O chefe versão final
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TEMAS
1. ANIMAR E RECOMPENSAR....................................................................................................................1
1.1. Uma palavra de alento............................................................................................................1
1.2. Chefes indiferentes.................................................................................................................1
1.3. Em cada pessoa existem valores positivos.........................................................................2
1.4. Pessoas que censuram sempre.............................................................................................2
1.5. A necessidade de se sentir apreciado..................................................................................2
1.6. Tornou-se realmente muito bom...........................................................................................3
1.7. Mostrar a sua satisfação........................................................................................................3
1.8. Saber apreciar o esforço do homem.....................................................................................4
2. ARTE DE CONTROLAR............................................................................................................................4
2.1. Assegurar-se da resposta......................................................................................................4
2.2. A ordem deve inserir-se na vida............................................................................................4
2.3. Sem qualquer espírito malévolo............................................................................................5
2.4. Inspeccionar rigorosamente..................................................................................................5
3. ARTE DE CASTIGAR.................................................................................................................................6
3.1. Quando as consequências estão à vista..............................................................................6
3.2. Um franzir de sobrolho...........................................................................................................6
3.3. Punir é um dever.....................................................................................................................6
3.4. Alguns conselhos...................................................................................................................6
3.5. Antes de fixar um castigo......................................................................................................7
3.6. Origem da falta........................................................................................................................7
3.7. Libertar o culpado da falta.....................................................................................................8
3.8. Desenvolver o sentido comunitário......................................................................................8
4. ARTE DE DIRIGIR......................................................................................................................................9
4.1. O que os homens mais apreciam..........................................................................................9
4.2. Tornar-se bem compreendido...............................................................................................9
4.3. Mandar não é impor a própria vontade................................................................................9
4.4. Duplo sentido da palavra ordem........................................................................................10
4.5. O chefe não tem que implorar obediência.........................................................................10
4.6. Uma ordem que pareça arbitrária........................................................................................11
4.7. As ordens devem ser claras................................................................................................11
4.8. Proceder afirmativamente....................................................................................................12
4.9. A forma...................................................................................................................................12
4.10. Fazer executar....................................................................................................................13
4.11. Amizade e serviço.............................................................................................................13
4.12. Ouvia com seriedade.........................................................................................................14
5. ARTE DE ORGANIZAR...........................................................................................................................14
5.1. Comandemos por seu intermédio.......................................................................................14
5.2. Organizar o seu próprio trabalho........................................................................................14
5.3. A lei da divisão do trabalho.................................................................................................15
5.4. Os chefes que falam sempre...............................................................................................15
5.5. Ao dar ordens, evitai as hesitações....................................................................................16
5.6. Não há acção eficaz sem organização................................................................................16
5.7. No lugar que convém............................................................................................................16
6. ARTE DE REPREENDER........................................................................................................................17
6.1. Deve fazer-se sem demora...................................................................................................17
6.2. Uma repreensão desproporcionada...................................................................................17
6.3. Alegando circunstâncias atenuantes.................................................................................17
6.4. Quando se repreende...........................................................................................................18
6.5. Não lembrar os erros antigos..............................................................................................18
6.6. Não se confunda firmeza com brutalidade.........................................................................19
6.7. Os mesmos erros..................................................................................................................19
6.8. Impressão de que era ele próprio o faltoso.......................................................................20
6.9. A impressão dolorosa duma censura.................................................................................20
7. ARTE DE SE FAZER AJUDAR..............................................................................................................21
7.1. O chefe não pode fazer tudo....................................................................................................21
7.2. Essa falsa mística do chefe.....................................................................................................21
7.3. Sabe descobrir colaboradores................................................................................................22
7.4. O chefe cioso do seu poder mata...........................................................................................22
7.5. Mandando fazer multiplica-se..................................................................................................23
7.6. Descobrir o valor...................................................................................................................23
7.7. Deixa-os em plena liberdade................................................................................................24
7.8. Comandar é criar comando..................................................................................................24
7.9. Bom humor............................................................................................................................25
8. BENEVOLÊNCIA DO ESPÍRITO............................................................................................................25
8.1. As relações humanas entre chefes e subordinados.............................................................25
8.2. Simpatia e a compreensão mútuas.........................................................................................26
8.3. Conquistar a confiança............................................................................................................26
8.4. Ganhar o coração......................................................................................................................27
8.5. Falar com humanidade.............................................................................................................28
8.6. Os fortes são suaves............................................................................................................28
8.7. Tendência para esquecer as qualidades............................................................................28
8.8. Reconhecer as fraquezas humanas....................................................................................29
9. BONDADE DE CORAÇÃO......................................................................................................................30
9.1. Excesso de bondade?..............................................................................................................30
9.2. A recompensa do capitão........................................................................................................30
9.3. Indulgente com os que tinham falhado..................................................................................31
9.4. Governar sem a força...............................................................................................................31
9.5. Verdadeira grandeza de alma..................................................................................................31
10. CALMA E DOMÍNIO DE SI..................................................................................................................32
10.1. Comandar-se a si próprio.......................................................................................................32
10.2. Na hora de perigo....................................................................................................................33
10.3. Para manter a calma...............................................................................................................33
10.4. Repousar é uma arte...............................................................................................................34
10.5. O silêncio do chefe.................................................................................................................35
10.6. Um chefe irritado...............................................................................................................35
10.7. Se surgem obstáculos imprevistos......................................................................................36
11. COMPETÊNCIA.....................................................................................................................................36
11.1. Visão de conjunto...................................................................................................................36
11.2. Competência profissional......................................................................................................37
11.3. Tem o domínio das ideias gerais..........................................................................................37
11.4. Deve possuir janelas abertas................................................................................................38
12. CONHECIMENTO DOS HOMENS.....................................................................................................38
12.1. A arte de conduzir homens é difícil......................................................................................38
12.2. Colocar cada qual em seu lugar............................................................................................39
12.3. Ao chefe compete conhecer seus homens..........................................................................39
12.4. Sabem que são conhecidos por ele......................................................................................39
12.5. O dom de adivinhar.................................................................................................................40
12.6. Para conhecer bem os homens.......................................................................................41
12.7. Um ser com emoção..........................................................................................................41
13. DECISÃO E INICIATIVA......................................................................................................................42
13.1. Receio da inovação.................................................................................................................42
13.2. Provocar as ordens.................................................................................................................42
13.3. Uma superfície elástica..........................................................................................................42
13.4. Há que decidir.........................................................................................................................42
13.5. A capacidade de decisão.......................................................................................................43
13.6. Arrasta os outros...............................................................................................................43
13.7. Iniciativas eficazes............................................................................................................44
13.8. Nunca ficar passivo ou inactivo.......................................................................................44
13.9. Pretender encontrar a solução perfeita...........................................................................45
13.10. A coragem das responsabilidades..................................................................................45
13.11. A vontade é um agente de execução..................................................................................45
13.12. Espírito de decisão............................................................................................................46
13.13. A coragem das decisões...................................................................................................46
14. DISCIPLINA...........................................................................................................................................46
14.1. A maior parte dos chefes tem de obedecer.........................................................................46
14.2. Discutir as decisões de seu chefe hierárquico....................................................................47
14.3. A crítica....................................................................................................................................47
14.4. Disciplina alegre e activa.......................................................................................................48
14.5. Assimilação completa das ideias..........................................................................................48
14.6. Restauração do sentido da autoridade.................................................................................49
15. ENERGIA REALIZADORA..................................................................................................................49
15.1. Um chefe sem energia............................................................................................................49
15.2. Nada se obtém sem esforço..................................................................................................50
15.3. Perseverança e tenacidade....................................................................................................50
15.4. Aquele que nada arrisca nada tem........................................................................................51
15.5. O perfeito auto-domínio.........................................................................................................51
15.5. Nenhum esforço se perde......................................................................................................52
15.6. Apenas se decide por motivos muito nobres......................................................................52
16. ESPÍRITO DE JUSTIÇA.......................................................................................................................53
16.1. Sentimento de justiça.............................................................................................................53
16.2. Distribuir elogios e censuras com critério...........................................................................53
16.3. Permanecer imparcial.............................................................................................................53
16.4. Ser justo...................................................................................................................................54
16.5. Que os vossos juízos sejam sempre provisórios................................................................54
16.6. Diante da injustiça..................................................................................................................55
16.7. Franqueza................................................................................................................................55
16.8. Um certo respeito das distâncias..........................................................................................55
17. ESPÍRITO DE PREVIDÊNCIA.............................................................................................................56
17.1. Prever e preparar o futuro......................................................................................................56
17.2. Constantemente vigilante......................................................................................................56
17.2. Pensar em amanhã.................................................................................................................56
18. EXEMPLO....................................................................................................................................................57
18.1. Os exemplos arrastam............................................................................................................57
18.2. A vida do chefe fala sempre mais alto..................................................................................57
18.3. Vê o superior trabalhar sem tréguas....................................................................................58
18.4. Aquele que julga ter sempre feito o suficiente....................................................................58
18.5. Consciência e ciência.............................................................................................................58
18. FÉ NA SUA MISSÃO............................................................................................................................59
19.1. Que a sua fé e o seu entusiasmo irradiem...........................................................................59
19.2. Reagir vigorosamente............................................................................................................59
19.3. Para chegar ao fim das coisas..............................................................................................59
19.4. Só se faz bem o que se faz com paixão................................................................................60
19.5. Largueza de vistas..................................................................................................................60
19.6. Fazer crer no seu êxito...........................................................................................................61
19.7. Pode conceber-se um chefe mal disposto?.........................................................................61
19.8. Chefe dinâmico.......................................................................................................................62
19.9. O chefe não se impressiona..................................................................................................62
19. FIRMEZA................................................................................................................................................63
20.1. Excelente método de comando.............................................................................................63
20.2. É sempre boa a regra inflexível.............................................................................................63
20.3. Sem se deixar deslumbrar.....................................................................................................64
20.4. Não se deixa manobrar...........................................................................................................64
20.5. Adivinhar e apaziguar.............................................................................................................65
20.6. Homem de carácter.................................................................................................................65
21. FORMAR E EDUCAR...........................................................................................................................65
21.1. Despertador de semelhantes.................................................................................................65
21.2. Compreender e encorajar.......................................................................................................66
21.3. Suscitar o interesse................................................................................................................66
21.4. O gosto pelo trabalho bem feito............................................................................................67
21.5. Apelar para as tendências generosas..................................................................................67
21.6. O gosto pelo esforço..............................................................................................................68
21.7. Despertar o sentido das responsabilidades........................................................................68
21.8. A ideia de responsabilidade...................................................................................................69
21.9. Coesão e o sentido da unidade.............................................................................................69
22. HUMILDADE..........................................................................................................................................70
22.1. Governar é uma função pública............................................................................................70
22.2. Para o bem comum.................................................................................................................70
22.3. O verdadeiro chefe nunca fala de si................................................................................71
22.4. Um homem não é senão um homem...............................................................................72
22.5. A virtude principal dum chefe..........................................................................................72
23. NECESSIDADE DE CHEFES..............................................................................................................72
23.1. Uma assembleia é incapaz de comandar.............................................................................73
23.2. Quando falta o chefe...............................................................................................................73
23.3. Para unir eficazmente os homens...................................................................................73
23.4. Mil maneiras de proceder.................................................................................................74
23.5. O princípio da autoridade.................................................................................................74
24. NEUTRALIZAR RESISTÊNCIAS........................................................................................................75
24.1. Reduzi-las e neutralizá-las.....................................................................................................75
24.2. Ninguém gosta de receber ordens........................................................................................75
24.3. Tentai compreender..........................................................................................................76
24.4. Uma conversa sincera.......................................................................................................76
24.5. Não discutais.....................................................................................................................77
24.6. Tacto e firmeza...................................................................................................................77
24.7. Sublinhai os denominadores comuns.............................................................................78
25. O QUE É UM CHEFE............................................................................................................................78
25.1. O chefe reconhece-se por este sinal....................................................................................78
25.2. Mandatário do bem comum...................................................................................................78
25.3. A função essencial do chefe..................................................................................................79
25.4. É sobretudo fazer homens.....................................................................................................79
25.5. Naturezas superiores..............................................................................................................79
25.6. Partilhar um ideal....................................................................................................................80
25.7. Chefe etimologicamente.........................................................................................................80
26. O SEGREDO DO CHEFE....................................................................................................................80
26.1. Organizar o mundo sem Deus...............................................................................................80
26.2. A alma dum grupo...................................................................................................................81
26.3. A resposta às questões angustiosas..............................................................................81
26.4. Desinteressado de si próprio...........................................................................................82
26.5. É da obra de Deus que está encarregado.......................................................................82
26.6. Sentir que a missão lhe é superior..................................................................................83
27. QUE FAZ UM CHEFE...........................................................................................................................83
27.1. Doação permanente................................................................................................................83
27.2. As suas qualidades de homem.............................................................................................84
27.3. Actuar sobre os homens...................................................................................................84
27.4. Até ao fim do mundo.........................................................................................................84
27.5. Junto dos seus homens....................................................................................................84
27.6. Assumir a responsabilidade.............................................................................................85
27.7. Admiração e confiança.....................................................................................................85
27.8. O direito de mandar...........................................................................................................86
28. RESPEITO PELOS HOMENS.............................................................................................................86
28.1. Tratá-los segundo a sua dignidade de pessoas..................................................................86
28.2. Porque é pessoa.....................................................................................................................86
28.3. A disciplina é um meio e não um fim..............................................................................87
28.4. Em cada homem uma individualidade............................................................................87
28.5. Fazer respeitar as ordens.................................................................................................88
28.6. Verdadeira colaboração....................................................................................................88
28.7. Mandar e obedecer com boa disposição........................................................................89
28.8. Falemos sempre com calma.............................................................................................89
29. SENTIDO DA REALIDADE.................................................................................................................90
29.1. Não enveredar por falso caminho.........................................................................................90
29.2. A inadaptação à realidade e aos homens.............................................................................90
29.3. Ter o sentido da realidade................................................................................................91
29.4. Desconfiar das fórmulas feitas........................................................................................91
29.5. Voltar continuamente às suas origens............................................................................92
29.6. É necessário estudar o seu ofício...................................................................................92
29.7. Regras imutáveis?.............................................................................................................93
29.8. Técnico das ideias gerais.................................................................................................93
29.9. Perante as coisas tais quais são.....................................................................................94
29.10. Esta noção do possível.....................................................................................................94
30. SENTIDO DE AUTORIDADE..............................................................................................................95
30.1. O SINAL sensível da autoridade............................................................................................95
30.2. Chefe que não inspire respeito.............................................................................................95
30.3. Gostam de encontrar alguém que seja forte..................................................................95
30.4. Consequência da falta de comando................................................................................96
30.5. O chefe manda...................................................................................................................96
30.6. Ter contacto com os subordinados.................................................................................97
30.7. Solícito em procurar luzes................................................................................................97
30.8. Não tem que pedir desculpa.............................................................................................98
31. SERVIR...................................................................................................................................................98
31.1. Servir desinteressadamente..................................................................................................98
31.2. Não em benefício pessoal......................................................................................................98
31.2. Não se serve dos homens......................................................................................................99
31.3. A autoridade é um serviço................................................................................................99
31.4. O indivíduo deve apagar-se............................................................................................100
31.5. Autoridade e consciência duma missão superior........................................................100
31.6. Mandar é servir................................................................................................................101
31.7. Capaz de trabalhos que parecem acima das suas forças...........................................101
32. TRABALHAR EM GRUPO.................................................................................................................102
32.1. Unidos por um laço orgânico..............................................................................................102
32.2. Supõe plena confiança.........................................................................................................102
32.3. A primeira lei do grupo...................................................................................................103
32.4. A franqueza entre chefes.....................................................................................................103
32.5. Esforço de compreensão mútua....................................................................................103
32.6. A atmosfera ideal.............................................................................................................104
32.7. O espírito de grupo..........................................................................................................104
32.8. Inserir-se num movimento..............................................................................................105
33. ANEXOS GERAIS...............................................................................................................................105
33.1. Pensamentos na aldeia........................................................................................................105
1. ANIMAR E RECOMPENSAR
1.1. Uma palavra de alento
Há chefes que estão sempre prontos a intervir, quando se trata de censurar ou punir, mas
que nunca encontram uma palavra de alento ou de louvor, sob pretexto de que, realizando a
sua missão, os homens não fizeram mais do que o seu dever. Cumprir o seu dever nem
sempre é coisa fácil, e o ser humano por natureza necessita de sentir-se apoiado pela
aprovação daqueles que têm o encargo de guiá-los. Para ele, é motivo de confiança, prova
de que está no bom caminho e incitamento a prosseguir.
1.2. Chefes indiferentes
Nada corrói tanto o entusiasmo dum homem como o sentimento de que os chefes são
indiferentes às suas provas, às suas alegrias e ao seu trabalho. Não seria possível saber-se
a que ponto o coração humano é sensível aos métodos de confiança. Duvidar apriori dum
subordinado, sobretudo jovem, é liquidá-lo. Duvidar da sua reabilitação após uma falta, é
perdê-lo completamente.
Quantas magníficas energias desperdiçadas, porque não encontraram na hora decisiva justa
recompensa, alento inteligente, amizade que espevitasse a sua coragem!
Diz uma lei de psicologia que o melhor meio de provocar a repetição dum acto bom é ligar na
memória a ideia do dever cumprido com um sentimento agradável. Para muitos, a satisfação
da consciência tem de ser reforçada pelo prazer da compreensão e da recompensa.
1
ALGUMAS CARATCTERISTICAS COMPORTAMENTAIS HOMENS
CHEFE
1.3. Em cada pessoa existem valores positivos
Em cada ser humano existem valores positivos e construtivos que carecem de ser
descobertos e desenvolvidos. Necessita de valorizar as suas forças e as suas aptidões,
porque é para ele o modo de afirmar a sua personalidade. Todo o homem, seja qual for, se
deixa entusiasmar de verdade pelo sentimento de ter um chefe que o ajuda a dar realce aos
dons que recebeu.
O operário não aceita bem que se neguem as suas aptidões, se ignorem ou menosprezem e,
se alguém reprime a confiança em si, reage contra a organização de que se sente vítima. O
melhor remédio consiste em proporcionar-lhe ocasião de mostrar o seu valor, a sua iniciativa
e o seu critério, apelando para a emulação. Designar-lhe, se necessário, uma tarefa que exija
dele certa responsabilidade, fará desaparecer o sentimento de subordinação cujo peso
dificilmente suportava.
1.4. Pessoas que censuram sempre
Acautelai-vos desse deplorável capricho dos velhos chefes rabugentos aos quais o mais
louvável esforço não arranca senão um “Pâh!” desconfiado, e cuja paixão não se satisfaz
senão com a censura. «Se observais com cuidado, vereis que são as pessoas que não
podem louvar e que censuram sempre, que não estão satisfeitas com ninguém;
reconhecereis que não estão satisfeitas com ninguém; reconhecereis que são estas mesmo
de que ninguém gosta». (La Bruyère)
1.5. A necessidade de se sentir apreciado
A necessidade de se sentir apreciado decorre da necessidade de se afirmar, de triunfar, de
se impor. Por isso, o resultado atesta a utilidade do esforço. A apreciação de outrem, em
particular a dos chefes, vem ainda confirmá-lo e desempenha um papel psicológico enorme.
Não há nada melhor para estimular um homem que se encontra a caminho do desânimo do
que notar que é olhado com simpatia pelo seu chefe e ver o seu trabalho apreciado e posto
em relevo.
2
Quanto mais considerardes as boas qualidades de cada um, tanto mais benevolente sereis a
seu respeito. Procurai, e encontrareis, algum mérito nos mais deserdados dos seres
humanos. “Em todo o homem, ainda que seja um bandido, há pelo menos 5% de bondade”,
gostava de dizer Baden Powell.
1.6. Tornou-se realmente muito bom
Conheci um homem que tinha praticado muitas acções boas e um número importante de
acções censuráveis. No dia em que o vi indeciso entre essas diversas tendências, comecei
por dizer-lhe certas frases que principiavam pouco mais ou menos assim: V. que é tão bom…
V. que praticou tal e tal coisa… Ora, aconteceu que tal homem se tornou realmente muito
bom, para não desfazer a reputação que tinha assumido.
Se eu tivesse atraído a atenção de tal homem para as baixezas do seu carácter, tornar-se-ia
talvez por completo um pirata. (Duhamel)
1.7. Mostrar a sua satisfação
Será portanto necessário distribuir louvores à direita e à esquerda, sem descanso ? Não,
porque isso nada adiantaria. A arte do chefe está em saber mostrar a sua satisfação no
momento em que o subordinado dela tem necessidade, seja após um grande esforço,
quando superou dificuldades interiores ou realizou algum progresso, seja para restituir-lhe o
entusiasmo, quando ia a perder a confiança em si próprio. Nunca deve esquecer-se que o
subordinado carece da estima e da confiança de seu chefe para poder dar o seu pleno
rendimento. (A. Carrard)
Infelizmente é raro encontrar-se um chefe que saiba exprimir, no momento próprio, a sua
satisfação pelo esforço dispendido ou por um trabalho bem feito… Parte do princípio de que
o trabalho “deve” ser bem feito e que, enquanto nada se diz, é que se está contente. E
exacto, e no entanto “o súbdito carece de ouvir dizer que se está satisfeito com ele”. Assim
se lhe confirma que está no bom caminho, que é apreciado.
3
1.8. Saber apreciar o esforço do homem
Tudo se pode conseguir dum homem a quem se diz: “Peco-vos um esforço e sei que sois
capaz de dá-lo”. Não convém estar sempre a presentear os seus homens. De resto, é
altamente louvável pretender ser-lhes agradável de tempos a tempos. Mas não deve por isso
tomar-se o hábito de recompensar a sua maneira de servir, isso abaixar-lhes-ia o ideal.
Saber apreciar o esforço do homem, é fazer surgir nele o sentimento do aprumo que se
prende ao que ele cria, é pôr em acção o que nele há de melhor, é também estabelecer uma
justa distinção entre o serviço espontâneo e a servidão.
2. ARTE DE CONTROLAR
2.1. Assegurar-se da resposta
Dar ordens é fácil, assegurar-lhes a execução já não o é tanto; mas é nisto que se
distinguem os chefes de todos os amadores do poder.
Vós destes ordens, e depois? É preciso ver se são executadas; vigiar as pessoas, segui-las
de perto. Acreditai-me, se o comando se limitasse a dar ordens, o seu papel não seria difícil.
Mas torna-se necessário fazê-las executar. (Foch).
Organizar, dirigir, coordenar não basta. O chefe necessita de assegurar-se da resposta dada
pelos factos aos seus projectos para operar com urgência as correcções salutares.
2.2. A ordem deve inserir-se na vida
A verificação é uma necessidade para os subordinados e um dever para o chefe. A ordem
deve inserir-se na vida através daqueles a quem cumpre executá-la. Mas, dada a fraqueza
humana, pode haver uma falta de ajustamento entre o plano previsto e a realidade vivida.
Está aqui uma das razões pelas quais a inspecção se se impõe, não uma inspecção
exageradamente esmiuçada e vexatória, mas construtiva, destinada a verificar a adaptação
da ideia à realidade.
4
A inspecção do chefe deve encontrar o justo meio-termo entre uma continuidade enfadonha
e uma demora que a torna inútil. Pode tomar a forma de verificação periódica ou ainda de
“sondagem” imprevista que tem a faculdade de evitar a rotina.
2.3. Sem qualquer espírito malévolo
A inspecção deve exercer-se sem qualquer espírito malévolo, e os súbditos aceitam-na de
boa vontade quando sentem que a anima um pensamento instrutivo, tendo por fim, não tanto
a correcção das faltas como a sugestão de meios para reparar o mal e para proceder melhor.
O chefe deve saber reconhecer o que está bem, mas não hesitar em mostrar o que deveria
ter sido feito; para isso às vezes há que revestir-se de coragem. Em certos momentos, pode
ser doloroso verificar que certo colaborador se revela inferior à sua missão, e mais doloroso
ainda ter de dizer-lho. No entanto, é um dever de lealdade para com o bem comum do qual o
chefe não passa de um servidor; dever de caridade para com o colaborador deficiente que
necessita de ser estimulado na sua tarefa ou colocado num posto mais de acordo com as
suas aptidões; dever de justiça para com os outros colaboradores que correm o risco de ser
prejudicados pela insuficiência do seu colega.
2.4. Inspeccionar rigorosamente
Um grupo, seja ele qual for, em que nunca se verifique qualquer inspecção, arrisca-se a ser
vítima da lei de degradação da energia que tanto vale para o moral como para o físico.
Por força da tolerância e do não-te-rales sucede que as coisas ficam a meio-caminho, a
ponto de comprometer a causa à qual se havia dado impulso generoso ou a missão que se
tinha empreendido com ardor.
Inspeccionar rigorosamente é um dos primeiros deveres do chefe, que tendo delegado uma
parte da sua autoridade, deve dar-se conta do uso que dela se faz. Tal inspecção, para ser
eficaz, deve ser pessoal, feita pelo próprio chefe; o menos possível por intermediários,
menos ainda pelo processo do papel selado; nunca executante. Por outro lado, deve ser
terminal, isto é, deve atingir directamente, na base da escala hierárquica, o pequeno
executante.
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3. ARTE DE CASTIGAR
3.1. Quando as consequências estão à vista
Punir é fazer justiça, e não forçosamente perder simpatias, porque os homens possuem o
sentido da justiça, e alguns não compreendem o alcance real dos seus actos senão quando
as consequências estão à vista.
A sanção automática geral, ligada à inobservância duma lei, não passa dum meio empírico
rudimentar, indispensável por vezes, mas sem deixar de ser uma forma primitiva de justiça
cega. A punição, para ser eficaz e justa, deveria adaptar-se a cada caso particular.
3.2. Um franzir de sobrolho
Um olhar, uma palavra, um sorriso ou um franzir de sobrolho, bastam a um chefe amado
para exprimir a sua satisfação ou a sua reprovação. Um castigo exemplar, dado a propósito,
atinge então seguramente o seu objectivo.
O chefe que eleva frequentemente a voz e tem sempre a ameaça na boca depressa perde a
sua autoridade. Não há nada que destrua tanto a confiança e o gosto do esforço como as
repetidas admoestações e a ironia mordente.
3.3. Punir é um dever
Punir não é só um direito, é sobretudo um dever, por vezes doloroso, mas ao qual ninguém
deve furtar-se. O homem punido tem obrigação de dar-se conta de que não somos nós que o
castigamos, mas a lei e os, regulamentos de que somos os representantes.
3.4. Alguns conselhos
Alguns conselhos do general de Maud’huy: – Nunca é aconselhável punir num momento de
irritação; como regra, espere-se o dia seguinte para fixar o castigo. – Ouçamos o faltoso e de
boa fé procuremos com ele as circunstâncias que podem ser atenuantes. – Quando
chegarmos à conclusão de estarmos a tratar com um indivíduo mau, inacessível aos bons
processos, castiguemos,., castiguemos com vigor, até que mude ou desapareça.
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- Façamos o possível por que os maus nunca se juntem, porque para os maus como para os
bons, a união faz a força.
- Duvidar, sem motivo, da palavra dum dos nossos súbditos seria uma injúria gratuita. Se
percebermos que fomos enganados, assiste-nos o direito de o punir tanto mais severamente
quanto maior confiança lhe tivermos mostrado.
3.5. Antes de fixar um castigo
Antes de fixar um castigo, é muitas vezes vantajoso interrogar à parte o culpado e ouvir as
suas exposições sem o interromper, procurando penetrar no seu pensamento e nas
circunstâncias que ocasionaram a sua acção. Então, será mais fácil despertar as boas
disposições que existem muitas vezes em estado latente na alma do culpado, e, se a
punição se impõe, quer como advertência salutar quer como exemplo, fazer com que aceite
o lado bom dela como um meio para se reabilitar.
3.6.Origem da falta
A falta pode ter origem em muitas razões:
1. – A ordem inicial foi mal concebida pelo chefe; é portanto aí que se impõe a correcção.
2. – A ordem fora bem concebida, mas foi mal compreendida pelo súbdito. Ambos têm culpa:
o chefe que devia ter-se assegurado de que fora bem compreendido, “fazendo repetir a
ordem”; o subordinado que aceitou o encargo sem saber ao certo se tinha apreendido bem a
vontade do seu chefe. Portanto, cada um, em seu lugar, deve sentir-se responsável.
3. – A ordem era correcta, a transmissão boa, mas a pessoa encarregada de executar a
tarefa não possuía as qualidades requeridas para dominar as dificuldades encontradas.
Ainda aqui a falta é dupla: o chefe não devia ter confiado um encargo muito difícil a seu
súbdito; este, por outro lado, não devia tê-lo aceitado ou pelo menos devia ter chamado a
atenção, ao ver que não estava em condições de cumprir a missão que se lhe havia
confiado.
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4. – Os pontos l, 2, 3 estão todos em ordem, mas o subordinado não se entregou ao
trabalho.
Neste último caso, e neste caso somente, a falta recai inteiramente no súbdito, a não ser que
o seu chefe se sinta também responsável por não ter sabido despertar nele o interesse
necessário.
3.7.Libertar o culpado da falta
No espírito do chefe, a reputação não deve seguir constantemente o delinquente, e as
sanções devem ser considerados mais como meio de libertar o culpado da falta cometida do
que exercer contra ele uma medida coercitiva. Assim como assim é necessário que o
delinquente saiba que, uma vez expurgado lealmente da sua pena, será considerado como
se nunca tivesse merecido repreensão.
