Noise is a Beautiful Negativity — Interview with Joseph Nechvatal

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“Noise is a beautiful negativity”: Entrevista com Joseph Nechvatal Assim fala Joseph Nechvatal em um dos ensaios do livro, lançado pela Punctum Books, simplesmente intitulado Minóy. Trata-se de um conjunto de ensaios , de Nechvatal e da artista Maya Eidolon, com o objetivo de introduzir a um público mais amplo o trabalho de um dos mais prolíficos artistas da cassette culture dos anos 80 nos EUA. Stanley Keith Bowsza é autor de centenas de trabalhos, todos gravados em cassette e distribuídos pelo correio a sua rede de amigos e colaboradores. O livro, sem ser uma monografia sobre ele, reúne pontos de vista parciais- os ensaios de Nechvatal sobre a “obscuridade” de Minóy, sobre a “arte de ruídos” em geral, o ensaio de Amber Sabri sobre o artista Haint — pseudônimo que Minóy adotou após teoricamente abandonar o trabalho musical em 1992, passando a dedicar-se exclusivamente a colagens digitais que eram publicadas em seu flickr. Dentre estes pontos de vista, destaca-se um ensaio fotográfico de Maya Eidolon — “Minoy as Haint as King Lear” — um jogo de pseudônimos/heterônimos bem característico da “obscuridade” Minóy, como quer Nechvatal. Obscuridade esta que não é apenas questão da própria música, sua qualidade “assombrada”, assolada por cortes e presenças estranhas em contextos sonoros inesperados- as fitas de Minóy eram gravadas na própria casa dele, em um procedimento de sobreposição, não justaposição, de tal forma a gerar paisagens densas das quais os próprios sons desenham e apagam os contornos — mas uma obscuridade que é também característica do gesto estético de alguém que evita tanto o contato público direto quanto a exposição midiática- Minóy era agorafóbico. O caráter de testemunho pessoal passa a informar a própria arte, na medida em que o meio pela qual ela circula dribla de forma eficaz os mecanismos de subjetivação do universo público — “o público” não mais comparece enquanto massa, mas sim atomizado em relações um-para-um entre o artista e os receptores de seus trabalhos. O Ruído é uma bela negatividade. Uma expressão para alguns contraditória — negatividade frequentemente compreendida como, precisamente, aquilo que impede o jogo harmonioso das faculdades de que resultaria o “belo”- que, também, impede a subsunção sem resto do sensível pelo conceito. Propriedade esta que justificaria a caracterização de “imersiva” dada por Nechvatal a esta arte de ruídos, na qual nenhuma subsunção, ou “sinopse” pode substituir a experiência de escuta. Poderia se argumentar facilmente que nenhuma experiência é plenamente comunicável — em sua textura, grão, vivência — a outrem. Mas o argumento aqui é

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Noise is a Beautiful Negativity — Interview with Joseph Nechvatal

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Noise is a beautiful negativity: Entrevista com Joseph Nechvatal

Assim fala Joseph Nechvatal em um dos ensaios do livro, lanado pela Punctum Books, simplesmente intitulado Miny. Trata-se de um conjunto de ensaios , de Nechvatal e da artista Maya Eidolon, com o objetivo de introduzir a um pblico mais amplo o trabalho de um dos mais prolficos artistas da cassette culture dos anos 80 nos EUA. Stanley Keith Bowsza autor de centenas de trabalhos, todos gravados em cassette e distribudos pelo correio a sua rede de amigos e colaboradores. O livro, sem ser uma monografia sobre ele, rene pontos de vista parciais- os ensaios de Nechvatal sobre a obscuridade de Miny, sobre a arte de rudos em geral, o ensaio de Amber Sabri sobre o artista Haint pseudnimo que Miny adotou aps teoricamente abandonar o trabalho musical em 1992, passando a dedicar-se exclusivamente a colagens digitais que eram publicadas em seu flickr. Dentre estes pontos de vista, destaca-se um ensaio fotogrfico de Maya Eidolon Minoy as Haint as King Lear um jogo de pseudnimos/heternimos bem caracterstico da obscuridade Miny, como quer Nechvatal. Obscuridade esta que no apenas questo da prpria msica, sua qualidade assombrada, assolada por cortes e presenas estranhas em contextos sonoros inesperados- as fitas de Miny eram gravadas na prpria casa dele, em um procedimento de sobreposio, no justaposio, de tal forma a gerar paisagens densas das quais os prprios sons desenham e apagam os contornos mas uma obscuridade que tambm caracterstica do gesto esttico de algum que evita tanto o contato pblico direto quanto a exposio miditica- Miny era agorafbico. O carter de testemunho pessoal passa a informar a prpria arte, na medida em que o meio pela qual ela circula dribla de forma eficaz os mecanismos de subjetivao do universo pblico o pblico no mais comparece enquanto massa, mas sim atomizado em relaes um-para-um entre o artista e os receptores de seus trabalhos.

