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Natura Cajamar e A construção do relacionamento entre a empresa e seu entorno

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NaturaCajamare

A construção do relacionamentoentre a empresa e seu entorno

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História do relacionamento Natura e Cajamar

1. APRESENTAÇÃO O propósito de contribuir para o desenvolvimento local.

2. PRIMEIRO PERÍODO 1998 a 2002 A escuta de Cajamar O município precisa fortalecer suas instituições democráticas.

3. SEGUNDO PERÍODO 2003 a 2007 Agenda 21 em Cajamar Criar espaços de participação e articulação de lideranças.

4. TERCEIRO PERÍODO 2008 a 2014 Construção da autonomia Incentivo ao protagonismo dos atores locais.

5. VISÕES

Índice

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Apresentação · Primeiro Período · Segundo Período · Terceiro Período · VisõesHistória do relacionamento

Natura e Cajamar

Esta apresentação conta a história do rela-cionamento entre a Natura e Cajamar e cobre um período de aproximadamente 16 anos, a contar de 1998, quando a Natu-ra escolheu este município para construir o seu Espaço Natura.

Não tem a precisão de um documento histó-rico, mas tem a acuidade de uma sistematiza-ção de processo, que chama a atenção para as nuances do contexto, para as confluências de fatores que determinam os acontecimen-tos, para as motivações e as aprendizagens. O que se quer é não perder a memória, é ter um material de referência que possa inspirar e orientar a construção de outros relaciona-mentos entre atores tão insólitos como um município da Região Metropolitana de São Paulo e uma empresa como a Natura.

Foram lidas centenas de páginas de livros, re-latórios e apresentações. Muitas vozes foram escutadas, com a ideia de não deixar de fora nenhum dos atores centrais envolvidos na his-tória. Buscou-se captar os diferentes olhares e entendimentos sobre o mesmo tema e isso foi

levantando questões, para as quais nem sempre existem respostas. Por esta razão há alguns do-cumentos anexados para quem quiser saber de onde partiu uma informação ou se aprofundar sobre algum aspecto da narrativa.

A história é contada em três tempos, que correspondem a três períodos distintos, cada qual com suas características próprias. As datas de inicio e fim dos períodos são referenciais e foram escolhidas porque coincidem com mudanças da área gestora do tema do entorno dentro da Natura. Entretanto, sabemos que os processos não respeitam convenções e seguem seu curso. Um movimento iniciado em um período pode ou não continuar em outro, o que torna as datas referências flexíveis.

O primeiro período inicia em 1998, quando a Natura chega a Cajamar. Foi um tempo de muita escuta e reflexões compartilhadas in-terna e externamente. Um relacionamento como esse era algo muito novo, razão pela qual não havia referências ou metodologias específicas a serem seguidas.

O propósito de contribuir para o desenvolvi-mento local

APRESEN-TAÇÃO

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Natura e Cajamar

Havia o propósito claro de contribuir para o desenvolvimento local e a crença de que só uma sociedade articulada é capaz de construir um futuro melhor. Foi por isso que se decidiu começar pelo fortale-cimento das instituições democráticas do município.

O segundo período começa em 2003, com a proposta de constru-ção da Agenda 21. O impulso vem de uma ONG local, que traz a demanda de regulamentar a Área de Proteção Ambiental Cajamar. E a Natura vê a possibilidade de assumir seu papel de agente do desenvolvimento local. É um período privilegiado, tanto na empresa como no município. Na Natura, o tema do entorno é muito valo-rizado e Cajamar vive um momento de abertura política. Foi um período de mobilização popular intensa, com avanços na gestão pública, na consolidação de espaços de discussão e com um forte protagonismo da Natura.

O terceiro período começa por volta de 2008. A sociedade dá sinais de fortalecimento e organização. A Natura diminui seu protagonismo e se coloca ao lado das forças sociais e políticas do município, apoiando seus movimentos. Interdependência no lugar de dependência.

Com a abertura do capital, em 2004, a Natura passa por várias transformações, que influenciam fortemente as estratégias de rela-cionamento com o entorno. Surgem dúvidas quanto ao seu papel no município e quanto à real autonomia da sociedade. Seria uma boa hora de abdicar do papel de protagonista?

