No Princípio

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Livro-documentário do espetáculo de dança "No Princípio", produzido por Soraia Silva e CDPDAN/UnB.

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apresentam:

Soraia Silva Zou Mi Sabrina Cunha Yara De Cunto Laura Virgínia Alexandre Nas

Ana Macara

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No PrincípioDocumentário de Espetáculo de Dança

http://cdpdan.blogspot.com/

OrganizadoraSoraia Maria Silva

Editora da Pós-Graduação em ArteCDPDan / Instituto de Artes / CEN / UnB

Brasília, 2010

10 Edição - Agosto / 2010

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“Querida Soraia,

O seu e-mail e o que ele continha a respeito de seu trabalho (do espetáculo No Princípio) constituíram

apenas mais uma confirmação da impressão que, no decorrer desses longos anos de nosso contato editorial e

de amizade, veio se formando em meu espírito a respeito da sua dedicação ao estudo e à prática das artes do espetáculo, sobretudo da dança. Tenho certeza de que essa realização será do maior interesse, não só para os seus criadores como demonstração de seus pontos de vista e de suas práticas, como para o público que, ao assisti-la, colherá o desfrute da contemplação estética. Fique à vontade para utilizar as palavras que lhe dirigi na publicação que você pretende fazer. Você merece por sua seriedade, amor e dedicação à prática e a transmissão das artes – que mais do que quaisquer

outras coisas são a expressão e a medida do ser humano – muito mais do que as minhas pobres palavras.”

Jacó GuinsburgSão Paulo, junho/julho de 2010

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Primeiro Dia:“No princípio, criou Deus os céus e a terra. Disse Deus: Haja Luz; e houve luz.” (Gn 1:1,3)

“Quando danço Deus gosta de criar formas e preencher os meus espaços vazios iluminando-os de vida”

Soraia Silva

Bailarina criadora, diretora e produ-tora do No Princípio, coordenadora do CDPDan/CEN/UnB/, professora orientadora na Pós-graduação em Artes da UnB, desenvolvendo pes-quisa sobre dança.

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No princípio havia um grupo. Pes-quisadores e perseguidores da arte da dança. O que é dançar? Para quê e como dançar na contemporaneidade? Qual o espaço teórico, prático e artístico da dança na universidade? E a pesqui-sa em dança? E as fronteiras entre dança, teatro, literatura, imagem, memória, novas mídias? De um caldeirão de ajuntamentos de experiências e expectativas com a dança, o CDPDan (Coletivo de Documen-tação e Pesquisa em Dança

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E r o s Volúsia da UnB) re-

alizou o espetáculo de dança No Princípio (http://cdpdan.blogspot.com/)

com o patrocínio do FAC. O espetáculo / documentário foi apresentado nos dias 23, 24 e 25 de junho de 2010, no

teatro SESC Paulo Autran, em Taguatinga. Nesse espetáculo estiveram presentes os artistas: Ana Macara (artista convidada da

Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa), Soraia Silva (CDPDan/UnB/Brasília), Alexandre Nas (CDPDan/UnB/Brasília), Laura Virgínia

(CDPDan/UnB/Brasília), Yara De Cunto (artista convidada/Brasília), Zou Mi (CDPDan/UnB/Brasília), Sabrina Cunha (CDPDan/UnB/Brasília). No

Princípio teve como argumento o primeiro capítulo do texto bíblico de Gêne-sis, no qual cada dia da criação foi interpretado por um dos artistas convidados.

