nº 03 - Sergipe - setembro - 2009 BOAL AUGUSTO · Darcy Ribeiro, Boal volta ao Brasil em 1986 para...
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Revista de Formação
Político-Pedagógica
do SINTESE
nº 03 - Sergipe - setembro - 2009
BOALAUGUSTO
Conheça o pai do teatro socialista que encantou o mundo e deu voz aos oprimidos.
3
xou para a educação, professores e
alunos. Vale a pena ler com cuidado
e atenção o texto da professora He-
len Sarapeck, além de uma entrevista
esclarecedora. Leia também o texto
“O lápis cor de rosa”, do arte-educa-
dor Cláudio Rocha.
A revista ainda traz dois textos
fundamentais do ator e psicólogo
Aldo Melo que apresenta as condi-
ções fundamentais para entender
a lógica do teatro do oprimido.
Aldo e Helen Fontes são os faci-
litadores de um projeto fantástico
do Sintese – o Palco na Luta, onde
filiados ao sindicato se aventuram
na mágica experiência do teatro do
oprimido.
Chamo atenção para a leitura
da árvore do teatro do oprimido
nas duas páginas centrais da revis-
ta e um texto escrito pelo próprio
Augusto Boal sobre “Aprendemos
a Aprender”, onde ele fez várias
referências ao método do profes-
sor Paulo Freire. “Paulo Freire
ajuda o cidadão a descobrir, por
si, o que traz dentro de si”, escreve
Boal.
Esta terceira edição só se tor-
nou possível pela compreensão
do seu papel da História do Sintese,
de sua direção, filiados e funcionários,
mas também da importante e vital co-
laboração dos integrantes do Centro
de Teatro do Oprimido, localizado no
Rio de Janeiro, que colaboraram
decisivamente para esta edição.
Vale registrar o apoio de Ney
Motta, da assessoria de Comuni-
cação do CTO, de Aldo Rezende
Melo e Helen Fontes, aqui de Ser-
gipe, e de Helen Sarapeck, Bár-
bara Santos, Geo Britto, Cláudio
Rocha, e tantos outros que foram
fundamentais nesse projeto.
Agora, reafirmo o convite à leitu-
ra, reflexão e ação.
José Cristian Góes
Editor da Revista Paulo Freire
A terceira edição da revista Paulo
Freire não é apenas para ser lida, mas
debatida, comentada, refeita sempre,
interpretada, como pedia o mestre
Augusto Boal, o maior dos maiores
do teatro do povo.
Na madrugada do dia 2 de maio
deste ano, Boal nos deixou, mas
certamente já está montando um
grande espetáculo no plano meta-
físico. Como aqui, lá ele deve estar
mexendo com as estruturas mais
profundas.
Nesta edição, os professores
conheceram um pouco da história
fantástica e intensa do engenheiro
químico que mudou a vida dele e de
milhares de pessoas e que continua,
mais firme do que nunca, transfor-
mando o Mundo através dos seus
inúmeros discípulos.
O carioca Boal tem uma impor-
tante tão grande que chegou a ser
reconhecido pela Unesco, este ano,
como embaixador Mundial do Te-
atro. No ano passado ele concorreu
ao Prêmio Nobel da Paz. Boal teve
reconhecimento nacional.
Como instrumento pedagógico
do Sintese, esta revista está focada na
contribuição que Augusto Boal dei-
Não só leia, interprete!primeiras palavras
Revista de Formação Político-Pedagógica do SINTESE
Rua Sílvio Teófilo Guimarães, 70, B. Pereira Lobo
Aracaju/SE Cep. 49052-410. Tel: (79) 2104-9800
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Neílton Diniz, Alexandrina Luz.
Apoio: Aldo Rezende de Melo, Helen Fontes, Ney
Motta, da assessoria de Comunicação do CTO-Rio
CENTRO DE TEATRO DO OPRIMIDO
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Coordenação Geral:
Helen Sarapeck
Curingas e Elenco: Bárbara Santos,Helen Sarapeck,
Geo Britto, Olivar Bendelak, Claudete Felix, Flávio
Sanctum, Cláudia Simone, Claudio Rocha.
Curingas Comunitários: Marilene Ribeiro, Janna
Salamandra, Alessandro Conceição.
Administração:
Graça Silva
Apoio Administrativo:
Lígia Martins, Walter Gonçalves.
Programação Visual:
Leila Braile
Colaboradores: Roni Valk, Christoph Leucht, Cacha-
lotte Mattos, Kelly Regis, Wellington Leão, Santa Clara.
O Centro de Teatro do Oprimido - CTO – Rio de
Janeiro - é um centro de pesquisa e difusão, que
desenvolve metodologia específica do Teatro
do Oprimido em Laboratórios e em Seminários,
ambos de caráter permanente, para revisão,
experimentação, análise e sistematização de
exercícios, jogos e técnicas teatrais. Nos labora-
tórios e seminários são elaborados e produzidos
projetos sócio-culturais, espetáculos teatrais e
produtos artísticos, tendo como alicerce a Estética
do Oprimido.
onde achar
Boal: vida do teatro ou teatro da vida 04Embaixador do teatro pelo mundo 05O Teatro do Oprimido e as tradições libertadoras I 06
O Teatro do Oprimido e as tradições libertadoras II 07Teatro do Oprimido: um aliado na Educação dos oprimidos 08
SINTESE cria o Palco na Luta 12O lápis de cor rosa 13Centro de Teatro do Oprimido ratifica sua força mundial 14
Teatro e a educação 16
Aprendemos a aprender 18A Árvore do Teatro do Oprimido 10
Esta revista está fo-
cada na contribuição
que Augusto Boal dei-
xou para a educação,
professores e alunos
4
don Council” - Londres, com
a participação de escritores
como: Lisa Jardine, Tarik Ali,
Paul Heller e advogados dos
Tribunais de Londres; em Bra-
dford, na Câmara Legislativa da
cidade, sobre questões relativas
aos portadores da Síndrome
de Down; na Sala da Comissão
de Justiça do Rathaus (Prefei-
tura) de Munique, com apoio
da Sociedade Paulo Freire.
Em 1999, transforma a
ópera “Carmem” de Bizet em
Sambópera, uma experiên-
cia inovadora que traduziu as
músicas originais para ritmos
genuinamente brasileiros. Car-
mem ficou em temporada no
Centro Cultural Banco do Bra-
sil, no Rio de Janeiro. Em julho
de 2000, estreou em Paris. Em
2001, “La Traviata” é montada
também como Sambópera e
faz circuito no Rio de Janeiro.
Uma de suas últimas pes-
quisas foi a Estética do Opri-
mido, programa de formação
estética que integra experiências
com o som, palavra, imagem e
ética. A Estética do Oprimido
tem por fundamento a crença
de que somos todos melhores
do que pensamos ser, e capa-
zes de fazer mais do que aquilo
que efetivamente realizamos:
todo ser humano é expansivo.
mentos do Teatro-Jornal, o em-
brião do Teatro do Oprimido.
Em fevereiro de 1971, Augusto
Boal é preso, torturado e exilado.
Passando a residir na Argen-
tina, de 1971-1976, dirige o gru-
po “El Machete” de Buenos Ai-
res e monta, de sua autoria, “O
Grande Acordo Internacional
do Tio Patinhas”, “Torquema-
da” (sobre a tortura no Brasil)
e “Revolução na América do
Sul”, iniciando intensas viagens
por toda a América Latina, onde
começa a desenvolver novas
técnicas do “Teatro do Opri-
mido?”: Teatro-Imagem, Tea-
tro-Invisível e Teatro-Fórum.
Em 1976 muda-se para Lis-
boa, onde dirige o grupo “A
Barraca”. Dois anos depois é
convidado para lecionar na Uni-
versité de la Sorbonne-Nouvel-
le. Em Paris, cria o Centre du
Théatre de l´Opprimé-Augusto
Boal, em 1979. Trabalha em
muitos países europeus e de-
senvolve as técnicas intros-
pectivas do Teatro do Opri-
mido: o Arco-Íris do Desejo.
VOLTA AO BRASIL - An-
tes de regressar definitivamen-
te ao Brasil, monta no Rio de
Janeiro “O Corsário do Rei”
(de sua autoria, letras de Chi-
co Buarque, música de Edu
Lobo) e “Fedra” de Racine,
com Fernanda Montenegro.
A convite do então secre-
tário de Educação do Estado
do Rio de Janeiro, professor
Darcy Ribeiro, Boal volta ao
Brasil em 1986 para dirigir a
Fábrica de Teatro Popular. O
Augusto Boal nasce
em 1931, no bairro
da Penha, Rio de
Janeiro. Desde criança escrevia,
ensaiava e montava suas próprias
peças nos encontros de família.
Sua formação em Engenha-
ria Química torna-se paralela
à pesquisa, à criação de tex-
tos teatrais lidos e comentados
por Nelson Rodrigues. Estu-
da na Columbia University
com John Gasner e assiste às
montagens do Actors Studio.
Em 1956, Boal volta ao Bra-
sil a convite de Sábato Magaldi
e Zé Renato para dirigir o Te-
atro de Arena de São Paulo. O
grupo provoca uma revolução
estética no teatro brasileiro nos
anos 50 e 60. Através do Semi-
nário de Dramaturgia, do Labo-
ratório de Interpretação e das
diversas montagens, o Teatro de
Arena contribui vigorosamente
para a criação de uma drama-
turgia genuinamente brasileira.
Prisão, tortura e exílio
A partir 1964, a Ditadura Mi-
litar inicia a perseguição a todos
os indivíduos e grupos de artis-
tas com preocupações sociais e
políticas. Em 1968, vem o AI-5
que aperta ainda mais o cerco.
Em 1970, O Núcleo Dois do
Arena inicia os primeiros experi-
objetivo era tornar a linguagem
teatral acessível a todos, como
estímulo ao diálogo e à trans-
formação da realidade social.
Ainda em 1986, junto com
artistas populares, cria o Centro
de Teatro do Oprimido, para
difundir o Teatro do Oprimido
no Brasil. No CTO, desenvolve
projetos com ONG’s, sindica-
tos, universidades e prefeituras.
AS INCURSÕES NA PO-LÍTICA - Em 1992, candidata-se
e é eleito vereador da cidade do
Rio de Janeiro pelo PT (Partido
dos Trabalhadores), para fazer
Teatro-Fórum e, a partir da
intervenção dos espectadores,
criar projetos de lei: é o Teatro
Legislativo. Após transformar o
espectador em ator com o Te-
atro do Oprimido, Boal trans-
forma o eleitor em legislador.
Utilizando o Teatro como
Política, em Sessões Solenes
Simbólicas, encaminha à Câma-
ra de Vereadores 33 projetos de
lei, dos quais 14 tornam-se leis
municipais, entre 1993 a 1996.
