NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO …
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ADRIANA COSER GUTIÉRREZ
NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO
TERRITÓRIO-ESCOLA MANGUINHOS
Análise sob a perspectiva do apoio matricial
CAMPINAS
2014
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Universidade Estadual de Campinas
Faculdade de Ciências Médicas
ADRIANA COSER GUTIÉRREZ
NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA DO TERRITÓRIO-ESCOLA MANGUINHOS
Análise sob a perspectiva do apoio matricial
Orientador: PROF. DR. GASTÃO WAGNER DE SOUZA CAMPOS
Tese de Doutorado a ser apresentada à Banca de Exame de Defesa do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do título de Doutora em Saúde Coletiva. Área de concentração: Política, Planejamento e Gestão em Saúde.
Este exemplar corresponde à versão final da tese defendida pela aluna ADRIANA COSER GUTIÉRREZ e orientada pelo PROF. DR. GASTÃO WAGNER DE SOUZA CAMPOS
_______________________________________
Assinatura do Orientador
CAMPINAS 2014
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Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca da Faculdade de Ciências Médicas Maristella Soares dos Santos - CRB 8/8402
G985n Gutiérrez, Adriana Coser, 1976- GutNúcleo de apoio à saúde da família do Território Escola Manguinhos : análise sob a perspectiva do apoio matricial / Adriana Coser Gutiérrez. – Campinas, SP : [s.n.], 2014.
GutOrientador: Gastão Wagner de Souza Campos. GutTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências Médicas.
Gut1. Atenção primária à saúde. 2. Brasil - Ministério da Saúde - Núcleo de Apoio à Saúde da Família. 3. Saúde da família. 4. Território Escola Manguinhos. I. Campos, Gastão Wagner de Sousa, 1952-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Ciências Médicas. III. Título.
Informações para Biblioteca Digital
Título em outro idioma: Family health care support unit at Manguinhos School Territory : an analysis on a matrix support perspective Palavras-chave em inglês:
Primary health care Brazil, Ministry of Health, Family Health Care Support Unit Family health Maguinhos School Territory Área de concentração: Política, Planejamento e Gestão em Saúde Titulação: Doutora em Saúde Coletiva Banca examinadora:
Gastão Wagner de Souza Campos [Orientador] Charles Dalcanale Tesser Daniele Sacardo Nigro Gustavo Tenório Cunha Liane Beatriz Righ Data de defesa: 29-08-2014 Programa de Pós-Graduação: Saúde Coletiva
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Dedico esta tese ao meu esposo Anderson: pela sua presença.
E ao nosso precioso filho Benjamin: por seu sorriso.
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AGRADECIMENTOS
São tantos...
Agradecimento eterno ao meu mestre orientador Gastão Wagner, pelo privilégio de ser
mais uma vez sua aluna. Valeu por tudo Gastão!!
À Rosana Onocko, pelos ensinamentos e carinho.
À banca examinadora, pela disponibilidade, atenção, carinho e contribuição.
Ao Ministério da Saúde, em especial a gestão dos amigos Alexandre Padilha e Márcia
Amaral e todos os demais colegas em que juntos estivemos nos anos de 2011 a 2013.
À minha instituição Fiocruz, que me cedeu para que eu pudesse cursar mais esta
trajetória, em particular a três pessoas amigas que me afetam muito cotidianamente e
que trazem consigo a radicalidade de inovar sempre: Nísia Trindade Lima, Antônio Ivo
de Carvalho e Elyne Engstrom.
À equipe do TEIAS Escola Manguinhos-Fiocruz pela disponibilidade.
À equipe da VPEIC-Fiocruz pelo apoio e amizade.
Aos inúmeros amigos queridos pelo apoio: Jeanete, Robertinha, Mirela, Gustavo
Tenório, Adail e Terê, Vivi, Totonho, Fabi, Ju Carneiro, Sandrinha, Leon Garcia, Tyka e
muitos outros.
À Aracelle, que carinhosamente cuidou de mim e do meu pequeno nas minhas
ausências.
E por fim, à minha família que sempre esteve na torcida, em particular ao meu saudoso
pai José Coser, e minha doce mãe Marión Irma que sempre me incentivaram nas
minhas descobertas.
E como não poderia deixar de agradecer, ao meu amado esposo Anderson que me
apoiou incondicionalmente com seu carinho.
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RESUMO
Esta pesquisa analisa o processo de trabalho do Núcleo de Apoio à Saúde da Família
(NASF), valendo-se do conceito de apoio matricial proposto por Campos. Apresenta-se
como estudo qualitativo de caráter exploratório, com base em estudo de caso da
experiência de implantação, no ano de 2010, do NASF no Território-Escola
Manguinhos, vinculado à Fundação Oswaldo Cruz e fruto da parceria com a Secretaria
Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Seu objetivo central é analisar o processo de
trabalho do NASF do Território-Escola Manguinhos, a partir da contribuição do apoio
matricial proposto por Campos (1998) sob a perspectiva de quem apoia, é apoiado e do
gestor da atenção básica. Busca conhecer, em contexto, a realidade dos trabalhadores
em saúde, de forma a observar o modo de organização proposto pela equipe do NASF,
com vistas a contribuir para aprimoramento do conhecimento no que se refere à
atenção primária e ao trabalho de equipes de saúde da família. Construiu-se o desenho
desta pesquisa após identificação dos aportes teóricos que sustentam a análise do
objeto desta investigação, assim como dos elementos que se pretende explorar e da
estratégia de análise desses materiais. Compreende-se que a metodologia de estudo
de caso proposta é estratégica para a área da gestão em saúde, por descrever em
profundidade e em detalhe o objeto em seu contexto. Logo, as estratégias para a
elaboração do material empírico são a análise histórico-estrutural do campo e do
processo de implementação do NASF, a análise documental e entrevistas
semiestruturadas aplicadas aos gestores e aos profissionais do NASF e do ESF. Para a
análise e a interpretação do material elaborado no campo, partiu-se do compromisso
com a fidedignidade à compreensão dos dados empíricos, referindo-se às relações
sociais e dinâmicas e vivas, segundo o proposto por Minayo (2002). Optou-se pela
análise hermenêutico-dialética proposta pela autora, por possibilitar o exame e
interpretação do discurso dos sujeitos entrevistados com base nas práxis. Conclui com
proposições a partir das semelhanças e contradições dos discursos dos diferentes
participantes implicados na organização do NASF Manguinhos.
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Palavras-chave: Atenção Primária. Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). Apoio
Matricial. Território-Escola Manguinhos.
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ABSTRACT
This research analyses the work process performed by the Family Health Care Support
Unit (NASF) based upon the concept of matrix support suggested by Campos. This is
presented as a qualitative study of explanatory character, based on NASF’s establishing
experience at the Manguinhos school territory case study, associated with Oswaldo
Cruz Foundation, and as a product of a partnership with Rio de Janeiro’s City Health
Secretariat. The study’s main objective is to analyze the contribution of a matriarchal
support suggested by Campos (1998) applied in NASF’s work process in the
Manguinhos school territory, by the supporter’s, supported’s and basic health care
manager’s perspective. It explores into the health care workers’ reality in context
observing the organization methods proposed by NASF, focusing on the improvement of
knowledge on primary health care and family health care team work. The research’s
design occurred with the identification of theoretical contributions that give foundation to
the investigation’s object analysis, the elements about to be explored and the materials
analysis strategy. It is understood that the case study method suggested is strategic to
the health care management field for its depth on object’s description and detail, in
context. Therefore empiric material consists of NASF’s establishing process and the
field’s structural-historical analysis, documents’ and semi-structured interviews done to
management and NASF’s and ESF’s crew analysis. The analysis and interpretation of
field generated material was committed to reliability on empirical data’s comprehension,
concerning social and dynamic and alive relations, according to Minayo (2002). An
hermeneutic-dialectic analysis was chosen as suggested by the author, for the reason
that it makes possible to consider and interpret the interviewed subjects’ speech, praxis
based. The conclusion comprises the participants’ different speeches in resemblance
and contradictions within Manguinhos NASF.
Keywords: Primary Health Care Services. Family Health Care Support Unit (NASF).
Matrix Support. Manguinhos School-Territory.
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SUMÁRIO
MOTIVAÇÕES E JUSTIFICATIVA ................................................................................................................. 1
APRESENTAÇÃO E INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 3
1. REFERENCIAIS TÉORICOS PARA O NASF ............................................................................................ 9
1.1 Atenção básica pela Estratégia de Saúde da Família no município do Rio de Janeiro ....................... 9
1.2 O Apoio Matricial como perspectiva de análise para o NASF: um caminho para a organização do
processo de trabalho.......................................................................................................................... 13
1.3 O Núcleo de Apoio à Saúde da Família .......................................................................................... 19
2. ABORDAGEM METODOLÓGICA .......................................................................................................... 27
2.1 Definição dos objetivos ................................................................................................................ 27
2.1.1 Objetivo geral ........................................................................................................................ 27
2.1.2 Objetivos específicos ............................................................................................................. 27
2.2 Desenho da pesquisa .................................................................................................................... 27
2.3 Formalização do estudo e considerações éticas ............................................................................ 29
2.4 Definição dos participantes .......................................................................................................... 30
2.5 O objeto da pesquisa como campo: NASF Manguinhos ................................................................. 30
2.6 Material de campo ....................................................................................................................... 33
2.7 Análise e interpretação do campo pela hermenêutica-dialética .................................................... 35
3. RESULTADOS ...................................................................................................................................... 37
3.1 Contexto: TEIAS-Escola Manguinhos e suas características ........................................................... 37
3.1.1 Perfil sociodemográfico ......................................................................................................... 38
3.1.2 Estrutura e situação de saúde ................................................................................................ 45
3.2 O contexto do NASF Manguinhos sob o olhar da pesquisadora ..................................................... 50
xvi
3.3 Análise das entrevistas: o discurso dos sujeitos implicados com o NASF ....................................... 52
3.4 Identificação geral dos entrevistados............................................................................................ 54
3.5 Primeiro Núcleo Temático de Análise: Implantação do NASF Manguinhos e a gestão do trabalho. 56
3.5.1 Categoria de análise: NASF Manguinhos: a que se destina? ................................................... 56
3.5.2 Categoria de análise: Apoio da gestão para organização do NASF .......................................... 58
3.6 Segundo Núcleo Temático de Análise: O processo de trabalho do NASF e sua relação com as
equipes. Concepções teóricas, práticas dominantes da gestão, NASF e ESF sobre apoio matricial....... 61
3.6.1 Categoria de análise: Referenciais organizativos para o apoio matricial: como ocorre na
prática? .......................................................................................................................................... 61
3.6.2 Categoria de Análise: Percepção da avaliação do NASF para si, para a ESF apoiada e para a
rede local de saúde. ....................................................................................................................... 78
3.7 Síntese dos resultados com base nos núcleos temáticos e categorias de análise ........................... 82
4. DISCUSSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 89
5. REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................... 99
ANEXOS ............................................................................................................................................... 103
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACS Agente Comunitário de Saúde
APS Atenção Primária em Saúde
CAP Coordenação de Área Programática
CEP Comitê de Ética e Pesquisa
CLT
CSEGSF
Consolidação das Leis Trabalhistas
Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria
ENSP Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca
ESF Estratégia de Saúde da Família
FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz
FIOTEC Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde
IPP Instituto Pereira Passos
MS Ministério da Saúde
NASF Núcleo de Apoio à Saúde da Família
OSS Organização Social de Saúde
PAC Programa de Aceleração do Crescimento
PNAB Política Nacional de Atenção Básica
PTS Projeto Terapêutico Singular
RJ Rio de Janeiro
SIAB Sistema de Informação da Atenção Básica
SIC Advérbio latino que indica a reprodução exata do que foi dito
SISREG Sistema Nacional de Regulação
SMS Secretaria Municipal de Saúde
SUS Sistema Único de Saúde
TCLE Termo de Consentimento e Livre Esclarecimento
TEIAS Território-escola Manguinhos
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
UPA
UPP
Unidade de Pronto-Atendimento
Unidade de Polícia Pacificadora
VD Visita Domiciliar
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LISTA DE FIGURAS
Pág.
Figura 1: Mapa de Manguinhos 39
Figura 2: Estação de Manguinhos e canal do cunha 41
Figura 3: Moradias irregulares 42
Figura 4: Estação Manguinhos-PAC 42
Figura 5: Clínica da Família Victor Valla 44
Figura 6: CSEGSF 44
Figura 7: Mapa de adscrição geográfica das UBS Manguinhos 45
Figura 8: Ação de Implantação da UPP Manguinhos 49
Figura 9: Base móvel da UPP Manguinhos 50
xx
xxi
LISTA DE QUADROS
Pág.
Quadro 1: Comparativo entre NAISF e NASF 23
Quadro 2: Perfil profissional e carga horária do NASF Manguinhos 32
Quadro 3: Perfil profissional dos entrevistados 55
Quadro 4: Síntese dos resultados com base nos Núcleos Temáticos e
Categorias de Análise 82
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MOTIVAÇÕES E JUSTIFICATIVA
Minha motivação para investigar o tema Núcleo de Apoio à Saúde da Família
(NASF) e repensar formas de organizar o processo de trabalho em saúde, em especial
junto aos trabalhadores da atenção básica, revelou-se nos estudos iniciados na
dissertação do mestrado (COSER GUTIÉRREZ, 2008). Na ocasião, pesquisei a
aplicação teórico-prática do Método Paideia (CAMPOS, 2000) como filtro de análise
para estudar nova política na atenção básica no Estado do Rio de Janeiro. Priorizei
investigar a coprodução dos sujeitos implicados nesse processo de construção de uma
nova política.
Após 17 anos de atuação no Sistema Único de Saúde (SUS), em diversos
campos de práticas – na gestão municipal, estadual e federal, assim como em
experiências docentes – identifico o privilégio de realizar este doutorado sob a
orientação do Professor Gastão Wagner, autor de referenciais teóricos importantes que,
nesta tese, inspiraram-me a realiza-la. Utilizarei em especial sua contribuição sobre o
apoio matricial como metodologia para trabalho no NASF.
Reconheço que há também um sentido especial em poder realizar esta
pesquisa no município do Rio de Janeiro, estado em que fui gestora em um período de
retomada pela consolidação do SUS e, sobretudo, da atenção básica. Devo destacar
também o sedutor desafio de pesquisar no contexto do território de Manguinhos, que
acolhe a instituição Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da qual sou servidora.
Há evidências de que, na atual formação dos trabalhadores, seja da gestão
ou da atenção básica, ainda são poucas as ofertas institucionais para uma clínica
ampliada e compartilhada. Dificilmente, por si mesmo, esses profissionais conseguem
desenvolver mecanismos de coprodução em suas práticas cotidianas.
Nos últimos anos, nota-se um esforço para ampliação da atenção básica,
observado principalmente por quatro recentes iniciativas do Ministério da Saúde: a
revisão da Política Nacional de Atenção Básica (BRASIL, 2011a); o Programa de
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Valorização do Profissional da Atenção Básica (BRASIL, 2011b); o Mais Médicos
(BRASIL, 2013); e o Requalifica UBS (BRASIL, 2011c). Agrega-se ainda a essas
iniciativas a divulgação, em 2008, pela Organização Mundial da Saúde, do relatório
denominado “Atenção Primária em Saúde: Agora Mais do que Nunca”, que reforça a
necessidade de renovação substancial da atenção primária no centro dos sistemas de
saúde, após amplo debate sobre a sistematização da APS na atualiadade. Trata-se de
uma preocupação dos gestores e pesquisadores do tema no que tange à necessidade
de qualificação dos mecanismos de organização do processo de trabalho. Em razão
disso, se faz emergente o propósito desta pesquisa: investigar novos mecanismos de
qualificação e fortalecimento no campo da atenção básica em saúde.
No caso desta tese, o foco específico é buscar a compreensão dos
referenciais que estruturam a organização do Núcleo de Apoio à Saúde da Família
(NASF), serviço vinculado diretamente à atenção básica.
Segue-se ainda o expressivo número de pesquisas e artigos relacionados ao
tema NASF, apesar de ser recente a incorporação desse serviço como estratégia
nacional. Neste estudo de caso, estudei a implementação da atenção básica e do
NASF, a partir de 2010, na área circunscrita do Território-Escola Manguinhos, local de
cogestão entre a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS-RJ) e a
Fiocruz.
Apesar dos desafios organizativos, o TEIAS-Escola Manguinhos configura-
se, atualmente, como importante campo de experimentações que alia ensino, pesquisa
e serviço, destacando-se as parcerias com o Ministério da Saúde (MS) para
qualificação do NASF em todo o território nacional. Decorre daí a justificativa de
acompanhamento deste processo de forma a contribuir para maior aprofundamento
teórico-prático, visando atender gestores, trabalhadores e pesquisadores implicados no
campo e em outros serviços análogos.
3
APRESENTAÇÃO E INTRODUÇÃO
É nótoria a necessidade de consolidação do SUS face aos inúmeros desafios
a serem superados. Podemos destacar, dentre alguns, a necessária articulação entre
os serviços dos distintos níveis de atenção que, todavia, seguem organizados e
financiados de modo que não facilitam a dinâmica sistêmica.
Sabe-se que a atenção primária (APS) é base constitutiva nos países que
adotam sistemas de saúde de caráter universal, compondo assim a centralidade das
agendas políticas de saúde. Giovanella (2006, p.961), ao examinar as funções do
primeiro nível de atenção à saúde nos países da União Europeia e analisar as reformas
organizacionais da atenção ambulatorial que objetivaram melhor coordenação dos
cuidados, observa que, nesses países, a APS foi posta como coordernadora da
atenção à saúde. A autora ainda descreve a “progressiva interdependência entre níveis
de atenção e serviços, decorrente da crescente relevância das doenças crônicas,
apontando deste modo a necessidade de um trabalho em rede”.
No contexto atual do Brasil, podemos afirmar que a atenção básica, na tentativa
de apresentar-se como reorientadora do modelo de atenção (BRASIL, 2011a), busca,
no entanto, configurar-se como um dos centros do debate sobre os desafios para o
fortalecimento do SUS.
Para Starfield (2002), a atenção básica desempenha papel diferenciado dos
demais níveis de atenção à saúde em função das características clínicas dos pacientes
e de seus problemas. Essas características incluem a variedade de diagnósticos dos
problemas observados, um componente identificável dedicado à prevenção das
doenças, e a alta proporção de pacientes já conhecidos na unidade de saúde.
A Atenção Básica questiona as práticas tradicionais em saúde ao perceber e
lidar com problemas comuns, mas nem sempre estruturados, em função de fatores que,
por vezes, extrapolam o conceito restrito de saúde – como é o caso da desnutrição
infantil, da gravidez na adolescência, da tuberculose e da violência, dentre outros, todos
4
permeados por dimensões subjetivas que nos afetam dado o contexto social dos
sujeitos.
Starfield (2002) concebe a atenção básica como prática que lida com os
problemas mais comuns e menos definidos, geralmente em unidades comunitárias, tais
como consultórios, centros de saúde, escolas e lares. Desse modo, os pacientes têm
acesso direto a uma fonte de atenção para diversos problemas, a qual deverá ser
continuada ao longo do tempo e incluir a necessidade de serviços preventivos. A autora
ainda nos traz outras diretrizes, como o fato de a atenção básica ser o acesso principal
do usuário ao sistema, ser coordenadora do cuidado em saúde e constituir a garantia
longitudinal do cuidado integral.
Foi somente no ano de 2006 que o Ministério da Saúde (MS), por meio da
Portaria nº 648, revisada em 2011 (Portaria nº 2.488), definiu uma Política Nacional de
Atenção Básica de Saúde. Foi proposto um conjunto de recomendações para a
organização da atenção básica com base na definição das competências dos entes
federados e tendo a Estratégia de Saúde da Família (ESF) como reorientadora do
modelo assistencial segundo princípios como: a família como unidade privilegiada na
abordagem, definição e compreensão do território, adscrição da clientela, trabalho em
equipe, corresponsabilização, integralidade, resolutividade, intersetorialidade e
participação comunitária.
Partindo desta iniciativa federal de tentar organizar a prática da atenção
básica e contrapondo ao que estudarmos na dissertação do mestrado, pudemos
observar que, mesmo após variadas tentativas de regulamentação e de normatização
da atenção básica, esse processo raramente ocorre de maneira automática; isto é, sem
o apoio sistemático do Ministério da Saúde ou das Secretarias estaduais ou de outras
instâncias gestoras. Isso porque existe uma debilidade organizacional e de capacidade
gestora em expressiva parte do sistema público brasileiro, o que dificulta a implantação
das políticas de saúde, inclusive da ESF (COSER GUTIÉRREZ, 2008).
Com base na recomendação de que a atenção básica deve prioritariamente
ampliar o olhar para o processo saúde-doença para além dos determinantes biológicos
5
(CAMPOS, 1999; VASCONCELOS, 2005), observa-se um infindável cenário de
questões como as condições sociais, a importante iniquidade que incide nas dinâmicas
familiares, atravessadas pela dimensão da subjetividade, o que dificulta, muitas vezes,
as práticas destas equipes da atenção básica. Raro notar a incorporação dos
determinantes sociais nas práticas cotidianas (CARVALHO & BUSS, 2008) e seu
manejo segundo competências da atuação em territórios degradados em possíveis
redes de solidariedade.
Campos (1996; 1997) também nos faz pensar sobre a possibilidade de novos
referenciais para se produzir uma Clínica do Sujeito, de forma a criar responsabilidade
para além, exclusivamente, do componente biológico, mas também reconhecer as
dimensões subjetivas e sociais das pessoas (Campos, 1996; 1997). O autor nos traz o
conceito de produzir a Clínica de outra maneira, um modo que supere a forma
degradada, ampliando-a enquanto oferta real de cuidado em saúde. Para o autor,
Clínica Ampliada:
[…] é reconhecer que todos os profissionais de saúde que atendem às pessoas fazem clínica e que esta deve ser redefinida a partir do objeto, objetivo e dos meios de trabalho da assistência individual, familiar ou a grupos […]. Ampliação do objetivo: a finalidade da assistência individual é a produção de saúde por meio da cura ou da reabilitação, ou até mesmo de alívio do sofrimento. No entanto, a ampliação inclui também o esforço simultâneo para aumentar o coeficiente de autonomia dos pacientes, famílias e comunidades. Uma linha de combate à medicalização, à institucionalização e à dependência excessiva das pessoas dos profissionais ou serviços de saúde (CAMPOS, 2001).
Nesse esforço, a produção do cuidado em saúde, dirigida para as
necessidades de saúde vividas pelos indivíduos coletivos, é um fenômeno complexo,
pois envolve o alívio da dor e do sofrimento, ganhos no Coeficiente de Autonomia
(CAMPOS, 1997) e na qualidade e Defesa da Vida (CARVALHO, 2001). Para isto, são
relevantes os mecanismos ativos de escuta que possam reconstruir possíveis
fragmentos existenciais em integralidade. No entanto, é válido ressaltar, mais uma vez,
a contribuição de Campos (2001) no que se refere à ideia de que as instituições
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deveriam estar atentas ao organizar seus modelos de atenção, considerando sua
tríplice finalidade, que inclui também o trabalhador como centro de necessidades.
