Nefro - Medicina Pror Medcurso Residencia ITU Nao Complicada Em Mulheres

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Texto de revisão Cerca de 11% das mulheres relatam ter apresentado infecção do trato urinário (ITU) durante o último ano e mais da metade de todas as mulheres apresentam pelo menos um episódio de ITU na vida. A maioria das infecções do trato urinário baixo (ou cistite bacteriana aguda) transcorre sem complicação ou seja, não se associam a sinais e sintomas de ITU alta (febre, calafrios, dor lombar) ou a outros fatores de risco para ITU alta ou complicada (diabetes, gravidez, imunossupressão, pielonefrite prévia, sintomas há mais de 14 dias ou anormalidades anatômicas do trato urinário). Após uma infecção inicial, a maioria das mulheres apresenta recorrências esporádicas e 25-50% têm outra infecção dentro de um ano. De 3% a 5% apresentam infecções urinárias recorrentes ou seja, infecções sintomáticas após a resolução clínica de um episódio prévio, geralmente (mas não necessariamente) após tratamento. Escherichia coli causa 75-90% dos episódios de ITU baixa sem complicação e o Staphylococcus saprophyticus , 5-15%, principalmente nas mulheres mais jovens. Os Enterococos e outros bacilos Gram- negativos, como Klebsiella e Proteus mirabilis, são isolados no restante dos casos. A probabilidade de cistite em um atendimento ambulatorial de uma mulher com disúria, urgência urinária ou hematúria macroscópica é de cerca de 50%. Sintomas de vaginite ou cervicite, como corrimento ou irritação vaginal, reduzem a probabilidade de cistite em 20%. Uma combinação específica de sintomas (p. ex., disúria e urgência sem irritação ou corrimento vaginal) aumenta a probabilidade de cistite a mais de 90%. Quando uma mulher que já teve cistite apresenta sintomas que sugerem recorrência, há uma chance de 84 a 92% de infecção. Os principais fatores de risco para ITU aguda em mulheres jovens são: história de episódios prévios e atividade sexual recente ou freqüente. Celibatárias raramente têm cistite. O uso de espermicidas aumenta a chance de infecção por E. coli ou S. saprophyticus em duas a três vezes. Entre as mulheres idosas que vivem em instituições, o risco de ITU aumenta com a idade, especialmente naquelas com dificuldade de esvaziamento da bexiga ou má higiene perineal (p. ex., doença neurológica ou demência). A deficiência de estrogênio também pode contribuir. Entre as mulheres saudáveis menopausadas, a atividade sexual é um preditor de ITU menos importante. As diabéticas dependentes de tratamento farmacológico correm risco dobrado de ITU em relação às não diabéticas. Nessa faixa etária, a recorrência de ITU é mais provável em mulheres com cistocele ou incontinência urinária ou que tenham sido submetidas à cirurgia genitourinária. A presença de piúria no EAS tem alta sensibilidade (95%) e baixa especificidade (71%) para infecção. A presença de bactérias no exame microscópico é menos sensível, mas é mais específica (40-70% e 85-95%, respectivamente, dependendo do número de bactérias). As fitas para avaliação urinária (dipstick) são um método mais barato, mais rápido e mais conveniente que o EAS e a urocultura. As tiras têm maior acurácia quando a presença de nitrito ou de leucócito esterase é considerada como um resultado positivo, proporcio- nando sensibilidade de 75% e especificidade de 82%. Definido dessa forma, um exame de tira positivo indica que a probabilidade de infecção é 25% maior que a probabilidade pré-teste e um exame negativo indica que ela é 25% menor. A maioria das pacientes com sintomas consistentes e um exame de tira positivo, pode ser tratada sem necessidade de urocultura, a não ser que haja qualquer dos fatores associados a ITU complicada ou alta. Um exame da tira negativo não pode, entretanto, descartar confiavelmente uma infecção quando a probabilidade pré-teste é alta e, nesses casos, recomenda-se a urocultura. A cultura também está indicada para identificar microrganismos incomuns ou resistentes em mulheres cujos sintomas não melhoram em duas a quatro semanas após o fim do tratamento. História clínica Fatores de risco Exames diagnósticos Infecção urinária aguda não complicada em mulheres Por: Ddo. Vitor de Mello Netto Dr. Luiz André Fernandes Adaptado de: N Egl J Med 2003;349:259-66. 1 CURSO PRÓ-R

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Page 1: Nefro - Medicina Pror Medcurso Residencia ITU Nao Complicada Em Mulheres

Texto de revisão

Cerca de 11% das mulheres relatam ter apresentado infecção do trato urinário (ITU) durante o último ano e mais da metade de todas as mulheres apresentam pelo menos um episódio de ITU na vida.