A partir de 1996, fora da Câ-
mara dos Vereadores, Boal e o
CTO seguem na consolidação
do Teatro Legislativo Em 1998,
conseguem o apoio da Fun-
dação Ford, para a criação de
grupos comunitários de Teatro
do Oprimido. Boal também re-
alizou diversas Sessões Solenes
Simbólicas, de Teatro Legislati-
vo, no exterior: no “Great Lon-
Como um engenheiro químico, que des-de criança escrevia e montava peças, tornou-se o maior dos maiores do teatro do povo
Boal: vida do teatro ou teatro da vida
Biografia
Boal no início da carreira
5
2009: Nomeação como Embaixador Mundial do Teatro pela Unesco - 25 de março
2008: Concorreu ao Prêmio Nobel da Paz
2003: Proclamation “ City of New York” Theater of the Oppressed Day - 27 de maio
2003: Título de ECO-CIDADÃO, Prefeitura de Macaé
2001: Doctor Honoris Causa in Literature, University of London, Queen Mary, UK
2000: Montgomery Fellow, Dartmouth College, Hanover, USA
2000: Doctor Honoris Causa in Fine Arts, Worcester State College, USA
2000: Proclamation of the City of Bowling Green, Ohio. USA
1999: HONRA AO MÉRITO, União e Olho Vivo, 1999-12-07
1998: PREMI D´HONOR, Institutet de Teatre, Barcelona, Spain
1998: PREMIO DE HONOR, Instituto de Teatro, Ciudad de Puebla, México
1997: Prix du Mérite, Ministère de la Culture de l Egypt
1997: Lifetime Achievement Award of Americam - As of Theatre in Higher Education
1996: Cultural Medal - Götemborg University
1996: Doctor Honoris Causa - in Human Letters - Nebraska University
1995: The Best Special Presentation - Manchester News -UK
1995: Prix Culturel - Institut Fuer Jugendarbeit - Gauting - Baviera
1995: Outstanding Cultural Contribution, Queensland University of Technology
1994: Medalha Pablo Picasso da Unesco
1994: Prêmio Cultural Award da cidade de Gavle-Suécia
1981: Officier des Arts et des Letras- Condecoração - France
1971: Prêmio Obie Award -Feira Latino Americana de Opinião - Estados Unidos
1967: Prêmio Moliére pela criação do Sistema Coringa, Brasil
1965: Prêmio Moliére Para o espetáculo Mandragora de Maquiavel, Brasil
1962: Prêmio Padre Ventura, melhor diretor do ano, São Paulo, Brasil
lizou projetos exem-
plares: Teatro
do Oprimido
nas Prisões,
Teatro do
Oprimido nas
Escolas, Teatro
do Oprimido
de Ponto a Ponto,
Teatro do Oprimido na
Saúde Mental, Fábrica de Te-
atro Popular Nordeste etc, em todo
território nacional além de Moçambi-
que e Guiné-Bissau, países da África.
Augusto Boal foi autor de
diversas obras literárias
lançadas nos mais diversos
idiomas, além de colecionar um arsenal
extraordinário de prêmios e honrarias.
A principal criação de Augusto Boal, o
Teatro do Oprimido, é hoje uma rea-
lidade mundial, sendo a metodologia
teatral mais conhecida e praticada nos
cinco continentes. Com os sete curin-
gas do Centro de Teatro do Oprimido
(Claudete Félix, Helen Sarapeck, Bárba-
ra Santos, Geo Britto, Olivar Bendelack,
Cláudia Simone e Flávio Sanctum) rea-
Embaixador do teatro pelo mundo
Obras e prêmios
Augusto Boal teve
obras traduzidas para
o inglês, francês e
espanhol Foi nomeado
embaixador mundial
do teatro pela Unesco
e chegou a concorrer
ao Prêmio Nobel da
Paz
Prêmios
•“JaneStipfire” - edição revisada - Civilização
Brasileira - 2003
•“O Teatro como arte marcial” - Garamond
- 2003
•“Hamlet e o filho do padeiro” - Civilização
Brasileira - 2000
•Jogos para atores e não atores - Civiliza-
ção Brasileira - 1999
•Teatro Legislativo Rio de Janeiro: Civiliza-
ção Brasileira, 1996
•Aqui Ninguém é Burro! Rio de Janeiro:
Revan, 1996
•O Suicida com Medo da Morte Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1992
•Duzentos Exercícios e Jogos para Ator e
Não-Ator com Vontade de Dizer Algo atra-
vés do Teatro - Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1991
•O Arco-Iris do Desejo - Rio de Janerio:
Civilização Brasileira, 1990
•Teatro de Augusto Boal 2 São Paulo:
HUCITEC,1986
•Teatro de Augusto Boal 1 São Paulo:
HUCITEC,1986
•O Corsário do Rei Rio de Janeiro: Civiliza-
ção Brasileira, 1986
•Teatro do Oprimido e Outras Poéticas
Políticas- RJ: Civilização Brasileira, 1985
•Stop C’est Magique Rio de Janeiro: Civili-
zação Brasileira, 1980
•Milagre no Brasil Rio de Janeiro: Civiliza-
ção Brasileira, 1979
•Murro em Ponta de Faca São Paulo:
HUCITEC, 1978
•Jane Spitfire Rio de Janeiro: DECRI,1977
•Técnicas Latino-Americanas de Teatro
Popular, São Paulo:HUCITEC, 1975
•Crônicas de Nuestra América, São Paulo:
CODECRI, 1973
•Categorias de Teatro Popular Buenos
Aires:Ediciones CEPE,1972
•Arena conta Tiradentes São Paulo:
Sagarana,1967
Em espanhol
•Categorias de Teatro Popular. Buenos
Aires: Ediciones Cepe,1972.
Em francês
•Théâtre de l’opprimé. Éditions La Décou-
verte , 1996.
•Jeux pour acteurs et non-acteurs. Éditions
François Maspero, 1978.
•Pratique du théâtre de l’opprimé. Centre
d’étude et de diffusion des techniques
actives d’expression, 1983.
•Stop ! c’est magique. Éditions Hachette,
1980.
•Méthode Boal de théâtre et de thérapie.
Éditions Ramsay, 1990.
•L’Arc-en-ciel du désir. Éditions La Décou-
verte , 2002.
Em inglês
•Theatre of the Oppressed. Londres: Pluto
Press,1979.
•Games for Actors and Non-Actors.
London: Routledge, 1992.
•The Rainbow of Desire. London : Routled-
ge, 1995.
Obras
6
O teatro primordial
nasce da relação do
homem com a ter-
ra, de uma relação orgânica entre
a natureza humana e a biodiversi-
dade de seres que os circundavam.
As festas dionisíacas na Grécia
antiga, os rituais ao estranho deus da
fertilidade, do transe, dos campos, ti-
nham a função simbólica de fecundar
o chão e de celebrar mais um tempo
de colheita, mais um ciclo da terra. Os
ritos dionisíacos presentificavam a força
da transcendência humana, a libertação
da mediocridade e da mortalidade.
Nos complexos rituais de entor-
pecimento pela dança, pelo canto,
pelo vinho, pelo encontro dos cor-
pos em êxtase e entusiasmo, o ser
humano comum, mortal, escravo,
estrangeiro, mulher, rompia as amar-
ras sociais e se permitia a condição
de deus, de ser imortal, de criador.
As aristocracias helênicas alimen-
taram um ódio olímpico pelas festas
dionisíacas. Os deuses do Olím-
pio, representados pelos próprios
aristocratas, enciumavam-se pelo
culto excessivo a um deus campo-
nês, subversivo, obsessivo, anti-lei.
O caráter coletivizante e desper-
sonalizante das festas dionisíacas ofen-
As festas e rituais
dionisíacas da gré-
cia antiga como os
primórdios do teatro
do oprimido
mas teatrais tais como conhecemos
hoje. Nascem também os teatros, ar-
quiteturas destinadas a sacralizar essa
divisão, essa especialização. Nasce a
profissão de ator. (BOAL, 2002: 28).
Na platéia, os espectadores per-
maneciam imobilizados pelos dispo-
sitivos estético-ideológicos que eram
enfaticamente representados no pal-
co. Dentre todos os efeitos trágicos,
a catarse (kátharsis) era o princípio
purificador da vontade de ser divino,
transferido das religiões para os palcos
com o objetivo de neutralizar o entu-
siasmo e o êxtase dos antigos rituais.
Contudo, as tradições dionisíacas
resistiram na marginalidade dos povos
gregos até os nossos tempos. As for-
ças dionisíacas podem ser entendidas
como forças indomáveis, características
de uma subjetividade integrada à natu-
reza. Dos rituais shivaístas indianos, de
bruxaria da Escandinávia, das tribos afri-
canas, indígenas e aborígines, da cultura
popular brasileira, até os recônditos das
teologias libertadoras da igreja católica,
o arquétipo do deus dos campos cons-
pira, celebrando a horizontalidade, a
circularidade e a participação coletiva.
neutralizar as suas forças libertadoras.
Os rituais coletivos e circulares
de integração, cooperatividade e so-
lidariedade foram estrategicamente
atenuados quanto as suas forças ex-
traordinárias. Uma grande parte da
população de todas as categorias so-
ciais era seduzida pela grandiosidade
dos espetáculos apolíneos. O culto ao
deus dos campos tinha sido mascara-
do e revertido. O nome de Dioniso
raramente era lembrado nas peças
trágicas, e, quando lembrado, aparecia
como um deus passivo, enfraquecido,
harmônico aos interesses da cidade.
A circularização e a participação efe-
tiva de todos nos rituais dionisíacos, foi
substituída pela hierarquização e passi-
vidade. Foram construídos espaços ar-
quitetônicos destinados aos espetáculos,
onde se absolutizava a separação entre
palco e platéia: estava criado o abismo
histórico que inventou e separou os
participantes em atores e espectadores.
No inicio, Ator e Espectador co-
existem na mesma pessoa; quando
se separam, quando algumas pessoas
se especializam em atores e outras
em espectadores, aí nascem as for-
dia gravemente a atitude ordinária de
moderação moral, de controle social,
pregada pelas religiões apolíneas.
A Tragédia Grega, assim como o
rádio e a televisão para o homem mo-
derno, foi sem dúvida uma das maio-
res tecnologias de controle ideológico
já inventadas pelas elites dominantes.
As tragédias foram a concretização de
uma política aristocrática de anulação
das forças dionisíacas por meio da
sua cooptação e captura burocrática.
