Novo Pne e Reuni

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novo PNE e os 5 anos da implementação do REUNI

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Introdução

Desde 2011, está em tramitação a proposta do novo Plano Nacional de Educação – Projeto de Lei 8.035/2010, apresentado pelo governo Dilma. Um projeto bastante polêmico, que atravessou debates, conferências e até greves dos profissionais da educação em todo o ano. Fez voltar à tona a campanha defendida pelo conjunto dos movimentos sociais que reivindica o investimento de 10% do PIB para a educação.

No último dia 24 de abril de 2012, completou-se 5 anos da implementação do decreto 6.096/2007 intitulado “Programa de Apoio a Planos de Expansão e Reestruturação das Universidades Federais”, popularmente conhecido como REUNI. É hora de fazer uma reflexão sobre a sua implementação, passados 5 anos, e traçar perspectivas do que há de relação com este novo PNE e o avanço da política de expansão e reestruturação das universidades iniciada pelo governo federal.

O novo PNE transforma o REUNI em política de Estado

O Plano Nacional de Educação 2011/2020 traça 20 metas e uma série de estratégias para a educação brasileira nos próximos 10 anos. Uma análise mais precisa deixa claro que este PNE busca sistematizar os principais projetos educacionais implementados desde 2004 pelo governo Lula, com Fernando Haddad a frente do Ministério da Educação.

Tais medidas ficaram compreendidas como a Reforma Universitária, ou como muitos movimentos sociais buscaram identificá-la, uma Contrarreforma Universitária, essencialmente por conta de seu caráter mercadológico e de aprofundamento da precarização da educação pública. Isso fica claro com a incorporação e expansão de projetos como o SINAES-ENADE, o novo ENEM, o Sistema Universidade Aberta do Brasil (modalidade de ensino a distância),

O novo PNE e os 5 anos da implementação do REUNI

Queremos expansão com 10% do PIB para a educação!

Executiva Nacional – ANELE-mail: [email protected]

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o FIES estendido à pós-graduação, o PRONATEC (projeto similar ao PROUNI para o ensino técnico) etc. Todas essas medidas foram implementadas pelo governo Lula, em determinado momento dos seus dois mandatos, ou em forma de projetos de lei ou como medidas provisórias. Incorporados ao PNE, deixam de ser medidas de governo e passam a ser política de estado.

Assim como todas essas medidas, o novo PNE absorve as metas do decreto do REUNI a partir da meta 12, que pretende uma elevação da taxa de matrículas no ensino superior para 33%.

Meta 12: Elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para cinquenta por cento e a taxa líquida para trinta e três por cento da população de dezoito a vinte e quatro anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão de, pelo menos, quarenta por cento das matrículas, no segmento público.

O governo federal não diz uma palavra sobre os motivos de não ter conseguido alcançar a meta de 30% que o antigo PNE previa para atingir até 2010, e propõe essa ampliação apoiado em projetos como o Sistema Universidade Aberta do Brasil, que é feito com o ensino a distância, ou através da ampliação do FIES. A incorporação que faz das metas do REUNI está a serviço dessa expansão, comprometida com uma lógica de rebaixamento da qualidade do ensino e benefício às instituições privadas. O novo PNE estende ao conjunto dos níveis de ensino as metas do REUNI e transforma também esse projeto em uma política de Estado. Isso pode ser verificado pela estratégia 12.4, contida na meta 12:

12.4) Elevar gradualmente a taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais nas universidades públicas para noventa por cento, ofertar, no mínimo, um terço das vagas em cursos noturnos

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e elevar a relação de estudantes por professor para dezoito, mediante estratégias de aproveitamento de créditos e inovações acadêmicas que valorizem a aquisição de competências de nível superior.

Retomando o decreto 6.096/2007

O REUNI foi decretado no dia 24 de abril, com o nome de “Programa de Apoio a Planos de Expansão e Reestruturação das Universidades Federais”. Baseado numa lógica de metas que deveriam ser concretizadas em projetos aprovados pelos Conselhos Universitários, os debates em torno ao decreto geraram uma enorme repercussão sobre o conjunto das entidades que intervém no setor da educação. Logo se gestou uma polarização, questionando a forma como o governo federal buscava impor a aprovação do projeto. A partir do eixo “Educação não se faz por decreto!”, iniciava-se um longo período de profundos debates e fortes mobilizações.

O decreto buscava impor centralmente duas metas para as universidades federais, contidas no artigo 1º:

§ 1o  O Programa tem como meta global a elevação gradual da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais para noventa por cento e da relação de alunos de graduação em cursos presenciais por professor para dezoito, ao final de cinco anos, a contar do início de cada plano.

Para atingir as metas, o decreto apontava, entre outras questões, uma “revisão da estrutura acadêmica” e a “diversificação das modalidades de graduação” (artigo 2º, diretrizes III e IV). O conteúdo dessas diretrizes, comprovado pelo modelo implementado

na Universidade Federal da Bahia, possuía muita relação com o projeto Universidade Nova, inspirado, por sua vez, pelo modelo de graduação implementado pela União Europeia com a Universidade de Bolonha. Tratava-se da reestruturação completa dos currículos, da abertura de novos cursos de graduação com carga horária e determinação profissional mais enxuta e flexível, além de avançar para a construção dos chamados “Bacharelados Interdisciplinares”.