Os mecanismos tradicionais de referência e contrarreferência entre unidades
hierarquizadas são legítimos, mas limitados. Devem somar-se a eles mecanismos que
aproximem os diversos níveis de atenção, que estabeleçam Espaços Matriciais de
consulta e Colegiados, Espaços Coletivos (Campos, 2000) de definição conjunta de
projetos terapêuticos e protocolos das necessidades e representações interculturais de
saúde e articuladoras e reguladoras do acesso à rede de média e alta complexidade.
O Ministério da Saúde ao propor o Núcleo de Apoio à Saúde da Família –
NASF, o apresenta como serviço de apoio a consolidação da Atenção Básica no Brasil
com vistas a ampliar as ofertas de saúde na rede de serviços, assim como a
resolutividade através do apoio matricial as equipes. Em 2011, o MS ao estabelecer a
revisão das diretrizes e normas da Política Nacional de Atenção Básica definida através
da Portaria 2.488, instituiu que o NASF deve ter em sua composição equipes
multiprofissionais, atuando de modo articulado às equipes de saúde da família da
atenção básica para populações específicas (consultórios na rua, equipes ribeirinhas e
fluviais) e ao Programa Academia da Saúde. Essa atuação integrada deve permitir
realizar discussões de casos clínicos, em que haja a possibilidade do atendimento
compartilhado entre profissionais, tanto na unidade de saúde como nas visitas
domiciliares, favorecendo a construção conjunta de projetos terapêuticos de forma a
ampliar e qualificar as intervenções no território e na saúde de grupos populacionais.
Essas ações de saúde também podem ser intersetoriais com foco prioritário na
prevenção e promoção da saúde.
Deste modo, podemos destacar que o NASF traz como diferencial quando
comparado com iniciativas anteriores por ter como sua ação central o apoio matricial as
equipes de atenção básica. Como já citado anteriormente, podemos tomar o arranjo do
apoio matricial como estratégico na tentativa de superar a relação tradicional e
esgotada de generalistas e especialistas através de mecanismos como referência e
contra referência.
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Logo, é a partir deste contexto de questões complexas acerca da
organização da atenção básica que optamos por considerar, como objeto de estudo, o
Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) por ser um serviço razoavelmente novo e
principalmente pela intencionalidade inovadora que traz quando propõe o apoio
matricial como principal arranjo organizativo.
Para tanto elegemos como objeto da presente pesquisa o NASF do
Território-Escola Manguinhos-TEIAS, serviço integrante da parceria entre a Fundação
Oswaldo Cruz e a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Segundo Coser
Gutiérrez, Engstrom e Campos (2011) a iniciativa do Território-Escola Manguinhos visa
o desenvolvimento de território integrado de atenção à saúde como espaço de inovação
das práticas de atenção, do ensino e da pesquisa para melhoria da condição de saúde
e de vida da população de Manguinhos, tendo como foco coordenador a atenção básica
em saúde a partir da estratégia de saúde da família.
O documento sobre o TEIAS (ENGSTROM, FONSECA & LEIMANN, 2012),
que trata da experiência do Território-Escola Manguinhos na atenção primária,
descreve o NASF como responsável por apoiar matricialmente as equipes de saúde da
família, partindo do entendimento de que a equipe do NASF pode ampliar a
resolutividade e a potência da atenção básica na solução dos problemas locais de
saúde.
A iniciativa do TEIAS -Manguinhos atualmente abrange, 100% de cobertura
de saúde da família, fato atribuído a parceria estabelecida entre a Secretaria Municipal
de Saúde do Rio de Janeiro e a Fiocruz que se apresenta como Organização Social de
Saúde (OSs) através de sua Fundação de desenvolvimento científico e tecnológico-
FIOTEC. Pode-se afirmar que a Fiocruz é uma das maiores e mais importantes
instituições de saúde pública do mundo, em que possui dentre seus objetivos não
somente a prestação de serviço de assistência à saúde, mas, ao mesmo tempo,
garante a possibilidade de experimentação de novas tecnologias, a difusão e a
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transferência de saberes teóricos e práticos o que explica sua constante busca por
excelência.
Nesse sentido, é possível acreditar que problematizar os referenciais de
organização do processo de trabalho do NASF, a partir do Apoio Matricial (CAMPOS,
2000), configura dispositivo crítico para repensar a reorganização das práticas em
saúde da atenção básica tendo em vista sobretudo que o NASF Manguinhos é um
importante campo de prestação e difusão de conhecimento prático
Desse modo, apresentamos esta tese, que traz como primeiro capítulo os
referenciais teóricos que sustentam a discussão do tema NASF, incluindo o contexto do
cenário do objeto da pesquisa. No segundo capítulo, trazemos a abordagem
metodológica, em que descrevemos o percurso da investigação, incluindo os
procedimentos metodológicos da pesquisa e o tratamento proposto para o material
empírico elaborado no campo.
No terceiro capítulo, são apresentados os resultados encontrados,
sistematizados segundo a análise proposta. O quarto e quinto capítulos abordam a
discussão e as considerações finais do estudo.
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1. REFERENCIAIS TÉORICOS PARA O NASF
Entendemos como referencial teórico o diálogo entre a teoria e o problema a
ser investigado (DESLANDES, 1994). Como Tobar e Yalour (2002) sugerem, o
denominado “marco teórico-conceitual” também tem a função de contextualizar o tema,
inclusive do ponto de vista histórico. Com isso, apresentamos a seguir quatro eixos
teórico-conceituais, aqui considerados fundamentais para a composição de uma linha
de base para compreensão do NASF e do caso em questão, a saber:
1.1. Atenção Básica pela Estratégia de Saúde da Família;
1.2. O Apoio Matricial como perspectiva de análise para o NASF: um
caminho para a organização do processo de trabalho.
1.3. O Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF);
1.1 Atenção básica pela Estratégia de Saúde da Família no município do Rio de Janeiro
Como estudamos no mestrado, é tradição, em outros países, utilizar a
expressão “atenção primária” em lugar de “atenção básica”, como a denominamos no
Brasil em decorrência da tradução realizada na época em que passou a ser
empregada. Talvez seja essa uma das justificativas de o Brasil ser o único país que não
utiliza comumente o conceito de “atenção primária”, termo consagrado
internacionalmente após o pacto mundial realizado em 1978, na Conferência
Internacional de Cuidados Primários de Saúde, com a meta de “saúde para todos no
ano 2000”, na Declaração de Alma-Ata.
Importa, contudo, mais do que definir a terminologia, comentar as inúmeras
denotações quanto ao sentido de ambos os termos utilizados, básico ou primário,
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entendidos, às vezes, como elementares, mínimos ou, como Testa (1989) aponta,
simples, primitivos.
Identificamos que, comumente, a atenção básica, no imaginário de algumas
pessoas, persiste em remeter à noção de menor complexidade, uma vez que se
imagina lidar com problemas simples, os quais requereriam tecnologias menos
sofisticadas e qualificação técnica simplificada (COSER GUTIÉRREZ, 2008).
Entretanto, ao longo dos últimos anos, podemos afirmar que essas concepções de
atenção básica estão se modificando. Transcendem abordagens centradas em
programas e focalizadas em grupos específicos, como o materno-infantil, para um foco
mais integral, deixando a atenção básica no centro das recomendações para melhor
organização do sistema de saúde, por sua capacidade de promoção da saúde e
eficiência de custos. Podemos, inclusive, citar os recentes programas governamentais
de valorização e qualificação do profissional da atenção básica (PROVAB, PAC UBS) e
o programa de provimento e fixação de médicos (Mais Médicos). Entendemos que
todas essas iniciativas se apresentam com componentes de valorização da atenção
básica brasileira e reforçam o processo de transição que ela vivencia.
Podemos observar que, somente após mais de uma década de implantação
do Programa de Saúde da Família, o Ministério da Saúde publicou, pela primeira vez, a
Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). Isto ocorreu somente no ano de 2006, por
meio da Portaria nº 648. Com isso, a atenção básica foi apresentada como um conjunto
de ações de caráter individual ou coletivo, situadas no primeiro nível de atenção do
sistema de saúde, voltadas para a promoção da saúde, prevenção de agravos,
tratamento e reabilitação.
Em 2008, a OMS, ao propor o relatório “La Salud en el mundo”, reiterou a
meta da atenção básica como estratégia de coordenação e fortalecimento da atenção e
da gestão dos sistemas de saúde e valorizou a experiência brasileira da ESF como
exitosa por sua capacidade de contribuir para a melhora dos indicadores assistenciais.
No ano de 2011, a PNAB foi republicada com a orientação de que a atenção básica
exerça a função de ordenação das Redes de Atenção à Saúde, de modo a se articular
11
às demais iniciativas, tais como Programa Saúde na Escola (saúde do escolar) e
Melhor em casa (atenção domiciliar), dentre outros.
Importante destacar que, no Brasil, a diretriz governamental sugere que a
atenção básica seja organizada tendo como base a Estratégia de Saúde da Família
(ESF), orientada pelos princípios de: 1) adscrição de clientela; 2) territorialização; 3)
diagnóstico da situação de saúde da população; e 4) planejamento baseado na
realidade local (BRASIL, 2011a).
O princípio de adscrição da clientela refere-se ao conceito de
responsabilidade sanitária e vínculo a serem estabelecidos entre os grupos sociais
locais, equipes e as unidades de saúde. O princípio da territorialização aponta para a
relação que se estabelece mediante a definição do território e da população, o que
implica o mapeamento e a segmentação da população por território.
O diagnóstico da situação de saúde da população como princípio
organizativo permite analisar a situação de saúde do território com base no
cadastramento das famílias e dos indivíduos e na geração de dados. E, por fim, o
princípio do planejamento baseado na realidade local viabiliza a programação de
atividades orientadas segundo critérios de risco à saúde, priorizando a solução dos
problemas, em permanente articulação com indivíduos, famílias e comunidades.
O trabalho em equipe apresenta-se como meio de organização da ESF,
segundo as recomendações anteriormente citadas. A equipe é composta por um
médico generalista, um enfermeiro, um técnico de enfermagem e quatro a oito agentes
comunitários de saúde. Se a equipe for ampliada, poderá ter em sua composição um
dentista, um auxiliar de saúde bucal e um técnico em saúde bucal. A ESF mínima ou
ampliada deve ser responsável, em média, por três a quatro mil habitantes.
Em 2006, Macinko, consultor contratado pelo Ministério da Saúde para
diversos estudos de impacto da ESF, sugeriu a criação de uma lista brasileira sobre
causas sensíveis de internação a partir da atenção básica. O autor, ao analisar o
estudo avaliativo de impacto da ESF sobre a mortalidade infantil no Brasil, pôde
12
constatar que o aumento da cobertura da ESF diminui sensivelmente o coeficiente de
mortalidade infantil. Fala-se de uma redução de quase 6%.
Em que pesem as recomendações governamentais, avaliamos que cada
município e estado tem desenvolvido distintas formas de organizar a atenção básica.
Algumas localidades estão mais avançadas e comprometidas que outras. Nesse
contexto, em 2009, o município do Rio de Janeiro, com seus quase sete milhões de
habitantes, por meio do Programa Saúde Presente, priorizou a Estratégia de Saúde da
Família como modelo prioritário de organização da atenção básica, extinguindo assim o
denominado “modelo híbrido”, que era a composição da ESF segundo o modelo
tradicional de atenção básica.
Após aprovação da Lei Municipal nº 5.026-2009, priorizaram-se as
Organizações Sociais de Saúde (OSS) como instrumento de gestão da ESF, resultando
na ampliação da cobertura de 6,9% para 41,68% (Brasil, 2014).
Outro aspecto importante é que o município do Rio de Janeiro vinha
priorizando, historicamente, o modelo hospitalar como acesso prioritário, sustentando,
dentre vários argumentos, que a ESF, em sua dinâmica funcional, não atenderia à
necessidade de um grande município como o Rio de Janeiro. Nos anos de 2007 e
2008, o pronto-atendimento, por meio das UPAS se fez presente; em algumas
situações, até mesmo substituiu a atenção básica, principalmente naqueles territórios
de vazios sanitários. Com isso, a priorização da Estratégia de Saúde da Família
ampliada, com cobertura das equipes completas nas diferentes regiões da cidade e
com Clínicas da Família estruturadas segundo padrões de ambiência humanizadas,
gerou, pela primeira vez, um cenário favorável a experimentações de novos modos de
se organizar o processo de trabalho na atenção básica. Após adoção desta política,
houve, em 2010, mudança na forma de se construir o SUS no RJ, com início da
atenção básica e, consequentemente, princípio da identificação da qualificação dessa
cobertura crescente.
A valorização desta iniciativa municipal na ampliação da atenção básica não
elimina a crítica aos aspectos polêmicos dos mecanismos de monitoramento dos
13
contratos de gestão estabelecidos com as OSS. Até porque, certamente, este fato
influencia, em alguma medida, o processo de trabalho das ESFs. No entanto, ainda que
nos instiguem inúmeras questões, optamos por não aprofundar nesta tese o tema das
OSS no município do Rio de Janeiro.
Harzeim (2010), ao realizar pesquisa avaliativa sobre o processo e
resultados da implantação da ESF no município do Rio de Janeiro, concluiu, dentre
outros aspectos, que ainda é preciso avançar em alguns atributos da APS, tais como
acesso, coordenação e longitudinalidade.
Dado esse contexto, podemos observar que a atenção básica, quando
organizada pela ESF, possui capacidade de transformação na realidade assistencial; no
entanto, exclusivamente o aumento de cobertura demonstra não ser suficiente para
qualificar as equipes para seus devidos atributos. Logo, se faz emergente a ampliação
concomitante da capacidade de análise e intervenção dos sujeitos implicados
(CAMPOS, 2000) para além das normativas governamentais, tendo em vista o exemplo
do recente estudo citado acima no município do Rio de Janeiro.
1.2 O Apoio Matricial como perspectiva de análise para o NASF: um caminho para a organização do processo de trabalho
Este texto tem por finalidade abordar o conceito de apoio matricial, e alguns
conceitos adjuntos, a partir do referencial proposto por Campos (1999). Em que pese a
recomendação ministerial, optamos por problematizar o NASF sob a perspectiva do
apoio matricial, por acreditarmos que este novo serviço pode valer-se deste conceito de
modo significativo para sua melhor organização.
Como já observado o termo apoio matricial é proposto pelo mesmo autor no
ano de 1999, observa-se que foi anterior ao NASF e surge como arranjo organizacional.
O apoio matricial apresenta-se como metodologia com vistas a superar a relação
burocrática e hierarquizada entre profissionais especialistas e generalistas, a exemplo
do sistema de referência e contra referência, expresso na relação entre quem
14
encaminha e quem recebe o caso do paciente, gerando muitas vezes
desresponsabilização da equipe que encaminhou. Dado a esse contexto de
necessidade de horizontalização e personificação, Campos propôs também o conceito
de equipe de referência.
Equipe de referência foi definida como aquela equipe mãe, ou seja, é a
equipe de perfil mais generalista que realiza a atenção à saúde com longitunalidade,
por responsabilizar-se por pessoas adscritas e não por procedimentos (Campos, 1999),
um exemplo é a equipe de saúde da família. Aliado a isso, no ano 2000, o mesmo autor
agrega o importante conceito de núcleo e campo, definido como o reconhecimento das
diferenças e complementariedades dos saberes envolvidos entre generalistas e
especialistas. O termo campo remete a tudo aquilo que é comum a todos os
profissionais, já núcleo é o que a própria nomenclatura diz, o conjunto de saberes
nucleares, específicos a uma determinada profissão. A exemplo disso, podemos
identificar como núcleo do médico o ato de prescrição de medicamentos, ou seja, algo
exclusivo e de competência do seu núcleo e atribuição de formação básica, já o campo
seria esse mesmo médico realizar caminhada com grupos de pacientes diabéticos e
hipertensos, atividade comum a quaisquer outros profissionais.
Face a isso, reconhecemos que a nós nos interessa, observar que o campo
se fortalece através do apoio matricial do núcleo de saberes e vice versa com o suporte
especializado de profissionais do NASF que compõe a atenção básica, mas não a
equipe de saúde da família que possui todo o conjunto de responsabilidades cotidianas.
Isso se faz importante observar, porque o NASF diferente das equipes de saúde da
família que estão horizontalmente contratadas, há profissionais especialistas
principalmente os da categoria médica que possuem cargas horárias mais reduzidas,
daí a maior necessidade de se ajustar como esse apoio será realizado a fim de que se
garanta as premissas do apoio matricial.
No ano de 2003, baseado na experiência de consultor de serviços de saúde
mental e de aids, mas principalmente como gestor da Secretaria Municipal de Saúde de
Campinas-SP, Campos descreveu a partir dessas experiências o seu método Paidéia
15
de cogestão aplicado a saúde, em que propôs o conceito de Apoio Paidéia como
reformulação aos tradicionais mecanismos de gestão em que podemos tomar o termo
apoio como aquele que indica:
Uma pressão de fora, implica trazer algo externo ao grupo que opera os processos de trabalho ou que recebem bens ou serviços. Quem apoia sustenta e empurra ao outro. Sendo em decorrência, também sustentado e empurrado pela equipe “objeto” da intervenção. Tudo misturado e ao mesmo tempo.
Destaca-se que esta proposta da função apoio ganhou amplitude nacional,
quando o mesmo autor integrou a gestão do Ministério da Saúde em 2003, em que se
propôs a função apoiador em larga escala a partir das iniciativas do Apoio Integrado
com vistas a descentralização dos municípios, como também a partir da Política
Nacional de Humanização, sendo que esta tratou de incorporar os variados arranjos
que citamos como dispositivos para reflexão e mudança dos modelos de atenção e
gestão da saúde. Observa-se ainda a proposição do Humanizasus de mais dois outros
conceitos de Campos, fundamentais a esta discussão de apoio matricial, que é a clínica
ampliada e o projeto terapêutico singular.
Por clinica ampliada e compartilhada (Campos, 2006 e Cunha, 2005)
identifica-se como a clínica que se contrapõe a clínica degradada que reduz
exclusivamente o paciente a doença, propõe então um novo paradigma de co-produção
singular do processo-saúde doença atravessados pelas dimensões sociais, subjetivas e
orgânicas. Já Projeto Terapêutico Singular é um modo mais avançado de organizar o
chamado plano terapêutico, mas sob a perspectiva da clínica ampliada e compartilhada
com outros saberes interdisciplinares a partir da valorização de espaços coletivos,
assim como através do fomento do denominado coeficiente de autonomia do paciente
pelo seu próprio corpo e caminhar na vida, através da co- responsabilização entre
equipe e ou profissional e paciente e ou família.
Ainda na revisão da literatura existente, identificamos uma pesquisa que
corrobora com essa temática do apoio matricial, produzida pelos autores Gérvas e
Fernández (2005), ao analisarem a prática do médico generalista, em que identificaram
que este profissional assume, no sistema de saúde, a função de filtrar o acesso dos
16
usuários com base em suas necessidades de serviços especializados em saúde. Essa
postura evita encaminhamentos desnecessários, contribui para melhor regulação do
sistema de saúde, assim como para a não medicalização de pacientes em situações
normais e anormalidades normais. Os autores reconhecem que há uma importante
tendência a ser valorizada na prática do generalista de, em casos de urgência, filtrar de
modo eficaz e rápido os pacientes entendidos como mais saudáveis e, caso erros
ocorram nesse filtro, o componente do seguimento longitudinal o favorecerá em nova
repescagem, de forma a não perder de vista os usuários.
Ainda segundo esses autores, o especialista sempre tenderá a buscar os
pacientes com algum tipo de anormalidade, podendo ser situações de adoecimento
normal ou esperado ou, ainda, aqueles pacientes saudáveis, tendendo assim a um
número maior de pessoas encaminhadas para atendimento especializado. Para
valorizar a importância desta função de filtro, o sistema de saúde necessita estar
organizado de modo a reconhecer que as atuações do médico generalista e do
especialista devem ser sempre complementares.
Além disso, para que esta função de filtro ocorra de fato, Gérvas y
Fernández alertam para a necessidade de que o profissional generalista se
responsabilize por ela e que esteja suficientemente apto para resolver os diversos
problemas de saúde mais prevalentes de sua população adscrita. Defendem que o
conceito de filtro possui fundamento científico, teórico e prático, ao reconhecerem que
os recursos tecnológicos devem ser utilizados em prol de quem mais necessita,
evitando seu uso desnecessário, com prestação de serviços apropriados em mínima
quantidade e em máxima qualidade, com destaque para o papel estratégico da clínica
com vistas a ampliar a capacidade resolutiva da APS.
A função de filtro, em inglês denominada gatekeeping, é valorizada em vários
países como Espanha, Reino Unido, França, Alemanha, Dinamarca, Irlanda, Itália e
Portugal, sendo os médicos generalistas responsáveis pelas primeiras consultas na
atenção especializada de saúde.
17
Campos (2005), com base na discussão apresentada pelos autores acima,
publicou um artigo em que valoriza as evidências apresentadas. No entanto, chama a
atenção para o fato de que são inúmeros os padrões de médicos de famílias para o
exercício da função de filtro, o que depende muito da formação deste profissional, da
educação permanente ofertada, das condições de trabalho e de apoio e diagnóstico, da
aderência à cultura sanitária local dos pacientes, assim como de toda a arquitetura do
sistema de saúde disponível para reconhecer e valorizar a função de filtro desses
médicos.
O autor, no mesmo artigo, propõe uma reflexão com base no contexto
brasileiro, ponderando sobre a atribuição da função de filtro ao médico de família;
segundo ele, este profissional não obterá êxito se não valorizar os seguintes aspectos:
acolhimento à demanda espontânea, mas com busca ativa de vulnerabilidades e riscos
individuais e coletivos no território; clínica ampliada e saúde coletiva atenta à prevenção
e promoção da saúde.
Outro referencial importante que se junta ao tema do apoio matricial, é o
conceito da interconsulta, que é muito recorrente no discurso dos profissionais da
saúde mental, mas que no Rio de Janeiro a atenção básica também o utiliza muito
como termo similar ao apoio matricial no NASF. Podemos observar a gênese desta
influência através também do nome de consulta de enlace ou de ligação, na tentativa
de integração entre as unidades do hospital-geral através das práticas médicas e o
campo da saúde mental.
Segundo o guia prático de matricialmente em saúde mental, proposto pelo
MS em 2011, a prática da interconsulta inicia-se no Brasil a partir de duas referências:
do psicanalista argentino Isaac Luchina e a psiquiatria de consultoria e ligação
americana. Há de se tomar que a psiquiatria de consultoria propõe que a partir da
avaliação do psiquiatra este defina e encaminhe os pacientes para outros especialistas.
E a nomenclatura de ligação refere-se ao conjunto de práticas conjuntas com a equipe
médica tais como as reuniões clínicas. Destacamos que a proposta de psiquiatria de
18
interconsulta remete a situações emergenciais, quando há o reconhecimento que este
profissional necessita de outros saberes.
No caso do NASF, podemos afirmar que quando organiza-se exclusivamente
pela prática da interconsulta, corre-se o risco de ter a participação do especialista
estritamente de forma pontual, algo próximo a um parecer técnico, uma segunda
opinião formativa. Sem dúvida, que em muitos casos isso é importante que ocorra, mas
no entanto, quando contrapomos com a proposta do apoio matricial, observamos que
este traz como diferencial a possibilidade do especialista corresponsabilizar-se sobre o
caso discutido junto com a equipe de referência, expressa pela equipe de saúde da
família para a elaboração e acompanhamento do projeto terapêutico.
