relativamente reduzida em sociedades como as que nos
interessam, com precria institucionalizao da vida poltica). Portanto em circunstncias
normais podemos supor que nenhuma organizao sozinha tem capacidade de influir to
negativamente na renda nacional quanto de influir positivamente na renda de seus clientes.
O ponto a que quero chegar, ao cabo, a afirmao de que o processo
inflacionrio crnico comumente observado em sociedades pretorianas corresponde
precisamente ao equilbrio sub-timo resultante do dilema do prisioneiro com que se
defrontam os grupos participantes do conflito distributivo. A inflao mais violenta e
perversa em sociedades pretorianas simplesmente porque estas sociedades, por definio,
possuem reduzido grau de governo, isto , a precariedade de suas instituies polticas
no permite que o poder pblico seja plenamente bem-sucedido em sua tarefa de forar os
atores cooperao.
Uma das principais demonstraes em favor da caracterizao da inflao como o
resultado de um dilema do prisioneiro dado pelas dificuldades que Albert Hirschman
enfrenta por recusar precipitadamente esta caracterizao, sob uma argumentao rpida
que d a entender que ele no se d conta da correspondncia entre, por exemplo, a obra de
um Olson e o dilema do prisioneiro. Inicialmente, ele se pergunta por que os agentes
desencadeiam um processo de resultado incerto, j que a inflao s assegura um ganho
transitrio, que ser rapidamente anulado quando os demais atores do conflito distributivo
reajustarem seus preos (HIRSCHMAN, 1985, p. 67). Em seguida, tendo descartado
sumariamente o recurso ao dilema do prisioneiro (p. 69), Hirschman se v s voltas com
uma srie de explicaes esdrxulas para o fenmeno, como por exemplo a imputao de
ingenuidade ou de prazer no conflito em si mesmo aos agentes do processo (p. 71). Para o
prprio Hirschman, a suposio de ingenuidade s pode ser uma explicao plausvel
quando no tem havido inflao sria h algum tempo. Mas este apenas raramente o caso,
pelo menos na Amrica Latina o que o deixa sozinho com a hiptese pouco convincente
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da m vontade dos atores. O fato que a deciso de Hirschman de no levar em
considerao o dilema do prisioneiro acaba se constituindo numa sugestiva corroborao
de sua utilidade na compreenso da inflao: sem ele a inflao fica simplesmente
incompreensvel do ponto de vista do comportamento dos atores, levando Hirschman a
forar explicaes implausveis, como amor ao conflito per se, demonstraes de fora etc.,
que, mesmo que eventualmente procedentes, no podem ter pretenso terica, pois no so
em hiptese alguma generalizveis. Se a inflao se reduzisse a traos como estes, a poltica
da exortao qual Brian BARRY (1985, p. 297) ironicamente se refere teria mais chance de
funcionar, e os pactos sociais seriam bem mais simples bastando, para seu sucesso, contar
com a boa f dos participantes.23
Se a inflao, portanto, pode ser interpretada como o resultado de um dilema do
prisioneiro no qual se encontra imersa a sociedade no que diz respeito repartio da renda,
ento cumpre contemplar as possibilidades tericas que a literatura oferece para a superao
do dilema do prisioneiro e a emergncia espontnea de solues cooperativas. Nesse
sentido, as contribuies cruciais so as obras de Michael TAYLOR (1976; 1987) e,
especialmente, de Robert AXELROD (1984). Infelizmente, preciso reconhecer que as
solues por eles descobertas supem algumas condies um tanto restritivas, do ponto de
vista das sociedades pretorianas.
Para comear, ambas so baseadas na reiterao indefinida do jogo, que pode fazer
com que os atores sejam induzidos cooperao por medo da retaliao de seu adversrio:
se tenho motivos para esperar que meu oponente se comporte da mesma maneira que eu,
ento pode ser racional cooperar, se eu valorizar suficientemente meus resultados futuros.
Numa sociedade pretoriana, porm, as regras no so estveis, o que abre espao
expectativa de que o jogo seja interrompido a qualquer momento. Se os atores considerarem
plausvel esta possibilidade, todos sero induzidos a abandonar a estratgia cooperativa
antes que seu oponente o faa, j que existe a possibilidade de a retaliao ser
impossibilitada pela interrupo abrupta do jogo.
Uma segunda condio necessria possibilidade de emergncia de solues
cooperativas para o dilema do prisioneiro uma taxa de desconto suficientemente baixa na
preferncia temporal dos atores, de forma a permitir que eles abram mo da possibilidade
de um ganho imediato que seria propiciado pelo abandono da estratgia cooperativa, em
nome de se evitar um equilbrio pior no futuro. Tambm no que diz respeito a este ponto a
sociedade pretoriana se sai pior do que uma sociedade institucionalizada: pois quanto maior
23
Esta opinio abertamente confirmada por uma frase do prprio HIRSCHMAN (1985, p. 73, traduo
minha): Os dois tipos aparentemente opostos de comportamento inflacionrio convergem assim em um a extremada resistncia a encontros e acordos cooperativos por parte dos grupos sociais.