Segue-se um período em que o tema do re-lacionamento com o entorno fica sem dono dentro da Natura. E o município se ressente. Até que em 2013, instala-se um processo de rever e repensar as estratégias com o entor-no em um contexto novo. O que a Natura considera como entorno se expande com o processo de desenvolvimento das regiões amazônicas e Cajamar parece perder parte do seu espaço. Mas a história é um movimen-to orgânico e convidamos os leitores a segui-rem o seu curso.

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Natura e Cajamar

O IMPULSO DE COMEÇAR O RELACIONAMENTO

A decisão de construir o Espaço Natura em Cajamar aconteceu em meados da década de 1990. Para os seus fundado-res, foi um dos períodos mais criativos da história da Natura, em que se tomou consciência do que a empresa viria a ser. A escolha de Cajamar se deu, em grande parte, ao desejo de ficar em São Paulo e construir não apenas uma nova fábrica, mas um espaço integrado àquele lugar, que fosse, ele próprio, uma manifestação das crenças da Natura.

Já se falava no papel social e político das em-presas, tema que começava a ser amplamente discutido em outras instâncias, como o Pen-samento Nacional das Bases Empresariais e o recém-criado Instituto Ethos. A Natura tinha o desejo de criar uma experiência de bom relacio-namento com o seu entorno, por acreditar que nenhuma empresa está solta no espaço. A empresa pertence a um lugar e, sendo assim, influencia e é influenciada por ele continua-mente. E a Natura já provocava impactos em Cajamar desde o início da sua construção.

O propósito de se relacionar com o entorno começou a tomar corpo, alimentando discus-

A escuta de CajamarO município precisa

fortalecer suas institui-ções democráticas

PRIMEIRO PERÍODO

1998 a 2002

Linha do tempo 1998 1999 2000 2001 2002/2003

Diretoria Jurídica – Área de Ação Social (1995-2003)

Missão: Contribuir de forma inovadora e significativa para a con-quista de uma sociedade mais justa e solidária, promovendo ações que fortaleçam o cidadão como agente de transformação social.

Pressupostos:

• Natura como parceira da comunidade de Cajamar; • Identificação e fortalecimento de lideranças; • Estabelecimento de uma agenda positiva com o poder público; • Identificação de espaços de participação social democrática.

• Constituição do CMDCA. • Comissão supra-con-selhos;

• Oficinas ECA nas escolas municipais1;

• Diagnóstico social do município;

• Fórum dos Conselhos e Lideranças Sociais.

• ProjetoTransformando a Realidade 12;

• Colaboradora na presidên-cia do CMDCA - 2000/2002;

• Casa dos Direitos;

• Curso de formação de lideranças3.

• Projeto Oficinas Culturais4;

• Apresentação das Oficinas Culturais p/ a comunidade;

• Reuniões abertas do Fórum.

• Curso de gestores sociais5;

• Curso Agentes Culturais6;

• Estruturação inicial Agenda 21.

1 - Oficinas para divulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente.

2 - Oficinas de disseminação dos direitos, abertas para a população, conduzidas pela ONG Mata Nativa.

3 - Oficinas de capacitação para a representação da sociedade civil em instâncias públicas.

4 - Oficinas artísticas e culturais para o desenvolvimento pessoal e o exercício da cidadania dos jovens de Cajamar.

5 - Oficinas de capacitação para a gestão de organizações sociais e elaboração de projetos, conduzidas pela ONG Capacitação Solidária.

6 - Oficinas de capacitação de lideranças jovens, com perspectivas de atuação social e profissional como agentes culturais no município.

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Natura e Cajamar

sões internas frequentes. A Natura estava se estabelecendo em um novo lugar, em um novo município, do qual não sairia tão cedo. Era preciso pensar nas bases para um relacionamento duradouro, que contribuísse para o desenvolvimento de Cajamar. Para a Natura, estava clara a per-cepção do vínculo com o entorno e do quanto o sucesso do negócio no longo prazo é ligado ao desenvolvimento sustentável da comu-nidade. Uma experiência positiva só viria reforçar sua reputação, seu compromisso e sua capacidade de atrair talentos e parceiros. E a Natura tinha o desejo de ser agente de transformação. Mas como transformar o que não se conhece? Que comunidade era aquela? Quais eram suas instituições e suas lideranças? Quais eram seus dese-jos, sua cultura e seus valores?