Campos e Domitti (2007) definiram que a relação entre as equipes de
referência e de apoio matricial, se constitui entre si como um novo arranjo do sistema
de saúde:
Apoio matricial e equipe de referência são, ao mesmo tempo, arranjos organizacionais e uma metodologia para gestão do trabalho em saúde, objetivando ampliar as possibilidades de realizar-se clínica ampliada e integração dialógica entres distintas especialidade e profissões.
Campos et. al. (2013) sugerem através da recente publicação sobre a práxis
e formação Paidéia, que o apoio matricial no NASF deve ter:
Uma dimensão do suporte técnico- pedagógico, ou seja, pressupõe apoio educativo para a equipe de referência e ações realizadas conjuntamente com ela. A partir de discussões clinicas conjuntas ou mesmo intervenções concretas junto com as equipes (consultas, visitas domiciliares, grupos) os apoiadores matriciais podem contribuir para o aumento da capacidade resolutiva das equipes, qualificando as para a atenção ampliada que contemple a complexidade da vida dos sujeitos. Mas existe também uma dimensão de suporte assistencial, o que demanda do apoiador a realização de ações clinicas diretamente com os usuários. Contudo o trabalho na lógica matricial permite distinguir os casos e situações que podem ser acompanhadas pela Equipe de Referência, daquelas demandas que necessitam de uma atenção especializada, a ser oferecida pelos próprios apoiadores matriciais ou, de acordo com o risco, a vulnerabilidade e a gravidade, pelos serviços especializados ou por outras instâncias como assistência social, educação , etc.
19
A partir do que apresentamos, podemos compreender que o apoio matricial
no NASF deve partilhar com a equipe de saúde da família apoiada, as práticas já
conhecidas da atenção básica, tais como: visita domiciliar, discussão de caso,
participação das reuniões de equipes, educação permanente, discussão de protocolos
clínicos, interconsulta, construção de projeto terapêutico singular dentre outras. Vale
ressaltar que se faz importante reconhecer que o apoiador do NASF pode e deve
realizar consultas conjuntas, como também realizar consultas individuais desde que
ambas pactuadas com a equipe. Dizemos isso a partir da nossa observação, de que a
preocupação inicial quando se implantou o NASF, era que havia excesso de
atendimentos individuais, ou seja, sem a participação da ESF, fato que se
assemelhava-se mais ao modelo dos ambulatórios tradicionais de especialidades, no
entanto, no contexto atual supomos que estejamos vivenciando uma realidade quase
que inversa, tendo as consultas conjuntas consideradas o principal motriz para a
conformação do apoio matricial no NASF e a quase proibição do atendimento exclusivo
do NASF. Por essa ótica, isso também pode gerar algumas aproximações complicadas,
caso seja entendida como havíamos dito como a similaridade da interconsulta ao apoio
matricial, e não como entendemos que é ser parte integrante.
Fica então a nossa reafirmação de que apoio matricial deve ser reconhecido
pelo princípio de ser uma prática horizontal por ser compartilhada, daí a possibilidade
de poder combinar consultas conjuntas e individuais. Registramos que esta e outras
questões serão abordadas na sequencia no referencial sob o tema NASF.
1.3 O Núcleo de Apoio à Saúde da Família
O Ministério da Saúde, em seu caderno de diretrizes do NASF (BRASIL,
2009), define que o NASF deve ser constituído por uma equipe, na qual profissionais de
diferentes áreas de conhecimento atuam em conjunto com os profissionais das equipes
de Saúde da Família, compartilhando e apoiando as práticas em saúde nos territórios
20
sob responsabilidade das equipes de SF, com vistas a contribuir para a ampliação do
suporte clínico e resolutivo da atenção básica.
Em síntese, para o MS (BRASIL, 2009), o NASF:
Visa apoiar a inserção da Estratégia de Saúde da Família na rede de serviços e
ampliar a abrangência e o escopo das ações da atenção básica, bem como sua
resolutividade, além dos processos de territorialização e regionalização.
É composto por equipe multiprofissional e de saberes, distinta da composição da
ESF. A prática deve ser colaborativa e integrada à ESF adscrita, ou seja,
responsabiliza-se por apoiar um conjunto de ESF.
A prática deve também ser organizada com base no referencial do apoio
matricial (CAMPOS, 1999), que é uma ferramenta para superar a tradição do
modelo de referência e contrarreferência.
Por não configurar um serviço independente no sistema e estar diretamente
vinculado à ESF, acaba por não acolher demandas diretas do usuário; ou seja,
não se constitui como serviço porta aberta e tampouco como os ambulatórios de
especialidades.
Deve realizar atendimento compartilhado, discussão de casos, educação
permanente, apoio aos grupos da ESF ou comunitários, articulações e visitas
intersetoriais, apoio a ações do PSE.
Para muitos trabalhadores da saúde, que não médicos e enfermeiros,
dissertar sobre o NASF, invariavelmente, é reconhecê-lo como a possibilidade de
inserção de novos profissionais até então ausentes na ESF e, de certo modo, no SUS.
Já para alguns gestores, poderíamos arriscar dizer que o NASF representa a
possibilidade de apoio financeiro para custear profissionais que até então, de modo
isolado, não poderiam sustentar em seus orçamentos ainda que os reconhecessem
como importantes para o sistema local de saúde.
21
Ao tentarmos compreender a linha histórica do NASF, podemos identificar
que alguns poucos municípios, antes da proposição ministerial, vivenciaram de modo
pioneiro experiências semelhantes ao NASF: Betim-MG, Campinas-SP, Sobral- CE e
Niterói-RJ, por meio de iniciativas locais. Sem apoio técnico ou financeiro de estados e
Ministério da Saúde, propuseram equipes ampliadas de atenção básica a partir do
apoio matricial (CAMPOS, 1998) ou de supervisão conjunta, com vistas a ampliar a
resolutividade da atenção básica.
Supõe-se que, impulsionado por essas experiências e atendendo às
reivindicações de gestores e entidades de profissionais de saúde até então não
incorporados na ESF, o Ministério da Saúde publicou, em 2005, uma portaria propondo
o que reconhecemos como a primeira iniciativa de NASF. No entanto, a proposta veio
denominada de NAISF, abreviatura de Núcleo de Atenção Integral de Saúde da
Família. Importante destacar que foram poucos os municípios que implantaram o
NAISF; o destaque maior ficou por conta de Sobral-CE, que o implantou em maior
escala a partir da ampliação da função de sua equipe de preceptoria do curso de
residência em saúde da família para a qualificação da organização do NAISF.
No ano de 2008, o Ministério da Saúde, por meio da Portaria nº 154, propôs
a criação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). Inicialmente, essa portaria
normatizava duas tipologias, sendo uma denominada NASF 1, cuja composição mínima
era de cinco profissionais que deveriam apoiar de oito a 20 equipes de saúde da
família. A outra tipologia era o NASF 2, com, no mínimo, três profissionais para apoio a
três a sete equipes de saúde da família. Em 2011, após a republicação da PNAB,
houve nova regulamentação do NASF, segundo a Portaria nº 2.488, que reduziu a
proporção de equipes apoiadas pelo NASF 1 para oito a 15 e estabeleceu também a
possibilidade de variações de carga horária de 20 a 40 horas semanais, para o NASF 1
e 2.
Já no ano de 2012, novos parâmetros de vinculação do NASF foram
propostos pela Portaria nº 3.124, a qual determinou mais uma vez redução do número
22
de equipes apoiadas pelo NASF 1, passando para o mínimo de cinco e o máximo de
nove. Essa mesma portaria também reduziu para quatro o limite de equipes a serem
apoiadas pelo NASF 2 e criou uma nova tipologia, o NASF 3, para apoio de uma a duas
equipes de saúde da família.
Fato curioso é que o incentivo financeiro do NASF 2, desde sua primeira
portaria de implantação, em 2008, cresceu 100%; no entanto, o do NASF 1
permaneceu o mesmo valor proposto inicialmente até 2013. Chama a atenção o fato de
que essas revisões das tipologias, financiamentos e parâmetros de apoio do NASF
indicam, de certo modo, maior equalização da dimensão do trabalho exigido para apoio
matricial, assim como ampliam a possibilidade de universalização do NASF, sobretudo
quando o Ministério da Saúde propôs o NASF 3. Há de se imaginar que o NASF 3
tenha surgido, talvez, impulsionado pela necessidade de apoio ao consultório na rua e a
academia da saúde, iniciativas recentes e também propostas pelo MS. Política de
iniciativa do MS, com início nos mesmos anos de 2011 e 2012, mas, também, como
reconhecimento de que o Brasil é composto por pequenos municípios e,
consequentemente, com o teto possível para números menores de equipes de saúde
da família.
Atualmente, o NASF pode ter em sua composição os seguintes perfis
profissionais: assistente social, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo,
nutricionista, profissional/professor de educação física, psicólogo, terapeuta
ocupacional, médico ginecologista/obstetra, médico acupunturista, médico homeopata,
médico pediatra, médico psiquiatra, médico geriatra, médico internista (clínica médica),
médico do trabalho, médico veterinário, profissional com formação em arte e educação
(arte educador) e profissional de saúde sanitarista. Observa-se que as últimas seis
categorias profissionais aqui citadas foram agregadas após a Portaria nº 154/2008, que
trata da implantação.
De fato, então, o NASF apresenta-se como possibilidade importante de
ampliação e inserção de novos profissionais ao SUS, sobretudo não médicos e
23
enfermeiros. É possível constatar, em consulta ao Cadastro Nacional de
Estabelecimentos de Saúde (apud BRASIL, 2013), que as oito ocupações que se fazem
mais frequentes na composição dos NASF são de áreas não médicas.
Outro aspecto relevante é que o crescimento de população coberta com o
NASF se deu notavelmente a partir de 2010 (Portal DAB-MS, 2014). Acreditamos que
parte desse crescimento se justifica pelo maior apoio institucional do MS, assim como
pelo aprimoramento dos critérios universais de implantação e financiamento.
Para efeitos comparativos das duas iniciativas do Ministério da Saúde,
construímos um quadro-síntese comparativo das portarias do NAISF e NASF.
Elegemos alguns aspectos que consideramos relevantes na identificação das duas
iniciativas, no que tange a áreas de atuação, mecanismos organizativos, diretriz
norteadora e critérios para implantação.
Quadro 1: Comparativo entre NAISF e NASF
NAISF NASF
ÁREAS DE ATUAÇÃO
Alimentação e nutrição, atividade física e práticas corporais, saúde
mental, serviço social e reabilitação;
Atividade física: práticas corporais; práticas integrativas e
complementares; reabilitação; alimentação e nutrição; saúde
mental; serviço social; saúde da criança/adolescente/adulto jovem;
saúde da mulher e assistência farmacêutica.
MECANISMOS ORGANIZATIVOS
Não valoriza a função Apoio e não define, de modo claro, os
mecanismos organizativos, dando margem a ser porta de entrada do usuário ou ainda seguir o modelo
tradicional de ambulatório.
Valoriza substancialmente a função Apoio, definindo claramente os
mecanismos organizativos, tais como a recomendação de não ser porta de entrada ou ambulatório tradicional.
DIRETRIZ NORTEADORA
Integralidade. Apoio Matricial.
CRITÉRIOS PARA IMPLANTAÇÃO
O gestor possui autonomia para composição do perfil dos
profissionais do NAISF; no entanto, é restrita essa escolha na medida em que a oferta se limita a quatro
grandes áreas de atuação.
O gestor possui autonomia para composição do perfil dos
profissionais do NASF; no entanto, a oferta da escolha é mais ampla, uma
vez que são disponibilizadas nove grandes áreas de atuação.
24
Não possibilita a adesão de pequenos municípios
Possibilita a adesão de pequenos municípios por lidar com a proporção de 1 a 3 equipes de saúde da família
para uma equipe de NASF.
Fonte: Elaborado pela autora, com base nas Portarias/MS do NAISF e NASF.
Com base no quadro acima, é possível afirmar que a proposta do NASF é
mais aprimorada, pois valoriza a função Apoio (CAMPOS, 1999), com destaque para o
apoio matricial. Os arranjos organizacionais de equipe de referência, campo e núcleo
propostos por Campos (1999) merecem destaque por se apresentarem como método
possível de organização do trabalho das equipes do NASF.
Saraiva e Zepeda (2012), ao organizarem o Tratado de Medicina de Família
e Comunidade, sugerem um importante conjunto de orientações compreendidas como
as principais atividades de apoio matricial para todas as áreas (temas e tarefas iniciais
dos encontros entre os profissionais), a saber:
Definição de responsabilidades, papéis e limites de cada profissional (inclusive
gestores locais);
Definição conjunta da agenda de reuniões e atividades colaborativas;
Definição conjunta de formas de acesso da ESF ao apoiador em situações
imprevistas ou urgentes;
Discussão sobre o manejo das listas de espera e priorização de casos;
Definição de fluxo para encaminhamentos de outros serviços e setores;
Discussão de casos e formulação de projetos terapêuticos.
Atendimentos conjuntos:
Planejamento e execução de outras atividades conjuntas (visitas, grupos);
Identificação de necessidades de educação permanente;
Construção de protocolos e roteiros para situações comuns;
Construção de critérios para priorização de casos para apoio;
Resolução de problemas entre os profissionais.
25
Há de se considerar essas orientações importantes, por abordarem questões
do “varejo” do NASF, no entanto, observamos que resta todavia a inclusão da
possibilidade de consulta realizada diretamente pelo profissional do NASF ao usuário
ou familiar, de modo pactuado com a equipe de saúde da família. Sem dúvida alguma,
que sugerir aspectos do varejo cotidiano do NASF há de se valorizar que cada lugar
pode e deve construir sua particularidade de atuação. Mas o que nos parece relevante,
é essa possibilidade de pactuação coletiva do escopo de atribuições que cada
profissional do NASF deve permitir-se construir com a ESF apoiada e vice-versa. Isso é
de extrema importância, pois, na maioria das vezes, a dinâmica do processo de
trabalho de cada profissional do NASF distingue-se radicalmente da prática de um
ambulatório tradicional. Desse modo, leva esse profissional a exercitar sua capacidade
de escuta, compartilhamento com a ESF e adequações, quando necessário, de sua
clínica, sabendo que não poderá contar com retaguarda aprimorada de equipamentos
de um ambulatório de especialidades.
Não estamos aqui afirmando que a clínica do NASF é reduzida; muito pelo
contrário. Estamos reconhecendo que o NASF, por ser novo como oferta pública, é
novo também para muitos profissionais especializados, com pequeno ou nenhum
contato com o SUS, sobretudo com o universo da atenção básica.
26
27
2. ABORDAGEM METODOLÓGICA
Neste capítulo serão apresentados os objetivos, desenho da pesquisa,
formalização do estudo e considerações éticas, definição dos participantes, objeto da
pesquisa, entrevistas e, por fim, a análise e interpretação do material empírico.
2.1 Definição dos objetivos
2.1.1 Objetivo geral
Analisar o processo de trabalho do NASF do Território-Escola Manguinhos, a
partir do referencial do apoio matricial proposto por Campos (1998), sob a
perspectiva de quem apoia, é apoiado e do gestor da atenção básica.
2.1.2 Objetivos específicos
Analisar o papel da gestão na implantação e funcionamento do NASF;
Analisar as relações entre a equipe do NASF e a Equipe de Saúde da Família;
Analisar o arranjo do apoio matricial como contribuição na organização do
processo de trabalho e gestão do NASF;
Contribuir para a elaboração de referencial teórico-prático acerca do processo de
organização e gestão do NASF.
2.2 Desenho da pesquisa
Este estudo busca apreender as várias dimensões de uma determinada
situação, de acordo com informações de origens diversificadas existentes na realidade
28
concreta, de forma a identificar a relação entre os pressupostos teóricos e a tradução
da prática no serviço (YIN, 1984).
O desenho desta pesquisa está construído com base na identificação dos
aportes teóricos que sustentam a análise do objeto NASF Manguinhos, assim como nos
elementos que pretendemos explorar e na estratégia de análise desses materiais.
A pesquisa apresenta-se como estudo qualitativo de caráter exploratório,
tendo como referencial Minayo (1994). Essa autora refere que pesquisas qualitativas
são aquelas capazes de incorporar a questão do significado e da intencionalidade
como inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais, sendo estas últimas
tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação como construções
humanas significativas.
Optamos por realizar esta investigação apoiadas em estudo de caso da
experiência de implantação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), no ano de
2010, no Território-Escola Manguinhos, sempre sob a perspectiva de alinhamento do
objetivo desta investigação aos objetivos institucionais da Fiocruz, que são a inovação
tecnológica de produção de conhecimento, e do interesse em sua divulgação em escala
nacional, uma vez que o tema “NASF” ainda é pouco estudado.
Compreendemos que a metodologia de estudo de caso tem sido bastante
empregada na área da gestão em saúde, uma vez que trata de descrever o objeto em
profundidade e em detalhe, assim como em contexto e holisticamente. O tipo de estudo
proposto assemelha-se ao que Yin (1984) sugere, o qual se fundamenta na busca da
revelação da multiplicidade das diferentes dimensões presentes em determinada
situação, por meio de informações de origens diversas, em que se possibilita a
identificação, na realidade concreta, dos elos entre os pressupostos concebidos de
funcionamento e sua expressão nas práticas dos serviços.
A seleção e os aspectos mais relevantes, bem como a determinação do
recorte, foram fundamentais para atingirmos os propósitos do estudo e uma
compreensão da situação investigada (ANDRÉ, 2005). Logo, para a elaboração do
29
material empírico, foram propostas estratégias como: análise histórico-estrutural do
campo, análise documental e entrevistas semiestruturadas individuais.
Para a análise documental do TEIAS elegemos os relatórios internos de
gestão e as publicações como livros e artigos.
Esta pesquisa investiga um único campo de prática de gestão e de atenção,
NASF do Território-Escola Manguinhos, em que se priorizam os seguintes participantes
da pesquisa:
A coordenação-geral do Território-Escola Manguinhos, assim
como, eventualmente, algum outro gestor implicado diretamente
com a estruturação e qualificação do NASF;
Todos os trabalhadores do NASF;
Os trabalhadores das ESFs adscritas ao NASF não em sua
totalidade, dentre médicos de família e enfermeiros.
2.3 Formalização do estudo e considerações éticas
Como primeira etapa para desenvolvimento da pesquisa, seu projeto foi
apresentado e aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Faculdade de
Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, sob o número 371.095
(anexo 3), e da instituição coparticipante, Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio
Arouca, vinculada à Fundação Oswaldo Cruz, sob o número 384.475 (anexo 4).
Após a aprovação pelo CEP, houve apresentação da proposta da pesquisa
para a equipe interna de ensino-pesquisa do CSEGSF, conforme solicitação da direção
do TEIAS, não havendo nenhuma objeção.
Por fim, foram contatados os participantes do estudo por intermédio da
gerência do NASF, assim como da gerência das ESFs, para apresentação e análise da
proposta (objetivos e metodologia). Todos os contatados aceitaram participar e
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (anexo 5).
30
2.4 Definição dos participantes
Seguindo um dos propósitos desta tese - investigar o apoiador, o apoiado e a
gestão - e tendo o NASF como objeto central do estudo, optamos pela inclusão de
todos os membros do NASF, assim como de seu gerente. Foram selecionados
aleatoriamente quatro médicos e três enfermeiros dentre as 13 equipes de saúde da
família do CSEGSF e da Clínica Victor Valla. Foram incluídas também a coordenadora
geral do TEIAS e a ex-gerente do NASF, responsável pela fase de implantação.
Os critérios de seleção dos participantes acima descritos não foram
estabelecidos segundo um componente numérico, e sim pelo critério de
representatividade, dada a relevância do tema investigado e de sua inserção prática. A
escolha por priorizar exclusivamente parte dos profissionais médicos e enfermeiros das
ESFs apoiadas justifica-se pelo fato de serem os que mais demandam apoio da equipe
do NASF. Portanto, os demais integrantes das equipes foram excluídos da pesquisa.
Já a priorização da equipe da gestão foi definida pelo grau de
responsabilidade no apoio à organização do processo de trabalho do NASF. Foram
identificados, segundo esse critério, o gerente do NASF, a coordenadora geral do
TEIAS, que acumula também a função de coordenadora do CSEGSF, e a ex-gerente
do NASF, por ter vivenciado a fase de implantação e o curso de formação em apoio
matricial para o NASF em parceria com a UNICAMP.
Por fim, compondo os critérios dos sujeitos investigados, optamos por
entrevistar todos os membros do NASF pelo fato de ser este nosso objeto central. No
total, foram realizadas 19 entrevistas.
2.5 O objeto da pesquisa como campo: NASF Manguinhos
Ao pesquisar, há de se definir o objeto, uma vez que é o nosso delimitador
capaz, segundo Minayo (2000), de conter relações fundamentais para expressar a
especificidade de determinada área de interesse. Para tanto, como já apresentado,
temos o NASF Manguinhos como objeto a ser investigado nesta tese.
31
O NASF Manguinhos foi implantado em 2010 com o objetivo de promover o
apoio matricial às Equipes de Saúde da Família, a fim de contribuir para a adoção de
práticas que propiciem um cuidado integral aos usuários, atuando em consonância com
as recomendações do Ministério da Saúde (ENGSTROM, FONSECA & LEIMANN,
2012).
Entendemos que estar "em consonância com as recomendações do
Ministério da Saúde" centralmente é organizar-se a partir do apoio matricial, dado que,
na mesma referência citada acima, há a recomendação de que:
[...] o apoio matricial é uma metodologia de trabalho dentro de um arranjo organizacional que objetiva tanto proporcionar a retaguarda especializada da assistência como ofertar um suporte técnico-pedagógico às equipes de saúde da família.
O texto desses autores descreve em detalhes a experiência da iniciativa de
gestão do território pela atenção básica e nos remete à observação de que o NASF é
definido como o espaço em que: “[...] os especialistas, matriciadores, ampliam a
potência de resolutividade das equipes de atenção primária a partir do
compartilhamento e condutas em saúde”.
Descreve o apoio matricial proposto pelo NASF como aquele que:
[...] é realizado por meio de interconsultas, atendimentos conjuntos, discussões de caso, elaboração de projetos terapêuticos singulares junto com as equipes de saúde da família, visitas domiciliares conjuntas e, até mesmo, por consultas individuais dos especialistas.
No que se refere ao processo de trabalho, valoriza os ambientes coletivos
como espaços de prática da educação permanente por possibilitarem o fazer junto, o
trabalho em equipe, visando à ampliação da clínica por meio de novas reflexões sobre
o processo saúde-doença.
32
Quanto ao processo de implantação, há menção de ter sido gradual,
seguindo critérios epidemiológicos e das equipes de saúde. Atualmente, o NASF possui
o seguinte quadro de profissionais, sendo que todos incluso as ESFs foram
selecionadas por edital público e contratados em regime CLT, por intermédio da Fiotec.
Observa-se no quadro abaixo a distribuição dos profissionais por perfil,
quantitativo e carga horária.