O Rudo uma bela negatividade. Uma expresso para alguns contraditria negatividade frequentemente compreendida como, precisamente, aquilo que impede o jogo harmonioso das faculdades de que resultaria o belo- que, tambm, impede a subsuno sem resto do sensvel pelo conceito. Propriedade esta que justificaria a caracterizao de imersiva dada por Nechvatal a esta arte de rudos, na qual nenhuma subsuno, ou sinopse pode substituir a experincia de escuta. Poderia se argumentar facilmente que nenhuma experincia plenamente comunicvel em sua textura, gro, vivncia a outrem. Mas o argumento aqui que a arte de rudos, precisamente por bloquear o solfejo, a possibilidade de pre-figurao pelo ouvinte do universo sonoro a ser desdobrado (como na msica tradicional as notas musicais, seus ritmos, os padres de escuta pressupostos pelos gneros constitudos) abriria as portas a um espao liso, no pr-determinado em seus elementos constituintes, mas que capaz de ser singularizado a cada pea. Cada pea compartimentaliza este espao a partir dos materiais com os quais escolhe trabalhar.

Assim, se verdade que a obra de MIny prope um excesso ao conceito, segundo Nechvatal, o que se espera da arte de rudos que haja no apenas uma imerso no som, mas tambm uma reabsoro da experincia pelo prprio sujeito que escuta que est escutando. Uma conceitualizao da experincia de imerso (mas que produto, ela prpria, tambm, de construo).

Este construtivismo da arte de rudos, como quer Nechvatal, ps-conceitual tematizado em nossa conversa, na qual conversamos sobre Miny e sobre este lanamento, mas tambm sobre as prprias preocupaes tericas e estticas de Nechvatal tal como comparece em seus trabalhos plsticos, sonoros e textuais (dentre os quais o livro Immersion into noise, que pode ser baixado gratuitamente[footnoteRef:1]). [1: Aqui: http://www.openhumanitiespress.org/immersion-into-noise.html ]

O livro Miny e a cassette/cd podem ser comprados separadamente pelo site da Punctum.

http://punctumbooks.com/titles/minoy/http://www.punctumrecords.com/minoy/

J-P Caron................

Entrevista com Joseph Nechvatal

1. Como voc conheceu o trabalho de Miny e como se envolveu neste projeto? Estou ciente tambm de que o trabalho tele possui relao com seus prprios projetos crticos e tericos e eu gostaria de saber de voc que relaes seriam estas.

JN: Tomei conscincia da existncia de Miny pelo correio. Recebi em meu endereo no Lower East Side uma fita que amei imediatamente: In Search of Tarkovsky. Rapidamente comecei a trocar fitas da Tellus Audio Cassette Magazine[footnoteRef:2] com ele por seus trabalhos. Meus favoritos so Doctor in a Dark Room (1985), Nightslaves (1986) e Firebird (1987). Estas fitas ressoavam consideravelmente com a natureza sobrecarregada dos desenhos de grafite cinza que eu estava fazendo na poca (e que refletiam as preocupaes do tempo com mltiplas formas de proliferao.) Elas me lembraram de quando eu vi pela primeira vez o obscuro performer No Wave Boris Policeband tocar seus sons estridentes em 1978 em um show para levantar fundos para a X Magazine da Colab[footnoteRef:3]. Era hipntica para mim a forma como Policeband apropriou-se de comunicaes de rdio da polcia, entrelaando-as com seu violino dissonante e voz hilria. Depois de Rhys Chatham, o seu estilo de ps-minimalismo deve ter sido a maior influncia na minha prpria busca de um forma de Chaos Magick ps-minimal- uma arte da contemplao mgica. [2: revista publicada sob a forma de cassettes editada pelo prprio Nechvatal nos anos 80. Wiki: http://en.wikipedia.org/wiki/Tellus_Audio_Cassette_Magazine ] [3: Collaborative Project Inc., coletivo de artistas ativo em Nova York. Mais informaes em: http://98bowery.com/punk-years/punk-art-catalogue-section-three.php ]

2. Em seus artigos para o livro voc insiste bastante no carter "imersivo" da obra do Miny e da arte dos rudos em geral. Voc poderia caracterizar de forma breve esta imersividade?