ENTRANDO PELA PORTA QUE SE ABRIU: A CRIAÇÃO DO CONSELHO DA CRIANÇA

Quase nada se sabia sobre Cajamar quando aconteceram as primeiras conversas com o setor público e a Natura explicitou o desejo de co-meçar um relacionamento. A percepção imediata foi que a empresa resolveria todos os problemas do município, comprando materiais, financiando reformas de escolas e outros patrocínios esperados da filantropia empresarial.

Mas não era disso que se tratava. A Natura queria legitimar-se como membro daquela comunidade e atuar a partir da influência nas políticas públicas, do fortalecimento das instituições, da criação de espaços de-

mocráticos de participação e articulação de lideranças. Nada disso existia em Cajamar.

Mas o momento era propício para mudanças. Há mais de uma década, o Brasil vivia um pro-cesso de consolidação da democracia, que le-vou à criação de conselhos municipais e gerou propostas de políticas amplas, como o Esta-tuto da Criança e do Adoles-cente (ECA) e a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS). Entretanto, mais de dez anos se passaram para que estas conquistas democráticas supe-rassem as resistências políticas à participação cidadã. Cajamar não era exceção.

O ECA trouxe uma estrutura de gestão totalmente nova, propondo uma parceria efetiva entre Estado e sociedade civil, a partir do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), um canal de participação paritária em que organizações governamentais e não gover-

namentais poderiam influenciar as políticas.

E foi esta a porta que se abriu para a Natura. Era o ano de 1998. As articulações com o go-verno e instituições locais logo resultaram na implementação do CMDCA, que já tinha sido criado por decreto, e do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente, necessário para

que a Natura destinasse 1% do seu Imposto de Renda à causa deste público.

Este Conselho foi o primeiro espaço de Cajamar onde po-deriam ser ouvidas as vozes da população, desde sempre intimidadas pela cultura coronelista que caracteriza o município, pela falta de conhecimento dos direitos e pela passividade em relação

à autoridade instituída. Nessa época, quase não havia organizações da sociedade civil, nem mesmo instituições ligadas a igrejas. As exceções eram o Sitio Agar, que dava as-sistência às crianças com HIV, a Pastoral da

A Natura queria atuar a partir da influência

nas políticas públicas

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Natura e Cajamar

Criança e a APAE. E havia também algumas associações de bairro a serviço de candidatos a vereadores e prefeitos.

Mas como transformar o Conselho da Criança em um espaço de participa-ção efetiva se não havia abertura política para isso? Se não havia organiza-ções para representar a sociedade civil? Se as pessoas comuns não tinham a mais vaga ideia do que significa ser um conselheiro? E para onde iriam os recursos do Fundo, se não havia projetos?

DESAFIOS PARA A AÇÃO DOS CONSELHOS MUNICIPAIS

Em 1999, a Natura contratou um diagnóstico de Cajamar a fim de iden-tificar as prioridades do município e delinear os principais desafios para a ação dos Conselhos Municipais. Cajamar é um dos trinta e nove municípios da Região Metropolitana de São Paulo e está localizado na privilegiada confluência das principais rodovias do estado. A cidade vem atraindo cada vez mais indústrias, fazendo crescer a arrecadação muni-cipal e a população de migrantes. Mais do que trazer prosperidade, a expansão coloca em evidência a falta de infraestrutura e aprofunda a exclusão social. Os indicadores mostram um quadro social crítico, que combina desemprego, baixa escolaridade, habitação precária, au-mento do consumo de drogas e da violência.

É sintomático que o primeiro desafio apontado no campo das po-líticas sociais tenha sido o de garantir condições de sobrevivência

digna e desenvolvimento dos cidadãos. Para tanto, o governo deveria reconhecer que o combate à pobreza é um elemento fundamental da estratégia de desenvol-vimento e a sociedade deveria participar ativamente das discussões a respeito. Os Conselhos Municipais são canais de par-ticipação, por excelência. E entre eles, o da Criança e do Adolescente, tende a ter maiores oportunidades para desempenhar esse papel, não só pelo público que está no foco da sua atenção, mas também por estar relacionado a quase todos os setores da ad-ministração municipal, podendo atuar como agente articulador de ações integradas e parcerias. Por esta razão, as iniciativas que se seguiram à criação do CMDCA foram pensadas para fazer deste espaço um canal de participação efetiva da sociedade civil e dos órgãos municipais.

