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CAMBIASSU – EDIÇÃO ELETRÔNICA Revista Científica do Departamento de Comunicação Social da
Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 2176 - 5111
São Luís - MA, Julho/Dezembro de 2012 - Ano XIX - Nº 11
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Notícia e interesse público: Os jornais
impressos e a disputa de leitores e
anunciantes11
Francisco GONÇALVES DA CONCEIÇÃO12
RESUMO: Os jornais impressos e diários de São Luís (MA). Disputa do mercado de
anunciantes e do mercado de leitores e o interesse público. A concentração das verbas
publicitárias nos chamados jornais de referência e as estratégias dos pequenos jornais. A
disputa das verbas publicitárias e os modos de fazer jornal na capital maranhense. Dilemas
éticos e estratégicos nas relações dos jornais com os anunciantes e leitores.
PALAVRAS-CHAVE: Jornais Impressos, Anunciantes, Leitores, Interesse Público.
ABSTRACT: The newspapers and journals of São Luís (MA). Market advertisers and
readers market dispute and the public interest. The concentration of advertising investment in
the newspapers considered references and strategies of small newspapers. The contest of
advertising and ways of doing journalism in Maranhão’s capital. Ethical and strategic
dilemmas in relationships between newspaper readers and advertisers.
KEY WORDS: Newspapers, Advertisers, Readers, Public Interest.
1. O problema
Os jornais impressos, diários e empresarialmente organizados, não disputam apenas a
atenção dos leitores, mas também a dos anunciantes. Para tanto, a produção dos jornais
obedece a objetivos estrategicamente definidos pela direção das empresas jornalísticas e
compartilhados pelas suas respectivas unidades de captação de anúncios e produção de
11 Versão resumida desse artigo foi publicada nos anais da II Jornada de Pesquisa e Extensão/XII Semana de Comunicação da UFMA, realizada de 29 de maio a 1º de junho de 2012, em São Luís (MA). 12 Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ e professor do Departamento de Comunicação Social da UFMA. E-mail: [email protected]
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notícias. Para legitimar e credibilizar o produto jornal, empresários e jornalistas, no entanto,
costumam invocar a separação “Igreja-Estado”, ou seja, a autonomia da redação em relação
ao departamento comercial e/ou marketing.
Independente do grau de autonomia que uma unidade mantém em relação à outra, a
produção do jornal é orientada pelo tipo de público que pretende capturar e o perfil do
anunciante que espera atrair para as suas páginas e cadernos. Essa equação determina a
formatação do produto e o seu posicionamento no mercado. Como as empresas jornalísticas
dispõem dos mais variados recursos e estabelecem as mais distintas relações com os campos
político e econômico no Estado, diferentes modelos de negócios orientam essas estratégias de
produção de leitores e anunciantes.
Recentes disputas pelo “bolo publicitário”, tendo como protagonistas os jornais de
pequena tiragem na capital do Estado do Maranhão, permitem observar algumas dessas
estratégias de formatação dos jornais e disputa do mercado de anunciantes e leitores. Ao
analisar essas estratégias, é possível observar tensões entre a disputa do mercado de leitores e
anunciantes e o interesse público. Os dados analisados neste artigo foram coletadas pela
equipe do projeto de pesquisa Mercado&Notícia, que estuda as relações entre os jornais,
leitores e anunciantes em São Luís (MA).
2. O mercado
Atualmente, onze jornais diários disputam o mercado de impressos em São Luís: Aqui-
MA, O Imparcial, O Estado do Maranhão, Jornal Pequeno, Tribuna do Nordeste, Jornal
Extra, Atos e Fatos, 4º Poder, O Debate, A Tarde e Correio de Notícias. O mais antigo em
circulação é O Imparcial, fundado em 1926, e o mais novo é o Aqui-Ma, lançado em 2008,
ambos da empresa Pacotilha S.A., dos Diários Associados. Em circulação, os outros dois mais
antigos são o Jornal Pequeno, fundado em 1951, e O Estado do Maranhão, fundado em 1973,
embora os fundadores d’O Estado invoquem a data de 1959, ano em que a empresa Jaguar
relança o Jornal do Dia13
. Atos e Atos, O Debate e Tribuna do Nordeste começaram a circular
no último quartel do século XX. O primeiro, em 1984, o segundo, em 1983, e o terceiro, em
13 O Jornal do Dia circulou pela primeira vez no dia 03/03/1953. É relançado em 1969. No dia 01/05/1973, José Sarney e Bandeira Tribuzzi fundam o jornal O Estado do Maranhão, para o qual reivindicam a história do Jornal do Dia, a partir da data em que ele foi relançado pela empresa Jaguar. Sobre isto, cf a história oficial do jornal (http://imirante.globo.com/oestadoma/internas/historico/) e artigo de Ramon Bezerra Costa e Francisco Gonçalves da Conceição sobre as origens d’O Estado (http://www.intercom.org.br/papers/regionais/nordeste2008/resumos/R12-0243-1.pdf).