Sobretudo nunca dar ao homem a impressão de que se trata dum “assinalado” (mesmo que
seja objecto de observação muito atenta), de que todos os seus actos, são criticados, por
princípio, mas provar-lhe, pelo contrário, que, se ele proceder bem, ter-se-á muito gosto em
lho dizer. É assim que se iniciam as recuperações. (Poumeyrol)
Destruir uma vontade é sempre tornar estéril o ser, mas nem sempre é aniquilar a revolta.
3.8.Desenvolver o sentido comunitário
Talvez as faltas fossem menos numerosas, se fosse mais desenvolvido o sentido comunitário
e, por consequência, o sentido das responsabilidades comuns. A falta dum membro torna-se
então falta do corpo todo, e, em vez de sobrecarregar o infeliz, cada qual esforça-se por
ajudá-lo a refazer-se e tornar-se senhor de si próprio. É um pouco como um feixe de vimes: a
quebra dum que seja é prejudicial a todo o grupo; interessa a cada um que o delinquente
seja ajudado, amparado, animado.
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4. ARTE DE DIRIGIR
4.1. O que os homens mais apreciam
O que os homens mais apreciam no chefe é o poder de mandar. (R. Dautry) Mandar não é
vergar as vontades, ainda menos destruí-las, mas atraí-las para as levar a aderir aos actos
necessários à realização da missão confiada.
4.2. Tornar-se bem compreendido
O verdadeiro chefe não procura dar ordens para mandar, mas esforça-se por fazer nascer
nos subordinados o desejo duma colaboração voluntária. Mandar não é nada. O que é
preciso é compreender bem aqueles que se têm a cargo e fazer-se compreender bem por
eles. Tornar-se bem compreendido é todo o segredo da vida. (Foch)
Eu não tenho comandado tal qual como se julga. Eu tenho atraído às minhas ideias àqueles
que me rodeiam, o que é muito diferente. (Foch)
A arte de mandar consiste em conduzir os homens de maneira a obter deles o melhor
rendimento para a causa que se serve, com o mínimo de atritos e o máximo de cooperação.
4.3. Mandar não é impor a própria vontade
Mandar não consiste em impor a vontade própria a escravos passivos; para o verdadeiro
chefe, secundado por um grupo bem seleccionado, mandar é aconselhar e guiar. E a
autoridade assim compreendida, longe de opor-se à comunhão de pensamento entre chefes
e subordinados, pelo contrário, suscita-a e desenvolve-a. Para os verdadeiros chefes, para
aqueles mesmo cuja envergadura de seu cérebro pareceria fazer planar muito acima do
vulgar, o isolamento moral não é portanto coisa muito de recear, porque sabem criar
confiança à sua volta e desta confiança nascem frequentemente mais dedicações que
abusos. (Courau)
O subordinado não deve nunca ser considerado como simples máquina de executar ordens,
mas como ser humano dotado de inteligência e de liberdade, chamado pelo chefe a
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colaborar com ele de perto ou de longe, numa missão ou num ideal que os supera e que eles
têm de servir em conjunto, cada qual em seu lugar.
4.4. Duplo sentido da palavra ordem
Atenção à palavra “ordem”. Tem duplo sentido e constitui isso um bom achado; descoberta
feliz essa. Sublinha uma aproximação curiosa, mas por vezes simbólica. Ordem é a
indicação precisa dada a um subordinado do que ele tem de fazer. Ordem, também num
sentido muito mais lato, é o arranjo harmonioso dos elementos dum todo para corresponder
a uma concepção de conjunto. O chefe não deve dar ordens senão em função duma ordem
geral por ele concebida.
Se o direito de mandar é um título da autoridade, é o talento de se tornar obedecido que dá a
medida do chefe.
Quando se der uma ordem, não se esqueça designar pelo nome aquele que é responsável
pela sua execução.
Quanto mais se divide a responsabilidade, mais ela tende para o zero.
4.5. O chefe não tem que implorar obediência
O chefe não tem de investigar o que pensam ou desejam seus subordinados para fazer o
somatório das suas intenções: mas, por outro lado, deve apelar para a sua experiência, e ter
em conta o seu parecer. Mas quando viu com clareza e decidiu, deve dar as suas ordens,
sem ter de pedir desculpa a ninguém, e sem mais ter de se preocupar com. saber se isso
corresponde ou não à opinião da maioria.
Na escolha que fizer, não é preciso atender à infalibilidade. A realidade é demasiadamente
complexa e as nossas inteligências demasiadamente débeis. Deve, no entanto, pensar-se
que por sua função e por sua situação, a decisão que tiver tomado será a mais aproximada,
a solução suficiente para actuar, solução que todos farão por tornar verdadeira, servindo-a
com todas as suas energias e melhorando-a no decorrer da acção.
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Toda a ordem dada empenha a responsabilidade daquele que a dá. O chefe digno de
mandar deve possuir a força de carácter necessária para tomar, de boa vontade, essa
responsabilidade. É incapaz, se a receia ou indigno, se a enjeita.
O chefe não tem que implorar obediência; deve mandar com calma. Se possui o direito e o
dever de explicar uma ordem, não deve nunca permitir a discussão. Um verdadeiro chefe
não se deixa manobrar pelos seus subordinados.
4.6. Uma ordem que pareça arbitrária
Uma ordem que, na sua forma como na sua aplicação, pareça arbitrária, tirânica, restritiva da
liberdade pessoal, arrisca-se a matar o instinto de confiança na própria ordem e a provocar o
ressentimento, até mesmo o antagonismo aberto: pelo contrário, deve temperar-se com
alguns judiciosos comentários, e obter-se-á uma reacção psicológica inteiramente diferente,
abrir-se-ão os diques pelos quais se escoará, guiada pela razão, a energia que se tiver
libertado. Ter-se-á posto em jogo o instinto de conservação, ou mesmo o instinto gregário, se
a ordem dada interessa à segurança do grupo. Suponha-se, por exemplo, que determinada
ordem vem restringir ou suprimir regalias; provocaria, em primeiro lugar, uma reacção hostil.
Mas imagine-se que, ao mesmo tempo, o comando anuncia uma epidemia na vizinhança;
todas as objecções desaparecem perante o perigo a evitar. (Coronel Edward L. Munson)
É um facto da experiência que os subordinados realizam tanto melhor a ideia do chefe
quanto melhor lhe compreenderam o alcance e a origem. E são tanto mais zelosos no
desempenho do cargo quanto mais assimilaram essa ideia e o chefe determinou neles o
desejo de a realizar.
4.7. As ordens devem ser claras
O comandante de companhia diz aos veteranos na véspera do seu licenciamento: “Vós
fostes bons soldados até hoje. Sê-lo-eis até no último minuto. Não obstante partirdes cedo,
amanhã, deixareis os vossos aposentos em perfeito arranjo; quero poder mostrá-los aos
novos como exemplo”. Nunca, segundo as notas do graduado, uma caserna foi deixada tão
limpa no dia do licenciamento. (Poumeyrol)
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Uma decisão cujas razões foram compreendidas e aprovadas será aplicada com plena
consciência e obterá a máxima eficácia. Uma decisão aceita contra vontade será destruída,
voluntariamente ou não.
As ordens devem ser claras, porque nada enfraquece mais a autoridade do que as ordens
equívocas que parece permitirem sempre ao chefe criticar seus subordinados.
4.8. Proceder afirmativamente
Sedes exigentes, não esqueçam que vos assiste o direito de sê-lo, tanto mais quanto vossos
subordinados tiverem apreendido as razões em que se alicerçam as vossas exigências.
É preciso precaver-se para não ter de repetir muitas vezes a mesma ordem. Por isso,
qualquer ordem que se dê deve revestir-se de condições tais que aqueles que têm de a
executar a hajam ouvido e compreendido e possam realizá-la imediatamente.
A hesitação do chefe permite supor que, ao dar uma ordem, pressentiu as dificuldades da
execução; desde então o súbdito não pensa em obedecer, espera pacientemente a contra-
ordem. Ordem dada com nitidez leva à adesão quase automática. (J. Toulemond)
Qualquer que seja o método de aproximação adoptado, é preferível proceder
afirmativamente a fazê-lo negativamente. A fórmula positiva “cumpre o teu dever” contém
uma força psicológica de propulsão muito superior à fórmula negativa: “Não sejas
preguiçoso”. Do mesmo modo, não há que fazer entrar em jogo uma qualidade negativa, tal
como o medo, se se pode apelar, com o mesmo objectivo, para uma qualidade positiva, tal
como o legítimo amor-próprio ou o desejo de levar a cabo uma tarefa difícil.
4.9. A forma
Primeiramente, respeito absoluto da forma, o que não implica de modo nenhum fraqueza.
Com efeito, todo o acto do chefe admite dois aspectos: o fundo e a forma.
Se é preciso habituar-se a dar sempre ordens justas, inspiradas pela preocupação superior
do bem ao serviço, e não pelo capricho ou fantasia pessoal, torna-se necessário também
esforçar-se por actuar sempre com tacto e por possuir o jeito.
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É muito frequente ver que ordens justificadas dão lugar, pela forma, a criticas que lhe
destroem o efeito.
Perguntar muitas vezes a si próprio: que pensaria eu se fosse mandado ou reprimido assim?
Quais seriam as minhas reacções interiores? (Poumeyrol)
É preciso que o chefe se imponha a si próprio a obrigação de não dar ordens directamente,
sem passar pela via hierárquica normal.
4.10. Fazer executar
Quando se começou a aplicar uma ordem urgente, não procureis melhorá-la no curso da
execução com modificações intempestivas; as ordens complementares não fariam mais do
que atrapalhar os executantes.
Ver com clareza, não é grande coisa. Dar a ordem, é a quarta parte, as três quartas partes
restantes consistem em fazer executá-la… (Foch)
Ordem dada, de cuja execução não se cuida, é ordem vã.
Fórmula, a reter e a guardar na vida: Antes das decisões tomadas, discussão; decisão
tomada, execução… e triunfo!
Tolerar que uma ordem, seja qual for, não seja executada, é consentir numa abdicação.
(Poumeyrol)
4.11. Amizade e serviço
A noção de serviço não vem empanar a da amizade nem prejudicá-la. Enriquece-a, dando-
lhe sentido. Nos momentos em que a acção não é imediata, em que o chefe tem
necessidade de reflectir e de rodear-se de pareceres, é natural que conferencie com seus
colaboradores, solicite as suas opiniões e provoque discussões. Mas uma vez que julgue
estar de posse de todos os elementos da sua decisão e que a tomou, não se trata agora de
amizade, mas de serviço. Quando foi dada uma ordem, deve ser executada. Foi lançada
uma ideia, foram dadas instruções, cada qual deve segui-las, deixando de fazer outra coisa.
(P. Delsuc)13
4.12. Ouvia com seriedade
Autoritário, Lyautey era, no entanto, o homem menos teimoso, menos reservado, menos
rígido que pode imaginar-se. Era mesmo de extraordinária flexibilidade, duma flexibilidade
quase felina. Ouvia com seriedade todos os pareceres. Eliminava só aqueles que julgava
pouco inteligentes. Mas desde que uma observação lhe parecesse fundada, mesmo que
estivesse em oposição com os seus próprios modos de ver, tomava-a em consideração. O
seu modo de julgar compunha-se metodicamente. Procurava sempre fortalecê-lo.
Consideradas, pesadas, postas em ordem todas as coisas, então tomava a sua decisão. A
partir deste momento, operava-se uma espécie de ruptura. Deixava de ser um homem que
prepara uma acção. Era um chefe que manda. Sua vontade tornava-se uma barra de ferro.
Não admitia mais discussão, nem atraso, nem moleza. Era tenaz, exigente, trepidante,
desconcertante, insaciável. Nada nem ninguém era capaz de dobrá-la. Na preparação usava
em alto grau a seriedade. Na execução empenhava o máximo da ma vontade. Tal era a
doutrina do comando de Lyautey. Tal foi ele próprio. (Wladimir d’Ormesson)
5. ARTE DE ORGANIZAR
5.1. Comandemos por seu intermédio
Antes de significar dirigir, ordenar quer dizer sobretudo pôr em ordem, isto é, organizar.
Um coronel não comanda 3 000 homens, um chefe de batalhão mil, um capitão 250. O
coronel comanda 3 batalhões, o comandante, quatro companhias, o capitão quatro pelotões;
o chefe de secção quatro esquadras. Não esqueçamos isto! Instruamos nossos
subordinados directos e comandemos por seu intermédio; sobretudo não façamos o que lhes
compete; não faríamos o que nos compete a nós. (De Maud’huy).
5.2. Organizar o seu próprio trabalho
Na vida como no exército, o técnico está em importância geral, depois do organizador. Um
dos nossos generais que desagradavelmente se notabilizou no passado, Bazaine, sofreu
muitos dissabores porque preferia desempenhar um cargo de ajudante, indo a ponto de
rectificar um tiro, corrigir a posição duma arma ou a posição dum atirador, sem nada atribuir
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aos seus generais, agrupados à sua volta, e que solicitavam, mendigavam quase, uma
ordem ou uma ideia de conjunto capaz de alimentar a sua própria acção.
Se deseja estar à altura do seu lugar, o chefe deve primeiramente organizar o seu próprio
trabalho e encontrar o tempo necessário para se ocupar dos problemas que lhe incumbem
como chefe, a saber: a divisão do trabalho e a distribuição judiciosa das funções em relação
com as aptidões dos diferentes colaboradores, depois a coordenação dos movimentos em
função da ideia directriz que deve realizar-se.
5.3. A lei da divisão do trabalho
Quanto mais um ser cresce em perfeição tanto mais se multiplicam os seus órgãos e se
diferenciam no seu esforço: um órgão, uma função. É a lei da divisão do trabalho cuja
inobservância conduz à confusão.
O trabalho, sendo claramente diferenciado, pelos executantes, tem em conta as aptidões de
cada um. Daí resulta um quadro de organização que fixa a cada qual a sua missão, o seu
substituto, os seus colaboradores, o seu superior. Um princípio apreciado por Fayol resume-
se nos seguintes termos: “para uma acção determinada um agente não deve receber ordens
senão de um único chefe”. Assim fica assegurada a unidade de comando, diferente da
unidade de direcção, mas também necessária, sendo a violação desta lei uma das causas
mais (requentes de orgânicas sem eficiência, de hesitações, desordens, atritos, conflitos. A
organização inibe, portanto, o superior maior de agir sem intermediários, mas exige
igualmente uma categórica definição dos poderes.
5.4. Os chefes que falam sempre
Em todos os conselhos há um escolho que o chefe deve evitar: o de falar muito. Os chefes
que falam sempre e não sabem escutar e deixar falar os seus súbditos nunca saberão
exactamente o que se passa, e, o que é mais grave, extinguem toda a iniciativa nos seus
colaboradores.
É graças ao concurso de todos os serviços e de todas as competências, que se elabora o
programa das reuniões de conselho. Cada um dos agentes interrogado sobre o próximo
passado, pondera o presente que o envolve e formula o futuro que visiona. Quando a essa 15
experiência e a tal balanço se acrescentar a ciência dos especialistas, então, tendo
informação de tudo e tudo considerado, o chefe exercerá a sua função coordenadora e fixará
os seus intentos.
5.5. Ao dar ordens, evitai as hesitações
Ao dar ordens, evitai as hesitações, as falsas manobras, as mudanças brutais de orientação
sem motivo proporcionado.
São os caprichos dos chefes que geram a incerteza da acção.
Quando o chefe soube criar um clima de confiança, as suas ordens e as suas directrizes são
compreendidas, logo que abre a boca. Em face duma dificuldade imprevista, os
subordinados adivinham o que o chefe teria feito; todos permanecem calmos e optimistas.
5.6.Não há acção eficaz sem organização
Se, para obviar à lentidão inevitável da via hierárquica, se recorre à passagem imediata dum
serviço para outro, é preciso que o chefe superior o autorize, e que lhe sejam prestadas
contas.
Não há acção eficaz sem organização, mas esta não existe senão onde há hierarquia. Todos
devem colaborar para o fim previsto, mas sem que cada um saia do seu lugar.
5.7.No lugar que convém
Uma das preocupações dominantes do chefe deve ser colocar no lugar que convém cada um
dos homens de que dispõe. Encontrar para cada um o seu encaixe, descobrir, tendo em
conta o bem geral e a boa marcha do conjunto, a situação em que possa responder
afirmativamente às duas questões seguintes: Estará bem? – Fará bem?
Assim como existe gama de valores, há também escala de cargos. O essencial é estabelecer
a concordância entre as exigências dum posto e as possibilidades dum homem. Tal será
excelente comandante de companhia mas nunca poderá ser comandante de regimento.
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6. ARTE DE REPREENDER
6.1. Deve fazer-se sem demora
Um chefe que receia fazer os reparos necessários com pretexto de evitar atritos, mostra-se
incapaz porque cria à sua volta uma atmosfera propícia à organização da desordem e do
“deixa-correr” em todas as suas formas, e o resultado inesperado é que o chefe pusilânime
que julga, por ser espírito de tolerância, atrair a si as simpatias dos seus subordinados,
acabará, cedo ou tarde, por ser objecto do seu profundo desprezo.
«Quando se torna necessária uma observação, deve fazer-se sem demora; um homem que
é censurado muito tempo após o acontecimento incriminado terá tendência para pensar que,
primeiramente, os seus actos foram aprovados, mas que uma influência externa ou uma má
vontade a seu respeito modificaram então a opinião do chefe». (Courau)
6.2. Uma repreensão desproporcionada
Fazer notar um defeito com muita dureza revela falta de psicologia e é muitas vezes injustiça.
O culpado nunca é tão responsável como parece ao seu juiz, e uma censura muito viva,
ferindo o amor próprio, pode levar ao desânimo ou pelo contrário à revolta do inferior sem
nenhum benefício para ninguém.
Uma repreensão desproporcionada à falta cometida leva a um resultado diametralmente
oposto àquele que se espera. O subordinado indigna-se contra o exagero que julga
imerecido, perde a confiança na justiça de seu chefe e tira daí motivo para esquecer
completamente a sua parte de culpabilidade.
Regra geral, as faltas, com as quais o chefe mais se indigna, são aquelas em que ele próprio
tem a parte maior da responsabilidade ou porque se explicou mal ou porque não soube
seguir de perto a execução.
6.3. Alegando circunstâncias atenuantes
Quando houver de fazer-se uma censura, há que ter presente que se corre menos risco de
ser injusto alegando circunstâncias atenuantes do que julgando com severidade unicamente
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segundo os factos verificados. A malícia propriamente dita é rara, bem como a má vontade.
A negligência e a falta de atenção, sendo repreensíveis, podem no entanto, explicar-se
porque o chefe tem o direito de investigar como tem o dever de remediar.
É preciso precaver-se de generalizar prematuramente uma falta cometida, atribuindo-a a um
defeito congénito e irremediável, porque, mesmo que isso fosse verdade, constituiria meio
infalível de aniquilar de antemão qualquer possibilidade de recuperação.
6.4. Quando se repreende
Nunca deve infligir-se uma repreensão séria sob o império da cólera ou de grande
nervosismo; correr-se-ia o risco de, exagerando a repreensão, diminuir-lhe a importância, e o
chefe desacreditar-se-ia aos olhos de seus colaboradores por falta de comedimento.
Quando se repreende, é preciso ter sempre em mente o fim que se pretende atingir, isto é, a
educação, a formação do súbdito; é necessário portanto pensar nas reacções que tal facto
possa provocar nele e não deixar livre curso a um momento de mau humor.
Se estais em ocasião de dirigir a um colaborador, dominado pelo nervosismo, algumas
palavras desagradáveis; ou se estais pronto a reprimir a sua iniciativa por uma ordem
intempestiva; ou se alimentais alguma veleidade de caçar desastradamente as suas
atribuições, colocai-vos, no lugar do vosso colaborador, observai sinceramente como seria a
vossa reacção, se as situações se invertessem, e evitareis sem dúvida um deslize.
6.5. Não lembrar os erros antigos
O chefe deve ter o cuidado de não lembrar, a propósito duma falta, os erros antigos. Não
existe coisa que mais possa desanimar um homem do que o pensamento de estar
“classificado”, de modo desfavorável e definitivo, por aquele de quem depende.
Não vos fiéis na ironia. Pode, em matéria de pouca importância, sublinhar com elegância
certa observação; mas se se trata duma questão mais grave, a ironia toma o carácter de
injustiça.
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Tende o sentido das proporções;não façais admoestação severa por uma falta de pouca
importância.
Não se intervenha a cada momento: as intervenções muito frequentes ou a propósito de
nada acabam por gastar a autoridade.
6.6. Não se confunda firmeza com brutalidade
Não se confunda firmeza com brutalidade. Por mais severa que seja a repreensão, pode
sempre exprimir-se em termos delicados. “Fortiter in ré, suaviter in modo”. Evite-se acima de
tudo fazer observações em termos injuriosos; o colaborador esqueceria o fim concreto das
observações para se recordar apenas da injúria.
Dizer rapidamente, e com vigor, o que se tem no coração é sabedoria política. Repreensão
dura, mas breve, faz menos mal do que descontentamento hostil e reservado.
Os súbditos devem saber que, não executando as ordens, serão sacrificados, mas também
que, se a execução duma ordem os leva ao desastre, estarão cobertos. O verdadeiro chefe
aceita sempre a responsabilidade total dos seus actos.
6.7. Os mesmos erros
«Antes de disparatar com o chefe de serviço responsável, examinai as disposições tomadas
por ele, e perguntai a vós próprios, em plena consciência, se, com os elementos de
informação de que ele podia dispor, vós não teríeis cometido os mesmos erros. Neste caso,
explicai-lhe os factos de maneira objectiva, analisai com ele as causas e as consequências
do seu erro; mas abstende-vos de qualquer censura e pelo contrário ajudai o vosso
colaborador a corrigir as suas directrizes; se se encontra impressionado pelo seu revés, dar-
lhes-eis precioso auxílio moral e ganhareis certamente a sua estima, confessando-lhe
francamente que, em seu lugar, provavelmente não teríeis procedido doutra maneira».
(Coureau)
Se, no entanto, houve erro flagrante e se o vosso colaborador se deixou surpreender por
determinado acontecimento que deveria prever, ele será disso, regra geral, suficientemente
consciente para que seja útil incomodar-vos; notai apenas que a falta não passou
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despercebida e confiai na boa fé e no bom senso do culpado para reparar o seu erro e
repará-lo. Insistindo desabridamente, incitá-lo-íeis a procurar argumentos especiosos para
sua defesa; acabaria por se prender aos seus próprios argumentos, e, sob o domínio duma
revolta surda contra a vossa falta de tacto, persuadir-se-ia finalmente de que a sua falta é
completamente desculpável. (Coureau)
«Mas se recai em erro já cometido, em que se transgrediram conscientemente as vossas
ordens precisas, que nenhuma espécie de consideração vos impeça de lhe infligir a
reprimenda que merece; por muito amargo que seja o medicamento, é necessário ministrá-lo
sem hesitação. Ponde nisso, todavia, certa medida, dado que os medicamentos mais
eficazes são nocivos quando tomados em grande dose». (Coureau)
6.8. Impressão de que era ele próprio o faltoso
O chefe que não admite a falta em seus súbditos nunca conseguirá nada, pelo contrário deve
sentir-se i responsável pela sua formação. Um industrial gostava de dizer que cada vez que
tinha de dar uma repreensão a qualquer dos seus subordinados ficava com a impressão de
que era ele próprio o faltoso, porque de duas uma: ou tinha exigido demasiado, ou não tinha
preparado, dirigido ou vigiado suficientemente o seu subordinado.
«Ao censurar, torna-se indispensável estabelecer diferença entre os factos materialmente
verificáveis e os factos de interpretação; podeis dizer a um colaborador que ele trabalha
insuficientemente (facto de verificação), mas feri-lo-íeis mortalmente, e aliás não vos
acreditaria, se lhe dissésseis, que não é inteligente (facto de interpretação».
(Coureau)
6.9. A impressão dolorosa duma censura
Infelizmente, a educação, para muitas pessoas, consiste em aproveitar as faltas cometidas
para as colocar uma vez e outra debaixo dos olhos do culpado até conseguir que, perante a
sua própria consciência, se considere apenas delinquente e perca toda a espécie de impulso
generoso para progredir no caminho da perfeição. (Foerster)
Não convém deixar por muito tempo um súbdito sob a impressão dolorosa duma censura
ainda que merecida, porque toda a repreensão determina um complexo de inferioridade que 20
busca encontrar compensação numa atitude interior de desconfiança ou de oposição,
quando não leva ao desânimo ou ao desprezo.
7. ARTE DE SE FAZER AJUDAR
7.1. O chefe não pode fazer tudo
O verdadeiro chefe não é aquele que faz tudo por si mesmo, mas aquele que sabe fazer-se
ajudar.
O chefe não pode fazer tudo. Está situado para ver ao longe e de cima. Deve consagrar-se à
meditação, à elaboração de planos. Se se perde no pormenor, diminui-se, encurta
horizontes, cerceia à amplitude da sua visão tudo o que sirva à elaboração dos fins
intermediários. A profundeza da meditação mal se coaduna com a minúcia das deduções de
segunda ordem. (Lyautey)
Para Lyautey, o comando exerce-se de cima para baixo em todos os escalões da execução.
Executar é por seu turno comandar. Ao inverso, segue-se que comandar é delegar, em parte,
os seus poderes de chefe; é ceder aos seus subordinados o seu terreno de comando.
Concepção concreta e viva, não dum chefe e multidão, mas dum chefe e chefes. Uma
pirâmide de chefes!
O que importa para o chefe é conservar livre o espírito para dominar a acção, pelo
pensamento e pela decisão.
7.2. Essa falsa mística do chefe
“Quantas vezes, diz M. de Tarde, temos ouvido Lyautey levantar-se, em termos violentos,
contra essa falsa mística do chefe que faz tudo por si mesmo, do chefe que só em si confia,
do chefe que trabalha dezoito horas diárias. Este pretenso chefe, dizia ele, não sabe mandar:
– Se ele próprio faz tudo, é porque não sabe ensinar os outros a trabalhar e a. ajudá-lo; – se
apenas confia em si, é que não sabe despertar confiança nos outros, designando-lhes a sua
tarefa; – se trabalha dezoito horas por dia, é que não sabe ocupar as suas horas”. “Um
chefe, dizia ainda, não está nunca absorvido; tem sempre tempo”.
21
O chefe não se ocupa dos pormenores aos quais podem dedicar-se tão bem como ele e
melhor do que ele os agentes subalternos, reservando-se para o estudo dos problemas
gerais que só ele pode resolver. Coíba-se portanto de julgar que tal coisa está mal feita, se
não lhe tocou. Longe de se agastar à medida que as responsabilidades crescem, trata de
assegurar a liberdade de pensamento e de acção mais necessária agora ao exame dos fins
supremos; e porque não lhe resta nunca muito tempo nem forças para as questões que
solicitam constantemente a sua atenção pessoal, desembaraça-se de toda a ocupação que
não é estritamente obrigado a realizar por si próprio. Assim, isolado, não produz mas faz
tudo, na condição de “nada fazer, mas de tudo mandar fazer”.
7.3. Sabe descobrir colaboradores
A marca dum verdadeiro chefe é que ele sabe descobrir colaboradores e utilizá-los pelo
melhor das suas aptidões. Pode até sustentar-se que quanto mais hábil é o chefe nesta arte
tanto mais destinado está a subir, porque é nisso que se nota muitas vezes a diferença dos
chefes: este sabe tirar dos outros o que aquele seu vizinho não chegará a obter.
Evidentemente, não há um chefe ideal nem colaboradores perfeitos. É preciso tomar as
pessoas tais como são. É claro que aquelas cujo passivo é mais importante que o activo
podem tornar-se prejudiciais ao bem comum; reconhece-se, por isso, que é um acto não só
de prudência mas até de caridade superior orientá-los para outros postos. Quanto aos que
possuem um activo superior ao passivo, nada desperdicemos no seu aperfeiçoamento.
7.4. O chefe cioso do seu poder mata
O erro do chefe estaria em preferir actuar por si próprio a confiar nos seus colaboradores,
receando que o encargo fosse mal desempenhado. Por um lado, o colaborador assim
colocado à margem perde toda a iniciativa e todo o gosto da acção; por outro lado, não
podendo dar-se a tudo, concentra seus cuidados num pormenor e acaba por perder de vista
o conjunto de que tem a responsabilidade.
Um chefe deve aceitar que a tarefa por ele dirigida seja menos bem executada do que se
fosse ele a realizá-la; mas dia virá – e mais cedo talvez do que pensa – em que seus
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colaboradores, entregando-se ao trabalho que lhes foi confiado, tomar-se-ão de brios e
realizá-los-ão melhor, como ele não seria capaz.
O verdadeiro chefe tenta, por meio de contacto pessoal, de troca de impressões num plano
amigável, educar os seus subordinados e fazê-los comungar nas suas ideias-directrizes. Ao
cabo de certo tempo, verificará que os seus chefes assim formados adquiriram pouco e
pouco os seus reflexos e poderá multiplicar a sua influência, reservando para si o tempo de
pensar sem desprezar por isso o contacto com a realidade.
O chefe cioso do seu poder mata almas de chefes entre os seus colaboradores.
7.5. Mandando fazer multiplica-se
Mandando fazer, multiplica-se; ingerindo-se nos pormenores, em vez dos responsáveis que
se afastam, perde-se tempo e autoridade. Pensar-se que se faz “melhor” é o melhor inimigo
do bem. (Rigaux)
O chefe que quer fazer tudo por si próprio e não soube rodear-se de colaboradores capazes
de o suprir, correrá o risco de ver a sua obra sossobrar e os seus serviços desorientados no
dia em que pela continuação da doença ou duma causa qualquer tiver de ausentar-se por
lapso de tempo prolongado.