Durante o espetáculo cada bailarino criador falou, através de seus gestos e expressões cênicas, de sua tragetória e de seu credo como artistas dedicados à linguagem da dança, tendo como pano de fundo o texto bíblico como uma me-táfora ao desenvolvimento de suas carreiras na dança. Durante o espetáculo, foram realizadas duas projeções: a animação cenográfica, realizada pela ar-tista computacional Suzete Venturelli, e as projeções de partes do memorial / documentário de cada bailarino criador sob a edição de Márcio Garapa e

Jorge Pennington.O objetivo geral do projeto foi desenvolver atividades inte-

gradoras entre os artistas da dança da cidade de Brasília, os bailarinos pesquisadores do CDPDan e outros bailarinos

convidados de reconhecido mérito por suas atuações. Também consideramos importante o diálogo

entre o fazer artístico da dança no âm-bito acadêmico, ou seja, no

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a m b i -ente da universidade

com suas especificidades de produção de conhecimento e os artistas e produtores

de dança independentes, visando uma aproximação dos fazeres e uma troca de experiências. A participação de

cada artista convidado no espetáculo e no documen-tário teve o valor de um depoimento pessoal do ar-

tista na sua reflexão enquanto criador e intérprete da arte da dança.

Gerir o espetáculo do ponto de vista da concep-ção e direção artística, como também ser atuante

como bailarina criadora e produtora me parece-ram tarefas complementares e fundamentais para o produto final, tanto na sua formatação cênica quanto documental. A equipe toda já havia trabalhado comigo em projetos anteri-ores, e esse é um fator interessante em se tratando de um projeto artístico no qual existem concepções pré-visualizadas do quadro cênico dançante a ser realizado. Nesse projeto contamos com um grau elevado de acaso da conjugação dos ele-

mentos a serem contracenados: músi-ca, memória, corpos em movimento,

imagens de arquivo, animação ce-nográfica computacional, ilumi-

nação e figurino. Todos esses elementos se conectaram

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intera-tivamente no processo

de criação. Cada bailarino pode en-trar no seu universo criativo e começar a

desenvolver suas idéias coreográficas, musicais e de figurino juntamente com o músico Glauco Maciel e a

figurinista Flávia Amadeu, sob a minha coordenação. Foram realizadas, como

preparação para os ensaios, aulas de integração do grupo, ministradas pela

bailarina Lina Frazão. À música ca-beria a unidade narrativa das cenas,

estando o processo de criação dessa diretamente vinculada ao diálogo com cada bailarino criador. Ao mes-mo tempo realizava-se a captação das imagens para o documentário a ser projetado em cena, e a ani-mação cenográfica. Essa última, assim como a edição final do documentário e a edição das

imagens memoriais a se-rem mostradas na cena,

partiram de uma concepção inicial.

Para a anima-ção ceno-

g r á -

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fica: os temas dos sete dias da

criação; para os documentários: o registro de fotos, cenas de dança e depoimentos de cada bailarino criador, com uma versão atualizadora do mesmo,

ou seja: eles deveriam dar o seu depoi-mento em um ambiente que mostrasse o seu cotidiano e que, ao mesmo tempo, tam-bém remetesse, dentro do possível, à metá-fora do seu dia de criação.

Na segunda semana de maio realizei uma viagem a cidade de Lisboa, do dia 10 ao dia 17 de maio, com a equipe composta por mim e Márcio Ga-rapa para a realização da etapa do documentário com a artista convidada Ana Macara, da Facul-dade de Motricidade Humana em Cruz Quebrada, Portugal. Também foram realizadas trocas de ex-periências artísticas relacionadas à produção do

espetáculo No Princípio como performances minhas com Ana em monumentos públi-

cos da região de Lisboa, para comemorar o encontro do primeiro com o último

dia. Essas imagens me pareciam importantes para o roteiro do espetáculo como um todo, o princípio e o fim como unidades de de-marcação.

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T a m -bém dan-

cei a minha c o r e o g r a f i a

do primeiro dia para discussão com

a Ana e o seu grupo de pesquisa. Duas per-

guntas foram geradas para fomentar o processo

de criação dos bailarinos: 1 - quais foram as refe-rências de movimento ou coreográficas que marcaram a sua tragetória na dança? 2 - Como você percebe a metáfora do seu dia de criação no livro de Gênesis transposta para a sua própria vivência enquanto criador de movimento expressivo?