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for a fragilidade institucional de um pas, maior ser a taxa de desconto nas preferncias
temporais dos atores, pelo simples motivo de que estes estaro imersos em um maior grau
de incerteza quanto ao futuro. Numa sociedade pretoriana, portanto, h uma tendncia
relativamente alta a se privilegiarem os ganhos de curto prazo.
Alm disso, quaisquer que sejam as circunstncias (ou seja, independentemente da
taxa de desconto na preferncia temporal dos atores e do nmero de reiteraes do jogo), a
generalizao da estratgia da no-cooperao incondicional permanece sempre como uma
possibilidade de comportamento estvel a longo prazo, uma vez alcanada. Isto porque as
solues cooperativas dependem sempre de que o estado inicial seja cooperativo, ou ento
da possibilidade remota de que uma populao em equilbrio no-cooperativo seja
invadida (nos termos de Axelrod) por um cluster internamente cooperativo, que
mantenha pouco contato com a populao majoritria (no-cooperativa), e que nestes
poucos contatos se disponha a adotar uma poltica de retaliao (tit-for-tat) em relao
aos no-cooperativos.24
Tendo os resultados de Axelrod e de Taylor em vista, pode-se dizer que Hirschman
novamente corrobora inadvertidamente minha interpretao da inflao relacionada a um
dilema do prisioneiro ao afirmar a tese de que uma alta taxa de desconto nas preferncias
temporais dos agentes (somada a um certo grau de amor ao risco) inflacionria
(HIRSCHMAN, 1985, pp. 69-70). Ele porm afirma que so raras as pessoas ao mesmo tempo
risk-lovers e mais atentas ao curto prazo: pessoas de baixa renda teriam horizontes de curto
prazo, mas seriam avessas ao risco; j as elites poderiam estar dispostas a assumir riscos,
mas teriam largo horizonte temporal. Discordo de Hirschman aqui quanto a dois pontos.
Em primeiro lugar, uma pessoa no tem de ser propensa a correr riscos para adotar
um comportamento que contribua com a inflao, muito pelo contrrio: Hirschman faz esta
associao indevida porque descartou equivocadamente a caracterizao da inflao como o
resultado de um dilema do prisioneiro, deixando assim de perceber que a estratgia
inflacionria, longe de estar associada com a propenso a correr riscos, fruto de uma
opo dos agentes pela prpria segurana individual.
Em segundo lugar, minha hiptese de que, numa sociedade pretoriana, a taxa de
desconto das preferncias temporais especialmente elevada vale para todos os agentes,
inclusive (e, talvez, particularmente, por serem melhor informadas) as elites. Afirmo,
portanto, que a postulao usual de que as elites, mais do que outras camadas sociais,
tendem a levar em considerao ponderaes de longo prazo em suas decises no se
24
Para uma exposio sucinta dos resultados de Taylor e de Axelrod, ver Frank ZAGARE (1984, pp. 58-62).
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aplica a sociedades pretorianas, de vida poltica precariamente institucionalizada.25 Isto
porque conforme j foi dito nestas sociedades a mudana das regras uma possibilidade
sempre aberta (com ou sem golpes de estado), o que torna racional a opo de acumular
tanto quanto for possvel agora, e tentar impedir seu oponente de recuperar suas perdas
depois. At porque, se no toma a iniciativa, cada agente corre o risco de se tornar a vtima
passiva do processo este sim, um risco pondervel. Assim sendo, mesmo os grupos
avessos ao risco sero compelidos a um comportamento agressivo.
Caracterizada, portanto, a inflao como o equilbrio sub-timo resultante do dilema
do prisioneiro configurado pelo conflito distributivo, e constatada a implausibilidade nas
circunstncias que caracterizam as sociedades pretorianas das condies requeridas pela
literatura para a emergncia de uma soluo cooperativa espontnea para o dilema do
prisioneiro, ento a inflao nas sociedades pretorianas passa a ser um problema cuja
soluo duradoura passa inevitavelmente pelo problema constitucional da consolidao
das instituies polticas nacionais.26 A alternativa necessariamente de curto prazo, e de
efeitos altamente nefastos ou o instrumento coercitivo do congelamento de preos (que
faz aumentar ainda mais o grau de incerteza em que opera o sistema), ou uma recesso de
efeitos avassaladores sobre a economia e os planos de vida das pessoas,27 ou ento numa
perspectiva temporal um tanto mais longa, mas tambm certamente temporria a
25
Em corroborao a este ponto, evoco as constantes reclamaes na literatura tanto a acadmica quanto a jornalstica acerca do comportamento predatrio das elites brasileiras. A caracterizao do Brasil como um caso de sociedade pretoriana um dos assuntos da prxima seo.
26 A distino entre os nveis constitucional e operacional da vida poltica elaborada em BUCHANAN e
TULLOCK (1962). Uma utilizao destas categorias com vistas ao caso brasileiro encontra-se em Fbio
Wanderley REIS (1976). Em outro trabalho do mesmo autor (REIS, 1989, pp. 162-7) encontra-se uma
exposio acerca do problema constitucional acarretado pela penetrao do capitalismo em sociedades
tradicionais: a progressiva expanso do princpio igualitrio das relaes mercantis em uma sociedade
hierarquicamente segmentada traz consigo para a agenda pblica no apenas o tema da democracia poltica
mas tambm o tema da democracia social, muito embora o prprio capitalismo esteja apoiado sobre
desigualdades de classes que lhe so inerentes (o que torna certamente conflituosa e instvel a convivncia
entre capitalismo e democracia). Este argumento tremendamente sugestivo para os propsitos do presente
trabalho, uma vez que relaciona diretamente a dinmica mercantil do conflito distributivo ao processo de
construo e transformao poltico-institucional das sociedades, bem como s vicissitudes deste processo.