Nenhum chefe deve fazer aquilo que um súbdito pode executar tão bem como ele, a fim de
ficar livre para as coisas que só ele é capaz de fazer.
A autoridade só é bem exercida quando o poder que a detém não carece de dar ordens
senão a um pequeno número de homens que oferecem confiança e que são bem
conhecidos.
7.6.Descobrir o valor
Há na vida duas categorias de seres: aqueles que absorvem, os parasitas; aqueles que
irradiam, o escol. Rodeei-me sempre de irradiantes, que decuplicam a minha energia.
(Lyautey)
23
Aqueles que receiam as responsabilidades, que não têm vontade, que recuam perante os
obstáculos, que procuram antes de tudo estar a coberto, não podem ser chefes.
Aqueles que são incapazes de se decidir, que hesitam sempre, adiam para mais tarde,
mudam constantemente de parecer e de decisão, não podem ser chefes.
Mas há homens, mais do que se julga, que são capazes de subir. As nulidades não são tão
numerosas como se pretende. Se se recusa valor a certos indivíduos, é muitas vezes porque
não se soube descobri-lo neles.
7.7.Deixa-os em plena liberdade
À volta do verdadeiro chefe, encontreis sempre a equipa, o grupo de especialistas fiéis,
competentes, aos quais ele deixa plena liberdade, porque sabe que farão em todas as
circunstâncias o que humanamente é possível fazer. (Maurois)
Torna-se necessário não só escolher os chefes, mas também escolher o momento em que
hão-de ser nomeados. Se a promoção se dá muito cedo, é perigoso, porque pode o indivíduo
não estar à altura do seu cargo, sucumbir sob a responsabilidade com que não é capaz de
arcar ou recorrer a expedientes que prejudiquem o bom andamento dos negócios. Se a
promoção se dá muito tarde, pode ter-se um chefe que perdeu toda a energia, toda a
iniciativa, um chefe que não possui o expediente do homem novo que se lança
vitoriosamente à conquista de novos encargos, de novas responsabilidades.
(A. Carrard)
7.8.Comandar é criar comando
O chefe que conhece o seu múnus não absorve o poder. Suscita-o e multiplica-o. “Comandar
é criar comando; é fazer germinar nos tecidos do organismo… estas cédulas vivas: os
chefes”. (Lyautey)
Uma hora de colaboração sobre um ponto concreto concorre mais para a educação dum
grupo do que uma avalanche de notas de serviço ou de apelos à ordem.
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Evitai repreender um chefe de serviço diante de terceira pessoa; mas evitai sobretudo fazer-
lhes observações à frente de um dos seus subordinados, senão desejais destruir a
autoridade e semear a desordem no vosso campo.
7.9.Bom humor
Muitos chefes esquecem-se de respeitar a competência de seus súbditos.
Decerto, quando a casa está a arder, extingue-se o fogo antes que chegue a levantar
labareda! É um dever intervir directamente quando a coisa “arde”, mas então torna-se
indispensável avisar imediatamente os intermediários, aqueles por cima de quem “se saltou”,
porque se trata duma ingerência directa no seu domínio. Não procedendo deste modo, tais
intermediários não mais se podem sentir responsáveis, visto que se alteram as suas
disposições sem os consultar e sem os orientar. É arrebatar-lhes duma só vez todo o prazer
do trabalho e diminuir-lhes a autoridade sobre seus subordinados.
Seja qual for a natureza da indisposição moral que possais recear em vossos colaboradores,
encontrareis excelente remédio preventivo no bom humor. Lyautey recomenda “trabalhar em
beleza”; acrescentarei que é preciso também “trabalhar em alegria”.
8. BENEVOLÊNCIA DO ESPÍRITO
8.1. As relações humanas entre chefes e subordinados
As relações humanas entre chefes e subordinados estabelecem-se em pequenos nadas, do
dia-a-dia, ao acaso das circunstâncias e das ocasiões: breves conversas sobre saúde,
sobretudo se se pressente possível fadiga; rápida troca de impressões sobre o serviço, feita
com amabilidade; conselhos dados em tom amigo, com um sorriso nos lábios; em todo o
caso, palavras que testemunham o vosso interesse pela pessoa que vos fala; pequenos
nadas que significam humanidade e que contribuem para desanuviar uma atmosfera que os
atritos inevitáveis do serviço tendem constantemente a carregar. Permitem muitas vezes que
se retomem, calmamente, certas questões espinhosas, se expliquem, se façam compreender
melhor e aceitar com mais facilidade as decisões e as directrizes do chefe. Tiram pouco a
pouco às exigências do serviço aquele seu quê de duro ou de custoso, permitindo que se
atenuem ou se corrijam as suas falhas e os seus remoques talvez muito secos ou muito 25
bruscos. Aqueles pequenos nada contribuem mais que tudo para criar uma atmosfera de
colaboração e de confiança.
Eis o que o Tenente Coronel Bugnet dizia da atitude de Foch que muitas vezes se lhe
apresentava como pessoa autoritária e distante: As suas disposições a nosso respeito são
tão benignas e favoráveis quanto nós podemos desejá-lo. Facilitam o nosso serviço de tal
modo que nenhuma impertinência pode tornar desagradável.
Não faz sentir as distâncias, desde que se observem. É justo; as suas severidades não são
imerecidas. Percebe-se que é a razão que o guia, não os sentimentos. (tenente-coronel
Bugnet).
8.2. Simpatia e a compreensão mútuas
A simpatia e a compreensão mútuas constituem, entre os membros duma colectividade, o
laço que produz a harmonia na acção. Todos os grandes sentimentos podem responder ao
apelo da simpatia, e o chefe avisado saberá usá-la e fazer com que reine a harmonia entre
os seus subordinados.
Quando falais com alguém, a vossa preocupação vai menos para o que dizeis do que para a
compreensão que o vosso interlocutor poderá dar às vossas palavras. Para além das
palavras que ele ouve, há a interpretação que as suas reservas, os seus receios, as suas
esperanças lhe darão.
Se desejais que as vossas palavras sejam interpretadas em sentido favorável, impregnai-as
de sincero sentimento de simpatia e de benevolência.
8.3. Conquistar a confiança
Depois de se ter imposto ao respeito e à consideração de seus subordinados pelo seu valor
pessoal e pelo exemplo que lhes dá em todas as ocasiões, o chefe conquista-lhes a
confiança, interessando-se pelos pormenores da sua vida, ouvindo-os com benevolência,
sempre que as regras da disciplina não se oponham; mostrando-lhes que, depois do bem do
serviço, o bem-estar da tropa é o principal cuidado do comando (General Weygand).
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O subordinado é particularmente susceptível frente ao seu chefe: não lhe consente de bom
grado que intervenha nos seus negócios particulares; é todo o “complexo paternal” que de
novo está em jogo frente ao chefe, como se de pai se tratasse. Por consequência, não é
possível ajudar os subordinados, dando-lhes conselhos “de cima para baixo”. Tais conselhos
ferem-nos e irritam-nos, não podendo segui-los. A única maneira de influenciá-los consiste
em o chefe colocar-se “ao lado deles” e tomar parte nas suas próprias experiências, sem
espírito de julgar; assim não se trata duma ingerência na sua vida privada, mas duma troca
de experiências pessoais postas à sua disposição.
8.4. Ganhar o coração
O chefe manifestando aos subordinados que os conhece, que se inquieta com o que lhes diz
respeito, ganhará facilmente o coração duns e doutros, e obterá bem mais depressa a sua
confiança do que se, a respeito deles, não fosse além, em qualquer circunstância, duma fria
e distante reserva, parecendo, além disso, assim testemunhar a sua pouca fé na sua
autoridade.
Saber falar a um soldado de modo a mostrar que se conhece e que se compreende, é um
dos meios mais seguros de conquistar a sua confiança, de fazer nascer nele a certeza de
que em caso de perigo os seus interesses serão salvaguardados na medida do possível
porque foram reconhecidos.
A criatura humana procura avidamente a simpatia compreensiva. Assim as alegrias e as
penas do trabalhador não deveriam ser tratadas como fenómenos que a ele apenas dizem
respeito, mas como uma ocasião propícia para o chefe da empresa tomar contacto com uma
alma. O chefe que se aproxima dos seus empregados na hora da provação ou do triunfo
penetra mais profundamente no seu coração neste curto instante do que durante longos
anos de trabalho de direcção. Toda a ocasião servirá a sua causa, pela expressão da sua
simpatia: a admissão, a promoção, o nascimento dum filho, a morte dum parente, um
aniversário, são para o chefe da empresa ocasiões de manifestar o seu interesse, de
estreitar os laços que o unem ao empregado e de provocar por essa razão uma
reciprocidade de sentimentos.
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8.5. Falar com humanidade
Se por vezes existe certo rancor secreto ou violento, do soldado para com o oficial, não é
porque este tenha exigido daquele uma acção difícil ou perigosa, mas porque o exigiu num
tom que implica indiferença ou desprezo. Nove vezes sobre dez, um oficial duro no serviço e
no campo de batalha, mas que sabe falar com humanidade aos seus soldados, partilha da
sua vida, e, como costuma dizer-se, sabe “cair-lhes no goto”, é mais amado e mais bem
servido do que um chefe menos exigente, mas brutal, frio e desdenhoso.
Não é bom sistema à antipatia responder com antipatia, a mau proceder com mau proceder.
Com isso, apenas se conseguirá envenenar as coisas. Imaginai fortemente que estais cheio
de benevolência para com o vosso inferior: vê-lo-eis transformar-se dentro em breve.
Proceder assim não é veleidade, mas força superior que vence o mal com o bem.
8.6.Os fortes são suaves
Não imaginais quão superior e completo é o prazer que se sente em ter em mão a vara do
comando, sem que dela nos sirvamos. Os fortes são suaves… (Lyautey)
O chefe realista, longe de se lamentar esterilmente das imperfeições de seus súbditos, põe
toda a sua aplicação em utilizá-los segundo a capacidade de cada um.
Apesar da excelência das suas intenções e de todos os seus esforços, o chefe não pode ter
a ilusão de conquistar todos os seus subordinados; uns ficarão distantes, inertes ou fechados
até ao fim; outros não se deixarão ganhar senão a longo prazo. Dias haverá em que se
infiltrará o mau espírito, a má vontade e toda a espécie de fraquezas dolorosas que se lhe
seguem. Mas se não desanimais e se desinteressadamente vos esforçais por serdes
humano com todos e sempre, acabareis por criar uma atmosfera de confiança e de simpatia
cuja benéfica influência todos acabarão por gozar.
8.7.Tendência para esquecer as qualidades
Na vida de negócios, como na vida de família, há infelizmente a tendência para esquecer as
qualidades e para ver apenas os defeitos daqueles que nos cercam; na expressão de
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Shakespeare, gravamos os seus defeitos no bronze, mas as suas virtudes escrevemo-las na
água: Man’s evil manners live in brass; their virtues we write in water…
Fenómeno muito compreensivo aliás, porque com o tempo as mais belas qualidades
parecem-nos naturais, enquanto a manifestação repetida dum defeito acaba por cansar a
nossa paciência. Este erro de óptica é tanto mais perigoso quanto mais inconsciente; mas
pode corrigir-se, fazendo de tempos a tempos o balanço intelectual e moral dos
colaboradores; coloquem-se dum lado as qualidades, depois de bem lhe haver tomado o
valor, do outro os defeitos, reduzindo-os à sua verdadeira proporção, e apure-se a conta de
lucros e perdas. Se o saldo é positivo, amortizem-se os defeitos com um pouco de
indulgência e ninguém se prive dum excelente chefe de serviço, com o pretexto de que por
vezes é um pouco difícil lidar com ele.
8.8.Reconhecer as fraquezas humanas
Há por vezes que reconhecer as fraquezas humanas e curvar-se diante delas de preferência
a combatê-las”, dizia Napoleão. Tema-se sobretudo que, ao suprimir brutalmente os defeitos,
não se faça surgir à nossa volta a hipocrisia. Toda a gente conhece a célebre ordem do dia
do G. Q. G. Francês, com data de 19 de Maio de 1917: “Os nossos oficiais… hesitam em
assinalar a seus chefes as dificuldades de execução por eles verificadas, com receio de
serem tidos por espíritos timoratos. Resulta desta tímida abstenção que o Comando Superior
mantém por vezes ordens que não teria hesitado em completar ou deferir, se estivesse mais
bem informado”.
É facto. Há informações que são preciosas para o Comando que um inferior não ousará
fornecer ao seu chefe, a não ser que esteja seguro de ser visto com simpatia.
E por isso a referida ordem do dia acrescenta: «O superior deve prestar ao seu subordinado
benigno acolhimento, mostrar desejo de ajudá-lo a resolver as dificuldades que o
embaraçam, apelar para as informações úteis e até provocá-las. A atitude acolhedora do
chefe está nas mais nobres tradições do Exército Francês… quando tal atitude se atenua,
tende a provocar um estado desagradável e lamentável; os espíritos exasperados confiam o
seu rancor aos indiferentes ou aos incompetentes, criando pouco a pouco uma atmosfera de
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descontentamento e de inquietação que pode tornar-se perigosa».
Afirmação verdadeira, não só no exército mas em toda a parte.
9. BONDADE DE CORAÇÃO
9.1. Excesso de bondade?
Toda a outra ciência é prejudicial – diz Montaigne – a quem não possui a ciência da
bondade. Gostaria muito mais de me fazer amar do que me fazer temer!
Pode resistir-se a um argumento, pode resistir-se a uma acção boa, mas não se resiste à
influência dum coração bondoso… Cria à sua roda como que uma atmosfera em que as
vidas mergulham, e se impregnam da mesma substância que ele…
Assim como a sua severidade era inflexível no decurso da acção, do mesmo modo,
terminada tal acção, a sua bondade, a sua longanimidade se afirmavam, sempre na sua
maneira de tratar e de julgar os indivíduos… Recordo-me ainda de me ter dito: “Um chefe
nunca se engana por excesso de bondade” (Serieux, a propósito de Foch).
Quando nos parece que a bondade deserta do mundo, julguemos antes que desapareceu do
nosso coração. (G. Duhamel).
Existe uma maneira de ser que influi na maneira de ver. Reciprocamente, aqueles que vêem
o bem fora de si provam que já o sentiram em si próprios…
9.2. A recompensa do capitão
A recompensa do capitão não está nas notas do comando, mas no olhar dos seus homens.
(Lattouy, Le Revolté).
Quanto aos grandes chefes, o seu amor tem-me interessado sempre infinitamente menos do
que o dos meus subordinados, o único que eu conservo… (Lyautey).
A recompensa do chefe está menos nas felicitações do superior do que na dedicação muda
mas total de todos aqueles que, até ao ínfimo escalão, sentem que fazem parte da casa.
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9.3. Indulgente com os que tinham falhado
Conhece-se a expressão de Turenne a um dos seus oficiais: “não falo com dureza a
ninguém… mas far-vos-ei cortar a cabeça no momento em que vos recusardes a obedecer”.
Simples invectiva aliás, num homem cuja autoridade era feita sobretudo de equidade e cuja
indulgência e humanidade ficaram proverbiais: “Severo consigo próprio, contava todas as
suas infelicidades por faltas; indulgente com os que tinham falhado, fazia passar as faltas
deles por infelicidades”(General Weygand, Vida de Turenne)
É um erro julgar-se que a indulgência e a delicadeza são proibitivas da autoridade.
Um coração insensível poderá fazer-se temer… mas, com escravos, fica-se muito mal
servido.
9.4. Governar sem a força
Que grande poder o do coração! Aquele que não conseguiu conquistar-nos, que hesite em
suas ordens e não espere levar-nos longe no caminho da obediência. Mas se alguém se
tornou senhor absoluto de nossos corações, é-lhe consentida a audácia nas suas exigências.
Tudo pode exigir. Autoridade forte é aquela que se apoia na força do amor.
(Theillier de Poncheville)
Quanto mais elevado se está na hierarquia e quanto mais se sobe, tanto mais necessidade
existe de ser bom. (Foch)
“O supremo da habilidade está em governar, sem a força”, escreve muito justamente
Vauvenargues; e Lacordaire dizia mais justamente ainda: “não se pode reinar sobre os
homens, quando não se reina nos corações”.
Não há comando eficaz sem amor: a vontade imposta só pela força é, sem dúvida, capaz de
levar à execução momentânea de determinada tarefa; mas não pode obter aquela “adesão
completa das vontades, dos espíritos e dos corações”, absolutamente necessária ao chefe
para cumprir a sua missão.
9.5. Verdadeira grandeza de alma
Quando La Bruyère quis descrever a verdadeira grandeza de alma, foi de Turenne que
traçou o retrato: “A verdadeira grandeza é livre, suave, familiar, popular; deixa-se tocar; não
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perde nada com ser vista de perto; quanto mais se conhece, mais se admira; inclina-se
bondosamente para os seus inferiores e volta sem esforço ao seu natural… Procura-se ao
mesmo tempo com liberdade e com comedimento… E nisto está o segredo dos sentimentos
muito especiais que inspirou aos homens da sua época nos quais existia um misto de afecto
e de admiração”.
Referindo-se a um representante do seu país nas colónias francesas, o qual não conseguiu
impor-se, Lyautey dizia: “E muito inteligente, mas nunca fará nada, porque lhe falta aquela
parcela de amor sem a qual não se realiza nenhuma grande obra humana”.
Falando de seus soldados, o oficial diz de bom grado: “os meus homens”. Mas nem sempre
pensa no valor deste possessivo audacioso. O homem, sendo livre por natureza, é
essencialmente aquele que não se deixa possuir senão pelo amor. O oficial que diz “os meus
homens” nunca deveria, por conseguinte, pôr nessa expressão qualquer nota de soberania
mas sempre de afectuosa solicitude, tal como o pai afirma: os meus filhos, ou o cristão: os
meus irmãos.
10. CALMA E DOMÍNIO DE SI
10.1. Comandar-se a si próprio
Para conservar a calma, é necessário possuir o hábito de não dramatizar nada e de, na
expressão de Foch, “não levar ao trágico as coisas simples, nem simplificar as coisas
trágicas”.
O chefe que quer ser digno de comandar deve começar por ser capaz de comandar-se a si
próprio. Sem o domínio de si, ninguém pode pretender o domínio das coisas e ainda menos
o dos homens.
De toda a pessoa do chefe deve desprender-se uma impressão de serenidade que dê aos
que o cercam um sentimento de segurança.
O menor sinal de inquietação, de depressão, afortiori de nervosismo, que não teria
consequências graves para quem vivesse isolado, pode ter repercussões irreparáveis no
grupo que se dirige.
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O chefe não sabe o que é medo, ou, se sabe, toda a gente deve ignorá-lo. Deve dar a
impressão de que será, na expressão forte de La Varende, sempre, e por toda a parte,
superior aos acontecimentos. Reflexos anulados, natureza dominada, paladino da coragem
se preciso, aceita todos os riscos, contanto que seu aparente sangue frio tranquilize os seus
e lhes evite o pânico, que é na guerra o pior dos riscos.
10.2. Na hora de perigo
Instintivamente, na hora de perigo, fita-se a cara do chefe: se nele se surpreende
enervamento ou angústia, tal impressão reflecte-se na colectividade, com um coeficiente
tanto mais forte quanto mais amado é o chefe e se julga poder contar com ele.
Um dos generais de Verdum, que no seu posto, esperava do comando as notícias de ataque
e não podia saber senão o que lhe dizia, fraccionadamente, o telefone, nota: “a inquietação
devora-me, a angústia tortura-me, e no entanto, se desejo manter o meu prestígio, irradiar
confiança, tenho de mostrar aos olhos inquietos que furtivamente me interrogam uma
máscara impassível. O meu gesto deve continuar sóbrio, a minha voz firme, o meu pensar
lúcido. Não conheço prova mais dura, e também mais decisiva, para a vontade do chefe”.
(General Passaga, citado por Féricard em Verdum)
A calma dá imediatamente a impressão duma vontade que sabe o que quer e que não se
deixará desviar do seu intento. Um olhar calmo e tranquilo basta muitas vezes para inspirar
uma espécie de insegurança aos insubmissos: sentem então por instinto que não terão a
última palavra.
10.3. Para manter a calma
Todos aqueles que foram à guerra se lembram de, como nos momentos difíceis, a tropa fixa
no oficial que a comanda o seu olhar inquieto; a calma ou o disfarce prazenteiro dum jovem
cabo não seria, nesse caso, causa de maior confiança do que os berros histéricos dum velho
sargento?
Para manter a calma, o chefe deve saber poupar-se. Um chefe fatigado, estafado, gasto não
saberá nunca dominar uma situação difícil. É uma arte conhecer os seus limites, não
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devendo, desde início, atirar-se à acção com toda a energia, a ponto de estar estoirado no
momento em que seria necessário um resto de vigor.
A saúde e a capacidade de trabalho estão na primeira fila das condições requeridas para se
ser chefe. A vastidão da tarefa é menos exigente ainda do que a continuidade do esforço, e
enquanto que a enfermidade permite ao sábio as investigações e ao artista as criações,
aniquila no chefe a acção.
10.4. Repousar é uma arte
Repousar é para o chefe uma arte, arte indispensável, e o chefe que a descure por sua culpa
fica exposto, mais hoje mais amanhã, a perder o equilíbrio dos seus movimentos. Gengis
Khan dizia que o chefe infatigável não serve para comandar.
O chefe, à força de dar, esvazia-se rapidamente, se não cuidar do seu apetrechamento
intelectual e espiritual. Deve dividir bem o seu tempo, de maneira a reservar para si
quotidianamente uma ou duas horas de meditação e de leitura. Com regularidade, deve ter
reuniões com seus camaradas, pelas quais não só a amizade e a experiência aumentam,
mas também permitem pôr em comum inquéritos e reflexões. Principalmente, é preciso
preservar e cultivar em si próprio a faculdade de criar: imaginar continuamente iniciativas
novas, novas experiências; fazer balanço do conhecimento dos seus rapazes, experimentar
a respeito deles hipóteses novas, que, em seguida, os factos virão desfazer ou confirmar;
manter a confiança na riqueza humana que poderia muito bem fornecer-lhe a descoberta dos
seus rapazes. (Michel Herr, revista Esprit, de Maio 1941)
Como tenho sempre mais coisas para fazer de que tempo para as executar, e como esta
visão me preocupa e seduz, eu não pensarei mais nas coisas que tenho de fazer, senão no
tempo que devo empregar nisso. Empregá-lo-ei sem nada perder, começando pelas coisas
mais importantes, e com aquelas que não puderem ser feitas não me inquietarei.
(Dupanloup)
Todos os condutores de homens sentem necessidade de isolar-se para meditar com calma e
reservam tempo para elaborar a sua acção próxima ou remota. A isto chamava Galliéni “o
seu banho cerebral”.
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10.5. O silêncio do chefe
O chefe evita as palavras inúteis; sabe ser discreto, não comunica os seus projectos nem os
seus estados de alma. Richelieu afirmava que o segredo é a alma dos negócios, e que é
preciso escutar muito e falar pouco para actuar eficazmente.
O silêncio do chefe, sinal de vontade forte e de intensa reflexão, inspira respeito. A verborreia
e a tagarelice fazem baixar o prestígio muitas vezes, a confiança sempre.
Para permanecer calmo, é preciso que o chefe não se deixe nunca absorver, nem pelas
ocupações, nem pelos acontecimentos, nem mesmo pelos homens, e poderia acrescentar-
se: nem mesmo por si próprio.
Um homem de acção não perde tempo a deplorar o que contrariou a sua acção; aceita-o
como uma nova fase do problema que tem de resolver. (Grasset)
Nunca se diga “estou gasto”, porque ao fim de certo tempo isso tornar-se-á em nós numa
espécie de obsessão e necessidade de afirmá-lo sem cessar; acabar-se-á por acreditá-lo, o
que constituirá porta aberta para todas as impaciências e para a fadiga nervosa.
10.6. Um chefe irritado
Um chefe irritado ou excitável deixa de cumprir a mais essencial das suas funções, que é a
de incarnar a autoridade e a ordem verdadeiras; ele próprio não passa duma amostra da
dissipação, da inquietude, da falta de domínio que deseja combater nos outros. E, desde
então, qualquer que seja o zelo manifestado, nenhum espírito de ordem lograria emanar
dele. (Foerster)
O que fatiga e o que enerva não é tanto o que se faz como o que não chega a fazer-se – eis
o motivo por que é necessário que um chefe saiba organizar a sua vida. Há que ter o sentido
da hierarquia dos valores, estabelecer uma ordem de urgências para as suas actividades, e
proporcionar à importância de cada esforço o tempo que deve ser-lhe reservado.
“A paciência é uma garantia da ordem”, diz o educador americano Hughes. Perder o domínio
de si próprio, acrescenta com razão, é sempre a maneira mais propícia a perder a sua
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autoridade sobre outrem. Um aspecto tranquilo, com origem não num temperamento
fleumático mas numa disciplina pessoal, exerce nas pessoas nervosas sem domínio uma
influência sugestionável à qual não podem escapar.
Um poeta da índia antiga disse: “domina-te a ti próprio para dominar os outros. Como, senão
por uma força pessoal, poderias levá-los a querer o que tu queres ?”
10.7. Se surgem obstáculos imprevistos
Vós ides reinar sobre a cabeça de vossos homens: não é momento propício para perder a
vossa.
Se surgem obstáculos imprevistos, o chefe é a única pessoa que não tem o direito de se
emocionar. Quando todos estiverem desanimados, ser-lhe-á necessário couraçar-se ainda
para dar coragem aos outros, mesmo que a não possua já para si.
São os seguintes os conselhos que, em caso de crise, dava certo patrão com experiência de
negócios: “Não digais aos vossos colaboradores: isto não é nada, sois uns cobardes; além
disso, não exagereis em sentido inverso, gritando-lhes: está tudo perdido, salve-se quem
puder; de preferência, dizei-lhe: a situação é muito grave e necessita de toda a vossa
energia; mas não percais a calma e confiai na minha firmeza como eu confio na vossa
dedicação”. (Courau, Le patron et son equipe)
11. COMPETÊNCIA
11.1. Visão de conjunto
A competência não é o fundamento exclusivo da autoridade do chefe. No entanto, o chefe
deve desenvolver sem cessar a sua competência para estar à altura de melhor servir. A sua
autoridade moral aumentará na medida em que der provas do seu valor.
A competência do chefe não é da mesma natureza que a dos seus subordinados. Consiste
essencialmente na precisão das ideias gerais que lhe permitem ter vistas de conjunto e
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suficiente conhecimento dos diferentes ramos de actividade de sua parte para que as suas
directrizes possam tornar-se realidade.
Um homem quanto mais se encontra no plano da execução, tanto mais capacidade técnica
deve mostrar; quanto mais responsabilidades tem, mais visão de conjunto deve adquirir,
procurando evadir-se do pormenor.
11.2. Competência profissional
A competência específica do chefe é uma competência de governo a qual consiste em
prever, organizar, comandar, controlar, com vista à tarefa ou à missão que se pretende
realizar; competência que permite apreciação dos valores relativos e a ponderação das
oportunidades; competência psicológica que dá a prática do manejo dos homens.
A competência profissional não é somente uma condição de prestígio, é também uma
questão de honestidade. “A maior imoralidade, escrevia Napoleão a seu irmão José, está em
desempenhar um cargo que se não conhece”.
11.3. Tem o domínio das ideias gerais
Não se pode exigir do chefe que possua todas as competências. Não se encontraria chefe. O
chefe tem o domínio das ideias gerais. É esse o seu campo próprio. Se possui, além disso,
algum talento especial, tanto melhor, e talvez tanto pior. Talvez tanto pior, porque se tem a
fraqueza de ceder aos seus triunfos, diminuir-se-á e não passará, daí em diante, senão dum
especialista. O chefe fará com que os seus especialistas se apresentem no momento em que
reconheceu seriam eficazes e dentro dos limites que fixou. Esforça-se por “dominar a
situação”, orientando e coordenando os esforços deles.
A cultura não consiste em saber tudo, nem em saber um pouco de tudo; mas em dominar as
coisas, para as discernir dum ponto de vista superior.
Não se pode exigir dum chefe que seja competente em tudo, mas deve ter por sua parte uma
competência indiscutida e indiscutível, senão para fazer, ao menos para julgar, apreciar e
decidir com conhecimento de causa.
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11.4. Deve possuir janelas abertas
Aquele que não é senão militar não passa dum mau militar, aquele que é apenas professor
não é senão um mau professor, aquele que não é senão industrial não passa dum mau
industrial. O homem completo, aquele que pretende cumprir plenamente o seu destino e ser
digno de conduzir homens, ser chefe em suma, esse deve possuir janelas abertas para tudo
o que constitui honra da humanidade. (Lyautey)
Além da competência técnica requerida, a competência própria do chefe é aquela que
consiste na arte de fomentar a unidade, sabendo ordenar e coordenar os esforços de cada
qual em prol da obra comum.
A vitória não se contenta com virtudes da última hora. A realidade do campo de batalha é
que aí não se estuda; simplesmente faz-se o que se pode para aplicar o que se sabe. Por
consequência, para aí poder alguma coisa torna-se necessário saber muito e bem.
(Foch)
12. CONHECIMENTO DOS HOMENS
12.1. A arte de conduzir homens é difícil
A arte de conduzir homens é difícil. Primeiramente, porque depende dos dons naturais
desigualmente repartidos, mas também porque as leis psicológicas que estão na base das
relações entre chefes e subordinados são muito pouco conhecidas.
