Neodesenvolvimentismo e precarização do trabalho no Brasil - parte III

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Neodesenvolvimentismo e precarizao do trabalho no Brasil Parte III

Publicado em 23/09/2013

Por Giovanni Alves.

Este o ltimo artigo da srie Neodesenvolvimentismo e precarizao do trabalho no Brasil, de Giovanni Alves. Leia a parte I e II, no Blog da Boitempo.O que se explicita nos primrdios do sculo XXI no Brasil a esfinge do novo sociometabolismo do capital. Na dcada de 2000 ocorreu um novo choque de capitalismo no Brasil no sentido da acelerao dos circuitos de valorizao do capital dado pelo neodesenvolvimentismo como novo padro de desenvolvimento capitalista. A ideia de choque de capitalismo foi expressa, por exemplo, no ttulo dramtico do livro recm-lanado de Joo Sics: Dez anos que abalaram o Brasil.Nos dez anos de Lula e Dilma, o pas melhorou, de forma significativa, uma srie de indicadores sociais que apontam a reduo da desigualdade social, recuperao do valor do salrio-mnimo, maior participao dos salrios no PIB, reduo histrica do desemprego, queda da informalidade e aumento da taxa de formalidade no mercado de trabalho. Nesse perodo, o volume de vendas do comrcio varejista dobrou com o acesso ao crdito da nova classe trabalhadora (o volume de crdito em proporo do PIB passou de 24,7% em 2003 para 55,2% em 2013 um aumento de 500% em dez anos, atingindo 2,4 trilhes de reais!). Alm disso, o neodesenvolvimentismo propiciou aumento do investimento pblico, reduo dos juros, controle da inflao e crescimento da economia num cenrio de crise financeira internacional.Enfim, o novo padro de desenvolvimento capitalista conduzido pela frente poltica neodesenvolvimentista, de modo indiscutvel, conseguiu melhor o padro de vida de milhes e milhes de trabalhadores das camadas pobres do proletariado por meio de programas de transferncia de renda e gasto pblico (de modo oportunista, a critica poltica da extrema-esquerda e da direita neoliberal no reconhece as positividades de dez anos de Lula e Dilma).Ao privilegiar programas sociais de carter distributivistas voltados para a camada pobre da populao brasileira, reduzindo, deste modo, a pobreza extrema, os governos Lula e Dilma, constituram uma nova base poltica de massas, que reelegeu Lula em 2006 (e pode reeleger Dilma em 2014). A opo pelos pobres tornou as polticas sociais menos onerosas para um Oramento da Unio constrangido pelo pagamento dos servios da dvida pblica (por exemplo, investir no Bolsa-Famlia muito mais barato que investir, por exemplo, na ampliao de uma educao e sade pblica de qualidade). Alm disso, ao fazer opo pelos pobres, o neodesenvolvimentismo optou pelo reformismo fraco (como diria Andr Singer), evitando, deste modo, confrontar os interesses do grande capital financeiro-industrial e acirrar a luta entre capital e trabalho no pas (eis o esprito do lulismo como neobonapartismo perifrico).Nossa hiptese que, apesar do glamour popular do neodesenvolvimentismo, existem dimenses ocultas da precarizao do trabalho que, pouco a pouco, exigem da frente poltica do neodesenvolvimentismo, reformas de base capazes de atender s demandas sociais no apenas de outras camadas do proletariado urbano (principalmente as camadas mdias urbanas das quais se originam o precariado), mas da prpria nova classe trabalhadora que, oriunda do subproletariado pobre, exige hoje no apenas mais salrio ou mais emprego, mas tambm qualidade de vida nas cidades isto , servios pblicos de qualidade.Enfim, quem ascendeu pelos mritos indiscutveis da poltica distributivista agora quer outros direitos que a frente poltica neodesenvolvimentista, tal como se constitui hoje, no pode mais lhe oferecer. Dez anos de Lula e Dilma liberaram foras sociais e demandas radicais que o lulismo como engenharia poltica do reformismo no Brasil, no mais capaz de conter.Diante dos limites do lulismo, tal como se constituiu nos ltimos dez anos, coloca-se a necessidade poltica de reinvent-lo como frente poltica nas novas condies da luta de classes no Brasil e no mundo imerso na crise estrutural do capital; reinvent-lo como alternativa poltica capaz de confrontar as oligarquias neoliberais que, diante da crise do neodesenvolvimentismo lulista, almejam voltar ao governo do pas (infelizmente, a esquerda socialista