O pretorianismo de Huntington consiste justamente nas idas e vindas tpicas da vida poltica de sociedades
que se vem s voltas com um problema constitucional no resolvido (REIS, 1989, p. 165).
27 Falo de planos de vida pensando em James FISHKIN (1979), e portanto pensando na opo recessiva,
dependendo da intensidade da recesso necessria, como altamente tirnica, eventualmente mais tirnica
que o congelamento de preos. Isto porque Fishkin define uma poltica como tirnica a partir dos efeitos
nefastos que ela venha a ter sobre os planos de vida da populao.
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represso pura e simples atuao de alguns ou todos os grupos atuantes no conflito
distributivo.28
Portanto, uma vez instalado um processo inflacionrio crnico em uma sociedade
pretoriana, ele somente ser revertido politicamente isto , mediante a percepo pelos
atores cruciais de que esto todos perdendo com a persistncia da inflao e sua
conseqente deciso de colaborar para a sua superao (analiticamente, esta situao
equivale transformao das preferncias dos atores de modo tal que o dilema do
prisioneiro em que estavam imersos se transforme num jogo da garantia;29 isto s
possvel mediante alguma alterao objetiva do contexto). Uma hiptese plausvel para a
emergncia desta propenso supe que ela s emerge aps a catstrofe guerras,
sublevaes sangrentas, runa econmica, a prpria hiperinflao etc., diante das quais os
atores podem ver-se dispostos a colaborar com o processo de construo institucional
estvel para evitar a repetio do trauma do mal maior. Esta hiptese encontra
corroborao, por exemplo, no fato de que somente depois do trauma da II Guerra Mundial
os pases da Europa Continental encontraram o caminho da estabilidade democrtica. A
mesma hiptese subjaz o raciocnio dos muitos que j pensam que s depois que a
hiperinflao realmente chegar que ser possvel ao Brasil estabilizar sua economia.
E assim chegamos ao Brasil.
2.3. O caso da inflao brasileira desde 1980
Escudados no fato de que no h, no momento, tanques na rua, e tampouco,
aparentemente, disposio para quarteladas no interior das Foras Armadas, alguns talvez
queiram negar acuidade caracterizao da sociedade brasileira como pretoriana.
28
Brian BARRY (1985, p. 297) enumera, com sarcasmo, as trs alternativas disponveis a um governo que
queira acabar com a inflao: recesso, corporativismo ou exortao. Ele ctico quanto eficcia de
qualquer uma delas, e observa que a exortao a que com maior freqncia adotada pelos governos. Para
ele, solues neocorporativas tm produzido bons resultados em pases como Holanda e ustria, o que est
longe de assegurar sua viabilidade em pases como os Estados Unidos ou mesmo a Gr-Bretanha (BARRY,
1985, pp. 296-7). J LINDBERG (1985, p. 30), por outro lado, parece menos pessimista quanto s
possibilidades de que um sistema de relaes industriais corporativas, alm de uma poltica de rendas,
possa ter sucesso em deter a inflao. O otimismo de Lindberg com relao s chances de sucesso de um
sistema corporativo de organizao e representao das relaes industriais corrobora minha concluso de
que a soluo para a inflao um problema de natureza poltico-institucional. O problema com a posio
de Barry que ele simplesmente renuncia soluo da inflao, atitude que possibilitada pelo fato de que
ele no reconhece nela um problema grave opinio talvez aceitvel hoje em alguns pases da Europa e nos Estados Unidos, mas seguramente no no Brasil, por exemplo.
29 O jogo da garantia (assurance game) difere do dilema do prisioneiro apenas no que se refere ordem
das duas situaes preferidas pelos atores. (Assim, enquanto no dilema do prisioneiro DC>CC>DD>CD, no
jogo da garantia CC>DC>DD>CD.) O resultado que o jogo da garantia apresenta dois pontos de equilbrio
(DD e CC), mas apenas um deles estvel a cooperao universal (CC).
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Entendo, todavia, que tal negao seria prematura num contexto como o brasileiro,
independentemente da atual disposio dos militares para intervirem violentamente no
processo poltico. Afinal, temos em vigor uma constituio que mal completou meia
dcada, e, no obstante, hoje h poucos assuntos to insistentemente inseridos na agenda
poltica brasileira quanto a necessidade de reformas na constituio. Praticamente no
existem no Brasil instituies decisrias ou administrativas cujos procedimentos ou
atribuies no sejam objeto de disputa. Assim, pode-se afirmar com segurana que nossa
famosa crise de governabilidade to freqentemente propalada na imprensa e lamentada
pelos sucessivos governos federais reside muito menos no teor da legislao em vigor que
em sua instabilidade intrnseca, que faz com que o sistema legal seja, em boa medida,
incuo, incapaz de afetar, para o bem ou para o mal, a dinmica viciosa da vida poltica
brasileira. E este o trao fundamental do pretorianismo tal como definido por Huntington.
este o principal sintoma daquilo que ele chama de baixo grau de governo (que, diga-se
de passagem, no tem nada a ver com o tamanho do estado).