Funda-se o teatro competitivo, co-
ercitivo, financiado pelos benfeitores
da política, mensageiro da moral vi-
gente das elites atenienses. As tragédias
eram festas urbanas, que cultuavam
os deuses olímpicos, mas que se uti-
lizavam do nome do deus (Grandes
Dionisíacas) para atrair a população e
O Teatro do Oprimido e as tradições libertadoras
Para entender I
Por Aldo Rezende de Melo
Quem é quemAs peças de Teatro do Oprimido
podem ser expressas em vários for-
matos, considerando o foco que se
deseja atingir (cultural, pedagógico,
político, terapêutico e, preferencial-
mente, todos integrados):
•Teatro Imagem: são técnicas que permitem aos
integrantes debaterem um problema e pensar sem
o uso das palavras, através de imagens produzidas
pelos seus próprios corpos e/ou por objetos.
•Teatro Fórum: é um jogo dramático dialético no
qual o protagonista, em verdade “co-agonista”(por
sempre sofrer junto com o outros), tem um desejo
vital a ser realizado e não consegue pelas relações
de domínio que lhe são impostas. Nesse formato o
público é transformado em um coletivo que busca al-
ternativas para os problemas apontados, conduzindo
a ação dramática.
•Teatro Legislativo: é uma peça de Teatro-Fórum
na qual as alternativas sugeridas pelo coletivo são
formatadas em projetos de lei e apresentadas nas
câmaras ou assembléias legislativas. Posteriormente,
o coletivo deve acompanhar a tramitação do projeto,
pressionando a sua aprovação e, após aprovado,
fiscalizando a sua implementação.
•Arco-Íris do Desejo: é uma técnica dramática de
funções terapêuticas, desenvolvida para possibilitar
a expressão das opressões que foram introjetadas
pelas relações simbólicas de dominação a serem
trabalhadas.
7
A cultura dos oprimi-
dos (especialmente
dos ritos dionisíacos)
reproduz e repete a recordação de-
formada e atrofiada de um projeto
originário de liberação e de institu-
cionalização coletiva: na parte mais
secreta, mais codificada e simboliza-
da, os ritos de possessão e de transe,
´contam` um passado de luta contra
a opressão, falam de ´magia negra`
da revolta e do entusiasmo coletivo;
em suma, mediante um discurso in-
direto, indicam tudo aquilo que for-
ma o núcleo de qualquer experiência
revolucionária. (ALTOÉ, 2004: 74).
É dessa tradição revolucionária
que brota, do seio da cultura popu-
lar brasileira, o Teatro do Oprimido.
Criado na década de setenta pelo ati-
vista político-cultural Augusto Boal,
num contexto de resistência aos regi-
mes ditatoriais que violentavam os di-
reitos sociais e impunha uma ordem
bélica, oposta ao ritmo de libertação
e solidariedade dos povos latino-ame-
ricanos, essa modalidade de teatro
serviu de instrumento de luta contra
os aparelhos totalitários e as subjeti-
vidades opressoras que operavam
em todas as dimensões da existência.
Hoje um movimento cultural
ainda em expansão, atuando em
mais de setenta países do mun-
do, o Teatro do Oprimido vem
desapropriando os meios de pro-
dução de bens simbólicos, artísti-
cos, através da popularização des-
ses meios para as comunidades.
Enquanto na linguagem dramáti-
ca herdada da Grécia, o caminho da
perfeição e os valores aristocráticos
O Teatro do Oprimido e as tradições libertadoras
Para entender II No teatro o especta-
dor se transforma em
“espect-ator”. Nele, o
espectador se liberta,
pensa e atua sintonizado
com os anseios coletivos
de seu grupo, de sua
comunidadePor Aldo Rezende de Melosão impostos aos espectadores por
via catártica, na Estética do Opri-
mido o espectador rompe a catarse
e se transforma em “espect-ator”,
transgredindo as fronteiras da repre-
sentatividade dramática e atuando.
O espectador se liberta, pensa e atua
sintonizado com os anseios coletivos
de seu grupo, de sua comunidade.
A metodologia do Teatro do
Oprimido segue dois princípios
fundamentais: o primeiro é de
transformar todos os espectadores
em “espect-atores”, retomando as
origens primordias dos rituais dio-
nisíacos. O segundo princípio é o
de transformar toda “ficção” vivida
nos espaços cênicos, em um ensaio
para a transformação da realidade.
O Teatro do Oprimido é um sis-
tema de exercícios físicos, jogos estéti-
cos, técnicas de imagens e improvisa-
ções especiais, que tem por objetivo
resgatar, desenvolver e redimensio-
nar essa vocação humana, tornando
a atividade teatral um instrumento
eficaz na compreensão e na busca
de soluções para problemas sociais
e interpessoais. (BOAL, 2002:28).
A partir da reflexão sobre his-
tórias comuns vividas no cotidiano,
são descortinadas as relações de
poder e de repressão dos desejos
vitais dos envolvidos. A dramaturgia
é construída a partir desse compar-
tilhamento e constituída no senti-
do de denunciar as relações entre
opressores e oprimidos, propiciando
a libertação da lógica de opressão,
através da produção coletiva de alter-
nativas para os problemas apontados.
O teatro de elite, da burguesia, é
um teatro laico, assim como a pró-
pria classe dos proprietários. Classe
da qual os antigos deuses precisaram
se exilar para que se divinizasse o
Capital e todas as suas expressões
de exploração. Essa teatralidade é
uma obra de arte finalizada, pró-
pria de quem já cristalizou uma
visão de mundo e quer expressá-
la. O teatro burguês é um espetá-
culo asséptico onde a pureza da
arte final não pode se contaminar
pelo público, que deve estar silen-
cioso, domesticado, catártico, para
melhor acumular as mensagens
bancárias transmitidas do palco.
O teatro popular é um teatro
sagrado, de onde nunca foi preciso
alienar o divino. A transcendência,
é, por excelência, a expressão da
criatividade, de uma tradição ad-
vinda dos rituais ancestrais de culto
à terra. A teatralidade popular é
uma arte de infinitos ciclos, de quem
está sempre descobrindo um misté-
rio e celebrando uma nova criação.
Um teatro inacabado, aberto à
transformação, ao diálogo, um ensaio
coletivo, sem público, no qual todos
são criadores espontâneos, um tem-
plo circular onde todos são deuses.
BIBLIOGRAFIA
ALTOÉ, S. (org.). (2004). René Lourau: analista insti-
tucional em tempo integral. São Paulo: Hucitec.
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VERNANT, J. P. e NAQUET, P. V. (1999). Mito e tragé-
dia na Grécia Antiga. São Paulo: Ed. Perspectiva.
8
vez, são entregues à sorte e absorvem
o que o estômago vazio consegue.
A falta de estrutura somada a falta de
pedagogia e a falta de interesse político,
produzem uma escola falida. Uma esco-
la produtora de meros consumidores.
Meros receptores. Meros espectadores.
O massacre que impede a desco-
berta e o desenvolvimento de um ser
criativo e autoconfiante acontece em
exemplos diários que passam desper-
cebidos. Em minha vida existe um me-
nino chamado Pedro, que um dia me
convidou para pintar. No livro de pin-
turas havia duas silhuetas: uma menina
e um menino. Ele pinta a menina e su-
gere que eu pinte o menino. Ele pinta
a pele da menina, o cabelo, e, por fim,
pinta a roupa de rosa. Ele me entrega o
lápis azul e diz que o menino deve ser
pintado dessa cor. Eu dispenso o lápis
oferecido e pinto o menino com uma
roupa cheia de bolinhas roxas com
lilás e uma calça amarela. Ele me diz:
Educação é um fenômeno
que acontece em qualquer
sociedade humana e en-
volve os processos de ensinar e apren-
der. Ela é responsável pela manuten-
ção e perpetuação do aprendizado às
gerações futuras. A Educação é a trans-
missão e a recepção do saber existente.
Pedagogia é um processo media-
dor para que a educação seja eficaz.
Ela aponta como vou fazer, de que
forma vou educar, que instrumentos
didáticos devo usar, levando o sujeito
ao questionamento. A Pedagogia busca
a melhoria no processo de aprendi-
zagem, através da reflexão, sistemati-
zação e produção de conhecimento.
Descrições clássicas do enten-
dimento comum sobre a diferença
entre Educação e Pedagogia. Po-
rém, como dizia Boal e bem sabia
Paulo Freire, Educação e Pedago-
gia são complementares, são irmãs.
Portanto, usando da Pedagogia, o
Teatro do Oprimido (TO) deseja edu-
car, mas sem perder de vista o objetivo
maior que deve ser a transformação
social e a construção de uma socie-
dade justa, democrática e igualitária.
Para trabalhar com Educação, espe-
cialmente com a educação formal, foi
preciso primeiramente entender a práti-
ca que ocorre na grande maioria dos es-
paços escolarizados e levar em conside-
ração os problemas que o tema envolve.
Dentre os cinco maiores proble-
mas da educação, descritos por Michel
Aires de Souza em seu recente ensaio,
destaco alguns e acrescento outros,
que em minha opinião, atravancam
e desaceleram o processo educacio-
nal, tornando urgente e necessária a
investida do Teatro do Oprimido.
O primeiro é justamente um pro-
blema pedagógico. Infelizmente, no
geral, a educação que recebemos é au-
toritária. Eu ensino e você aprende. Eu
falo e você copia. Eu faço e você faz.
Não há uma pedagogia para entender
que outra forma de aprendizado po-
deria ser possível ou necessária. Não
há preocupação em desenvolver o in-
divíduo como um ser completo, que
se torne capaz de potencializar suas
próprias habilidades, mas sim embuti-
lo, quase que enlatá-lo em um padrão
pré-estabelecido de ensino, ensinando
o que há para ser ensinado, sem per-
guntas ou novidades. O estudante é
visto verdadeiramente como “aluno”
no seu significado etimológico: sem luz.
Essa realidade é aparente nas
escolas públicas e também parti-
culares. Da educação infantil ao
ensino médio. os bairros empobre-
cidos ou de maior poder aquisitivo.
É uma realidade dura e opressora.
NA POLÍTICA - O segundo,
e não menos importante, é um pro-
blema político. Muitas vezes não há
interesse pedagógico na mudança, na
transformação, na descoberta de uma
nova possibilidade de Educação. A pe-
quena quantidade de escolas e a grande
quantidade de escolas ruins que temos,
é reflexo de um mundo dominado pe-
los interesses das classes dominantes.
Se todo mundo fosse alfabetizado e
tivesse recebido educação formal, quem
seriam os trabalhadores braçais da his-
Teatro do Oprimido: um aliado na Educação dos oprimidos
Teatro e educação
A falta de estrutura so-
mada a falta de pedago-
gia e a falta de interesse
político, produzem uma
escola falida.