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2000. Os outros quatro jornais foram fundados na primeira década do século XXI: Jornal
Extra, em 2004, Correio de Notícias, em 2008, e Jornal A Tarde e O Quarto Poder, em
2007.
Sobre a penetração desses jornais no mercado de anunciantes e leitores, os dados são
bastante precários. Por exemplo, apenas a tiragem de dois jornais é auditada pelo Instituto de
Verificação de Circulação (IVC), no caso Aqui-Ma e O Estado do Maranhão14
. Em 2010,
pesquisadores do projeto Mercado&Notícia entrevistaram os gestores dos jornais em
circulação na capital para levantar esses dados. Dos entrevistados, apenas os dirigentes do
jornal Correio de Notícias não respondem o questionário. Os dados disponíveis, assim, são
aqueles informados pelas próprias empresas. Os três principais jornais em termos de
referência – Jornal Pequeno, O Imparcial e O Estado circulavam durante a semana com 8, 10
e 13 mil exemplares, respectivamente. Os demais, com exceção do Aqui-MA, oscilavam entre
1.500 e 4.000 mil exemplares. O Aqui-Ma, em 2010, chegou à faixa dos 40 mil
exemplares/dia, respondendo por cerca de 50% da tiragem diária de jornais impressos na
capital.
Campanha publicitária do jornal Aqui –Ma (Aqui, 02/02/12)
14 Conselho Executivo das Normas-Padrão (CENP) lançou em 17/05/2012 uma campanha publicitária voltada para reverter o baixo índice de veículos impressos com circulação verificada no país e conferir “transparência quanto à circulação para que os anunciantes, públicos e privados, e as agências tenham mais segurança no momento de investir em publicidade”. Além da CENP, participam da campanha a Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), Associação Brasileira de Agências de Publicidade (ABAP), Federação Nacional das Agências de Propaganda (FENAPRO), Associação Nacional de Jornais (ANJ), Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER), Associação dos Diários do Interior Brasil (ADI Brasil), Associação Nacional dos Jornais do Interior do Brasil (ADJORI Brasil), Associação Paulista de Jornais (APJ), Associação Nacional dos Editores de Publicações (ANATEC), Grupo de Mídia de São Paulo e Instituto Verificador de Circulação (IVC). Conferir: http://www.anj.org.br/sala-de-imprensa/cenp-inicia-campanha-para-expandir-verificacao-de-circulacao.
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Dos entrevistados, sete forneceram informações parciais sobre o seu faturamento. No
ano de 2009, por exemplo, o Aqui-MA faturou um milhão de reais, O Estado do Maranhão 19
milhões, O Debate, 121 mil reais, Tribuna do Nordeste, 260 mil e A Tarde, 25mil reais. A
maioria dos jornais faturou menos de 400 mil reais por ano. Sobre as previsões de
faturamento em 2010, dos entrevistados que responderam apenas três apontaram valores
superiores a um milhão: Aqui-Ma, com previsão de faturamento de 2,9 milhões, O Imparcial,
com previsão de 14 milhões e O Estado, com 19 milhões. O dirigente do 4º Poder usou
palavras para expressar os números: “Não é animador”. E o representante do Jornal Extra
chegou a afirmar que não havia qualquer previsão, dado o grau de incerteza do negócio.
Embora os valores declarados sejam parciais, eles apontam, por um lado, forte concentração
de verbas publicitárias em um terço dos veículos15
e, por outro, dificuldade dos demais em se
manterem no negócio, já que 25 mil reais/ano não é suficiente para cobrir os custos de um
jornal.