Certo homem experimentado que, já idoso, chegou rapidamente a dirigir com êxito uma
indústria, empregando numeroso pessoal, respondia aos amigos que se admiravam de tão
pronto triunfo: “Com efeito, eu não conhecia as máquinas, mas conhecia de sobejo os
homens.
Antes de tudo, há que proceder à avaliação das pessoas, como duma casa, para ver o que
valem.
(Foch)
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12.2. Colocar cada qual em seu lugar
Conhecer a sua profissão é bom, e pode bastar para o artista que trabalha isolado; mas o
chefe por definição é aquele que comanda outros homens, e o conhecimento dos homens
que tem de dirigir é-lhe tão necessário como o conhecimento da missão para a qual lhe
compete orientá-los.
O ideal dum chefe consiste em colocar cada qual em seu lugar: The right man in the right
place. Um homem que se encontra perante uma missão que o ultrapassa sente-se ridículo e
incapaz; um homem que está no lugar que lhe convém parece sempre inteligente.
Nem sempre é fácil encontrar para cada pessoa o trabalho que lhe convém; mas, sabe-se
por experiência que basta por vezes uma mudança, aparentemente insignificante, para fazer
dum mau operário um bom operário.
12.3. Ao chefe compete conhecer seus homens
Ao chefe compete conhecer seus homens para estar à altura de adaptar as suas ordens à
capacidade de cada um, deixando àqueles que o merecem muita iniciativa, tendo mais
debaixo de mão aqueles que não saberiam agir sozinhos, – usando uma escala que vai
desde a injunção breve até à persuasão subtil. Certos chefes são tão inábeis que, quando
falam, os seus súbditos têm a tentação de fazer o contrário do que lhes foi ordenado.
Um indivíduo qualificado de mau por um chefe pode ser excelente para outro, unicamente
porque o último soube captá-lo, ao passo que o primeiro não o tinha compreendido.
Não deve considerar-se ninguém, facilmente, como incapaz. Há muito menos incapazes do
que geralmente se julga; há sobretudo indivíduos mal utilizados, aos quais não se deu a
função que convinha.
12.4. Sabem que são conhecidos por ele
Um grupo, seja qual for, não possui coesão senão quando os membros não só se conhecem
entre si, mas também conhecem o seu chefe e sabem que são conhecidos por ele; o ser
humano tem necessidade de se sentir conhecido, compreendido, estimado e apreciado para
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se entregar totalmente à tarefa que lhe foi proposta, e será capaz de se exceder a si próprio,
se sabe que seu chefe conta pessoalmente com ele para qualquer esforço que haja de
realizar-se.
Todo o homem possui mais ou menos confusamente o sentido da sua dignidade humana;
quer que se lhe reconheça a sua personalidade. Ser tratado como um número ou como
simples rodagem de máquina determina nele um complexo de inferioridade que procurará
contrabalançar pela indiferença, pela revolta ou pelo desprezo.
O chefe deve dar a cada um a impressão de que lhe reconhece uma individualidade própria,
que o não confunde com os outros, que o distingue como tendo existência e valor especiais
no meio da multidão dos seus semelhantes.
Este conhecimento profundo constitui ao mesmo tempo para o chefe a maior habilidade e a
fonte do maior poder: é o segredo dos ilustres condutores de homens (cf. Napoleão puxando
a orelha ao veterano: “Tu, vi-te em Marengo!”).
12.5. O dom de adivinhar
Um chefe, sempre que pode, chama aos seus homens pelos seus nomes. Não esquece que
o nome é para aquele que o usa a palavra mais suave e a mais importante de todo o
vocabulário.
O conhecimento dos homens permite apreciar com exactidão o moral dum grupo e,
determinar o que se pode exigir-lhe em dado momento sem correr o risco de provocar a
confusão. É esse conhecimento que gera o sentimento do que se chama “o praticável”, além
do qual a disciplina se rompe.
Nem todo o chefe, que é mais ou menos um educador, pode exercer uma influência feliz a
não ser que seja também perspicaz para adivinhar as necessidades, as aptidões, os gostos,
os caracteres, os reflexos dos seus homens. O conhecimento do coração humano não basta;
é necessário possuir o dom de adivinhar o que vai na alma daqueles cujo encargo nos está
confiado.
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12.6. Para conhecer bem os homens
Para conhecer bem os homens, o chefe deve abster-se de simplificações extremas. O ser
humano nem sempre é racional e simples. Tem tendências múltiplas que se compensam e
equilibram umas com as outra, quando submetidas a variações mais ou menos frequentes,
segundo o temperamento, o carácter, a saúde, o meio que o rodeia, os acontecimentos que
o afectam.
Conhecer, etimologicamente, é nascer com, viver com, sentir com, e não há verdadeiro
conhecimento senão na medida em que se simpatiza, se partilha dos sofrimentos e das
dificuldades de cada um, se sabe tomar o seu lugar.
Um homem inquieto procura sempre a quem confiar o objecto das suas inquietações, e mais
vale que a confidência seja recolhida pelo seu chefe, que saberá corrigir o erro ou
testemunhar simpatia. Doutro modo, o homem é tentado a pedir assistência a um ignorante
ou a um irresponsável.
O chefe deve esforçar-se por ficar em contacto com os seus subordinados – o que constituirá
sempre para ele ocasião de observações fecundas, porque poderá assim surpreender ao
vivo as mais espontâneas reacções, ao mesmo tempo que poderá destruir a timidez que
paralisa e provocar confidências que tranquilizam.
12.7. Um ser com emoção
Quando vos dirigis a um homem, lembrai-vos de que não falais a um ser com lógica, mas a
um ser com emoção.
O homem que não tem o instinto de surpreender o que se passa na alma de seus súbditos
pode ser um génio noutro aspecto, nunca será porém um verdadeiro chefe.
O homem que se lamenta não exige necessariamente que se lhe dê satisfação: deseja
sobretudo ser escutado com interesse e provocar uma decisão, seja em que sentido for.
Para apreciar os seus homens, o chefe deve cultivar em si, por causa deles, uma disposição
acolhedora, porque os defeitos são muitas vezes mais aparentes do que as qualidades.
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Aliás, a importância dum defeito não poderia ser cifrada em valor absoluto, porque depende
essencialmente das qualidades que se lhe contrapõem e da natureza das funções confiadas
ao interessado.
13. DECISÃO E INICIATIVA
13.1. Receio da inovação
Se não é conveniente remexer tudo pelo simples prazer de mudar alguma coisa; com mais
forte razão não é de aconselhar que se pense que tudo está feito, só pelo receio da
inovação. Seria cair em funcionarismo estreito que leva à inépcia muitas pessoas com
qualidades.
As noções de responsabilidade e de autoridade estão intimamente ligadas. Não existe uma
sem a outra e estão em função uma da outra. Não pode haver responsabilidade senão onde
existe autoridade, porque para ser considerado como responsável há que estar em
condições de responder. Por outro lado, não haverá autoridade senão onde existe
responsabilidade, porque autoridade irresponsável seria uma loucura, um absurdo. A
autoridade deve aumentar com a responsabilidade.
13.2. Provocar as ordens
A iniciativa pode muito bem não consistir em tomar da sua própria autoridade decisões que
são da competência do chefe superior, mas estar antes em provocar as ordens que a
situação impõe.
13.3. Uma superfície elástica
O que falta a muitos jovens é imaginação e fé no poder do homem apoiado na força de Deus.
“Eu posso tudo nAquele que me conforta”, dizia S. Paulo. “O terreno dos possíveis é uma
superfície elástica”, escreveu Maurois. Depende do chefe dilatá-la ou contraí-la.
13.4. Há que decidir
Os Berberes possuem o seguinte provérbio: “Escolhe e ganharás”. E se não há motivo para
escolher? Pouco importa; escolhe, doutro modo a tua ruína é certa. (Maurois)42
Mais vale ter poucas ideias e realizá-las do que possuir muitas e não realizar nenhuma.
Já alguma vez se observou um motorista na encruzilhada? Perante o condutor de vontade
firme que marcou uma direcção e a mantém, os outros arrumam-se prudentemente; a
hesitação é, neste caso, cem vezes mais perigosa do que a audácia. (Maurois)
Agir, precisamente, “é, a cada minuto, libertar da confusão dos factos e das circunstâncias a
questão simples, que se pode resolver naquele instante”. (Grasset)
Há que decidir-se e querer com vontade firme, inflexível, para chegar até ao fim. O
importante é agir, para que alguém realize as suas concepções, e obtenha resultados.
Trabalhai. Colocai pedra sobre pedra. Construí. É preciso chegar a resultados… Resultados,
vede, eu não sei outra coisa. (Foch)
13.5. A capacidade de decisão
Há que possuir uma natureza amante das responsabilidade. As decisões devem tomar-se
antes que nos sejam impostas; as responsabilidades assumem-se de frente.
(Foch)
A capacidade de decisão é uma das qualidades específicas do comando. Se, com efeito, ao
chefe falta essa qualidade, dá-se a paralisia da obra; mas se, ao contrário, os seus
colaboradores o pretenderem substituir nessa prerrogativa, entra-se na anarquia.
A decisão é a solução dum problema cujos dados, porque vivos e humanos, são complexos
e delicados. Não é somente questão de inteligência; nem se trata apenas de conclusão
matemática de equações algébricas; a decisão é um acto de vontade em que, após o exame
cuidadoso dos elementos em presença, o chefe fica completamente comprometido.
13.6. Arrasta os outros
A obediência passiva não consiste de modo nenhum na humilhação dum homem perante
outro homem. É o apagamento voluntário do indivíduo perante a função. Quando estou de
sentinela às ordens do meu coronel e me perfilo à sua passagem (e com vivo prazer o faço,
vos asseguro), não é perante um homem que pratico tal acção. É diante dum princípio de
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autoridade que julgo útil e respeitável e sem o qual as sociedades humanas, criadoras da
vossa preciosa liberdade, não teriam nunca existido. (Maurois)
O chefe nato é aquele que concebe com entusiasmo a obra que tem de realizar, decide com
ardor e arrasta os outros pela prontidão da sua escolha.
A obediência só será pronta e confiante, se o chefe sabe o que quer e o quer energicamente,
isto é, se, manifesta espírito de decisão. Nada mais prejudicial à autoridade do que parecer
hesitar, procurar seguir ou recuar. É ao mesmo tempo um golpe na admiração devida à
superioridade do chefe e na tranquilidade e sossego legítimos do subordinado.
13.7. Iniciativas eficazes
Pedro de la Force escreveu o seguinte acerca da mentalidade dos ministros que rodeavam
Luís XVI: “O cuidado de não se atender senão ao habitual gerava a timidez e parecia que
todo o intento marcado com forte selo pessoal tinha um ar de originalidade perigosa, na qual,
se a iniciativa era ousada, se interpunha a etiqueta que retardava tudo, e as ideias, antes de
chegar até ao chefe, passavam por tantos escalões, que entretanto, perdia-se a ocasião”.
Sabe-se a que catástrofe levaram, por fim, esta timidez da alta roda e este conformismo
paralisante.
O chefe é alguém que sabe tomar iniciativas eficazes – o que é uma arte tanto como uma
ciência. “É preciso, como dizia Foch, conhecer o seu negócio”; mas é preciso igualmente
possuir aquela instrução que ajuda a escolher o momento em que se devem banir o lugar
comum e as fórmulas estereotipada.
13.8. Nunca ficar passivo ou inactivo
Um chefe é alguém que, para estar sempre pronto para a acção, fez bom repositório de
normas práticas, porque a vida é um somatório de pequenas decisões, e é a fidelidade a elas
que prepara o chefe para tomar as grandes resoluções no momento mais imprevisto.
Um chefe não deve nunca ficar passivo ou inactivo, porque, se não procura dominar os
acontecimentos, será dominado por eles. “A alegria da alma está na acção”, tal era a divisa
de Shelley que Lyautey adoptara. Na verdade, poder-se-ia dizer que a salvação do chefe
está na acção.44
O chefe que espera ordens ou tempos melhores para actuar não é verdadeiro chefe.
13.9. Pretender encontrar a solução perfeita
Uma boa decisão, embora imperfeita, seguida de firme execução, é preferível a espera
prolongada duma resolução ideal que nunca ou só tardiamente será executada.
Nada mais perigoso para um chefe do que a impotência para se decidir. A vontade que não é
capaz de se fixar na aceitação ou na recusa de um projecto hesita perpetuamente. Decerto,
antes da decisão, há que proceder a um exame leal e consciencioso das soluções
apresentadas. Todavia, pretender encontrar a solução perfeita e plenamente adequada é
uma quimera. Neste sentido, decisão vale mais do que precisão, porque da perpétua
oscilação do chefe nasce o enervamento dos colaboradores, a inquietação dos executantes,
sem falar das perdas de tempo e de dinheiro; e finalmente, a título de evitar a precipitação, o
chefe indeciso provoca novas complicações.
13.10. A coragem das responsabilidades
Homem que “toma as suas responsabilidades” é aquele que friamente tudo pesou,
examinou, que viu os riscos, que, tendo feito o confronto destes com o resultado, julgou que
este valia e superava o risco, e, nesse caso, decidiu marchar. (Foch)
Pode ter-se excelentes qualidades e não possuir senão o estofo dum subalterno; o que
revela o chefe é a iniciativa e a coragem das responsabilidades.
O chefe que receia as responsabilidades e que limita as suas ambições a coisas fáceis e
vulgares carecerá sempre de alma para arrastar os outros.
13.11. A vontade é um agente de execução
Tende o saber que quiserdes, mas praticai-o. A vontade é um agente de execução. Para
cumprir, com êxito, a sua missão, deve, portanto, distinguir-se pela sua pujança, energia,
vigor, continuidade de esforços, tenacidade. São estas as qualidades de carácter.
É preciso saber: os conhecimentos são base indispensável. É preciso poder, e para isso há
que desenvolver as faculdades de inteligência, de raciocínio, de análise, de síntese. Mas se
tudo isto funciona em vão, para que serve?
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13.12. Espírito de decisão
O “talvez” de Montaigne é útil ao filósofo, todavia convém mais ao chefe o sim ou o não.
(Dautry, Métier d’homme)
Um homem que é incapaz de se decidir, que adia sempre para mais tarde, que possui
tendência para remeter para o último minuto a escolha duma solução, que não intervém
quando a coisa vai mal, não nasceu para ser chefe. O chefe reconhece-se pelo seu espírito
de decisão. Viver é optar e optar é sempre sacrificar alguma coisa. Um homem pode ser um
sábio, um técnico notável, um filósofo eminente, se não sabe tomar a tempo a decisão que
se impõe e fazê-la respeitar, não é um chefe.
13.13. A coragem das decisões
É a vontade do chefe que comanda nele a atenção aos problemas, o esforço de
concentração do pensamento, e por cima de tudo a escolha da decisão. Decerto, o chefe
deve pesar os prós e os contras, mas há que, no momento preciso, e não um minuto mais
tarde, eliminar todas as possibilidades menos uma. Quantos homens inteligentes, mas
incapazes de escolher, fizeram a ruína das empresas que nunca lhes deveriam ter sido
confiadas!
A coragem das decisões é uma das formas essenciais do dom da força que faz os chefes.
14. DISCIPLINA
14.1. A maior parte dos chefes tem de obedecer
A maior parte dos chefes tem de obedecer a superiores tanto como dirigir inferiores. Devem
àqueles que lhes estão abaixo o exemplo da deferência e da obediência aos seus próprios
superiores.
O verdadeiro chefe esforça-se por compreender o pensamento de seus superiores e concilia
a independência e originalidade das suas concepções pessoais com o respeito pelas ordens
legítimas. Sair dos limites traçados é não só insubordinação pessoal, mas também
desordem, cuja gravidade aumenta na medida da responsabilidade que se tem sobre uma
colectividade.
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14.2. Discutir as decisões de seu chefe hierárquico
Discutir as decisões de seu chefe hierárquico é sempre perigoso, porque a maior parte das
vezes tal discussão produz-se no vácuo, por falta de elementos necessários e causa nos
subordinados certa hesitação em obedecer – o que é suficiente para levar à destruição dos
melhores planos.
Só um começo de execução leal duma ordem permite avaliar da importância real das
dificuldades, que a nossa preguiça inata e o receio de sermos perturbados na nossa rotina,
têm muitas vezes aumentado exageradamente.
14.3. A crítica
A crítica deprime o moral; amolece a coragem dos indivíduos; acarreta ao grupo a incerteza
e a desarmonia e quebra a unidade de vistas e de acção.
Ainda que investido duma autoridade cujo princípio remonta até Deus, o chefe permanece
não obstante homem. E porque é homem não pode deixar de ter em si próprio qualquer
imperfeição. Decerto, o chefe tem obrigação de se valorizar constantemente e por todos os
modos, para estar à altura da sua missão, ser digno do seu posto de comando. Mas os seus
subordinados, e principalmente os seus colaboradores que, vivendo junto dele, podem mais
facilmente descobrir os seus pontos fracos, devem tomar cuidado em não se deixar
hipnotizar por eles. Eles próprios seriam as primeiras vítimas do desprestígio do chefe, em
sua presença. Há que confiar no chefe, para se estar pronto a segui-lo até ao fim, e é preciso
que o chefe sinta que o seu grupo confia nele para ter coragem de pedir àqueles que o
cercam os esforços e os sacrifícios que a todos levarão à vitória.
O verdadeiro chefe atenua, quanto possível, as faltas de seus superiores, e folga com
mostrar aos seus subordinados que o êxito se deve ao chefe responsável.
Quanto mais de alto vem a crítica, tanto mais prejudicial pode ser. O chefe que critica o seu
superior, perante os seus subordinados, arrisca-se a perder a sua influência e a ver
prontamente criticados os seus próprios métodos. Na realidade, o moral assenta na lealdade,
na fidelidade aos chefes.
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14.4. Disciplina alegre e activa
Não há disciplina fecunda senão quando é alegre e activa. O simples conformismo passivo,
tímido, o receio cobarde das censuras ou das sanções são actos desprovidos de real valor
social. Aceita-se a disciplina, quando existe forte sentimento de interesse, de honra, de obra
ou de empreendimento comuns. Com a disciplina não se correrá então o risco de suprimir ou
enfraquecer as iniciativas. (Sertillanges)
Ser disciplinado não quer dizer estar calado, abster-se ou fazer apenas o que se julga
possível, praticando a arte de evitar responsabilidades, mas, antes, actuar no sentido das
ordens recebidas e, para isso, descobrir no seu espírito, pelo interesse e pela reflexão,
possibilidade de as realizar e, no seu carácter, encontrar energia capaz de suportar os riscos
que a execução comporta. (Foch)
14.5. Assimilação completa das ideias
Disciplina, para o chefe, não significa execução de ordens recebidas enquanto se julgam
convenientes, justamente razoáveis e até possíveis. Significa assimilação completa das
ideias do chefe que deu a ordem e fidelidade na realização. Disciplina não quer dizer silêncio
nem abstenção, na mira de executar apenas, sem compromissos, o que parece possível: não
se trata de praticar a arte de fugir à responsabilidade. Pelo contrário, trata-se de actuar no
sentido das ordens recebidas. (Maurois)
Se o chefe subalterno se contenta com executar as ordens sem procurar compreendê-las; se
não consegue comungar no pensamento do seu chefe, a autoridade será precária, em
prejuízo do fim que em comum se buscava.
A disciplina bem compreendida não mata a personalidade, harmoniza os homens,
coordenando-lhes os esforços.
O aumento de disciplina traduz-se sempre por um aumento de bem estar, como o
desenvolvimento da energia por um suplemento de força.
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14.6. Restauração do sentido da autoridade
Em todos os graus da escala social, na vida familiar como na vida profissional, se impõe a
restauração do sentido da autoridade, e em contra-partida a reeducação do espírito de
disciplina.
“A disciplina, diz velho adágio militar, é a força dos exércitos”. É também a força principal
duma nação que não quer perecer. O levantamento nacional exige a colaboração e a adesão
de todos.
Existem, decerto, muitos caminhos para sair duma floresta na qual alguém se perdeu. No
entanto, o que deve tomar-se é aquele que o chefe, devidamente mandatado, escolher.
Teoricamente, é possível conceber outras rotas talvez preferíveis, mas a melhor, na
realidade, é a que o chefe tiver indicado, c precisamente por ele a ter indicado. Sc cada qual,
ao sabor da sua fantasia ou do seu sentimento, seguisse por seu lado, seria o suficiente para
desfazer o grupo c dar-lhe a morte, como tal, dentro cm pouco.
Por outro lado, o chefe possui elementos de informação que seus subordinados ignoram.
Tendo prudentemente tomado a sua decisão, deve ficar certo de que será seguido, porque
não pode aplicar ao bem geral as suas faculdades de chefe se não tem a certeza absoluta
neste ponto.
15. ENERGIA REALIZADORA
15.1. Um chefe sem energia
O chefe não deve contentar-se com tomar uma decisão; é necessário que essa decisão “se
inspire na realidade”. O que conta não é a ordem que se dá, mas a ordem que se executa.
Um chefe sem energia não saberia ser chefe. Não se trata, porém, duma energia brutal;
antes duma energia realizadora que, proporcionando o seu esforço ao efeito que deseja
obter, reserva sempre possibilidades para não ficar sem fôlego no momento de subir a
encosta.
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O chefe deve ser firme e não se deixar deter pelo primeiro obstáculo; conhece a divisa; ao
“coração forte nada é impossível”, e, segundo a fórmula do General Clement-Grandcourt, “o
verdadeiro chefe, civil ou militar, espiritual ou temporal, sabe fazer o possível com o
impossível”; é mesmo nisso que se reconhecerá o chefe.
15.2. Nada se obtém sem esforço
Nada se obtém sem esforço, e o homem de acção não deve admirar-se de encontrar
dificuldades. Podem provir de si próprio – e não são as mais fáceis de resolver. Podem vir da
parte dos subordinados, ou mais ainda da parte daqueles que deveriam servir, para ele, de
sustentáculo e apoio. Podem ter origem também nas circunstâncias e na própria natureza
das coisas. O verdadeiro chefe aceita sempre o irreparável, e, como dizia Lyautey, “arranja-
se”.
O chefe conta com as dificuldades, mas não se deixa dominar por elas. Previstas ou
imprevistas, fazem parte do programa.
15.3. Perseverança e tenacidade
As dificuldades existem para ser vencidas. Para um chefe, não constituem barreiras que o
detenham, mas trampolins que lhe dão ocasião de se elevar, obrigando-o a vencê-las.
Um chefe, hábil e realista, não deve mudar muitas vezes de direcção. As mudanças muito
frequentes inquietam os subordinados e tiram-lhes a confiança.
O êxito depende mais ainda da perseverança e da tenacidade na execução do que da
habilidade na concepção.
O dom do chefe é o dom da energia. Mas, como dizia Foch, “por alma forte entende-se não a
que conhece apenas as fortes emoções, mas antes aquela cujas fortes emoções não
perturbam o equilíbrio”.
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15.4. Aquele que nada arrisca nada tem
Não há acção sem risco; mas aquele que nada arrisca nada tem. Torna-se necessário
sopesar o risco, tentar diminuí-lo, mas, conforme os termos do regulamento da Marinha, “há
que aceitá-lo com vontade firme e resoluta”.
O esforço é a única fonte certa de liberdade e de ideal contra a anarquia interior do instinto e
dos apetites egoístas. Quem salva o esforço, salva a personalidade, e pelo mesmo facto, a
comunidade.
Seja o que for que façais na vida, fazei-o com o maior vigor possível. (Lyautey)
15.5. O perfeito auto-domínio
Só é verdadeiro chefe aquele que sabe triunfar dos obstáculos excepcionais; e não os
vencerá, se não der prova duma vontade também excepcional. Ora nada exige mais alto
grau de vontade, nada tem mais influência nas suas faculdades do que o domínio das
próprias paixões, dos desejos veementes, das suas atitudes exteriores, reprimindo todos os
gestos inúteis ou excessivos de alegria, de sofrimento, de espanto, de entusiasmo, de terror;
o domínio da sua fisionomia que sabe ficar impassível nas piores angústias. Tudo isto faz
parte do auto-domínio, tudo isto imprime na face traços austeros, e dá-lhe certo ar a um
tempo firme e inexorável que convida à obediência; com efeito, quem não poupa as suas
próprias fraquezas possui autoridade para não poupar as de outrem. Quem sabe dominar-se
saberá afrontar a resistência de seus subordinados. Numa palavra, o perfeito auto-domínio
prepara a autoridade. (J. Toulemmonde, L’ Art de Commander)
Qualquer resultado, por mais pequeno que seja, exige certa firmeza e certa tenacidade.
E a inteligência? Há que possuí-la, com certeza. Todavia, antes de tudo, a vontade: uma
vontade firme que não se disperse. Tudo está nisto: querer… Mesmo com uma inteligência
mediana, aquele que fixa toda a sua vontade num determinado objectivo, e persevera,
mantendo preso o espírito, tem a certeza de triunfar. Tomai uma ideia, fixai-a como estrela
polar, caminhai com os olhos postos nela. Ninguém triunfa senão por um trabalho aturado e
bem dirigido. (Foch)
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15.5. Nenhum esforço se perde
Só os audazes realizam. Só os organizadores triunfam. O que muitas vezes pode parecer
“sorte” ou “acaso” não é senão fruto de longo trabalho preparatório e da vontade de chegar
ao fim.
A acção não é outra coisa senão uma adaptação incessante de si mesmo e das
circunstâncias da vida a um fim claramente entrevisto, e obstinadamente desejado.
Qualquer que seja o ideal que anima um chefe, há horas em que o labor quotidiano lhe pode
parecer pesado. Basta ser homem para sentir-se tomado por certa lassidão à qual vem
juntar-se um pouco de amargura, dado que as condições de trabalho são por vezes ingratas.
Mas que se lembre de que nenhum esforço se perde, nenhuma derrota se torna definitiva.
15.6. Apenas se decide por motivos muito nobres
Que se sinta que o chefe apenas se decide por motivos muito nobres: o dever, o bem
comum, esquecendo-se de si próprio, mas para isso, terá de permanecer senhor de si, da
sua emoção, do seu capricho ou da sua cólera. Não deve nunca perturbar-se, deixar-se
surpreender, desconcertar-se. Mas que se sinta também, uma vez tomada a decisão, que
nada poderá dobrar a sua vontade, e que, se possui alma grande para reconhecer seus erros
e corrigir seus pontos de vista, possui também alma muito grande para não tergiversar
perante os deveres necessários, mesmo com risco da sua tranquilidade.
(Bessières)
Todo o chefe deve contar com vida dura, física e moralmente. Conhecerá talvez mais
derrotas que vitórias, mais decepções do que alegrias, mais incompreensões do que
recompensas, mais ingratidões do que encorajamentos, mais dificuldades do que
oportunidades de triunfar. Mas o verdadeiro chefe não se deixa deter por esta perspectiva,
porque tem outra em seu coração: a da faculdade invisível da acção desinteressada que
transcende as aparências. Nesta fé encontrará a fonte oculta das suas melhores energias.
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16. ESPÍRITO DE JUSTIÇA
16.1. Sentimento de justiça
Ser justo é a primeira qualidade que um homem digno desse nome reclama daquele que tem
autoridade sobre ele.
Este sentimento de justiça é de tal maneira inato ao coração do homem que qualquer
injustiça, mesmo dum chefe amado, o desengana, revolta e irrita. Compreenderá que um
superior seja exigente, severo até, mas ficará desorientado com uma manobra desleal ou
uma acção arbitrária, e se não lhe é possível manifestar este sentimento, guardará no fundo
do coração uma ferida secreta, que se volverá mais dia menos dia em lamento amargo, em
rancor persistente e talvez em ódio implacável.
16.2. Distribuir elogios e censuras com critério
Ser justo é distribuir elogios e censuras com critério, é saber reconhecer a boa vontade de
cada um, é aprofundar as coisas e ter em conta, se for preciso, as causas que dificultam o
esforço daquele que fez quanto pôde.
Ser justo é atribuir a quem de direito, mesmo e sobretudo ao inferior, o mérito de uma ideia
inteligente, é saber distribuir lealmente a parte de êxito que cabe a cada um dos
colaboradores.
16.3. Permanecer imparcial
Ser justo é permanecer imparcial em todas as circunstâncias, sem nunca se deixar arrastar
por suas simpatias ou suas antipatias, é conciliar a promoção com o valor e as aptidões
provadas, e não com o peso das recomendações ou com a habilidade na arte de lisonjear
que podia ser arma do candidato.
Ser justo é respeitar a hierarquia por si próprio criada, é reforçar a autoridade daqueles que
foram colocados à frente dum serviço ou duma secção, e não intervir no seu raio de acção
sem ser por seu intermédio.
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16.4. Ser justo
Ser justo é reconhecer lealmente o seu erro ou a sua falta, e não os atribuir a outrem, e ainda
menos a um subalterno que não fez mais do que executar, o melhor que pôde e soube e com
os meios de que dispunha, ordens imprecisas ou incompletas.
Ser justo é usar no exercício da sua missão de uma rectidão irrepreensível, que assegura
mais o ascendente moral sobre uma colectividade do que o uso de todos os artifícios do
comando.
Não existe homem no mundo que, por mais virtuoso que seja, passe por inocente ao espírito
dum soberano que, não examinando as coisas por si mesmo, desse ouvidos às calúnias
(Richelieu).
Os súbditos, como seres não inferiores, têm direito à justiça absoluta; esforcemo-nos por dar-
lha. Não procuremos inspirar em nossos subordinados o terror, mas a confiança: que não
temam mas desejem a presença do chefe. Protejamo-los sempre que tenham executado ou
julguem ter executado as nossas ordens.