* Por Helen Sarapeck
tória da humanidade? Como mantería-
mos o trabalho escravo? Quem seriam
as domésticas, os pedreiros e lavradores
de mãos calejadas em todo o mundo?
A escola reproduz o modelo ca-
pitalista que assola o mundo. Não há
troca de ensinar e aprender ao mesmo
tempo. Há quem ensina o que quiser
e quem aprende o que é possível. O
professor e o estudante. Quem manda
e quem obedece. Na há diálogo. A es-
cola passa a ser uma mera reprodutora
de um sistema que marginaliza e exclui.
O terceiro e crucial problema é
social. Nossas escolas são pobres, os
professores mal pagos e os estudantes
estão famintos. Como manter com
dignidade uma educação pedagógica
em um ambiente assim? Onde, na
maioria dos casos, o objetivo é receber
o fraco salário ou a parca merenda?
A falta de estrutura básica da esco-
la aliada à desvalorização do professor
causa uma falta natural de interesse por
parte dos educadores. Sem espaço e
material didático adequado com um
salário que não garante sua sobrevi-
vência, os professores são obrigados
a acumular empregos e, em consequ-
ência, acumulam cansaço. Acabam
por desenvolver uma educação possí-
vel e não a necessária e devidamente
pedagógica. Os estudantes, por sua
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dente de sua formação, tem a capa-
cidade de produzir arte. Todo ser
humano é capaz de escrever uma
poesia, fazer uma pintura, compor
uma música. Todos podemos mui-
to mais do que imaginamos. Essa é a
base da Estética do Oprimido (EO).
Desenvolver a estética dos opri-
midos com os quais trabalhamos era
uma de nossas missões, melhor, era a
maior delas. Além de trabalhar a esté-
tica na criação dos figurinos, cenários
e textos dramatúrgicos com estudan-
tes e professores, estimulamos que
os Multiplicadores desenvolvessem
atividades específicas, dentre as quais
destaco a criação da Bandeira Nacio-
nal na visão de cada participante; a
criação do Ser Humano representante
daquele grupo, a partir do lixo limpo;
a produção de poesias e a criação de
músicas inéditas e seus respectivos
instrumentos feitos de lata, latinha,
latão, balde, garrafa e sacola plástica.
Em um espaço curto de tem-
po, os participantes das oficinas, em
sua maioria crianças e adolescen-
tes, produziram 19 músicas, mais
de 60 poesias, 6 esculturas de seres
humanos e mais de 200 pinturas.
Parte dessa produção foi uma
excelente experiência de processo.
Mesmo quando por fim a arte pro-
duzida não chegava a ser um produ-
to, ou seja, uma obra de arte, que em
nada tem a ver com o artista que a
produz, mas com o efeito que ela - a
obra - produz em quem a vê, o que é
realizado durante o processo artístico
que o artista passa, é fenomenal. É no
processo que ele se revela, se desco-
bre criador e se transforma em artista.
Vimos o processo tão dedicado e
criativo de nossos artistas, crianças de
12, 8, 6 anos!, que chegavam na ofi-
cina muitas vezes sem vontade e sem
esperança, e que depois de 15 minu-
tos apenas, estavam imersos no mate-
rial, absortos com a escolha do papel,
mergulhando os pincéis nas tintas de
seus desejos. As tintas, panos, papéis,
pincéis, brochas, palhetas, sucatas e
crianças se misturavam em um grande
caos criativo. Estavam absortos na cria-
ção. A arte quando verdadeira, em seu
momento de criatividade, enquanto
desperta no ser seus desejos, emoções,
fazendo-o colocar tudo para fora em
cores e traços, não tem controle e não
pode tê-lo. Sem rédeas, cavalgavam
soltos. Chegavam próximo ao delírio
criativo e através dele se deixavam levar.
Os produtos surgidos neste pro-
cesso foram expostos nas escolas e
uma delicada seleção fez parte da ex-
posição do projeto na Casa do CTO,
encantando profissionais da Educa-
ção e, especialmente das Artes, pela
qualidade e sinceridade com que as
pinturas e esculturas transmitiam a
realidade das escolas e comunidades,
e faziam transparecer os desejos e an-
seios dos pequenos humanos artistas.
A Estética do Oprimido, além de
ser apropriada para a escola é urgen-
te. Atividades lúdicas, simples, que
podem ser desenvolvidas em salas
de aula, em curto espaço de tempo e
sem custo. Essas facilidades atraem
“Assim não pode!” Eu me assusto e
pergunto por quê. Rapidamente ele diz
mais uma vez que não pode. Eu retru-
co, e ele afirma “não pode porque não
pode” Eu insisto e cansado, ao mesmo
tempo curioso, ele reponde: “tá bom...
eu deixo” e em seguida começa a ex-
plorar as novas possibilidades de cores
e traços, que descobriu serem possíveis.
Repinta a menina, melhor, redesenha.
Muda as cores, sai do limite dos traços,
avança. Se liberta. Experimenta um
novo mundo possível através da arte.
As escolas ensinam nossas crian-
ças a seguirem regras. Regras de uma
educação moral e preconceituosa que
envolve traços, linhas, cores, movimen-
tos, que transformam nossos corpos
em corpos enrijecidos e nossas cabe-
ças em cabeças que pensam em uma
única direção. Crianças produzidas
para pintar o mundo da cor que lhes
foi ordenada. Mulheres usam rosa e
homens azul. Mulheres lavam roupa e
homens andam de carro. Perdemos a
voz e o desejo. Aprendemos a não ter
opinião. Perdemos a criatividade e a
liberdade. Crescemos seres frustrados.
Essas são razões que apontam
para a necessidade urgente do uso
do Teatro do Oprimido dentro das
escolas. O método precisa ser usado
como suporte pedagógico, instrumen-
to político de transformação e de luta
por melhores condições de ensino.
Aliado à Educação, o Teatro do
Oprimido pode ser usado por profes-
sores, gestores e estudantes, ajudando
a fomentar o diálogo no meio escolar.
O TO não aumenta os salários ou di-
minui a pobreza, mas contribui para
uma educação dialógica, minimizan-
do os efeitos dos problemas sociais,
pedagógicos e políticos na realidade
escolar, ajudando o indivíduo a se tor-
nar protagonista de sua própria vida.
De 2006 a 2007, Boal e o Centro
de Teatro do Oprimido (CTO) desen-
volveram o projeto Teatro do Opri-
mido nas Escolas, em sete municípios
do estado do Rio de Janeiro, usando
o método na promoção do diálogo
através da capacitação de jovens e pro-
fessores de escolas públicas como Mul-
tiplicadores da Estética do Oprimido.
Todo ser humano, indepen-
O Teatro do Oprimi-
do dentro da escola é
instrumento facilitador e
revolucionário que luta
pela verdadeira Educação
Pedagógica como prática
da liberdade.
* Coordenadora Geral, atriz e Curinga
do Centro de Teatro do Oprimido,
especialista e facilitadora do Método.
Trabalhou diretamente com Augusto
Boal desde 1990 até a sua morte, em
2009. [email protected]
professores, estudantes, gestores e co-
munidades, que passam a usar o mé-
todo dentro e fora de suas salas de aula.
A EO é mais que o despertar artísti-
co daquele ser humano. A EO é a forma
dele expressar seu ponto de vista sobre
o mundo. Quando a criança descobre
que a bandeira nacional não representa
o Brasil que temos hoje, e que ela tem
a possibilidade de recriar essa bandeira,
mostrando uma bandeira triste, sem
verde, sem mata, sem paz, ela está redes-
cobrindo a realidade em que vive. Está
refletindo sobre o presente para mudar
seu futuro. Para ampliar suas chances.
Para não ser um analfabeto estético.
O Teatro do Oprimido dentro da
escola é instrumento facilitador e re-
volucionário que luta pela verdadeira
Educação Pedagógica como prática
da liberdade, assim como acredita-
vam Paulo Freire e Augusto Boal.
BIBLIOGRAFIA
Ensaio sobre A Estética do Oprimido – Augusto Boal
Artigo Afinal, qual é o problema da Educação? -
Michel Aires de Souza
O que é Pedagogia? - Paulo Ghiraldelli Jr
A Estética do Oprimido,
além de ser apropriada
para a escola é urgente.
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A Árvore do Teatro do OprimidoInfográfico
Depois de exilado pelo regime militar, Boal
se dedicou a pesquisar formas teatrais que
pudessem ser úteis para oprimidos e opri-
midas, criando condições para ultrapassarem o papel de
consumidores de bens culturais e assumirem a condição
de produtores de cultura e de conhecimento. Para tanto,
sistematizou o Teatro do Oprimido, que poderia ser cha-
mado de Teatro do Diálogo que, partindo da encenação
de uma situação real, estimula a troca de experiências en-
tre atores e espectadores, através da intervenção direta na
ação teatral, visando à análise e a compreensão da estrutu-
ra representada e a busca de meios concretos para ações
efetivas que levem à transformação daquela realidade.
Um Método teatral que se baseia no princípio de que o ato
de transformar é transformador. Como diria Boal, aquele
que transforma as palavras em versos transforma-se em po-
eta; aquele que transforma o barro em estátua transforma-se
em escultor; ao transformar as relações sociais e humanas
apresentadas em uma cena de teatro, transforma-se em ci-
dadão. Um Método que busca, através do Diálogo, restituir
aos oprimidos o seu direito à palavra e o seu direito de ser.
Boal sempre insistiu que as técnicas que compõem
o Método do Teatro do Oprimido não surgiram como
invenção individual e sim como consequência de des-
cobertas coletivas, a partir de experiências concretas
que revelaram necessidades objetivas. Cada uma das
técnicas do Teatro do Oprimido representa uma res-
posta encontrada por Boal e pelos colaboradores e co-
laboradoras que acumulou ao longo de sua carreira.
A Árvore foi símbolo escolhido pelo próprio Boal para
representar seu Método, por estar em constante transfor-
mação e ter a capacidade de Multiplicação. A Árvore do
Teatro do Oprimido representa a estrutura pedagógica do
Método que tem ramificações coerentes e interdependen-
tes. Cada técnica que integra o Método é fruto de uma desco-
berta, é uma resposta a uma demanda efetiva da realidade.
ÉTICA E SOLIDARIEDADE
Suas raízes fortes e saudáveis estão
fundadas na Ética e na Solidariedade
e se alimentam dos mais variados
conhecimentos humanos. O solo do
Teatro do Oprimido deve ser fértil,
oferecer o acesso a saberes e base
para criações.
ESTÉTICA DO OPRIMIDO
É a seiva que alimenta a Árvore, desde as
raízes passando pelo tronco, atravessando
galhos e folhas. A Estética do Oprimido tem
por fundamento a crença de que somos todos
melhores do que supomos ser, e capazes de
fazer mais do que aquilo que efetivamente
realizamos: todo ser humano é expansivo.