radical, crtica do neodesenvolvimentismo como reformismo burgus, aparece hoje como absolutamente incapaz de ser alternativa poltica crise do lulismo tendo em vista a sua crnica incapacidade hegemnica na atual correlao de foras da luta de classes no pas).O que nos interessa neste ltimo ensaio da srie Neodesenvolvimentismo e a precarizao do trabalho no Brasil, decifrar o novo metabolismo social da nova ordem burguesa no Brasil tendo em vista o aprofundamento dos traos da sociabilidade mercantil hipertardia instaurada pela ordem neoliberal. Neoliberalismo e neodesenvolvimentismo compem um processo desigual, mas combinado, de afirmao da ordem burguesa no Brasil visando instaurar um novo regime de acumulao do capital no Pas. preciso ir alm das sombras da contingncia poltica e desvendar processos estruturais que afirmam (e negam), ao mesmo tempo, a ordem burguesa hipertardia no Brasil.*Desde meados da dcada de 1970 o Brasil viveu a crise do modelo nacional-desenvolvimentista que abalou as bases de legitimidade poltica do regime militar instaurado em 1964. O projeto nacional-desenvolvimentista com Juscelino Kubitschek, em sua verso liberal-democrtica, e, com os militares, em sua verso autocrtico-burguesa contribuiu para que o Brasil instaurasse a sua segunda modernidade caracterizada pela industrializao pesada e pelo crescimento urbano-industrial, consolidando, deste modo, o mundo social do trabalho (a primeira modernidade brasileira ocorreu com Vargas a partir de 1930 que impulsionou as bases do industrialismo).O modelo nacional-desenvolvimentista nasceu no bojo do perodo de ascenso histrica do capital no ps-guerra. Entretanto, com a crise estrutural do capital ocorrida em meados dos anos 1970, o projeto nacional-desenvolvimentista depara-se com impasses estruturais que comprometem o desenvolvimentista no pas. A dcada de 1980 foi uma dcada de crise da economia brasileira a dita dcada perdida apesar da riqueza de manifestaes sociais que caracterizaram a redemocratizao poltica e a exploso do sindicalismo. Talvez a fora da sociedade civil organizada, imbuda do esprito da luta de classe no sentido do em-si da classe cuja expresso poltica mais avanada foi a criao da CUT e do PT impediram na dcada de 1980, dcada da transio para a democracia poltica, a constituio de um novo modelo de acumulao capitalista nos moldes neoliberais (naquela poca, o neoliberalismo constitua a fora poltica hegemnica na Amrica Latina). Entretanto, a derrota poltica da Frente Brasil Popular em 1989 criou as condies poltico-institucionais para a implementao do ajuste neoliberal capaz de promover no pas um novo choque de capitalismo nos moldes do Consenso de Washington.Deste modo, a terceira modernidade brasileira iniciou-se com o ajuste neoliberal que colocou os pressupostos materiais para o novo regime de acumulao capitalista no Brasil. Num primeiro momento, o capitalismo flexvel no Brasil adquiriu a feio neoliberal que caracterizou a frente poltica hegemonizada pelo PSDB. Entretanto, nos primrdios do sculo XXI, com a crise do neoliberalismo na Amrica Latina no bojo da crise do capitalismo global, o bloco histrico do capitalismo flexvel no Brasil recomps-se com a frente poltica do neodesenvovimentismo hegemonizada pelo PT.Na dcada de 2000, as (1) novas bases reestruturadas do capitalismo brasileiro, a (2) conjuntura internacional favorvel do comrcio mundial (de 2003 a 2007) e (3) a virt do lulismo que soube dar uma nova direo poltica dinmica de acumulao do capital no Pas por meio do aumento significativo do gasto pblico visando reduzir a desigualdade de renda no pas deram origem ao neodesenvolvimentismo.Esse o trip da nova frente poltica do neodesenvovimentismo como novo padro de desenvolvimento capitalista no pas, que enquanto reformismo fraco lento, mas persistente, imbudo de politicismo e demasiado taticismo criou no Brasil nos ltimos dez anos no apenas um novo padro de acumulao capitalista no sentido de aprofundar a dinmica do capitalismo flexvel, mas um padro de civilizao burguesa capaz de afirmar a condio ps-moderna no bojo do capitalismo hipertardio de extrao colonial-escravista.