Em 2010, o jornal Gazeta da Ilha deixou de circular diariamente e, em seguida, na
forma impressa16
. Na entrevista ao grupo de pesquisa, o diretor do jornal, Matias Marinho,
expôs as dificuldades de impressão (custo), distribuição (logística) e sustentação (anúncios).
Sem resolver essas questões, o proprietário d’A Gazeta decidiu investir no site de notícias GI
PORTAL (http://www.gazetadailha.com.br/). Em 2009, A Gazeta da Ilha chegou a faturar
bruto R$ 30.304,00 e líquido R$ 21.000,00. A situação do jornal, como o faturamento dos
outros também indica, não era um caso isolado. Antes do Gazeta da Ilha, o jornal Folha da
Manhã, de Roberto Kenard, já tinha deixado de circular. No final de 2011, o jornal Tribuna
do Nordeste também deixou de circular. Embora os proprietários insistam que o mesmo
continua em circulação, desde o final de 2011, o jornal não é encontrado em nenhum dos
principais pontos de venda da cidade. Com a paralisação das atividades do jornal Folha da
Manhã, Roberto Kenard investiu os seus esforços profissionais no blog do Kenard, dedicado a
notícias e análises.
3. A disputa do bolo publicitário
15 Embora o Jornal Pequeno não tenha informado o seu faturamento e nem a sua previsão de faturamento, a empresa se situa entre os os jornais com maior faturamento anual. Quando da entrevista, a responsável pelo setor de finanças do jornal encontrava-se em tratamento de saúde no Estado de São Paulo. 16 Antes do jornal A Gazeta da Ilha, o jornal Diário da Manhã também já havia deixado de circular.
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No mesmo ano em que Matias Marinho fechou A Gazeta da Ilha, a disputa pelas
verbas publicitárias ganhou a primeira página dos jornais. Em 2010, os chamados pequenos
jornais, assim denominados por conta do número de página e tiragem, organizaram, no dia 26
de julho, a Sociedade Maranhense dos Jornais (SOJORNAL). Matéria publicada no portal GI,
do mesmo grupo do jornal A Gazeta da Ilha, informava que o propósito da associação era o
“fortalecer os veículos de comunicação que atuam na mídia impressa e normalmente são
destratados pelo poder público e por grandes empresas”. Para o site Atos e Fatos, a
SOJORNAL pretendia representar um “crescente segmento da comunicação impressa do
Maranhão, hoje caracterizada como imprensa nanica”. Participaram do ato de fundação Atos
e Fatos, Correio de Notícias, Jornal Extra, Folha de Notícias, Gazeta da Ilha, Jornal
Independente, O Debate e o 4º Poder.
Declarações do prefeito João Castelo classificando os “pequenos” jornais de
“jornalecos” foram decisivas para a realização da reunião que levou à fundação do
SOJORNAL. De acordo com o jornalista e blogueiro Luís Cardoso, Castelo, em entrevista a
emissoras de rádio e TV, além de classificar os diários de “jornalecos”, insinuou que eles
criticavam sua administração “porque não teriam sido contemplados pelos cofres da SECOM
municipal”. O pronunciamento do prefeito, considerado discriminatório e desrespeitoso,
motivou a reunião do dono dos pequenos jornais. Em nota publicada na primeira página pela
maioria dos associados, a SOJORNAL repudia “o posicionamento discriminatório do
prefeito” e manifesta a esperança que o mesmo “reconheça sua precipitação e retorne o
diálogo respeitoso e salutar” com a categoria. Nem a nota da SOJORNAL, nem os jornais
associados fazem qualquer referência ao comentário do prefeito sobre o acesso aos cofres da
Secretaria de Comunicação.
Causou surpresa as declarações do prefeito de São Luís, Sr. João Castelo, em
veículos de comunicação local contra a mídia impressa, classificada por ele de
“jornalecos”. O prefeito está faltando com o respeito, já que sua Secretaria de
Comunicação liga sistematicamente para as redações dos mesmos diários que ele
taxa de “jornalecos”, solicitando divulgação com destaque das matérias de interesse
da Prefeitura de São Luís, inclusive pessoais do prefeito João Castelo.