Quadro 2: Perfil profissional e carga horária do NASF Manguinhos
PROFISSIONAIS QUANTITATIVO CARGA HORÁRIA
Fisioterapeuta 01 40h, sendo 20h em
cada serviço
Psicólogo 01 40h, sendo 20h em
cada serviço
Médico Geriatra 01 16h exclusivo no
CSEGSF
Médico Psiquiatra 02 16h por profissional
em cada serviço
Médico Pediatra 01 16h, sendo 8h em
cada serviço
Médico Ginecologista 01 8h, sendo 4h em
cada serviço
Educador Físico 02 40h por profissional
na academia da
saúde, sendo que
12h de uma das
profissionais são no
CSEGSF.
Enfermeiro
Sanitarista
01 40h sem rotina
definida.
Farmacêutico 01 40h na CVValla.
TOTAL 11 240h
Fonte: elaborado pela própria autora
33
Nota-se a partir deste quadro, que os profissionais não médicos possuem em
sua maioria, contratos horizontais e com dedicação equânime para os dois serviços aos
quais estão adscritos. Importante observar que os contratos mais verticais são
exclusivamente dos profissionais médicos, assim como o profissional geriatra apoia
somente o CSEGSF.
2.6 Material de campo
Com base nos objetivos propostos, foram priorizados os seguintes
instrumentos para composição do material empírico: análise documental (relatórios
gerenciais, normas e diretrizes) e entrevistas semiestruturadas individuais.
Para Minayo (1994), a entrevista é a técnica mais usada no trabalho de
campo em pesquisas avaliativas pela capacidade de aliar dados subjetivos à
construção de informações ao objeto da pesquisa. A autora a considera instrumento
privilegiado, por apresentar-se não simplesmente como uma coleta de dados, mas
sempre na condição de interação, afetada pela natureza da inter-relação com o
entrevistador, uma vez que a fala tem a possibilidade de ser reveladora de condições
estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos (sendo ela mesma um deles);
ao mesmo tempo, reveste-se da magia de transmitir, por um porta-voz, as
representações de determinados grupos, em condições históricas, socioeconômicas e
culturais específicas (MINAYO,1994).
Triviños (1987, p.146), ao sugerir a entrevista semiestruturada, reconhece
que ela deve se fundamentar em questionamentos básicos, apoiados em teorias e
hipóteses que interessam à pesquisa e, em seguida, pode oferecer amplo campo de
interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que as respostas do
informante são obtidas.
Diante do exposto, elaboramos um roteiro orientador com o intuito de
promover uma conversa comprometida, de modo a facilitar a abertura e aprofundar a
comunicação (MINAYO, 1994). Logo, para a produção do material de campo, foram
34
realizadas 19 entrevistas semiestruturadas com todos os membros do NASF,
representantes das equipes de saúde da família e da gestão. As entrevistas foram
feitas com o objetivo de contribuir para contextualizar a descrição do modo de
organização do processo de trabalho da equipe do NASF, seguindo um roteiro (Anexo
6) de perguntas abertas e fechadas, as quais, apesar de previamente elaboradas,
tinham a premissa de possibilitar a construção conjunta de pensamento e discurso mais
livres.
Todas as entrevistas foram realizadas individualmente e conduzidas pela
própria pesquisadora, sendo gravadas e transcritas.
O roteiro proposto para os três grupos (Gestão, NASF e ESF) abordou, de
modo geral, questões acerca do processo de trabalho do NASF Manguinhos com base
nos seguintes aspectos:
Finalidade do NASF - a que se destina.
Experiência pregressa com apoio matricial quando do processo
seletivo.
Apoio da gestão para qualificação do apoio matricial.
O modo de fazer do apoio matricial (referenciais teórico-práticos, tais
como discussão de protocolos, casos, visitas domiciliares conjuntas,
estratégias de educação permanente etc.), aliado à percepção sobre
conceitos próximos ao de apoio matricial (interconsulta, consulta
conjunta), critérios de seleção, encaminhamento e seguimento
conjunto dos casos clínicos, assim como os mecanismos de
contratualização de quem apoia e é apoiado. Identificação do tempo
dispensado exclusivamente ao apoio matricial.
Percepção de avaliação do que o NASF causa, para o entrevistado,
para o apoiado e para a rede local.
35
2.7 Análise e interpretação do campo pela hermenêutica-dialética
A análise e a interpretação dos dados obtidos pressupõem um compromisso
com a fidedignidade na compreensão do material, referente às relações sociais e
dinâmicas e vivas (MINAYO, 2006). Assim, optamos pela análise hermenêutico-dialética
proposta pela mesma autora, por possibilitar a análise e interpretação do discurso dos
participantes entrevistados com base nas práxis.
Compreendemos que a hermenêutica busca o sentido do texto, enquanto a
dialética dá ênfase às contradições, à ruptura de sentido, porque acredita na
possibilidade da crítica social do tempo presente (MINAYO, 2004; STEIN, 1987). Assim,
quando propõe a hermenêutico-dialética como técnica, Minayo (2004) argumenta que
esta visa transcender os aspectos apenas procedimentais ligados às técnicas usuais
em pesquisa qualitativa, e a propõe como um caminho do pensamento, para além de
um "mecanicismo" metodológico não reflexivo. Logo, com esse método de análise,
buscamos valorizar os sentidos das falas dos participantes, em seus consensos e
dissensos, face ao contexto histórico onde e pelo qual foi produzida, sob a perspectiva
do referencial teórico proposto de apoio matricial (CAMPOS,1998).
36
37
3. RESULTADOS
Como parte dos resultados, optamos por analisar três aspectos: a
caracterização do contexto do TEIAS- Escola Manguinhos por meio das observações,
documentos oficiais e entrevistas dos gestores, em particular de uma ex-gestora do
NASF; o contexto do NASF Manguinhos a partir do olhar da pesquisadora e, por fim o
terceiro aspecto que será apresentado são as entrevistas com os gestores, equipe
NASF e membros da ESF.
3.1 Contexto: TEIAS-Escola Manguinhos e suas características
A nomenclatura “TEIAS” foi proposta pelo Ministério da Saúde em 2007 para
designar o conceito de Território Integrado de Atenção à Saúde. Na época, o conceito
de TEIAS surgiu como motriz para reflexão sobre o modelo de organização dos
serviços de saúde em rede, ou seja, serviços que se complementam e são organizados
com base no território, tendo a atenção básica como porta de entrada preferencial.
No ano de 2009, o município do Rio de Janeiro, influenciado por esse
conceito de TEIAS dentre outros fatores, aprovou a lei municipal 5.026 que dispôs a
qualificação de entidades como Organizações Sociais em Saúde (OSS) como
possibilidade preferencial para gestão da saúde. Com isso, a Escola Nacional de Saúde
Pública Sergio Arouca (Ensp) da Fiocruz concorreu e ganhou a seleção pública, por
meio de sua Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde
(Fiotec). Foi, então, caracterizada como OSS para estabelecimento de convênio com a
SMS-RJ, por meio do qual se firmou o compromisso da gestão da Estratégia de Saúde
da Família no território de Manguinhos.
Desse modo, surgiu a iniciativa TEIAS-Escola Manguinhos, com o objetivo de
reorientar o modelo até então prestado, por décadas, pelo Centro de Saúde Escola
Germano Sinval Faria (CSEGSF). Ampliou-se a 100% a cobertura da Estratégia de
Saúde da Família em Manguinhos, o que proporcionou um campo de inovação de
38
tecnologias de assistência, ensino e pesquisa. A iniciativa foi considerada prioritária por
representar algo além da prestação exclusiva de serviço à população e também por
possibilitar melhor alinhamento da missão institucional da Fiocruz - ser propositiva na
produção de conhecimento aplicável a outras realidades, incorporando referenciais
claros e transparentes sobre o território, ampliando os processos de participação
comunitária e de intersetorialidade.
Segundo o relatório sobre o TEIAS/Manguinhos, elaborado em 2012 pela
então equipe gestora, esses referenciais estariam voltados para a transformação das
condições de vida e saúde, conformando assim um compromisso com a sociedade.
Buscava-se mostrar que essa diretriz de atenção é o caminho para a transformação de
práticas do setor saúde e de produção de políticas públicas.
Nesse contexto de grande expectativa, mas também de algumas incertezas,
foi necessário promover debates internos, tanto na comunidade acadêmica quanto
entre os moradores, com o intuito de ampliar a discussão sobre o que se caracterizava
como uma nova iniciativa de produção tecnológica no campo da atenção, ensino e
pesquisa, sobretudo sob a "sombra" da polêmica emergente na época de organização
social x privatização no âmbito de uma instituição historicamente defensora da ação
pública.
Agregado a esse contexto, havia também um conjunto de intervenções
urbanas no território de Manguinhos sob o comando do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) assim como a instalação de uma Unidade Pacificadora de Policia-
UPP, o que, em certa medida, impulsionava a Fiocruz a um possível cenário de
renovação.
3.1.1 Perfil sociodemográfico
O bairro de Manguinhos está localizado na zona norte do município do Rio
de Janeiro e abrange 13 comunidades e dentro dessa região está o complexo de
Manguinhos que é composto pelos bairros de Bonsucesso, Olaria e Ramos, como
segue na foto abaixo.
39
Figura 1: Mapa de Manguinhos
Fonte: Google Maps
Segundo o Instituto Pereira Passos, vivem 36.110 pessoas (censo de 2010)
no bairro de Manguinhos, numa área de 535 mil metros quadrados composto por 12
comunidades: Samora Mochel, Mandela, Mandela 1, Mandela de Pedra, Parque João
Goulart, Vila União e Ex-Combatentes, Vila Turismo, Nova Vila Turismo, Parque
Oswaldo Cruz, Parque Carlos Chagas, Centro de Habitação Provisório 2 (CHP2) e
DESUP.
Ainda segundo o Instituto Pereira Passos, em 1900, foi criado o Instituto
Soroterápico Federal que em 1972 passou a se chamar Fundação Oswaldo Cruz. A
Refinaria de Petróleos de Manguinhos S.A, inaugurada em 1954, produzia1,1 milhão de
litros de gasolina por dia, porém trouxe poluição do ar e de águas para a região. Em
1991 houve uma explosão na refinaria, que foi então desapropriada pelo Governo do
Estado, com a promessa de descontaminá-lo para a construção de casas populares,
fato que ainda até os dias atuais a população aguarda o compromisso.
40
O bairro de Manguinhos possui um dos cinco Índices de Desenvolvimento
Humano (IDH) mais baixos do município do Rio de Janeiro e apresenta, em grande
parte da favela, coleta de lixo irregular, problemas de esgotamento sanitário,
analfabetismo, violência e moradias irregulares. Chama a atenção para quem circula no
bairro, o forte odor, o lixo despejado, ausência de asfaltos e calçadas, moradias
precárias, circulação livre de animais como cavalos, porcos e carros com policiais com
grandes armamentos expostos pela janela. Abaixo seguem três imagens que retratam a
partir do olhar do campus da Fiocruz, a estação de Manguinhos construída pelo PAC, a
poluição do canal do cunha e as moradias irregulares que ainda permanecem.
41
Figura 2: Estação de Manguinhos e canal do cunha
Fonte: fotografia da própria autora
42
Figura 3: Moradias Irregulares
Fonte: PAC
Figura 4 :Estação Manguinhos PAC
Fonte: PAC
Com base nessas características, Manguinhos foi considerado, em 2008,
local prioritário para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) assim como os
complexos do Alemão e da Rocinha, de iniciativa federal em parceria com os governos
43
estadual e municipal, com o destaque do protagonismo da autora desta pesquisa que
na época estava como gestora estadual, o que permitou contribuir dentre outros,para
que os investimentos nestes locais priorizassem também estruturas físicas de atenção
básica, Caps e ambulatórios de especialidades, e não somente UPAS ou hospitais
como era a proposta inicial. O PAC, no caso do município do Rio de Janeiro, visou
reurbanizar as favelas, integrando-as à cidade formal por meio de prestação de serviços
públicos de qualidade, ou seja, pavimentar, com novas ofertas de acessibilidade, as
moradias populares e os serviços sociais como biblioteca, escola e saúde (PAC-RJ,
2008).
Destaca-se que, no campo da saúde, as ofertas foram amplamente
discutidas com a Fiocruz, uma vez que a instituição também se integrava ao território de
intervenção. Assim, a Fiocruz protagonizou importante papel no Fórum Manguinhos
para conformação dos investimentos, como a construção da nova oferta de serviço de
saúde no bairro: Clínica de Família Victor Valla, anexa à nova Unidade de Pronto-
Atendimento (UPA).
Com a construção da Clinica de Familia Victor Valla e agregada ao já
existente Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria- CSEGSF no Campus da
Fiocruz, Manguinhos pode então ampliar a oferta de cobertura da estratégia de saúde
da família no bairro. Abaixo, são apresentadas imagens das duas referidas unidades
básicas de saúde existentes em Manguinhos, sendo a primeira foto da Clinica Victor
Valla e a segunda foto do CSEGSF. E na sequência, apresentamos a imagem do mapa
do território de Manguinhos, segundo áreas geográficas adscritas por estas duas
unidades básicas de saúde.
44
Figura 5: Clínica da Família Victor Valla
Fonte: OTICS
Figura 6: CSEGSF
45
Fonte: Agência Fiocruz de Notícias
Figura 7: mapa de adscrição geográfica da UBS Mangunhos
Fonte: TEIAS Manguinhos
3.1.2 Estrutura e situação de saúde
O TEIAS Manguinhos está localizado no território de abrangência da
Coordenação da Área Programática 3.1- CAP da SMS-RJ. Esta instância de gestão
denominada CAP, possui a função próxima de um distrito sanitário de saúde, e
atualmente é composta por uma equipe de assessores temáticos que, acompanham a
46
execução dos contratos de gestão com a entidades parceiras, como é o caso da Fiotec.
Isto significa que esta é a primeira instância direta de co-gestão da SMS com o TEIAS.
Válido ressaltar que no período anterior a parceria do município com as OSS,
a CAP possuia uma função mais ampla, não somente porque a prestação da saúde era
de responsabilidade da administração direta, mas sobretudo pela possibilidade de
proporem alguns mecanismos cotidianos co-gestores de acompanhamento das gestões
locais das unidades adscritas, tais como a constituição de equipes de servidores
multidisciplinares, que denominavam-ne Grupos de apoio Técnico-GAT. Estas equipes
do GAT propunham um método hibrido entre supervisão e apoio técnico e se faziam
muito presentes na vinculação da rotina de co-gestão local e com muita autonomia para
a proposição de novos arranjos. O fato é que hoje essas equipes não existem mais e a
proposta é que a CAP acompanhe quase que exclusivamente a execução das metas
estabelecidas a partir dos contratos de gestão com as entidades parceiras, como é o
caso da Fiotec, de modo a se apresentarem mais supervisoras e menos apoiadoras aos
serviços.
Atualmente, o TEIAS-Escola Manguinhos comporta, em sua estrutura, os
seguintes serviços:
- Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria (CSEGSF) com 07 equipes de
Saúde da Família;
- Clínica da Família Victor Valla com 06 equipes de saúde da família;
- 01 NASF com 11 profissionais;
- 01 equipe de Consultório na Rua;
- 01 Academia da Saúde com 02 educadoras físicas pertencentes a equipe do
NASF;
- 01 equipe de Atenção Domiciliar.
O CSEGSF foi criado em 1966, como iniciativa própria da Fiocruz, com a
finalidade de executar ações de medicina preventiva e comunitária para os moradores
47
de Manguinhos. Segundo relatos dos trabalhadores, desde sua criação, o projeto se
destacou enquanto parte integrante de movimentos de vanguarda na saúde pública
brasileira.
Como uma de suas missões, vale destacar ações de ensino e pesquisa com
o intuito de gerar e difundir pesquisas de conhecimento científico e tecnológico,
aplicáveis à atenção básica à saúde, em consonância com os princípios do SUS
(CSEGSF, 2013).
No ano 2000, o CSEGSF iniciou importante parceria ao estabelecer um
convênio com a SMS-RJ para implantar equipes de saúde da família, no entanto, o que
seria para ser a oportunidade de novos arranjos mais territorializados, pouco foi
alterado já que o modelo existente de áreas programáticas prevaleceu, e de modo
parelelo foram se constituindo as equipes de saúde da família recém conveniadas.Ou
seja, o modelo do CSEGSF tornou-se um modelo hibrido, mas com pouca
comunicabilidade entre as equipes antigas e novas, ficando a cargo das iniciativas
individuais de cada profissional. Segundo a atual gestão do serviço, o CSEGSF
atualmente, possui cerca de 170 servidores estatutários da Fiocruz de diversas
especialidades (clínica geral, dermatologia, estomaterapia, fonoaudiologia, geriatria,
ginecologia/obstetrícia, homeopatia, nutrição, odontologia, pediatria, psicologia,
psiquiatria, serviço social), agregados a sete equipes da Estratégia de Saúde da
Família, contratados pela CLT através de seleção pública pela OS Fiotec, fundação
gestora do TEIAS, responsável pelos bairros Parque Oswaldo Cruz, Amorim/Monsenhor
Brito, Parque Carlos Chagas, Parque João Goulart, Vila Turismo, Nova Vila Turismo e
Comunidade Agrícola/Vila São Pedro.
No CSEGSF, são realizadas consultas individuais, atividades em grupos,
apoio diagnóstico terapêutico e ações na comunidade. Até 2009, compunha a única
oferta de serviço de atenção básica no bairro. A gestão da unidade está sob
responsabilidade de uma médica, eleita pelos servidores do CSEGSF, a qual acumula a
função de coordenação-geral do TEIAS Escola Manguinhos.
48
Na Clínica Victor Valla que é a unidade básica de saúde instituída a partir da
intervenção do PAC encontram-se seis equipes, responsáveis pela população
moradora dos bairros de Mandela de Pedra, Samora Machel, Nelson Mandela, Vila
União, CONAB, Centro de Habitação Provisório 2 (CHP2) e DESUP. Ainda nessa
unidade encontram-se as equipes do consultório na rua, academia da saúde, uma
equipe de atenção domiciliar e o NASF adscrito a essa unidade e ao CSEGSF.
Por fim, compondo ainda esse conjunto de serviços, há uma UPA anexa à
Clínica da Família Victor Valla, cuja finalidade é prestar assistência de urgência e
emergência, para alguns trabalhadores o fato da clinica estar anexa a UPA é um
facilitador e para outros um dificultador, a partir da suposição de que alguns usuários
exigem pronto atendimento semelhante a UPA. Destacamos que o CSEGSF localiza-se
no próprio campus da Fiocruz; já a Clínica Victor Valla está no espaço da comunidade e
que ambos pouco se comunicam com a UPA e vice-versa.
Uma das estratégias do TEIAS Escola Manguinhos para monitorar e informar
a população local, consiste em utilizar um painel denominado “Placar da Saúde”, aos
moldes da experiência das OSS do município de SP. São informações com base nos
dados do SIAB atualizadas periodicamente e que permanecem expostas na sala de
espera do serviço, no entanto, as informações são restritas e cumprem a função
exclusiva de ser um boletim informativo. Segundo dados do referido placar, no mês de
novembro de 2013 a população adscrita à Clínica Victor Valla era de 17.509 pessoas,
com 100% de cadastro.
A população do território de Manguinhos vem apresentando elevadas taxas
de desemprego, analfabetismo, violência e alto índice de gestação em adolescentes.
Segundo os trabalhadores dos serviços de saúde, a população se queixa de ausência
de coleta de lixo regular, de ser uma das principais cenas de uso e abuso de crack e
outras drogas, e sobretudo, da segurança pública. Embora a Unidade de Polícia
Pacificadora (UPP) tenha sido lá instalada em 2013, Manguinhos ainda que em menor
proporção, segue todavia vulnerável a situações adversas, mas o que mais chama
atenção é ainda a permanência de policiamento com armamento ostensivo e visível a
49
luz do dia mesclado a convivência diária da comunidade.Sem dizer, que a avenida que
margeia um dos acessos a Fiocruz, é popularmente ainda conhecida como Faixa de
Gaza, em alusão aos conflitos do Oriente Médio.Abaixo seguem duas imagens
extraídas da imprensa local que retratam um dos momentos da pacificação e outro a
base móvel da UPP em Manguinhos.
Figura 8: Ação para implantação da UPP
Fonte: Jornal O Dia
50
Figura 9: Base móvel da UPP Manguinhos
Fonte: Jornal O Dia
Segundo dados da coordenação-geral do TEIAS (CSEGSF, 2013),
Manguinhos hoje possui maior concentração de população na faixa etária de 18-59
anos, com 57,14%%, seguida pela de 1-17 anos, com 36,48%. Idosos (60 a 80 anos)
são minoria e soma 6,38%. A taxa de natalidade está em 14/1.000 e a de fecundidade,
1,9 filhos por mulher. Taxa de mortalidade infantil é de 25,8 por mil nascidos vivos.
3.2 O contexto do NASF Manguinhos sob o olhar da pesquisadora
O NASF foi criado em 2010 após 100% de seu território estar coberto pela
ESF. Segundo uma ex-gestora que acompanhou sua implantação, a demanda inicial,
no que se refere à contratação de profissionais, era por um perfil de especialidades
exclusivamente médico (pediatra, psiquiatra e ginecologista). Nesse período, a
organização do processo de trabalho se deu mais por iniciativa das próprias equipes do
que pela gestão, o que acabou gerando as mais variadas interpretações da função do
51
NASF, uma vez que já havia no CSEGSF estas e outras especialidades profissionais.
Somente em 2011, a gestão passou a apoiar de modo mais sistemático a organização
do NASF, ampliando a oferta para outras especialidades inclusive não médicas, como
psicólogo, assistente social, educador físico – sendo este útimo impulsionado pela
proposta da academia carioca (academia da saúde), diretriz obrigatória do município.
Há de observar que o relato do período do início da implantação do NASF, os
profissionais tendiam a realizar mais consultas individuais do que atualmente.
A percepção evidente é que os profissionais especialistas do CSEGSF nunca
agregaram-se a finalidade iniciativa do TEIAS, que propunha a reflexão da prática
existente com a possibilidade de novas invenções no campo da atenção a saúde. O
CSEGSF talvez pelos mais difusos fatores, optou pela pouca adesão e disponibilidade
na revisão do então processo de trabalho instituído ao longo dos últimos anos,
deixando de lado a oportunidade de vivenciar novos arranjos tais como, o apoio
matricial.
Supõe- se que isto se deu a partir da existência da condução de duas
gestões paralelas no mesmo território, uma do TEIAS exercida por uma servidora aliada
a antiga gestora do Centro de Saúde e que deveria conquistar o máximo de
governabilidade para reorientar a gestão da rede local, e a outra que era a gestão
também exercida por uma servidora, que havia recentemente ganho as eleições do
Centro de Saúde, derrotando e encerrando o ciclo da antiga coordenação.
Isto seria um processo natural como em qualquer outra unidade da Fiocruz
que lida com processos democráticos eleitorais internos, desde que ambas as gestões
pudessem ter construídos caminhos especificos porem complementares, fato que não
ocorreu.Com isso, inevitavelmente o NASF foi constituído com novos profissionais
contratados pela OSS e não com os servidores especialistas do CSEGSF, gerando
deste modo, uma equipe NASF para realizar apoio matricial para ambas as unidades
tendo em vista que o Centro de Saúde optou mais uma vez semelhante ao processo
do primeiro convênio com o município do RJ para implantação das equipes de saúde da
famiia,em seguir com a mesma dinâmica programática assistencial por
52
especialidades.Invariavelmente que estas questões refletiram no processo de
implantação do NASF.