*O que importante salientar que a terceira modernidade no Brasil que se aprofundou no decorrer do sculo XXI com a poltica e economia do neodesenvolvimentismo significou a constituio de um novo metabolismo social e novas dimenses de precarizao do trabalho no Brasil.Na dcada de 2000, o terremoto social iniciado na dcada neoliberal com a ofensiva do capital na produo, fez surgir na superfcie social do pas, novas formaes morfolgicas na estrutura de classes. A era do capitalismo flexvel significou a ampliao da condio de proletariedade e a constituio de novas camadas sociais da classe do proletariado.A economia do neodesenvolvimentismo e a nova dinmica social do capitalismo brasileiro na dcada passada fez surgir, por exemplo, a nova classe trabalhadora, mal identificada como nova classe mdia. Na verdade, trata-se de uma nova camada da classe trabalhadora brasileira constituda pelos trabalhadores formalizados que, sados da camada social do subproletariado pobre, ascenderam ao mercado de trabalho formal, tendo muitos deles acesso ao mercado de consumo por conta do aumento do salrio-mnimo e acesso ao crdito. Por outro lado, o fenmeno da nova classe trabalhadora ocultou a ampliao de uma nova camada do proletariado de insero urbana o precariado, camada social constituda por jovens altamente escolarizados, mas inseridos em relaes de trabalho e vida precria.Portanto, a era do neodesenvolvimentismo colocou em cena duas novas camadas sociais do proletariado brasileiro, verdadeiros espectros do lulismo: a (1) nova classe trabalhadora, camada social oriunda do subproletariado pobre que ascende por conta da formalizao do mercado de trabalho, aumento do salrio-mnimo e acesso ao crdito; e (2) o precariado, camadas social de jovens altamente escolarizados inseridos em relaes de trabalho e vida precrios.Mas a nova classe trabalhadora e o precariado possuem sinais invertidos no clculo poltico do lulismo. Enquanto a nova classe trabalhadora, portadora da mobilidade social ocorrida nos dez anos de Lula e Dilma, apreendeu com positividade e expectativa, no plano da subjetividade social, a era do neodesenvolvimentismo; o precariado, portador de novas qualificaes profissionais, imbudo de expectativas de carreira e consumo, instigado ideologicamente pelos mass mdia, apreendeu com ansiedade e frustrao de expectativas, os anos de neodesenvolvimentismo.Na verdade, o precariado, como o menino da fabula A roupa nova do rei de Hans Christian Anderson, ousou dizer, nas manifestaes de junho de 2013, que o rei do neodesenvolvimentismo est nu! Enfim, a massa do precariado foi capaz de acusar com radicalidade os limites do lulismo na capacidade de satisfazer necessidades sociais e carecimentos radicais desta camada social do proletariado urbano. Enfim, apesar dos 10 anos que abalaram o Brasil, os pequenos investimentos na educao, sade e transporte pblico no alteraram a precariedade estrutural dos servios pblicos no Pas.O neodesenvolvimentismo como incluso salarial e choque de consumo, significou para a nova classe trabalhadora e o precariado, mais alimentos, roupas, automveis mas no significou melhores transportes, servios de sade, escolas de qualidade, iluminao pblica, saneamento, etc; ou ainda, melhores expectativas de realizao pessoal e profissional de acordo com as novas habilidades adquiridas pela alta escolaridade. Como observa Sics:A vida dentro de cada casa j melhorou no Brasil. A exigncia, a partir de agora, que a vida tambm tenha melhor qualidade fora de casa. No basta um sof novo e uma smartTV. preciso, principalmente, qualidade de vida urbana. () preciso ser alm de consumidor; preciso ser cidado.O que Sics no se interroga sobre as possibilidades concretas de compatibilizar desenvolvimento capitalista e bem-estar social nas condies da crise estrutural do capital.Na verdade, a frente poltica do neodesenvolvimentismo se desmancha no ar caso queira realizar de forma anacrnica, as promessas civilizatrias da cidadania burguesa. Eis os limites do lulismo o que no significa seu esgotamento poltico enquanto estratgia de desenvolvimento social-democrata do capitalismo brasileiro.