Os professores das escolas estaduais se en-volveram especialmente com a cultura de di-reitos e as primeiras discussões sobre o tema aconteceram nas escolas da rede pública, sensibilizando professores, crianças e jovens.

Os demais Conselhos da cidade foram convidados a se articular e discutir alternati-vas de trabalho conjunto e isso resultou na criação do Fórum dos Conselhos e sua sede, a Casa dos Direitos que, de fato, nun-ca cumpriu sua função. Trabalhar junto era uma prática que não fazia parte do repertó-rio e das práticas do município. A ideia era ter um espaço de articulação de Fóruns e Conselhos para estabelecer vínculos entre representantes e representados, para que a representação fizesse sentido.

Qualificar as pessoas para elas entenderem seus papéis foi o próximo passo. E Cajamar teve seu primeiro curso de formação de conselheiros e lideranças da sociedade civil, aberto para quem quisesse participar. Realiza-do em uma escola estadual, atraiu quase uma centena de pessoas que se sentiram estimu-ladas a buscar alternativas para enfrentar os desafios sociais do município. Alguns jovens se destacaram, emergiram lideranças e brotou a semente da ONG Mata Nativa, que se tor-naria parceira da Natura e da Prefeitura na construção da Agenda 21 de Cajamar.

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Natura e Cajamar

Nos anos que se seguiram, a atuação da Natura foi pau-tada, em grande parte, pelos principais desafios apontados pelo diagnóstico. Deu especial atenção aos jovens, um público numeroso que tinha pouquíssi-mas alternativas e possibilidades de inserção. Aproveitando a experiência bem sucedida em Itapecerica da Serra, a Natura convidou a Diretoria de Cultura daquela cidade para trazer para Cajamar as ofici-nas culturais, que usavam a linguagem dos jovens para desenvolver seu potencial criativo e partici-pativo. O espaço das oficinas logo se tornou pon-to de encontro e de partida para outras inciativas do interesse dos jovens, que abririam para eles a oportunidade de trabalhar como agentes cultu-rais. Durante alguns anos, estes agentes atuaram em eventos na Natura, apoiaram a Educação de Jovens e Adultos, deram assistência nas escolas e alguns foram contratados pela Prefeitura.

Foram anos em que a Natura surgiu como uma liderança forte e independente do poder

público. Assumiu um papel de destaque para motivar e articular outras lideranças da sociedade civil a fim de mudar o quadro de desmobilização social em que vivia Cajamar. Com isso, houve um certo equilíbrio de poder e muitas pessoas se aproximaram da Natura. A empresa já era re-conhecida como um ator com-prometido com o município,

do qual se podiam esperar ações consistentes e sempre levadas a bom termo.

O QUE APRENDEMOS Conceitos, questionamentos, avanços, retrocessos e outras reflexões:

CONHECER E ENTENDER A REALIDADE LOCAL

Muito se aprende sobre uma comunidade fazendo um diagnóstico participativo, que é pro-

duzido a partir da escuta de atores diversos, com seus repertórios, envol-vimentos e pontos de vista peculiares. Aprende-se juntando todos eles em oficinas de trabalho, que propiciam trocas, discussões e, não raro, fazem emergir algo novo. Aprende-se também analisando dados estatísticos, con-sultando indicadores e ouvindo pareceres de consultores especializados.

Mas nada substitui o contato direto. Ver, escutar e sentir amplia o entender. E esse entendimento tem muitas camadas. É preciso ter proxi-midade com os moradores locais para entender seus pontos de vista e os problemas que enfrentam. Não raro, as visões são diferentes do que se imagina e o que se formula na teoria nem sempre faz sentido na prática.