A maioria das infecções do trato urinário baixo (ou cistite bacteriana aguda) transcorre sem complicação ou seja, não se associam a sinais e sintomas de ITU alta (febre, calafrios, dor lombar) ou a outros fatores de risco para ITU alta ou complicada (diabetes, gravidez, imunossupressão, pielonefrite prévia, sintomas há mais de 14 dias ou anormalidades anatômicas do trato urinário). Após uma infecção inicial, a maioria das mulheres apresenta recorrências esporádicas e 25-50% têm outra infecção dentro de um ano. De 3% a 5% apresentam infecções urinárias recorrentes ou seja, infecções sintomáticas após a resolução clínica de um episódio prévio, geralmente (mas não necessariamente) após tratamento.

Escherichia coli causa 75-90% dos episódios de ITU baixa sem complicação e o Staphylococcus saprophyticus, 5-15%, principalmente nas mulheres mais jovens. Os Enterococos e outros bacilos Gram-negativos, como Klebsiella e Proteus mirabilis, são isolados no restante dos casos.

A probabilidade de cistite em um atendimento ambulatorial de uma mulher com disúria, urgência urinária ou hematúria macroscópica é de cerca de 50%. Sintomas de vaginite ou cervicite, como corrimento ou irritação vaginal, reduzem a probabilidade de cistite em 20%. Uma combinação específica de sintomas (p. ex., disúria e urgência sem irritação ou corrimento vaginal) aumenta a probabilidade de cistite a mais de 90%. Quando uma mulher que já teve cistite apresenta sintomas que sugerem recorrência, há uma chance de 84 a 92% de infecção.

Os principais fatores de risco para ITU aguda em mulheres jovens são: história de episódios prévios e atividade sexual recente ou freqüente. Celibatárias raramente têm cistite. O uso de espermicidas aumenta a chance de infecção por E. coli ou S. saprophyticus em duas a três vezes.

Entre as mulheres idosas que vivem em instituições, o risco de ITU aumenta com a idade, especialmente naquelas com dificuldade de esvaziamento da bexiga ou má higiene perineal (p. ex., doença neurológica ou demência). A deficiência de estrogênio também pode contribuir. Entre as mulheres saudáveis menopausadas, a atividade sexual é um preditor de ITU menos importante. As diabéticas dependentes de tratamento farmacológico correm risco dobrado de ITU em relação às não diabéticas. Nessa faixa etária, a recorrência de ITU é mais provável em mulheres com cistocele ou incontinência urinária ou que tenham sido submetidas à cirurgia genitourinária.

A presença de piúria no EAS tem alta sensibilidade (95%) e baixa especificidade (71%) para infecção. A presença de bactérias no exame microscópico é menos sensível, mas é mais específica (40-70% e 85-95%, respectivamente, dependendo do número de bactérias). As fitas para avaliação urinária (dipstick) são um método mais barato, mais rápido e mais conveniente que o EAS e a urocultura. As tiras têm maior acurácia quando a presença de nitrito ou de leucócito esterase é considerada como um resultado positivo, proporcio-nando sensibilidade de 75% e especificidade de 82%. Definido dessa forma, um exame de tira positivo indica que a probabilidade de infecção é 25% maior que a probabilidade pré-teste e um exame negativo indica que ela é 25% menor.

A maioria das pacientes com sintomas consistentes e um exame de tira positivo, pode ser tratada sem necessidade de urocultura, a não ser que haja qualquer dos fatores associados a ITU complicada ou alta. Um exame da tira negativo não pode, entretanto, descartar confiavelmente uma infecção quando a probabilidade pré-teste é alta e, nesses casos, recomenda-se a urocultura. A cultura também está indicada para identificar microrganismos incomuns ou resistentes em mulheres cujos sintomas não melhoram em duas a quatro semanas após o fim do tratamento.

História clínica

Fatores de risco

Exames diagnósticos

Infecção urinária aguda não complicada em mulheres

Por: Ddo. Vitor de Mello NettoDr. Luiz André FernandesAdaptado de: N Egl J Med 2003;349:259-66.

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A acurácia dos achados de uma amostra de urina de meio de jato, bem colhida, depende de como uma cultura positiva é definida. Quando é aplicado o critério tradicional de 100.000 bactérias por ml, a especifici-dade é alta, mas a sensibilidade é de 50%. Ao diminuir o limiar para 1.000 bactérias/ml nos casos de mulheres com sintomas de ITU, a sensibilidade aumenta bastante, com redução mínima da especificidade.