TEATRO IMAGEM
No Teatro-Imagem, a encenação
baseia-se nas linguagens não-verbais.
Esta técnica teatral transforma ques-
tões, problemas e sentimentos em
imagens concretas. A partir da leitura
da linguagem corporal, busca-se a
compreensão dos fatos representa-
dos na imagem, que é real enquanto
imagem. A imagem é uma realidade
existente sendo, ao mesmo tempo,
a representação de uma realidade
vivenciada.
TEATRO JORNAL
O Teatro-Jornal foi uma resposta estética à censura
imposta, no Brasil, no início dos anos 70, pelos mi-
litares, para escamotearem conteúdos, inventarem
verdades e iludirem. Nesta técnica, encena-se o que
se perdeu nas entrelinhas das notícias censuradas,
criando imagens que revelam silêncios. Criada em
1971, no Teatro de Arena de São Paulo, esta técnica
foi muito utilizada na época da ditadura militar
brasileira, para revelar informações distorcidas
pelos jornais da época, todos sob censura oficial.
Ainda hoje é usada para explicitar as manipulações
utilizadas pelos meios de comunicação.
TEATRO LEGISLATIVO
É o desdobramento do Teatro-Fórum, onde
os espectadores, além de entrarem em cena
e darem suas alternativas, encaminham
sugestões escritas para a criação de propostas
legislativas, as quais são analisadas, sistema-
tizadas, votadas pela platéia e encaminhadas
para os órgãos capazes de darem os devidos
encaminhamentos. A técnica é uma resposta
à necessidade de ir além da encenação teatral
e de provocar Ações Sociais Concretas e Conti-
nuadas na vida real.
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A Árvore do Teatro do Oprimido
JOGOS
As centenas de Exercícios e Jogos do arse-
nal do Teatro do Oprimido estão na base
do tronco da Árvore, sendo fundamentais
para o desenvolvimento de todas as
técnicas. Esse vasto arsenal auxilia a des-
mecanização física e intelectual de seus
praticantes, estimulando-os a buscar suas
próprias formas de expressão.
TEATRO FÓRUM
É onde a barreira entre palco e platéia
é destruída e o Diálogo implementado.
Produz-se uma encenação baseada em fa-
tos reais, na qual personagens oprimidos
e opressores entram em conflito, de forma
clara e objetiva, na defesa de seus desejos
e interesses. O confronto incita a busca por
alternativas para o problema encenado.
AÇÕES SOCIAIS CONCRETAS CONTINUADAS
A técnica é uma resposta à necessidade de
ir além da encenação teatral e de provocar
essas ações na vida real. Na Árvore do
Teatro, a ética e a solidariedade são funda-
mentos e guias. A multiplicação, a estratégia.
E a promoção de ações sociais concretas e
continuadas, para a superação de realidades
opressivas, a meta.
TEATRO INVISÍVEL
Se baseia na encenação de uma ação do
cotidiano apresentada no local onde poderia
ter acontecido, sem que se identifique como
evento teatral. Desta forma, os espectadores
são reais participantes, reagindo e opinando
espontaneamente à discussão provocada pela
encenação.
ARCO-ÍRIS DO DESEJO
Também conhecido como Método Boal de
Teatro e Terapia, é um conjunto de técnicas
terapêuticas e teatrais utilizadas no estudo de
casos onde os opressores foram internaliza-
dos, habitando a cabeça de quem vive oprimi-
do pela repercussão dessas idéias e atitudes.
PALAVRA , SOM E IMAGEM
A Estética do Oprimido estimula a descoberta
das possibilidades produtivas e criativas, e da
capacidade de representar a realidade produ-
zindo Palavra, Som e Imagem – promover a
sinestesia artística que impulsiona o autoconhe-
cimento, a auto-estima e a autoconfiança.
12
serão multiplicadores e o mais interesse é que essa experiência é tão viva e rica que eles dizem que as boas repercus-sões do teatro já são sentidas em suas vidas pessoais, profissionais e política.
Essa formação capacita os professo-res a produzir uma cultura solidária e éti-ca, não só combatendo intelectual e verbal-mente a ideologia da “cachaça, mulher e galha”, mas criando alternativas concretas, lúdicas e culturais. A alternativa para a indús-tria cultural, que produz consumidores são os círculos de cultura, que produzem pro-tagonistas, seja no teatro ou na sala de aula.
Para Aldo, o Sintese é um dina-mizador do futuro e vem mostrando a importância dos formadores não se sedentarizarem nas salas de aula. “Um dia conquistaremos o direito legítimo do cuidado de si, do direito à cultura como processo intrínseco da educação. A arte nos aproxima da realidade dos estudantes e das suas famílias, permite meios mais eficazes de dialogicidade”, disse Aldo.
É isso aí. Boal disse que cidadão não é aquele que vive em sociedade, mas aquele que a transforma. O ser humano se tornará um cidadão íntegro quando contar sua própria história através do seu teatro, da sua rádio e TV comunitá-ria, da sua revista, do seu jornal, da sua fotografia, da sua música. Libertação e autonomia popular se tornam mais vi-áveis e palpáveis a partir dessa trajetória.
de produção teatral”, disse Aldo. São cerca de 35 participantes na turma “Au-gusto Boal”, além de outros tantos terem participado de cursos nas Oficinas Peda-gógicas da Resistência, nos mês de julho.
Como já são professores, muitos já se sentem motivados a aplicar a meto-dologia nas salas de aula, ou criar grupos de teatro na escola. É impressionante a dinâmica cotidiana deles. Muitas vezes trabalham em mais de uma escola para poder ter dignidade material, às vezes não almoçam e não têm tempo para o cuida-do de si, para uma caminhada por exem-plo. O teatro também acaba sendo um momento de cuidado desses cuidadores. Porque a violência que entra pelas portas do fundo da escola adoece o professor, e a violência da falta de políticas públicas que dignifiquem a classe, adoece mais ainda.
Além do ator e psicólogo Aldo, também atua no curso a Helen Fon-tes, multiplicadora que foi formada pelo Centro de Teatro do Oprimido – RJ e que dá oficinas com Aldo desde 2007. “Começamos a trabalhar juntos quando ministrei algumas oficinas em encontros do MST e para dependen-tes químicos e coordenamos juntos o Grupo Humaniza Cena”, lembra Aldo.
O grupo já começou a trabalhar com histórias de opressão realmente vividas pelos professores nas escolas ou nas co-munidades. Está sendo montada uma cena de teatro para debater com a socie-dade. A estréia está marcada para a confe-rência do Sintese em outubro deste ano.
Mudanças - Mas quem pensa que o trabalho do grupo ficará por aí, engana-se. Vários são os projetos. Os professores
força. Depois de uma apresentação da leitura dramática de textos do livro do professor poeta José dos Santos, pelo grupo Humaniza a Cena, coordenado pelo ator e psicólogo Aldo Rezende, resolveu enfrentar um de-safio. Surge assim o Projeto Palco na Luta, para os professores filiados ao Sintese.
A idéia não é fazer teatro pelo teatro. Boal sempre dizia que arte não é adorno, mas poderosa ferramenta de transforma-ção social. As subjetividades opressoras, a grande mídia, tentáculos invisíveis do capi-tal, tudo age através da expressão estética, aprisionando os sentidos com a criação sistemática de espectadores de tudo: da TV, do teatro, do professor, da política.
“O Teatro do Oprimido desenvolve o protagonismo, liberta os nossos sen-tidos, podemos perceber o mundo de forma autônoma, crítica e, principalmen-te, interagindo com ele e o reconstruin-do com inventividade”, garante Aldo.
Para Boal, a quarta parede do te-atro (parede imaginária que separa os artistas da platéia) é tão nociva quanto às paredes que separam as salas de aula da comunidade. “A nossa metodologia em-podera a platéia, que sobe ao palco para dar alternativas para conflitos reais que estejam acontecendo com aquele grupo e empodera a educação quando, através de meios estéticos, traz a família e a comuni-dade para dentro da escola para debater e transformar a sociedade”, justifica Aldo.
O GRUPO - Quinzenalmente o gru-po de professores filiados ao Sintese se reú-ne. O projeto é de um ano, mas certamen-te será renovado. A idéia revolucionária do sindicato é alcançar o maior número de professores com a metodologia. “Quanto mais pessoas puderem fazer teatro, mais pessoas gostarão de teatro. Devemos po-pularizar não peças prontas, mas os meios
Numa palestra em Araca-ju, o economia Márcio Pochmann questionava a
platéia: “quero saber se os sindicatos de hoje estão preocupados em conservar o passado ou assumir o protagonismo do futuro?”. Não dá para responder por todos os sindicatos, mas tem um para o qual essa pergunta fica até sem sentido: o Sintese, um sindicato do seu tempo e que vai muito além dele.
Não obstante a duras e amplas campanhas salariais, por condições de trabalho, de fiscalização e acompanha-mento das políticas públicas na área da educação, o Sintese investe muito em formação em larga escala, não apenas dos seus dirigentes, mas da base, isto é, para todos os seus filiados. Esta ação por si só já é revolucionária nos dias de hoje.
São cursos, seminários, oficinas, conferências, congressos, grupos de estudo, etc, etc, etc. tudo para que os professores possam compreender sua condição de agentes transformadores da realidade. Um dos exemplos mais vivos dessa compreensão estratégica do Sintese é a implantação do Projeto Pal-co de Luta, que vive a experiência de trabalhar o Teatro do Oprimido, criado pelo fantástico mestre Augusto Boal.
COMO COMEÇOU - O namo-ro entre Sintese e o teatro do oprimido vem de longas datas. Em muitas das manifestações públicas do sindicato a metodologia do teatro já se fazia presen-te. A participação ativa de professores, alunos, pais, da população era uma constante. Os calçadões das Laranjeiras e João Pessoa em Aracaju foram tes-temunhas de inúmeras apresentações.
Mas essa diálogo criativo com a so-ciedade ganhou mais corpo quando nas conferências e congressos do sindicato o teatro, nas mesmas perspectivas defendi-das por Augusto Boal, começa a ganhar
SINTESE cria o Palco na Luta
Formação
PALCO DA VIDA
Exercícios teatrais representam ações
cotidianas.
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posto por Augusto Boal é uma tentativa de construção de espaços democráticos necessários à Educação e à Pedagogia. Na condução do trabalho de um Curinga (técnico artístico-pedagógico do TO), a pa-lavra democracia é uma palavra de ordem. Todos os procedimentos e processos de construção estética devem perpassar por esse conceito em busca da expressão sin-cera e autônoma do oprimido, que passa a ser produtor ativo e não mais consumi-dor passivo no processo de construção da Estética e do Teatro do Oprimido.