No ano de 2013 impulsionado pelo processo eleitoral da Ensp em que o
candidato da oposição saiu vitorioso, a então coordenadora geral do Teias foi
substituída pela coordenação do Centro de Saúde possibilitando a princípio, a
expectativa de melhorar a interação entre as duas estruturas até então postas. A
questão é: expectativa de quem e como dessa melhor interação?
O fato é que ao realizar esta pesquisa, ficou evidente que o discurso sobre o
NASF da atual gestão do Teias é que isso possa acontecer naturalmente, mas a prática
descrita a partir das entrevistas que serão apresentadas a seguir, evidencia que este
processo talvez seja mais complexo do que natural, sobretudo numa dinâmica local e
municipal que pouco acumula sobre apoio matricial, e sim mais a tradicional referência
e contra-referência, daí o desafio dado do propósito desta tese.
3.3 Análise das entrevistas: o discurso dos sujeitos implicados com o NASF
Reconhecendo que as entrevistas são inevitavelmente consubstanciadas
pela interação entre entrevistado e entrevistador, observamos a necessidade, para
além da identificação dos consensos, dissensos e contradições do material verbal, de
que fossem também registradas observações da pesquisadora para cada entrevista, no
sentido de complementar o registro de percepções ocultas – ou seja, aquelas não
verbalizadas, mas por ela captadas no contexto da instituição.
Assim, após leitura exaustiva das entrevistas com a finalidade de apreensão
global de seus conteúdos, optamos inicialmente pela identificação mais genérica dos
participantes, com vistas a caracterizar o aspecto quantitativo, perfil e tempo de
inserção no TEIAS- Escola Manguinhos, assim como a experiência pregressa com o
apoio matricial. Optamos também pela análise por meio da construção de núcleos e
53
categorias, o que, em certa medida, nos permitiu compreendê-los de modo semelhante
ao que Minayo (2004) denomina de categorias empíricas de forma a sintetizar a
apreensão de determinações e especificidades expressas na realidade empírica.
Construímos, portanto, dois Núcleos Temáticos de Análise e quatro Categorias.
Denominamos o primeiro Núcleo Temático de Análise como Implantação do
NASF Manguinhos e a gestão do trabalho, o qual compreendeu duas categorias: Nasf,
a que se destina? e Apoio da gestão para a organização do NASF. Destacamos que
este primeiro Núcleo Temático analisou o aspecto finalístico do NASF e a implicação da
instância gestão para a organização do trabalho.
O segundo Núcleo Temático de Análise abordou o processo de trabalho do
NASF e sua relação com as equipes, tendo sido denominado Concepções teóricas,
práticas dominantes da Gestão, NASF e ESF sobre apoio matricial. Como primeira
categoria deste núcleo, identificamos: Referenciais organizativos para o apoio matricial:
como ocorre na prática? Como segunda categoria:Percepção de avaliação do NASF
para si, para a ESF apoiada e para a rede local.
Esta categoria buscou identificar os mecanismos facilitadores para
ocorrência do apoio matricial, tais como o conceito próximo de interconsulta, os critérios
de seleções, encaminhamentos e seguimentos dos casos clínicos, assim como os
mecanismos de contratualização de quem apoia e é apoiado, identificação do tempo
dispensado exclusivamente ao apoio matricial, percepção da expectativa do NASF para
o entrevistado, para a ESF apoiada e para a rede local. Com esta categoria, abordamos
o aspecto da dimensão de avaliação que o NASF consegue, na prática, causar em si
(entrevistado), para a equipe de saúde da família apoiada e para a rede local de saúde.
De forma a imprimir unicidade para a análise do material empírico,
destacamos que os dois núcleos temáticos, com suas respectivas categorias, foram
utilizados para análise de todas as entrevistas com os três perfis de participantes
pesquisados: a gestão, o NASF e as ESF.
54
Considerando os núcleos temáticos e as categorias, foi possível analisar e
interpretar o material de campo, de modo a considerá-lo segundo os referenciais
teóricos e pressupostos apresentados no início deste estudo.
O material empírico foi analisado como um todo e não por unidade – ou seja,
não analisamos separadamente as equipes do CSEGSF e da Clínica de Família Victor
Valla ou, ainda, cada gestor ou membro do NASF. Foi fundamental o enfoque da
percepção enquanto função macro de inserção no TEIAS, seja na gestão, no NASF ou
na ESF.
Alguns fragmentos das entrevistas foram selecionados por serem mais
reveladores de nossa proposta de abordagem. Esses trechos apresentaram
similaridades, convergências, tornando visível o que se mostrava essencial aos
participantes entrevistados. Destacamos que seus nomes não foram citados, a fim de
assegurar seu anonimato e o máximo de confidencialidade.
3.4 Identificação geral dos entrevistados
Foram realizadas 19 entrevistas, conduzidas pela própria pesquisadora, com
duração média de 33 minutos cada. Todas foram gravadas em áudio e transcritas.
Como dito anteriormente, foram priorizados três gestores: a profissional que
realiza a coordenação-geral do TEIAS-Escola Manguinhos, com mais de 20 anos de
inserção no CSEGSF, alternando-se em funções de gestão e assistência; o atual
gerente do NASF, o qual, anteriormente a essa função, atuou por mais de oito anos
como enfermeiro da ESF do CSEGSF; e a gerente responsável pela implantação do
NASF, que se desligou do TEIAS ao longo desta pesquisa em virtude da mudança de
gestão.
Na condição de representantes da ESF, foram entrevistados quatro médicos
e três enfermeiros de família, oriundos tanto do CSEGSF como da Clínica Victor Valla.
O tempo aproximado de experiência na ESF é de três anos.
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No caso do NASF, todos os onze integrantes foram contatados, não tendo
sido possível, no entanto, entrevistar dois deles, pois estavam em período de férias e
licenças no momento desta etapa da pesquisa. Tendo em vista que o NASF
Manguinhos foi implantado em 2010, o tempo médio de inserção dos profissionais do
NASF é de dois anos.
Abaixo segue quadro com o perfil profissional dos entrevistados. Vale
observar que o NASF Manguinhos apresenta uma peculiaridade em sua composição.
Quadro 3: Perfil profissional dos entrevistados
PROFISSIONAIS INSERÇÃO QUANTITATIVO
Médico Gestão 01
Enfermeiro Gestão 01
Psicólogo Gestão 01
Fisioterapeuta NASF 01
Psicólogo NASF 01
Médico Psiquiatra NASF 02
Médico Pediatra NASF 01
Farmacêutico NASF 01
Educador Físico NASF 01
Enfermeiro Sanitarista NASF 01
Ginecologista NASF 01
Médico de família ESF 04
Enfermeiro ESF 03
TOTAL 19
De um modo geral, as entrevistas ocorreram com muita disponibilidade e
interesse dos participantes no sentido de reconhecer que o NASF ainda é algo novo,
portanto, necessita ser aprimorado.
Como já mencionado, apresentaremos a análise dessas entrevistas segundo
as categorias construídas que nos orientaram substancialmente nesta etapa de análise
dos resultados.
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3.5 Primeiro Núcleo Temático de Análise: Implantação do NASF Manguinhos e a gestão do trabalho
3.5.1 Categoria de análise: NASF Manguinhos: a que se destina?
Para os gestores:
O NASF possibilita apoio do especialista às ESFs, com vistas ao aumento da
capacidade resolutiva da atenção básica, sob a ótica do cuidado integral. Chama a
atenção o fato de apenas um gestor ter definido o tipo de apoio como matricial e outro
como uma espécie de apoio institucional, quando relatou a possibilidade de o
profissional do NASF poder auxiliar a equipe a superar problemas não solucionados há
muito tempo. “[...] identifica o problema que está emperrando e a equipe não está
andando, eu acho que vale a pena chegar lá e começar a discutir com eles, que é um
pouco do apoio institucional que cada membro do NASF pode fazer”.
Houve ainda o relato de uma gestora há mais tempo na instituição, a qual
recordou que o CSEGSF, desde o ano 2000, ou seja, anteriormente à existência do
NASF, já realizava o que poderia ser uma retaguarda de especialistas para as ESF, fato
expresso pelo indicador criado na época, que era o “número de batidas na porta que o
especialista recebia do generalista para realizar a retaguarda à demanda espontânea”.
Como resposta ao crescimento desse indicador, foram então definidos formalmente
alguns horários para atendimento do especialista para essas demandas tidas como
espontâneas, nas quais se realizava a interconsulta para auxiliar a elaboração da
“proposta terapêutica singular, gerando, a partir daí, a corresponsabilidade dos dois
profissionais”. Esta gestora considerou esse processo muito semelhante ao que o
NASF pode propor ao TEIAS Escola Manguinhos, ou seja, retaguarda de especialistas
por meio da interconsulta junto as ESF.
Os profissionais do NASF:
A finalidade do NASF foi definida, de modo geral, como possibilidade de
apoiar as ESF na ampliação de conhecimentos em outras áreas. Foram citadas
expressões como “interagir”, “suprir deficiências”, “troca de conhecimento”,
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“potencializador”, “qualificar”, “dividir responsabilidade”, “pensar junto”, “apoio matricial”
e “interconsulta”.
As entrevistas com a equipe de saúde mental revelaram que os profissionais
reconhecem que, anteriormente à proposta do NASF, já havia a tradição do
matriciamento. Chamou a atenção da pesquisadora um relato, oposto ao de outros dois
apoiadores da saúde mental, de que o NASF teria um perfil menos amplo, com recorte
exclusivo na saúde mental: “[...] para mim, o papel do NASF é aperfeiçoar e melhorar o
atendimento aos portadores de doenças mentais, seja ela, leve, moderada ou grave,
só”.
Houve também o relato de uma entrevistada descrevendo o período de início
da implantação do NASF, em 2010, como bastante crítico em virtude das muitas
indefinições sobre o que ele viria, de fato, vir a ser e como a equipe deveria se
organizar. Atualmente, ela avalia que essa situação foi superada de modo que os
pacientes e as equipes de saúde da família podem ser apoiados:
[...] o NASF era uma sopa de letrinhas, ninguém sabia o que iria dizer, ninguém sabia como ia ser, e quando a gente entrava pra consulta compartilhada, interconsulta, que aqui a gente chama interconsulta que é na verdade a consulta compartilhada , era diferente; a pessoa que estava junto não sabia se ela tomava a frente. A gente começou uma construção, eu acho que foi uma construção legal, e hoje em dia, até mesmo com os pacientes, eles já vêm e falam com a gente independente do médico da família, do enfermeiro de família, do técnico. A gente tem uma relação muito legal, a gente pode apoiá-los não só juntos aos usuários.
Os profissionais da ESF:
Para a ESF, o NASF cumpre, em geral, uma função de apoiá-los, por meio
da interconsulta, naquilo que não conseguem resolver, gerando assim aumento da
capacidade resolutiva da atenção básica. Poucas falas definiram o apoio como
58
matricial, mas com o entendimento de encaminhamento facilitado ao especialista,
conforme evidencia o relato abaixo:
[...]O NASF é o apoio matricial, por exemplo no caso do ginecologista, um paciente chega e traz uma certa demanda e a gente tem aquela dúvida, então a gente agenda uma consulta com o ginecologista do NASF, ou seja, o NASF vem e traz esse conhecimento, esse esclarecimento da nossa dúvida.
Apenas um relato mencionou que os casos compartilhados com o NASF
deveriam ser de corresponsabilidade de ambos.
[...] O apoio matricial do NASF eu vejo que é para os profissionais estarem disponíveis para as ESFs, com isso, quando a gente vê uma demanda de um paciente que tem necessidade de acompanhamento específico de um médico, uma especialidade, aí a gente agenda a consulta ou a interconsulta, que é realizada entre o médico ou enfermeiro e um dos profissionais do NASF e esse paciente é seguido pela equipe e pelo profissional do NASF.
Do mesmo modo, uma única fala referiu-se à função do NASF como apoio
para questões de outras áreas de especialidades nas quais a ESF pouco maneja,
permitindo assim uma abordagem mais integral sobre os pacientes atendidos.
[...] eu penso que o NASF existe pra dar conta disso mesmo, dessa questão desse matriciamento dessa demanda que, por exemplo, eu como médica tem coisas de psicologia, nutrição que eu não entendo absolutamente nada , não é do meu “metier”, então a gente conta com o apoio desses colegas para que o trabalho seja efetivamente bem feito , e que a gente possa abordar com um olhar amplo e integral esse paciente.
3.5.2 Categoria de análise: Apoio da gestão para organização do NASF
Os gestores:
Os gestores foram unânimes em afirmar que houve dois critérios norteadores
para a contratação dos profissionais do NASF, sendo um específico para os médicos,
59
que deveriam ter experiência em atenção básica, mas não necessariamente em NASF,
pelo fato de ainda ser um serviço novo, logo, haveria mais dificuldade em contratar
profissionais médicos. O segundo critério utilizado no processo de seleção foi aplicado
especificamente para os demais profissionais não médicos, tendo sido exigido
conhecimento teórico sobre o que é o NASF e valorizados aqueles que já possuíam
experiência prática em NASF ou apoio matricial.
Para dois gestores, houve, em 2002, um importante apoio da gestão com
vistas à qualificação do NASF por meio da oferta de um curso em "cogestão
compartilhada do conhecimento da clínica ampliada". No mesmo ano, impulsionada
pelo curso, a gestão criou um espaço coletivo periódico para os profissionais do NASF
com o intuito de ampliar a capacidade de superação dos desafios cotidianos e fomentar
a grupalidade, em especial dos médicos que tinham cargam horária mais
reduzida.Segundo relato de um dos gestores, “[...] O espaço era para discutir os
desafios da equipe porque, até então, eles estavam muito separados, principalmente os
médicos, por terem o horário pequeno”.
Uma entrevistada, que na época não compunha a gestão, supôs que para o
momento de definição dos critérios de composição do NASF tenha havido alguma
consulta às ESF da Clínica Victor Valla e pouca participação da equipe do CSGSF.
Destaca-se também o discurso de um gestor, presente desde o início do TEAIS, o qual
afirmou que: “[...] o NASF não era novidade para ninguém que estava ali, é um território que já
tinha mais de 40 anos assistido pelo CSGSF como única referência em atenção primária”. Ou
seja, chama a atenção, nas entrevistas com os gestores, não ter havido momento
compartilhado, no âmbito das ESFs, para definição de qual seria o perfil de apoio mais
adequado e necessário ao NASF e a essas equipes. Ressalta-se também o fato de
vários entrevistados terem considerado que a forma tradicional de relação entre
especialistas e ESF seria uma maneira de realizar apoio matricial. Um deles relatou que
o fato do NASF estar no âmbito da ENSP favoreceria a qualificação dos profissionais
para atuarem, dada a oferta de cursos de saúde pública e promoção à saúde. Segundo
60
ele, isto poderia estar cumprindo parte da função de oferta da gestão na qualificação do
NASF.
Para o NASF:
Observamos que os profissionais do NASF, quase em sua maioria, foram
informados, no ato da seleção, de que deveriam realizar apoio matricial nas ESF.
Identificamos também que mais da metade desses profissionais relatou já possuir
experiência prévia com apoio matricial em outros serviços e não ter obtido ofertas
formativas por parte da gestão que os apoiassem na temática, exceto dois profissionais,
que reconheceram como relevante o mesmo curso referido pelos gestores como
“cogestão compartilhada do conhecimento da clínica ampliada” para o NASF, ofertado
em 2012.
Para um único profissional recém-contratado, o apoio é o próprio gerente do
NASF. De um modo geral, os entrevistados não conseguiram identificar com clareza o
que é como se dá a oferta da gestão para qualificação da organização de suas práticas.
Por meio das entrevistas dos profissionais do NASF, é possível observar
que, quando questionados sobre o tema “apoio matricial”, para a maior parte dos
entrevistados, a prática do NASF está organizada na interconsulta, com destaque para
os profissionais da saúde mental que reconheceram o matriciamento como principal
arranjo organizativo.
Para a ESF:
À semelhança dos relatos dos membros da equipe do NASF, a maior parte
das ESFs não identificou auxílio da gestão para receber o apoio do NASF, ainda que
eles reconheçam sua fundamental importância para as práticas, conforme relatado
acima. Chamaram a nossa atenção algumas falas contraditórias em relação ao que
denominamos “apoio da gestão” para que as ESFs se organizem de modo a receberem
o apoio matricial do NASF. Vejamos alguns trechos:
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[...] na verdade tudo aqui foi bem construído junto, tanto a inserção, a implantação da estratégia de saúde da família, quanto a nossa capacitação, quanto o NASF, tudo foi construído junto. Tivemos inclusive o curso de ambientação que trabalhou todas as questões do território e as questões dos apoios matriciais também.
Apenas uma pessoa reconheceu ter havido um movimento da gestão no ano
da implantação do NASF, em 2010, sob forma de consulta às ESFs sobre as
especialidades que seriam importantes para apoiá-los. No entanto, o próprio
entrevistado identificou ausência de uma definição mais sistematizada sobre a função
de cada especialista.
3.6 Segundo Núcleo Temático de Análise: O processo de trabalho do NASF e sua relação com as equipes. Concepções teóricas, práticas dominantes da gestão, NASF e ESF sobre apoio matricial.
3.6.1 Categoria de análise: Referenciais organizativos para o apoio
matricial: como ocorre na prática?
Para a gestão:
Uma ex-gestora, quando questionada sobre os referenciais relevantes, foi
enfática ao afirmar: “usamos toda a referência do Gastão de matriciamento, clínica
ampliada, aquela da Domitti, apoio matricial de referência. E depois a legislação do
NASF, o Caderno 27”. Reafirmou o relato dos atuais gestores ao dizer que todos os
membros do NASF devem têm atribuição de participar das reuniões das ESF, quando
se apresentam e selecionam casos para discussão. Mencionou ainda haver uma
agenda de interconsulta, entendida como uma primeira discussão do caso.
Para outra gestora, a grande influência do NASF consiste na proposta do
matriciamento da saúde mental por estarem anos luz à frente; propôs que o profissional
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do NASF trabalhe em equipe, realize discussões de casos e discuta planos terapêuticos
singulares. Vejamos sua fala:
[...] para ocorrer o apoio matricial, o profissional deve ser um camarada que consiga trabalhar em equipe, que domine muita coisa de discussão de caso, mas sem dirigir logo o diagnóstico, entender a rede, estar bem firmado na discussão de plano terapêutico singular.
Os gestores, de um modo geral, não identificaram diferença entre apoio
matricial e interconsulta. Uma gestora afirmou “não ter capacidade de discutir
conceitualmente o tema apoio matricial”. A ex- gestora definiu o apoio matricial como
suporte do especialista aos generalistas; segundo ela, realizar isso acaba por gerar
corresponsabilidade entre ambos os profissionais, embora considere ser difícil o
reconhecimento, por parte da ESF, de que o caso é sempre do generalista. Segundo
esta profissional, interconsulta é atendimento conjunto com o usuário presente; quando
não há presença do usuário, trata-se de discussão de caso, reforçada pela ideia de que
apoio matricial visa à ampliação do olhar sobre o caso de foma a obter maior
resolutividade.
A ex-gestora enumerou ainda alguns atributos para o NASF, como construir
processos conjuntos com as equipes de saúde da família e articular a rede de
referência, como o CAPS, uma vez que a disponibilidade de carga horária do
profissional do NASF é mais favorável que o da ESF, cuja agenda está sempre
completa.
O atual gestor do NASF mencionou outro atributo, ainda a ser desenvolvido -
o apoio aos grupos de educação em saúde. Segundo ele:
[...] interconsulta é como o plano de cuidado que engloba só um técnico, já o matriciamento é algo mais abrangente como o plano terapêutico singular que chama o agente comunitário, chama mais não sei quem e compõe ali com o próprio paciente... Mas se eu fosse matriciador, eu faria a mesma coisa o tempo inteiro, tentaria agregar o máximo de conhecimento, o máximo de troca, de partilha, e chamaria tudo de um nome só. Matriciamento não dá números, metas, o que dá número é interconsulta.
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O mesmo gestor verbalizou a ocorrência frequente de situações nas quais o
profissional matriciador acaba por conduzir o caso de forma isolada por não ter
paciência com o tempo pedagógico da ESF: “[...] meio que perde a paciência, porque
não tem o tempo pedagógico da equipe e acaba fazendo sozinho; esta é uma situação
que é muito recorrente”.
Para o NASF:
Como principal resultado, identificamos que o NASF não se constituiu como
equipe, ou seja, com pactos coletivos mais estabelecidos quanto ao seu modo de
apoiar as ESFs. Assim, podemos afirmar, de um modo geral, que os entrevistados do
NASF não identificam um referencial único, norteador da organização de suas práticas.
Seus relatos mencionam diversas perspectivas, mas a compreensão coletiva é de que
todos os profissionais devem estar disponíveis para o apoio à ESF, o que não significa,
no entanto, que todos realizem apoio matricial. Serão descritos abaixo os resultados
com base nos aspectos priorizados pelo NASF que sustentam a prática. Identificamos
que os principais referenciais organizativos do NASF são:
O Caderno nº 27 do Departamento de Atenção Básica do Ministério
da Saúde, que trata das diretrizes de organização do NASF;
Os referenciais propostos por Gastão Wagner sobre apoio matricial e
clínica ampliada;
O conceito de interconsulta - não conseguimos identificar nas
entrevistas um autor em especial de referência a este conceito.
Importante mencionar que os referenciais apresentados acima não
obedecem a nenhum critério de prioridade, como pode ser observado nos relatos:
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[...] eu acho que o referencial são todos os Cadernos de Saúde da Família do MS, assim como os Cadernos da Saúde Mental é uma ferramenta importante, a clínica ampliada do Gastão...
[...] Todo o meu apoio em tese é só com interconsulta, a princípio é com interconsulta.
No entanto, os relatos de dois profissionais descrevem sua prática no NASF
como estritamente técnica no âmbito de suas especialidades. Uma dessas falas
evidencia, inclusive, a concepção de que o apoio matricial seria atribuição de outras
áreas de conhecimento, no caso da medicina de família e da saúde pública. Ambas as
falas sugerem que esses profissionais desconheçam o que seja apoio matricial.
[...] O que você chama de apoio matricial especificamente? O meu apoio, na verdade, é como especialista. Eu não sei se é isso, assim como eu te falei eu não tenho formação em saúde pública, em medicina da família, meu apoio é técnico ginecológico.... Para mim, como todos os meus atendimentos são iguais, eu não vejo diferença, como eu te falei, não é a minha área de atuação. Eu atuo especificamente com apoio ginecológico ou seja, todos acontecem da mesma forma.
[...] Eu penso que esse apoio matricial seria você dar um suporte, fazendo as visitas, também verificando, seria isso tudo. Eu ainda não tive esse tempo, porque estou muito preso ainda na farmácia.