A propsito desta caracterizao do Brasil como um caso de sociedade pretoriana
la Huntington, talvez seja sugestivo um breve exerccio de reflexo sobre o caso brasileiro
luz de uma tipologia elaborada por LINDBERG (1985, pp. 38-9) de trs diferentes
configuraes de respostas inflao. Os trs grupos de pases so:
1) pases de confrontao aberta e desestruturada (Estados Unidos, Reino Unido,
Canad, Austrlia, Itlia);
2) pases de confrontao suave e barganha estruturada (Alemanha Ocidental,
ustria, Sucia, Noruega, Dinamarca, Holanda);
3) pases de gerenciamento estatal ou controlado (Frana at 1979, Japo).
Antes de mais nada, impressiona aos olhos do Terceiro Mundo em geral, e mesmo
do Brasil somente que Estados Unidos, Reino Unido, Canad, Austrlia e Itlia sejam
casos de confronto distributivo aberto e desestruturado. V-se que a tipologia no
contempla a hiptese de incluso dos pases subdesenvolvidos, que s podem, portanto,
formar um grupo parte. Alm disso, um caso como o do Brasil talvez o pior dos
mundos mistura caractersticas deste grupo com as do grupo estatista (na classificao de
Lindberg, casos da Frana e do Japo): temos um estado que tenta regular praticamente
tudo na economia, mas que simplesmente no consegue regular, no consegue fazer com
que suas determinaes sejam sequer cumpridas, que dir fazer com que sejam eficazes. O
interesse desta observao aqui que ela se casa esplendidamente com a caracterizao que
Huntington faz das sociedades pretorianas como sociedades com baixo grau de governo.
Uma objeo mais forte, contudo, pode ser formulada: a caracterizao do Brasil
como pretoriano tem de se aplicar a pocas em que a inflao, embora existisse, esteve
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sempre abaixo dos ndices apresentados na dcada de 80. Por que teria ela escapado ao
controle agora e no antes?
Para tentar responder a essa questo cabe, em primeiro lugar, uma ressalva: a
interpretao aqui esboada em torno das afinidades entre precariedade institucional e
inflao crnica no pretende, absolutamente, elaborar uma nova teoria da inflao, em
substituio s teorias econmicas existentes sobre o tema. Embora encontre tambm
determinaes polticas, a inflao continua sendo um fenmeno acima de tudo econmico,
e at, mais especificamente, monetrio. Assim, o conhecimento disponvel acerca do
assunto na literatura econmica contempornea dever constituir-se no no inimigo a ser
refutado, mas na principal fonte e campo de testes da tese, que ter de ser necessariamente
compatvel com a literatura econmica se quiser atingir seus objetivos. Assim, a taxa de
inflao encontra tambm determinaes outras que escapam ao mbito da investigao
aqui proposta. O que, sim, se afirma aqui que, uma vez instalado um processo
inflacionrio crnico numa sociedade pretoriana, este processo se mostrar
particularmente resistente a terapias antiinflacionrias convencionais, e sua soluo
duradoura estar vinculada ao processo de institucionalizao da vida poltica do pas.
Feita a ressalva, porm, cabe reconhecer sem contudo ter de abandonar a
caracterizao da sociedade brasileira como pretoriana que o Brasil j conheceu
momentos de maior institucionalizao de sua vida poltica, o que, conseqentemente,
propiciava um maior grau de governo. Para mencionar apenas um trao que diz respeito
mais diretamente ao conflito distributivo, o arranjo corporativista das relaes trabalhistas
implantado na dcada de 1930 seguramente permitia ao governo maior controle sobre a
economia nacional do que ele dispe hoje, ao mesmo tempo em que era objeto de razovel
consenso na populao em torno de sua legitimidade.30 Embora continuasse legalmente em
vigor, a partir de 1964 ele foi virtualmente substitudo pela represso aos sindicatos e a
arbitragem dos salrios pelo governo federal. Com a abertura, a contestao aberta ao
sistema corporativista ganhou fora a partir dos ltimos dez anos especialmente nas
plataformas do novo sindicalismo, que engendrou o PT e a CUT. O resultado que, de
dez anos para c, temos vivido um estado de perfeita anomia no que diz respeito ao conflito
distributivo, com uma legislao trabalhista e uma lei de greve ultrapassadas e que caram
em desuso, sem que se tenha obtido nenhum consenso em torno de um novo arranjo
institucional para a administrao das relaes entre capital e trabalho no Brasil.
30
A respeito da concordncia dos trabalhadores brasileiros com o esprito organicista da legislao
trabalhista em vigor durante o perodo que vai de 1946 a 1964, ver Kenneth Paul ERICKSON (1975, pp. 57-
8).