O curinga foi assim chamado por Boal por ser “uma carta que cabe em qualquer jogo do baralho”. Ele faz produção, minis-tra oficinas, dirige a cena de teatro, dialoga com a platéia na sessão do Fórum e deve estar pronto, ou ser capar de estar, para qualquer demanda que surja da sua ativi-dade de construir espetáculos de Teatro.
Boal pregava a necessidade de se democratizar os meios de produção ar-tística ao invés de democratizar a obra de arte. Pensando de maneira análoga na educação, seria então necessário de-mocratizar a Pedagogia, permitindo ao aluno, indicar os caminhos, participar do planejamento, determinar os métodos e procedimentos avaliativos e as metodo-logias utilizadas na busca pedagógica para que enfim, pudéssemos encontrar uma atividade que se aproxime do tão sonha-do conceito de democracia na educação.
Trazer para a sala de aula os princípios do TO é urgente e necessário, pois já não é mais possível continuarmos com o mo-
Sou um professor. Licenciado, a minha ocupação consiste em freqüentar salas de aula e lutar
diariamente contra todo um sistema auto-ritário e manipulador que encaminha as crianças, adolescentes e adultos que freqüen-tam a escola, a um metafórico moedor de carne como se fossem recheio de salsichas.
Atuando em escolas de públicas, onde a educação de crianças e a alfabeti-zação de adultos esta a cargo do pedagogo, a cada dia de trabalho, a cada reunião de equipe, fico cada vez mais preocupado e estarrecido com o que se faz nos cursos de formação de educadores neste país.
Tenho visto professores cometerem atos degradáveis contra os seus alunos, impotentes. O pedagogo, profissional formado nas universidades para o papel de alfabetizar crianças e adultos, tem uma representação simbólica gigantesca para a vida desses estudantes. A sua presença em sala de aula, as suas posturas, as suas falas e, principalmente, as suas escolhas são fun-damentais e decisivas na vida daqueles que estão sob a sua tutela no caminho da cons-trução da consciência política, a cidadania.
Entretanto, é comum verificar nes-tes uma completa falta de consciência política, de consciência do seu papel de cidadão, de formador de opiniões. Claro que não são todos, mas raras são as exceções onde vemos um educador, seja ele pedagogo ou arte-educador, que não traga em si idéias preconceituosas e, pior, que não as propague através dos ensinamentos aos seus alunos, que neces-sitados de uma referência, o segue mansa e pacificamente como bem exigem as normas de bom comportamento escolar.
Boal, abordando os conceitos de Educação e Pedagogia, nos dá uma fun-damental direção no sentido de encontrar-mos respostas, ou as boas perguntas, em relação ao papel do professor numa escola
O lápis de cor rosa
Boal e o papel do professor
* Por Claudio Rocha
* Arte-educador e Curinga
e numa sociedade. Boal, falando sobre a Educação, a Pedagogia e a Cultura diz:
Fica claro então que, ao professor, é ne-cessário, antes de qualquer coisa, ter a clare-za do significado de cada uma dessas duas palavras que substanciam o seu fazer pro-fissional, para que assim evite-se os comuns erros e desmandos que evidenciam o cur-rículo oculto que tem como objetivo maior normalizar os erros e violações aos Diretos Humanos já perpetrados na sociedade.
Conjugar esses sabres em busca de uma prática que seja o mais próximo possível do conceito de democracia (isto levando em conta que esta nunca existiu na história da humanidade) é a grande tarefa do professor.
O Teatro do Oprimido (TO), pro-
BIBLIOGRAFIA
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– Teatro do Oprimido nas Escolas. Centro de Teatro
do Oprimido. Rio de Janeiro, 2007
Certo dia o meu filho não queria ir para a aula, per-guntei o por que e ele me disse que os seus colegas o chamavam de veado na sala de aula. Quando lhe perguntei o motivo, ele me disse que era por que ele quis pintar um desenho com o lápis de cor rosa. Fui à escola, e pedi aos pedagogos que tomassem uma atitude.No dia seguinte, ele continuava sem querer ir à aula. Quando voltei à escola e questionei os pedagogos sobre que atitudes eles haviam tomado no dia anterior, a coordenadora foi enfáti-ca: “Eu mesma peguei o lápis rosa do estojo do seu filho e o quebrei”.
Depoimento de uma mãe so-
bre o seu filho de 5 anos.numa
escola de Salvador - BA.
“Educação significa a transmissão do saber existente. Pedagogia, a busca de novos sa-beres. Essas duas pa-lavras não podem ser dissociadas, porque não podemos aceitar um saber paralítico, imóvel, não-investi-gativo, nem descobri-remos jamais novos saberes sem conhecer os antigos”.
Augusto Boal
delo educacional que temos hoje em dia. Fazer do professor um Curinga, é mais que sobrecarregá-lo de atividades, é libertá-lo do pensamento estreito que o prende na condição de especialista e que coloca sob os seus olhos uma viseira tal qual a que se coloca em cavalos que puxam carroças, com a finalidade de evitar o desvio da aten-ção do seu trabalho para um mundo que o convida à novas experiências, pedagógicas.
Transformar o professor em Curinga seria assim, uma forma de superação da opressão à que é condenado esse profissio-nal que deixa de ver no lápis de cor rosa a possibilidade de abertura para um mundo democrático e que respeita as diferenças.
14
do grupo “Jana Sanskriti (cultura
popular em Indi) e um dos respon-
sáveis pela criação da Federação In-
diana de Teatro do Oprimido que
congrega cerca de dois milhões de
indianos; e Olivar Bendelak, curin-
ga do CTO, expondo sobre nossa
experiência do Teatro Legislativo.
O trabalho do multiplicador do
tação de diferentes mesas com dife-
rentes temáticas. Na abertura, uma
mesa mostrou a trajetória teatral de
Boal com depoimentos de Rosa
Luiza Marques (Porto Rico), que
pode trabalhar com Boal na Fran-
ça, onde ele criou a técnica Arco-
Íris do Desejo, até o Rio de Janeiro,
quando participou das primeiras
experiências de Boal nos CIEPS
e fechando com Bárbara Santos,
socióloga e curinga³ do CTO, que
chegou até nossa última pesquisa:
A Estética do Oprimido. Nos dias
de 21 a 23 o debate continuou.
Sempre tínhamos mesas intro-
dutórias às temáticas pensadas.
Abrindo com uma
questão fundamen-
tal sobre o que é a
opressão hoje e como
trabalhar com esta te-
mática, Julian Boal do
GTO-Paris (França) e
Carolina Echeverria (Ar-
gentina), expuseram suas
ideias e debateram com a
platéia. Assim, demos pros-
seguimento provocando com
a temática o “Teatro do Opri-
mido como Política”, onde fo-
ram incluídos nossos parceiros
de luta: Evelaine Martinez, do
MST; Sanjoy Ganguly, diretor
diferentes países ou diferentes regi-
ões culturalmente tão distintas con-
tinuem preservando os princípios
éticos, políticos e artísticos do TO?
Na Conferência Internacional
de Teatro do Oprimido realizada
de 20 a 26 de julho de 2009, no Rio
de Janeiro, tivemos a oportunidade
de ter a presença de representantes
de 26 países dos cinco continentes:
Palestina, Sudão, Moçambique,
Angola, Guiné-Bissau, Senegal,
Argentina, Uruguai, Índia, Paquis-
tão, Austrália, Espanha, Portugal,
Canadá, Estados Unidos, Alema-
nha, Holanda, Inglaterra, Escócia,
Irlanda, Israel, França, Itália, Filipi-
nas e Brasil, permitindo o encontro
de praticantes que não se viam há
anos e alguns que nunca se viram, a
troca de experiências entre diferen-
tes culturas e países sobre seus tra-
balhos e a linguagem que tem em
comum: o Teatro do Oprimido.
A ideia foi aprofundar o diálogo
e a sistematização de experiências.
Tivemos espetáculos de grupos
de Guiné-Bissau, Sergipe, Minas
Gerais, Goiás e Rio de Janeiro.
Além do recurso do vídeo que fa-
cilitou assistir trabalhos do Paquis-
tão, Alemanha, Canadá, Inglaterra,
Índia, Espanha e Moçambique.
Mas o foco maior foi à apresen-
O Teatro do Oprimi-
do que é uma meto-
dologia teatral criada
pelo teatrólogo Augusto Boal, dire-
tor do histórico Teatro de Arena
de São Paulo, na década de 60, e
que em 1971 iniciou esta nova for-
ma de ver e praticar a arte teatral.
Nestes mais de 38 anos de his-
tória, multiplicadores do mundo in-
teiro levaram os princípios éticos e
solidários do Teatro do Oprimido,
sempre tendo não o teatro com o
oprimido, mas do oprimido e para
o oprimido, para que juntos, apren-
dendo um com o outro, possamos
transformar o mundo. Como o di-
álogo é antídoto do conflito, o Te-
atro do Oprimido tem sido um im-
portante instrumento de Paz, que
precisa ser conquistada e exercitada
cotidianamente, através de ações
diretas e da superação da passivida-
de. Assim, hoje, no mundo, é difícil
encontrar um país onde não tenha
um grupo de Teatro do Oprimido
ou uma Universidade importante
que não tenha em seu currículo o
estudo de sua prática e teoria. In-
felizmente o Brasil é uma exceção.
Mas como garantir que o Teatro
do Oprimido (TO) aplicado nos
Centro de Teatro do Oprimido ratifica sua força mundial
Teatro do mundo
por Geo Britto*
Livro do Teatro do Oprimido foi
traduzido para vários idiomas
15
podemos discutir os conceitos
do TO, sua ação, nossas respon-
sabilidades e principalmente seu
futuro. Desses dias, conseguimos
trazer para o Rio de Janeiro um
pedaço de cada local do mundo.
Esse impressionante movimen-
to teatral, que se amplia cada vez
mais e repercute cultural, social e
politicamente, tem no Brasil uma
de suas principais referencias: o
Centro de Teatro do Oprimido
- CTO. A realização da primeira
Conferência Internacional de Tea-
tro do Oprimido, no Rio de Janei-
ro, foi um marco histórico no sen-
tido de lançar as bases estruturais
uma rede Internacional do Teatro
do Oprimido, a partir de um mé-
todo sistematizado pelo brasileiro,
cidadão do mundo, Augusto Boal.
professor da USC-California, fa-
lando sobre sua experiência em
Ruanda; e Geo Britto, coordena-
dor nacional do programa Teatro
do Oprimido na Saúde Mental,
realizado pelo CTO em três es-
tados brasileiros: RJ, SP e SE.