Os sete dias da criação foram a inspiração para essa (re)flexão

cênica na qual a partir da metáfo-ra da gênese do mundo pudemos

(re)fletir nossas danças e suas origens. Como bailarina eu

trouxe como imagens para a minha

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cena as experiências com Eros

Volúsia (principalmente no figurino), Isadora Duncan e os Xavantes (o sexto e os

adereços que uso em cena e alguns movimentos). Já o rebatedor de luz, também usado por mim em cena, foi uma

referência direta ao “haja luz” do texto bíblico, à luz de Deus re-fletida para a criação do mundo, e ao meu desejo de aproximação da

imagem filmada com a imagem da cena. Como diretora, coloquei-me no primeiro dia para ir motivando a criação do grupo. É nas trevas que res-

plandece a luz e o papel do diretor, do meu ponto de vista, deve conter essa luz inicial, mas que não deve ser muito forte. Mesmo quando todo o trabalho

minucioso com a marcação e o registro eletrônico da iluminação foi perdido poucos minutos antes da estréia... Haja luz! E houve luz!

Como produtora, preocupei-me em realizar adequada-mente todas as etapas, fazer relatórios, pagamentos, co-branças... Como orientadora, penso que foi só mais uma provocação entre outras. Como expectadora gostaria de rever o espetáculo várias vezes e expectar as (re)-flexões juntas de tantos seres criativos. Compar-tilhar esse gesto de criação com meus orientan-dos e companheiros de pesquisa em dança foi

um processo rico e prazeroso e espero que esse registro possa gerar novos impulsos

criativos.

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Segundo Dia:“Fez, pois, Deus o firmamento e separação entre as águas debaixo do firmamento e as águas sobre o firmamento. E assim se fez.” (Gn 1:7)

“O ar é o Espírito e separa a água celestial da água terrena. A dança é a expressão corporal que veio do Espírito.”Zou Mi

Bailarina criadora, mestranda do Programa de Pós-graduação em Artes da UnB, desenvolvendo pesquisa sobre a respiração na dança chinesa.

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O se-gundo dia da criação é

a representação entre o celestial e o terreno. Ou seja, entre as águas

de cima e as águas de baixo,como as nu-vens e os rios. Por isso na preparação foi

usado como base as diversas danças chinesas que envolvem tecidos de manga longa. Esse tipo

de adereço é comum na Ópera de Pequim, que sem-pre foi uma inspiração não só para mim, mas para quem

valoriza a dança tradicional chinesa. Quando recebi a parte da separação das águas na peça, ime-

diatamente associei as muitas possibilidades que a roupa de manga longa poderiam trazer. O movimento do tecido

pode representar em certos momentos as águas ou o vento que representa o Espírito que fez a

separação. As referências bíbli-cas que narram

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a sepa-ração das águas foram

a base de todo meu trabalho. Esse texto bíblico foi muito importante como inspi-

ração e pelo seu valor emocional que trouxe para a apresentação. Apesar de a intenção ser exatamente essa

o resultado superou minhas expectativas. Exemplo claro foi o ocorrido no final de uma das apresentações em que expectadores

disseram que não gostaram apenas dos movimentos mas também se sentiram tocados pelos valores que estavam por trás dos movi-

mentos da dança a tal ponto que choraram de emoção.Outro aspecto importante do trabalho foi a música tradicional chinesa

que toca durante a apresentação. Essa musica fez parte da minha infância e dos meus primeiros contatos com a dança e mais queridas memórias. A música começa com o som do vento e em um momento eu mesmo canto a melodia da música.

Ouve também na minha execução da dança um profundo trabalho de respiração, assim, em cada movimento procurei manter um fluxo de ar especial muito relacionado com a intensidade em que era realizado cada tipo de movimento e tentando também acompanhar a firmeza e a sua-vidade em que se movia o tecido.

Esse trabalho foi uma grande lição de criatividade e trabalho em equipe. Representando vários tipos diferentes de influên-

cias artísticas assim como diferentes processos de criação que me foram de lição sobre o universo da dança. O es-

petáculo No Princípio representou uma fusão de gêneros artísticos que me ensinou a criar

e a trabalhar com variadas influên-cias e experiências.

