Newsletter Maio 2012 Grupo Tabagismo Região Centro · O Projeto Respirar Saudável em...
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Newsletter Maio 2012 Grupo Tabagismo Região Centro
EDITORIAL
O Projeto Respirar Saudável em desenvolvimento e de que aqui se dá nota, promove, através do
envolvimento do Centro de Saúde da Lousã e de grupos activos da comunidade um conjunto de ações com
vista à cessação tabágica, tendo também como objetivo criar condições, para que sobretudo os mais jovens
não adquiram o hábito de fumar.
O tabagismo pelas consequências e impacto na saúde das populações é um grave problema de saúde
pública. Por isso e porque hoje a saúde, ou melhor a sua manutenção é tarefa e responsabilidade de todos
exige-se, um envolvimento generalizado da população na promoção de estilos de vida saudáveis que neste
caso concreto, se devem concretizar numa ativa luta anti - tabágica.
João Pedro Pimentel
Diretor do Departamento de saúde Pública da ARS Centro
PROJECTO RESPIRAR SAUDÁVEL
Este Projeto de âmbito comunitário, tem vindo a ser desenvolvido pela Equipa da Consulta de Cessação
Tabágica do Centro de Saúde da Lousã (ACESPIN1), que atualmente constitui a carteira adicional da USF
Trevim Sol. A apresentação/divulgação deste Projeto foi realizada no I Colóquio sobre Tabagismo da Região
Centro - 2007/06/19, ano em que se iniciou a sua implementação. A sua apresentação tem sido desenvolvida
noutros contextos científicos, nomeadamente no PEER 2010- II Escola de Verão - Educação por pares
(30/09/2010),desenvolvido na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC) e outros.
Responsáveis pelo Projecto:
� Dra. Marília Pereira
Médica – Especialista de Medicina Geral e Familiar
Coordenadora USF Trevim Sol
� Enf. Maria José Martins
Enfermeira Graduada
Este programa visa essencialmente a criação de grupos de pares, na Intervenção Breve em Cessação
Tabágica.
Destinatários:
- Crianças e jovens
- Pais
- Professores
- Ex-fumadores da CCT – CS Lousã
- Profissionais de Saúde (Médicos, Enfermeiros, …)
- Bombeiros (BVS e BML)
- Futuros profissionais de saúde (alunos enfermagem internos medicina, …).
Pretende-se que os grupos a quem se dirige, possam ser eles próprios importantes elementos promotores da
Cessação Tabágica, promovendo abordagens motivacionais adequadas dirigidas aos fumadores, já que
todos somos responsáveis e importantes nesta missão.
Objectivo Geral:
- Criação de grupos de pares na promoção da Intervenção Breve em Cessação Tabágica
- Contribuir para a diminuição da morbi - mortalidade por patologias associadas ao Tabaco, promovendo uma
melhor qualidade de vida e respirar saudável.
O impacto da cessação tabágica na saúde pública depende, não só do sucesso individual da intervenção,
mas também da sua aplicação a uma larga escala. Daí a importância de envolver o maior número de
pessoas, com o envolvimento de grupos comunitários, para que todos possam sentir-se responsáveis nesta
luta contra o Tabagismo.
As intervenções breves para a Cessação Tabágica são úteis e eficazes e deveriam ser realizadas por todos
os profissionais de Saúde na promoção de comportamentos e estilos de vida saudáveis.
A Intervenção Breve visa identificar, ajudar e apoiar os fumadores, muitas vezes em fase precoce de
dependência (como no caso dos jovens), prevenindo o aparecimento ou a progressão de doença. Esta
intervenção breve requer apenas 3-5 minutos e tem 5 passos (Mnemónica dos 5 “Ás”: Abordar
(identificação dos fumadores), Aconselhar (a parar de fumar) Avaliar (motivação -se há ou não interesse, por
parte do fumador em deixar de fumar no próximo mês), Ajudar (na tentativa-Dia D) e Acompanhar (programar
seguimento, após dia D- marcação de Consulta de Cessação Tabágica).
No sentido de atingir os objetivos específicos delineados para este Projeto de intervenção, têm sido
desenvolvidas várias estratégias/actividades, descritas no quadro a seguir:
Objectivo específico Estratégias
1. Organizar/criar um grupo de promotores
de saúde, na Comunidade – Grupo de ex-
fumadores da CCT
- Organização e realização de um jantar-convívio, com
grupo de ex-fumadores do nosso CS, em 2007
- Eleição de um grupo responsável por organizar outro
convívio, em 2008 e seguintes
- Realização de ações de formação/informação,
dirigidas aos ex-fumadores, para que possam eles
próprios, ser agentes promotores da CT
2. Promover ações de sensibilização/
intervenções educativas nas escolas e na
comunidade, sobre promoção de estilos de
vida saudáveis/prevenção do tabagismo,
dirigidas a crianças, jovens, pais e
professores
Realização de intervenções educativas, dirigidas a
crianças do 1º ciclo do Ensino Básico
Realização de intervenções educativas, dirigidas a
alunos do 2º ciclo do Ensino B (C + S)
Realização de intervenções educativas, dirigidas a
alunos do Ensino Secundário
Aplicação de questionário
3. Capacitar os profissionais de saúde e
futuros profissionais de saúde para a
Intervenção Breve, na sua prática
profissional
Realização de ações formação em serviço, sobre
Intervenção Breve, dirigida a toda a equipe do nosso CS
(Médicos, Enfermeiros, TSS, Internos de Medicina,
Alunos de Enfermagem …). Foram ainda desenvolvidas
acções dirigidas às equipas do CS Miranda do Corvo,
Eiras e IPO, por solicitação dos mesmos.