Por isso, é tão importante que essas percepções não fiquem apenas com as equipes de campo, mas com todos aqueles que estão envolvi-dos no relacionamento com o entorno, desde o pensar estratégico até o desenvolvimento do plano de ações. Quando os fundadores e os dire-tores da Natura fizeram um tour organizado em Cajamar e, pela primeira vez, pousaram os olhos sobre aquela realidade que sonhavam transformar, a experiência mexeu profundamente com todos. De fato, ninguém tinha ideia do que era esse município.

CONSTRUIR UMA VISÃO COMPARTILHADA

A Natura chegou a Cajamar com o sonho de contribuir para que o município tivesse uma qualidade de vida melhor, um coletivo melhor, um espaço para cidadania, para a formação e o desenvolvimento

...mudar o quadro de desmobili-zação social em que vivia

Cajamar

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Natura e Cajamar

das pessoas. Só que esse bom propósito, sozinho, não constrói.

O que torna as coisas possíveis é a participa-ção efetiva de todos os atores na construção de uma visão compartilhada. Isso implica em ter interesse genuíno pelo outro, em saber escutar, respeitar e considerar opiniões e es-colhas diferentes das próprias.

Implica também em ter uma paciência históri-ca, estar disposta a ir avançando com acertos e erros e esperar o tempo que for para que algo aconteça. Sem incorrer na tentação de levar projetos prontos e visões preconcebidas e de impor o próprio ritmo.

Mas como fazer isso em um ambiente de des-mobilização social? Onde as pessoas não sabem bem o que desejam nem do que são capazes? Em Cajamar, a Natura assumiu papel proativo em um primeiro momento: contratou um diagnóstico do município, ajudou a identificar lideranças da sociedade e estimulou-as a se envolverem na construção de um coletivo maior, um conselho, uma organização.

O principal é ter sempre em mente que o que constrói a visão de futuro é a corresponsabilida-de que nasce da articulação das forças do mu-nicípio. São as únicas capazes de produzir trans-formação. A Natura partiu desse pressuposto.

CONSTRUIR RELAÇÕES DE CONFIANÇA

Há vários aspectos que se entrelaçam na construção de relações de confiança. O pri-meiro deles e talvez, o mais importante, seja ter um interesse genuíno no desenvolvimento da sociedade e demonstrá-lo em todas as falas e atitudes, de maneira incansável.

A Natura não chegou a Cajamar com uma ideia pronta e formatada para o município. Chegou perguntando do que a cidade precisava, sem sobrepor sua vontade à vontade local. Ao contrário, buscou entender aquele lugar e onde aquelas pessoas gostariam de chegar. A postura não passou despercebida aos olhos de ninguém e contribuiu para iniciar uma relação baseada na transparência e na confiança. Foi uma percepção unânime entre os entrevistados.

Outro aspecto essencial na construção da confiança é explicitar os propósitos e os papéis de cada um. No seu discurso, direto e coerente, a Natura sempre deixou claro a que veio; o que poderia ser negociado e o que jamais seria. Nunca se propôs a substituir os outros setores e sim, junto com eles, contribuir para a construção de uma cultura demo-crática e participativa.

Um terceiro aspecto, não tão evidente, mas não menos relevante, é a presença constante da representante oficial da Natura nos eventos mais importantes da cidade e não apenas naqueles promovidos pela empresa. Demonstrar interesse, estar disponível, fazer-se presente por gostar das pessoas e querer compartilhar. Esse tipo de presença apoia e dá legitimidade ao discurso. E fortalece a voz oficial da empresa.

POR QUE é TÃO DIFÍCIL CRIAR INDICADORES DE IMPACTO SOCIAL

• Antes de tudo, a calibragem do tempo Relacionamento com o entorno é uma construção de longo prazo. Implica na convivência de diferentes, no diálogo entre culturas que podem não ser fáceis de aproximar, em modelos mentais distintos e tempos de realização aparentemente incompatíveis. No caso de Cajamar, há que se aprender a lidar com décadas de práticas clientelistas profundamente arraigadas na classe politica e que determinam não só os princípios da gestão municipal, mas também o comportamento da sociedade. Qual será o tempo neces-sário para que uma mudança cultural se torne visível?