A surpresa é ainda maior, porque em campanha eleitoral, o então candidato João
castelo reuniu com os jornais que hoje ele destrata, por acreditar no potencial destes veículos de comunicação. (SOJORNAL, 26/07/2010)
Ao mesmo tempo em que a SOJORNAL expunha o repúdio da categoria, procurava
reatar as relações com o prefeito da capital, a considerar as referências às conversas de
campanha eleitoral e aos pedidos de destaque da Secretaria de Comunicação. Embora o
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prefeito tenha se referido à distribuição das verbas publicitárias, não fica claro se os jornais
estavam criticando o governo por isso ou o se o prefeito excluiu os jornais do plano de mídias
por conta das críticas à sua administração. Por exemplo, no dia 15/06/2010, o jornal O Debate
publicou um editorial na primeira página com o título “Mãos à obra, Castelo!”. Através desse
editorial, O Debate começa afirmando que decorrido mais de um ano de mandato, o atual
prefeito de São Luís continuava na “moita”, “sem dizer a que veio ou quando colocará em
prática o seu plano de governo apresentado em campanha”. E conclui afirmando que “está
passando da hora de o prefeito João Castelo fazer valer o voto de seus eleitores”.
A SOJORNAL voltaria se pronunciar publicamente no dia 17.11.2010, através da
nota “Apelo à Procuradoria Geral do Estado”. Por meio dessa nota, a SOJORNAL solicitou
aos dirigentes da Procuradoria Geral do Estado que acelerassem a tramitação dos processos de
pagamento dos serviços prestados à Secretaria de Educação do Estado, pelos veículos de
comunicação. A favor desse pedido, a SOJORNAL argumenta que, já estando no final do
exercício, “o não pagamento dos serviços que prestamos pode gerar consequências graves
para as empresas de comunicação que veiculam Notas e Editais do Governo do Estado”. Ao
criticar a “lentidão exagerada” dos processos dos veículos de comunicação, a SOJORNAL
observa que “não podemos concordar que tais liberações de processos, em tramitação pela
Procuradoria, demorem três meses, como vem acontecendo”. Em razão de compromissos com
os credores, a SOJORNAL apela à Procuradoria Geral do Estado e à Secretaria de Educação
para que “liberem imediatamente todos os processos dos veículos de comunicação”.
Jornal Extra, 26/07/2010
Atos e Fatos, 19/11/2010
O Debate, 15/06/2010
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As duas notas emitidas pela SOJORNAL demonstravam a importância das verbas
publicitárias dos governos estadual e municipais para a manutenção das empresas
jornalísticas. A primeira nota expõe algumas das facetas das disputas das verbas publicitárias
da prefeitura de São Luís e a posição da prefeitura no que diz respeito à cobertura dos jornais
aos eventos relacionados à administração municipal e à política de distribuição da publicidade
oficial. A segunda nota evidencia outro aspecto não menos importante: o papel da publicação
de notas e editais na sustentação financeira desses jornais. Sem acesso às verbas publicitárias
das grandes e médias empresas do estado, as finanças dos jornais dependem
significativamente da publicação de notas e editais do governo do estado e das prefeituras. A
política de distribuição das verbas publicitárias oficiais vai levar outro jornal, também
associado à SOJORNAL, a protagonizar um irônico protesto à concentração de publicidade
nos grandes veículos de comunicação.
Jornal Extra, 19-20/02/2012
Jornal Extra, 19-20/02/2012
Jornal Extra, 19-20/02/2012
O Jornal Extra, de 19/20 de fevereiro de 2012, publicou matéria “MENOS A MÍDIA
IMPRESSA - Período de Carnaval movimenta vendas em diversos setores na capital” e
veiculou anúncio de página inteira, em que os esperados anúncios da programação do
carnaval da prefeitura de São Luís e DO governo do Estado foram jocosamente representados
por “bláblás”. Na capa do jornal, sobre a imagem de um arlequim, a manchete e a chamada:
“Minha animação contagiante para este carnaval! Graças a Roseana Sarney e João Castelo:
programação do carnaval 2012 do Governo do Estado e da Prefeitura de São Luís”. O protesto
bem humorado do Jornal Extra expõe tanto as dificuldades de faturamento dos pequenos
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jornais, como dificuldades da imprensa em relação a outras mídias. Nessa mesma edição, a
Coluna Agente X9 informava que o DETRAN-MA havia lançado campanha publicitária para
o Carnaval, mas não tinha incluído a mídia impressa; apenas rádio, televisão e outdoor.