*O sintoma dos limites do lulismo est expresso nas manifestaes de junho de 2013 intitulada por ns, a revolta do precariado. Deste modo, imersos na condio de proletariedade, a camada social do precariado, constituda em sua maioria por jovens oriundos a maior parte de famlias da baixa classe mdia urbana proletarizada por conta acelerao da concorrncia na medida em que consolidou-se o capitalismo flexvel no Brasil, insurge-se contra a frustrao de expectativas de carreira profissional, precariedade de servios pblicos nas condies do modo de vida just-in-time nas metrpoles brasileiras.O modo de vida just-in-time um importante trao do novo metabolismo social do capital na era do neodesenvolvimentismo no Brasil. importante decifrar o significado desta nova categoria sociometablica que caracteriza o novo choque de capitalismo da terceira modernidade brasileira.Nos dez anos de Lula e Dilma ocorreram mudanas qualitativamente novas no plano da subjetividade social principalmente nas metrpoles. A era do neodesenvolvimentismo no implicou apenas o surgimento de novas camadas sociais de classe como a nova classe trabalhadora e o precariado, mas significou tambm o desenvolvimento ampliado e intenso de uma nova dinmica sociometablica caracterizada pelo modo de vida just-in-time.O novo modo de vida just-in-time a organizao do modo de vida nas condies da sociedade da acumulao flexvel. Temos utilizado o conceito de vida reduzida para descrever a vida just-in-time que caracteriza o metabolismo social do capitalismo flexvel. Nesse caso, o modo de vida organizado de forma homloga com os dispositivos da fbrica toyotista.No capitalismo monopolista, operou-se a disseminao de parmetros da produo na vida social. Como disse Antonio Gramsci em Americanismo e fordismo, a hegemonia nasce na fbrica. Assim, o conceito de fordismo extrapolaria, para o modo de desenvolvimento e modo de vida da sociedade capitalista, o modo de organizao da produo. Enquanto vida fordista foi o modo de vida urbano nas condies do americanismo, modo de vida just-in-time o modo de vida urbano nas condies do capitalismo flexvel sob o esprito do toyotismo.Nas condies da acumulao flexvel e com a vigncia do esprito do toyotismo, discutido por ns no livro Trabalho e subjetividade, os dispositivos de controle na fbrica toyotizada disseminaram-se pela totalidade social. A implicao trabalho-vida social tornou-se mais intensa e ampla por conta do desenvolvimento histrico da sociabilidade mercantil. Por isso, com a acumulao flexvel sob a dominncia do esprito do toyotismo, temos efetivamente a produo como totalidade social. Com o neodesenvolvimentismo no Brasil, instaurou-se efetivamente o toyotismo sistmico caracterizado por ns no livro O novo (e precrio) mundo do trabalho.*Entretanto, num primeiro momento, importante esclarecer que a adoo do conceito modo de vida just-in-time possui um carter impertinente: a lgica da organizao da produo de mercadorias no ontologicamente compatvel com a lgica da organizao do modo de vida. A rigor, existe uma incongruncia ontolgica e uma implicao intensa e amplamente contraditria entre trabalho e vida no capitalismo tardio. Enfim, no plano ontolgico, a dimenso da vida como existncia humana no pode ser reduzida lgica instrumental da produo de mercadorias. A sociedade burguesa padece hoje, mais do que nunca, de uma profunda inverso: na mesma medida em que os mtodos de organizao toyotista da produo elevam a um patamar superior a racionalizao da produo de mercadorias, eles promovem, ao mesmo tempo, num sentido inverso, a irracionalizao da vida social.Portanto, racionalizao e irracionalizao tornam-se traos cruciais da terceira modernidade. Por exemplo, o principio da fbrica enxuta com estoques mnimos, elemento fundamental da organizao toyotista, implicou necessariamente o crescimento da superpopulao relativa excedente produo de mercadorias. Nesse caso, temos o descarte da pessoa humana pela nova lgica da produo de mercadorias um descarte que se explicita, por exemplo, em sua forma extrema, com o problema do desemprego de massa como o trao indelvel estrutural da ordem burguesa tardia predominantemente financeirizada (o crescimento do desemprego de massa na Unio Europia, EUA e Japo exemplo do duplo perverso do capitalismo tardio: racionalizao produtiva e irracionalidade social).No caso do Brasil neodesenvolvimentista, o descarte da pessoa humana, trao estrutural da lgica capitalista hipertardia, no aparece de imediato nos indicadores do desemprego aberto nas metrpoles, mas sim na persistncia da flexibilidade estrutural que caracteriza o mercado de trabalho no Brasil. Apesar da reduo histrica do desemprego e o aumento da formalizao do mercado de trabalho nos 10 anos de Lula e Dilma, o mundo social do trabalho no Brasil ainda caracterizado pela informalidade e alta rotatividade da fora de trabalho tendo em vista a facilidade da demisso imotivada e as novas formas de contratos precrios de emprego na qual se inserem, em sua maior parte, os jovens altamente escolarizados do precariado (por exemplo, a rotatividade mdia da fora de trabalho no Brasil de 40%, o que significa que 40% dos trabalhadores trocam de emprego em um ano!).