Realização de ação de formação sobre Intervenção
Breve, dirigida a alunos de Enfermagem e professores,
da ESEnfC, no âmbito do Dia Mundial sem Tabaco –
31/05/2007
Realização de ações de formação, dirigidas a grupos de
Bombeiros (BVS e BML)
Aplicação de Questionário
4. Reduzir o número de fumadores, dentro
dos grupos de intervenção /destinatários do
Projeto
-Aplicação de Questionário, procedendo ao
levantamento, do nº de fumadores existentes em cada
grupo de intervenção, averiguando acerca do seu
interesse em iniciar CT
-Permitir aos interessados em iniciar CT, a sua inscrição
na CCT do nosso CS
-Realizar teste de doseamento de monóxido de
carbono, aos fumadores interessados em fazê-lo
. Promover uma eficaz divulgação da
Consulta de Cessação Tabágica (CCT) do
Centro de Saúde da Lousã
INTERVENÇÃO INTENSIVA
Criação de logótipo da CCT do nosso CS:
- Elaboração de cartaz de divulgação e afixação em
locais estratégicos (CS e Extensão, escolas, cafés…)
- Divulgação da CCT, nos jornais locais e rádio local
- Elaboração de folheto informativo, com horário e
contactos
A maioria das ações de sensibilização desenvolvidas no âmbito deste Projeto, decorrem no âmbito das datas
comemorativas neste contexto (Dia Mundial do Sem Tabaco – 31 de Maio e Dia Mundial do Não Fumador-17
de Novembro), no sentido de simultaneamente, alertar para esta problemática do tabagismo, a nível Mundial.
Para além destas, têm sido desenvolvidas intervenções sempre que solicitado por outras Instituições, através
de abordagens motivacionais, otimistas e não persuasivas, estabelecendo com os participantes, uma relação
de ajuda, através de intervenções participativas, interativas e não diretivas, apelando à tomada de decisão
baseada no pensamento crítico, utilizando para tal, a metodologia pedagógica de Paulo Freire – processo de
conscientização, tendo o empowerment como estratégia.
Marília Dias Pereira – Especialista de Medicina Geral e Familiar
Maria José Martins - Enfermeira Graduada
ACES PIN1 – C.Saúde da Lousã – USF Trevim-Sol (Pólo Serpins
CASO CLÍNICO
RECAÍDA APÓS 7 ANOS DE ABSTINÊNCIA
Fumador F, sexo masculino de 42 anos de idade, reformado.
Possui 4 anos de escolaridade, solteiro que vem à consulta em 2011-06-20
Hábitos tabágicos
Experimentou o 1º cigarro aos 18 anos por brincadeira na escola e fuma regularmente a partir dessa idade,
Fuma atualmente 40 cigarros por dia, inala sempre o fumo, qualquer cigarro lhe sabe bem., fuma mais
durante a manhã. A ansiedade e o álcool aumentam o consumo do nº de cigarros
Tentativas anteriores – 2 tentativas sendo a última em 2001 deixou de fumar nesse ano, onde esteve 7
anos abstinente
Frequentou a consulta de cessação tabágica, foi medicado com Nicotinell 10 + Nicorette 2mg (associação de
terapêutica de substituição de nicotina de ação prolongada com outro de ação rápida)
Só fuma cigarros.
Motivo da recaída - doença da mãe, a qual foi internado no hospital com AVC e atualmente encontra-se nos
Cuidados Continuados.
Motivo para deixar de fumar - saúde e a nível económico
Antecedentes pessoais – sofre de patologia depressiva (seguido em consultas no HSA), úlcera gástrica e
HTA
Não existem fumadores em casa
Hábitos alimentares – faz 4 refeições por dia e tem por hábito petiscar quando está em casa, ingere álcool
com moderação e não fuma outro tipo de drogas, bebe 4 a 5 cafés por dia, o seu peso não é estável e
preocupa-se muito com o peso
Não pratica qualquer atividade física e tem como hobby ouvir música, não fuma nesses momentos. Ajuda
diariamente o irmão na fábrica.
Dorme bem durante 8 horas
Avaliação dos testes:
Teste Fagerstrom – 7 (Dependência elevada)
Fuma o 1º cigarro na primeira meia hora após se levantar
Teste Richmond - 10 (Muito motivado)
Teste HAD – 8/6
Medicação actual – Fluoxetina +Alprazolam 0.5 + Alprazolam XR 1 mg
Exame objectivo
Peso – 92 Kg altura - 162
TA – 142 / 95 pulso - 75
CO - >20 ppm
UMA – 25.5
Exames auxiliares de diagnóstico
Rx tórax – Normal
Espirometria – normal
Plano de acção
Cloridrato de Bupropion 150
Victan SOS
+ medicação da Psiquiatria
Abordada a terapêutica cognitiva comportamental
Entrega de folhetos sobre estratégias a adotar, benefícios ao deixar de fumar, mudança de hábitos e
qualidade de vida
Não foram realizados contactos por telefone, o utente quis ir sempre à consulta
Discussão pela escolha
O porquê do cloridrato de bupropion. Este é um antidepressivo atípico, inibi a recaptação neuronal da
dopamina e da noradrenalina, embora se desconheça o mecanismo de ação na cessação tabágica, reduz o
aparecimento da síndrome de abstinência nos fumadores.
Embora o fumador F estivesse medicado com fluoxetina e o alprazolam não estava ajustada às suas
necessidades, devido ao aparecimento da doença da mãe e seu internamento nos Cuidados Continuados
(motivo da recaída), confirmada pela avaliação do teste de HAD.
Avaliação 15 dias após o inicio da medicação
Sente-se bem com a medicação e não fuma
Avaliação do Síndrome de abstinência
Na avaliação da síndrome de abstinência nas consultas seguintes, manifestou um grau de ansiedade e
depressão ligeira, assim como impaciência que diminuiu durante os 7 meses em que está abstinente. Houve
aumento de peso de 12 kg, é de salientar que comia muitas bolachas quando ouvia música.
Plano de acção
Incentivo ao exercício físico, e cuidados alimentares
Ao 8º mês de abstinência
Peso actual – 99
Iniciou caminhadas, e teve cuidado na alimentação
Continua abstinente, sente-se bem e ausência de síndrome de abstinência
Refere que não quer nada com o tabaco
Plano de acção
Continua com o Cloridrato de Bupropion + Fluoxetina + Alprazolam
Incentivo à continuação das caminhadas e cuidados alimentares.