Um esquema de três dias de Trimetoprima–Sulfametoxazol na dose de 160/800mg, resulta em cura bacteriológica (erradicação dos patógenos da urina) em 7 dias após o início do tratamento em 94% das mulheres. Esquemas mais longos (7 a 10 dias) não são mais efetivos na erradicação da infecção ou na prevenção de recorrências e têm maior taxa de efeitos colaterais (30% contra 18%). O tratamento em dose única é um pouco menos eficaz que o esquema de 3 dias, com erradicação da infecção em 87% das pacientes, mas apresenta menor taxa de efeitos colaterais (11% contra 18%). A eficácia do Trimetoprim é similar independente de estar associada ou não ao Sulfametoxazol e pode ser prescrita para pacientes alérgicos à sulfa. Entretanto, o Trimetoprim pode causar hipersensi-bilidade e erupções cutâneas atribuídos erroneamente à sulfa.

Em alguns lugares, a resistência a SMZ-TMP é detectada em até 18% dos patógenos isolados de uroculturas de mulheres com cistite aguda, principalmente daquelas que usaram esse fármaco nos 6 meses anterio-res. Há quem recomende SMZ-TMP apenas se a paciente não tiver alergia conhecida, se não tiver usado antibióticos recentemente e se a prevalência local de microrganismos isolados da urina for abaixo de 15-20%. Entretanto, uma vez que pelo menos 50% das mulheres infectadas com um organismo resistente são curadas com SMZ-TMP, pode-se esperar uma taxa geral de cura clínica e microbiológica de 80-85%, mesmo quando a prevalência de resistência se aproxime de 30%.

A eficácia da Ofloxacina é igual ou superior à da SMT-TMP. É provável que outras quinolonas apresentem eficácia similar, mas nenhuma droga dessa classe pode ser considerada de primeira linha devido ao seu custo muito maior e à preocupação quanto ao desenvolvimento de resistência. Quando SMZ-TMP está contra-indicada, uma boa alternativa é um esquema de 3 dias de Ciprofloxacina, Levofloxacina, Norfloxacina, Lomefloxacina ou Gatifloxacina. As fluoroquinolonas são ativas contra S. saprophyticus e a maioria dos Gram-negativos uropatogênicos, mas apenas contra 60-70% dos Enterococos. A Moxifloxacina não alcança concentrações urinárias adequadas e não deve ser usada.

Embora menos de 5% dos isolados sejam resistentes a Nitrofurantoína, ela é consideravelmente menos ativa que SMZ-TMP ou que as fluoroquinolonas contra bacilos Gram-negativos aeróbios que não E. Coli e não atua contra Proteus e Pseudomonas. Além disso, ela geralmente é prescrita em esquema de 7 dias e causa irritação intestinal. A Nitrofurantoína pode vir a assumir um papel mais importante se a resistência a fluoroquinolonas continuar a crescer ou se esquemas mais curtos de Nitrofurantoína se provarem eficazes.

O uso de beta-lactâmicos deve ser evitado devida à freqüente resistência a esses agentes e a baixas taxas de cura. Amoxacilina–Clavulanato pode ser algo mais ativa, mas geralmente não é recomendada devido ao alto custo e aos efeitos intestinais adversos.

Mais de 90% das mulheres têm alívio dos sintomas de ITU em 72 horas após o início da terapia antimicrobiana. Para algumas mulheres com disúria grave, o uso de fenazopiridina por um ou dois dias pode reduzir os sintomas. Como esse composto é vendido sem necessidade de receita médica, há a preocupação de que algumas das mulheres que o utilizem para disúria não procurem orientação médica. Os efeitos adversos incluem irritação gastrintestinal, cefaléia, erupção cutânea, hemólise (em pacientes com deficiência de G6PD) e, raramente, nefrotoxicidade.

Tratamento

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E x i s t e m p r e d i t o r e s confiáveis para a falência do tratamento para ITU aguda?

Qual é a melhor terapia para ITU aguda não complicada?

Estrogênio exógeno é efetivo na prevenção de ITU recorrente em mulheres menopausadas?

Não.10-20% das mulheres terão novo episódio em poucos meses.Em alguns casos a recorrência resulta da falha em erradicar a infecção original, mas a maioria resulta da re-infecção pela mesma cepa, que persiste na flora vaginal ou fecal.

São necessários estudos para avaliar a eficácia de esquemas mais curtos de Nitrofurantoína (3 a 5 dias) ou de fluoroquinolonas em relação a TMP-SMZ. Os padrões de resistência antimicrobiana tornaram-se de difícil registro devido ao uso comum da terapia empírica.

A reversão da atrofia da mucosa genitourinária e a restauração de um meio mais normal na vagina, p o d e r i a m p r e v e n i r a recorrência de cistite.