Em relação às semelhanças e diferenças entre apoio matricial, interconsulta
e consulta conjunta, os entrevistados, de modo geral, entendem que sejam a mesma
coisa, ainda que alguns reconheçam que o apoio matricial possa ser mais amplo que a
interconsulta ou, ainda, que ela faça parte do apoio matricial. No entanto, podemos
dizer que a maioria dos entrevistados não conseguiu descrever em detalhes a que, de
fato, se referem quando abordam essas diferenças, semelhanças ou
complementaridades. Apenas duas falas definiram a interconsulta como algo que
ocorre sem a presença do usuário e a consulta conjunta como aquela que se
estabelece na sua presença. Já o apoio matricial, para eles, ocorreria no espaço da
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reunião de equipe, por meio da troca de saberes entre o campo de conhecimento do
especialista e do generalista. Alguns recortes das entrevistas possibilitam essa
compreensão:
[...] interconsulta e apoio matricial são as mesmas coisas. Diria que o apoio matricial é maior do que a consulta conjunta porque ela é uma das partes do apoio matricial. Avalio que, às vezes, também é necessário realizar uma consulta separada só para aprofundar mesmo o caso e também faz parte do apoio matricial.
[...] Eu vejo a interconsulta como uma das ferramentas para o apoio matricial que, na verdade, transcende a interconsulta. A interconsulta não é aquilo que está no contrato de gestão. Interconsulta é aquilo que acontece sem o usuário, já a consulta conjunta é o que acontece junto com o usuário. Apoio matricial é uma coisa de nomenclatura, já que é aquela consulta que você faz junto com o usuário, em que estão o profissional do NASF e o profissional da equipe.
[...] Um exemplo da interconsulta é quando, por exemplo, sou um profissional enfermeiro de uma equipe de saúde da familia e estou ali com o usuário realizando puericultura e tenho uma dúvida e não estou agendado com aquele profissional pediatra para que entre junto comigo, mas o pediatra vai a casa, eu saio do meu consultório e vou até ele, confabulo, tiro a dúvida e apresento a questão; com isso, ele me dá um posicionamento de como conduzir, eu volto pro meu consultório e finalizo a consulta.
[...] Acho que apoio matricial é aquilo que acontece exatamente quando você tem a possibilidade de um profissional do NASF interagir com o membro ou membros da equipe para essa produção de um novo conhecimento, você vem com esse conhecimento mais especializado, a equipe e os profissionais vêm com o conhecimento do âmbito da saúde da família e ali você tece uma possibilidade de resolução e uma produção de um novo conhecimento, para que esse desfecho e essas resoluções elas se concretizem. Algo que se dá mais no espaço da reunião de equipe.
Houve um relato de que a interconsulta “não demanda muita conversa” para
a construção do PTS: “Com a interconsulta, a gente não precisa conversar muito, já que
eu entro junto com o enfermeiro ou médico pra gente pode traçar um plano terapêutico”.
Para uma profissional no âmbito do TEIAS, o termo “interconsulta” é o
mesmo de consulta conjunta com o médico; já no âmbito da gestão municipal, esse
termo corresponde à consulta conjunta com o médico ou não.
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Você fala interconsulta no Rio de Janeiro é uma confusão danada. No sistema de registro daqui do TEIAS usamos o termo interconsulta, que significa a consulta junto com o médico, mas no município a gente não usa a palavra interconsulta, a gente usa consulta conjunta.
No campo da saúde mental, observamos que os entrevistados foram os que
apresentaram maior disponibilidade em detalhar a sua prática. Um profissional da área
descreveu que para realizar apoio matricial considera como relevantes os seguintes
aspectos: inicialmente, nunca atender ao paciente sozinho, ainda que seja por
solicitação da equipe, o que também não impede de, em um segundo momento,
realizar uma consulta sem a presença da equipe; há de se ter o entendimento
constante de que o paciente é sempre da equipe de saúde da família; o primeiro
atendimento deve ser conjunto, por meio de visita domiciliar ou consulta conjunta; e a
discussão de caso deve ser realizada, se possível, com toda a equipe de saúde da
família. Vejamos sua fala:
[...] Inicialmente, nunca se deve atender um paciente sozinho, mesmo que seja por solicitação da equipe. Esse paciente é da equipe, então a primeira relação com paciente deve ser de uma consulta conjunta ou visita domiciliar. Depois é possível discutir o caso; por exemplo, às vezes, eu até peço para a equipe que eu atenda o paciente sozinho para me aprofundar no caso. Isso não significa que eu estou afastando o paciente da equipe, significa que eu vou sim, devolver o caso com o que eu fiz, o que eu pensei para caso, ou seja, vou trocar e, como eu te falei antes, a discussão do caso é a parte mais importante do apoio matricial, é discutir o caso, é discutir com a equipe, não é com o médico, é com enfermeiro, com o agente de saúde, como é que a gente vai lidar com aquele caso.
Outro aspecto interessante que emergiu das falas refere-se ao fato de que
todas as práticas do NASF, do ponto de vista da produção, são monitoradas pelo
sistema de registro eletrônico como interconsulta e não como apoio matricial; inclusive,
parte desses agendamentos para a interconsulta ocorre por esse sistema.
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[...] Na verdade, eu acho que cada um chama de um nome, mas que no fundo é a mesma coisa. A gente mesmo faz isso, a gente entra no nosso sistema de registro eletrônico, você vai só entrar como interconsulta.
Os discursos dos profissionais do NASF revelaram, de um modo geral, que
todos possuem plena disponibilidade para apoiar as ESFs. No entanto, o critério de
seleção dos casos se dá sempre por parte da ESF. Não ficou claro até que ponto o
NASF consegue construir um conjunto de sugestões desses critérios, exceto algumas
iniciativas muito individuais de alguns poucos profissionais. Quanto ao seguimento do
caso, as falas caminharam no sentido de que as equipes conseguem fazê-lo. Valorizam
também um sistema eletrônico proposto pela SMS-RJ para marcação de interconsulta;
segundo sua avaliação, esse sistema contribui para a organização da agenda.
[...] Como é que seria uma equipe me chamando para fazer uma visita, por uma necessidade dela? Teria o meu olhar também, eu fiquei até pensando que eu poderia até propor assim de fazer uma visita com os agentes.
Uma fala referiu-se, no entanto, a um fato inicialmente bastante comum: as
equipes se desresponsabilizarem pelos casos discutidos com o NASF.
[...] aí tem esse monte de coisas, mas o problema é que muitos jogam o paciente e presente pra gente, dão assim, não querem nem saber, passa e fala “então tá bom, agora ele é seu”. Isso aconteceu muito no começo, agora mudou muito e isso tem ajudado bastante e está muito melhor, mas no começo era assim.
Interessante observar o relato de uma profissional afirmando não haver uma
pactuação coletiva de um possível rol de critérios de encaminhamento dos casos a ela.
Ele permite observar que isso se dá caso a caso. Vejamos:
[...] na maioria das vezes, o primeiro contanto é sem o paciente para a equipe poder relatar e eu entender por que eles precisam de mim. Ou seja, o que é o caso e o que eu posso fazer, na maioria das vezes, tem uma conversa com os membros da equipe para traçarmos qual vai ser o plano, e alguma vezes já é com o paciente.
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Outro profissional considerou a possibilidade de, às vezes, poder dar um
novo direcionamento, “mudar o rumo da prosa”, como o aspecto mais importante de
apoiar matricialmente, ou seja, poder contribuir para ampliar o modo como o caso tem
sido conduzido pela equipe de saúde da familia. Citou algumas situações de
aproximação maior do campo da saúde mental com o da saúde da família, assim como
a discussão da desmedicalização em alguns casos.
[...] o mais importante desse apoio matricial que é se unir com a equipe pra discutir casos e saber qual o destino que vai se dar a esse caso e, às vezes, mudar o rumo da prosa, como o caso estava sendo levado. Eu tenho vários casos aqui, que a gente desfez o preconceito da equipe em relação à saúde mental do paciente. Casos que a equipe queria medicar, e que eu mostrei depois que esse paciente não tinha que ter medicação porque ele estava funcionalmente de um jeito correto.
Observamos que, pelo fato de a relação estabelecida entre os profissionais
do NASF e as equipes de saúde da família apoiadas ser muito variada, não fica bem
definido o rol de atribuições de cada membro. Ou seja, para aqueles profissionais que
pactuam com as equipes, não está claro como podem e devem apoiá-las. Entre
aqueles que possuem maior disponibilidade em realizar apoio matricial, o entendimento
de suas atribuições é maior se comparados àqueles que possuem menor vínculo com
as equipes de saúde da família, os quais acabam por expressar maior ansiedade e falta
de clareza dos limites de seu apoio.
Nesse sentido, a fala de uma profissional expressa que, apesar de seu
empenho em definir sua atribuição nas equipes, ainda é comum demandarem muitas
atividades a ela.
[...] Eu acho que, na verdade, a gente apoia em todas essas coisas, porque eles não têm domínio sobre aquela, essa profissão que é a minha que é a que eu faço, não tem domínio sobre isso, então eles me chamam para pedir uma ajuda, tipo: o que posso fazer com esse paciente? O que você acha? Você pode orientar alguma atividade que eles possam fazer em casa? Você pode ir até a casa deles para orientar o cuidador? Você pode fazer um grupo?
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Outra profissional verbalizou que, apesar de reconhecer que a equipe tenha
clareza sobre os limites de sua atribuição como médica do NASF, as equipes, em
função da excessiva demanda, deixam de executar algumas atividades importantes. No
entanto, apesar de se preocupar com isso, entende que não consegue assumir essa
responsabilidade para si, de modo isolado, por ausência de tempo, e questiona se deve
mesmo executar essas tarefas, dada a proposta do modelo de organização da saúde
da família.
[...] Eles têm clareza da minha atribuição, agora eu acho que tem muito mais coisa a ser feita... talvez porque as equipes estão sobrecarregadas. Eu acho que cada vez mais tem muita coisa para fazer, toda hora tem alguém batendo na minha porta pedindo receita, exames ou passando a demanda.
Vou falar da minha parte da pediatria, falta acompanhar mais o desenvolvimento infantil, que seria uma coisa que seria legal pra gente fazer com todas as equipes, as primeiras consultas do recém-nascido até 15 dias, pra cumprir todas as metas que são cobradas e porque são importantes. Mas falta tempo, porque eu também não posso dizer que vou atender, primeiro que esse não é a ideia da saúde da família eu atender todas as crianças que nasceram, outra que eu estou aqui uma vez na semana com três equipes e uma vez na semana lá. Não sei!
Como já mencionado, o NASF Maguinhos possui, em seu perfil de
composição, um profissional sanitarista com a atribuição especifica de apoiar as
equipes nas atividades de educação permanente. Para esse profissional, esta atividade
remete centralmente ao apoio à organização do processo de trabalho. No entanto,
avalia com dúvidas seu matriciamento, quando, por exemplo, tem que realizar uma
visita domiciliar conjunta, talvez por reconhecer não ser esta sua atribuição por se tratar
de uma ação diretamente assistencial e não de organização do processo de trabalho da
equipe. No entanto, é possível observar que esta atribuição de educador permanente
no NASF segue ainda em construção, conforme revelam as falas abaixo:
[...] eu fico problematizando muito como é que seria eu educadora permanente desenvolver todas essas atividades junto a essas equipes? Como é que seria eu apoiar, matriciar um enfermeiro junto com um agente fazendo uma visita
70
domiciliar? Seria para ver o processo de trabalho do agente? Penso que seja diferente de um pediatra ir, o foco de atuação dele é diferente do meu, eu fico muito mais com a questão do processo de trabalho da equipe do que a resolução direta com o usuário.
Essa minha atuação no NASF ainda é muito confusa, ainda bem que você me entrevistou agora que eu comecei a tentar entender...
Em relação aos instrumentos utilizados pelo NASF quando da realização de
apoio às ESF, chamou a atenção o fato de nenhuma das falas ter conseguido
descrever, em detalhes, como as ferramentas são de fato utilizadas na prática, ainda
que a maioria mencione, como recursos utilizados, projeto terapêutico singular, visita
domiciliar, educação permanente e a própria interconsulta.
[... Há o apoio à elaboração do plano terapêutico singular junto com a equipe, assim como a visita domiciliar.
Para um entrevistado, a atividade de visita domiciliar não é considerada uma
prática, ainda que incorporada por alguns membros do NASF. Vejamos:
[...] Como é que seria uma equipe me chamando para fazer uma para uma necessidade dela? Teria o meu olhar também, eu até fiquei pensando que eu poderia propor sim de fazer uma visita com os agentes.
A fala abaixo reforça que a centralidade da prática, em termos de carga
horária de 20 horas, para uma profissional médica, é a interconsuta. Promover
discussões de casos, visitas domiciliares e processos de educação permanente seriam
portanto, atividades extras.
[...] Dedico-me no mínimo 10 horas, porque como são duas unidades, eu estou um dia em uma unidade e o outro dia em outra. É um turno pra cada uma e eu deixo o resto do tempo para capacitação, visita domiciliar ou o que mais for necessário, como discussão de caso com as equipes.
71
Houve ainda uma única fala que avaliou o apoio matricial como atividade
semelhante à tutoria, relacionando-o a algo menor do que o apoio da técnica oferecido
pelo especialista quando demandado pela equipe de saúde da família. Houve, também,
um relato que considerou o apoio matricial semelhante aos recursos utilizados para o
apoio às ESF, como treinamento em serviço:
[...] Não faço tutoria em aula, porque não é meu foco, não tenho formação pra isso, eu não sou academicista.Eu ofereço um serviço técnico.
[...] Utilizo no meu apoio, discussões de caso e capacitações. Não sei se eu poderia chamar o que faço como treinamento em serviço.
Para a ESF:
De um modo geral, os entrevistados das equipes de saúde da família
consideraram a interconsulta como o principal referencial de apoio do NASF, ainda que
parte dos profissionais entenda que, quando ocorre o apoio matricial, este é mais
complexo por possibilitar a construção conjunta de projetos terapêuticos singulares.
Parece claro não haver uma pactuação coletiva sobre quais são os critérios de seleção
dos casos, assim como sobre a forma monitorá-los e quais as ferramentas facilitadoras
deste apoio.
Houve relato unânime a respeito da dificuldade das próprias equipes de
saúde da família em dar seguimento aos casos quando não instigadas pela equipe do
NASF a reavaliar os projetos terapêuticos propostos. Observamos também um relato
mais geral, no sentido de ser bastante variável, de acordo com o profissional envolvido,
o modo como ocorrem o apoio matricial, a consulta conjunta ou a interconsulta.
Uma entrevistada descreveu como relevante a atuação de um profissional da
saúde mental quanto ao seu modo de apoiá-la por meio de discussões de casos,
interconsulta e educação permanente. Sugeriu, inclusive, que a gestão apoie iniciativas
formativas semelhantes. Vejamos:
[...] há um profissional em especial que está sempre discutindo casos comigo, participando das interconsultas, capacitando-me sobre o uso dos psicotrópicos,
72
dos efeitos colaterais, principalmente agora que eu estou fazendo uma especialização em geriatria, polifarmácia que os idosos usam muito, ele discute isso muito comigo. Agora mesmo a gente esta conversando pra que ele possa efetivamente, ou até a própria gestão nos capacitar do ponto de vista de melhorar a atuação do NASF.
Em relação aos principais referenciais organizativos da prática do NASF,
uma profissional considerou importante propor processos de capacitação sobre a
dinâmica de funcionamento do NASF, tanto para os médicos de família quanto para os
matriciadores do NASF. Ela observou a ausência desta proposta, ressaltando que o
apoio é sempre pontual.
[...] Eu acho que é preciso capacitar tanto os profissionais, que somos nós médicos e os matriciadores. Acho que todo mundo vem aqui com os seus conhecimentos e fica tentando ajudar pontualmente. Eu desconheço os recursos que eles usam.
Em relação às semelhanças e diferenças entre apoio matricial, interconsulta
e consulta conjunta, algumas falas consideraram que, na teoria, esses conceitos são
distintos. Outras, no entanto, afirmaram desconhecer o que, de fato, seja apoio
matricial, embora tenham reconhecido que, de modo geral, realizam mais interconsulta
do que apoio matricial.
[...] Eu acho que a gente tem muito interconsulta. Eu acabei inclusive de experimentar só na semana passada o apoio matricial de um médico psiquiatra.
[...] Olha só eu sei que na teoria é diferente, mas eu não saberia definir pra você, mas certamente eu sei que é diferente, não vejo como a mesma coisa não .
[...] Assim eu até imagino o que seja apoio matricial, mas eu não sei a palavra correta para falar.
73
Alguns entrevistados ainda consideraram muito variável a prática;
dependendo de cada profissional do NASF, podem ser assumidas posturas mais
coletivas ou individuais dentro de suas especialidades. O fragmento abaixo evidencia
essa percepção:
[...] depende do profissional porque um se posiciona mais como especialista para dar um apoio técnico e outros mais como uma questão mais coletiva, vamos dizer, não sei.
Para uma entrevistada, a interconsulta é a escuta de um caso por dois
profissionais, sendo que gera, em algumas situações, segundo seu entendimento, um
apoio técnico ótimo, que a “deixa feliz”; em outras, no entanto, não obtém o mesmo
resultado, por ter a expectativa de mais intervenções do profissional do NASF.
[...] A interconsulta na prática é como se tivesse dois profissionais escutando a mesma história e todo mundo esperando o que vai acontecer, acho que tem um pouco de falta de iniciativa. Não sei como explicar direito essa falta: assim, a gente tem alguns matriciadores, por exemplo, que para mim o apoio técnico é ótimo, eu sou feliz. Mas também tem outros que eu gostaria de muito mais coisas, muito mais abordagem e não me dão.
Para uma profissional, a interconsulta no NASF funciona como um parecer
de um especialista, algo que se encerra nisso. Abaixo sua fala:
[...] A interconsulta do NASF é como se eu precisasse de um parecer do outro profissional especialista. Ele vê o caso e ajuda-me na conduta, mas daí não vai além.
Outra entrevistada descreveu a interconsulta como aquela que ocorre no
espaço da consulta conjunta e o apoio matricial como aquele que se dá fora do espaço
da consulta, sem a presença do paciente.
74
[...] O apoio matricial é quando eu tenho determinado caso e levo esse caso pra discutir com o profissional do NASF, não sendo durante as consultas, ou seja, sem o paciente.
Em relação aos critérios de encaminhamento, duas médicas deixaram claro
que este aspecto, todavia, não está plenamente pactuado com sua equipe, uma vez
que têm dúvidas sobre quando devem ou não encaminhar um caso à equipe do NASF.
Vejamos:
[...] Pessoalmente, os casos que eu direciono são casos de dúvida. Quando a enfermeira me passa os casos eu não sei se encaminho para o NASF ou se dentro da minha equipe a gente resolve.
[...] Nunca foi assim pactuado um critério com o NASF. Olha eu vou fazer isso, isso e isso, e você faz isso, isso e aquilo. Nunca ficou pactuado isso, que eu me lembre não.
Para outra profissional médica, o critério para encaminhar ao NASF é
quando os médicos não conseguem resolver o caso.
[...] Encaminhar é quando nós, médicos, não conseguimos dar conta do caso, daí a gente pede um help do NASF.
Uma enfermeira relatou que, em sua equipe, o critério de seleção de caso
para o NASF é decidido durante as consultas, de acordo com a queixa do paciente, o
que reforça a impressão de não haver um pacto coletivo de critérios de
encaminhamentos.
[...] O critério de encaminhamento para o NASF ocorre durante as consultas de acordo com a queixa do com a paciente, de acordo queixa a gente encaminha.
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Outra entrevistada relatou que sua única experiência a respeito de critérios
de seleção dos casos a serem apoiados pelo NASF ocorreu com a pediatra do NASF, a
qual orientou que todas as crianças com asma fossem encaminhadas a ela.
A ausência de reavaliação dos casos, apesar de a equipe conseguir dar
seguimento àqueles discutidos com a NASF, sobretudo dos não crônicos e
influenciados pelo contexto local de muita vulnerabilidade social, como a violência, foi
aspecto destacado por um entrevistado. Vejamos:
[...] Eu acho que a minha equipe consegue dar o seguimento, mas eu acho que, por exemplo, teria que ser pautada uma reavaliação para ver se está tudo ok, porque há casos que são mais ou menos crônicos, e não fica só numa avaliação e a gente dá o seguimento, mas eles ficam anos e anos. É uma doença mesmo coletiva de avaliação das famílias eu acho que assim, por causa da grande demanda desse meio de violência que eles sofrem, eu acho que fica muito difícil de darmos conta disso como médico somente.
Já outra profissional afirmou ser capaz de dar seguimento aos casos demodo
conjunto, em virtude do apoio aos projetos terapêuticos singulares que a equipe
consegue desenvolver com o NASF. Em sua avaliação, trata-se de um apoio muito
importante:
[...] Sim, sem dúvida, damos seguimentos aos casos discutidos com o NASF, tem vários casos na equipe que têm melhorado bastante e a gente tem feito até planos terapêuticos singulares e acompanhado os casos e eles têm melhorado, e, certamente, o NASF tem influenciado positivamente.
Para uma entrevistada, sua equipe possui muita dificuldade em dar
seguimento aos casos discutidos com a equipe do NASF, por não ele, NASF, não estar
presente nas reuniões para auxiliá-los com as avaliações.
Uma médica mencionou não ter observado ainda a utilização de um método
capaz de organizar o trabalho do NASF no que se refere ao apoio matricial; ela entende
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que os profissionais ofertam apoios pontuais em suas especialidades, mas não
identifica esse apoio como matriciamento.
[...] Eu acho que não há uma organização, um método de apoio matricial. O que eu estou falando é que parece que são profissionais com uma especialidade x e que estão aqui para questões pontuais. É isso aí eu não vejo o matriciador aqui dentro.
No entanto, outra médica relatou experiência positiva com um colega
psiquiatra do NASF, o qual propôs a elaboração de um projeto terapêutico conjunto
com a equipe dela. Essa corresponsabilização do médico a surpreendeu positivamente.
[...] O interessante do psiquiatra do NASF é que ele acabou puxando a discussão de um caso de uma família que a gente acompanha e ele se envolveu conosco e resolveu que não bastava interconsulta e quis entrar de outras formas também e foi interessante. Ou seja, ele que nos chamou e ajudou a pensar o projeto terapêutico singular e hoje está acompanhando conosco, se responsabilizou por muitas coisas. É uma surpresa positiva!
Uma enfermeira conseguiu descrever como ocorre o apoio matricial em sua
equipe: inicialmente relatam o caso ao profissional demandado do NASF e, na
sequência, é agendada a interconsulta, a fim de traçarem conjuntamente o plano
terapêutico.
[...] quando precisamos de um apoio matricial do NASF, levamos antes a ele o caso do paciente, depois marcamos a interconsulta de modo que quando o profissional chegue à consulta não precisamos ficar passando tudo na frente do nosso paciente. Então, o profissional do NASF quando entra na consulta já entra sabendo do caso, com isso é possível que durante a interconsulta já traçarmos um plano terapêutico em conjunto.
Uma profissional mais recententemente integrada à equipe relatou que,
apesar de ter recebido pouca orientação sobre a função do NASF, sabe que, na prática,
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quando identifica um paciente que requer o olhar de um especialista, deve agendar
para a interconsulta, para que passe a ser acompanhado pelo NASF.