Maria Manuel Açafrão
Médica Especialista em Medicina Geral e Familiar
ACES Pinhal Litoral II
TERAPIA DA ACEITAÇÃO E COMPROMISSO, MINDFULNESS E CESSAÇÃO
TABÁGICA
Resumo
Este artigo descreve sucintamente a Terapia da Aceitação e Compromisso (ACT) aplicada a desabituação
tabágica. Sendo esta, uma intervenção com base na análise funcional do comportamento, e que incorpora o
Mindfulness. Procurou-se no presente artigo desenvolver uma aplicação destes novos conceitos, como um
tratamento baseado na evidência, que procura de forma inovadora intervir na dependência de nicotina.
Palavras-chave: cessação tabágica, terapia da aceitação e compromisso, mindfulness, dependência, terapia
cognitivo-comportamental, tratamento.
Introdução
Apesar do aumento do conhecimento público sobre os riscos para a saúde do consumo de tabaco, e do
número de intervenções terapêuticas baseadas em evidência científica, fumar continua a ser a principal
causa de morte evitável no mundo.
Historicamente, as taxas do consumo de tabaco foram sempre mais baixos nas mulheres do que nos
homens. No entanto, a percentagem de mulheres fumadoras aumentou exponencialmente entre 1950 e
1970, e como consequência a morte por cancro do pulmão têm aumentado 600% desde 1950 (CDC, 2008).
Também se têm verificado, que quanto mais cedo se começa a fumar, maior é o risco de desenvolver
padrões de consumo mais intensos, com maior predisponencia para problemas de saúde associados, e
maior dificuldade na cessação do consumo de tabaco numa idade mais avançada (Stacher, Thompson, &
Koplan, 2002).
As intervenções psicológicas da cessação tabágica surgiram por volta dos anos 60 e 70, através das
técnicas de modificação do comportamento. Desde então, as estratégias comportamentais, cognitivas,
motivacionais e de prevenção de recaída, são as mais utilizadas e eficientes (Beck, Freman, & Davis, 2003).
Contudo, e mais recentemente, vários investigadores voltaram a focar-se na intervenção terapêutica com
base na teoria do desenvolvimento orientado para os mecanismos comportamentais de ação (Kazdin, 2001;
Niaura, Shadel, Goldstein, Hutchinson, & Abrams, 2001). Esta intervenção desenvolvida para fumadores,
parte do princípio, que o consumo de tabaco é mantido pelo esforço para evitar ou modificar experiências
aversivas internas, bem como a regulação do afeto negativo relacionado com os sintomas de abstinência.
Este princípio retrata o comportamento de evitamento de estímulos aversivos, como forma de fornecer o
reforço negativo ao comportamento mal adaptativo de fumar (Marlatt, & Gordon, 1985).
Os estudos de Brandon (1994) sugerem que o reforço negativo adquirido através do evitamento, é um
componente importante na dependência tabágica. Este reforço negativo produzido pela desvalorização do
afeto negativo, é um forte preditor do consumo de tabaco e da prevenção de recaída num processo de
cessação tabágica.
Pretende-se, no presente artigo, refletir sobre a componente crítica do processo de mudança de
comportamento, como sendo a capacidade de responder de forma diferente na presença de um reforço
negativo. Emergindo, a consciencialização deste afeto negativo nos estados mentais internos do indivíduo. O
objetivo deste novo modelo de tratamento é implementar uma forma de aceitação, que está relacionada com
a capacidade de reduzir a evasão e aumento da flexibilidade cognitiva e comportamental.
O Mindfulness e o Bem-Estar Mental
Kabat-Zinn (1994) foi o pioneiro nos estudos sobre a importância terapêutica do mindfulness, definindo-o
como "prestar atenção, de forma particular: com um propósito, no momento presente, e sem julgamentos".
Shapiro, Carlson, Astin, e Freedman (2006) desenvolveram três "axiomas" do mindfulness: intenção, atenção
e atitude. Estas três componentes ilustram que a atenção plena é o ato de nos propormos “prestar atenção”,
com uma atitude de aceitação, de compaixão, e de não-julgamento . No geral, o mindfulness é uma forma de
focar totalmente a atenção no contexto experiencial do momento presente (incluindo pensamentos e
emoções pessoais, bem como sensações físicas e eventos externos), com uma atitude de aceitação.
O mindfulness tem sido também caracterizado como uma técnica cognitivo-comportamental. Teasdale, Segal
e Williams (1995) descrevem o mindfulness como um estado meta-cognitivo que muda a forma como os
indivíduos se veem e se relacionam com seus pensamentos. O objetivo das técnicas do mindfulness não é
mudar os pensamentos ou sentimentos, mas aumentar a aceitação e consciência das sensações, ou seja, é
a tentativa de mudar as atitudes de um indivíduo em relação aos seus pensamentos, sentimentos e
sensações.
Outro objetivo das técnicas de mindfulness, é o treino da mente, não para induzir o relaxamento, mas para
ensinar a observação consciente, que pode ou não resultar em relaxamento. Assim, a meditação como
técnica de mindfulness encoraja a consciência, o reconhecimento e a aceitação de todos os pensamentos
que possam surgir (Baer, & Krietemeyer, 2006).
Baer e Krietemeyer (2006) referem nos seus estudos que a meditação por mindfulness, é um processo de
treino, que muitas vezes começa com práticas de concentração básicas (por exemplo: respiração),
procurando levar o sujeito a focar a sua atenção plena nesse mesmo exercício. No entanto, o treino da plena
consciência, leva a que se passe a práticas que envolvem a observação consciente na mudança do fluxo de
estímulos à medida que estes surgem, incluindo, impulsos, memórias, fantasias, sensações corporais,
perceções, emoções e pensamentos. Em suma, a mente expande-se e é simplesmente um outro evento a
ser observado.
O mindfulness pode promover o bem-estar físico e psicológico, em pelo menos dois aspectos principais:
primeiro, na redução do afeto negativo num contexto de exposição a estímulos stressores; segundo, altera as
respostas ao afeto negativo quando este ocorre, promovendo a regulação emocional mais adaptativa e por
consequência uma melhor autorregulação cognitivo-comportamental (Mckee, Zvolensky, Solomon, Bernstein,
& Leen-Feldner, 2007). Deste modo, a maior capacidade de autorregulação, ajuda os indivíduos a
envolverem-se mais conscientemente numa série de estratégias de coping mais resilientes, em vez de
automaticamente reagirem de uma forma impulsiva à experiência emocional negativa.