*Mas o que significa efetivamente modo de vida just-in-time?Para Taiichi Ohno, idelogo do toyotismo, o just-in-time significa que, em um processo de fluxo da produo, as partes corretas necessrias montagem alcanam a linha de montagem no momento em que so necessrias e somente na quantidade necessria. Eis a lgica do just-in-time: a produo a tempo certo. Para ele, uma empresa que estabelea esse fluxo integralmente, pode chegar ao estoque zero. Por trs do principio do estoque zero existe a vigncia da empresa enxuta (lean production). Estoque zero exige necessariamente na tica do capital, a reduo do pessoal.Mas existe um detalhe: o just-in-time muito difcil de aplicar no plano da produo. Ohno constatou isso quando observou que: muito difcil aplicar o just-in-time ao plano da produo de todos os processos de forma ordenada. () Uma falha na previso, um erro no preenchimento de formulrios, produtos defeituosos e retrabalho, problemas com o equipamento, absentesmo os problemas so incontveis. () Portanto, para produzir usando o just-in-time de forma que cada processo receba o item exato necessrio, quando ele for necessrio, e na quantidade necessria, os mtodos convencionais de gesto no funcionam bem.Ento, Taiichi Ohno tentou resolver o problema do just-in-time repensando o fluxo de produo. Enfim, instaurando um novo mtodo de gesto onde o fluxo de produo ocorreria na ordem inversa: um processo final vai para um processo inicial para pegar apenas o componente exigido na quantidade necessria no exato momento necessrio. Na verdade, Taiichi Ohno descobriu que o segredo do just-in-time efetivamente a comunicao: indicar claramente quais e quanto preciso de peas no processo de produo, criando, deste modo, um quadro de sinalizao capaz de controlar a quantidade produzida ou seja, a quantidade necessria.Portanto, o sistema Toyota possui dois pilares: a autonomao e o just-in-time/kan-ban, onde just-in-time o sistema; kan-ban, o mtodo [de comunicao]; e a autonomao, a disposio anmica [o trabalho vivo]. Noutros termos: o mtodo do sistema just-in-time reside na comunicao reduzida a esquema de sinalizao das necessidades da produo. Como pressuposto indispensvel do sistema just-in-time e do prprio mtodo kan-ban, teramos a autonomao como disposio anmica do trabalho vivo em colaborar. Eis o significado ontolgico das categorias do ohnismo.Deste modo, os parmetros do esprito do toyotismo comunicao instrumental e colaborao do trabalho vivo se reverberam na totalidade social, tendo em vista que se torna imprescindvel a formao de sujeitos humanos (trabalho vivo) com disposio anmica para colaborar, requisito necessrio da autonomao na produo capitalista. Por isso, modo de vida just-in-time implica no apenas vida veloz, mas vida sinalizada (avaliada e qualificada), o que implica presses no plano psquico.Estamos diante no apenas da sociedade da comunicao, mas sim, da sociedade da comunicao reduzida sinalizao como no kan-ban, o mtodo do just-in-time. Na sociedade miditica formada por redes, a comunicao contm um elemento de sinalizao de procedimentos e requerimentos que envolvem o sujeito. a nova tessitura da ideologia da comunicao e a comunicao da ideologia como sinais/marcas capazes de manipular a subjetividade do trabalho vivo, no apenas no plano da produo, mas principalmente no plano da vida cotidiana.Alm disso, modo de vida just-in-time implica vida reduzida no sentido de vida enxuta s partes necessrias montagem das exigncias sistmicas. Reduz-se o tempo para fruio vital, preguia, ou atividades de mera fruio descompromissada, vida toa, e concentra-se em atividades necessrias carreira profissional e aos requerimentos de consumo e status social. Ao mesmo tempo, os requerimentos do trabalho estranhado invadem o tempo livre reduzindo o tempo para relaes com amigos e familiares. A