16.5. Que os vossos juízos sejam sempre provisórios
O chefe protegerá sempre os seus súbditos mesmo que as suas ordens lhes mereçam
reparos; deve irradiar lealdade, porque é desonra para o chefe condenar seus inferiores à
duplicidade de carácter, porque ele próprio não procedeu com rectidão.
Tende a certeza de que todo o ser humano é perfectível. Que os vossos juízos sejam sempre
provisórios e nunca irrevogáveis. Guardai-vos de nunca “classificar” definitivamente um
homem. Nada seria mais injusto nem mais desanimador.
Não há nada que de antemão tanto diminua o esforço que qualquer homem tente fazer para
se elevar ou corrigir como o pensamento dum “para que sirvo? estou classificado”.
Sede sobretudo prudentes perante pessoas que não vedes senão raramente. Acautelai-vos
da impressão que vos deixaram em encontro fugidio, de há muitos anos. É natural que,
depois, já se tenham modificado. Não vos fieis unicamente nas vossas recordações.
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16.6. Diante da injustiça
Que de germes de revolta depostos, durante a guerra, na alma de milhares de soldados, pela
arrogância de chefes indignos! O coração do soldado não procurava senão dar-se, admirar:
envolvia em verdadeira ternura o chefe que sabia ganhar a sua estima. Mas esta
necessidade de admirar, de amar, mudava-se em cólera e em desprezo, diante da injustiça,
da cobardia ou da dureza. (Bessières)
Como o rei era o defensor natural do seu povo contra a cupidez dos grandes, assim todo o
chefe supremo deve velar por que os “executores” operários, soldados, marinheiros sejam
tratados por seus subalternos com justiça e honra. Está aqui a função mais difícil, por
enfraquecer a autoridade dos seus colaboradores, mas não deve também tolerar os abusos
da autoridade. Questão de tacto, de energia e de formação esclarecida dos súbditos.
16.7. Franqueza
Se é por demais difícil “manter o que se prometeu”, é porque é muito difícil “não prometer
senão o que se está certo de poder dar”.
Não há nada que melhor conquiste a confiança dos subordinados do que a franqueza. Os
homens de Ernesti Psichari diziam: “É de tal maneira sincero que se tem vontade de imitá-
lo”.
16.8. Um certo respeito das distâncias
A manutenção da disciplina, absolutamente necessária para atingir os fins da acção militar,
exige da parte do oficial não só firmeza, mas também um certo respeito das distâncias.
Quem desejasse dirigir apenas com amizade e persuasão, renunciando ao prestígio do grau
e àquela espécie de poder absoluto que dá o galão, expor-se-ia a graves desilusões: o
processo resultaria sem dúvida com os melhores, mas os piores aproveitar-se-iam disso para
fugir ao seu dever, e até os melhores não tardariam em apregoar a injustiça e em perder a
coragem.
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17. ESPÍRITO DE PREVIDÊNCIA
17.1. Prever e preparar o futuro
Prever e preparar o futuro é essencialmente papel do chefe. O futuro nem é inteiramente
vazio, nem inteiramente determinado. É sobre o terreno do possível que o chefe deve
imaginar e, antecipadamente, construir.
É o hábito de prever e de viver no futuro que permite a rapidez do cálculo e a decisão pronta.
“Se pareço sempre pronto, dizia Napoleão, é porque antes de empreender tive longo tempo
de meditação. Vivo com dois anos de avanço, e previ o que podia acontecer”.
É à força de prever e de preparar que alguém se torna capaz de improvisar, quando as
circunstâncias o exigem. Pelo contrário, se, deliberadamente, alguém se abandona à
inspiração do momento, expõe-se à derrota.
17.2. Constantemente vigilante
Não é um génio que me revela secretamente o que tenho de fazer em determinada
circunstância para os outros inesperados, é a reflexão, a meditação. (Napoleão)
Um chefe que não está constantemente vigilante, que não prevê as dificuldades, que não
pressente os acontecimentos; que não projecta a sua vontade no futuro misterioso, para nele
situar antecipadamente as normas da sua marcha: iniciativas, criações, campanhas,
propaganda…; que não sabe, inquieto com a realidade, sem abafar a imaginação, construir
um plano, estabelecer um programa, combinar horários, assegurar posições de relevo ou
linhas de socorro, não passa dum “encarregado de negócios”, inerte, hesitante, rotineiro, que
não dominando a vida será dominado e vencido por ela.
17.2. Pensar em amanhã
O imprevisto nem sempre é inopinado. Há muitas vezes sinais que antecipadamente o
anunciam. Só pode percebê-lo quem mantém o contacto com as realidades, sem deixar
dispersar a sua atenção.
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Quanto mais precisa for a imagem que o chefe formar do futuro, tanto mais probabilidades
terá de a volver em realidade. Querer não é só dizer o que se quer, é mostrar fortemente
como se actuará. (Deschard)
Pensar em amanhã, eis o nosso papel. O dia de hoje deveríamos prepará-lo sempre no dia
de ontem.
18. EXEMPLO
18.1. Os exemplos arrastam
O chefe é um ponto de mira. Os olhos de seus subordinados estão constantemente sobre
ele, e o seu exemplo tem tanto mais importância quanto mais apreciado é.
Exempla trahunt: os exemplos arrastam. Concretizam um acto ou uma atitude que não
passava, até então, duma visão abstracta do espírito.
Os homens nunca se conduzem com prescrições da razão pura; têm necessidade de ver o
seu ideal encarnado num homem que os leve após si pela sedução do seu exemplo.
18.2. A vida do chefe fala sempre mais alto
Um chefe que dá exemplo pode pedir tudo aos seus homens, porque acaba por merecer e
conquistar a sua confiança.
A vida do chefe fala sempre mais alto aos homens do que a sua voz; se a sua vida está em
contradição com as suas palavras, há um ilogismo que escandaliza os fracos e revolta os
fortes.
O sentido da autoridade, na acção e nas horas perigosas, transforma-se: aquela que
promana da categoria do chefe diminui, enquanto aumenta aquela que provém do seu
carácter e do seu exemplo.
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18.3. Vê o superior trabalhar sem tréguas
Um chefe que exige dos outros um trabalho duro deve ele próprio ser um exemplo de
trabalho. Não se obtém facilmente a colaboração dos outros a não ser que se exija ainda
mais de si mesmo.
Um chefe que se abandona à lei do menor esforço permite tacitamente que seus homens
procedam de igual modo.
Quando um subordinado vê o superior trabalhar sem tréguas, desprezar o conforto legítimo,
desdenhar da riqueza e das honras; quando sabe que uma única paixão o anima: o bom
andamento do grupo e a felicidade de seus súbditos, então está conquistado por semelhante
generosidade e não quer recusar mais nada àquele que nada se poupa.
18.4. Aquele que julga ter sempre feito o suficiente
Aquele que julga ter sempre feito o suficiente em relação à recompensa que recebe será
sempre um subalterno, jamais um chefe.
Muitas vezes ouve-se dizer que basta dar bom exemplo no serviço e que fora dele o chefe
pode fazer o que entender. Não, o que o subordinado deve encontrar no seu chefe é, antes
de tudo, um exemplo no trabalho, mas também na maneira de resolver os problemas que a
vida põe em geral; a influência não será profunda, se o exemplo não for total.
18.5. Consciência e ciência
Em tempo, a minha divisa era: ciência e consciência. Ainda hoje a conservo, mas preferindo
dizer: consciência e ciência. Sim, antes de tudo consciência. É o que mais importa.
(Foch)
Quanto mais alto está colocado um homem, menos frequente é o “controle” de seus
superiores; também a consciência do chefe deve progredir à medida que, subindo na
hierarquia, se vai tomando mais livre e mais solitário.
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18. FÉ NA SUA MISSÃO
19.1. Que a sua fé e o seu entusiasmo irradiem
O chefe que não crê na causa que serve não é digno de ser chefe. Mas não basta crer: é
necessário que a sua fé e o seu entusiasmo irradiem. É necessário que cada um daqueles
que ele tem a missão de conduzir compreenda a sua responsabilidade na obra que há-de
realizar-se; ao chefe compete fazer com que os seus homens comunguem no ideal que o
anima.
“A força viva dum exército – diz Marmont – não aumenta em razão do número de soldados e
de meios materiais, mas sim em razão do espírito que o anima”. Esta asserção é verdadeira
para todo o grupo humano, qualquer que ele seja. Insuflar o espírito, criar o ambiente,
comunicar a chama são os aspectos mais importantes da missão do chefe.
Chefe que não tivesse fé na sua missão não saberia ser feliz – expressão verdadeira no seu
mais amplo sentido: a alegria abandona-o e o fracasso espreita-o.
19.2. Reagir vigorosamente
Chefe abatido é chefe de antemão batido.
Um chefe céptico, seja qual for a forma do seu cepticismo, elegante ou cínico, é um
destruidor de entusiasmos em si mesmo e nos outros.
Nada mais desanimador para um chefe e seus subordinados do que um céptico – “para que
serve isso”? ou um desanimado – “não há nada a fazer”. Reagir vigorosamente: há sempre
que fazer, e tudo pode servir.
Quando ouvirdes alguém dizer: “não há nada a fazer” – traduzi: há muito a fazer, mas eu não
me sinto com coragem de fazer seja o que for.
19.3. Para chegar ao fim das coisas
Não há funções nem seres inferiores; inferior é cumprir mal a sua missão.
(Péguy)
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Para chegar ao fim das coisas, o primeiro passo é julgá-las possíveis – dizia Luís XIV.
A acção em comum, qualquer que seja, exige o sacrifício de muitos interesses particulares,
supõe tensão rigorosa das forças, disciplina cerrada das liberdades para vir a ser mais
qualquer coisa do que fé, sopro, mística.
19.4. Só se faz bem o que se faz com paixão
Só a fé na grandeza da sua tarefa e nas suas possibilidades de realização cria no chefe
energia suficiente para superar-se a si próprio a levar os outros a segui-lo.
Tudo o que vive está animado dum sopro. Tudo o que existe sem sopro está morto.
Só se faz bem o que se faz com paixão. Quem trabalha simplesmente para ganhar dinheiro e
não tem paixão pelo seu ofício não chegará a ser homem de valor, muito menos chefe.
19.5. Largueza de vistas
Todos os empreendimentos humanos, humildes ou elevados, profanos ou sagrados, estão
submetidos às mesmas condições orgânicas. Crer, esperar, amar, são virtudes necessárias
a qualquer homem que deseje fazer obra viva e fecunda. Crer no que empreende e esperar o
êxito, amar seu trabalho e oferecer por amor o fruto dele aos homens, tais são as condições
primeiras e necessárias a que nenhuma empresa pode escapar. A inteligência recusa-se a
um esforço de construção, se não crê na verdade e na utilidade da sua missão. A coragem
falece perante os obstáculos se não espera vencê-los. Enfim, todas as manifestações da sua
acção são tanto mais frágeis quanto mais violentas, se não são comandadas pelo amor.
(Doncoeur)
O ascendente dos verdadeiros chefes reside na sua largueza de vistas. O homem necessita
de horizontes largos; a mesquinhez asfixia.
Aos oficiais pede-se, antes de tudo, que sejam convictos e persuasivos; ousamos empregar
o termo, que sejam apóstolos dotados do mais alto grau da faculdade de atear “o fogo
sagrado” na alma dos jovens; essas almas de vinte anos prontas para receber impressões
profundas, que uma centelha pode inflamar para toda a vida, mas que também o cepticismo
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dos primeiros chefes encontrados pode apagar para sempre. (Lyautey, Le Role social de
l’officier)
19.6. Fazer crer no seu êxito
Um pouco de inteligência ao serviço dum coração apaixonado fará mais do que um génio
brilhante ao serviço duma alma fria. (Maurois)
Fazer crer no seu êxito é para o chefe o melhor dos êxitos.
O chefe que confia em si próprio apresenta um ar de segurança que afasta as veleidades de
resistência. Desconhece a indecisão, tão prejudicial ao triunfo. Tem a convicção de que
triunfará, proceda como proceder, e assim se encontra ao abrigo dos efeitos nefastos do
“esforço convertido”. Obedece à sua impressão instintiva, sempre ditada pelo seu
subconsciente, rico de experiências passadas.
A delicadeza do vosso espírito, a bondade do vosso coração nada seriam sem aquele ar
vivo, aquela expressão animada que deveis possuir, se desejais entusiasmar os vossos
homens.
19.7. Pode conceber-se um chefe mal disposto?
Nada de pertencer àqueles que, vendo diante de si uma garrafa meio-cheia, se lamentam de
que está meio-vazia.
Há no mundo certamente mais pensamentos baixos e maus do que pensamentos elevados;
no entanto, o poder dum único pensamento de amor é infinitamente superior ao dum
pensamento de ódio.
Aquele que possui razões para estar descontente consigo mesmo diz-se aborrecido com os
outros.
Pode conceber-se um chefe “mal disposto”? Sem dúvida que a responsabilidade gera
preocupações, mas também tem exigências, e o optimismo não é a menor.
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Os desgostosos não fazem senão coisas enfadonhas, os indolentes só fazem coisas tristes,
os pessimistas não vão além das coisas mortas.
19.8. Chefe dinâmico
Para algum, os optimistas são recrutados quase exclusivamente entre os imbecis, e para
outros entre as pessoas que não são talvez de todo imbecis, mas são-no ao menos
superficialmente. Evidentemente, é uma tese que se pode tentar provar, mas também pode
provar-se que é muito mais difícil, quando se é capaz, ser optimista do que pessimista: a
predisposição para ver o lado mau das coisas – a fim de poder afirmar quando a infelicidade
surge: “eu bem o dizia”! Toda a coisa, todo o acontecimento tem pelo menos duas faces:
uma feliz e outra triste. Porque se há-de observar esta e não se há-de, ao contrário, insistir
naquela? (Camile Cavalier)
O mundo não será verdadeiramente feliz senão quando todos os homens possuírem almas
de artistas, quer dizer, quando todos trabalharem com gosto, e compreenderem a beleza e a
verdade aí existentes. (Rodin)
Chefe dinâmico é aquele que, tendo fé na sua missão, crê no triunfo da sua causa, tira dos
acontecimentos mais insignificantes tudo o que de favorável pode ser tirado e não se deixa
desanimar nem pela contradição nem pelo fracasso.
19.9. O chefe não se impressiona
O chefe não se impressiona nunca com os contratempos, as contradições, as dificuldades.
O primeiro movimento, quando surge um acontecimento desagradável, é de se lamentar,
chorar, talvez até de se encolerizar? Quanta energia desperdiçada. É preferível encarar a
situação com frieza e dizer: “Que poderei eu fazer para que este rude golpe seja ponto de
partida para alguma coisa melhor? Como conduzir-me para dominar e transformar este
aborrecimento em vantagem?” Mesmo que não seja solução imediata, o facto de reagir
positivamente constitui a melhor atitude para limitar o desgaste. Há contratempos que são
construtivos e dificuldades que são causa eficiente.
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Um chefe deve, com toda a humildade e com toda a verdade, possuir certa dose de
confiança em si mesmo: confiança razoável e não presunçosa nos seus talentos e
possibilidades reais. Com efeito, ser humilde não consiste em dizer: “nada tenho, nada sou,
nada posso”, porque facilmente se conclui “nada faço”, mas: “eu recebi certo número de
talentos. Não tenho o direito de me gloriar disso, mas tenho o dever de desenvolvê-los e de
cultivá-los para servir os outros”.
19. FIRMEZA
20.1. Excelente método de comando
A firmeza é um excelente método de comando quando é uma maneira de ser habitual, mas
pouco eficaz quando procede por lances inconsiderados. O chefe tem o direito de ser
exigente, mas evite os acessos bruscos de cólera, mantenha a firmeza na serenidade.
O chefe deve merecer a reputação de alguém que sabe o que quer, querendo-o até ao fim –
o que não impede de, ao mesmo tempo, ser capaz de ouvir um parecer justificado de seus
subordinados e de corrigir os erros das suas decisões ou das suas directrizes.
Não há nada tão prejudicial como a fraqueza e a lassidão, e nada mais humano do que a
firmeza. Os regimes de pusilanimidade são os que ficam mais caros ao mundo e,
decididamente, são aqueles que podem acabar e que realmente acabam em atrocidade. Não
gosto que esteja no poder um homem bondoso. Deus permita que os nossos chefes sejam
firmes, é tudo quanto lhes pedimos. Não há nada mais perigoso para o súbdito do que a
bonomia do superior. (Péguy)
Continuai até que tenhais obtido qualquer resultado. Nada se abandona, enquanto se não
chegou ao fim. Quando não se obtém resultado, nada feito. Há que chegar ao fim.
(Foch)
20.2. É sempre boa a regra inflexível
Este homem (o capitão) era duro; justo, sim, mas duma justiça severa e não indulgente.
Nunca nenhum dos seus subordinados pôde acreditar que fosse possível não fazer mesmo
ou fazer apenas metade daquilo que ele tinha ordenado, e cada um sabia ou melhor sentia
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que se expunha completamente a uma bala na cabeça em caso de falhar. Todas as manhãs,
quer estivesse de serviço quer não, percorria a sua companhia, a largos passos, exercendo a
sua justiça, como ele dizia. Não lhe passava nada e não tolerava que um homem ou que um
graduado deixasse de executar a sua tarefa. Acompanhava-o frequentemente, e por vezes
achava-o muitíssimo rigoroso, parecia-me que em seu lugar, teria sido mais condescendente;
mas hoje vejo que ele tinha razão. É sempre boa a regra inflexível, porque previne a
desordem e ser severo é ser benéfico. Além disso, a sua severidade aumentava com o grau,
porque a seus olhos um grau constituía um acréscimo de obrigações antes de ser um
aumento de soldo ou de bem-estar; e certamente não se privava nada de repreender
vigorosamente os seus subalternos e os seus oficiais. Eu considerei-o como os outros, mas
em verdade sem nunca ter ressentimento contra ele. (A. Bridoux, Souveniers du Temps des
Morts)
20.3. Sem se deixar deslumbrar
Existe um outro género de colaborador ainda mais perigoso, porque mais difícil de
reconhecer. Diante de seus chefes, é serviçal, submisso, sempre de acordo, sem
personalidade. Frente aos seus subordinados, é duro, opressor, distante, e desconfiado. Não
suporta que os outros triunfem. É neste momento que deve intervir a firmeza clarividente do
chefe. Deve “estimar cada um pelo seu justo valor”, sem se deixar deslumbrar pelo zelo ou
deferência deste ou daquele.
20.4. Não se deixa manobrar
Sede benévolos mas nunca ingénuos. Estai sempre dispostos a ter confiança, mas não a
tenhais senão com conhecimento de causa.
Ao colocar os vossos colaboradores em condições óptimas para triunfar, graduai as suas
responsabilidades e a sua autoridade. Mais vale aumentar-lhas do que ser-se obrigado,
perante os revezes, a diminuir-lhas.
O chefe é alguém que não se deixa manobrar…
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20.5. Adivinhar e apaziguar
Muitas vezes acontece que os subordinados, todos servindo e amando de boa vontade o seu
chefe, se invejam uns aos outros e disputam entre si com demasiada rudeza os sinais da sua
estima. O “patrão” deve adivinhar e apaziguar tais susceptibilidades que perigosamente
enfraquecem um corpo. Assim como qualquer motorista sabe, ao ouvir o ruído do seu motor,
que um dos cilindros não funciona bem, assim o chefe-nato, quando sente que o grupo não
dá mais, procura a causa e encontra-a. Tal causa é muitas vezes insignificante: poeira numa
peça, encolher de ombros que não passava dum jeito nervoso e que foi tomado por um
insulto. Lyautey tinha o instinto destas coisas: “Um fulano desses está nas costas da mão”,
dizia ele, e imediatamente, com suavidade e firmeza, fazia sentir o freio ao rebelde.
(Maurois)
20.6. Homem de carácter
O chefe deve ser homem de carácter. Ter carácter não é possuir mau carácter como muita
gente julga. É saber manter livre e independente o seu espírito, é dirigir sem procurar
satisfação imediata como aquela, aliás legítima, de ser amado. É, quando se adquiriu a
certeza duma verdade, saber manter-se, a todo o custo, aconteça o que acontecer. É saber
ficar só, na barra, à espera, quando tudo falha à sua volta. E finalmente saber ser imparcial
para consigo próprio e reconhecer seus erros.
21. FORMAR E EDUCAR
21.1. Despertador de semelhantes
O verdadeiro chefe não é o que possui uma espécie de talismã para seu uso reservado, é
sim um despertador de semelhantes. Sente legítimo prazer em que o mais humilde dos
executantes das suas ordens se faça à sua imagem, e que lhe transmita a impressão dum
homem livre, criador, altivo. Rejubila, por ver que desenvolveu à sua roda a iniciativa, a
lucidez, o espírito de decisão, a franqueza, naqueles que eram ainda há pouco crianças
diante da vida. (Bussy-Robin).
A todo o verdadeiro chefe cumpre ser educador, devendo esforçar-se porque surjam do ser
humano associado à sua missão todas as possibilidades ocultas que nele estão depositadas 65
e das quais até, muitas vezes, ninguém suspeitava. Pouco a pouco, revelando-lhas, incute-
lhe o desejo e a altivez de vir a ser melhor, mais em condições de realizar o que da sua
missão se espera.
21.2. Compreender e encorajar
Uma das melhores maneiras de ganhar a confiança dum homem consiste em levá-lo a
ultrapassar-se a si próprio e muitas vezes em tratá-lo como melhor do que na realidade é.
O chefe educador deverá ver, para além dos defeitos e dos vícios que transparecem, as
qualidades profundas de que é necessário o indivíduo tome consciência, para que, satisfeito
com a visão das suas riquezas desconhecidas, se aplique a valorizá-las.
O que mais determina um homem a aperfeiçoar-se é sentir-se compreendido e encorajado
pelo seu chefe.
21.3. Suscitar o interesse
Realiza-se sempre com inteligência e coração aquilo por que nos interessamos e em que nos
saímos bem. Por força deste princípio, o chefe deve aplicar-se a suscitar o interesse do
subordinado pela tarefa de que foi incumbido, e a colocá-lo em condições de a levar a bom
termo.
A educação que o chefe dá deve criar no súbdito o amor pelo esforço, o sentido da
responsabilidade e o gosto pelo trabalho em comum.
É o gosto do menor esforço que conduz à rotina, quebra o entusiasmo mais generoso, e
esteriliza as actividades mais promissoras.
Nada se obtém sem esforço e as coisas não valem senão pelo que custam.
Renunciar ao esforço é renunciar à vida, ao progresso, à fecundidade.
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21.4. O gosto pelo trabalho bem feito
O ser humano não é naturalmente corajoso, e para adquirir o hábito de vencer-se a si próprio
e de encontrar na sua vitória uma satisfação compensadora do esforço dispendido, é preciso
ter determinado nele uma atitude positiva perante as dificuldades que o esperam, segundo
uma das duas fórmulas seguintes: “As dificuldades fizeram-se para serem vencidas” – “As
dificuldades não são barreiras que nos detenham, mas trampolins que nos levam a tomar
consciência da nossa superioridade, obrigando-nos a vencê-las”.
A propósito de educação, Dugas escrevia: “O mestre que tenta instruir sem inspirar o gosto
pela instrução é como o ferreiro que bate em ferro frio”. A mesma coisa poderia dizer-se dum
chefe que pretende prender os homens sem lhes incutir o gosto pelo esforço e pela função
que vão desempenhar.
A educação do esforço deve tender também a desenvolver o gosto pelo trabalho bem feito, a
preocupação do pormenor bem acabado e o sentido da ordem sem a qual o resto se volve
em dispersão e incúria.
Não se trata tanto de impor esforços como de provocá-los habilmente, porque não existe
obra de verdadeira e profunda educação senão na medida em que existe adesão e
colaboração.
21.5. Apelar para as tendências generosas
Um dos melhores meios de estimular o esforço dos seus subordinados consiste em fazer
sentir a alegria do progresso realizado e mais ainda a satisfação de estar em condições de
melhor servir.
O ser humano é complexo. É um campo de batalha de tendências profundas que se corrigem
e neutralizam. O papel do chefe, sobretudo quando deseja cumprir o seu dever de educador,
consiste em apelar para as tendências generosas que existem no fundo de cada homem,
neutralizando assim os instintos da preguiça e do medo.
“Não expulses o herói que está dentro da tua alma”, diz Nietzsche ao homem que quer ser
digno desse nome. Em todo o ser humano, qualquer que seja, há sempre chama possível,
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mecha que fumega. Compete ao chefe distribuir as tarefas em que confia ou as restrições
que se impõem, de conformidade com o que cada um possui em si de heroísmo latente.
21.6. O gosto pelo esforço
Para desenvolver nos homens o gosto pelo esforço é permitido estimular o amor-próprio. “A
falta de amor-próprio e duma sã estima de si mesmo, escreve Kieffer em “Education et
Equilibre”, quebra a força de ânimo, mata o espírito de iniciativa, cria seres passivos e
inertes”.
Ao chefe cumpre precaver-se de pedir esforços em desproporção com as possibilidades
actuais daqueles que têm de realizá-los. É progressivamente que deve habituar-se os
homens a triunfar dos obstáculos cada vez mais difíceis, de modo que não desanimem, mas
que, adquirindo confiança nos seus próprios recursos, tomem o gosto de continuar a
progredir.
Existe erro grave naquela concepção de progresso que não tem por fim senão proporcionar
cada vez mais ao homem fazer cada vez menos; pois que o progresso não é digno senão
quando se torna um meio de servir “mais e melhor”.
21.7. Despertar o sentido das responsabilidades
O que diferencia essencialmente o homem do autómato ou do animal, é que o primeiro é
dotado de liberdade e portanto de responsabilidade. Despertar o sentido das
responsabilidades nos subordinados é, para o chefe, um dos meios mais eficazes de torná-
los mais homens.
Quantos homens tomariam mais gosto pelo seu trabalho, se este lhes fosse apresentado
como um serviço social do qual se sentissem responsáveis! Quantos homens também
aplicariam todas as suas faculdades para obter o resultado que deles se espera, se
sentissem que o seu chefe tem confiança neles!
O homem interessa-se tanto mais por um trabalho quanto mais se sente capaz de executá-
lo, quanto melhor compreende a sua utilidade, e pode dar ocasião de exercitar a sua
inteligência e o seu espírito de iniciativa.
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Há duas tendências na necessidade de independência: uma negativa, que consiste em não
querer submeter-se a qualquer disciplina; outra positiva, que consiste em querer escolher por
si mesmo o melhor meio de chegar ao fim que se marcou. A arte do chefe está, por
conseguinte, em levar os seus subordinados a encontrar por si próprios o melhor meio de
atingir o fim comum. Sob este aspecto, deve ser um animador e não um ditador.
O homem tem sempre tendência para protestar contra o trabalho que lhe é imposto e sentir-
se honrado com o trabalho que se lhe confia.
21.8. A ideia de responsabilidade
Um chefe pode proceder de duas maneiras: “despachar” trabalho desagradável e de menor
importância para os seus subordinados ou “confiar-lhes” o trabalho que são capazes de
fazer. Se o estado de espírito do chefe é bom, facilmente encontrará a fórmula
correspondente, por exemplo: “Peco-lhe o favor de tomar conta deste assunto, porque tenho
empenho em que seja bem feito”. Homens dirigidos desta maneira trabalharão com um
sentimento do dever muito diferente do habitual, com um outro aprumo profissional, com um
outro prazer no trabalho, não obstante as condições exteriores serem idênticas àquelas em
que são tratados doutra maneira.
A ideia de responsabilidade não aumenta senão na medida em que ao mesmo tempo se
desenvolve o sentimento da solidariedade por virtude do qual os nossos actos nos seguem e
nada do que fazemos é indiferente ao bem do conjunto. A arte do verdadeiro chefe está em
saber despertar este sentido da solidariedade em todos os seus subordinados.
21.9. Coesão e o sentido da unidade
O simples facto de trabalhar ao mesmo tempo sob o mesmo tecto não basta para produzir a
coesão e o sentido da unidade. Um grupo, qualquer que seja, se não se quer que estiole em
esforços estéreis e até contraditórios, deve tornar-se um organismo vivo em que o
pensamento de cada um se harmonize com o dos outros, inspirando-se todos no
pensamento do chefe maior, e transmitindo-se, diverso em suas modalidades, imutável em
seu fundo, até aos escalões mais humildes.
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O espírito comunitário é diametralmente oposto ao espírito de concorrência sobre o qual se
têm baseado até nossos dias a vida social e todos os métodos de educação e de ensino. O
espírito de concorrência contrapõe os interesses particulares e excita os egoísmos. Coloca o
interesse geral e o bem comum em segundo plano. Estabelece classes. Opõe. Suscita as
lutas sociais e as guerras.
22.HUMILDADE
22.1. Governar é uma função pública
Governar é uma função pública; prepara-se a gente para ela desembaraçando-se do
egoísmo estreito, das preocupações interesseiras em demasia e da arrogância que as
acompanha muitas vezes.
«Evitemos sobretudo falar frequentemente de nós próprios e de dar-nos como exemplo.
Impressiona desagradavelmente ver que um homem se cita a si próprio a respeito de tudo e
de nada. O exemplo, com efeito, não tem eficácia se não se impõe naturalmente à intenção e
ao respeito dos subordinados; seria grave erro psicológico pensar que se pode aumentar o
efeito útil com afirmações gratuitas ou distribuindo cumprimentos; porque o espírito de
contradição despertaria em vossos colaboradores e viria secretamente destruir o resultado
que julgais ter produzido.» (Courau).
22.2. Para o bem comum
Um chefe deve ser grande por nascimento ou fazer-se; mas não se é grande senão na
medida em que se trabalha desinteressadamente. Como afirma Lacordaire, “tudo o que se
fez grande no mundo foi feito sob o signo do dever: tudo o que se fez de miserável foi feito
em nome do interesse”.