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Terceiro Dia:“Que as águas que estão debaixo do céu se juntem num só lugar, e apareça o chão seco.” (Gn 1:9)

“O ser humano é um espaço de possibilidades entre a vida e a morte sobre a terra. A dança é expressão do ser humano nesse espaço e além.”Sabrina Cunha

Bailarina criadora, doutoranda do Programa de Pós-graduação em Artes da UnB, desenvolvendo pes-quisa sobre literatura-vídeo-dança.

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O pro-cesso inicial foi realizado com

o diálogo com o músico Glauco, nossas conversas deram-se pessoalmente e via

e-mail, abaixo transcrevo um trecho do que sugeri à ele: Música de inspiração e sugestão:

Água e vinho de Egberto Gismonti. “Atenção para os primeros vinte e três segundos: som de

piano e outro som metálico que para mim parece uma porta de ferro se abrindo… pode ser bem in-

teressante citar este pedaço da música em alguns momentos repetidos. Também gosto das vozes de

fundo.”Assim, compartilhei com Glauco um pouco do

que estava pensando para a criação do solo do terceiro dia – terra, a partir do versículo bíblico:

“Que as águas que estão debaixo do céu se ajuntem num só lugar, e apareça o

chão seco” delineai o

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q u e c h a m e i

de pontos coreográ-ficos, que foram divididos tam-

bém em sete momentos assim como os dias da criação da Gêneses e em sintonia com a proposta do trabalho: 1- A terra imóvel – apenas a presença em cena; 2 - A terra desperta - Movimentos internos no plano baixo, sem deslocamento no espaço; 3 - A terra/semente - primeira explosão de movimentos internos no mesmo local; 4 - A terra crescendo - as raízes crescendo embaixo da terra, movimentos mais aparentes externamente com mudança de plano: baixo e médio, ainda sem deslocamento no espaço; 5 - A terra rachada - Deslocamentos no espaço, explosões, seguidos de movi-

mentos suaves; 6 - A terra/mulher em pé - plano alto sem deslocamen-to no espaço; 7- A terra em pé - dança com movimentos pequenos

internos sem deslocamento no espaço. A luz faz a figura desa-parecer aos poucos enquanto dança.

No início, me propus o exercício de coreografar o solo de sete minutos para levar à cena. Duran-

te os ensaios, percebi que o resultado estava sendo bom e que

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p o d e -ria funcionar, mas ao

mesmo tempo contrariava a minha crença da dança genuína, ao qual me referi à

cima, continuei, afinal era um exercício de repetição e composição contínua, elementos relevantes da dança e

sempre de importante contribuição para o meu interesse de pesquisadora. O tempo passou e num belo dia, ou melhor, noite de

ensaio, após o retorno à casa, enquanto dormia, uma dor terrível no pulso esquerdo começou a consumir o meu ser, de modo à levar embora

o sono e deixar-me a girar na cama tentando, sem sucesso, encontrar um apoio para o braço esquerdo que ao menos confortasse a dor. No dia seguinte

entre as ações cotidianas, a dor comigo estava inconsolável, e na crença de que o corpo aguenta, continuei a deixar para depois, relutando e estendendo o limite do suportar. No fim do dia encontrei-me com o antebraço esquerdo imobilizado.

Resultado, a coreografia que estava compondo, quase pronta, foi para o ar. A vida, como sempre, foi mais forte do que todas as representações. Voltei para o lugar onde mais me encontro na dança: a improvisação, que a partir de então as-sumiu um significado mais profundo - improvisar em dança significa elaborar constantemente tudo, tomar decisões, reelaborar, ransformar, prossseguir, seja como for, dar-se às pausas, respirar e. Não vejo confim entre vida e

improvisação na dança. Agradeço à dançarina Soraia Maria Silva ao convite para participar deste trabalho que me proporcionou uma

singular experiência de criação, levando-me à reflexão mais uma vez sobre a dança de improvisação. Durante os três

dias de espetáculo pude compartilhar com o público e com os colegas dançantes, a dança que acon-

tecia a cada noite compondo o terceiro dia dentro do trabalho.