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O desenvolvimento institucional, v-se portanto, no um caminho de mo nica,
mas comporta idas e vindas. Alguns anos de estabilidade institucional significam um
avano no processo de institucionalizao que pode ser praticamente zerado por um
eventual rompimento das regras do jogo. O principal fermento da institucionalizao o
tempo. Por isto, quanto mais tempo durar um determinado arranjo institucional, mais difcil
se tornar sua remoo (o que talvez ajude a explicar a particular violncia com que foi
efetuado o golpe militar no Chile em 1973).
Assim, defendida a plausibilidade da caracterizao do Brasil como um caso de
sociedade pretoriana, torna-se possvel utilizar a teoria aqui proposta para estudar a
experincia inflacionria brasileira, especialmente na ltima dcada, quando a inflao
ultrapassou a marca dos 100% anuais. A experincia de 1980 para c particularmente
interessante por tratar-se de uma poca em que, num prazo relativamente curto,
praticamente se tentou de tudo em matria de poltica econmica antiinflacionria, sem
que no entanto qualquer das polticas experimentadas lograsse reduzir a inflao de maneira
duradoura. Talvez nenhum outro experimento em cincias sociais aproxime-se tanto das
condies de um laboratrio quanto o estudo da inflao brasileira nos ltimos dez anos.
Comeamos a dcada atravessando a recesso decorrente de uma poltica ortodoxa de
reduo da inflao, passamos depois poca dos sucessivos choques de congelamento de
preos e salrios, e voltamos agora poltica recessiva sem que a inflao se curvasse em
nenhum momento, a no ser enquanto duravam os perodos de congelamento de preos,
mas ainda assim apenas para explodir com violncia cada vez maior to logo era iniciada a
liberao dos preos. Pagamos e deixamos de pagar a dvida externa em diversos
momentos, sempre com resultados decepcionantes. Desindexamos e reindexamos a
economia sucessivas vezes, e nada. Por qu? Qual foi o parmetro que se manteve
constante ao longo de todos estes anos, e que todos os governos ameaaram encarar, mas no
qual invariavelmente fracassaram?
A hiptese aqui defendida que a varivel crucial que impediu o governo no s de
derrotar a inflao, mas praticamente de governar nesse perodo foi o vcuo institucional
que se abriu a partir da acelerao da abertura no governo do General Figueiredo. De l para
c, nenhuma fora poltica conseguiu construir uma hegemonia que possibilitasse a
formao de um consenso mnimo em torno de um novo formato institucional internamente
consistente para o pas. A Constituio de 1988, elaborada no interior dessa fragmentao
poltica, uma colcha de retalhos excessivamente detalhista e carente de articulao
interna, fruto dos inmeros lobbies em torno de pequenos problemas que se formaram
durante o trabalho constituinte, ocupando o vazio deixado pela ausncia de uma conduo
-
20
poltica hegemnica.31 E, finalmente, as intervenes crescentemente violentas do governo
na economia com vistas a controlar a inflao (principalmente os sucessivos congelamentos
de preos efetuados a partir de 1986), ao aumentarem enormemente a incerteza na
economia, colaboraram decisivamente para a exploso inflacionria que se observou desde
ento. (O paradoxo fatal aos choques heterodoxos consiste em que eles intervm
brutalmente no mercado e esperam que as pessoas ignorem este fato ao formarem suas
expectativas.)32
3. Concluso: Linhas de Pesquisa Possveis
O enfoque aqui apresentado baseia-se na hiptese de que a estrutura de preferncias
dos atores envolvidos no conflito distributivo pode ser adequadamente descrita pela
configurao que na teoria dos jogos recebe o nome de dilema do prisioneiro, e que, na
ausncia de instituies slidas (ou seja, nas sociedades pretorianas de Huntington, com
baixo grau de governo), o poder pblico fracassa na tarefa primria que lhe foi atribuda
por Hobbes, isto , torna-se incapaz de constranger eficazmente os diversos atores
envolvidos a adotarem estratgias cooperativas, criando condies favorveis
generalizao de uma opo maximizadora egosta, o que leva a um resultado sub-timo,
porm racional, a inflao. Pretende-se que esta interpretao ajude a explicar a acelerao
da inflao brasileira que se observou concomitantemente ao fim do regime militar, e a
31
Naturalmente, nada disso quer dizer que durante o regime militar o problema institucional estivesse
resolvido; apenas chamo ateno para o vcuo poltico que se foi instalando no Brasil a partir do
fenecimento da ditadura, e do aumento do grau de incerteza inclusive institucional da economia a partir deste fenmeno. Se a teoria aqui esboada estiver correta, isto ter trazido efeitos danosos sobre a
administrao do conflito distributivo, com conseqente crescimento da inflao. HIRSCHMAN (1985, pp.
62-4), por exemplo reportando-se a um argumento de Jos SERRA (1979) , nos lembra que, devido persistncia do conflito inter-capitalistas, a inflao no Brasil, mesmo durante o regime militar, nunca foi
inferior a 15% ao ano. Assim, a funo precpua da indexao brasileira era evitar os impactos intersetoriais
danosos da inflao. Um pouco adiante (p. 73) Hirschman lembra que, alm do conflito, tambm o grau de
permeabilidade do governo a demandas colabora diretamente com a inflao, e nada assegura que regimes
militares sejam mais intransigentes nesse ponto. Pelo contrrio, a experincia mostra que nos regimes
militares os favores se multiplicam e a inflao se mantm a despeito da represso ao movimento sindical.