No que tange ao orçamento para viabilizar a implementação do projeto, o acréscimo de verbas estava condicionado ao cumprimento das metas, a partir da elaboração de projetos que adequassem o REUNI para cada Universidade. As universidades federais receberiam um “incentivo” financeiro, expresso no artigo 3º:

§  1o    O acréscimo de recursos referido no inciso III será limitado a vinte por cento das despesas de custeio e pessoal da universidade, no período de cinco anos de que trata o art. 1o, § 1o.

Apesar disso, afirmava também no mesmo artigo que “o atendimento dos planos é condicionado à capacidade orçamentária e operacional do Ministério da Educação”. O decreto apontava ainda, no mesmo artigo, que a expansão deveria garantir:

I  -  construção e readequação de infraestrutura e equipamentos necessários à realização dos objetivos do Programa;

II  -  compra de bens e serviços necessários ao funcionamento dos novos regimes acadêmicos; e

III  -  despesas de custeio e pessoal associadas à expansão das atividades decorrentes do plano de reestruturação.

Os cinco anos que aborda o decreto passaram, e agora temos o dever de questionar: As universidades federais que viveram o REUNI receberam o investimento necessário? Os três pontos acima relatados no decreto foram respeitados pelo governo federal? Foi preservado o tripé ensino-pesquisa-extensão? Qual a situação que encontramos atualmente em cada universidade, passada a experiência da expansão e da reestruturação acadêmica?

A atual crise da expansão: ou amplia-se já o investimento,

ou se ampliará a precarização

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A retomada das lutas estudantis

Passado o último grande ascenso em 2007, em agosto do ano passado o movimento estudantil de diversas universidades se levantou novamente. A partir de agosto de 2011, potencializado pela Jornada de Lutas e Marcha a Brasília, cerca de 25 universidades viveram grandes processos de luta, entre greves, assembleias massivas e grandes passeatas, além de mais de 15 ocupações de reitoria – o mesmo método da resistência à aprovação do decreto nos Conselhos Universitários que marcaram as mobilizações em 2007. Alguns exemplos: UFPR, UEM, UFF, UFSC, IFBAs, UFRJ, UFAL, UFRN, UFES, UNIFESP. Algumas destas universidades, inclusive, já retomaram as mobilizações neste primeiro semestre de 2012. Não é mera coincidência que no conjunto dessas instituições o projeto de expansão e reestruturação esteja sendo implementado. Nos últimos anos, as reitorias dessas universidades orquestraram um plano de criação de uma série de novos cursos e campi no interior dos Estados, ampliação das vagas, abertura de turnos noturnos e o aligeiramento da formação profissional.

A motivação dessas lutas é fácil de compreender. Como a expansão não veio acompanhada de um aumento qualitativo de investimento de verbas, avançou-se para a precarização da educação. Os estudantes estão sendo obrigados a enfrentar no dia a dia salas superlotadas, filas crescentes nos restaurantes universitários, pouquíssimas vagas nas moradias, falta de professores e a substituição dos de dedicação exclusiva por temporários (projeto “professor-equivalente”), bolsas que não atendem a demanda e não sofrem reajustes, obras não finalizadas, acúmulo de problemas estruturais e um longo etc.

Desta forma, passados os 5 anos do REUNI, fica claro que foi vendido expansão na forma de precarização. O que as mobilizações de 2007 e 2008 alertaram ao conjunto da sociedade que, com o REUNI, ficaria em cheque o caráter público, gratuito e de qualidade das universidades públicas, se provou na realidade.

Para onde vai a universidade pública de qualidade?

O projeto do REUNI está comprometido com uma lógica de universidade, que o novo PNE globaliza e aprofunda. Passa por impor uma derrota histórica ao modelo de universidade vigente até então, que apesar de todos os problemas acumulados e das desigualdades regionais, mantinha um incentivo à pesquisa e à extensão, uma gama de professores dedicados a formar bons profissionais em suas áreas, currículos mais complexos com exigência de estágios, monografias, horas extracurriculares etc. O REUNI, inspirado pelo projeto da Universidade de Bolonha, promove um aligeiramento dos currículos e um processo crescente de substituição dos cursos profissionalizantes por “tecnólogos”. Ou seja, a universidade pública perde a qualidade no ensino que ainda restava e passa por uma metamorfose para transformar-se em um grande “escolão de 3º grau”. O governo federal procurou manter alguns centros de excelência que formem profissionais de qualidade e, ao restante, lhes sobra o papel de formação de mão de obra de baixa qualificação para ocupar postos de trabalho precarizados.