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Quarto Dia:“Haja luzeiros no firmamento dos cèus.” (Gn 1:14)

“A dança é a luz como aspiração, um caminho, uma referência, conduzindo para a plenitude doser humano.”Yara de Cunto

Bailarina criadora convidada, participou do Ballet do IV Centenário (SP), foi diretora do grupo de dança contem-porânea “Asas e Eixos”, na década de 70. Agraciada com a Ordem do Mérito Cultural em 2001.

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A d a n ç a

que hoje está sendo discu-

tida requer um novo discurso para falar de si mesma e refletir sobre sua potencialidade. As práticas em dança foram renovadas, o olhar sobre o corpo em movimento propõe algo mais, ele instiga, investiga e passa a ter uma fonte renovada dividindo seu campo com outras áreas de informação como a psicologia, a antropologia,

a tecnologia e outras mais. Apresentar o sentimento gerador do movimento a criação e a construção de uma

certa corporeidade serão sempre desafios que a dança con-temporânea tenta resolver com práticas renovadas.

A proposta de sermos responsáveis pelo nosso gesto próprio, sem interferências fez com que

aprofundássemos nas nossas raízes e no nosso princípio gerador

d e

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f o r ç a , energia e aonde nos-

sos sentimentos e sensações nos con-duziriam ao contexto da cena. “Gênesis” – O

princípio de tudo estava implícito na memória intelec-tual e na memória do gesto de cada um. Cada intérprete

criador falou de sua trajetória através do seu gesto autoral tendo o texto bíblico como metáfora simbólica.

No meu caso específico posso dizer que ultrapassei os limites físicos impostos por problemas de atrofias e artroses e pela idade avançada. Foi

mais que um desafio, foi um novo olhar nas possibilidades que essa diver-sidade de corpos, formações, pensamentos, propõe trazendo dessa maneira e

de uma forma viva e real um caminho para a pesquisa de como trabalhar a memória das pessoas que construíram e/ou estão construindo a dança contem-porânea em Brasília.

O ponto de partida para o meu processo de criação foi provocar e/ou acordar movimentos que faziam parte da minha memória corporal, trazendo a tona o emocional dessa memória e o simbólico do texto bíblico. Muito mais tempo se-ria necessário para que o desdobramento do trabalho no meu corpo atrofiado pudesse ser refeito. Mas foi gratificante e no meu ponto de vista serve até de interesse, como estudo, verificar como a memória corporal, a formação e a

trajetória artística persistem no tempo e podem, ser ativadas e recons-truídas.

O meu processo coreográfico teve como base traduzir a emoção contida na memória da minha vida e ao mesmo tempo trazer

o simbólico que o capítulo da Gênesis me inspirava. O fato de usar uma espada foi uma alusão

aos luzeiros indicados no versículo de Gênesis 1:14. As etapas do

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t r a b a -lho foram sendo dire-

cionadas primeiramente, e no meu caso específico, para a descoberta das possibili-

dades físicas, o que se deu a partir de um método de improvisação, que levou a descoberta e definição do estilo

estético.Não havendo outra possibilidade de trabalho que não se desse no

Plano Vertical, tentei usar o Espaço como ação integradora do movimen-to que eu fosse desenvolver. De certa forma, em todo o processo, fiz emergir

o emocional inconsciente para então buscar uma comunicação com o corpo procurando que a predominância da crítica não interferisse no processo que se

buscava. As mudanças foram pequenas e contínuas e se processaram ainda após o término do trabalho.

Observei mudanças em todos os intérpretes do primeiro ao último dia o que me dá a impressão de que apenas estamos iniciando um trabalho A dança de cada um se auto definia a cada dia revelando ainda nossas

densidades como seres humanos autores de uma caminhada única.

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Quinto Dia:“Criou, pois Deus os grandes animais marinhos e todos os seres viventes que rastejam, os quais povoam as águas, segundo as suas espécies; e todas as aves, segundo as suas espécies. E viu Deus que isso era bom. “

“Antes um animal – sou Ser humana animal – meu corpo DANÇA e multiplica minhas criações que são pequenas criaturas reais de Deus. ” Laura Virgínia

Bailarina criadora, mestranda do Programa de Pós-gra-duação em Artes da UnB, desenvolvendo pesquisa sobre literatura-vídeo-dança.