4. Interesse público
Quase um ano depois da organização da SOJORNAL, um dos seus fundadores
adotaria uma posição drástica, que exporia algumas das relações constitutivas da tríade
jornal/leitor/anunciante em São Luís. No dia 2 de junho de 2011, Udes Filho17
, diretor geral
do jornal 4º Poder, publicou o artigo “O estupro da imprensa”, em que anuncia a política
editorial e comercial do jornal: “A partir de agora, o jornal 4º Poder não mais publicará
release promocionais de empresas que não sejam nossas parceiras comerciais”. Para Udes
Filho, os jornais são valorizados pelas assessorias de imprensa, para a divulgação gratuita,
mas ignorados pelas agências de publicidades “na hora da publicidade paga”. É este o
argumento que Udes Filho vai desenvolver para justificar a política editorial do 4º Poder e
conclamar a todos “os colegas, empresários, diretores de jornais impressos e emissoras de
rádio e televisão” para compartilhar essa ideia.
Em São Luís, é comum que grandes grupos empresariais contratem empresas de
assessorias de imprensa para divulgação de suas ações institucionais, através de
matérias jornalísticas encaminhadas a todos os veículos de comunicação do Estado.
Isso sem pagar absolutamente nada aos meios de comunicação.
Estas mesmas empresas jornalísticas, que usam suas assessorias de imprensa para
divulgação de textos promocionais sem nada pagar pela exposição, também
contratam agências de publicidade para divulgação de propaganda paga. Neste caso,
apenas alguns raros veículos de comunicação são procurados para veiculação
remunerada (UDES FILHO, 2011).
17 Não confundir Udes Filho com Udes Cruz. Embora o segundo seja o pai do primeiro, Udes Cruz é o fundador do jornal
Atos e Fatos e Udes Filho o diretor geral do jornal 4º Poder. Primeiro presidente da Sociedade Maranhense dos Jornais
(SOJORNAL), Udes Cruz faleceu no dia 04/02/ 2012.
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4º Poder, 02/06/2011 4º Poder, 02/06/2012
Udes Filho explica que há anos esse tipo de abuso vem acontecendo em São Luís, “por
conivência de jornalistas e diretores de meios de comunicação”. No seu entender, alguns
veículos de comunicação se submetem a situações humilhantes para que consigam contratos
de publicidade “com certas empresas privadas”: É como se o anunciante estivesse fazendo um
favor. Para ele, “este tipo de atitude só contribui com a desvalorização dos veículos de
imprensa”. Tendo como alvo principal os empresários, Udes Cruz Filho é taxativo:”Ou
moralizamos a situação, ou parte da imprensa continuará sendo usada, abusada e
desacreditada comercialmente”. No que se refere ao jornal 4º Poder, é incisivo: “Não mais
nos deixaremos usar pelos empresários espertalhões”. Para tanto, Udes invoca a posição do
sua empresa no mercado de notícias. O jornal tem crescido e o site estaria entre os mais
acessados do Estado.
Para combater as humilhações com que determinadas empresas privadas tratam os
jornais e valorizar os veículos de imprensa, Udes Filho propõe simplesmente que os jornais só
publiquem releases dos anunciantes. Ao mesmo tempo em que expõe uma prática que por si
só descredibiliza os veículos de comunicação, Udes propõe um pacto entre empresários da
notícia e empresas interessadas em anunciar nos jornais o que exclui o terceiro elemento de
todo e qualquer contrato no campo jornalístico: o leitor que compra o número avulso ou
assinatura do jornal na expectativa de ler os principais acontecimentos do dia e que podem
interferir na sua vida e na vida de sua comunidade. A publicação de material promocional das
empresas - para usar uma expressão do próprio Udes Filho - como se fosse notícia implica
enganar o leitor, exatamente porque se trata de material de promoção de interesse da
fonte/anunciante.
