Nos alvores do Neolítico regional: um povoado na ... · Centro de Interpretação de Vila do...
Transcript of Nos alvores do Neolítico regional: um povoado na ... · Centro de Interpretação de Vila do...
Centro de Interpretação de Vila do Bispo
do MêsistóriaHNos alvores do Neolítico regional:um povoado na Cabranosa comcerâmica cardial
Centro de Interpretação de Vila do Bispo
do MêsistóriaHNos alvores do Neolítico regional:um povoado na Cabranosa com cerâmicacardial
Na área de Sagres, no sítio da Cabranosa, os Serviços Geológicos identificaram, no ano de 1970, um povoado pré-
histórico datado por Carbono14 de há 6.500 anos. Os trabalhos arqueológicos então realizados e a investigação ulterior
consagraram bibliograficamente a Cabranosa como um sítio-chave para o entendimento do processo de neolitização no
território atualmente português sendo consensualmente definido como um acampamento-base, excepcionalmente
representativo do Neolítico Antigo regional.
A investigação neste povoado permitiu recuperar um búzio púrpura (Thais haemastoma) e algumas conchas, todos
perfurados para adorno, um conjunto de artefactos líticos produzidos em rochas locais (sílex, quartzo, quartzito,
cristal de rocha e grauvaque) e uma coleção de cerca de 17 grandes recipientes cerâmicos, de assinalável beleza
formal e decorativa, alguns dos quais incrivelmente bem preservados e que indiciaram ter servido, não para cozinhar
alimentos, mas para a sua recolha e armazenamento.
Interessante o facto de algumas das pastas cerâmicas utilizadas na produção destes potes apresentarem elementos
minerais não-plásticos (desengordurantes) provenientes dos sienitos da Serra de Monchique, o que pressupõe um
território de exploração bastante alargado para os grupos neolíticos estacionados na Cabranosa. Estes expressivos
artefactos cerâmicos fazem hoje parte da coleção do Museu Nacional de Arqueologia, sediado no Mosteiro dos
Jerónimos, em Lisboa.
No contexto arqueológico da Cabranosa, de salientar o registo direto de fauna malacológica colectada pelo marisqueio
marinho (mexilhão, lapas e búzios), mas também indireto e relativo ao marisqueio estuarino, estando em causa marcas
de berbigão plasmadas na decoração “cardial” patente em alguns dos recipientes cerâmicos já referidos. Associada a
uma corrente de expansão cultural neolítica, com epicentro no Próximo Oriente e difundida por via marítima, ao longo
da costa mediterrânea, a cerâmica de tipo “cardial” distingue-se por gramáticas decorativas obtidas pela impressão do
bordo de conchas de berbigão. O berbigão, ou Cardium edule (designação científica), é um bivalve cujas conchas
apresentam uma forma de coração - cardium - cardial.
Uma das características das primeiras cerâmicas, produzidas a partir do Neolítico, quando comparadas com as de
épocas posteriores, reside na sua variedade formal e riqueza decorativa, aspectos que deverão associar-se à intrínseca
novidade tecnológica, à sua emergente importância e ao valor simbólico de que se revestiam. Com o tempo, regista-se
uma tendência para a perda de expressão simbólica na cerâmica doméstica, em favor de uma simplicidade utilitária,
tornando-se as decorações mais funcionais (pegas, asas, perfurações de suspensão, superfícies aderentes), uma
desvalorização ‘compensada’ pela transferência e relativa continuidade decorativa na cerâmica votiva de âmbito
funerário.texto de Ricardo Soares (arqueólogo CMVB)