Acerca do acesso (ainda mais) privilegiado de determinados setores da burguesia ao processo de tomada de
decises governamentais sob os regimes autoritrios recentes na Amrica Latina, so referncias teis
Guillermo O'DONNELL (1975) e Fernando Henrique CARDOSO (1979), entre outros.
32 Este argumento acerca da influncia dos sucessivos choques econmicos sobre as expectativas dos
empresrios e seus efeitos nefastos sobre a inflao est presente, por exemplo, em Jos Mrcio CAMARGO
(1990, esp. pp. 19-21).
-
21
resistncia desta mesma inflao s mais diversas terapias antiinflacionrias a que a
economia do pas foi submetida durante os ltimos dez anos.
Vrios objetos de pesquisa mais detalhada podem-se enumerar desde j, com vistas
a se testar a acuidade e avaliar a fecundidade da teoria aqui proposta. Diversas arenas do
conflito distributivo podem ser tomadas como objeto de estudo, como possveis focos do
processo inflacionrio, e suas conexes com o subdesenvolvimento institucional brasileiro
investigadas, inclusive mediante comparaes com outros pases.
No que diz respeito ao setor governamental, por exemplo, uma institucionalidade
frgil traria efeitos inflacionrios especialmente no que tange forma de financiamento do
dficit pblico, que na falta de controles legais adequados tenderia a ser feito atravs do
mecanismo mais cmodo, que a emisso de moeda.33 No caso do Brasil, a ltima dcada
somou indefinio poltica a um estado de absoluta penria nas contas do governo,
pressionado por uma dvida externa em elevao e um sistema fiscal ineficiente. Uma
investigao sobre as formas de financiamento do dficit brasileiro na ltima dcada,
comparada com a experincia de outros pases, de preferncia institucionalmente estveis,
seria certamente proveitosa para uma avaliao da fecundidade do enfoque aqui proposto.
Outra arena crucial do conflito distributivo , naturalmente, a do conflito entre
capital e trabalho em torno da determinao dos lucros e salrios na economia. Aqui
seguramente a ausncia de instituies mediadoras consensualmente reconhecidas tem
implicaes da maior relevncia sobre o acirramento do conflito, com possibilidade de
implicaes particularmente graves sobre o andamento da economia como um todo.
Tambm neste aspecto o pas vem vivendo uma penosa experincia de vcuo institucional,
devida ao fato j mencionado de a legislao trabalhista em vigor desde a dcada de 30 ter
sido quase que unanimemente contestada na ltima dcada, sem que nenhum acordo tenha
sido alcanado para a formulao de uma nova legislao que a substitusse com o
assentimento dos principais atores interessados.
Ainda relativamente ao conflito entre capital e trabalho, creio que merece
considerao atenta a j abundante contribuio de Edward Amadeo e Jos Mrcio
Camargo ao estudo da inflao brasileira, vinculando-a ao conflito distributivo atravs da
espiral salrios/preos deflagrada pelo mecanismo por eles descrito da filosofia do
33
O pior que j se percebe que, uma vez incorporada a inflao expectativa dos agentes, nem um dficit
zerado ser necessariamente suficiente para derrubar a inflao, pois os agentes tratam de se proteger
antecipadamente. Este argumento acerca das implicaes inflacionrias do aprendizado da populao em
conviver com a inflao, bem como da possibilidade de inflao com oferta de moeda estacionria pode ser
encontrado, por exemplo, em Mrio Henrique SIMONSEN (1991).
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repasse.34 Partindo da constatao de que, ceteris paribus, qualquer variao de preo
significa transferncia de renda na economia, Amadeo e Camargo tm, em seus trabalhos
recentes sobre a inflao brasileira, caracterizado o processo inflacionrio como decorrncia
da possibilidade de que desfrutam determinados setores da indstria de repassarem parte
substancial ou mesmo a totalidade dos aumentos de seus custos (notadamente salrios)
aos preos de seus produtos. Segundo Jos Mrcio CAMARGO e Carlos Alberto RAMOS
(1988, pp. 8-9), a partir do momento em que a inflao decorrente desses repasses engendra
a necessidade de uma reposio salarial, indexando a evoluo dos salrios nominais a uma
inflao passada, a ento instala-se inevitavelmente um processo inflacionrio crnico, que
tende a perpetuar indefinidamente uma determinada taxa inicial de aumento de preos.
Embora os economistas nem sempre se mostrem de acordo quanto aos efeitos
inflacionrios da espiral salrios/preos, hesitando em imputar a existncia da inflao ao
conflito distributivo, parece haver convergncia em reconhecer que a forma de
administrao do conflito distributivo produz um forte impacto sobre a inflao.35 Assim, se
por um lado verdade que a magnitude da inflao no ser determinada por nada que se
possa chamar de intensidade do conflito distributivo, por outro lado deve-se admitir que a
generalizao da prtica do repasse de aumentos salariais aos preos, acompanhada da
indexao dos salrios a uma inflao passada, constitui condio suficiente ainda que
no necessria para que se instaure um processo inflacionrio crnico de difcil reverso.