A Dependência Nicotínica e as Terapias de Terceira Geração
Witkiewitz, Marlatt, e Walker (2005) elaboraram um modelo de prevenção de recaída baseado no
mindfulness, que constitui uma intervenção terapêutica inovadora na dependência de substâncias
psicoativas, nas quais se inclui a dependência nicotínica. Este modelo, encoraja tanto a implementação de
estratégias cognitivo-comportamentais, como também, se foca nas técnicas da atenção plena, para prevenir
a recaída em situações de alto risco de consumo. Estes autores referem que, alcançar um determinado
estado de consciência e implementar de forma regular a prática de estratégias de meditação, podem
substituir o reforço negativo, previamente associado ao envolvimento no comportamento aditivo. Neste
sentido, o mindfulness e por conseguinte a Terapia da Aceitação e do Compromisso, podem servir como
terapêuticas alternativas, pois, mais do que apenas estratégias de coping para lidar com impulsos de
consumo e estados de craving, são intervenções que visam a mudança de forma mais gratificante e
adaptativa.
Os estímulos emocionais negativos, impulsos e pensamentos automáticos negativos, quando confrontados,
transformam-se em respostas condicionadas. O consumo de tabaco é assim, uma resposta a um impulso
cognitivo-emocional, que é negativamente reforçado, porque, produz uma redução do craving e ou perceção
do impulso ansiógeno e pensamento automático negativo relacionados com os hábitos tabágicos.
Breslin, Zack e Mcmain (2002) sugere que as estratégias baseadas no mindfulness, são de grande utilidade
no processo de prevenção da recaída, pois, por um lado, ajudam o fumador a ter maior consciência da sua
tomada de decisão, do seu eu observador, e do processo de resposta automática aquando do confronto com
fatores de risco internos e ou externos, associados ao tabaco. Por outro lado, como estratégia de regulação
emocional, promove a observação distanciada de impulsos cognitivos e emocionais, de modo a diminuir os
comportamentos aditivos, ou seja, o mindfulness, leva o sujeito a adquirir uma maior consciência das
relações entre os sentimentos experienciados como negativos, os pensamentos automáticos, as expectativas
e o comportamento tabágico, bem como, a uma menor necessidade de evitamento experiencial das emoções
negativas através do consumo de cigarros.
Vidrine, Kamke e Morrel (2009) identificou nos seus estudos, que entre os fumadores, os que apresentam
menor traço mindfulness, revelam níveis mais elevados de dependência nicotínica e sintomas de abstinência
mais frequentes e intensos. Bowen e Marlatt (2009) investigaram os efeitos a curto prazo da intervenção
baseada no mindfulness (Programa de 8 Semanas do Mindfulness Baseado na Redução de Stress como
uma intervenção para deixar de fumar) e verificaram a existência de uma relação entre os estados
emocionais negativos, a sua regulação e o comportamento de fumar.
Num estudo recente com 632 fumadores (Kenford, Wetter, Smith, Jorenby, Fiore, & Baker, 2002), verificou-se
que o tipo de regulação dos estados emocionais negativos é o preditor mais forte de uma futura recaída. Este
aspecto demonstra, que os estados emocionais negativos apresentam maior influencia na tomada de
decisão, do que os próprios sintomas de dependência fisiológica e a história de exposição ao tabaco. Fumar
é um comportamento aditivo que é mantido, pelo evitamento experiencial de estados emocionais negativos e
o processo de recaída pode ser desencadeado pelo desejo de reduzir esse mesmos estados negativos
internos.
Perante o descrito, as terapias de terceira geração surgem, como modelos inovadores de intervenção
terapêutica, que começam a ser implementados por psicólogos e médicos, quer ao nível do
acompanhamento individual, quer na elaboração de protocolos para grupos terapêuticos. Neste contexto,
desta-se o modelo da Terapia da Aceitação e do Compromisso (ACT). A ACT (Hayes, Strosahl, & Wilson,
1999), tem como fundamento a teoria contextual da cognição e do comportamento, e visa aumentar o
autocontrolo comportamental, facilitando a aceitação consciente das experiências internas, de forma a
recontextualizar as cognições mal adaptativas. Os doentes são “treinados” a executar tomadas de decisão
focadas em metas relacionadas com os valores da vida, e não exclusivamente na modificação de
determinados pensamentos ou sentimentos mal adaptativos.
O objetivo da ACT é moldar e vivenciar a aceitação de competências relacionadas com a redução do
evitamento experiencial do fumador, e aumentar a flexibilidade cognitiva e comportamental (Gifford,
Kohlenberg, Antonuccio, Piasecki, Rasmussen-hall, & Kathleen, 2004). Assim, o foco principal do modelo
terapêutico resume-se em quatro componentes: 1) uma forte aliança terapêutica, com suporte que reforce o
desenvolvimento de competências relacionadas com o processo de aceitação; 2) autodiscriminação
cognitiva, emocional e fisiológica que promova estratégias que ajudem o fumador a identificar as situações
anteriores da sua experiência, que despoletaram o consumo de tabaco; 3) a exposição guiada às
experiências internas anteriormente evitadas, com indução da prevenção da recaída: 4) por ultimo a ativação
comportamental construtiva na presença de pensamentos e sentimentos relacionados com o comportamento
de fumar anteriormente evitados (Kohlenberg, & Gifford, 1999).
Para os fumadores é uma tarefa difícil, não fumar, quando são confrontados com sensações físicas intensas
e estados emocionais negativos, que antes do processo de cessação tabágica resultariam no consumo de
cigarros. Assim, o objetivo da terapia de aceitação e compromisso (ACT) consiste nas disponibilização de um
programa terapêutico que ajude o sujeito a tomar consciência de quando e como surgem os fatores de risco
internos. E através do treino experiencial, o fumador muda o seu comportamento aditivo, e aceita que não é
saudável mudar os seus objetivos de vida, os seus valores, face ao consumo.