Embora estudos tenham sugerido um benefício associado à reposição oral de estrogênio, atualmente não há base para a sua prescrição para a prevenção de ITU recorrente. O uso de creme de estriol tópico por mulheres menopausadas parece diminuir a ocorrência de ITU, porém, estudos controlados ainda são n e c e s s á r i o s p a r a confirmação.

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Pielonefrite aguda não complicada

Seguimento e avaliação

Infecções recorrentes

Mulheres saudáveis, não grávidas, que apresentam sinais ou sintomas de pielonefrite aguda (incluindo febre, calafrios e dor lombar) podem ser tratadas ambulatorialmente, se não apresentarem fatores associados a ITU alta ou complicada ou sinais de toxicidade sistêmica. Devem ser capazes de tomar medicações por via oral e ser acompanhadas rigorosamente. Para essas pacientes, recomenda-se um esquema de 14 dias de uma fluoroquinolona ou de SMZ-TMP, se o microrganismo for sensível. Amoxacilina ou Amoxacilina–Clavulanato são boas alternativas para infecções causadas por microrganismos Gram-positivos. Mulheres com pielonefrite aguda que não preenchem esses critérios devem ser tratadas no hospital com antibióticos por via parenteral, pelo menos inicialmente.

Um acompanhamento de rotina, incluindo urocultura, geralmente é desnecessário após o tratamento de ITU, mesmo entre mulheres com recorrências esporádicas, a não ser que os sintomas não melhorem. Não há razão para a solicitação de exames de imagem (USG, TC, pielografia) ou cistoscopia na maioria dos casos, já que esses exames raramente revelam uma anormalidade corrigível sem que haja outras indicações, como hematúria persistente.

Mulheres que apresentam infecções recorrentes e estão expostas a espermicidas vaginais devem considerar outros métodos de contracepção ou proteção contra DST. As profilaxias contínuas e pós-coito com antibióticos em baixa dose e o auto-tratamento intermitente são efetivos na prevenção de ITU recorrente. A profilaxia não deve ser iniciada até que a erradicação de uma infecção ativa seja confirmada por uma urocultura negativa pelo menos 2 semanas após o fim do tratamento.

A profilaxia contínua (uma dose diária à noite) é uma opção para mulheres que tiveram 2 ou mais infecções sintomáticas num período de 6 meses, ou 3 ou mais num período de 1 ano. Ensaios clínicos randomizados controlados revelaram que a profilaxia contínua com Nitrofurantoína, TMP (com ou sem SMZ), Cipro ou Norfloxacina diminui as recorrências em 95% e pode prevenir a pielonefrite. A profilaxia geralmente é iniciada, como um teste, por 6 meses, mas é mantida com segurança e eficácia por 2 a 5 anos, sem a emergência de resistência bacteriana.

A profilaxia pós-coito pode ser útil para mulheres que descrevam uma relação clara entre a atividade sexual e a subseqüente ITU. A redução na freqüência de recorrências com o uso de Nitrofurantoína, TMT-SMZ ou uma fluoroquinolona é similar à da profilaxia contínua.

O autotratamento pode ser empregado no lugar da profilaxia. Muitas mulheres podem diagnosticar por si mesmas uma cistite recorrente e serem instruídas a iniciar 3 dias de antibiótico ao início dos sintomas. Elas devem ser instruídas a procurar atendimento médico se os sintomas não melhorarem em 48-72 horas após o fim do esquema.

Vários estudos indicam que urinar após o coito não previne a cistite. Também não há evidências de que a má higiene predisponha a mulher a infecções recorrentes e não há embasamento para o médico instruir a mulher a respeito da freqüência urinária, do tempo de esvaziamento, de padrões de uso de papel higiênico/toalhas, de duchas, uso de banhos quentes ou de meia-calça.

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Uma vez que a cistite é comum e, na maioria das vezes , re la t ivamente benigna, o tratamento d e v e s e r s e g u r o , conveniente e barato.

Em muitos casos, cistite aguda não complicada pode ser tratada com segurança, baseado na história clínica, com um curso de três dias de TMP-SMZ.Entretanto, esta recomendação está sujeita à modificação caso as fluoroquinolonas mostrem resultados superiores em r e g i õ e s e m q u e a resistência a TMP-SMZ for comum.Mulheres com recorrências freqüentes devem ser orientadas a evitar exposição aos espermicidas vaginais e a u t i l i z a r m é t o d o s p r o f i l á t i c o s o u d e autotratamento.Estudos de imagem devem ser reservados para pacientes c o m i n f e c ç õ e s complicadas.