H um segundo aspecto pelo qual a contribuio de Amadeo e Camargo reveste-se
de especial interesse para os meus propsitos, que o fato de eles insistirem na importncia
de variveis institucionais no processo inflacionrio (AMADEO e CAMARGO, 1989a e
1989b). Sua abordagem do tema, contudo, bastante diferente da minha. Em primeiro
lugar, seu vetor de variveis institucionais diz respeito exclusivamente estrutura sindical
e atuao dos sindicatos, e ainda assim para desempenhar um papel apenas residual na
determinao do grau de ativismo sindical (AMADEO e CAMARGO, 1989b, p. 8). Mais
importante que isto, porm, observar que no estamos tratando da mesma coisa quando
nos referimos ao tema institucional. Enquanto Amadeo e Camargo incorporam variveis
institucionais a um modelo que pretende explicar a inflao (distinguindo assim entre
instituies especficas que em diferentes contextos facilitam ou dificultam a administrao
34
Sobre a filosofia do repasse, ver AMADEO e CAMARGO (1990, pp. 86-9). Os captulos 4 e 5 desse trabalho
(pp. 77-108) foram posteriormente transformados num artigo e republicados duas vezes (AMADEO e
CAMARGO, 1991a e 1991b). Para uma formalizao do problema, incluindo com destaque os efeitos dos
congelamentos de preos sobre a dinmica da formao de rendas na economia, ver CAMARGO (1991).
35 Para um texto que recusa a definio da inflao como resultado do conflito distributivo, mas que reconhece
a importncia do impacto que a administrao do conflito produz sobre a inflao, ver, por exemplo, Mrio
Henrique SIMONSEN (1988).
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do conflito distributivo), o que eu pretendo fazer aqui demonstrar a equivalncia lgica
entre, de um lado, o problema da administrao do conflito distributivo com o objetivo de
controlar a inflao e, do outro, o clssico problema hobbesiano da instaurao da ordem
poltica em sociedades em estado de natureza. Se meu argumento estiver correto, esta
afinidade nos impediria de solucionar o primeiro problema sem um adequado
encaminhamento do segundo. Ou seja, se o poder pblico no dispe de canais
institucionais consensualmente reconhecidos como legtimos para dirimir conflitos polticos
de diversas naturezas, tampouco estar apto a administrar o conflito distributivo de forma a
evitar eventuais exploses hiperinflacionrias ou a reduzir eficientemente inflaes
cronicamente elevadas. Amadeo e Camargo, diferentemente, procuram avaliar os diferentes
impactos que estruturas institucionais diversas tais como variados graus de sincronizao
ou de centralizao da negociao (AMADEO, 1991) tero sobre o conflito distributivo e a
inflao. No acredito, todavia, que esta diferena de enfoque traduza qualquer
incompatibilidade necessria entre a minha abordagem do problema e a de Amadeo e
Camargo. Pelo contrrio, julgo-as antes complementares, embora se possa afirmar
simplificando ao extremo nossos argumentos que enquanto a minha abordagem d nfase
ao problema geral da falta de instituies e seus efeitos danosos sobre o processo
inflacionrio brasileiro, o diagnstico de Amadeo e Camargo redunda, de certo modo, na
afirmao de que temos as instituies erradas.36
Os trabalhos de Amadeo e Camargo procuram mostrar, portanto, que a estrutura
oligopolizada e protegida da economia brasileira e a forte segmentao do mercado de
trabalho no Brasil permitem aos setores mais organizados da economia (oligoplios
industriais e trabalhadores sindicalizados) protegerem-se da inflao e repassarem seus
custos para os setores ditos concorrenciais da indstria e para os trabalhadores no
organizados. De fato, segundo eles, ao longo da dcada de 80 a disperso dos salrios
aumentou consideravelmente no Brasil, a despeito da poltica salarial que procurou
sistematicamente garantir reajustes mais altos para as faixas salariais mais baixas, e tanto os
lucros reais quanto os salrios reais aumentaram na indstria paulista (a mais moderna e
mais organizada do pas) entre 1976 e 1988.37 importante assinalar, porm, que estes
resultados especialmente no que dizem respeito evoluo dos salrios reais so
fortemente contestados por Bernardo Gouthier MACEDO e Luiz Guilherme PIVA (1992, pp.
36
Agradeo Prof.a Maria Regina Soares de Lima por ter chamado minha ateno para este ltimo ponto.
37 Para dados relativos ao aumento da disperso salarial, bem como dos lucros e salrios reais na indstria
paulista, ver AMADEO e CAMARGO (1990, pp. 89-100).
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21-5), com base em dados do Dieese, da Fundao Seade e do IBGE.38 Para MACEDO e
PIVA (1992, p. 22), a transferncia de renda que possa ocorrer do segmento concorrencial
para o oligopolizado no apropriada da mesma forma por empresrios e trabalhadores que
compem este ltimo. De acordo com os dados utilizados por MACEDO e PIVA (1992, pp.