A ACT promove desta forma, estratégias de coping que ajudam a identificar estímulos internos versus
estímulos externos; dificuldades de regulação emocional pelo consumo de nicotina; a importância dos
valores, objetivos e barreiras; a aceitação, a motivação e a autocompaixão; as técnicas de mindfulness; a
exposição gradual a situações de anterior evitamento experiencial; o elaborar um registo que monitorize o
padrão de consumo; a implementação de estratégias de desfusão cognitiva; a ativação proactiva do
comportamento e compromisso inerente a tomada de decisão de cessar o consumo de tabaco.
Conclusões
Nos últimos dez anos, as abordagens baseadas no mindfulness têm sido objeto de atenção, quer na literatura
científica, quer na imprensa generalista, embora a origem destas abordagens remonte à antiga prática de
meditação Budista (Gifford, 2002). Acredito que a prevenção de recaída com a integração de técnicas de
minfulness, seja um bom modelo de tratamento para a cessação tabágica, promovendo uma prevenção da
recaída mais robusta e durável. A integração do mindfulness pode facilitar a tomada de decisão, no difícil
processo de mudança de comportamento, e servir como um complemento eficaz para intervenções
terapêuticas baseadas na evidência já existentes, como por exemplo, a entrevista motivacional, a terapia
cognitivo-comportamental, terapêuticas psicofarmacológicas complementares, e a intervenção breve (Bowen
& Marlatt, 2009). A intervenção mindfulness pode constituir uma alternativa aos tratamentos convencionais de
custos mais proibitivos. Pois, a meditação é barata, acessível ao grande público, e possivelmente, mais
aceitável do que outras formas mais ocidentais de tratamento (Gifford et al, 2004).
O processo de desenvolvimento de uma prática de mindfulness é comparável ao processo de construção de
um conjunto de estratégias e técnicas experiências, no decorrer terapia de prevenção da recaída. Este tipo
de intervenção requer prática e aprendizagem contínua, na qual o fumador desenvolve a suas capacidades
de coping através da análise funcional, de uma sucessão de falhas seguidas de recaída. O uso das técnicas
de mindfulness pode facilitar esta curva de aprendizagem e melhorar o sucesso a longo prazo, fornecendo
suporte para o velho ditado de que "depressa e bem, ninguém" (Vidrine et al. 2009).
Este modelo identifica a evasão negativamente reforçada como um mecanismo subjacente ao
comportamento de fumar, e desenvolve a aceitação de habilidades relacionadas com os objetivos e metas do
tratamento (Kohlenberg, & Gifford, 1999). Segundo esta abordagem, é a resposta do indivíduo aos seus
próprios estados internos difíceis que está em questão, ou seja, é a resposta do indivíduo a estes sintomas,
ou a forma como este os perceciona, que o leva a ser “treinado a identificar”, os fatores de risco, e a prevenir
possíveis recaídas. O evitamento de estímulos internos e a inflexibilidade medeiam a eficácia da intervenção
terapêutica na cessação tabágica.
A preocupação central da maioria das pessoas que iniciam o processo de cessação Tabágica é o de se
libertarem da sua “vontade” de fumar. A ansiedade, a angústia e os sintomas de abstinência são dolorosos e
podem persistir durante anos após a cessação (Bowen & Marlatt, 2009). É compreensível que as pessoas
não queiram sentir-se mal, e é também compreensível que toda uma indústria e campo de estudo visem de
várias formas a eliminação dos sintomas aversivos. No entanto, o tratamento focado exclusivamente na
eliminação ou evitamento dos sintomas não é a única opção (Witkiewitz, Marlatt, & Walker, 2005). As
intervenções baseadas no mindfulness, na terapia da aceitação e do compromisso (ACT), podem ser uma
mais-valia terapêutica, e serem integradas, no processo de cessação tabágica convencional.
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20. Witkiewitz, K., Marlatt, G. A., & Walker, D. (2005). Mindfulness-based relapse prevention for alcohol and substance use disorders. Journal of Cognitive Psychotherapy, 19 (3), 211-228.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico
Bruno Carraça
ACeS Dão Lafões II, ARSC I.P.
CESSAÇÃO TABÁGICA - UM PROGRAMA (DES)ESTRUTURADO!
Relato de Caso
Introdução
A cessação tabágica consiste num processo de mudança comportamental que não é, em regra, um processo
fácil. E tratando-se, como é frequentemente o caso, de uma mudança voluntária, implica sempre um
processo de decisão habitualmente marcado por avanços e recuos. O modelo proposto por Prochaska e
DiClemente adequa-se perfeitamente à cessação tabágica, considerando a existência de cinco estádios no
processo de mudança – pré-contemplação, contemplação, preparação, ação e manutenção, aos quais se
poderá seguir uma recaída ou a abstinência definitiva. É de salientar a distinção entre os conceitos de lapso e
de recaída. O lapso caracteriza-se pelo facto de o fumador não abandonar a fase de ação, mantendo-se sem
fumar após um consumo de tabaco acidental.
Muitas pessoas conseguem deixar de fumar por si só, de forma não planeada e sem recurso a apoios
estruturados por profissionais. Por outro lado, outras pessoas não o conseguem fazer sem um programa
estruturado de apoio intensivo, que inclui um conjunto de abordagens de natureza comportamental e
medicamentosa assentes numa compreensão global da pessoa que fuma, do seu contexto pessoal, familiar e
profissional, bem como das motivações e barreiras sentidas no processo de mudança.
A motivação desempenha portanto um papel fundamental no sucesso da cessação tabágica, sendo crucial a
sua avaliação em cada consulta e sobretudo antes de se avançar para qualquer tipo de proposta terapêutica.
O aumento da motivação deve sempre ser estimulado em cada consulta, tentando compreender os factores
condicionantes, ultrapassar as resistências e esclarecer dúvidas no sentido de preparar o doente para dar o
próximo passo.
A evidência científica mostra-nos também que o sucesso da cessação tabágica aumenta de forma
significativa com o recurso a terapêutica farmacológica. Terapêutica esta, que deve ser sempre orientada
pelo médico, na medida em que deve ser adaptada a cada doente, tendo em conta a carga tabágica, número
de cigarros/dia, grau de dependência, contra-indicações e eventuais experiencias anteriores com este tipo de
fármacos. Assim, cabe ao médico a escolha do princípio ativo, forma de administração e posologia. É pois
também muito importante um seguimento apertado do doente durante a terapêutica, com especial atenção a
eventuais efeitos adversos.