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Neste caso, trata-se do release, o instrumento mais comum em uma assessoria de
imprensa. Por meio desse instrumento, a assessoria informa e/ou chama a atenção do
jornalista para um assunto que pode tornar-se notícia. Utiliza técnicas jornalísticas na forma
com que é redigido para apresentar um assunto de interesse que se supõe público, mas com o
ponto de vista da fonte. Ou seja, o objetivo do release é promover um determinado ponto de
vista sobre acontecimento de interesse do assessorado. Por isso mesmo, todo e qualquer jornal
preocupado com a sua credibilidade e que leve em conta o interesse do leitor toma o release
como sugestão de pauta e não como notícia a ser publicada, sem nenhuma apuração das
informações apresentadas. Como Udes Filho reconhece, em seu artigo, é comum em São Luís
que releases de empresas e órgãos públicos sejam publicados como notícia e o leitor encontre
em jornais concorrentes o mesmo texto, a mesma foto, a mesma abordagem e até a mesma
angulação.
De modo geral, as organizações empresariais do ramo do jornal, como a Associação
Nacional dos Jornais (ANJ) e a Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER),
defendem a independência editorial como valor, necessário para assegurar a credibilidade dos
veículos de comunicação e o compromisso com o leitor. Ocorre que a disputa de anunciantes
e os acordos estabelecidos com esses provocam conflitos de interesse que, a depender do
perfil econômico e político da empresa, a primeira vítima pode ser exatamente o compromisso
com o leitor. Como observa Bucci (2000, p. 71), anunciantes de muito peso acabam falando
como sócios, principalmente com pequenos jornais e emissoras de rádio cujas receitas
publicitárias vêm em peso dos governos municipal, estadual e federal. Neste caso, é o próprio
jornal que, diante das dificuldades de ampliar a sua receita, propõe uma “sociedade” com os
anunciantes.
Bucci (2000, p. 63), ao defender a separação entre “igreja” e “estado”, entre redação e
departamento comercial, argumenta que, “enquanto o leitor paga para saber a verdade dos
fatos, o anunciante paga para que o leitor acredite naquilo que a ele, anunciante, convém”. O
anúncio apresenta/reforça uma versão que se pretende tornar hegemônica. A notícia, para que
não vire anúncio, deve apresentar as principais versões de um mesmo fato, assegurando a
pluralidade das fontes, cruzando informações e ouvindo o outro lado. Pelo menos é essa
noção de notícia que tem legitimado o jornalismo nas sociedades contemporâneas e atribuída
uma dada credibilidade aos jornais e aos jornalistas. A proposta editorial e comercial do 4º
Poder rompe com essa lógica e convida os outros jornais, profissionais e empresários do ramo
a adotarem a mesma política. Sobre essa proposta, os outros jornais ficaram em silêncio.
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5. Ponto de passagem
A concentração das verbas publicitárias em alguns poucos veículos é provocada, entre
outras razões, pela tiragem dos jornais. Mas, apenas a tiragem não explica, já que mesmo os
grandes jornais da cidade, como O Imparcial e O Estado do Maranhão, mantêm tiragens
médias muito pequenas em relação à população leitora, com ensino médio e formação
universitária e com maior poder aquisitivo, por exemplo. Outros fatores também determinam
a escolha dos veículos pelos anunciantes.
A maioria dos jornais da capital, além de pequenas tiragens, dirige-se às faixas de
consumo C e D. Sem o interesse da maioria das empresas em anunciar em suas páginas, esses
jornais tendem a disputar prioritariamente a publicidade de origem pública, o que explica as
tensões entre jornais e prefeitura de São Luís ou o protesto bem humorado do Jornal Extra. A
publicação de notas e editais, pelo que demonstra a própria nota da SOJORNAL, constitui-se
em receita importante desses jornais.
O posicionamento dos jornais no sistema midiático também contribui para a
canalização das verbas publicitárias. Além da maior tiragem dentre os jornais dirigidos às
faixas de consumo A e B18
, o jornal O Estado do Maranhão, por exemplo, faz parte do maior
grupo de mídia do estado, com emissoras de rádio e televisão e portal de informação filiado
ao G1, da Rede Globo. Hoje, O Estado do Maranhão é o jornal que reúne a maior carteira de
anunciantes, incluindo as maiores empresas do estado.