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U m a Margarida, uma

joaninha, uma girafa e um hipopótamo no jardim humanizado do

Éden. Quando aceitei o convite de Soraia Silva para “No princípio”, com a proposta de ser o quinto

dia da criação, pensei falar os sons dos animais junto com a movimentação, lugar conhecido que venho experi-

mentando há anos. “Não”- disse Soraia, você tem que estar junto com uma trilha, um videodocumentário e uma animação

cenográfica”. Então refleti - já que tenho que dançar com elementos já gravados de antemão, vou me utilizar de momentos da memória,

minha e da História da Dança.Foi assim que surgiu a coreografia do quarto dia. Primeiro, selecionei trechos de coreografias que tinham como tema animais . Os ecolhidos foram: “O envelope” de David Parsons; “Beach Birds for Camera” de Merce Cunnigham; “O Lago dos Cisnes” e “Arien” de Pina Bausch. Junto com o executor, Glauco Maciel, da trilha pesquisamos as músi-cas desses espetáculos. Depois, pensei nas estéticas que eu já havia dançado como sapateado, jazz, bale clássico e moderno e no texto fantástico/alegórico que a história da criação propõe parece que

os animais surgem como mágica. Daí fazer um show de mágica mas como tudo que é humano não é perfeito, o show não

saiu com todas as marcações técnicas, penso que pode-ria agora executar de um modo onde não dependesse

disso mas aí seria outro show, continuemos com o Jardim humanizado do Éden e as suas

imperfeições caídas.

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Sexto Dia:“E disse Deus: Eis que vos tenho dado toda a erva que dê semente, que está sobre a face da terra; e toda árvore, em que há fruto que dê semente, servos-á para mantimento.”

“Da idéia a conformação, dual e complementar, que se re-cria no movimento, disseminando a inspiração primordial...”Alexandre Nas

Bailarino criador, mestrando do Programa de Pós-graduação em Artes da UnB, desenvolvendo pesquisa sobre vídeo-dança.

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A referên-

cia à criação do homem, em

Gênesis, é o pon-to de partida para a

elaboração de composição coreográfica de sete minu-

tos que integra o espetáculo No Princípio, dirigido por Soraia Sil-

va. Mas como, em tão pouco tempo, constru-ir uma tessitura dançante de um texto metafórico tão profundo e tão estudado por teólogos, historiadores, e que norteia pa-drões de conduta de milhões de pessoas? Parte desse desafio consistiu na evo-cação de uma tradução poética, sob forma escrita, do texto base. O que reverbera

em mim esse tex-to? Revisitar

os meus

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própri-os processos de cria-

ção anteriores, serviu como apoio para a elaboração dessa “tradução”.Na maior parte das vezes, surgiram imagens em meus devaneios. A princípio desconexas;

mais adiante, interligando-se, desfazendo-se, sendo acrescidas de outras e subtraídas de ou-tras mais. Até que, em determinado ponto, for-maram um quadro, meio mosaico, mas com uma lógica que eu compreendo e consigo organizá-las numa forma escrita.

Entretanto, somente essa tradução não for-neceu os elementos suficientes para dar ignição à minha pesquisa coreográfica, por outro lado ampliou o espectro de imagens mentais. Já com a introdução da composição musical de-senvolvida por Glauco Maciel, uma espécie de roteiro de imagens mentais começou a se de-linear e a pesquisa de movimentos começou a ser mais profícua, gerando pequenas células de movimento; ao mesmo tempo em que promovia a re-elaboração das imagens mentais.

Esse trânsito incessante de imagens e movimento, ao longo do tempo, foi se configu-rando em unidades mo-t o r a s / s e n s ó r i a s /

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expres-sivas que foram se

encaixando, como em um quebra-cabeça; compondo um roteiro dramatúr-

gico delineado, porém aberto; onde, em cada ensaio, aprofundaram-se as intenções de determi-

nadas movimentos e, ao mesmo tempo abriu-se espaço para o surgimento de outros.