Este modelo está a serviço do mercado, que se beneficia com a formação “em linha de montagem” desta mão de obra “qualificada” e barata para sustentar seu crescimento, enquanto aumentam as taxas de desemprego ou exercício de outras funções pelos profissionais formados no ensino superior. O PNE está comprometido com essa lógica, já que

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em uma série de projetos (PROUNI, PRONATEC, FIES, Ensino a Distância, ENADE) orquestra uma expansão que beneficia diretamente o setor privado da educação, brindando-lhes isenções fiscais, e tornando-o um dos mais lucrativos setores do país.

Das lutas estudantis do último período, uma série de conquistas foram garantidas. Seja no aumento das políticas de assistência estudantil, como reajuste e ampliação das bolsas na UFSC, construção e ampliação de restaurante universitário na UFMS e demais universidades, ampliação de vagas nas moradias como conquistou a UFPR, vagas para estudantes-mães nas creches universitárias como se deu na luta da UFRJ, além da contratação de professores, reformas estruturais e finalização das obras, e uma série de outros exemplos que poderiam ser citados. Tudo, porém, ameaçado pela continuidade de uma expansão que não aumenta o investimento. O decreto do REUNI afirmava que as universidades receberiam por 5 anos “até 20% de seus orçamentos” para realizar as transformações que propunha. Agora, passado esse tempo, a que sorte ficarão?

Através do novo PNE, o governo Dilma está propondo que outros níveis de ensino acompanhem o modelo de implementação do REUNI já avançado nas federais. E faz isso prevendo ainda o absurdo da transferência de verbas públicas para beneficiar as instituições privadas. Para ser coerente, o mínimo que deveria fazer é garantir uma ampliação considerável do investimento em educação, porém sua proposta de PNE passa longe disso. Na meta 20 do novo PNE, o governo federal reafirma o patamar de 7% do PIB investido em educação, a ser atingido apenas em

Só a resistência de estudantes, professores e

funcionários pode defender a universidade pública

2012. O mesmo índice aprovado pelo antigo PNE há 10 anos, que o então presidente da República Fernando Henrique vetou e que Lula manteve o veto.

Dessa forma, não há saída para a defesa da universidade pública, de sua gratuidade e qualidade, senão a resistência e luta sistemática daqueles que, por décadas, defendem a educação: o movimento de professores, estudantes e funcionários. Em cada mobilização local, e estas articuladas nacionalmente, deve ser feita a defesa de uma expansão com 10% do PIB para a educação. Assim como os últimos 5 anos, os próximos 10 marcados pela implementação do novo PNE serão de um cabo de guerra entre o movimento social independente e o governo federal e seus fiéis aliados tubarões do ensino.

É preciso articular as forças de luta em campanhas nacionais e iniciativas concretas. A exemplo da campanha em defesa de 10% do PIB para a educação pública já, que contou com a realização de um Plebiscito Popular, com mais de 400 mil votos, a unidade deve prevalecer entre aqueles que estão dispostos a ir até o fim nesta resistência, lutando com muita unidade e independência política. O comitê nacional, que contou com a participação ativa do ANDES, ANEL, CSP Conlutas, SINASEFE, MTST e outras entidades, foi fundamental para organizar iniciativas que dessem corpo à campanha. Infelizmente, constatamos ao longo desse processo que as entidades e movimentos tradicionais que levantaram essa bandeira na história de nosso país passaram a uma defesa vazia de conteúdo e de apoio ao governo federal. UNE, CUT, CNTE, ao mesmo tempo que declaravam-se favoráveis ao novo PNE, realizaram ações midiáticas e superestruturais para exigir a mudança na meta 20 do projeto dos 7% para 10%. Fizeram isso sem nenhum questionamento sobre a necessidade desse contingente ser voltado apenas ao ensino público, e não para favorecer as instituições privadas, e que essa necessidade não era imediata, mas que poderia ser garantido só daqui a 10 anos, em 2020. Prova disso é que ficaram de fora da organização da Jornada de Lutas de agosto e a Marcha em Brasília ou do Plebiscito Popular realizado em novembro do ano passado. Isso só reforça a importância de entidades

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Devemos batalhar para que as universidades públicas estejam a serviço da classe trabalhadora, o que passa por uma profunda expansão de vagas para combater o inaceitável índice de 4% de jovens entre 18 a 24 anos nas universidades públicas. É preciso que os filhos da classe trabalhadora e a juventude negra ingressem na universidade, que hajam medidas de democratização do acesso, como as cotas raciais e a luta pelo fim do vestibular. Mas não podemos parar por aí. Queremos que a produção de conhecimento em nosso país esteja voltada aos problemas sociais, a uma formação crítica da realidade. Devemos em cada luta organizada em cada universidade do país, defender a nossa concepção de educação e universidade, reafirmando seu caráter público, gratuito e de qualidade. Não devemos aceitar mais a contradição enorme de sermos a 6ª economia do mundo e termos péssimos índices educacionais e de desenvolvimento humano. Batalhando por esse ideal fortaleceremos a luta não só pela transformação da educação, mas do conjunto da sociedade. O movimento estudantil independente, organizado através da ANEL, está comprometido com a aliança e com os trabalhadores para atingir esse ideal.

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