A missão do chefe é-lhe confiada essencialmente para o bem comum; nem o capricho, nem
o interesse, nem o orgulho devem ditar ao chefe as suas decisões.
O homem carece de apoiar-se em alguma coisa que o supere. Procura um ser superior que o
guie e com o qual possa contar, porque poucos homens sofrem a ideia de viver isolados.
Portanto, o súbdito terá facilmente a tendência de atribuir ao seu chefe qualidades sobre-
70
humanas. Tanto mais facilmente será levado a isso quanto é certo este último ser tentado a
favorecer tal tendência que agrada ao seu amor-próprio, porque gosta de “desempenhar um
papel”, de marcar a sua “superioridade”. Mas é um jogo perigoso este, porque, cercando-se
de aduladores, que não vêem senão seus interesses, priva-se do auxílio que fornece a crítica
sã de pessoas que podem ver as coisas sob outro aspecto; perde assim o contacto com o
meio em que vive. Daqui em diante deixa de dirigir com conhecimento de causa.
22.3. O verdadeiro chefe nunca fala de si
Sejam quais forem as qualidades, o chefe não é um super-homem e cedo ou tarde o
subordinado se dá conta de que tinha demasiada estima por seu superior; se este é
modesto, o inferior não se lastimará senão consigo próprio do seu erro de óptica e em nada
modificará a intensidade da sua dedicação. Se, pelo contrário, presume ter sido enganado
por promessas que não foram mantidas, verifica-se nele uma reacção violenta que pode ir
até ao desprezo pelo chefe.
Um chefe não ilude por muito tempo aqueles que dirige. Após algumas tentativas,
descobrem-no. Com ser humilde consigo mesmo, o chefe torna-se mais forte perante os
outros; verdadeiro consigo próprio, pode exigir dos outros que sejam verdadeiros diante dele.
Há uma maneira de dizer a um homem, olhando-o, sem dureza, nos olhos: “não me conte
isso a mim”, que perde toda a importância. Um chefe não ilude por muito tempo aqueles que
dirige. Após algumas tentativas, descobrem-no. Com ser humilde consigo mesmo, o chefe
torna-se mais forte perante os outros; verdadeiro consigo próprio, pode exigir dos outros que
sejam verdadeiros diante dele. Há uma maneira de dizer a um homem, olhando-o, sem
dureza, nos olhos: “não me conte isso a mim”, que perde toda a importância. Depressa se
reconhecem os chefes que não se deixam “levar pelo canto da sereia”. A esses ousam
confessar suas fraquezas não para as evitar, não para as glorificar, mas para perguntar,
como ao médico: “como poderia eu curá-las?”. (Jean-Jacques Chevalier)
O verdadeiro chefe nunca fala de si; nunca diz “eu”. Inclui-se na colectividade e imagina
“nós”. Enquanto o “eu” fica na sua preocupação central, constitui-se a si próprio em objectivo
final da sua acção e explora mais ou menos conscienciosamente os outros em seu proveito.
Não compreende a sua missão senão a partir do momento em que se desprendeu de si
próprio para se dar sem reservas ao interesse geral.71
22.4. Um homem não é senão um homem
Não brinqueis nunca ao profeta vitorioso ou desconhecido: “Eu bem dizia… já o tinha
previsto… uma vez mais tive razão… o que se passou tinha-o eu anunciado…”, porque, se
efectivamente havíeis previsto o que aconteceu, de duas uma: ou tomáveis as medidas que
o assunto exigia e, nesse caso, não há razão para cantar vitória, ou não foram tomadas as
medidas necessárias e, então, há todo o interesse em guardar silêncio, porque, jogando ao
profeta desconhecido, tornais-vos ridículo ou odioso para todos os colaboradores.
O sinal mais seguro da fecundidade dum chefe é ver que trabalha com os olhos no seu
sucessor, conhecido ou desconhecido, porque é a prova de que coloca a duração da obra
para além de si próprio.
Um homem não é senão um homem, e deve lembrar-se disso a cada momento. Aquele que
não entra em si mesmo, e não se remete constantemente ao seu lugar em face de Deus,
cairá fatalmente no orgulho; seus esforços ficarão estéreis porque nem. tudo pode abarcar
com a sua inteligência sempre limitada e porque o orgulhoso perdeu a preciosa faculdade de
escutar.
22.5. A virtude principal dum chefe
A virtude principal dum chefe, e talvez a mais rara, é a humildade. Se os nossos chefes não
estão disso profundamente convencidos, se não sabem captar as lições autênticas que lhes
vêm dos homens e das coisas, se persistem nas suas opiniões a ponto de não querer
escutar ninguém, depressa ficarão vazios e ultrapassados. (De La Porte du Theil)
O homem que reconhece lealmente que se enganou, ou mais simplesmente que não sabe
tudo, prestigia-se de modo singular. E por acréscimo, conquista, conquistando-se assim a si
próprio, uma magnífica independência. Só nisso está a verdadeira liberdade: Ser escravo
dum homem é duro, mas ser escravo de si próprio é pior ainda. (De La Porte du Theil)
23.NECESSIDADE DE CHEFES
72
23.1. Uma assembleia é incapaz de comandar
Uma assembleia é incapaz de comandar. Grupo sem chefe é corpo sem cabeça. Grupo sem
chefe é rebanho, rebanho que anda à deriva e à mercê do primeiro pânico.
Uma assembleia, excelente para fiscalizar, é sempre imprópria para agir. Um grupo não é
capaz de comandar nada, nem mesmo um almoço (Maurois, Dialogues sut le
Commandement).
A despeito de todas as teorias igualitárias, muitos homens sentem instintiva necessidade de
apoiar-se em alguém que os supere. Se não têm ninguém que os compreenda e encoraje,
tornam-se hesitantes e incertos. A presença do chefe digno deste nome constitui para cada
um apoio, força e segurança.
23.2. Quando falta o chefe
Sem chefe que ordene e coordene, sem chefe que pense e transmita aos seus subordinados
o seu pensamento, como a cabeça transmite aos membros o seu influxo nervoso, qualquer
grupo humano se esgota em esforços sobre esforços que, neutralizando-se, acabam sempre
em fracasso, tanto mais desanimador quanto maior era a boa vontade de que cada qual
estava impregnado, fracasso de que Babel e a corte do rei Pétaud são imagens populares.
Quando falta o chefe, reina a anarquia, e a anarquia serve apenas para destruir, nunca para
construir.
O chefe, sinal sensível da autoridade, é-o também da unidade. Quando manda, coordena;
impede que um grupo se desagregue, se decomponha e morra.
23.3. Para unir eficazmente os homens
Permita-se que um grupo fique, por algum tempo, sem chefe; dividir-se-ão as melhores
vontades, dispersar-se-ão as energias mais bem temperadas, e aos atritos seguir-se-á a
apatia.
73
Para unir eficazmente os homens em roda duma missão que se tem de cumprir, há que
descobrir um chefe, princípio de unidade e de coesão, capaz de revelar e impor a todos o
bem colectivo, capaz também de os prender a todos e de os encorajar na consecução dele.
Em toda e qualquer sociedade existem tantos elementos de discórdia quantos os membros,
porque cada um traz consigo a tacanhez do seu egoísmo. Os conflitos, as desinteligências, a
incúria universal encarregar-se-ão de, bem depressa, tudo desagregar, se a causa do bem
comum ou da missão que se deseja cumprir em prol do comum não estiver garantida por um
chefe responsável.
23.4. Mil maneiras de proceder
Todo o agregado humano, seja qual for, tem necessidade de um chefe, mas de um chefe
que se faça obedecer. A ele compete a coordenação das actividades, a fim de se obter o
máximo rendimento. Ainda que generosas e desinteressadas, as dedicações que não são
coordenadas levam fatalmente ao fracasso, tanto mais doloroso quanto mais sinceras e bem
intencionadas forem as pessoas de que se trate.
Para fazer obra de monta, há que reunir esforços que, dispersos, ficariam estéreis. Não é
porque o caminho indicado pelo chefe seja o melhor em si que é preciso segui-lo – há, por
vezes, mil maneiras de proceder, também boas – mas é o melhor porque ele o indica e
porque será o único que há-de produzir a união fecunda das vontades e dos corações.
Um grupo medíocre pode tomar alento e ultrapassar-se ao sopro dum chefe de valor. Um
grupo excelente pode estiolar e desfazer-se na esteira de um chefe medíocre cujas atitudes
amolecem as boas vontades e matam o entusiasmo.
23.5. O princípio da autoridade
Não é necessário invocar, para justificação do princípio da autoridade, qualquer contacto
social primitivo ou o consentimento positivo dos súbditos. Trata-se duma visão superficial do
problema. Devendo a acção dos homens ser unificada, coordenada, para que do esforço de
muitos resulte um esforço único, a autoridade é uma das condições da vida humana. Baseia-
se na própria natureza das coisas, consequentemente em Deus, princípio da nossa natureza
e do nosso ser.74
Porque é autor de todas as coisas, Deus é Supremo Senhor: a Sua autoridade é soberana;
quis, porém, associar os homens à sua acção no mundo. Reside aqui a grandeza da missão
do chefe: a sua autoridade participa da autoridade divina.
24.NEUTRALIZAR RESISTÊNCIAS
24.1. Reduzi-las e neutralizá-las
Pelo mesmo facto de que o chefe é obrigado, por causa da sua missão, a exigir de seus
subordinados certos esforços e até certos sacrifícios, por esse mesmo facto não deve
admirar-se de vir a encontrar resistência.
Tais resistências serão individuais ou colectivas, claras ou ocultas, passageiras ou
persistentes. O ideal seria prevê-las; nisso se reconhece o chefe de visão. Seja como for, é
preciso reduzi-las e neutralizá-las; nisso se reconhece o chefe hábil.
24.2. Ninguém gosta de receber ordens
Muitas vezes, o que faz irritar um homem, não é tanto o esforço que se lhe pede como a
maneira como se lhe pede. Ninguém gosta de receber ordens. Um “deseja fazer isto?” é
muitas vezes mais eficaz do que um “faça isto”, porque estimula a dignidade do subordinado
e dá-lhe mais a impressão de cooperar do que de executar.
Há sacrifícios que se não pedem senão quando para tal está criado ambiente favorável,
doutro modo corre-se o risco de encontrar uma oposição, que, brotando do instinto de
conservação, poderá surgir como uma legítima defesa.
Em todo o ser humano, existe complexidade de sentimentos que nem sempre afloram todos
à consciência esclarecida. Dirigindo-vos ao que de melhor há num homem, chamai à luz,
sem que o interpelado dê por isso, os sentimentos que vão tornar-se vossos aliados.
Deixando transparecer que receais uma resistência, provocai-la e dais-lhe corpo.
75
24.3. Tentai compreender
Não obstante o vosso tacto e a vossa bondade, encontrareis todavia descontentes,
susceptíveis que terão desvirtuado as vossas intenções e interpretado mal as vossas
palavras. A estupidez humana é insondável e variada nas suas manifestações.
Não estranheis; antes de tudo, conservai a calma, não leveis nada ao trágico. Tentai
compreender a causa dessa oposição surda. Muitas vezes será uma palavra mal
compreendida, um gesto mal interpretado, uma decisão tida como arbitrária. A imaginação
aumenta os factos, generaliza-os, e dentro em breve o subordinado toma a seus próprios
olhos figura de vítima e de perseguido.
24.4. Uma conversa sincera
Não receeis rebentar o abcesso numa conversa sincera, com os recalcitrantes apontados,
para pôr as coisas no seu lugar. Tirados os ventos, e restabelecida a confiança, restabelecer-
se-á a paz.
Não aceiteis nunca discutir com um dos vossos subordinados diante de outros. A sós, no
vosso gabinete, podereis fazer apelo aos argumentos ad hominem que não são
convenientes, nem para vós nem para o interlocutor, perante a galeria. Tanto mais que um
homem recusará sempre confessar os seus erros perante os camaradas, e, se vós tiverdes
claramente razão, não vos perdoará de o terdes publicamente humilhado.
Quanto mais excitado está o vosso interlocutor, tanto mais necessário se torna permanecer
amável e calmo. Quando tiverdes de discutir com alguém que sentis enervado, esforçai-vos
por fazer-lhe perguntas que façam aflorar aos lábios um sim. Pelo próprio facto de o terdes
obtido, a tensão terá abrandado.
Àquele que descobre obstáculos e dificuldades por toda a parte, e tem o malicioso prazer de
os aumentar, recordai os êxitos por ele já obtidos. Chamareis imediatamente à vossa causa
o seu amor-próprio.
76
24.5. Não discutais
A maior parte daqueles que se acanham são simplesmente vítimas dum complexo de
inferioridade contraído por vezes na infância, quando receavam, por exemplo, ser
aniquilados na vida pelos mais fortes do que eles. Esta apreensão transformou-se em alguns
em timidez paralisante. Noutros, provocou como reacção a atitude interior de desconfiança e
de reserva, e até de protesto a priori contra todo o poder de autoridade; entregavam-se
assim à ilusão – espécie de compensação – de recuperar a sua independência e de
salvaguardar a sua dignidade. Pouco a pouco esta maneira de reagir tornou-se um hábito,
um verdadeiro reflexo de que não têm sequer consciência.
O que importa, com tais temperamentos, é continuar bondoso, indulgente, animador, sem
nada cortar às exigências legítimas. Quando lhe derdes uma ordem, não façais caso do seu
mau humor ou das suas recriminações, não discutais sequer. Mas não exijais uma execução
imediata, deixai que a ideia faça o seu caminho, voltai mais tarde a completar a vossa ordem
sem mesmo aludir à sua resistência nem dar a sensação de ter ficado impressionado. O
espírito tornar-se-á a habituar à ideia de obedecer, a resistência cairá por si mesma.
24.6. Tacto e firmeza
Entre os que se opõem à acção do chefe, encontram-se aqueles que poderiam apelidar-se
de revoltados por terem temperamento de chefe. Possuindo, pela menos, algumas das
qualidades características dos chefes, sofrem por se verem em situação subalterna à qual
nunca se adaptaram capazmente.
Com homens assim é preciso agir às vezes com tacto e firmeza. Com tacto, porque se
pressentem que vós os apreciais por seu valor e estais decididos a confiar-lhe, desde que
seja possível, um lugar de chefia em conformidade com as suas aptidões reais, terão a
impressão de ser reabilitados a seus próprios olhos, e a sua revolta transformar-se-ia em
paz.
77
Com firmeza, porque convém fazer-lhes sentir, sem equívoco e sem subterfúgio possível,
que, no interesse da missão que conjuntamente deveis realizar, cada um em seu lugar, vós
não tolerais nunca uma autoridade mais ou menos oculta que arruinasse a vossa.
24.7. Sublinhai os denominadores comuns
Não açuleis nunca contra vós uma colectividade. Sublinhai os denominadores comuns que
ligam os subordinados ao chefe, e de modo especial a missão comum, que é o fundamento
da vossa unidade.
Assim como o prestígio se adquire pelo valor técnico e moral, assim os corações se
conquistam pela equidade, pela bondade, pela dedicação desinteressada, e mais facilmente
se será bem sucedido no vencer as resistências.
25.O QUE É UM CHEFE
25.1. O chefe reconhece-se por este sinal
O verdadeiro chefe reconhece-se por este sinal: basta a sua presença para levar os homens
que dirige a entregarem-se por si próprios ao serviço da causa comum. Substitua-se
“presença” por “lembrança”, e teremos os grandes chefes.
O chefe deve estar presente, moralmente, em toda a parte. Esta presença moral tem uma
virtude que nada poderia substituir. Mesmo quando não está presente fisicamente, sabe-se
que pode vir, e o simples pensamento da sua chegada, mais ainda do que a lembrança que
se tem dele, ou a esperança dum dos seus olhares, basta para ajudar os homens não só a
permanecerem fiéis, mas até a superarem-se.
25.2. Mandatário do bem comum
O homem é um ser social, e a liberdade individual deve ser canalizada e disciplinada para o
bem geral. Mas seria imprudente deixar à razão de cada membro da sociedade o cuidado de
determinar o que o bem geral reclama dele, e ainda menos deixar apenas à sua boa vontade
o cuidado de conformar com esse bem geral a sua conduta.
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O chefe não é mais do que o mandatário do bem comum – daquele bem comum que deve
interpretar, defender e realizar, ao serviço do interesse superior da comunidade e, portanto,
finalmente, da pessoa de cada um.
25.3. A função essencial do chefe
Conhecer o homem em geral, os seus homens em particular, e a fundo os seus
subordinados directos; conhecer de modo exacto os seus compromissos e respeitá-los;
lembrar-se de que, na acção, actua sobre vontades e não sobre engrenagens; abrir, por
consequência, horizontes largos à sua iniciativa; obter deste modo a docilidade, o zelo, o
ardor em vez da passividade indiferente e mecânica; preferir à violência a disciplina
voluntária; manter a subordinação dos interesses particulares ao interesse geral; levar sem
desânimo as tendências centrífugas a uma coordenação fecunda – tal é a função essencial
do chefe, para a qual se torna necessário e insubstituível.
25.4. É sobretudo fazer homens
Compreende-se bem o sentido e a grandeza do nome “Chefe”. Chefe é aquele que sabe
fazer-se obedecer e ao mesmo tempo fazer-se amar. Não é aquele que impõe; mas aquele
que se impõe. Para comandar homens, há que saber dar-se.
Ser chefe não é somente fazer uma obra: é sobretudo fazer homens, conquistá-los, uni-los;
amá-los e ser amado por eles. Saint-Exupéry, em “Terre des Hommes”, diz: “A grandeza
duma função está talvez, antes de tudo, em unir os homens”. A asserção é particularmente
verdadeira, quando aplicada à função do chefe.
O chefe é mais que presidente. Este é por definição não um homem de pé, mas um senhor
sentado que arbitra as opiniões daqueles a quem preside e consegue uma maioria
preponderante. Pode ser hábil, influente; todavia, não comanda, não se trata dum chefe.
25.5. Naturezas superiores
Quando surge a hora das decisões que se hão-de tomar, das responsabilidades que se vão
assumir, dos sacrifícios que se têm de suportar, onde descobrir os obreiros destas
temerárias empresas, senão em naturezas superiores, impregnadas da vontade de vencer,
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que vêem com nitidez os únicos meios que conduzem à vitória, e que têm coragem para
arriscar tudo?! (Foch)
25.6. Partilhar um ideal
Não se é chefe senão na medida em que se é capaz de fazer partilhar a qualquer grupo o
ideal que se vive, levando-o a realizá-lo através de todos os obstáculos.
Decidir não custa nada; o que importa é que as decisões se volvam em acção; daí o concluir-
se que para se ser chefe não basta mandar, mas há que saber escolher os homens de
acção, educá-los, animá-los, ampará-los, “controlá-los”.
25.7. Chefe etimologicamente
Chefe, etimologicamente, é aquele que está à cabeça ou, melhor ainda, aquele que é a
cabeça. A cabeça é que vê, pensa, promove a acção no interesse comum de todo o corpo.
Chefe é aquele que sabe, quer, e realiza, e também aquele que faz saber, querer e realizar.
Chefe é aquele que, sabendo o que quer, sabe também proporcionar o esforço ao efeito que
pretende obter.
26.O SEGREDO DO CHEFE
26.1. Organizar o mundo sem Deus
Delira-se, quando, para equacionar os problemas da humanidade, se foge dos grandes
princípios que são o próprio fundamento da nossa civilização e a própria essência do
cristianismo. (Foch)
Desde que os homens pretendem organizar o mundo sem Deus, desde que renunciam
àquela parte da vida contemplativa ou, como dizia, à “conversão ao céu” para a qual são
destinados, depressa esquecem que são filhos do mesmo Pai e que possuem grandeza
demais para que qualquer conquista terrestre possa satisfazer a sua insaciável sede de
felicidade. Assim, ambicionam sempre mais riquezas, mais poder, mais conquista, mais
domínio; toda a divisão lhes parece um atentado à sua necessidade de grandeza ou de
expansão, tornando-se inimigo todo o indivíduo que ponha obstáculo ao seu avanço.80
Se a busca dos bens terrenos é tudo para o homem, não pode mais ter fim a procura deles.
Se, pelo contrário, o essencial para o homem é cultivar a vida da alma e preparar-se para a
vida eterna, torna-se possível introduzir certa moderação na sua actividade económica.
«Só o homo religiosus (homem religioso) pode impedir o homo faber (homem que trabalha)
de se transformar num estúpido sorvedouro insaciável pela vertigem da grandeza material,
verdadeiro lobo para o homem».
(Forestier)
26.2. A alma dum grupo
Ser chefe: a alma dum grupo, o campanário duma aldeia, o exemplo, o guia, o primeiro, não
tanto para as honras como para os encargos, pelos galões como pelos cuidados; aquele que
deve ser o mais valente, o mais resignado, o mais prudente, aquele para quem se voltam os
olhares, quando caem os torpedos; aquele que nãovtem o direito de permanecer no seu
abrigo, que não tem autorização para ter medo, que é responsável perante a sua
consciência, perante Deus, não só de si próprio, mas dos outros; aquele que deve esquecer-
se e sacrificar-se, aquele a quem a Pátria confiou certo número de seus filhos, dos quais
pode ser o bom Pastor ou o assassino. Ser chefe, que de qualidades não profissionais, mas
morais, exige esta função sagrada entre todas ? Que de dons é preciso possuir, na guerra,
como na paz, para pertencer àqueles que se seguem ou que se imitam? A tudo respondereis
simplesmente, enunciando as virtudes teologais: Fé, Esperança e Caridade. (Aspirante Jean
Bouvier, morto no campo da honra)
Ser chefe, função esmagadora, se se leva isoladamente, mas na verdade magnífica quando
se apoia no próprio Deus.
26.3. A resposta às questões angustiosas
O chefe deve fazer-se amar. Ë a resposta às questões angustiosas que se põem a cada
instante, quando se tem de encarar o cargo tão pesado de dirigir. A confiança e o afecto
resolvem na verdade, todas as dificuldades. Deve fazer com que os seus subordinados
apreendam a concepção, o plano da empresa, e com que todos os executantes assimilem a
sua vontade. Mas se se reflecte, consiste em comunicar-lhes a sua própria alma, comungar 81
com eles numa concórdia perfeita, cumprir em comum um dever colectivo, coordenar os seus
esforços para realizar o bem geral na justiça; acrescenta-se que é unir os homens entre si
por Deus, supremo dever e bem absoluto, e emprega-se o nome teológico: é propriamente a
caridade.
«A vida social implica relações de autoridade e de sujeição e, como Deus criou o homem
sociável, quis as relações de inferior com superior. Submeter-se à autoridade, é respeitar a
ordem divina; mandar e fazer-se obedecer, quando se está investido da autoridade, é
igualmente cumprir a ordem divina. É necessário que aquele que manda possa servir-se da
força de se impor aos outros na convicção de que cooperará na realização da vontade de
Deus, e é necessário que aquele que se submete possa resistir a toda a tentação de rebelião
sugerida pela ideia de que todos os homens são iguais dizendo a si próprio: “Deus o quer”.»
(Kieffer)
26.4. Desinteressado de si próprio
A primeira qualidade exigida num chefe é, antes de tudo, que seja uma personalidade, isto é,
segundo a etimologia da própria palavra, um órgão através do qual passa o som:
personalidade. O chefe deve ser capaz de sentir o destino, não só da empresa para a qual
trabalha, mas de cada uma das pessoas que lhe estão confiadas. Necessita-se portanto de
alguém que seja bastante desinteressado de si próprio para poder compreender o plano do
Criador.(A. Carrard)
Sempre que me deixe diminuir como cristão, enfraqueci como chefe. (Rigaux)
26.5. É da obra de Deus que está encarregado
Finalmente, é da obra de Deus que está encarregado de tratar. Quer se trate de comandar
um exército ou de fundar uma obra, quer de animar uma oficina ou de lançar navios, tentará
entrar em comunicação com o Céu para conhecer qual a vontade soberana de Deus a seu
respeito, assim como dos seus. Tal conhecimento será o melhor fundamento do seu
desinteresse e da sua tenacidade. Terá menos escrúpulos de pedir aos seus subordinados
que abdiquem das suas preferências para se chegar a uma vontade unânime, e, levada a
este ponto, a própria obediência será mais espontânea.
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Deus é o Senhor supremo, autor de todas as coisas. Sua autoridade é soberana. Mas, num
arroubo inefável de amor, associa os homens à sua acção no mundo. Longe de fazer deles
escravos ou mesmo servos, oferece-Ihes a oportunidade de se tomarem seus colaboradores
e seus amigos.
26.6. Sentir que a missão lhe é superior
O chefe que compreendeu a sua missão, sentirá, num ou noutro momento, que essa missão
lhe é superior. Existe tal distância entre o ideal proposto e a sua realização na vida, há tal
diferença entre o que se é e o que se devia ser! Os homens são por vezes tão
desconcertantes e os acontecimentos tão desorientadores!
Além disso, à medida que um chefe progride, parece que, por um jogo misterioso e fatal, as
suas responsabilidades aumentam. É então que o chefe sente a necessidade duma luz e
duma força superior.
Onde encontrá-las senão junto d’Aquele cuja autoridade é o fundamento de toda a
autoridade, cujo conhecimento é a origem de toda a verdadeira luz, cujo amor é a fonte de
toda a energia benfazeja?
O segredo do chefe não é senão o próprio Deus, que não repele nunca aquele que a Ele
recorre com confiança e humildemente nEle se apoia, Deus que prometeu completar os
trabalhos daquele que trabalham em seu Nome como bom e fiel servidor: complevit labores
illius.
27.QUE FAZ UM CHEFE
27.1. Doação permanente
O exercício do mando é muito diferente de ostentar um emblema, de julgar-se com direito à
saudação, como acontece com certas categorias de funcionários, e de, como supremo
argumento, ter o direito de punir. Supõe extrema actividade, doação permanente,
preocupação de realizar, gosto das responsabilidades, sincero e profundo amor dos homens,
perfeita dignidade de vida.(De La Porte du Theil)
83
27.2. As suas qualidades de homem
No chefe, o que importa é o homem. As suas qualidades de homem manifestam-se nos
actos comuns da vida. É da soma de todas as pequenas coisas que nasce a autoridade do
chefe. Um homem satisfeito consigo próprio e com o que o rodeia, um homem sem a
preocupação de mudar, sem o desejo de ver o mundo diferente do que é, carece de qualquer
coisa essencial para se tornar um chefe: quando muito poderia ser um executor de assuntos
correntes. Ser chefe, é antes de tudo, apreender as necessidades dum grupo humano
relativamente à missão que tem a realizar; é coordenar os esforços de todos no mesmo
sentido; é comunicar a todos a esperança de vencer, e fazer com que todos partilhem da
alegria de ter vencido.
27.3. Actuar sobre os homens
Aquilo que faz um chefe é a vontade de actuar sobre os homens para os ajudar a valorizar-
se e arrastá-los para realizações de que possam sair mais senhores de si.
Chefe é aquele que ama os seus homens sinceramente: descobrindo em cada um o que tem
de melhor, e desejando a todo o custo levá-los a pôr ao serviço do conjunto as qualidades
reveladas. Tal não acontecerá sem luta, porque a lei da preguiça é uma lei da natureza.
27.4. Até ao fim do mundo
O exercício do poder é a prova em que aqueles que não possuem as qualidades próprias
dos chefes são encontrados em falso, e dão aos subordinados a terrível tentação de os tratar
como usurpadores.
O verdadeiro chefe reconhece-se por este sinal: junto dele sente-se como que uma
impressão física de força e de segurança, e que alguma coisa nos impele a segui-lo por toda
a parte que ele deseja. “Far-nos-ia ir com ele até ao cabo do mundo”, diziam os veteranos de
Napoleão.
27.5. Junto dos seus homens
Junto dos seus homens, amando-os não só por si mesmos, seres de carne e de sangue,
criados à semelhança dum Deus em que Patrick Arbois acreditava de toda a sua alma, mas
também porque dispunham, cada um por sua parte, duma parcela da força da pátria, O 84
jovem oficial tinha de ano para ano adquirido esta experiência humana feita de benevolência
e de força, de compreensão e de prudência, de rigidez e de tacto fora da qual não existe
verdadeiro chefe. (Pierre Varillon)
27.6. Assumir a responsabilidade
O chefe não é um domador que subjuga; nem um orgulhoso que humilha, nem um
“videirinho” que foge. É um servidor cuja forma de serviço é assumir a sua parte de
responsabilidade e ajudar os outros a assumir a sua.
O chefe deve ser mais atento que os outros, para ser o primeiro a ver o perigo ou a ocasião
favorável; mais perspicaz, para ler melhor os dados da acção; mais seguro no critério, para
os colocar no lugar próprio; mais pronto na decisão, para que a acção se desenrole ao ponto
desejado; mais generoso, na aceitação dos riscos necessários, para levar cada um a assumir
os seus; mais corajoso, para dominar as hesitações que o cercam; mais perseverante, para
vencer o desgaste do tempo ou dos obstáculos; enfim, mais resistente à solidão ao mesmo
tempo que mais rico em irradiação humana.
27.7. Admiração e confiança
A fé num chefe é uma consequência directa da admiração e da confiança que ele inspira.
Mas esta admiração e esta confiança devem, para durar, ser merecidas pelas qualidades
intelectuais e morais que são apanágio dos verdadeiros chefes.