A temática dos Direitos Huma-
nos não poderia faltar, já que o TO
em muitos lugares é considerado
o Teatro dos Direitos Humanos.
Tivemos a mesa introdutória com
o Ministro Paulo Vannuchi, da
Secretaria Especial dos Direi-
tos Humanos e Cecília Coim-
bra, diretora do Grupo Tor-
tura Nunca Mais. Na mesa de
praticantes: Bárbara Santos,
socióloga e curinga do CTO,
falou sobre o projeto Teatro
do Oprimido nas Prisões, re-
alizado em nove estados bra-
sileiros: SP, PE, RS, RO, RN,
PI, ES, DF e MS; Till Bauman
(Alemanha), que trabalha com
jovens neonazistas encarcera-
dos; e Adrian Jackson (Ingla-
terra), do CardBoardCitizens,
grupo de moradores de rua.
A mesa final discutiu as possibi-
lidades de se realizar trabalhos em
áreas de conflito. Na introdutória ti-
vemos a fala de Sergio Andréa, che-
fe de gabinete da Secretaria Estadu-
al de Assistência Social e Direitos
Humanos do RJ, onde falou sobre
seus projetos e principalmente o
“Mulheres da Paz”. Na mesa de
praticantes, um debate muito ins-
tigante entre Edward Muallen (Pa-
lestina), do Grupo Ashtar, mos-
trando o trabalho de multiplicação
neste país tão massacrado; José
Carlos (Guiné-Bissau), com o
trabalho do GTO-Bissau en-
tre militares e a sociedade civil
no mesmo palco; Chen Alon
(Israel), mostrando que um is-
raelense pode e deve lutar ao
lado dos palestinos contra as
injustiças do Governo de Isra-
el; e Justin Billy (Sudão), sobre
o poder no TO num país divi-
dido. Nos dias 24 a 26 aconte-
ceu o Encontro de Praticantes.
Um momento privativo, onde
*¹ Sociólogo, ator e Curinga do
Centro de Teatro do Oprimido,
especialista e facilitador do Méto-
do. Trabalhou diretamente com
Augusto Boal desde 1990 até a
sua morte, em 2009. geobritto@
ctorio.org.br
² Criado por Augusto Boal em
1986, o Centro de Teatro do
Oprimido - CTO se dedica à
pesquisa e ao desenvolvimento
do Método, atuando em todo o
Brasil e apoiando grupos, espe-
cialmente, da América Latina
e da África. Av. Mem de Sá, 31
– Lapa, Rio de Janeiro (21) 2232-
5826 www.ctorio.org.br
³ Especialista e facilitador do
Método.
Teatro do Oprimido não deixa de
ser um trabalho de educador, por
isto a mesa sobre suas relações se
fez fundamental. Com uma mesa
introdutória onde tivemos a pre-
sença de Moacir Gadotti, presiden-
te do Instituto Paulo Freire, Dan
Baron (EUA), diretor do Instituto
Internacional de Teatro - IDEA
e Doug Paterson (EUA), respon-
sável pela organização da PTO-
Conference, que há 15 anos junta
centenas de educadores dos EUA
para debater a relação entre a Peda-
gogia do Oprimido e o Teatro do
Oprimido. Na mesa dos pratican-
tes: Alvim Cossa (Moçambique),
diretor do GTO-Maputo, que hoje
com mais de 180 grupos em todos
os estados deste país usa o TO
no combate a AIDS; Luc Opbe-
ck e Ronald Matheus, sobre suas
experiência na Holanda; e Helen
Sarapeck, coordenadora artística
do CTO fala sobre a experiência
do Centro de Teatro do Oprimido
em escolas da Baixada Fluminense.
No dia seguinte, a temática de
gênero, com uma mesa introdu-
tória com Andréia Rodrigues, da
“Marcha Mundial das Mulheres”
e Jurema Werneck, da entidade
“Criola”. Na mesa de pratican-
tes, um colorido de mulheres:
Muriel Naessens (França); Bir-
git Fritz (Áustria); Zaina Rajá
(Moçambique); Edilta da Silva
(Guiné-Bissau); e Claudete Fe-
lix, curinga do CTO, que falou
sobre a experiência de 10 anos
do grupo de empregadas do-
mésticas “Marias do Brasil”.
Na parte da tarde, na mesa da
saúde mental, tivemos: Geraldi-
ne Ling (Inglaterra), do The La-
wnmowers, grupo de portadores
de dificuldade de aprendizagem;
e Pedro Gabriel Delgado, da Co-
ordenação Nacional de Saúde
Mental do Ministério da Saúde,
falando sobre a implementa-
ção da Reforma Psiquiátrica no
Brasil. Na mesa de praticantes:
Tim Wheler (Inglaterra), dire-
tor do grupo Mind The Gap de
Bradford; Brent Blair (EUA),
16
de aula, geralmente o método é usado como suporte lúdico para a introdução de alguma atividade ou apoio peda-gógico na discussão de algum tema.
4 – Quais resultados se po-dem esperar da aplicação do Te-atro do Oprimido em salas de aula de escolas da rede pública?
A melhor forma de explicitar o que penso é descrevendo um exemplo ocor-rido durante o desenvolvimento do pro-jeto Teatro do Oprimido nas Escolas.
Lembro de uma cena criada por um multiplicador juntamente com seu grupo de crianças do 6º. Ano do município de Niterói que contava a história de um menino e seu professor.
Ele, assim como seu irmão, eram estudantes da mesma escola, do mes-mo ano e da mesma sala de aula. Ambos tinham em conseqüência, o mesmo professor. Acontece que um deles era dedicado e tímido. Estudava e sempre tirava boas notas. O outro era agitado e extrovertido. Sabia dan-çar, assobiar o canto dos pássaros e até sapatear, mas não conseguia se concentrar nos estudos e com isso era duramente reprimido pelo professor que o comparava sempre a seu irmão: Como podem irmãos tão diferentes? Um é inteligente e o outro mal sabe ler!
A cena era cruel e visivelmente
maior que deve ser a transformação social e a construção de uma socie-dade justa, democrática e igualitária.
2 - Como o Teatro do Oprimido pode ser traba-lhado nas escolas públicas?
De muitas formas distintas. O método pode ser usado pelos
gestores e professores, para facilitar o diálogo e o entendimento das neces-sidades referentes aos profissionais da Educação, bem como com os es-tudantes e comunidade do entorno daquela escola, para facilitar o diálogo e aproximar as partes, colaborando para que a escola seja parte integran-te da comunidade e não um prédio isolado e muitas vezes ocioso fora do horário escolar. A escola deve ser um espaço democrático que contribua com a comunidade onde está inserida.
O Teatro do Oprimido (TO) pode ser usado dentro e fora da sala de aula. No horário escolar ou além dele.
De forma extremamente lúdica, mas igualmente crítica, o TO pode ser um excelente dinamizador em reuniões, um colaborar no desenvol-vimento de qualquer disciplina, bem como um instigador e estimulador no debate de temas tabus, como homos-sexualidade e violência doméstica.
Por exemplo, de 2006 a 2007 o Centro de teatro do Oprimido desen-volveu um projeto Teatro do Opri-mido nas escolas em municípios flu-minenses. A proposta visava capacitar professores e lideranças comunitárias na metodologia para que pudessem usá-la na facilitação do diálogo dentre o corpo escolar e entre ele e a comu-nidade aonde a escola está inserida.
O projeto foi desenvolvido dentro de escolas públicas e os professores passaram a usar o Teatro do Opri-mido com crianças e adolescentes na discussão de temas como descrimina-ção dos professores, desleixo escolar, influência do tráfico na escola, falta de ética, preconceito e relação família/escola. Temas que raras vezes são discutidos dentro da educação formal.
3 – Como um (a) profes-sor (a), seja ele de que dis-ciplina for, pode utilizar o Teatro do Oprimido como ferra-menta pedagógica em sala de aula?
Praticamente todas as técnicas do Teatro do Oprimido podem ser usadas em sala de aula, mas devido a falta de conhecimento da metodologia, aliado ao curto tempo do professor em sala
A escola deve ser um
espaço democrático
que contribua com a
comunidade onde está
inserida.
1 - Que relação a se-nhora faz entre Teatro do Oprimido e educação?
O Teatro do Oprimido (TO) é uma metodologia teatral que se baseia no fato de que somos teatro e isso faz parte de nossa natureza huma-na. O ser humano é o único animal com a capacidade de se ver em ação. Agimos e nos observamos em ação ao mesmo tempo. Essa capacidade nos auxilia no entendimento da realidade e nos possibilita rever nossas ações, dialogar sobre elas e transformá-las.
O TO é um conjunto de jogos e técnicas teatrais que visam resgatar esse potencial humano, tornando-o cons-ciente, para que possamos usar o teatro para rever nossas vidas e opressões.
Quando o indivíduo representa a opressão que vive, além de expurgar um pouco do sofrimento, ele descobre que pode dialogar sobre ele com outras pessoas, na tentativa de descobrir sa-ídas para o problema que vive, e que talvez, muitos vivam assim como ele.
E a idéia dialógica do méto-do criado por Boal é essencial no meio educacional que se encontra massacrado por problemas de or-dem política, social e pedagógica.
O Teatro do Oprimido (TO) é um instrumento pedagógico que pode e deve ser usado na educação. Mais que isso: o TO é urgente na educação, es-pecialmente na educação escolar, que não deve perder de vista o objetivo
Teatro e a educaçãoEntrevista
Helen Sarapeck é coor-denadora geral, atriz e Curinga do Centro de Teatro do Oprimido, especialista e facilitadora do Método. Trabalhou diretamente com Augus-to Boal desde 1990 até a sua morte, em 2009.
17
eu disse: a cena é de vocês. Vocês são quem devem dizer se gostariam que ele visse ou não. E ele, depois de uns breves segundos de reflexão disse: acho que vai ser bom ele ver como ele é.
Esse tipo de coação, opressão e humilhação, infelizmente, é reinci-dente entre pessoas que se julgam educadores. Felizmente, também temos muitos excelentes educadores em nossas escolas, assim como os multiplicadores desta escola em Ni-terói que souberam estimular a refle-xão em seu grupo, colaborando para a construção de uma escola melhor.
O mundo pode e será diferente. De passo em passo, construiremos a realidade utópica de um mundo per-feito, onde a educação tenha espaço privilegiado na vida de nossas crianças.
5 – Quais as mensagens Boal, diante de uma platéia apenas de professores, deixaria para eles?
Não sou capaz de adivinhar. Boal era homem de mui-
tas idéias e falas encantadoras. Prefiro deixar aqui um trecho de
uma texto seu escrito especialmente para os profissionais da educação.