Descrição do Caso
M.D., sexo feminino, 51 anos, divorciada, raça caucasóide, natural da Alemanha, residente em Coimbra,
professora universitária de profissão. Pertencente a família monoparental, fazendo apenas parte do agregado
familiar além de si, o seu filho de 20 anos de idade. Trata-se de uma família de classe média alta segundo
escala de Graffar.
Apresenta como antecedentes patológicos, dispepsia, depressão e distúrbio de pânico (?), estando medicada
com Fluoxetina 20mg id; Bromazepam 3mg ½+1 id; Bisoprolol 5mg id e Omeprazol 20mg id.
Destaca-se os antecedentes familiares de mãe com hábitos tabágicos e alcoólicos marcados, HTA, FA,
Hipercolesterolémia, Depressão e DPOC. E de pai falecido em 2008 por carcinoma brônquico e que sendo
portador dos diagnósticos de Doença Vascular Periférica (submetido a bypass), Doença Coronária (portador
de stents coronários), DPOC e HTA, manteve sempre hábitos tabágicos marcados com uma carga tabágica
superior a 50UMA.
Fumadora desde os 17 anos, fumando em média cerca de 20 cigarros/dia e com uma carga tabágica de
aproximadamente 30UMA. Fez primeira tentativa de cessação em 2002 em consulta hospitalar com nicotina
transdérmica, sem sucesso, com segunda tentativa no ano seguinte mediante acupunctura, mais uma vez
sem sucesso. Recorreu então à Consulta de Cessação Tabágica (CCT) da UCSP Norton de Matos em
Setembro de 2007, apresentando um nível de dependência muito elevado segundo Teste de Fagerström (9
pontos), revelando necessidade de fumar um cigarro imediatamente depois de acordar; e uma motivação
também elevada segundo Teste de Richmond (8 pontos). Foi medicada com Vareniclina tendo-se
preconizado o esquema base de 12 semanas de duração. Voltou cerca de 1 mês depois, já em cessação
completa há 1 semana, muito motivada e orgulhosa de si mesma, tendo-se preconizado a manutenção do
esquema terapêutico em curso, por pelo menos mais 8 semanas. Entretanto abandonou a consulta, voltando
apenas em Fevereiro de 2008, confirmando-se a recaída e o não cumprimento da totalidade do esquema
terapêutico acordado, mantendo-se contudo a fumar somente 1 cigarro por dia, e tendo reiniciado a
Vareniclina, na dose aconselhada, por iniciativa própria. Marcou-se então consulta para duas semanas
depois, a que a doente faltou tendo vindo apenas após 1 mês já em cessação, tendo novamente suspendido
Vareniclina precocemente por iniciativa própria e referindo irritabilidade fácil. Volta cerca de um mês depois
(Abril de 2008) ainda em cessação completa, abandonando posteriormente a consulta de cessação tabágica.
Regressa à CCT apenas em Maio de 2011, informando acerca da recaída cerca de 5 meses após a última
cessação completa. Por esta altura fumava entre 15-20 cigarros/dia, confessando que tomava Vareniclina em
auto-medicação. É alertada para os riscos dessa atitude, e por não se sentir suficientemente motivada opta-
se por suspender a Vareniclina e protelar a cessação. Volta em Julho de 2011, a fumar mais de 20
cigarros/dia, desta vez mais motivada, optando-se então por uma redução do número de cigarros “pelo
relógio”. Regressa à CCT um mês depois, em cessação completa há 17 dias, referindo ter feito hipnoterapia
e associadamente estar auto-medicada com Vareniclina 0,5mg/dia + Nicotina transdérmica 14mg/24h.
Alertou-se a doente para os riscos dos seus atos, tendo sido suspensa a nicotina transdérmica e preconizada
a manutenção da vareniclina por pelo menos 12 semanas na mesma dose. Volta em Setembro de 2011, em
cessação há 41 dias, admitindo contudo alguns lapsos (<3 cigarros/semana) e referindo aumento do apetite e
aumento de 1,5kg de peso. Retorna 2 meses depois (Novembro de 2011), tendo recaído para 4 cigarros/ dia,
referindo epigastralgias associadas à nicotina transdérmica que entretanto retomou novamente por iniciativa
própria.
Comentário
O presente relato de caso ilustra a importância de estabelecer um programa estruturado de cessação
tabágica incorporando uma terapêutica farmacológica orientada e ajustada ao doente. As consultas devem
ser pouco espaçadas no tempo durante os primeiros meses, uma vez que é nesta fase que existe maior risco
de recaída, e com um período total de seguimento de pelo menos doze meses. A terapêutica farmacológica
deve ser orientada pelo médico e cumprida pelo doente de forma correta e na sua totalidade, mesmo após
cessação, com vista a uma redução gradual da dependência e minimização dos sintomas de privação. O
facto de a doente não cumprir minimamente nenhum destes aspectos do programa de cessação terá sido o
principal fator responsável pelo insucesso.
Discutindo brevemente as opções terapêuticas, e tendo em conta a experiência anterior com nicotina
transdérmica sem sucesso e os antecedentes psiquiátricos desta doente, provavelmente a opção terapêutica
escolhida não foi a mais adequada. Analisando presentemente este caso clínico torna-se bastante evidente
que a bupropiona eventualmente associada a um substituto da nicotina na forma de gomas ou pastilhas
(usado neste caso em SOS para controlar possíveis sintomas de privação) poder-se-ia ter revelado como
uma melhor opção terapêutica e consequentemente com maior probabilidade de sucesso.
Trata-se de um caso em que a história familiar pesada de hábitos tabágicos e co-morbilidades a eles
associadas deveria, à partida, contribuir para uma motivação ainda maior por parte da doente, com
consequente maior probabilidade de sucesso, que no entanto não se tem verificado. Por outro lado, sabe-se
também que existem determinados fatores familiares de natureza genética e/ou comportamental
responsáveis por menor probabilidade de êxito na cessação, e que poderão estar envolvidos neste caso.
Podemos também aqui encontrar diversos fatores, que, segundo a literatura, são habitualmente responsáveis
pela recaída em mulheres fumadoras, nomeadamente, antecedentes de depressão, situações de stress no
dia-a-dia, e o aumento de peso após a abstinência tabágica.