O verdadeiro chefe é aquele que se admira, se ama e se segue. Admira-se: tem-se confiança
nele, reconhece-se a sua competência, as suas qualidades, o seu valor, sabe-se que com
ele ninguém se extraviará e que sempre se sairá bem. Ama-se: confia-se no seu
desinteresse, no seu espírito de serviço, c tem-se a certeza de que, para ele, cada um dos
seus homens vale alguma coisa ou, melhor, é alguém e por essa razão pode contar com
eles. Segue-se: a sua palavra, a sua presença, o seu olhar, a sua lembrança até, constituem
outros tantos estimulantes. Com ele ou até por ele, não se teme o sacrifício ao serviço da
causa que representa.
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27.8. O direito de mandar
O que dá ao chefe o direito de mandar, não é directamente a sua capacidade, é o mandato
autenticamente recebido. Mas não cumprirá eficazmente a sua missão de chefe a bem da
colectividade, sem que desenvolva em si as qualidades que o tornam digno de tal título.
Muitos chefes, revestidos dum mandato (que o uniforme ou os galões sublinham), não têm
autoridade. A eficácia dos gestos do verdadeiro chefe não depende nada da sua farda.
Emana da sua pessoa, do seu todo, da sua alma. Não é o desgaste da farda que tira o
prestígio, mas o desgaste da alma.
28.RESPEITO PELOS HOMENS
28.1. Tratá-los segundo a sua dignidade de pessoas
Um chefe não deve nunca esquecer que seus subordinados são homens e que, além do
serviço, têm interesses, cuidados, sentimentos humanos. E é por toda a humanidade deles
que um chefe compreensivo deve interessar-se com tacto e discrição.
O mais essencial dever do chefe perante os seus subordinados é, no exercício do próprio
mandato, reconhecer-lhes o seu valor de homens e tratá-los segundo a sua dignidade de
pessoas inteligentes e livres.
28.2. Porque é pessoa
O homem, porque é pessoa, não se pertence senão a si próprio e a Deus; não se entregaria
a outro homem que pudesse considerá-lo como coisa sua. Seria regressar a uma concepção
pagã da autoridade, em virtude da qual o antigo senhor possuía seus escravos pelo mesmo
título que suas tropas ou terras.
Primeiramente o serviço, não há dúvida. Mas não é tudo; que aproveitaria ao bem da
humanidade uma bela missão, se resultasse em tornar menos homens aqueles que nela
devem trabalhar?
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28.3. A disciplina é um meio e não um fim
A disciplina é um meio e não um fim. Deve ser flexível para ser formativa, permitindo que os
homens tomem as suas responsabilidades. Trata-se como homem na medida em que se
compreende o porquê dos seus actos.
Da formação cristã, conservou a ideia bela e profunda de que todo o homem é importante,
não só como pessoa, como cidadão, mas como indivíduo fraterno. (Maurois, falando de
Lyautey)
O homem recusa a servidão mas não lhe repugna o serviço: pelo contrário, encontra aí a
satisfação dum instinto natural de fidelidade e de segurança. Mas quer ter a certeza da
estima e da confiança daquele que o dirige, e ser por ele tratado como homem.
28.4. Em cada homem uma individualidade
Não se fala aqui daquela igualdade insultante, daquelas palmadinhas na barriga, daquela
camaradagem barata que não inspira senão desgosto àquele que se pretende lisonjear. Mas
trata-se daquelas nobres relações de homem para homem, dum para outro, um suserano
outro vassalo, ligados pelo dever necessário do comando e da obediência. Assim, no mundo
do feudalismo, hierarquizado em extremo e pleno de célebres e trágicas obediências, corria o
fluxo oculto e vivificante da fraternidade cristã das almas iguais perante Deus, não obstante
as desigualdades salutares, universalmente aceites. (Capitão Morel)
Brusco ou calmo, aquele que reconhece em cada homem uma individualidade que constitui
sua riqueza e seu orgulho, não pode deixar de pôr secretamente nos modos como que a
solenidade dum apelo, apelo de homem para homem, espécie de sentimento de profunda e
fundamental igualdade, apesar das diferenças e da hierarquia necessárias.
Uma palavra imprudente, uma falta de respeito, uma expressão dura ou desdenhosa podem
semear hoje um rancor que amanhã se transfornará em cólera.
Quanto mais elevado em dignidade está o chefe, tanto mais deve evitar ofender a
susceptibilidade dos subordinados, porque a flecha penetra tanto mais profundo quanto de
mais alto cai, e se toca o coração pode ser mortal.
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28.5. Fazer respeitar as ordens
A injúria nos lábios do chefe desonra-o e abre na alma do súbdito uma ferida incurável.
“Advirto-te de que nunca empregues com teus soldados expressões duras, epítetos
vergonhosos, e nunca profiras em presença deles palavras ignóbeis e baixas. Acredita, meu
filho, que está é a única maneira boa de fazer respeitar as ordens, torná-las agradáveis,
acelerando-lhes a execução, e inspirar aos soldados aquela confiança em seus oficiais que é
a mãe duma sólida disciplina e de triunfos”. (Marechal de Belle-Isle, numa carta ao seu filho)
“A principal coisa, para mim, é conquistar a amizade do soldado, pois que se o coronel não é
amado, ninguém gostará muito de se deixar matar às ordens de alguém que se detesta. Em
Wagram, onde a coisa esteve feia, e onde o nosso regimento fez muito, julgais que, se vós
não tendes sido como fostes, os artilheiros da guarda haveriam manobrado tão bem? Eu,
meu general, nunca encontrei nenhum coronel que soubesse falar como vós a um soldado;
sereis severos, concordo, mas justo; enfim, faláveis a um soldado como se ele fosse da
vossa igualha. Há oficiais que falam aos soldados como se fossem iguais a eles, mas isso
não adianta nada, segundo creio…”
(extracto duma carta escrita em 1813, por um artilheiro, ao general Drouot às ordens de
quem serviu em 1808).
28.6. Verdadeira colaboração
O chefe deve esforçar-se por criar entre si e seus subordinados atmosfera e reacções de
verdadeira colaboração. O melhor meio para isso não será interessá-los no trabalho que têm
de realizar, fazendo-os partilhar na medida em que são capazes do ideal que o anima?
Todos estamos naturalmente persuadidos de que respeitamos a personalidade de nossos
colaboradores. Todo o homem com coração procura fazê-lo; mas observar até ao fim este
respeito não é tão fácil como se julga. Porque respeitar a personalidade humana de cada um
de seus subordinados é falar-lhes com a mesma estima como se se tratasse de seus chefes
(A. Carrard).
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Um soldado não se inclina ao saudar o seu superior. Pelo contrário, é seu dever empertigar-
se claramente, e o seu gesto decidido simboliza a altivez com que deve servir.
Seria desonrar tal gesto, cheio de confiança e de nobreza, pretender que significasse
servilismo ou fraqueza.
28.7. Mandar e obedecer com boa disposição
Sempre estive convencido de que o superior deve respeitar a personalidade dos seus
súbditos; estes nunca realizam, evidentemente, o seu ideal absoluto. No entanto, devemos
servir-nos de nossos subordinados tais quais são, utilizando as suas qualidades e até os
seus defeitos, que muitas vezes não são senão exageros de qualidades. (De Maud’huy)
Esforcemo-nos por mandar e obedecer com boa disposição; o homem mal humorado e o
homem encolerizado são doentes, portanto seres de qualidade momentânea inferior.
Sejamos sempre delicados com nossos inferiores; quando se é delicado, elevam-se aqueles
a quem nos dirigimos; quando se é grosseiro, rebaixamo-nos a nós próprios. Frente ao
superior, a indelicadeza é uma falta contra a disciplina, perante o inferior, é, além do mais,
uma cobardia.
Só a delicadeza torna suportável a dureza duma censura.
28.8. Falemos sempre com calma
Falemos sempre com calma – o que não impede de se falar com firmeza; dar ordens, fazer
observações em tom muito elevado, perturba os subordinados, impele-os a eles próprios a
gritar, atrapalha o serviço. (De Maud’huy)
Por longo tempo os operários, esmagados pelo materialismo, foram vítimas dos progressos
duma técnica sem alma e dum liberalismo pagão que os reduziu à categoria de material
humano, por vezes menos considerado que a máquina por eles conduzida. Resultou daí, na
alma operária, um complexo de inferioridade que levou aqui e além a reacções violentas. É a
partir do momento em que um chefe respeita a altivez dos seus homens e os trata
verdadeiramente como homens que começa a ter solução a questão social.
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29.SENTIDO DA REALIDADE
29.1. Não enveredar por falso caminho
Ter uma grande ideia, alimentar um belo ideal, é bom; mas tudo isto não é nada, se o ideal
se limita a sonho, e a ideia a visão do espírito. E é por isso que o chefe, para não enveredar
por falso caminho, para evitar toda e qualquer desligação entre a inteligência e a vida, deve
cultivar em si o sentido da realidade.
A função de chefe não convém ao sonhador que, vivendo na estratosfera, esquece que tem
a cabeça sobre os ombros e os pés sobre a terra.
É mister que não convém ao pessimista mórbido que, não querendo ver senão o lado mau
das coisas, das pessoas e dos acontecimentos, se tornou incapaz de descobrir quaisquer
possibilidades ocultas que se lhe possam deparar.
É ofício que não convém ao optimista ingénuo, cuja natural candura o coloca à mercê dos
mal intencionados e dos charlatães.
E função que não convém ao falador que julga ter actuado porque falou, e não se dá conta
de que, quem paga em palavras, alimenta-se de ilusões.
29.2. A inadaptação à realidade e aos homens
A inadaptação à realidade e aos homens constitui a primeira inaptidão para o comando.
Em França, sob a influência das filosofias subjectivas, por causa do ensino exageradamente
livresco, a inteligência deixou de ser, para muitos, a faculdade de observar a realidade; e
passou a ser a faculdade de especular e dissertar brilhantemente. Dum homem com
habilidades para falar diz-se: “que é inteligente”.
Arquitecta sistemas na sua cabeça, congemina hipóteses; julgar-se-ia em falso, se descesse
à realidade das coisas. Residiu aqui a grande fraqueza, em todos os departamentos da
actividade nacional, dos nossos Estados-maiores. Muitos espíritos brilhantes habituaram-se
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de tal maneira aos malabarismos dos sistemas financeiros, económicos, militares, que
perderam o contacto com as realidades simples da vida humana e previamente com o bom
senso. (Forestier)
Ter o sentido da realidade, é primeiramente conhecê-la objectivamente e conhecer o que a
realidade pode, no presente e no futuro, conter de possibilidades.
Ver com clareza, com verdade, com justiça – tal deve-ser a visão do chefe.
29.3. Ter o sentido da realidade
A pior deformação do espírito consiste em ver as coisas como se deseja que sejam, em vez
de as ver como elas são. (Bossuet)
Não vos contenteis com o que vos dizem, aconselhava Foch; ide vós próprios verificar. Não
inquiro do vosso pensamento. Dizei-me o que se passa. Os factos existem. É necessário vê-
los. Eles permanecem. Não será com o sentimento que os fareis desaparecer.
Ter o sentido da realidade é conhecer-se a si próprio, conhecer as suas possibilidade tão
bem como os seus limites. Isto faz parte dos dados do problema e deve possuir-se coragem
para enfrentar o que existe antes de a possuir para promover o que se deseja que exista.
Ter o sentido da realidade, é, longe de se lamentar esterilmente das imperfeições ose seus
subordinados, pôr toda a sua aplicação a utilizá-los segundo as suas capacidades.
29.4. Desconfiar das fórmulas feitas
Possuir o sentido da realidade é desconfiar das fórmulas feitas. Não existem formulários de
reserva nos quais os casos que surgem encontrem solução previamente adaptada. É preciso
estudar, resolver cada caso isoladamente. As soluções pré-fabricadas são negócio de
funcionário público, isto é, daqueles que não se aventuram ou porque não sabem ou não
conhecem senão o famoso “precedente” administrativo, pai daquela “odiosa rotina que
paralisa tantas energias, originando tantas esterilidades”.
O chefe deve ter sempre o espírito vigilante. Convém que nunca considere como definitiva a
sua organização. Em certo aspecto, é mais fácil fundar uma instituição do que mantê-la em 91
bom andamento, porque a vida é coisa tão movediça que se torna necessário um esforço
constante de adaptação às condições novas das circunstâncias e das pessoas. O chefe que
descansar na rotina depressa perderá o contacto com a realidade e se tornará um
inadaptado.
O chefe envelhece, não só a partir do momento em que recusa debruçar-se sobre os
problemas, mas também a partir do momento em que não se sente com força para renovar
os seus conceitos e os seus quadros.
29.5. Voltar continuamente às suas origens
A lufa-lufa da acção leva muitas vezes a esquecer a necessidade, que toda a obra tem, de
voltar continuamente às suas origens, ao seu espírito, à sua mística, de pensar no seu futuro.
A arrancada fez-se com grande entusiasmo; depois, por falta de tempo, pela absorção do
movimento diário, caiu-se no automatismo. Um Chefe de Estado ou um industrial hábil
manteriam a seu lado um grupo de homens de reflexão, apenas com o encargo de
continuamente velar pela pureza primitiva da obra em causa, e mantê-la em moldes de
inteligência e de espiritualidade. Hoje conviria multiplicar os gabinetes de estudo e de
conservação da finalidade em todos os organismos colectivos, considerando a sua função
não como amável sinecura, mas como uma das funções mais necessárias de todas.
(Bussy-Bobin)
O chefe nunca deve fazer tábua rasa do passado. Quando toma nas mãos as alavancas do
comando, não interessa tudo vasculhar e sobretudo convém não dar a impressão de que se
pretende fazer alterações pelo simples prazer de alterar qualquer coisa. Mas, por outro lado,
ninguém lhe pode levar a mal que deseje os progressos que, segundo a experiência ou o
estudo, se impõem, sem nunca se deixar deter pela objecção “isto sempre se fez assim”. O
passado interessa para explicar o presente, mas não conseguiria amarrar aqueles que
querem preparar o futuro.
29.6. É necessário estudar o seu ofício
É necessário estudar o seu ofício”, repetia Foch constantemente. E ele estuda a fundo todas
as tarefas. Primeiro, encarrega os seus colaboradores de as examinar. “Observai também
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todos os tornos e contornos”. Aquele que o informa não deve trazer-lhe impressões: “Não
pergunto a vossa opinião, mas coisas precisas, realidades”. Mesmo quando pergunta se está
frio, não basta responder-lhe: o ar está fresco, mas quantos graus marca o termómetro.
Informações seguras, exactas, verificadas, somente os “factos constituem para ele uma base
sólida”. Não vos baseeis em frases, mas em factos. Só com eles podereis construir. Não vos
fieis em palavras, a não ser que desejeis receber decepções. Nada de palavras bonitas, nem
de sentimentalismo. “Eu penso que”, diz-se – “Eu julgo que o inimigo fará isto… ou aquilo”,
faz-se por snobismo – “Eu penso”… não satisfaz. É preciso ter a certeza! É necessário
estudar, verificar as possibilidades, enumerá-las, julgar, decidir, e então a tarefa vai!
(Tenente-Coronel Bugnet)
29.7. Regras imutáveis?
Muitas regras consideradas como intangíveis pelos práticos de espírito acanhado deixam de
ser aplicáveis por pouco que mudem os dados do problema. Pretender aplicar, a estes dados
incertos, regras imutáveis, é evidentemente cair no absurdo; também aqueles que
aprofundaram questões destas – quer sejam filósofos ou homens de acção – clamaram em
uníssono contra o absurdo das fórmulas feitas:
Nada mais perigoso para o Estado, do que aqueles que desejam governar os reinos com as máximas tiradas de seus livros.(Richelieu)
Poucas máximas são verdadeiras em todos os aspectos. (Vauvenargues)
Na guerra nada pode ser absoluto. (Napoleão)
Nada de moldes, há que saber raciocinar. (Foch)
29.8. Técnico das ideias gerais
Possuir o sentido da realidade, é ter o sentido de toda a realidade. Certos espíritos sentem
por vezes a tentação de hipnotizar com o pormenor, e de não ver senão esse pormenor. O
verdadeiro chefe não perde nunca a visão do conjunto; mantém sempre presente ao seu
espírito “o esquema daquilo que está a seu cargo” – o que lhe permite conservar o sentido
das proporções e não dar a cada coisa senão a sua importância relativa.
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«O chefe, dizia Lyautey, deve ser o técnico das ideias gerais». Mas ter ideias gerais consiste
em ver as relações por vezes remotas que ligam dois problemas, em dar à questão presente
o seu verdadeiro valor, sem a diminuir, porque deve ter repercussões, sem a aumentar,
porque não é a única a interessar-nos – nem deve medrar à custa de outros assuntos ou de
outros interesses, também legítimos.
29.9. Perante as coisas tais quais são
O grande chefe coloca-nos perante as coisas tais quais são; com. uma diferença apenas,
mostra-nos também que dali podemos partir para outras coisas; não a seu bel-prazer, mas
segundo o bem público; não como visionário, impressionado pela imagem que projecta
diante de si, mas como homem clarividente que traça a rota pelo melhor terreno. Submissão,
para ele sobretudo, que prefere a realidade à sua ideia, como prefere a missão a si próprio.
(Henti Pourrat)
29.10. Esta noção do possível
Uns não vêem senão dificuldades, outros pretendem ignorá-las. O preferível é descobrir as
possibilidades pensando nas dificuldades e encontrar nas primeiras força para vencer as
segundas.
Quando se é verdadeiramente homem, tomam-se no presente as coisas como são, e
trabalha-se para que sejam, no futuro, um pouco mais como devem ser. (Ollé-Laprune)
Se existe um pessimismo derrotista que consiste em cruzar os braços perante a fatalidade,
há também um optimismo pernicioso que alimenta a ilusão sob pretexto de conservar a
confiança. (Levis Mirepoix)
Há planos muito bem feitos; planos não faltam, nem ideias, mas para cada circunstância só
existe um bom, e mais nenhum. É talvez o menos brilhante de todos, o menos grandioso, o
que menos glória dará, mas é com certeza o único que a realidade torna possível e é esse
que é forçoso escolher. O chefe que tem a responsabilidade e toma a decisão deve possuir
esta noção do possível. Se lhe falta, pode ser um eminente esteta militar, mas não um
verdadeiro chefe.
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30.SENTIDO DE AUTORIDADE
30.1. O SINAL sensível da autoridade
O chefe é o sinal sensível da autoridade.
O chefe deve ter da sua missão uma consciência elevada. Seja qual for a sua categoria,
representa a autoridade; tem o dever de a fazer respeitar em si próprio.
Fazendo respeitar a autoridade, o chefe serve a comunidade humana à frente da qual está
colocado.
30.2. Chefe que não inspire respeito
Importância da autoridade do chefe para eficiência da tropa: “Um batalhão bem manejável,
ainda que menos instruído, vale mais do que um batalhão mais instruído, mas menos
manejável”, dizia Lyautey.
A autoridade é um tesouro que lhe está confiado; não tem o direito de o delapidar. A
autoridade é uma força; não deve desperdiçá-la. A autoridade é uma parcela da majestade
divina; não tem o direito de deixar menosprezá-la.
Um Chefe “bonzinho”, “bom rapaz”, não tardará que se deixe desconsiderar. Mas, para além
da pessoa, está o princípio de autoridade que será ofendido, em prejuízo de todo o grupo.
Chefe que não inspire respeito não é digno do lugar que ocupa. Para se fazer respeitar tem
que ser respeitável, e isto não só no exercício da sua função, mas também em toda a sua
vida.
30.3. Gostam de encontrar alguém que seja forte
Grandeza e servidão do chefe: O chefe está comprometido pela causa a que se entregou e
pela categoria que ocupa ao serviço dessa causa. Um chefe não tem o direito de diminuir-se, 95
e qualquer falta, mesmo privada, redunda, para o ideal que representa, em diminuição de
prestígio.
Depositário duma parcela de autoridade, o chefe não tem o direito de abdicar; o interesse
geral exige que faça respeitar a sua autoridade.
Os homens não buscam a complacência duma autoridade débil; gostam de encontrar alguém
que seja forte e lhes sirva de apoio; a firmeza viril anima-os, a fraqueza complacente torna-os
receosos e por fim desgosta-os. (Lacordaire)
O bem comum marca, com exactidão, os limites da autoridade do chefe, mas também lhe dá
a sua força, o seu ascendente; a consciência de falar e de agir em nome do bem social
comunica ao superior a firmeza inflexível e segurança sem as quais não existe verdadeiro
chefe. Porque dentro dos limites do bem comum, tem verdadeiramente autoridade, quer dizer
poder de ligar e de obrigar; não usar desse poder, ou usá-lo com pusilanimidade, seria trair o
bem comum, deixando tornar-se fastidioso o vigor imprescindível do seu direito.
30.4. Consequência da falta de comando
Suponho nunca ter notado que alguém se lamentasse de ser mandado para coisas difíceis,
quando estavam bem organizadas. Ao contrário, as piores revoltas são sempre
consequência da falta de comando, e pergunto a mim mesmo se as reivindicações de nossos
pais, feitas com a energia que se conhece, à sombra da palavra liberdade, representavam
mais do que o direito de serem bem governados. (Forestier)
30.5. O chefe manda
A nenhum título, o chefe deve diminuir, em si próprio, a noção de autoridade: esta não
constitui prerrogativa sua, pessoal, mas é a forma especial, eminente, de que está revestido
o seu “serviço”; abandonar-se à camaradagem seria para ele trair a sua missão; com seu
prestígio, perderia a confiança que é condição própria da sua acção. Como o pai de família,
em quem o afecto não exclui o vigor, o chefe manda. (Dunoyer de Segonzac)
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30.6. Ter contacto com os subordinados
Na medida do possível, pertence ao chefe prevenir o descontentamento e dar remédio às
injustiças, antes de qualquer lamentação. Para o conseguir, é preciso ter contacto com os
subordinados. Que se exponha, portanto. Que voe às trincheiras, se é general; que visite a
oficina com seus operários, se é patrão; mandar não é privilégio, é encargo. Torna-se
necessário que o chefe possua alguma imaginação e que, esforçando-se por representar a
vida de todos, poupe aos súbditos sofrimentos ou contrariedades evitáveis. O segredo de ser
amado está em amar – e em saber do ofício melhor que ninguém. Os homens toleram o
poder – e até o desejam – desde que sejam bem governados. (Maurois)
Chefe é aquele que sabe ter autoridade e tomar as suas responsabilidades. De modo
nenhum, necessita de plumas na cabeça, de “amarelos” em todo o corpo; nem sequer de
muitos diplomas ou graus universitários. Mas é indispensável que seja homem de carácter e
de desejar que possua imaginação. Deve ser bastante inteligente para saber ouvir, e
bastante seguro de seu critério para tomar as suas decisões sozinho. (General Lafont)
30.7. Solícito em procurar luzes
O chefe sabe muito bem que não possui ciência infusa: precisa de informar-se, documentar-
se, mesmo junto dos seus subordinados que, muitas vezes, estão mais em contacto com as
realidades e as dificuldades imediatas. Mas escutando suas opiniões, não deve, no entanto,
permanecer ligado a ninguém. O soviete é a desordem. Solícito em procurar luzes, um
verdadeiro chefe não procura apoio em parte nenhuma. Trocando ideias, não permite de
modo nenhum a partilha das responsabilidades. Em muitas passagens do seu “Memorial”,
Napoleão explica o que foi, a este propósito, a sua prática. Ouvia toda a gente, provocava
opiniões, pedia pareceres, e exigia que cada um lhe falasse com toda a liberdade. Depois,
decidia sozinho.
A maior infelicidade, para um chefe, é ter medo de falar e de agir como chefe.
Quando um chefe vai ao ponto de esquecer a sua condição de chefe, os subordinados são
levados a esquecê-lo também.
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30.8. Não tem que pedir desculpa
O chefe devidamente mandatado não tem que pedir desculpa da sua categoria de superior,
muito menos que mendigar obediência. Que mande sem arrogância, mas que mande. Que
tenha a sua categoria sem vaidade, mas que a tenha. A carência de autoridade é ainda mais
prejudicial a uma colectividade que o seu excesso.
Existem chefes que por desejo de popularidade ou pueril igualitarismo acham bem que se
pratique sem regra o “deixar-correr”. Tal procedimento provoca a incúria, a desordem, a ruína
e a falência.
Quando por falsa humildade, medo das responsabilidades ou receio de ferir, um chefe hesita
em tomar uma decisão e em fazer respeitar a sua autoridade, prepara um estado de
anarquia de que ele mesmo e seus súbditos serão as vítimas.
31.SERVIR
31.1. Servir desinteressadamente
Nada se adianta em imaginar que mandar é fácil, que, com um rosto hermético e uma voz
imperiosa, está ganha a batalha. Para ser chefe, há que possuir aquele amor do próximo e
aquela cultura que permitem conhecer os homens e perscrutar os mais íntimos recônditos da
alma. Torna-se necessário pertencer também àquela aristocracia espiritual que tem por
divisa: servir. Mas servir desinteressada, perseverante e corajosamente – consequência de
convicções, entusiasmo, carácter.
«Para viver, um país tem necessidade de que os indivíduos escolham uma doutrina e a
conservem, se fixem uma regra, um lema. Eu escolhi, impus-me uma disciplina: “Servir”.»
(Weygand)
31.2. Não em benefício pessoal
Toda a autoridade vem de Deus, mas é dada ao chefe em benefício dos outros e não em benefício pessoal.
A autoridade pode definir-se: direito de ordenar aquilo que é mais conforme ao interesse geral da sociedade.
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O chefe não cumpre a sua missão senão na medida em que, ao bem pessoal, antepõe o bem comum e ao interesse particular prefere o interesse geral.
31.2. Não se serve dos homens
O verdadeiro chefe não procura dominar por dominar. Não se serve dos homens, mas
auxilia-os a servir uma causa que os supera; familiarizar-se com a obra a cumprir constitui o
primeiro elemento da alma do chefe.
Mandar é servir: servir a Deus, em nome de Quem se exerce o poder – porque toda a
autoridade que, em última análise, não O tenha como fundamento é ilusória ou usurpação;
servir aqueles que se comanda, os quais sem chefe correriam o risco de ser um rebanho
sem pastor; servir a causa que nos supera e merece a adesão, a obediência e, se for
preciso, o sacrifício próprio.
«Que bela missão a de ser chefe! É até mais do que uma missão: é uma vocação, um
chamamento, uma espécie de predestinação. Porque “toda a autoridade vem de Deus”, o
que exerce a função de chefe torna-se como que um intermediário entre Deus e os seus
subordinados. O texto escriturístico não admite restrições nem reservas. É-se chefe “em
nome de Deus”, e unicamente para fazer com que os outros homens se tornem mais
semelhantes a Ele, ajudando-os a tornar-se mais homens, a tomar consciência da sua
dignidade de criaturas divinas, a desenvolver os talentos que providencialmente lhes foram
distribuídos». (Mgr. Pinson, Bispo de Saint-Flour).
31.3. A autoridade é um serviço
A autoridade é um serviço, mas um serviço magnífico. Consiste, não em favorecer caprichos
individuais, mas em fazer com que um grupo humano realize o que a sua missão – e a sua
vocação, poderia dizer-se – exige. Além disso, o chefe, mesmo quando resiste a opiniões
desvairadas e força o grupo a duros e necessários sacrifícios, nada tem de déspota. Apenas
serve, embora como corajoso e leal servidor. A colectividade não tem que reclamar, mas que
seguir. E seguirá, tanto mais voluntariamente quanto mais claramente vir que o chefe, apesar
da sua rudeza, ou até pela sua rudeza, não pretende levá-la a fazer simplesmente o que ele
quer, mas o que ela mesmo quer verdadeiramente, como grupo organizado e não como
conflito de egoísmo.
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Tendo por objectivo “servir”, o chefe dá, à sua maneira, exemplo de obediência, e, além
disso, faz surgir nitidamente diante de todos que tem autoridade para exigir dos outros a
procura desinteressada do bem comum.
31.4. O indivíduo deve apagar-se
O chefe não decide arbitrariamente; constitui norma para si procurar a ressonância no mais
profundo daqueles que conduz. O chefe não só orienta, ajuda também; que aqueles que
sentem em si uma vontade rejubilem: o chefe não é chefe senão para os ajudar a querer.
Para prestigiar-se, basta que a autoridade se exerça segundo a sua razão de ser.
No chefe, o indivíduo deve apagar-se de qualquer maneira e desaparecer na função. Este
apagamento, viril e corajoso, confere-lhe um prestígio e uma força que nenhuma outra
reserva dá. Tornando-se, mas de modo intenso e visível, pessoa pública, eleva-se, pelo
próprio serviço, acima de individualismos estreitos. A sua voz possui um timbre diferente da
dos outros: torna-se a voz da consciência moral em busca do bem superior da colectividade.
31.5. Autoridade e consciência duma missão superior
A autoridade está ligada, sobretudo, à existência e à consciência duma missão superior, de
que o chefe tomou o encargo não em proveito próprio, mas para bem daqueles que dirige e
dos quais tem a responsabilidade.
O chefe não manda “por prazer”, sem interesse, como um senhor que domina escravos e
colhe benefícios do trabalho dos outros. Não. Mas sim para conduzir uma comunidade, por
uma engenhosa hierarquização de meios, ao seu alto valor moral. A sua missão domina-o,
como uma vocação. Pertence-lhe. Dá-se à sua comunidade – para que ela se volva no que
pode e deve ser. Serve. E se está compenetrado do pensamento da sua missão, tomado por
essa vocação, votado ao serviço dela, então, e então somente, é um chefe (Dunoyer de
Segonzac).
O chefe não é principalmente o que anima, persuade, arrasta, convence, mas aquele que
manda em nome da autoridade de que está legitimamente investido, e é para ele a mais
nobre maneira de servir. A sua missão é um autêntico serviço social.