A concentração das verbas publicitárias em determinados veículos por razões
comerciais e/ou políticas, a reação dos chamados pequenos jornais também interessados em
participar do bolo publicitário e o papel das agências de publicidade e das assessorias de
comunicação na disputa desse mercado ajudam a compreender algumas das relações que
formam o campo do jornalismo no Maranhão. Nessas disputas de verbas e notícias, o leitor é
o elo mais frágil, a quem é servido reclame como notícia.
REFERÊNCIAS
BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
18 O jornal também é consumido pela faixa de consume C. Cf. pesquisa Ibope Easy Media, na Grande São Luís,
no período de 23 a 30 de março de 2009: http://imirante.globo.com/oestadoma/internas/o-jornal/.
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CASTELO compra briga com jornais da capital. Acesso:
http://www.luiscardoso.com.br/politica/castelo-compra-briga-com-jornais-da-capital/. Acesso
em 5 jan. 2012.
CONCEIÇÃO, Francisco Gonçalves da. O dissídio das vozes: a política dos jornais
segundo os manuais de redação Folha, Estado e Globo. São Luís, EDUFMA, 2010.
CONCEIÇÃO, Francisco Gonçalves da et al. Questionário I – Produção circulação e
consumo dos jornais impressos e diários de São Luís-MA. Projeto de Pesquisa Mercado&
Notícia: jornal, interlocução e poder em São Luís. São Luís, UFMA, 2010.
DONOS de jornais criam associação para defender veículos. Acesso em:
http://antigo.gazetadailha.com.br/noticia.php?not_id=8957. Consultado em 5 jan. 2012.
DUARTE, Jorge (org.). Assessoria de imprensa e relacionamento com a mídia. São
Paulo: Editora Atlas, 2002.
FILHO, Udes. O estupro da imprensa. O Quarto Poder, São Luís, 2 de jun. 2011, p.2.
FONSECA, Virginia Pradelina da Silveira. Indústrias de notícias: capitalismo e novas
tecnologias no jornalismo contemporâneo. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2008.
JORNAIS do Maranhão fundam sua entidade representativa. Acesso:
http://atosefatos.jor.br/?p=2866. Consultado em 5 jan. 2012.
JORNAIS se unem contra agressões de João Castelo. Acesso:
http://www.oquartopoder.com/jornais-se-unem-contra-agressoes-de-joao-castelo/.
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CAMBIASSU – EDIÇÃO ELETRÔNICA Revista Científica do Departamento de Comunicação Social da
Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 2176 - 5111
São Luís - MA, Julho/Dezembro de 2012 - Ano XIX - Nº 11
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Entrevistas
ARIELA, Vanessa. Entrevista concedida no dia 1º de setembro de 2010, em São Luís –
MA, à Jade Bonna Vitória Duarte.
CRUZ FILHO, Udes Lemos da. Entrevista concedida no dia 27 de julho de 2010, em
São Luís – MA, a Flávia de Almeida Moura e Mariana de Abreu Salgado Filho.
ESTEVAM, José. Entrevista concedida no dia 12 de agosto de 2010, em São Luís – MA
à Camila Silva Rocha.
NOGUEIRA, Nelson . Entrevista concedida no dia 30 de julho de 2010, em São Luís –
MA, à Flávia de Almeida Moura e Mariana de Abreu Salgado Silva.
NUNES, Afonso Celso Lemos. Entrevista concedida no dia 8 de outubro de 2010, em
São Luís – MA, à Julliene Almeida Gomes.
RAIOL, Jorge Luís. Entrevista concedida no dia 12 de agosto de 2010, em São Luís –
MA, à Camila Silva Rocha.
RODRIGUES, Djalma. Entrevista concedida no dia 12 de agosto de 2010, em São Luís
– MA, à Camila Silva Rocha.
_______. Entrevista concedida no dia 16 de agosto de 2010, em São Luís - MA, à
Francisco Gonçalves da Conceição.
SOUZA, Rubem César Gusmão. Entrevista concedida no dia 16 de agosto de 2010, em
São Luís - MA, à Francisco Gonçalves da Conceição.