prpria formao de sujeitos colaborativos torna-se adequada autonomao requerida pelo sistema toyotista (mquinas inteligentes, expresso de Ohno).Finalmente, modo de vida just-in-time vida invertida no seu fluxo vital tendo em vista que o processo inicial, como diz Ohno, vai para o processo final, ou traduzindo em termos scio-ontolgicos, o futuro reduz-se ao presente, a presentificao crnica, a reduo/inverso dos tempos de formao humana (infncia e adolescncia) ao tempo de afirmao no sentido sistmico (vida adulta). A compresso espao-tempo compresso geracional no sentido de acelerao do desenvolvimento nas condies de descartabilidade (o que Mszros denominou de aumento da taxa de utilizao decrescente dos valores-de-uso, com homens e mulheres reduzidos forma-mercadoria fora de trabalho). Esta uma das contradies candentes da ordem burguesa hipertardia como nos diz Mszros no livro Para alm do capital (Boitempo Editorial, 2003).Mas a organizao do modo de vida implica elementos contingentes da vida social que tendem a negar irremediavelmente a lgica do sistema toyotista. O que significa que estamos tratando de categorias intrinsecamente contraditrias. Por exemplo, alm das caractersticas da vida reduzida vida sinalizada, vida enxuta e vida invertida temos os trajetos alongados por conta do caos urbano e a deficincia de transporte pblico com efeitos estressantes (a jornada de trabalho estende-se no trajeto de ida e volta); a intensa manipulao (comunicao instrumental por meio de telas miditicas) visando produo de necessidades suprfluas e interpelando os sujeitos humanos para aquisio de mercadorias, preenchendo o tempo livre como tempo de consumo como consumismo.Portanto, na medida em que o esprito do toyotismo disseminou-se na vida social, o modo de vida impregnou-se da lgica do sistema/mtodo de produo, tendo em vista que a prpria circulao, distribuio e consumo tornou-se elemento compositivo da produo em geral. Assim, o modo de vida incorporou a lgica sistmica da produo de mercadorias e ocorreu a disseminao de formas derivadas de valor na vida social, incorporao/disseminao radicalmente contraditrias na medida em que existe, como salientamos acima, incongruncias ontolgicas entre as esferas da vida e as esferas sistmicas. O que significa que o conceito de modo de vida just-in-time contm uma tenso contraditria intrnseca produo do capital entre trabalho estranhado e vida humana.A organizao do trabalho flexvel e o modo de vida just-in-time significam o aprofundamento do fenmeno do estranhamento para individualidades pessoais implicadas no processo social de produo do capital, uma dimenso aprofundada do estranhamento caracterizada por uma intensa carga de presso psquica que contribui para o adoecimento do homem-que-trabalha (o que discutimos no livro Dimenses da precarizao do trabalho).Este aprofundamento do estranhamento devido ao aumento do risco e periculosidade como um dos traos da condio de proletariedade moderna decorrncia da transgresso do fluxo vital reduzido a fluxo de produo de mercadorias. Nesse caso, temos um elemento da precarizao existencial que possui como ncleo orgnico, a precarizao do homem-que-trabalha, homem manipulado submerso na vida reduzida.*O que descrevemos acima, caracterizou, de modo intenso e extenso, o novo metabolismo social no Brasil neodesenvolvimentista. Com o toyotismo sistmico e a organizao do trabalho baseado no esprito do toyotismo e modo de vida just-in-time, surgiram na era do neodesenvolvimentismo, novas dimenses da precarizao do trabalho. Trata-se, nesse caso, da precarizao existencial que se expressa na pletora de adoecimentos laborais que cresceu na era do neodesenvolvimentismo. Como salientamos, a precarizao existencial se distingue da precarizao salarial. Muitos crticos sociais, mais preocupados com a economia e a poltica do capital, tendem a desprezar as dimenses sociometablicas do desenvolvimento capitalista no Brasil da era do neodesenvolvimentismo.O que significa que, nos ltimos dez anos de Lula e Dilma, instauraram-se novas condies objetivas e subjetivas de produo e reproduo da existncia social, isto , novo processo de subjetivao das massas nas metrpoles. No plano da sociabilidade urbana, o modo de vida just-in-time implicou a constituio de uma nova base tcnica da produo e reproduo social. Alterou-se a