Esse itinerário imagético inicia com a condição do homem ancestral, que em seu processo adaptativo às condições do ambi-

ente, desenvolve artefatos/aparatos que o auxiliam em sua sobre-vivência. Aqui a figura do ser sendo moldado/esculpido pelo Divino

ganha proeminência, tendo como fonte de inspiração as obras de Ro-din. E a criatura também se torna criador, modificando-se, reconsti-tuindo-se e alterando as configurações à sua volta. Até que por fim, chegou-se a configuração cênica dançante.

Quando da apresentação da coreografia no ambiente de teatro, várias alterações foram feitas, tendo em vista o design de luz e a projeção de imagens; portanto, novas adaptações ao ambiente. Ainda penso que a obra não está finalizada, mas em processo.

Na situação de intérprete-criador, várias dúvidas sobre a eficácia do discurso corporal no tratamento do tema me as-

solam. Entretanto, com a apreciação das imagens filmadas do espetáculo, percebo novo campo de possibilidades a

serem exploradas. E, assim, a espiral se move, o corpomente se reinventa em cada estação.

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Sétimo Dia:“Abençoou Deus o dia sétimo e o santificou; porque nele descansou de toda a obra que, como Criador, fizera.”

“O início é o momento da geração, é o que nos empurra para o futuro, nos faz viver”.Ana Macara

Bailarina criadora convidada, pro-fessora da Faculdade de Motrici-dade Humana (Lisboa/1994).

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Uma peça tendo como temática comum as imagens, emoções e paixões associadas à Criação do Mundo está, necessariamente sobrecarregada de significados e simbo-lismos. Significados e simbolismos par-tilhados por muitos e diferentemente vivenciados por outros. Criar um es-petáculo de concepção colectiva sobre uma temática simultaneamente tào simples e tão complexa, tão fascinante e tào bela, tão unâ-nime e tão controversa foi o grande desafio lançado por

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Soraia Silva ao delinear o

projeto No Princípio.Após o espectáculo pudémos real-

mente aperceber-nos da unidade criada pelos figurinos, ambiente visual dos vídeos e diapora-

ma, bem como pela música, perfeitamente adaptada a cada um dos momentos, mas também da riqueza origina-

da pela variedade resultante de perfis altamente diversifi-cados de cada criador/intérprete. A minha participação com a

criação do sétimo momento, dedicado à contemplação do sétimo dia, foi particularmente enriquecedora, ao permitir-me contra-cenar com seis bailarinos cuja presença a cada momento criou novos estímulos. A possibilidade de bem apreciar todo o espectá-culo e finalmente, de certo modo interagir com o protagomista de cada cema foi um privilégio muito grande, e mostrou-me a possibilidade de colaborar eficazmente com pessoas de for-mação e experiências tão diversificadas, mas em que uma

linguagem comum nâo conhece fronteiras.A metáfora da criaçào do mundo aparece aqui

como perfeita como indicadora de um futuro em que a colaboração entre os pares só nos

poderá engrandecer e aproximar do infinito.

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Programação Visual:David Mesquita

www.davidmesquita.com.br

Ficha Técnica:

Direção Geral: Soraia Silva

Assistente de Direção: Alexandre Nascimento

Bailarinos Criadores: Ana Macara, Alexandre Nas, Laura Virgínea, Sabrina Cunha, Soraia Silva, Yara De Cunto, Zou Mi.

Composição musical do espetáculo: Glauco Maciel

Edição e Produção do Vídeo Documentário “No Princípio”: Márcio Garapa e Jorge Pennington, assistente: Victor Nascimento.

Animação Cenográfica (arte computacional): Suzete Venturelli

Fotografia: Ricardo Padue / Diogenes Rossi / Márcio Garapa

Locução: Juçara Batichoti

Figurino: Flávia Amadeu

Luz: Carlos Eduardo Peukert

Divulgação: Bruno Lehx

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