Nesta doente, destacam-se ainda os sucessivos abandonos da consulta de cessação tabágica, sendo a
recaída e o constrangimento em admitir o insucesso perante o médico como os principais motivos que
podemos apontar para esse facto.
Pedro Gonçalo Santos
Interno do 2º ano de Medicina Geral e Familiar
Centro de Saúde Norton de Matos
TABAGISMO E GRAVIDEZ
O tabagismo é uma das principais causas de doença no mundo e é responsável por cerca de 5 milhões de
mortes todos os anos.
Na sociedade ocidental o hábito de fumar começou por ser exclusivo dos homens. No entanto, após a
Segunda Guerra Mundial passou a estar associado aos movimentos sociais de emancipação das mulheres e
começou a ganhar maior expressão entre o género feminino. Mas foi nas últimas duas a três décadas que a
sua prevalência teve um aumento mais acentuado.
Na mulher grávida o tabagismo pode ter consequências não apenas para a saúde desta, mas também para a
saúde do feto, estimando-se que seja responsável por cerca de 20% dos casos de bebés com baixo peso ao
nascer, 8% dos partos prematuros e 5% de todas as mortes perinatais, existindo uma associação com o
Síndrome de Morte Súbita neonatal.
Esta é, portanto, uma fase fulcral para investir na cessação tabágica, aproveitando o contacto mais frequente
da grávida com os profissionais de saúde e também a maior motivação característica deste período da vida
da mulher. Estima-se que aproximadamente 25 a 40% das mulheres fumadoras que engravidam tentam
parar de fumar durante a gravidez. A maioria dos estudos mostram uma maior frequência de tabagismo na
mulher grávida jovem com menor escolaridade, de classe social mais baixa e / ou sem companheiro.
São conhecidos mais de 4000 compostos constituintes do tabaco, mas os que mais intrinsecamente estão
ligados aos efeitos deletérios que ocorrem na gravidez são a nicotina e o monóxido de carbono (CO).
A nicotina é uma das principais causas de Atraso de Crescimento Intra-Uterino (ACIU), devido à
vasoconstrição que provoca nas artérias uterinas e da placenta, causando uma insuficiência útero-placentar
que está na origem da redução do aporte sanguíneo ao feto e, consequentemente, diminui o aporte de
oxigénio e de nutrientes a este. Por outro lado, a hipóxia celular crónica causada pelo CO também pode
contribuir para o ACIU.
A exposição à nicotina durante a gravidez tem sido relacionada com alterações do desenvolvimento
psicomotor da criança e do jovem, estando associada a situações de hiperactividade, diminuição do
rendimento escolar, perturbações da atenção e início precoce do tabagismo, bem como do desenvolvimento
sexual e cognitivo, o que surge na sequência da neurotoxicidade da nicotina. Do mesmo modo, o CO é
também um potente tóxico para o sistema nervoso, podendo causar lesões temporárias ou mesmo
permanentes neste.
A nicotina é igualmente causadora de alterações súbitas no sistema cardiovascular da grávida, como o
aumento da frequência cardíaca e da tensão arterial sistólica e diastólica e o CO, por sua vez, provoca
aumento da frequência cardíaca fetal e hipertrofia do miocárdio.
Não são ainda totalmente conhecidos os mecanismos que originam o Síndrome de Morte Súbita neonatal,
mas uma das hipóteses melhor aceites é a de que tal suceda na sequência da exposição prolongada da
medula adrenal do feto à nicotina, levando a que esta perca a capacidade de resposta perante uma situação
de hipóxia, não ocorrendo assim a libertação de catecolaminas necessárias à redistribuição do fluxo
sanguíneo cerebral e cardíaco e à manutenção da frequência cardíaca fetal.
Também o crescimento do tecido pulmonar é afectado pela exposição aos componentes do tabaco,
originando alterações funcionais respiratórias na infância. Parece haver uma associação entre esta exposição
e o aumento de risco futuro de desenvolver doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), cancro do pulmão e
doenças cardiovasculares.
Durante a gestação de uma mulher fumadora, existe uma hiperviscosidade sanguínea, que aumenta o risco
de enfarte cerebral do neonato e que provoca um mau funcionamento da placenta. Tal situação tem origem
na hipóxia tecidual causada pelos altos níveis de carboxihemoglobina (COHb) (que são mais elevados no
feto do que na grávida devido à maior afinidade da hemoglobina fetal pelo CO), ocorrendo estimulação da
eritropoiese, com aumento do hematócrito da grávida e do feto.
Sabe-se também que existe um comprometimento do sistema imunológico causado pelo tabagismo, o que
pode explicar o maior risco de abortos espontâneos nas grávidas fumadoras. Por outro lado, as infecções
locais mais frequentes podem estar na origem do número mais elevado de ruptura prematura de membranas
nestas grávidas. Para estas duas situações podem contribuir também a diminuição que ocorre dos níveis de
ácido ascórbico para cerca de metade nestas grávidas (o qual desempenha um papel no sistema imunitário e
na formação do colagénio), dos níveis de óxido nítrico (potente relaxante uterino) e do factor de activação das
plaquetas.
Por tudo o que foi referido anteriormente, é fundamental que a cessação tabágica seja promovida durante a
gravidez e em todas as mulheres em idade fértil que considerem a hipótese de engravidar. Deve dar-se
primazia à utilização de medidas não farmacológicas durante a gestação, como a entrevista motivacional
(sobretudo nas grávidas ambivalentes) e a terapia cognitivo-comportamental e aplicar métodos de redução
gradual e progressiva do número de cigarros consumidos por dia. No entanto, nos casos em que estas
medidas não forem suficientes para que a grávida consiga parar de fumar, deve considerar-se o uso de
terapêuticas de substituição de nicotina até às 18 semanas de gestação, preferencialmente através de
formulações de libertação intermitente (como as gomas e pastilhas), dado que estas resultam numa dose
total diária de nicotina menor para o feto do que as formulações de libertação lenta (adesivos transdérmicos).
Esta terapêutica farmacológica adjuvante dobra a taxa de cessação e permite uma alternativa para que o feto
não seja exposto a todos os outros compostos constituintes do tabaco (em particular o CO).