mediao tcnica da sociabilidade urbana com a disseminao no cotidiano das pessoas de celulares, smartphones e tablets. Na verdade, o modo de vida just-in-timeimplicou a ampliao extensa e intensa da comunicao virtual por meio das redes sociais com impactos mltiplos na padro de sociabilidade do mundo do trabalho. Instaurou-se um modo de sociabilidade veloz, fluida, virtual, manipulatria e invasiva no plano da organizao tempo de vida/tempo de trabalho.Na era neodesenvolvimentista, apesar do aumento do gasto pblico com transferncia de renda para programas sociais, aprofundou-se a lgica do capitalismo privado. O Estado neodesenvolvimentista como Estado capitalista incentivou a formao de oligoplios privadas parceiros do novo patamar de acumulao do capital no pas. As parcerias pblico-privadas tornou-se o mote da expanso do capitalismo de mercado no pas. Ao mesmo tempo, visando impulsionar o crescimento do PIB, incentivou-se exausto o consumo no apenas pelo crescimento da massa salarial, mas principalmente por meio do acesso ao crdito bancrio (como dissemos, nos ltimos dez anos o crdito cresceu 500%!).A vida para o consumo tornou-se um componente anmico do modo de vida just-in-time. Por isso, a era do neodesenvolvimentismo a era do capital-dinheiro, inclusive em sua forma mais fetichizada: o capital fictcio. Nesses termos, expanso da forma-mercadoria principalmente em sua forma mais fetichizada o capital fictcio, caracterizou os dez anos de Lula e Dilma como sendo um choque do capitalismo com claros impactos na vida social, padro de sociabilidade e formas de subjetivao das massas urbanas.Portanto, o ethos neodesenvolvimentista impulsionou nas massas urbanas carentes de modernidade salarial (indivduos monetrios sem dinheiro, como diria Robert Kurz), a perspectiva de insero salarial, na medida em que crescimento da economia e expanso do emprego e consumo de massas so ingredientes sociometablicos dos sonhos, anseios e expectativas de mercado (o prprio termo neodesenvolvimentismo carrega, em si, a ideologia expectante do projeto burgus como projeto de civilizao).Ao mesmo tempo, o choque de capitalismo neodesenvolvimentista exps paradoxos da ordem burguesa hipertardia: por um lado, resgatou a coisa pblica, mas, por outro lado, deu-lhe forma empresarial estranha sua constituio republicana, privilegiando o ethos de mercado. Apesar do crescimento do gasto pblico em programas sociais de combate pobreza, aprofundaram-se as deficincias estruturais na sade e educao pblica (por conseguinte, a era do neodesenvolvimentismo a era da expanso dos planos de sade privados e escolas e universidades privadas).No plano do metabolismo social, o cotidiano dos indivduos monetrios seduzidos pelo choque de capitalismo permeado de necessidades sociais por conta da degradao da qualidade de vida nas metrpoles e carecimentos radicais de homens em completo esvaziamento (Marx) por conta da corroso dos espaos pblicos de sociabilidade e precarizao do trabalho em sua dimenso existencial que reduz tempo de vida a tempo de trabalho.A era do neodesenvolvimentsmo marcada pela expanso das drogas licitas e ilcitas e das fugas grotescas falta de uma vida plena de sentido. Do consumo de crack e cocana ao consumo do lcool, passando pelo consumismo desenfreado e prtica do sexo como dessublimao repressiva (Marcuse); e do boom das igrejas evanglicas que absorvem as classes populares, s filosofias da Nova Era de cariz ps-modernistas, que seduzem as classes mdias, temos elementos mltiplos dos carecimentos espirituais que caracterizam a barbrie social nas condies do estranhamento em sua dimenso ampliada.Na verdade, o neodesenvolvimentismo no alterou e nem poderia alterar a lgica da indstria cultural oligopolizada e dependente. Pelo contrrio, a sociedade brasileira uma sociedade alienada de seus meios de comunicao de massa impregnados por interesses da oligarquia financeira que cultiva, das classes populares classe mdia, a alienao cultural, manipulando cotidianamente, por meio das imagens, a subjetividade das massas urbanas.A era do neodesenvolvimentismo a era do boom dos canais de televises a cabo cujos contedos culturais dos programas transmitidos, disseminam exausto valores de mercado. Dez anos de Lula e Dilma aprofundaram a imbecilizao cultural da sociedade brasileira, deformada