Educar vem do latim Educare, que significa conduzir. Educar signi-fica a transmissão de conhecimentos inquestionáveis ou inquestionados. Significa ensinar o que existe, e que é dado como certo e necessário.
O Teatro do Oprimi-
do é um instrumento
pedagógico que pode
e deve ser usado na
educação.
Praticamente todas
as técnicas do Teatro
do Oprimido podem
ser usadas em sala de
aula.
causava desconforto em quem assistia, especialmente ao ver a menina que re-presentava o professor com uma veraci-dade e voracidade indescritível. A cada ensaio a cena crescia, os atores-estudan-tes ficavam mais fortes, mais seguros.
Então, em um dos ensaios que acompanhamos junto ao multiplicador, conversamos com as crianças sobre a cena, a importância do tema, a discri-minação dentro da escola, a diferença entre os professores. E então um dos meninos presentes, um garoto peque-no pra idade próxima aos 9 anos, levan-tou uma questão: essa cena se passou comigo e sábado agora, vamos apresen-tar na escola. E eu, ignorando a profun-didade da indagação, disse: ótimo. Vai ser muito bom. Todos vão poder ver o trabalho bonito de vocês! Então o me-nino retrucou: esse é que é o problema. O professor vai estar presente. E se ele se descobrir na cena? Se ele vir que o professor da cena é ele mesmo? E Pedagogia vem do grego paidagógós,
que era o escravo que caminhava com o aluno e o ajudava a encontrar o ca-minho da escola e do saber. Educação significa a transmissão do saber existen-te; Pedagogia, a busca de novos saberes.
Essas duas palavras não podem ser dissociadas, porque não podemos aceitar um saber paralítico, imóvel, nem descobriremos jamais novos saberes sem conhecer os antigos.
Educação e Pedagogia são duas irmãs, ao mesmo tempo, mães e filhas da Cultura. Filhas, porque a Cultura
existe e se manifesta através do saber que ensina, e do sa-
ber que busca. Mães, porque através delas nasce uma nova Cultu-ra, sempre em trânsito.
Trânsito para que fu-turo? Surgem então os concei-
tos de Ética e de Moral. Esta, vem do latim mores, que significa
costumes. Qualquer costume, mesmo os mais bárbaros
e odiosos, podem fa-zer parte da Moral de um lugar e de
uma época. A escravidão já foi Moral no Brasil, e os escravos que
lutavam por sua liberdade eram cha-mados de fujões e rebeldes – hoje, sa-bemos que foram heróis e eram sábios.
Nenhuma Moral social, quando anti-ética, pode ser aceita só porque faz parte dos costumes de um infeliz momento. Não podemos aceitar o lati-fúndio e a corrupção, nem a fartura que lida com a fome – estes são males da pátria contra os quais temos que lutar.
Moral refere-se ao passado que so-
brevive no presente. Ética, ao presente que se projeta no futuro: não queremos o Brasil como foi, nem como é, mas como queremos nós que seja? Qual a Ética que nos guia e justifica nossas vidas?
Queremos um Brasil em que todos os brasileiros sejam plenos cidadãos, e sabemos que não se pode ser pleno sem os fundamentos da Educação basilar, sem as audácias da Cultura livre, e sem o diálogo entre as duas.
18
que sua perna tendia a flutuar. Coisa
estranha! E, num lampejo, gritou -
“Eureka!” Havia descoberto o óbvio:
“Um corpo sólido mergulhado em
um líquido recebe um empuxo de
baixo para cima igual ao peso do vo-
lume de líquido deslocado”. Nada
mais elementar: não eram necessárias
nem a banheira nem a perna de Ar-
quimedes: qual-
massas e inversa do quadrado das dis-
tâncias”. É lógico, límpido e cristalino.
Porque, se assim não fosse, a maçã
não teria jamais caído na cabeça de
Newton: seriam a Terra e Newton que
teriam caído na maçã. Isso, hoje, é fácil
de entender. Mas foi preciso um gênio
para ver o que todos apenas olhavam.
Arquimedes, tomando banho de
banheira, percebeu
Na Babilônia, quase vinte
séculos antes de Jesus
Cristo, um homem
observou uma maçã caída de uma
macieira que rolava por um declive
na ribanceira, e viu o que todos ape-
nas olhavam: a maçã rodava tocando
o solo pela circunferência. Só uma
parte da sua superfície tocava o chão.
O homem se deu conta daquilo que
ninguém antes percebera: para rodar,
a maçã não necessitava ser esférica -
bastaria ser circular. E inventou a roda.
As rodas que vemos rodan-
do pelo mundo, pelos trilhos, pe-
las velozes pistas, pelos mercados,
em casa, na rua, foram inventadas
por um gênio: um homem que
viu o que todos apenas olhavam.
Outra maçã, séculos mais tarde,
caiu bem na cabeça de Newton quan-
do dormia embaixo da árvore. Qual-
quer um de nós teria dado um grito,
feito uma imprecação, dito um pala-
vrão do tamanho da nossa dor física e
do galo na cabeça, teria amaldiçoado
o reino vegetal. Newton, tranqüilo, viu
o óbvio: “A matéria atrai
matéria na razão
direta das
Aprendemos a aprenderAugusto Boal
por Augusto Boal *
Paulo Freire ajuda o cidadão a desco-
brir, por si, o que traz dentro de si.
quer sólido em qualquer línquido. Só
que, antes, ninguém tinha traduzido,
em teoria, a prática das pernas flu-
tuantes. Todos os usuários de todas
as banheiras, piscinas, lagoas, viam
pernas flutuando, cabeças e tron-
cos também, e achavam tudo muito
natural, mas só Arquimedes dedu-
ziu a lei que regia tais fenômenos.
Assim são os gênios: descobrem
ou inventam o óbvio que ninguém vê.
Assim aconteceu com Paulo Freire:
descobriu que o “vovô absolutamente
não viu o ovo”, nem a “vovó viu a ave”,
mas, ao contrário - com certeza certa!
- o pedreiro viu a pedra, a cozinheira o
feijão, e o lavrador a enxada. O operá-
rio e o camponês não viam o salário,
as férias, o direito à escolaridade dos fi-
lhos, à saúde. O trabalhador não via a
hora de descansar. O faminto, a hora
19
*Teatrólogo, ensaísta e diretor artísti-
co do Centro de Teatro do Oprimido
de 1986 até 2009.
O ato de aprender a ler
é aprender a pensar, e
pensar é uma forma de
ação.
de comer. O povo, a hora da redenção.
O ato de aprender a ler é apren-
der a pensar, e pensar é uma forma de
ação. Assim, apesar de vovôs e vovós
das antigas cartilhas serem dignos de
todo respeito, aves e ovos dignos de
todo cuidado, o camponês precisa
saber como se escreve o nome da foi-
ce com que lavra a terra, o pedreiro
o nome do tijolo com que constrói
a casa, a cozinheira os nomes com
que condimenta o feijão e a farinha.
Desenhando em letras e palavras
a dor que o pobre sentia na carne, -
mas sem esquecer os desenhos do
sonho e da esperança! - Paulo Freire
inventou um Método, o seu, o nosso,
o Método que ensina ao analfabeto
que ele é perfeitamente alfabetizado
nas linguagens da vida, do trabalho,
do sofrimento, da luta, e só lhe falta
aprender a traduzir em traços, no
papel, aquilo que já sabe e vive no
seu cotidiano. Maiêutico, socrático,
Paulo Freire ajuda o cidadão a des-
cobrir, por si, o que traz dentro de si.
E, neste processo, aprendem o
professor e o aluno: “A um campo-
nês ensinei como se escreve a palavra
arado; e ele me ensinou como usá-lo!”
- disse um professor rural. Só é pos-
sível ensinar alguma coisa a alguém
quando esse alguém, a nós, alguma
coisa ensina. O ensino é um proces-
so transitivo - diz o nosso Mestre – é
um diálogo, como deveriam ser diá-
logos todas as relações humanas: ho-
mens e mulheres, negros e brancos,
classes e classes, países e países. Mas
sabemos que esses diálogos - se não
forem carinhosamente cuidados ou
energicamente exigidos - bem cedo
se transformam em monólogos, onde
apenas um dos interlocutores tem di-
reito a palavra: um gênero, uma clas-
se, uma raça, um país. Os outros são
reduzidos ao silêncio, à obediência:
são os Oprimidos. Esse é o conceito
Paulo-Freiriano de opressão: o diálo-
go que se transforma em monólogo.
O Rei Afonso VI da Espanha teria
dito certa vez: “Se Deus tivesse pedido
a minha opinião antes de criar o mun-
do, eu teria aconselhado alguma coisa
bem mais simples, descomplicada”.
Paulo Freire, de certa forma, descom-
plicou o ensino. Embora Deus nada
lhe tenha perguntado - isto, é o que
consta oficialmente, mas no íntimo
estou convencido de que perguntou
sim, porque eles conversavam muito! -
Paulo criou alguma coisa mais simples,
mais humana do que as complicadas
formas autoritárias de ensino que
obstaculizavam o aprendizado.
Com Paulo Freire aprendemos a
aprender. Com o seu Método, além
de se aprender a ler e a escrever,
aprende-se mais: aprende-se a conhe-
cer e respeitar a alteridade, o outro, o
diferente. Meu semelhante a mim se
assemelha, mas não sou eu; a mim se
assemelha: com ele me pareço. Dialo-
gando aprendemos, ganhamos os dois,
o professor e o aluno, pois que alunos
somos todos, e professores também.
Existo porque existem. Minha iden-
tidade sou eu e são os outros. Para
que se escreva em uma página branca
é necessário um lápis negro; para
que se escreva em um quadro negro
é necessário que o giz tenha outra cor.
Para que eu seja, é preciso que sejam.
Para que eu exista é preciso que
Paulo Freire exista. Esta homenagem
nos mostra que, em cada um de nós,
um pouco dele existe - existe e cresce.
Onze anos atrás, em Omaha,
Nebraska, nos Estados Unidos, lá foi
a primeira e única vez em que eu e
Paulo Freire nos encontramos lado a
lado na mesma mesa, em um grande
teatro local, respondendo às mesmas
perguntas de mais de mil professores
e especialistas que lá estavam parti-
cipando da Conferência anual que
desde 1993 se realiza naquele país:
Pedagogia e Teatro do Oprimido.
Depois de duas horas de conversa,
estava com a palavra Paulo Freire
quando a desajeitada coordenadora
da mesa anunciou, vacilante e buro-
crática, que o seu tempo estava esgo-
tado. Paulo respondeu: “O meu tem-
po pode estar esgotado, mas o meu
pensamento não: eu vou continuar”.