Uma vez conseguida a cessação, é essencial investir esforços na sua manutenção durante toda a gravidez e
após o parto, dado que tal implica ganhos na qualidade de vida e na saúde da grávida/mãe e do feto/criança.
O risco de recaída após a gravidez aumenta substancialmente, podendo atingir taxas entre os 40 e os 90%
nos 12 primeiros meses pós-parto, com alguns estudos a apontar para um risco mais elevado ao 4º mês. Os
fatores relacionados com um maior risco de recaída após o parto são a cessação tardia durante a gravidez, a
interrupção precoce do aleitamento materno, o aumento ponderal, o stress relacionado com os cuidados do
bebé, a existência de um cônjuge fumador, a depressão pós-parto e o final da licença de maternidade (com o
regresso à vida profissional).
Assim, deve incentivar-se e investir-se na cessação tabágica na mulher grávida, mas também trabalhar de
forma intensa a prevenção e o tratamento de recaídas, uma vez que estas podem comprometer a
oportunidade de abandono definitivo do tabagismo, para o qual muito contribui a forte motivação relacionada
com a gestação.
Bibliografia: 1. CORREIA S, NASCIMENTO C, GOUVEIA R, MARTINS S et al: Gravidez e Tabagismo – Uma oportunidade de mudar
comportamentos. Acta Med Port 2007; 20: 201-207. 2. LEOPÉRCIO W, GIGLIOTTI A: Tabagismo e suas peculiaridades durante a gestação: uma revisão crítica. J Bras
Pneumol 2004: 30(2) 176-185. 3. MACHADO JB, LOPES MHI: Abordagem do tabagismo na gestação. Scientia Medica, 19(2), Abr/Jun 2009, 75-80. 4. UTAGAWA CY, DE SOUZA RA, SILVA COM, DA SILVA MO: Tabagismo e Gravidez: Repercussões no
Desenvolvimento Fetal. Cadernos UniFOA Ano II, 4, Ago/2007. 5. EURO-scip, Conselho de Prevenção do Tabagismo: Tabagismo e Gravidez. Newsletter 3, Fev/2006.
Cristina Tejo
Interna do 4º ano de MGF
UCSP Norton de Matos
“AS CONTAS DO TABACO EM TEMPO DE CRISE”
A “crise” pode ser uma oportunidade de mudança para o fumador.
É nos momentos de crise, dificuldades financeiras ou mesmo falta de perspectiva, que devemos estar mais
atentos à realidade e às saídas que poderão surgir. Por vezes as oportunidades ficam ocultas pela inércia do
ser humano, pela desesperança no futuro ou até mesmo pelo medo da mudança.
A “crise” poderá ser uma porta para a autodescoberta, para o autoconhecimento à medida que o homem se
vê forçado a buscar soluções, a rever atitudes, a arriscar e a conquistar novos espaços.
A “crise” e também os “impostos” provocam recessão até no consumo do tabaco, no entanto, por vício ou por
gosto, muitos fumadores preferem arranjar opções para contornar os cada vez mais custos do tabaco. E a
mudança começou a surgir, muitos fumadores passaram a utilizar TABACO DE ENROLAR, sendo
considerado o “tabaco para tempos de crise” e a solução mais económica.
No entanto o tabaco de enrolar também mata embora o peso económico seja menor nas bolsas portuguesas.
Enrolar tabaco envolve filtros, mortalhas, tabaco, destreza e até muita paciência. Para facilitar o fumador
foram construídas “máquinas de tubos” para a confeção do tabaco (tecnologia pensada para ajudar o vício)
em que as mortalhas são substituídas por tubos vazios, já com filtros, bastando apenas encher com tabaco e
evitando assim as mortalhas (papéis de vários formatos, com combustão lenta ou rápida, ás cores ou
transparentes).
Mas… será que o fumador não se estará a enganar? Poupar para continuar a consumir? E que qualidade de
tabaco? Não será melhor deixar de fumar e com o dinheiro que poupa viajar e esquecer a crise?
Então vejamos:
1- A produção do tabaco de enrolar é mais barata MAS o controlo da qualidade é inferior;
2- A abertura da onça de tabaco poderá vir a secar as suas folhas causada pelo ar e alterar a sua
composição;
Se é profissional de saúde ou está ligado, de alguma
forma a esta áreas.
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3- Os efeitos deletérios para a saúde são devidos ao consumo do fumo do tabaco independentemente
de ter sido preparado de forma artesanal ou industrial. Como alternativa económica poderá levar a
determinados conceitos pelo facto ser mais natural ou “eco-friendly”, MAS os malefícios não deixam
de existir;
4- O papel utilizado pode conter mais alcatrão e ser mais prejudicial, assim como a não utilização de
filtros leva à entrada de maior carga de substâncias poluentes e tóxicas para os pulmões;
5- As embalagens do tabaco de enrolar não contêm informação sobre o teor de nicotina, monóxido de
carbono e alcatrão. De facto, não é obrigatório, uma vez que esses valores dependem da forma de
enrolar o cigarro (pouco ou muito enchimento, apresentar filtro ou não, por exemplo);
6- Também o imposto sobre o tabaco irá afetar o tabaco de enrolar nos próximos meses, fazendo-o subir
de preço e diminuindo a diferença que existe, hoje em dia, em relação aos cigarros vendidos em
maços.
Para transformar a crise em oportunidades é preciso:
• Coragem para dominar o medo, para realizar escolhas, para combater a hesitação e a acomodação;
• Criatividade – fazer e ser diferente, evoluir;
• Ousadia para tentar e arriscar;
• Flexibilidade para aprender a curvar-se diante dos factos e verdades quando confrontados com os
argumentos mais sólidos;
• Discernimento para separar as crises reais das imagináveis e distinguir o “ simplesmente mudar”
do “mudar para melhor”.
“ O ÚNICO COMPORTAMENTO SEGURO É NÃO FUMAR”
Essa será a melhor opção para vencer a “crise “e melhorar as contas.
Marília Pereira
Médica Especialista em Medicina Geral e Familiar
ACES PIN1 – Centro de Saúde da Lousã – USF Trevim-Sol (Pólo Serpins)