JN: De forma geral, a msica noise dele uma forma de colagem eletrnica labirntica de drones sobrepostos que produz em mim um efeito transcendente. O que eu quero dizer com imerso? No de forma alguma descomplicado. gradiente, como sempre em arte. Eu uso para a arte dos rudos o termo imerso tanto em um sentido forte: os sons que nos circundam, quanto em um sentido fraco: como uma substituio espontnea na qual suspende-se a descrena e o estmulo externo por um intervalo de tempo, como quando a sua ateno envolvida por algo fascinante.

3. A partir do ttulo de sua tese Immersive Ideas/ Critical Distances, voc poderia apontar as relaes entre este carter imersivo e a crtica politica/social que voc reconhece na arte de rudos? Seria a 'distncia correta' um componente essencial da funo crtica da obra de arte? Em outras palavras, a imersividade em si teria uma dimenso crtica/poltica e, se no, possvel de alguma forma compatibiliz-la com a funo crtica?

JN: Eu advogo com Immersion into noise uma conscincia dupla que est tanto por dentro engajada com uma forma que nos fascina ao mesmo tempo em que mantm uma viso de fora, desinteressada, da interao com aquela forma. O aspecto poltico aparece em geral no tema tratado. Por exemplo, no incio dos anos 80 eu e vrios outros artistas ficamos interessados na capacidade distributiva da arte baseada na reproduo. Muitos foram inspirados por um ensaio de 1968 The Dematerialization of Art de John Chandler e Lucy R. Lippard[footnoteRef:4], que defendia que o Conceitualismo possuia uma dimenso politicamente transformadora a ser tratada. O outro texto inescapvel da poca era A obra de arte na era de sua reprodutibilidade tcnica do Walter Benjamin. Inspirado por estas idias, eu produzi uma mostra patrocinada pela Colab (incluindo performances) chamada John Heartfield na galeria ABC no Rio[footnoteRef:5], que ficou montada entre 1o e 18 de Novembro de 1983. Xeroxes e impresses fotomecnicas da arte de John Heartfield (1891-1968), retiradas de um livro foram expostas. Reprodues de suas fotomontagens antinazistas e antifascistas foram coladas por sobre as parades da ABC no Rio, paredes estas que haviam sido pintadas de preto de cima a embaixo. [4: Consultvel aqui: http://cast.b-ap.net/arc619f11/wp-content/uploads/sites/8/2011/09/lippard-theDematerializationofArt.pdf ] [5: http://en.wikipedia.org/wiki/ABC_No_Rio ]

4. Poderamos enxergar uma relao contraditria entre a arte conceitual e o noise como praticado por Miny- que frequentemente visto como um engajamento com o "no-conceitual", ou com aquilo que excede o conceito. Voc v uma continuidade entre estas coisas? Quando voc insiste no aspecto politico como resultante do tema, voc est insistindo na existncia de um tema no interior da msica de rudo?

JN: Para mim, uma arte politicamente engajada que transforma uma arte conceitual visionria. E a arte de ruidos auxilia muito o conceitualismo poltico visionrio.

5. Suspenso da descrena como sintomtica do engajamento com a arte imersiva dos rudos pressupe que a descrena nossa atitude natural?

JN: Pessoalmente, o meu guia espiritual no rudo imersivo tem sido Janus- o deus romano de duas caras, que observa duas direes simultaneamente. Janus similar ao antigo deus egpcio Aker, uma divindade de duas cabeas humanas que vigia os portes oeste e leste de Duat (o reino dos mortos). Assim como Janus possui olhos de ambos os lados de sua cabea, um sistema de crenas similar seria capaz de ver e pensar em todos os lados. Assim, ele um smbolo para a desabituao provocada pelo rudo, a abertura de espirito e por possuir uma viso imparcial, uma vez que Janus seria capaz de olhar para o passado assim como tambm para o futuro. Alm de tudo, ele representa uma questo que possui dois lados. Uma distncia crtica imersiva que est tanto dentro quanto (como em uma viso panormica) fora. Isto significa uma viso da viso e uma escuta da escuta.

6. Voltemos ao Miny. Como as faixas do cd foram escolhidas e compiladas? Estou ciente da imensido do catlogo de MIny. Quais critrios foram usados para escolher as faixas que esto no cd /cassette?

JN: Phillip (PBK) e eu no estvamos interessados em editar excertos de composies mais longas para este projeto. Estvamos mais interessados em compilar uma coleo de seus trabalhos mais curtos, tirados de diferentes pocas de sua carreira, permitindo assim ao ouvinte obter uma impresso mais ampla das realizaes de Miny. Ento, foi o que fizemos. Eu fiz a sequncia de faixas, Phillip aprovou e fez toda a remasterizao.O captulo do livro After Words: The Obscurity of Miny a histria completa de como Philllip e Amber recuperaram o material do esquecimento. uma baita histria. Devemos muito ao Phillip por ter salvado este mestre Americano.