[...] eu não tive muita orientação sobe o NASF quando eu entrei aqui, mas eu sei quando vemos a necessidade do paciente para um especialista, agendamos uma interconsulta com o profissional e daí esse profissional acompanha. Não tenho muita informação para falar sobre isso.
Aspecto ressaltado foi que o NASF deveria fazer-se mais presente entre as
equipes de saúde da família, a fim de acompanhar as questões cotidianas dos
processos de trabalho. A fala abaixo traz esta ponderação:
[...] Eu avalio como importante o NASF estar sempre junto com a equipe, para que saibam de todo o processo de trabalho da equipe.
Um entrevistado avaliou negativamente o fato de os profissionais do NASF
terem somente 20 horas semanais em cada unidade, o que, em sua opinião, dificulta o
atendimento a todas as demandas de sua equipe. Mencionou também que algumas
especialidades deveriam estar presentes na composição do NASF e, como exemplo,
citou a cardiologia.
[...] eu só queria que melhorasse um pouco a disponibilidade de carga horária dos profissionais do NASF, porque eles ficam muito pouco tempo aqui com a gente na atenção primária, são 20 horas, e tem algumas especialidades que eu acho que poderiam ser adicionadas ao NASF, por exemplo, no momento a gente está sem cardiologia, e cardio é uma demanda grandiosa e, às vezes, a gente tem umas dúvidas.
Ao contrário da maioria das pessoas entrevistadas, uma única profissional
referiu que o NASF sempre participa das reuniões de equipes, discutindo casos, com
vistas domiciliares a fim de reduzir o encaminhamento dos pacientes de Manguinhos
para outras instâncias.
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[...] Eu observo que o NASF está cada vez melhorando mais o seu processo de trabalho. Eles estão sempre se reunindo com as equipes, eles estão participando dos casos, participando das discussões, estão planejando outras atividades para melhorar o desenvolvimento da comunidade, porque a intenção é cada vez mais diminuir o número de encaminhamentos para outros lugares.
O registro das atividades do NASF, como já mencionado, é a interconsulta, e
realizado pelo sistema de registro eletrônico ALERT. Para parte dos profissionais, o
NASF não consegue monitorar os casos discutidos com a equipe de saúde da família.
[...] Nós não vemos muito o NASF acompanhando ou monitorando os casos discutidos conosco.
3.6.2 Categoria de Análise: Percepção da avaliação do NASF para si,
para a ESF apoiada e para a rede local de saúde.
Para a gestão:
De um modo geral, as falas dos gestores mencionam a existência do NASF
como algo muito positivo, aspecto reforçado pela redução do número de
encaminhamentos para especialistas da rede de ambulatórios tradicionais, dada à
observação no Sistema Nacional de Regulação-SISREG e também pela menor
rotatividade da equipe do NASF comparada à ESF. Chama a atenção o destaque dado
pelo grupo de gestores à atuação de um cardiologista do NASF, o qual obteve boa
inserção nas ESFs ao apoiar e reorientar as demandas cardiológicas para casos mais
complexos. Esse cardiologista, no entanto, não faz parte da equipe do NASF.
Ainda como ponto favorável, uma gestora enfatizou a importância de um
espaço coletivo da Coordenação de Área Programática- CAP 3.1 de gestão sobre o
NASF carioca como facilitador para refletir a organização do NASF para além das
diretrizes nacionais.
Como aspectos nos quais ainda é preciso avançar, ressaltou-se que as
iniciativas da academia da saúde e PSE deveriam estar mais integradas ao NASF e a
existência de ESF sem matriciamento, em decorrência da falta de acessibilidade de
79
ambas as equipes. Houve ainda a avaliação de que, na Clínica Victor Valla, supõe-se
ser mais fácil a inserção dos profissionais do NASF, dado que o serviço já se originou
organizado pela ESF, diferentemente do CSEGSF, que se organiza, há muitos anos,
segundo um modelo híbrido de atenção básica.
Emergiu ainda a questão do monitoramento das atividades da equipe do
NASF, tais como o registro e a criação de alguns indicadores específicos, além do já
proposto pela SMS-RJ, o qual se refere ao número de interconsultas realizadas, pelo
fato de não serem a única atividade desenvolvida. E, por fim, foi ressaltada a
necessidade de inserção de outros profissionais no NASF Manguinhos, como
fisioterapeutas que realizassem acupuntura, maior número de psicólogos, com carga
horária de 40 horas, e assistentes sociais.
Para o NASF:
De maneira geral, todos se mostraram entusiasmados ao afirmar que o
NASF foi um ganho para a rede local de saúde por possibilitar maior oferta de
profissionais especialistas. Já quando questionados sobre como avaliam o apoio que
realizam para as ESF, alguns transmitiram positividade em relação ao modo como se
organizam, acreditando estarem “no caminho certo” e reconhecendo a superação de
alguns desafios no processo de implantação. Outros, no entanto, consideraram
necessárias importantes readequações no sentido de otimizar a avaliação da ESF em
relação ao apoio do NASF, por exemplo, presença de uma equipe que não demande
apoio, mesmo após mais de três anos de implantação do NASF; ressaltaram também
que o sucesso do trabalho do NASF está concentrado na necessidade de o próprio
profissional do NASF doar-se mais; ou, ainda, que o melhor indicador de êxito é a
mudança de marcações de baixa complexidade de consultas com especialistas
observadas no SISREG. Algumas falas evidenciam esses aspectos:
[...] Tenho dúvidas. Até porque tem pessoas que não procuram a gente, então não sei, têm equipes que nunca me chamaram pra nada e eu acho estranho porque têm outras que me dão uma demanda mega.
80
[...] Comigo ainda não, eu tenho que me doar mais para o NASF, em relação a todo o trabalho em si.
[...] Eu acho que a equipe do NASF, fica muito longe de atender todas as expectativas dos profissionais da ESF, mas em alguma coisa ela tem se aproximado, até porque expectativas é uma coisa muito individual. Agora voltando à rede, eu vejo que, em alguns pontos, a gente consegue colaborar, por exemplo, dentro das especialidades, quando você tem um cardiologista que qualifica melhor os encaminhamentos pra rede de especialidade de cardiologia, a gente vê que aquela entrada pelo SISREG é muito mais aproveitada, e tem menos devolução e menos recusa de vagas com a mesma coisa a pediatria e a gineco, saúde mental.
[...] Eu acho que já avançamos muito, mas a verdade é que as equipes estão sobrecarregadas, eu acho que cada vez mais tem muita coisa para fazer, mas assim toda hora tem algum batendo na porta pedindo receita, exames, passando, tem a demanda, tem tudo, cada vez eles têm um número de atribuições maiores, seja o agente de saúde, seja o técnico, seja o enfermeiro, seja o médico de família, tem muita demanda.
[...] Não, eu acho que tem a desejar, eu acho que não saúde mental eles estão mais ou menos, mas nas outras especialidades não é dessa mesma forma, até porque o modo de pensar é diferente também, eu discuti muito com eles a questão do encaminhamento, quando eles me encaminhavam pacientes eu perguntava: vocês me encaminham pro pediatra os meninos que vocês atendem, vocês encaminham os cardiopatas pros cardiologistas que vocês atendem. Não porque a relação é mais medicona nesse sentido. Aí eu acho que falta um traquejo de entender que a saúde da família não é uma especialidade só medica, ela tem a medicina também, eu acho que a própria a equipe do NASF tem uma deficiência desse entendimento.
[...] Eu não saberia te falar, eu tenho que escutar os outros profissionais pra saber isso.
Somente uma pessoa recordou de um instrumento desenvolvido pela gestão
para avaliar a interação do NASF com as ESFs. No entanto, como esse instrumento
ainda estava sendo aplicado, não tivemos acesso a ele.
Houve também relato interessante de um profissional que reconheceu a
maior facilidade do NASF para atuar junto à Clínica Victor Valla, quando comparada ao
CSEGSF, por ser mais nova e com um perfil de médicos de família ainda residentes,
conforme o relato abaixo:
81
[...] A Victor Valla é composta por equipes de estudantes de saúde da família, então eles estão mais afeitos às interferências externas, estão mais afeitos ao NASF, mais receptivos. O Sinval tem a questão de equipes que se contrapõe, por exemplo, eu quando fui psiquiatra de lá, recebi encaminhamentos e era o psiquiatra do NASF. É o psiquiatra do posto começou a me encaminhar pacientes, eu o chamei pra uma reunião e falei: cara, se alguém tem que encaminhar pacientes sou eu pra você, que sou é o psiquiatra e não você pra mim. Ele disse não esses pacientes são da saúde da família e não do posto. Ou seja, não há uma integração das unidades, então essa questão pra mim é, enquanto a saúde da família tiver essa dupla direção ela só complica.
Para a ESF:
As entrevistas com membros das ESFs revelaram, em sua maioria, suas
percepções a respeito do NASF como algo muito positivo enquanto retaguarda
clínica.
[...] Eu gosto de ter o NASF aqui, eu tenho a sensação de ter uma retaguarda clínica, de compartilhar dúvidas com outro profissional... é alguém que te tira do consultório, senão você fica no atendimento individual. Mas eu acho que pode avançar, mas eu gosto muito.
[...] Eu digo pra você que hoje a gente não consegue enxergar mais a clínica Victor Valla sem a equipe do NASF.
[...] pelo que eu ouço de outros colegas que foram trabalhar em outros lugares que nem têm NASF, certamente o trabalho deles é bem mais atravancado, digo assim, é um pouco “tucanado” mesmo o processo de trabalho nesses lugares sem o NASF, então aqui eu me sinto, digamos algo meio sortuda por estar num lugar de excelência e com excelentes profissionais ao redor, e com quem eu tenho chance de trocar experiências, vivências o tempo inteiro e sempre aprendendo.
Em se tratando da necessidade de avanços, ainda que a pesquisadora tenha
insistido, poucas pessoas conseguiram especificar o que, de fato, precisa ser
melhorado, com destaque para a importância de melhor organização da ESF para
receber o apoio do NASF. Outro relato identificou que a carga horária do NASF deveria
ser mais horizontal, ou seja, de 40 horas por semana. Houve ponderações no sentido
de que o NASF Manguinhos possa ser ampliado, com a inserção de profissionais do
82
serviço social, cardiologia e nutrição. Um profissional médico detalhou o modo de
organização do NASF, como segue abaixo:
[...] muitas vezes, a gente não sabe onde eles estão, mas é porque são muitas salas, oito equipes e eles se diluem dentro dessas salas. E eu falo para o ACS: vê se tu acha onde está o fulano hoje e segura ele lá porque quando ele sair eu quero falar com ele. Acho que apesar de existir a agenda precisamos organizar esse fluxo de atendimento em algumas situações. Digo isso porque, às vezes, aparecem algumas situações que a gente precisa discutir, independente de interconsulta, poderíamos organizar um dia para fazer uma VD juntos, eu acho que eles poderiam discutir protocolos mais vezes, e sair assim da parte de assistência pura e passar a discutir dificuldades para, depois, nós da ESF caminharmos mais sozinhos.
3.7 Síntese dos resultados com base nos núcleos temáticos e categorias de análise
Para efeito didático, elaboramos, com base na análise dos resultados, um
quadro síntese com a finalidade de descrever, comparar as semelhanças, diferenças e
complementariedades entre os resultados obtidos por meio das entrevistas com
profissionais envolvidos na gestão, no NASF e na ESF.
Quadro 4: Síntese dos resultados com base nos núcleos temáticos e categorias
de análise.
PRIMEIRO NÚCLEO TEMÁTICO DE ANÁLISE: Implantação do NASF Manguinhos e
a gestão do trabalho
CATEGORIA DE ANÁLISE: Nasf, a que se destina?
(Gestão):
O NASF traz a possibilidade de apoio do especialista às ESF, com vistas ao aumento
da capacidade resolutiva da atenção básica, sob a ótica do cuidado integral.
É a retaguarda de especialistas por meio da interconsulta junto às ESF.
(NASF):
Possibilidade de apoiar as ESF na ampliação de conhecimentos em outras áreas.
Foram citadas palavras como “interagir”, “suprir deficiências”, “troca de conhecimento”,
83
“potencializador”, “qualificar”, “dividir responsabilidade”, “pensar junto”, “apoio matricial”
e “interconsulta”.
(ESF):
Possui a função de apoiar a ESF por meio da interconsulta naquilo que não conseguem
resolver, gerando assim aumento da capacidade resolutiva da atenção básica.
É o encaminhamento facilitado ao especialista.
CATEGORIA DE ANÁLISE: Apoio da gestão para organização do NASF.
(Gestão):
Não ter experiência em NASF e apoio matricial não compôs um aspecto eliminatório no
processo seletivo para o NASF, mas conhecer a proposta de NASF, apoio matricial e
ter experiência em atenção básica foram aspectos eliminatórios.
O curso realizado em 2012 em “cogestão compartilhada do conhecimento da clínica
ampliada" foi a principal oferta para qualificação do NASF, gerando, na sequência, um
espaço coletivo da equipe.
Pelo fato de o NASF estar sob gestão da ENSP-Fiocruz, subentende-se que já está
dada boa parte da oferta formativa.
Houve maior consulta à equipe da clínica Victor Valla na época de escolha do perfil
profissional para composição do NASF.
Implantar o NASF para a coordenação-geral do TEIAS não gerou grande novidade para
o CSEGSF, uma vez que já havia proposta de interconsulta de especialistas para a
ESF. Além disso, o CSEGSF atua há mais de 40 anos na prestação de serviço de
atenção básica.
(NASF):
Foi exigido, na seleção de contratação, que realizassem apoio matricial para a ESF,
ainda que alguns selecionados não tivessem experiência no tema.
Quase todos afirmam não ter obtido oportunidades formativas, por parte da gestão e,
portanto, não conseguiam identificar com clareza o que é e como se dá atualmente a
oferta da gestão para a qualificação da organização de suas práticas, exceto um
entrevistado, que considerou a atual coordenação do NASF como o seu principal apoio.
Apenas 20%, ou seja, dois profissionais do NASF, reconheceram como relevante para
sua qualificação o mesmo curso referido pelos gestores em 2012, denominado
84
“cogestão compartilhada do conhecimento da clínica ampliada” para o NASF.
A prática do NASF, para a maioria, está organizada na interconsulta, com destaque
para os profissionais da saúde mental que reconheceram o matriciamento como
principal arranjo organizativo.
(ESF):
À semelhança do relato da equipe do NASF, a maior parte das ESFs não identificou
auxílio da gestão para receber o apoio do NASF.
Apenas uma pessoa reconheceu que as ESF foram consultadas pela gestão para
sugerirem o perfil profissional de composição do NASF, mas, ainda assim, avaliou que
este movimento não foi suficientemente sistematizado para esclarecer a função de
cada especialista no NASF.
Também avaliaram, como os demais entrevistados, que o NASF se organiza
basicamente por meio da interconsulta.
SEGUNDO NÚCLEO TEMÁTICO DE ANÁLISE: O processo de trabalho do NASF e
sua relação com as equipes. Concepções teóricas, práticas dominantes da gestão,
NASF e ESF sobre apoio matricial.
CATEGORIA DE ANÁLISE: Referenciais organizativos para o apoio matricial: como
ocorre na prática?
(Gestão):
Os principais referenciais organizativos são o apoio matricial, proposto por Gastão
Wagner e Domitti, o caderno 27 sobre o NASF, proposto pelo MS, e o matriciamento da
saúde mental.
É atribuição do NASF a participação nas reuniões das ESF para discussões de casos,
elaboração de projetos terapêuticos singulares, apoio aos grupos de educação em
saúde e articulação da rede de referência, sendo esta última mais favorável à agenda
do NASF do que da ESF, que possui “agenda mais cheia”.
Há proposta de uma agenda do NASF de interconsulta com as ESF como primeira
estratégia de discussão de caso.
Na sua maioria, não identificam diferença entre apoio matricial e interconsulta.
85
Apoio matricial é o suporte do especialista ao generalista, com corresponsabilidade
entre ambos. É o olhar ampliado com resolutividade, a proposta de plano terapêutico
singular e envolve a equipe.
Interconsulta é o atendimento conjunto com o usuário presente; é o plano de cuidado
que envolve apenas um profissional.
Discussão de caso é quando o usuário não está presente.
Toda prática do NASF é considerada pelo sistema de registro eletrônico como
interconsulta, o que, segundo a avaliação da gestão, é mais mensurável na prestação
de contas à SMS-RJ.
(NASF):
O NASF não se constitui como equipe, por seus membros não pactuarem coletivamente
o seu modo de atuar junto às ESF apoiadas.
Não identificam um único referencial, e sim três, a saber: o caderno 27, que trata sobre
a organização do MS, apoio matricial, proposto por Gastão Wagner, e a interconsulta.
Dois profissionais descreveram sua prática no NASF como estritamente técnica dentro
de suas especialidades. Em um discurso, é possível observar que realizar apoio
matricial seria atribuição de outras áreas de conhecimento, no caso da medicina de
família e da saúde pública. Aparentam desconhecer o que seja apoio matricial.
A maioria dos entrevistados não conseguiu descrever em detalhes a que, de fato, se
referem quanto à diferença, semelhança ou complementaridade de apoio matricial ou
interconsulta.
Da mesma forma como os demais entrevistados definem a interconsulta como aquela
que ocorre sem a presença do usuário e que não demanda “tanta conversa” como o
apoio matricial, entendem que ela faça parte do apoio matricial; para uma entrevistada,
seria uma consulta conjunta com o médico.
A consulta conjunta seria aquela que ocorre com o usuário.
Apoio matricial se daria muito no espaço da reunião de equipe, pela troca de saberes
entre o campo de conhecimento do especialista e o do generalista. É algo como dar um
novo direcionamento, “mudar o rumo da prosa”. Para um entrevistado, isso não seria
atribuição do NASF, por se tratar de tutoria acadêmica.
Os profissionais da saúde mental são os que melhor conseguiram detalhar sua prática
86
entendida como matriciamento, considerando, como relevantes, a corresponsabilidade
da ESF com o caso discutido junto ao NASF e a realização de atendimento individual
em conjunto com a ESF ou somente após discussão do caso com ela.
É consenso que todos possuem plena disponibilidade para apoiar as ESF.
O critério de seleção dos casos se dá sempre por parte da ESF, no entanto, não ficou
claro até que ponto o NASF consegue construir um conjunto de sugestões desses
critérios, com exceção de algumas iniciativas muito individuais e de poucos
profissionais.
É consenso que as ESF conseguem dar seguimento aos casos discutidos com o NASF.
No entanto, uma única entrevista disse que, muitas vezes, a ESF não se responsabiliza
pelo caso.
Poucos profissionais percebem que suas atribuições estão suficientemente claras para
as ESF.
Identificam, mas pouco conseguem descrever os mecanismos usados no apoio às ESF,
tais como: projeto terapêutico singular, visita domiciliar, educação permanente, a
própria interconsulta e a visita domiciliar conjunta, ainda não totalmente incorporada ao
cotidiano.
Toda prática do NASF é considerada pelo sistema de registro eletrônico como
interconsulta.
(ESF):
Consideram a interconsulta o principal referencial de apoio do NASF.
Para parte dos profissionais, quando ocorre o apoio matricial, este é mais complexo por
possibilitar a construção conjunta de projetos terapêuticos singulares.
Ficou claro que não há uma pactuação coletiva de quais são os critérios de seleção dos
casos, assim como a forma de monitorá-los e quais as ferramentas facilitadoras deste
apoio. Algumas vezes, o critério de seleção de caso para o NASF é realizado durante
as consultas, de acordo com a queixa do paciente.
Ao contrário dos relatos do NASF, foi unânime a afirmação de existir muita dificuldade
das próprias equipes de saúde da família em dar seguimento aos casos quando não
são instigadas pela equipe do NASF a reavaliar os projetos terapêuticos propostos.
Uma fala reforçou ser muito variável o modo de apoiar as ESF, em função do perfil do
87
profissional do NASF; destacou que alguns possuem posturas mais coletivas e outros
mais individuais.
Identificam que faltam mais iniciativas de educação permanente.
Reconhecem que, na teoria, os conceitos de interconsulta e apoio matricial são
distintos, mas não conseguem detalhar essa diferença na prática.
Afirmam desconhecer o que seja, de fato, apoio matricial.
Reconhecem que, de modo geral, realizam mais interconsulta do que apoio matricial.
A interconsulta seria aquela escuta de um caso realizada por dois profissionais. É
considerada apenas o parecer de um especialista, algo que se encerra nisso e ocorre
no espaço da consulta conjunta.
O apoio matricial ocorre fora do espaço da consulta, sem a presença do paciente.
Toda prática do NASF é considerada pelo sistema de registro eletrônico como
Interconsulta.
CATEGORIA DE ANÁLISE: Percepção de avaliação do NASF para o entrevistado,
para a ESF apoiada e para a rede local.
(Gestão):
A existência do NASF é muito positiva, reforçada pela diminuição de encaminhamentos
para especialistas da rede de ambulatórios tradicionais, dada à observação no
SISREG.
Há menor rotatividade da equipe do NASF comparada à ESF.
Avaliam que as iniciativas da academia da saúde e PSE deveriam ser mais integradas
ao NASF.
Avaliam que há ainda ESF sem matriciamento.
Consideram que na Clínica Victor Valla é mais fácil a inserção dos profissionais do
NASF, uma vez que o serviço já se originou organizado pela ESF, diferentemente do
CSEGSF, que se organiza há muitos anos segundo um modelo hibrido de atenção
básica.
Há críticas sobre o fato de a interconsulta ser a única forma de monitoramento da
produção do NASF.
Avaliam que o NASF poderia ter mais profissionais, como fisioterapeutas que
88
realizassem acupuntura, psicólogos com carga horária de 40 horas, e outras
categorias, como assistente social.
(NASF):
Avaliam que o NASF foi um ganho para a rede local de saúde por possibilitar maior
oferta de profissionais especialistas.
Avaliam seu apoio à ESF como positivo, principalmente neste momento, por terem
conseguido superar os desafios iniciais de implantação.
Reconhecem como desafio a persistência de uma equipe que não demanda apoio,
mesmo decorridos mais de três anos de implantação do NASF; que o sucesso do
trabalho do NASF está concentrado na necessidade de o próprio profissional do NASF
doar-se mais.
Identificam que o melhor indicador de êxito é a mudança de marcações de baixa
complexidade de consultas com especialistas observadas no SISREG.
Avaliam, da mesma forma que no âmbito da gestão, que o apoio é melhor na Clínica
Victor Valla em relação ao CSEGSF.
(ESF):
É bastante positiva a percepção do NASF enquanto retaguarda clínica de especialistas.
Avaliam que ainda há carência de melhor organização da ESF para receber o apoio do
NASF.
Identificam que a carga horária do NASF deveria ser mais horizontal, ou seja, de 40
horas por semana.
Avaliam que o NASF poderia agregar em sua composição profissionais da cardiologia,
nutrição e assistência social.
Fonte: Quadro elaborado pela própria autora, com base na análise das entrevistas.
89
4. DISCUSSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acreditamos que esta pesquisa, realizada no âmbito de um estudo de
caso, possibilitou importantes reflexões acerca do modo de organização do NASF
com base em sua principal diretriz norteadora - o apoio matricial. Essas
considerações dizem respeito ao contexto do NASF Manguinhos e estão
fundamentadas em análise documental e entrevistas dos participantes.