21-2), os salrios reais mdios do setor privado da Grande So Paulo perderam algo em
torno de 40% de seu valor entre 1985 e 1991, o mesmo acontecendo entre os metalrgicos
de So Bernardo do Campo e Diadema entre 1980 e 1989. Mesmo levando em conta o fato
de que Amadeo e Camargo cobrem um perodo diferente (1976-1988) e usam dados que
tomam por base o Estado de So Paulo como um todo, os resultados no parecem
compatveis. No cabe aqui procurar fazer esta compatibilizao (at porque no disponho
dos dados necessrios, e tampouco seria eu a pessoa mais habilitada a faz-la), mas a
discrepncia entre os resultados de Amadeo e Camargo e os de Macedo e Piva to grande
que me deixa ctico quanto possibilidade de se dissiparem as dvidas sem que se recorra
discusso das metodologias empregadas na obteno de cada um dos dados utilizados.
De qualquer forma, minha hiptese consiste em afirmar que o estado de virtual
anomia em que se acham imersas as relaes trabalhistas no Brasil desde o fim do regime
militar dificultou enormemente ao governo a administrao do conflito distributivo,
impedindo um combate eficaz inflao e independentemente de estarem corretos
Amadeo e Camargo ou Macedo e Piva permitindo o aguamento das desigualdades
sociais no Brasil. Pode-se mostrar que as iniciativas governamentais na poltica econmica
especialmente no que tange s relaes trabalhistas, como a poltica salarial, por exemplo
tm sido em grande medida incuas, e cabe investigar se o recente processo de
desmantelamento da legislao trabalhista vigente no ter potencializado ainda mais as
dificuldades do governo na administrao do conflito distributivo.39
Seria til, portanto, acompanhar a elaborao e a execuo (ou no) das polticas
salariais do governo ao longo da dcada de 80 e investigar suas relaes com o processo
inflacionrio brasileiro de ento, procurando explicitar at que ponto a alegada
incapacidade governamental de fazer cumprir suas polticas ter contribudo para a
persistncia da inflao. Assim sendo, um importante objeto de pesquisa seria o
comportamento das centrais sindicais e das associaes patronais no perodo, sem deixar de
38
Amadeo e Camargo no revelam a fonte de seus dados, mas afirmam que todos os dados se referem s
empresas da Fiesp, dando a entender que seria esta a sua fonte (AMADEO e CAMARGO, 1990, p. 92).
39 A ineficcia das polticas salariais recentes no Brasil um dos resultados da anlise de AMADEO e
CAMARGO (1989c). Joo SABOIA (1991, pp. 181-5), porm, qualifica a afirmao, com base principalmente
no crescimento relativo dos salrios mais baixos entre 1979 e 1982.
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considerar o fato de que elas prprias enfrentavam problema semelhante ao do governo no
que toca dificuldade de liderar seus representados.
Tambm as sucessivas tentativas de pacto social podem ser analisadas, alm dos
vrios e diferentes planos de estabilizao aos quais recorreu o governo ao longo da
dcada. Pois, estando correta minha abordagem do problema, no de se admirar que as
sucessivas tentativas de pacto tenham dado em nada, pois nenhuma delas trazia o tema
institucional em sua pauta. O Congresso Nacional sequer costumava ser convidado a
participar, e assim empresrios, governo e sindicatos sentavam-se uns diante dos outros sem
terem nada que pudessem realmente negociar. Dado o dilema do prisioneiro em que esto
todos inseridos, nenhum pode decidir unilateralmente pela colaborao. E mesmo se todos
concordarem em cooperar, todos tero um incentivo para se comportarem como caronas,
na falta de alguma sano que possa ser aplicada contra o transgressor. O pacto s ser
possvel quando sua agenda incluir arranjos institucionais (neocorporativos?) que
produzam uma alterao nas preferncias dos atores de forma a configurar um jogo da
garantia, ou ento mais plausivelmente, mantido o dilema do prisioneiro que possam
pelo menos obrigar os atores (com o consentimento destes) cooperao. A alternativa
esperar pela catstrofe que viria na forma de hiperinflao aguda ou ento assistir a uma
lenta e prolongada decadncia econmica e poltica.
Assim, uma linha de pesquisa que se impe o acompanhamento da atividade
sindical do perodo, bem como da poltica salarial e das diversas tentativas de pacto social.
No que concerne aos pactos, possvel ainda recorrer a comparaes com experincias de
outros pases, especialmente daqueles onde houve arranjos bem-sucedidos, para analisar as
circunstncias nas quais ocorreram aqueles sucessos.
Finalmente levando-se em conta o fato de que nos ltimos anos o Brasil tem sido
um dos pases latino-americanos de pior desempenho econmico , seria desejvel analisar
alguns casos recentes de estabilizao econmica aparentemente bem-sucedida em pases
teoricamente semelhantes em alguns aspectos ao Brasil, tais como Bolvia, Chile, Mxico e
Argentina. Esta comparao pode mesmo se constituir num teste decisivo do enfoque aqui
proposto, em que se avaliar se as circunstncias da aparente recuperao econmica
daqueles pases so ou no compatveis com as hipteses aqui defendidas.
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