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31.6. Mandar é servir
Mandar é servir. O chefe está ao serviço da comunidade, mas não quer isto dizer que deva
estar às suas ordens: estas não são muitas vezes senão a expressão de seus caprichos ou
fantasias, quando não são o fruto de sugestões estranhas, mais ou menos interessadas.
Com razão, deve dizer-se do chefe que ele deve ser o intérprete do bem comum; não
significa isto, porém, que deva ser o intérprete da vontade geral. Esta, dadas as variações de
sensibilidade próprias da psicologia das multidões, não é muitas vezes outra coisa senão a
inconstante opinião pública, em frequente contradição com o verdadeiro bem superior do
conjunto.
O chefe não é um simples delegado da comunidade, mas o seu guia em prossecução dos
seus mais altos fins. Mesmo eleito e designado por seus pares, a autoridade de que é o
depositário confere-lhe o direito de mandar sem que tenha de usar sempre, para se fazer
obedecer, de persuasão e de argumentos pessoais.
31.7. Capaz de trabalhos que parecem acima das suas forças
Um chefe deve possuir, antes de tudo, o sentimento da sua responsabilidade. Ter o
sentimento da responsabilidade não significa que espere ser punido, se não cumpre o seu
dever – um verdadeiro chefe não pensa nas sanções em que poderia incorrer a respeito
doutros chefes, colocados acima de si na hierarquia. Mas, quanto aos homens a seu cargo,
não deseja que sofram inutilmente, sejam injustamente punidos, ou privados do pouco
conforto que podem ter. Não deseja que façam três quilómetros a mais, porque as ordens
foram mal dadas. Não quer, que, após longa caminhada, vagueiem pelas aldeias onde
chegaram, sem saber em que lugar devem acampar, sem possuir um pouco de palha para
descansar, sem ter, se é possível, uma sopa quente que os reconforte. Pensa em tudo, por
tudo vela; não come nem se deita sem que tudo esteja em ordem. Uma coisa há em que não
pensa: na sua própria fadiga. Não sendo escravo de seus superiores, é-o, no entanto, do
dever de protecção que deve aos seus. Este sentido da necessidade dos outros torna-o
muitas vezes capaz de trabalhos que parecem acima das suas forças (O. Clement)
101
32.TRABALHAR EM GRUPO
32.1. Unidos por um laço orgânico
A equipa não é um grupo subjugado pela necessidade ou pelo medo, nem uma clientela
atraída por favores que qualquer potentado pode distribuir… A equipa é um grupo de
homens unidos por um laço orgânico, isto é, pelo serviço duma obra ou duma causa comum,
à qual testemunham igual dedicação e cujo esforço por ela exigido repartem segundo os
dons, a capacidade ou os meios de cada um sem interesse de competição, rivalidade ou
intrigas, ligados pelo resultado comum, não pelo êxito desta ou daquela aventura particular.
Foi esta a fórmula de todas as grandes empresas que fizeram as civilizações humanas.
(Lucien Romier)
Para que um grupo possa realizar obra fecunda, é necessário que haja harmonia dos
espíritos e das vontades. Não se trata de cada um praticar as mesmas acções, mas basta
que as acções de um não estorvem as acções do outro. Pretende-se que este, em sua
função, facilite a tarefa do seu vizinho.
Para isso torna-se necessário que cada um siga ao menos de soslaio a actividade dos
outros, ainda que seja apenas para por ela ajustar e sincronizar a sua. Para isso, é
indispensável também que cada indivíduo saiba esquecer-se de si mesmo e não parta como
flecha, com o risco de ocasionar uma ruptura de equilíbrio.
32.2. Supõe plena confiança
O trabalho em grupo supõe plena confiança entre os diversos elementos desse grupo:
confiança em suas atitudes.
Não haja a ingenuidade de pensar que é fácil o entendimento com os chefes vizinhos. Por
definição, todo o chefe deve ser um carácter e quanto mais vincados são os caracteres, tanto
mais também podem ser influentes. Todo o chefe tem responsabilidades a assumir,
interesses a defender, os quais talvez estejam em contradição com os do seu colega.
Daqui a necessidade de haver duma parte e doutra vontade lealmente dotada de
compreensão mútua.
102
32.3. A primeira lei do grupo
Não há nada mais perigoso para a unidade e eficiência dum grupo do que as críticas
sistemáticas dum eterno descontente. Assim como a crítica é tonificante quando, embora
viva na sua forma, é benevolente e construtiva no seu fundo, assim se torna dissolvente,
quando, embora suave na sua expressão, é negativa e cortada de azedume.
A atmosfera dum grupo em que cada elemento anda à espreita dos erros dos outros,
depressa se torna irrespirável e atrofiante.
A primeira lei do grupo é o auxílio fraterno, ao serviço da missão desse mesmo grupo.
Querer elevar-se à custa dos outros, gostar de apontar as deficiências dum colega, é minar a
unidade do grupo e torná-lo incapaz de realizar a sua missão.
32.4. A franqueza entre chefes
A franqueza entre chefes não deve nunca ser brutal, e a experiência prova que quanto mais
se tem de trabalhar em comum tanto mais é preciso ser fiel às exigências da mais perfeita
cortesia. Seria erro julgar que, porque se vive em comum, se pode dispensá-la. Em todo o
caso, convém a todo o custo fugir das discussões violentas e daquelas palavras irreparáveis
que são a marca duma alma que perdeu o domínio de si mesma.
Entre homens de boa vontade, é sempre possível que se prestem explicações, talvez com
certa vivacidade, mas sem quebra da estima e do respeito.
Muitas vezes, quando nos colocamos no lugar do nosso colega, compreendemos melhor a
sua posição e encontramos do mesmo modo melhores argumentos para a defender, se
realmente é defensável.
32.5. Esforço de compreensão mútua
Compreensão, coordenação, cordialidade são as três virtudes principais que cada chefe de
grupo deve praticar com interesse, se não quer que a sua equipa seja surpreendida pela
morte.
103
É indispensável que cada um esteja decidido a não deixar enredar-se nos equívocos
provenientes das desinteligências que, entre pessoas, de acordo, no fundo, são algumas
vezes tanto mais sensíveis na forma.
O esforço de compreensão mútua supõe:
1.° que se tente compreender os outros;
2.° que se tente fazer compreender dos outros; Um chefe não brinca nunca à
“incompreensão”.
Basta por vezes uma explicação leal e confiante para dissipar equívocos e colocar as coisas
no seu devido pé. O que importa, de parte a parte, é maior lealdade: a mentira é corrosiva e
dissolvente. As almas encontram-se na verdade.
32.6. A atmosfera ideal
Preocupemo-nos com o nosso progresso moral, ou, para falar em termos mais usuais e mais
práticos, com o aperfeiçoamento do nosso carácter e evitemos aqueles amuos pueris, que
para servir um interesse pessoal, semeiam a divisão, sobretudo quando tanta necessidade
temos de ser unidos. Não está isto na origem de todos os nossos males ? Com efeito, como
ousar pregar a paz, semeando a discórdia? Falar de concórdia e de fraternidade e alimentar
o ódio nos corações, é trair o seu país. (Capitão Roguert).
A cordialidade e o bom humor constituem a atmosfera ideal para uma equipa de chefes, e
cada um tem o dever de para isso contribuir.
32.7. O espírito de grupo
Quando a colaboração não é franca, a obra ressente-se. O actor que procura brilhar à custa
dos seus colegas pode sobressair, no entanto o conjunto sofrerá com o facto.
O espírito de grupo fica estagnado ou destruído, quando os homens não acreditam na tarefa
comum, quando cada elemento só dá o seu acordo àquilo que lhe agrada ou que está
conforme ao seu parecer, quando o amor-próprio se torna lei dos esforços e quando cessa a
104
estima ou a confiança recíproca que alimentam, sejam quais forem os incidentes, a certeza
duma dedicação comum superior às falências passageiras.
32.8. Inserir-se num movimento
Trabalhar em equipa é essencialmente preferir ao amor próprio o amor fraterno e à glória
pessoal a glória de Deus. (Pierre Schaeffer)
Trabalhar em grupo é inserir-se num movimento e não meter o movimento no seu bolso.
Construir um grupo é renunciar a si próprio em vista do bem comum, realizado numa ajuda
comum.
Daí resultam, por um lado, sacrifícios, esforços em favor de outrem e discrição das
ocupações anónimas; mas, por outro lado, muitas alegrias puras, entusiasmo colectivo e a
plenitude duma acção concertada.
33. ANEXOS GERAIS
33.1. Pensamentos na aldeia
Os nossos pensamentos transformam-se em palavras, falando ou escrevendo, pois temos o
bom costume de quase sempre pensarmos antes de falar...
Mas também sucede o contrário: frases ou citações que ouvimos ou lemos fazem-nos
pensar. É uma forma de descobrirmos coisas novas, aproveitando a experiência e a
sabedoria de outras pessoas.
Há pensamentos que atravessaram os anos e os séculos, sem se fazerem pó, talvez porque
receberam a missão de nos iluminarem, de nos intrigarem, de nos divertirem, de nos
servirem de inspiração.
Alguns dessas mensagens inspiradoras servem para lema de uma vida inteira; outros, para
colocar no Orkut ou para partilhar no Facebook. Para fazer um amigo reflectir ou para brincar
com ele.
Muitas vezes essas frases servem apenas para revestir ideias em que já tínhamos pensado
105
mas não sabíamos traduzir em palavras. Noutros casos, entram dentro de nós, talvez
escavando, e tornam-se nossas apesar de resistirmos: nestas ocasiões há crescimento e
aprendizagem.
Nada disto tem pouca importância.
Aquilo que pensamos é o motor do nosso comportamento. Assim, acabamos por ganhar
hábitos que, uma vez estabelecidos, marcam o nosso carácter. Tihamer Toth escreveu:
«Semeia um pensamento e colherás um desejo; semeia um desejo e colherás a acção;
semeia a acção e colherás um hábito; semeia o hábito e colherás o carácter».
(Paulo Geraldo)
Um dia disseram-me que se não ficamos com quem amamos é porque o destino não nos
quer juntos. Hoje descobri que o destino é a ponte que construímos até aqueles que
amamos. Se o destino não existe é porque um de nós não o construiu… José Ribeiro)
Todos os que meditaram a arte de governar os homens se convenceram de que o destino de
um país depende da educação dos jovens. (Aristóteles)
A nossa liberdade tem sempre a maravilhosa capacidade de fazer, daquilo que nos é tirado
(pela vida, pelos acontecimentos, pelos outros…), algo que oferecemos. Exteriormente não
se vê a diferença, mas interiormente tudo é transfigurado: o destino passa a ser uma opção
livre, a obrigação passa a ser amor, a perda torna-se fecundidade.
(Jacques Philippe)
Este país está a encher-se de jovens que beberam a escolaridade obrigatória até à última
gota e que agora não sabem fazer… nada. Vemo-los hoje frequentar todo o género de casas
nocturnas com o dinheiro dos pais. Amanhã, como não aprenderam a trabalhar, terão de
tentar sobreviver à custa de adaptações ou de truques, talvez não muito de acordo com a lei
ou com os bons costumes.
(Paulo Geraldo)
Este país está a encher-se de jovens que beberam a escolaridade obrigatória até à última
gota e que agora não sabem fazer… nada. Vemo-los hoje frequentar todo o género de casas
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nocturnas com o dinheiro dos pais. Amanhã, como não aprenderam a trabalhar, terão de
tentar sobreviver à custa de adaptações ou de truques, talvez não muito de acordo com a lei
ou com os bons costumes.
(Paulo Geraldo)
Quem quiser governar bem um país, deve primeiro governar a sua cidade. Quem quiser
governar bem a sua cidade, deve aprender a governar primeiro a sua família; e quem quiser
governar bem a sua família deve aprender primeiro a governar bem a si próprio.
(Confúcio)
Os pais não permitem que entre em casa, por exemplo, uma revista pornográfica, mas os
governantes permitem que elas se vendam nas lojas. Isto parece significar que pais e
governantes têm preocupações diferentes pelas crianças.
Devia haver censura. Com outro nome. Com um nome que reflectisse o amor apaixonado
dos pais pelos seus filhos, o entusiasmo enorme de uma nação pelas suas crianças.
(Paulo Geraldo)
Os filhos tornam-se para os pais, segundo a educação que recebem, uma recompensa ou
um castigo.
(J. Petit Senn)
Os filhos tornam-se para os pais, segundo a educação que recebem, uma recompensa ou
um castigo.
(J. Petit Senn)
Somos mais pais do nosso futuro do que filhos do nosso passado.
(Miguel de Unamuno)
Manter uma atitude de confiança com as outras pessoas implica correr o risco de sermos
defraudados. Mas riscos todos corremos, também os que não confiam…
Arrisca-se na educação e arrisca-se no casamento. Há pais que deram tudo pelos seus filhos
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e estes acabaram por ser uma calamidade. Mas, se não tivessem dado tudo, se os tivessem
abandonado ou maltratado, então a calamidade não teria sido um risco, mas uma certeza.
(Joaquín García-Huidobro)
Sentar crianças e jovens diante da televisão não é forma de os preparar para a vida. Isto está
mais do que estudado e afirmado por todos os peritos. E, mais importante do que isso,
confirmado pela experiência.
Se não tivermos preparado os nossos filhos para a vida, teremos fracassado. E pouco
importa que tenhamos obtido êxito noutras áreas, porque somos pais e é isso que dá sentido
à nossa existência.
(Paulo Geraldo)
A vergonha de reconhecer o primeiro erro leva a cometer muitos outros.
(Jean de la Fontaine)
A vida é uma tragédia quando vista de perto, mas uma comédia quando vista de longe.
(Charlie Chaplin)
Tudo o que vivemos, mesmo que pareça o pior dos pesadelos, contribui para a nossa
experiência de vida. E mesmo os momentos que nos parecem muito maus têm episódios
muito bons, que nos servem de lição, nos dão energia e nos fortalecem. O sofrimento (…)
transforma-nos em pessoas muito fortes, capazes de rir com o choro, de acalmar com o
susto e de sorrir com a tristeza. Um dia que hoje é cinzento amanhã é um claro azul e, no dia
seguinte, é Sol radiante. Existe sempre uma solução para o que nos parece ser o pior dos
problemas, embora, por vezes, seja difícil de encontrar.
(Maria Vítor Campos, in O Cancro é uma Nova Oportunidade de Vida)
É triste viver sem grandeza. É como estar longe de nós mesmos. É ver apenas as sombras
do mundo e da vida. É, de algum modo, não viver…
(Paulo Geraldo)
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Um homem não pode fazer o certo numa área da vida, enquanto está ocupado em fazer o
errado em outra. A vida é um todo indivisível. (Mahatma Gandhi)
Os homens perdem a saúde para juntar dinheiro, e depois perdem o dinheiro para a
recuperar. Por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem o presente, de tal forma que
acabam por nem viver no presente nem no futuro.
Vivem como se nunca fossem morrer e morrem como se não tivessem vivido…
(Confúcio)
Essa é a única solução. Respeitar a vida humana qualquer que seja o modo de ela se
encontrar concretizada. O assunto não admite excepções. Se admitirmos avaliar os mais
fracos dos humanos de acordo com critérios de utilidade e conveniência, um dia ninguém
poderá ficar de fora.
(Paulo Geraldo)
Mãe, dissestes-me frequentemente que uma mãe se assemelha a Moisés. Ela morre sem ter
visto a terra que lhe tinha sido prometida. E um filho, dizíeis ainda, deve continuar, acabar a
obra de sua mãe, tão repentinamente interrompida. Um filho deve procurar fazer o que sua
mãe não fez, porque ele pode pisar o solo da Terra Prometida.
(Jean Guitton)
Todas as vidas têm dificuldades, diferentes mas iguais. A maior ou menor felicidade não
resulta desses obstáculos, mas da forma como reagimos, de como os encaramos e do que
fazemos para lidar com eles no sentido de os ultrapassar.
(Maria Vítor Campos, in O Cancro é uma Nova Oportunidade de Vida)
Certa vez li a frase «Fico toda a noite acordado com dor de dentes, a pensar na dor de
dentes e em estar acordado». É precisamente assim. Parte de toda a infelicidade é, por
assim dizer, a sombra ou o reflexo dessa infelicidade. O facto de que não nos limitamos a
sofrer, antes temos de pensar continuamente no facto de que sofremos. Não só vivo na dor
109
cada um destes intermináveis dias, como passo cada dia a pensar que vivo na dor de cada
dia.(C. S. Lewis, in A Dor)
Mas eu já vi os cegos rirem.
Encontrei, entre os que sofrem, homens grandes. Os maiores de todos.
Vi aqueles que fizeram da sua dor os poemas que lemos na escola. E os outros, que no
sofrimento do exílio compuseram as sinfonias grandiosas que ficaram para sempre.
Inclinei-me perante esses que souberam aceitar a sua pequenez diante do Deus Criador, ou
da sábia natureza – conforme o olhar de cada um – e por esse caminho encontraram a
maneira de alcançar a grandeza.
(Paulo Geraldo)
Rejeitar as nossas experiências é impedir o nosso desenvolvimento. Negar as nossas
experiências é pôr uma mentira nos lábios da nossa vida. Não é menos do que uma negação
da Alma. Pois, tal como o corpo absorve todo o género de coisas, tanto as coisas vulgares e
sujas, como aquelas que o sacerdote ou uma visão purificaram, e as converte em velocidade
ou força, no jogo dos músculos poderosos e na modelação da carne fresca, nas curvas e nas
cores do cabelo, dos lábios, dos olhos, assim também a Alma tem, por sua vez, as suas
funções nutritivas, e pode transformar em nobres movimentos de pensamento, e em paixões
de grande fulgor, aquilo que é, em si mesmo, inferior, cruel e degradante; mais ainda, pode
encontrar nestas coisas os seus mais augustos modos de afirmação, e pode, muitas vezes,
revelar-se de um modo mais perfeito através daquilo que fora feito para profanar e para
destruir.
(Oscar Wilde, in De Profundis)
A vida é uma sucessão de desequilíbrios equilibrados e de equilíbrios desequilibrados. São
mais felizes aqueles que se equilibram nos desequilíbrios. Tropeçam, mas não caem,
magoam-se mas não choram, batem-lhes mas não lhes dói. Gostam do que é simples,
desvalorizam o negativo, facilitam o complicado, sorriem porque nada é razão para estar
triste. Basta estar-se vivo para se ser feliz.
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(Maria Vítor Campos, in O Cancro é uma Nova Oportunidade de Vida)
Apagámos do horizonte, portanto, tudo aquilo que estava acima de nós. Já não nos
submetemos; já não precisamos de servir; somos os maiores. Resolvemos ser auto-
suficientes. Quebrámos todos os laços. E – por confusão – chamámos liberdade a isso…
Mas se não existe nada acima de nós, de quem receberemos a felicidade? Devíamos pensar
nisto: por mais tontos que sejamos, somos capazes de compreender que não possuímos a
capacidade de darmos a nós mesmos a felicidade…
(Paulo Geraldo)
É difícil subir o monte altíssimo. É preciso trocar tudo pelo instante mágico de chegar ao
cume. Ali tudo é radicalmente verdadeiro: não é possível fingir que se vai a caminho.
Deixam-se as forças na íngreme escalada, rasga-se a pele nos rochedos, abandona-se o
aconchego do calor do corpo ao vento e à neve e ao gelo. Caímos e apetece-nos ficar por
ali. Por vezes não sabemos se conseguimos dar mais um passo. Mas é tão belo! Só ali se
respira verdadeiramente. Só ali se vêem todas as coisas com o seu verdadeiro relevo e com
as suas cores verdadeiras. Só ali um homem se sente realmente rico – ele que deixou tudo
lá em baixo. (Paulo Geraldo)
Aquilo de que se necessita para conseguir a felicidade não é uma vida cómoda, mas um
coração enamorado.
(Josemaria Escrivá)
De pouco me serve, para ser feliz, o facto de poder ir tomar café a Londres e voltar para o
almoço, ou ter a possibilidade de assistir a um importante jogo de futebol comodamente
instalado na sala de estar da minha casa, se o meu egoísmo me afastar diariamente dos
outros. Ou se a consciência me acusar de ter conquistado dinheiro e bem-estar à custa de
prejudicar outras pessoas.
(Paulo Geraldo)
Podemos desiludir-nos com as coisas: fazemos uma apreciação acerca delas e usamos o
caixote do lixo. As pessoas, porém, não são para julgar, mas para que ajudemos a construi-
111
las, para que ajudem a construir-nos, para construirmos alguma coisa em conjunto. Se o teu
amigo te desiludiu, acusa-te a ti mesmo, porque era tarefa tua torná-lo mais nobre. Se estás
desiludido com a tua vida em família, lembra-te de que ela foi a tua construção. E recomeça
no ponto em que começaste a falhar.(Paulo Geraldo)
Nunca deites abaixo uma vedação sem saber a razão porque ela foi lá posta.
(G. K. Chesterton)
Na família, aquilo que os une está num plano imensamente superior a tudo aquilo que os
possa afastar. Muito acima das discórdias, das zangas, dos amuos, dos diferentes pontos de
vista. Podem as ondas enfurecidas de um mar de inverno salpicar as estrelas? Alguém ligou
aquelas vidas com um nó, e a vida de um é a vida dos outros. E o sorriso de um é a alegria
dos outros. E a dor de um é a dor dos outros. (Paulo Geraldo)
Desfazendo a família, desfaz-se a sociedade inteira. A família é anterior e superior à
sociedade, tal como a sociedade é anterior ao Estado. Sem pessoa não há família. Mas sem
família a pessoa quebra, não amadurece ou estrutura-se mal. Sem família não há sociedade.
Sem sociedade não há Estado. O próprio futuro e sobrevivência do Estado dependem da
família. (Aquilino Polaino-Lorente)
Podemos usar um objecto e deitá-lo fora quando já não nos convém, mas a relação
verdadeira entre pessoas exige criar laços, mais ou menos profundos, e, depois, respeitá-los.
Talvez uma das causas de o mundo estar tão triste seja que tentamos lidar com as pessoas
como com as coisas. Talvez isto tenha contribuído para que andemos tão perdidos, tão sem
saber onde estamos. Usando as pessoas e, depois, talvez desiludidos, desfazendo-nos
delas, começámos por perder o calor e a luz da amizade – que praticamente desapareceu da
face da terra. E, agora, estamos a perder a família.
(Paulo Geraldo)
Pode a mulher esquecer-se do fruto do seu ventre, não se compadecer do filho da suas
entranhas? Pois, ainda que ela se esqueça, eu não te esquecerei. (Livro de Isaías)
Quem procura a verdade procura Deus, ainda que não o saiba. (Edith Stein)
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Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti.
(Santo Agostinho)
Na verdade, Deus é visível para aqueles que são capazes de O ver, porque têm abertos os
olhos da alma. Todos têm olhos; mas alguns têm-nos velados e não vêem a luz do sol. Se os
cegos não vêm, nem por isso se conclui que não brilha a luz do sol.
(São Teófilo de Antioquia, no Livro de “A Autólico”, Sec. II)
É preciso convencermo-nos de que Deus está junto de nós continuamente. – Vivemos como
se o Senhor estivesse lá longe, onde brilham as estrelas, e não consideramos que também
está sempre ao nosso lado. E está como um pai amoroso – quer mais a cada um de nós do
que todas as mães do mundo podem querer a seus filhos – ajudando-nos, inspirando-nos,
abençoando… e perdoando.
(Josemaria Escrivá)
Um dia disseram-me que se não ficamos com quem amamos é porque o destino não nos
quer juntos. Hoje descobri que o destino é a ponte que construímos até aqueles que
amamos. Se o destino não existe é porque um de nós não o construiu…
( José Ribeiro)
O amor é comparável a um avião com dois motores: um motor principal (a vontade) e um
motor auxiliar (a paixão). O motor auxiliar pode deixar de funcionar sem que nós o
desejemos, por doença ou cansaço; mas o motor principal não deixa de funcionar sem o
nosso consentimento. (Michel Esparza)
Medo de que o casamento não corra bem?… O amor e o medo não podem andar juntos.
Quem tem medo não entende nada de amor. Amar é, precisamente, não ter medo. É
acreditar que se possui uma força imensa. Quem ama sabe que é também possuído e
protegido pelo amor. E que, por isso, caminha noutra altura; voa por cima dos gelos, dos
salpicos das ondas, das pedras aguçadas. Vai por cima de um mundo muito pequeno, nas
asas de um fogo, em mãos de fadas. Possui outra dimensão. Parece-lhe que quem não ama
é um morto-vivo… (Paulo Geraldo)
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Não confundir o amor com a paixão dos primeiros momentos, que pode desaparecer. O
verdadeiro carinho cresce na medida em que os dois estão mais unidos, porque partilham
mais. Mas para partilhar é preciso dar. Dar é a chave do amor. Amor significa sempre
entrega, dar-se ao outro. Só pelo sacrifício se conserva o amor mútuo, porque é preciso
aprender a passar por alto os defeitos, a perdoar uma e outra vez, a não devolver mal por
mal, a não dar importância a uma frase desagradável, etc. Por isso o amor também significa
exceder-se, fazer mais do que é devido.
(J. L. Lorda)
Não somos amados por sermos bons. Somos bons porque somos amados.
(Desmond Tutu)
Não caminhes na minha frente, pois não posso seguir-te. Não caminhes atrás de mim, pois
não posso guiar-te. Caminha apenas a meu lado e sê meu amigo.
(Autor desconhecido)
Conhecer alguém aqui e ali que pensa e sente como nós, e que embora distante, está perto
em espírito, eis o que faz da Terra um jardim habitado.
(Goethe)
Na montanha os amigos não são descartáveis companheiros de divertimento: precisam
mesmo uns dos outros, fazem parte uns dos outros, uns são os outros.
(Paulo Geraldo)
Os amigos que se fazem na montanha duram para sempre: nasceram da magra ração
repartida debaixo das estrelas, de se apoiarem uns aos outros quando o que estava em jogo
era a vida ou a morte, de cantarem juntos, das longas confidências testemunhadas apenas
pelo vento.
(Paulo Geraldo)
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Se, depois de eu sair [da prisão], um amigo meu desse uma festa e não me convidasse, eu
não me importaria nada. Sou perfeitamente capaz de ser feliz sozinho. Tendo liberdade,
livros, flores, e a lua, quem poderia não ser feliz? Além disso, já não estou muito para festas.
Já avancei demasiado para me preocupar com elas. Esse lado da vida acabou para mim, e
atrevo-me a dizer que ainda bem. Mas depois de eu sair, um amigo meu tivesse uma dor, e
se recusasse a permitir-me partilhá-la com ele, senti-lo-ia com muita amargura. Se ele me
fechasse na cara as portas da casa do luto, eu voltaria uma vez e outra e pediria para ser
admitido, para poder partilhar aquilo que tinha o direito de partilhar. Se ele me achasse
indigno, incapaz de chorar com ele, senti-lo-ia como a mais pungente humilhação, como o
mais terrível modo de a desgraça me ser infligida. Mas isso nunca aconteceria. Eu tenho o
direito de partilhar a Dor, e aquele que é capaz de olhar para os encantos do mundo, e
partilhar a sua dor, e compreender um pouco a maravilha de ambos, está em contacto
directo com as coisas divinas, e chegou tão perto do segredo de Deus quanto alguém pode
estar.
(Oscar Wilde, in De Profundis)
O Poeta beija tudo, graças a Deus. E aprende com as coisas a sua lição de sinceridade… E
diz assim: “É preciso saber olhar…”. E pode ser, em qualquer idade, ingénuo como as
crianças, entusiasta como os adolescentes e profundo como os homens feitos. E levanta
uma pedra escura e áspera para mostrar uma flor que está por detrás… E perde tempo
(ganha tempo…) a namorar uma ovelha… E comove-se com coisas de nada: um pássaro
que canta, uma mulher bonita que passou, uma menina que lhe sorriu, um pai que olhou
desvanecido para o filho pequenino, um bocadinho de Sol depois de um dia chuvoso… E
acha que tudo é importante… E pega no braço dos homens que estavam tristes e vai
passear com eles para o jardim… E reparou que os homens estavam tristes… E escreveu
uns versos que começam desta maneira: “O segredo é amar…”. (Sebastião da Gama)
A tristeza é um sinal evidente de que andamos perdidos. Não a tristeza passageira que, sem
o podermos evitar, nos enche os olhos de lágrimas, mas a outra: a desilusão crónica, o
descontentamento permanente; a falta de sentido profundo para os êxitos e para os
fracassos, para as dores e para o bem-estar, para as coisas pequenas e para as grandes.
(Paulo Geraldo)
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Sofremos demasiado pelo pouco que nos falta e alegramo-nos pouco pelo muito que
temos…
(Autor desconhecido)
Não há alegria? – Então pensa: há um obstáculo entre Deus e eu. – Quase sempre
acertarás.
(Josemaria Escrivá)
Que fazer quando a consciência não se cala, quando já não suportamos mais uma certa
podridão que sentimos cá dentro, quando todos os argumentos que desenhámos já não nos
dão sossego, quando nos assalta uma amargura infinita e vemos em nós um monstro?
Chega um momento em que sentimos necessidade de um banho interior que nos limpe, de
um fogo que nos purifique. Que fazer? Existirá uma coisa assim, capaz de tocar o intocável?
Haverá uma solução que impeça o desespero? Existirá qualquer coisa que torne possível
começar realmente uma vida nova? Pode-se voltar a ser criança, ter de novo os olhos
limpos?
Não descobri outra coisa senão aquilo a que os cristãos chamam o sacramento da
Confissão.
(Paulo Geraldo)
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