Ao analisar o contexto do Teias-Escola Manguinhos onde está inserido
o NASF, tem-se, como primeira impressão, que o cenário é muito favorável à
prestação da atenção em saúde com boa qualidade, em virtude, principalmente,
das condições da instituição, que conta com recursos financeiros, mecanismos
legais instituídos de contratação e disponibilidade de pessoal, infraestrutura nova
e ou reformada, insumos e equipamentos. Acrescem-se a reconhecida
legitimidade histórica da Fiocruz inserida no território de Manguinhos, a boa
relação com a SMS do RJ, SES e MS e, também, um aspecto fundamental: o
intuito institucional de fazer do NASF e de todo o TEIAS um campo de
experimentações e difusão de práticas exitosas. Enfim, são variados os fatores
favoráveis quando comparados ao contexto de outros serviços presentes no
município do Rio de Janeiro.
No entanto, um dos principais argumentos da equipe, contrapondo-se a
este contexto favorável, relaciona-se justamente às características sociais do
território, as quais, conforme já mencionado, são complexas e muito evidentes. No
entanto, é perceptível que a presença de vasta oferta de pessoal, tanto para a
gestão quanto para a assistência, e a legitimidade política da instituição permitem
amenizar e enfrentar parte desses fatores; exemplo é o protagonismo da Fiocruz
frente à mobilização do Fórum de Manguinhos, de caráter intersetorial e com
vistas a melhorias do território. Decorre deste protagonismo a boa intervenção do
PAC e de toda a articulação governamental, que possibilitaram, na época,
estruturar um novo cenário de serviços públicos, inclusive na saúde, por meio da
constituição do NASF com base na disponibilidade, tanto física quanto financeira.
90
Há de se observar que a relação com a SMS do RJ é relativamente
boa, considerando todos os limites que envolvem o cumprimento do contrato de
gestão estabelecido, de caráter gerencial, normativo e altamente programático.
Exemplo é o monitoramento da produção das metas do NASF por meio da
nomenclatura interconsulta e não apoio matricial, o que nos leva a compreender,
com base no que foi discutido nesta tese, as diferenças e complementariedades
desses dois conceitos; podemos também afirmar que a lógica gerencial instituída
estimula, por meio da obrigatoriedade do registro da produção da atividade de
interconsulta, que as equipes prestem este atendimento exatamente desta forma,
e não como apoio matricial. Observa-se, portanto, que o atual modelo de gestão
de metas para NASF restringe a compreensão e ação das equipes, o que
desperta algumas dúvidas: Será porque a atividade de apoio matricial pode, em
alguma medida, apresentar-se menos estruturada no sentido de ser menos
mensurável? Para nós, o apoio matricial é uma metodologia de trabalho que opera
por meio de várias ferramentas, incluindo a interconsulta, no entanto não somente
a ela restrito. Assim, acreditamos haver um importante equívoco na compreensão
da atual gestão, seja da SMS como do TEIAS, em contratualizar o cumprimento
de uma meta que impacta diretamente na interpretação distorcida e restrita do que
seria apoio matricial, fato evidenciado sobretudo nas entrevistas.
Em que pese o fato desta tese não ter se proposto a uma análise mais
profunda da gestão como um todo da iniciativa TEIAS, identificamos que ao
contrapor a vivência do campo, quando comparada ao objetivo do TEIAS, de ser o
motriz da integração do sistema local de saúde com base na ordenação sistêmica
e tendo a atenção básica como entrada preferencial do usuário, vimos que isto
não se faz presente no discurso dos trabalhadores e gestores. Logo, é possível
supor que o caminho para que ocorra também na prática exige maior empenho
técnico e político no tocante à capacidade de construção de governabilidade local,
para articular serviços que se instituíram historicamente de modo isolado e
independente, tais como a UPA e o próprio CSEGSF no que diz respeito aos
profissionais especialistas.
91
Como já mencionado na apresentação dos resultados, as entrevistas
complementaram a produção do material empírico e tornaram instigante a análise
do discurso dos participantes, com base no referencial de apoio matricial sob a
perspectiva de quem apoia, é apoiado e do gestor. Foi possível também identificar
alguns marcadores de análise da função da gestão na implantação e
funcionamento do NASF e o modo como as relações se estabelecem no cotidiano
entre o NASF e a equipe de saúde da família. Assim, conseguimos estabelecer
uma análise dialógica com os objetivos desta pesquisa, identificando aspectos
comuns, mas também contraditórios, na singularidade de cada discurso, o que nos
levou a preservar a apresentação dos três grupos de participantes
separadamente.
Apreendemos que, de um modo geral, para os profissionais do NASF, a
Clínica Victor Valla é mais aberta a ser por eles apoiada quando comparada ao
CSEGSF. Cremos que isso decorre do modelo de gestão do TEIAS, que todavia
não conseguiu enfrentar os processos historicamente mais instituídos do
CSEGSF, conforme mencionamos nos resultados. Aspecto que nos chamou a
atenção foi que, ainda que o padrão de ambiência das duas unidades básicas seja
bom, não há espaço para os profissionais do NASF, o que gera desconforto aos
mesmos.
Quando questionados sobre a finalidade do NASF Manguinhos,
elegemos a questão central - a que se destina? na expectativa de que o apoio
matricial pudesse emergir nos discursos com base na perspectiva de
compartilhamento e ampliação da clínica; no entanto, somente os profissionais do
NASF afirmaram que um dos seus objetivos seria realizar o apoio matricial. Todos
os entrevistados foram unânimes em responder que a interconsulta é a finalidade
principal do NASF, destacando compreenderem se tratar também da retaguarda a
profissionais especialistas para supressão de deficiências ou ainda
encaminhamento facilitado. Para nós, esta fala evidencia a não apropriação da
finalidade do NASF, como proposto nos documentos do MS em que se prioriza o
apoio matricial como diretriz norteadora para melhor organização do processo de
trabalho. Observa-se, também, como a lógica gerencial, que exige o cumprimento
92
da meta de interconsulta e não apoio matricial por meio do SISREG, imprime uma
espécie de efeitos em cadeia de modo que todos priorizam atividades de
interconsulta, restringindo assim sua finalidade - ter o apoio matricial como modo
de criar corresponsabilização para outras dimensões da atenção à saúde para
além de uma consulta ou prescrição do especialista sobre um determinado caso.
O modo como a gestão interfere na implantação e organização do
NASF foi outro aspecto respondido pelos entrevistados de forma mais semelhante.
Pelo fato da ampliação da atenção básica no município do Rio de Janeiro ser algo
ainda recente, é plenamente justificável que as contratações dos profissionais
para o NASF não tenham exigido experiências prévias com NASF. Ainda assim,
foi também muito louvável que no ato da contratação a gestão contratualizasse a
necessidade do profissional do NASF estar disponível para realizar apoio matricial.
Chama a atenção o fato de que as equipes de saúde da família não
foram suficientemente consultadas sobre o melhor perfil de composição do NASF,
tendo como princípio que essa definição deveria ocorrer após estudo específico
sobre as necessidades do território. No entanto, para nós, fica a questão de quem
melhor estaria ciente dessas necessidades se não as próprias equipes que se
organizam por base territorial? Outro aspecto foi que uma minoria dos
entrevistados recordou-se de um processo formativo, com duração de quase um
ano e direcionado para qualificação do NASF. Também questionamos se pelo fato
do NASF estar inserido na ENSP as ofertas formativas estão naturalmente
colocadas para a equipe. Sem dúvida, não se trata de um processo tão automático
como apresentado pela gestão, uma vez que o acesso aos cursos se dá por
processos seletivos públicos e há um conjunto de regras internas estabelecidas
para liberação dos trabalhadores para tal, de forma a não desassistir a população,
como ocorre em qualquer outro serviço. Nessa questão, o que avaliamos ser
positivo é a oportunidade de trabalhar num serviço vinculado a uma escola de
saúde pública, o que, em certa medida, impulsiona os trabalhadores a buscarem
maior qualificação.
Fica claro, portanto, que promover processos de educação permanente
isolados do apoio cotidiano da gestão não impacta suficientemente na qualificação
93
do trabalho, sobretudo para um serviço novo como o NASF. Ou seja, acreditamos
que a educação permanente é uma ferramenta importante da gestão, mas que
não pode, em momento algum, substituir a função gestora, em virtude da
possibilidade de não potencializar a qualificação do processo de trabalho.
Quando abordamos os entrevistados sobre as semelhanças ou
diferenças entre os conceitos de inteconsulta e apoio matricial, hipotetizávamos
que o discurso corrente no município do Rio de Janeiro seria no sentido de
similarizar a interconsulta com apoio matricial, valorizando-a como prática
prioritária; daí nosso interesse em investigar do que, de fato, consistia tal
similaridade.
As respostas, apresentadas nos resultados, foram as mais diversas nos
três grupos de participantes; evidenciaram que, para a maioria, o discurso corrente
da prática é a interconsulta. Para os que identificaram diferença, a interconsulta foi
apresentada como consulta conjunta com a presença do usuário, caracterizada
como pontual e sem corresponsabilidade do especialista para com a equipe e
usuário, algo como uma segunda opinião formativa. Já para aqueles que
conseguiram descrever o que é o apoio matricial, identificaram-no como mais
dialogado com toda equipe, gerando corresponsabilidade por possibilitar a
construção de projetos terapêuticos conjuntos ou, como definiu um entrevistado,
“mudar o rumo da prosa”. Podemos então afirmar que, para nós, a equipe do
NASF Manguinhos ainda não tem muito claros o conceito e a prática instituída no
cotidiano de apoio matricial.
No entanto, identificamos, nos discursos dos gestores e do NASF, em
particular dos profissionais da saúde mental, que a compreensão sobre apoio
matricial é plenamente coerente, por considerar apoio como prática que utiliza
diversas ferramentas como: a própria interconsulta, educação permanente,
consulta e visita domiciliar conjuntas, projeto terapêutico singular, participação em
reunião de equipe, dentre outras. Em contraponto, os profissionais das equipes de
saúde da família evidenciaram menor apropriação na descrição de como ocorre a
prática do apoio matricial para além da interconsulta por não terem vivenciado, no
NASF, diferentes experiências de interconsultas. Este fato nos faz acreditar que
94
talvez o NASF, apoiado pela gestão, devesse apresentar iniciativas mais
cogestoras, na construção conjunta com as equipes apoiadas, sobre a melhor
dinâmica do processo de trabalho, algo como fomentar maior presença nos
espaços de reuniões, visitas domiciliares, estratégias de educação permanente
por meio de discussões de casos que gerem implicações de ambos os lados.
Válido observar que as áreas de ginecologia, farmácia e educação
física foram as que mais evidenciaram desconhecimento para a qualificação do
NASF por meio do apoio matricial. Supomos que isto decorra, no caso da
ginecologia, de pertencer a uma área que se identifica, em grande medida, com o
apoio técnico exclusivo segundo a relação tradicional de especialistas e
generalistas. No caso dos educadores físicos, ficou evidente que são fortemente
influenciados pela dinâmica de outro programa, denominado Academia Carioca
(academia da saúde); o mesmo ocorre com os farmacêuticos, que permanecem
na dinâmica tradicional e rotineira de responsabilidade técnica pela farmácia. Em
todas essas situações, caracteriza-se a necessidade da gestão aproximá-los do
cotidiano do NASF.
Ao analisarmos o componente de avaliação que o NASF causa para os
profissionais entrevistados, para a equipe de saúde da família apoiada e para rede
local, constatamos que a avaliação dos participantes, assim como a nossa, é
muito positiva, em particular por ter contribuído para mudança do número de
marcações de baixa complexidade para consultas especializadas, perceptíveis
pelo SISREG. Também foi positiva a avaliação sobre a tendência do NASF se
constituir como equipe mais permanente, ou seja, com menor rotatividade de
profissionais quando comparado às equipes de saúde da família. Ponto favorável
observado foi a crítica apresentada pela equipe de gestão, a qual reconheceu que
identificar a prática realizada no NASF como interconsulta é algo bastante restrito,
semelhante ao que havíamos pontuado em outros momentos.
Como considerações finais, esta investigação permite concluir que o
NASF Manguinhos, inserido no contexto Teias-Escola, é uma importante iniciativa
governamental, com potencial para multiplicação de novas tecnologias no campo
95
da atenção básica; no entanto, é necessário observar mais atentamente alguns
aspectos:
- O olhar sobre o processo de trabalho do NASF difere muito entre
quem faz a gestão, apoia e é apoiado;
- O contrato do varejo da organização do processo de trabalho do
NASF a partir do apoio matricial é quase inexistente;
- As equipes de saúde da família foram insuficientemente consultadas
na época da implantação do NASF sobre o melhor perfil profissional;
- As áreas de ginecologia, farmácia e educação física são as que
menos se integram à dinâmica do NASF;
- Os principais referenciais teóricos identificados são: interconsuta,
publicação do caderno 27 do MS, e apoio matricial, segundo Gastão Wagner;
- Os profissionais do NASF em sua maior parte tendem a ser
especialistas em suas áreas, mas não necessariamente especialistas em atenção
básica em saúde;
- Não há pactuação coletiva do conjunto de competências necessárias
de cada especialista para o NASF Manguinhos;
- Há uma distorção do conceito de apoio matricial, quando as diretrizes
do MS para o NASF, sugerem que a atenção em saúde deve ser compartilhada
com a ESF, o que se interpreta neste estudo de caso é o termo compartilhado não
permite que se realize consulta isolada pelo profissional do NASF e somente
conjunta com ao menos um membro da ESF;
- Os profissionais de saúde mental são os que descrevem com maior
propriedade a sua prática, mas também reinvidicam a interpretação diferenciada
entre apoio matricial e matriciamento;
- A interconsulta é a principal prática do NASF, citada pelos três grupos
de entrevistados;
- Interconsulta foi definida como aquela que realiza consulta conjunta
com o profissional de referência na presença do usuário, gerando pequena
corresponsabilização para elaboração e gestão dos PTS;
96
- O apoio matricial, quando descrito, reconhece um conjunto de
ferramentas como visita domiciliar, educação permanente, projeto terapêutico
singular, discussão de caso e protocolos, dentre outros;
- O atual modelo vigente da SMS de monitorar a produção do NASF por
meio da realização de interconsulta gera aumento do número de interconsultas,
distorcendo a proposta do apoio matricial;
- Processos formativos de educação permanente não são suficientes
quando não acompanhados cotidianamente pela gestão;
- A Clínica Victor Valla é mais aberta ao apoio do NASF;
- O discurso dos entrevistados leva a supormos que o NASF tende a
ocupar o lugar de grande solucionador dos problemas, principalmente quando se
atribui a função de ter que aumentar a capacidade resolutiva da atenção básica;
- O NASF Manguinhos pouco se reconhece na função de regulador a
outros serviços da rede de atenção à saúde dentro de sua especialidade;
- O NASF possibilita menor rotatividade de profissionais que as equipes
de saúde da família;
- Os contratos de trabalho do NASF são em maior parte horizontais, ou
seja, 40h semanais, com exceção dos profissionais médicos que possuem
contratos mais verticais de 8 a 20 horas semanais, o que muitas vezes pouco
permite que estes participem das reuniões de equipes.
- Em relação ao espaço físico, as unidades estão ainda pouco
preparadas para acolher os profissionais do NASF;
- A gestão ainda não consegue estabelecer, de modo mais
indentificável ao NASF e à ESF, como se dá o seu apoio para a qualificação do
NASF;
- Se faz importante que haja um mecanismo de gestão estabelecido
para acompanhamento permanente do processo de implantação e implementação
do NASF;
- Numa avaliação de todos os participantes, o NASF Manguinhos é
considerado exitoso para a rede local por contribuir, por exemplo, para redução
das demandas de baixa complexidade da atenção especializada.
97
Com base nos resultados e discussões apresentados sobre a
experiência do NASF Manguinhos, concluímos que organizar o NASF a partir do
apoio matricial é complexo, uma vez que remete a inúmeras práticas cogestoras,
que acentuam a sedimentação de novos conceitos e a reflexão permanente do
processo de trabalho instituído ao longo do processo de implantação e
implementação de um novo serviço. Deve-se, sobretudo, considerar os diferentes
olhares e perspectivas dos sujeitos implicados, neste caso: a gestão, o NASF e as
equipes de saúde da família.
98
99
5. REFERÊNCIAS
André M. Estudo de caso em pesquisa e avaliação educacional. Brasília: Líber Livro; 2005.
Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes do NASF: Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde, 2009. (Cadernos de Atenção Básica, n. 27).36. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria MS/GM nº 2.488 de 21 de Outubro de 2011: aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia de Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Brasília, 2011a. Brasil. Ministério da Saúde. GM Portaria interministerial nº 2.087, de 1º de setembro de 2011: institui o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica. Brasília, 2011b. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 154, de 24 de janeiro de 2008, republicada em 04 de março de 2008: cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família. Brasília, 2008. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010: estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União, 31 dez 2010. Acesso em 06 jun 2014. Disponível em: <http: //portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/portaria4279_docredes.pdf> Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 12.871 de 22 de outubro de 2013: institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e nº 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Brasília, 2013. Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 2.814, de 29 de novembro de 2011: habilita municípios a receberem recursos referentes ao Programa de Requalificação de Unidades Básicas de Saúde (UBS) componente Reforma de Unidades Básicas de Saúde. Brasília, 2011c. Campos GWS. El filo de la navaja de la función filtro: reflexiones sobre lafunción clínica em el Sistema único de Salud em Brasil. Rev. Brasileira de Epidemiologia, v.8, n.4, p.477-483, 2005.
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103
ANEXOS
104
105
106
107
108
109
110
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO-TCLE para entrevista
de análise do processo de trabalho dos profissionais de saúde
(Conforme a Resolução n º196, do Conselho Nacional de Saúde, de 10/10/1996)
Você está sendo convidado para participar da pesquisa “Núcleo de Apoio à Saúde da Família do Território-Escola Manguinhos: sob o filtro do dispositivo Apoio Matricial”, para obtenção do título de doutor, sob a orientação do Prof. Dr. Gastão Wagner de Souza Campos do Programa de Pós Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas/SP. A sua participação não é obrigatória, mas, voluntária. A qualquer momento você pode desistir de participar e retirar seu consentimento. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador, com a coordenação de sua instituição; contudo, sua participação na pesquisa contribuirá para a produção de conhecimento sobre o trabalho em equipe nos serviços públicos de saúde e a qualidade do cuidado prestado.
O objetivo principal deste estudo é analisar a contribuição do dispositivo apoio matricial proposto por Campos (1998) aplicado ao processo organizativo do Núcleo de Apoio à Saúde da Família-NASF do Território-Escola Manguinhos sob a perspectiva de quem apoia, de quem é apoiado e de quem realiza a gestão da atenção básica.
Sua participação nesta pesquisa consistirá em responder a uma entrevista semiestruturada, com informações sobre o seu processo de trabalho junto a seu serviço de saúde. As entrevistas serão conduzidas pela pesquisadora e será utilizado um gravador de áudio a fim de que todas as informações fornecidas por você durante a entrevista possam ser recuperadas e analisadas posteriormente.
Não existem riscos relacionados à sua participação.
Os benefícios obtidos com os participantes desta pesquisa estão exclusivamente relacionados às possíveis contribuições de ensino-aprendizagem do campo das práticas de atenção e gestão em saúde coletiva com ênfase no processo de organização do NASF.
Não havendo, desse modo, custos aos participantes ou quaisquer recebimento em valores em dinheiro como compensação pela participação voluntária.
Para o processo de análise de dados será respeitado o critério de confidencialidade em que todas as informações obtidas nesta pesquisa serão confidenciais e asseguradas o sigilo sobre a sua participação a partir da dissociação dos nomes das respostas e durante o processo de decodificação e registro (Creswell, 2010), logo, os dados deste modo, não serão divulgados de
111
forma a possibilitar a identificação dos participantes. Os resultados somente serão divulgados em apresentações ou publicações com fins científicos ou educativos. Os dados, após serem analisados, serão armazenados pela pesquisadora no prazo máximo de cinco anos, sendo, na sequência, inutilizados a fim de não correr o risco de serem disponibilizados a eventuais pesquisadores que possam utilizá-los inadequadamente.
Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço dos pesquisadores responsáveis, podendo esclarecer suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer momento.
Pesquisadora responsável: Adriana Coser Gutiérrez
Departamento de Saúde Coletiva-Faculdade de Ciências Médicas/Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP
Rua Tessália Vieira de Camargo, nº 126 Cidade Universitária "Zeferino Vaz" CEP: 13083-887, Campinas, SP
Contatos: (19) 3521-8036 (xxxxxxxx) xxxxxx@xxxxx
Orientador da pesquisa: Professor Dr. Gastão Wagner de Souza Campos
Departamento de Saúde Coletiva-Faculdade de Ciências Médicas/Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP
Rua Tessália Vieira de Camargo, nº 126 Cidade Universitária "Zeferino Vaz" CEP: 13083-887, Campinas, SP.
Contatos: (19) 3521-8036 xxxxxx@xxxxxx
Abaixo o contato do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp para caso seja necessário realizar alguma denúncia e ou reclamação referente aos aspectos éticos desta pesquisa.
Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp: Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126 –Caixa Postal 6111 – CEP: 13083-887 – Campinas/ SP – Fone: (19) 3521 8936 [email protected]
Declaro que entendi os objetivos, condições, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa e estou de acordo em participar.
Rio de Janeiro, ___de __________de 2013.
Nome do Sujeito da Pesquisa: _________________________________
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Assinatura: _______________________________________________
ROTEIROS DE ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS DAS EQUIPES
DE GESTÃO, NASF e ESF
A) Gestão:
Nome:
Profissão:
Data de ingresso na gestão do TEIAS:
1) Para você, qual o papel do NASF?
2) Qual foi o critério de implantação do NASF?
3) Quais os referenciais que você considera relevantes para a organização
do processo de trabalho do NASF?
4) Como você acredita que deva ocorrer o apoio matricial?
5) Há diferenças entre apoio matricial e interconsulta?
6) Quais as ofertas da gestão para estruturação do NASF e de que modo
ocorrem?
7) Como você avalia o impacto do NASF no TEIAS?
B) Equipe NASF
Nome:
Profissão:
Data de ingresso no NASF:
1) Para você, qual o papel do NASF?
2) Quais os referenciais que você considera relevantes para a organização
do processo de trabalho do NASF?
3) Como você acredita que deva ocorrer o apoio matricial?
4) Há diferenças entre apoio matricial e interconsulta?
5) Como são selecionados os casos para o NASF?
6) Na sua avaliação, a ESF consegue dar seguimento aos casos?
7) Você acredita que o NASF corresponde às expectativas das ESFs?
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8) Como você avalia o impacto do NASF no TEIAS?
C) EQUIPE ESF
Nome:
Profissão:
Data de ingresso na ESF:
1) Para você, qual o papel do NASF?
2) Quais os referenciais que você considera relevantes para a organização
do processo de trabalho do NASF?
3) Como você acredita que deva ocorrer o apoio matricial?
4) Há diferenças entre apoio matricial e interconsulta?
5) Como são selecionados os casos para o NASF?
6) Na sua avaliação, o NASF consegue dar seguimento aos casos?
7) Você acredita que a ESF corresponde às expectativas do NASF?
8) Como você avalia o impacto do NASF no TEIAS?