espiritualmente pelos espetculos da bizarrice social (dos reality shows aos noticirios de sensacionalismo policial). No plano cultural, o neodesenvolvimentismo no conseguiu romper com o aprofundamento da deformao cultural das massas levado a cabo pela ditadura militar e neoliberalismo. Deste modo, o neodesenvolvimentismo com o choque do capitalismo hipertardio contribuiu para aprofundar as deformaes espirituais da civilizao burguesa no Brasil.A corroso dos espaos pblicos, espaos de formao da cidadania ativa, tornou-se um trao persistente do capitalismo flexvel no Brasil. claro que, desde o modelo nacional-desenvolvimentista de cariz autocrtico-militar, passando pelo neoliberalismo, percebe-se a corroso dos espaos pblicos. A sociedade brasileira uma sociedade sitiada pela lgica privatista que contamina principalmente a dimenso da automobilidade no pas. A crise do transporte pblico um exemplo da corroso da coisa pblica. A lgica do automvel, o carro privado, aprofundou a crise da mobilidade urbana. A organizao do espao urbano ocorreu sob o primado do carro privado.O neodesenvolvimentismo no alterou a alienao do espao pblico, no ocorrendo nos dez anos de choque capitalista no pas, mudanas significativas nos espaos urbanos que ampliassem a esfera de circulao e consumo pblico (at os estdios de futebol, tornados arenas privadas padro FIFA, alienam o povo brasileiro do esporte mais popular do pas). impressionante o acmulo de carros privados nas cidades brasileiras. O problema da mobilidade urbana tornou-se um problema crucial do metabolismo social contribuindo para o estresse de trajeto, um dos traos da precarizao existencial como precarizao do trabalho.Nos dez anos de Lula e Dilma cresceu de modo exponencial a frota de carros privados no pas. A produo de automveis, com incentivos do governo federal, aumentou extraordinariamente (em 2003, foram produzidos 1,7 milho de automveis, veculos leves, nibus e caminhes; em 2011, este nmero subiu para 3,4 milhes).Mas o cerceamento dos espaos de sociabilidade pblica ocorreu inclusive no plano da convivncia social, com a presena crescente nos ambientes de encontros sociais, como barzinhos, etc, de imensas telas planas com o dilvio de imagens-fetiches que assolam o cotidiano do lazer. Ao mesmo tempo, apesar do programa de casas populares Minha Casa Minha Vida, o neodesenvolvimentismo contribuiu para o boom dos negcios da construo civil e a expanso da especulao imobiliria com os condomnios residenciais nas metrpoles reduzem as reas comuns, expem a recluso solitria do habitat de classe mdia.Finalmente, last but not least, no plano do mercado, com o neodesenvolvimentismo como choque de capitalismo, impulsionou-se o aumento da concorrncia e presso entre os trabalhadores assalariados, principalmente os mais escolarizados. A frustrao das expectativas entre os mais escolarizados exps a nova camada social do proletariado: o precariado. Nos locais do trabalho reestruturado, temos o trip semntico da explorao e espoliao do trabalho vivo que caracteriza o capitalismo flexvel: concorrncia, metas e presso, que contribui, ao lado do modo de vida just-in-time, para o desvelamento da precarizao existencial como nova dimenso da precarizao do trabalho.Na verdade, a loucura da forma-mercadoria impulsionada na era do neodesenvolvimentismo se introjetou na subjetividade mente e corpo do homem-que-trabalha, adoecendo, nos locais de trabalho reestruturados, personalidades singulares expostas insalubridade do modo de vida just-in-time. Enfim, cresceram os adoecimentos laborais, principalmente transtornos mentais, nas mais diversas camadas sociais do proletariado brasileiro principalmente nas camadas assalariadas mdias expostas diretamente ao modo de vida just-in-time. o que explica, nos ltimos dez anos, por exemplo, os lucros exorbitantes da indstria farmacutica com seus medicamentos tarja preta.Esta , portanto, uma dimenso oculta da precarizao do trabalho no Brasil. Apesar dos inegveis mritos nas polticas distributivistas para as camadas pobres da populao brasileira, o neodesenvolvimentismo como novo choque de capitalismo na terceira modernidade brasileira, promoveu a precarizao existencial que, em si e para si, como precarizao do trabalho, o lado perverso da precarizao do sujeito humano como sujeito capaz de prxis histrica.