7. Seu envolvimento com a arte imersiva de rudos no limitado sua escrita, mas se desdobra na pintura e na msica (me refiro aqui sua Viral SymphOny[footnoteRef:6]). Esta presena em meios diferentes um resultado dos ideais imersivos? [6: https://archive.org/details/ViralSymphony informaes: http://en.wikipedia.org/wiki/Viral_symphOny ]

JN: Sim, ideais so conceitos. Eu sou um conceitualista- ou mais precisamente- um ps-conceitualista- eu sensualizo dados. Eu segui o conceito viral pelas vrias artes at onde o cdigo me levaria.

10: Como voc v a relao entre todos estes diferentes tipos de relao com o real- msica, pintura, teoria?

JN: O objeto artstico ps-conceitual nos mostra que um mundo lacunar de transmutao incessante emergiu na arte- que corresponde nossa forma de vida atual: uma rea aberta com vrios elos que se conectam. Com o aumento do self pela micro-eletrnica, o agora virtual coexiste com o actual (donde o termo viractual) como os elos digitais com o orgnico. Consequentemente, o objeto artstico ps-conceitual demonstra um sentido entrelaado de viractualidade que acopla o esttico e o malevel.

11. Eu cito de Immersive Ideals/Critical Distances: Parece a mim que devemos levar esta compreenso mais longe e sustentar que a arte profundamente dependente, e de fato seja, metafsica. E metafsica, o texto continua, de fato ideologia. Isto significa que a ontologia dependente do mundo social/cultural? Em que sentido a arte metafsica? Ela cria o prprio mundo ou ela permite acesso textura do real?

JN: A Arte Conceitual concentrou a ateno na idia por trs do objeto e questionou o papel tradicional deste objeto enquanto o portador de significado. Subsequentemente, estas teorias puseram em dvida a necessidade da prpria materialidade enquanto artistas conceituais desmaterializaram a arte pos-minimal e comearam a produzir obras de arte temporalmente efmeras. Se a total desmaterializao do objeto artstico nunca ocorreu, o objeto artstico tornou-se flexvel- e esta flexibilidade, acoplada semitica e ao processamento digital gerou a nova metafsica por trs do objeto artstico ps-conceitual.

12. Portanto a distncia crtica adquirida por uma congregao de concepes metafsicas/ideolgicas explcitas fundamental para a compreenso da arte imersiva (...)assim como em toda arte, assim como arte nunca transparente, mas sempre decorre de processos de idealizao teoricamente carregados esquecidos e velados. No livro Miny voc fala de um tipo de desvelamento do tecido ruidoso de nossa cultura da informao.

JN: Toda arte manifesta. Mas a idia que dentro da arte de rudos ps-conceitual, todos os signos so sujeitos a uma semiose ilimitada- o que quer dizer que eles so traduzveis em outros signos. O objeto artstico ps-conceitual reconhece e usa ao tecido da completa digitalizao ao mesmo tempo em que permanece culturalmente consciente dos valores da permanncia e da monumentalidade- qualidades que podem ser encontradas na poderosa arte analgica. Isto indica e inicia comunhes do corpo protoplsmico com as condies espaciais virtuais. Consequentemente, o aspecto ps-conceitual da arte articula um novo sentido da vida incorporada: em partes, evidente; em partes, obscuro. ................

Notas Aqui: http://www.openhumanitiespress.org/immersion-into-noise.html 2 revista publicada sob a forma de cassettes editada pelo prprio Nechvatal nos anos 80. Wiki: http://en.wikipedia.org/wiki/Tellus_Audio_Cassette_Magazine 3 Collaborative Project Inc., coletivo de artistas ativo em Nova York. Mais informaes em: http://98bowery.com/punk-years/punk-art-catalogue-section-three.php 4 Consultvel aqui: http://cast.b-ap.net/arc619f11/wp-content/uploads/sites/8/2011/09/lippard-theDematerializationofArt.pdf 5 http://en.wikipedia.org/wiki/ABC_No_Rio 6 https://archive.org/details/ViralSymphony informaes: http://en.wikipedia.org/wiki/Viral_symphOny

Links para colocar na entrevista:Nechvatal- Viral Symphony https://www.youtube.com/watch?v=Zpekscwi0wQObras selecionadas de Minyhttps://www.youtube.com/watch?v=klCS5TBmsowhttps://www.youtube.com/watch?v=tk4uc0HGRpghttps://www.youtube.com/watch?v=vWeEOkYOOTMhttps://www.youtube.com/watch?v=rwf9euMgvOMhttps://www.youtube.com/watch?v=UfGVeFhLYRk