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Natura e Cajamar

• Reconhecer indicadores mínimos de mudança Pequenos passos podem ser poderosos indí-cios de que algo se moveu. Uma única lide-rança que desponte de um longo processo de mobilização é uma conquista. A criação de um Conselho Municipal, ainda que pouco atuante, é sinal de fortalecimento da democracia e da possibilidade de uma discussão politica que não existia na sociedade. Uma parcela mínima da população que toma conhecimento do seu direito de opinar indica transformação.

Por não reconhecer sinais quase imperceptí-veis de mudança corre-se o risco de deixar de investir em algo que poderia ter futuro.

• Avançar é um processo com altos e baixos O Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente oferece a oportunidade de enxergar as oscilações que caracterizam os movimentos orgânicos. Criado em 1998, al-ternou momentos de atividade intensa, quan-do buscava assumir plenamente seu papel político original, com momentos burocráticos limitados à publicação de editais, com outros de estruturação e reorganização interna.

A lição que fica é que os processos são sempre mais significativos do que os recor-tes. Um processo em curso é sinal de que algo se move. O recorte pode não ser fiel à re-alidade, ao registrar o instante de movimento ou de inércia. Olhar para o processo é olhar para a evolução das coisas.

Nenhuma sociedade se mantem mobilizada o tempo todo. A mobilização tem picos, vinculados a causas aglutinadoras e interesses comuns. Nenhuma instituição é produtiva o tempo todo e nenhum movimento se mantem indefinidamente. Isso também faz parte do movimento de avançar.

PERCEPÇÕES DA ATUAÇÃO DA NATURA

Existe uma convergência de percepções dos diferentes atores. A Natura é percebida como uma empresa atuante e comprometida com

os destinos do município. Contribui para a qualificação da gestão pública e da par-ticipação da sociedade. Para alguns dirigentes municipais, seu apoio técnico e financeiro faz avançar com agilidade, sem passar pelos procedimentos burocráticos municipais que inibem e atrasam as mudanças.

Entretanto, nem todos enten-dem o propósito político que

sustenta a atuação da Natura. Muitas vezes, o investimento em uma ação micro se deve ao seu potencial de desencadear uma mu-dança sistêmica macro, ao longo do tempo.

Fomentar a criação de um Conselho, a cons-trução participativa de um plano municipal ou a profissionalização de uma ONG levam ao fortalecimento da cidadania e tem o intuito maior de provocar transformação social.

A lição que fica é que os processos são sempre mais significativos do que os recortes

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UMA CONFLUÊNCIA FELIZ DE FATORES

Cajamar vive um tempo de abertura política. Em 2002, com o afastamento do prefeito em exercício, pela justiça eleitoral, toma posse um novo gestor, que esboça um discurso democrático. Compromete-se com mudanças importan-tes, sinalizando uma postura de governo notadamente distinta da anterior. A Educa-ção é sua bandeira e parece se instaurar um clima de maior liberdade para o exercício da cidadania. Pela primeira vez na história da cidade, jovens fazem ouvir sua voz em

A voz da sociedadeCriar espaços de

participação e articu-lação de lideranças

SEGUNDO PERÍODO

2003 a 2007

Linha do tempo 2003 2004 2005

Diretoria de Assuntos Corporativos - Gerência de Responsabilidade Corporativa (2003 - 2005)

Metas:

• Identificar e ampliar as oportunidades de gestão responsável / sustentável do negócio;

• Identificar e alertar sobre decisões e situações que coloquem em risco a coerência da gestão em relação à responsabilidade / sustentabilidade;

• Alinhar e dar coerência a ações internas e externas para uma sociedade mais justa, sustentável e solidária.

• Formação do GT Tripartite - Agenda 21 de Cajamar;

• Parceria com Diretoria de Educação para elaboração do Plano Municipal de Educação.

• Agenda 21 - diagnóstico do município;

• Assinatura de termo de cooperação: Natura, Mata Nativa e Prefeitura;

• Projeto Transformando a realidade 21.

• Pré Conferência Agenda 21 - 1ª apresentação pública do Diagnóstico;

• Cursos de formação sobre gestão pública - Plano Pluri Anual e Lei Orçamentária Anual2.

audiências públicas e gente comum bate à porta da Prefeitura para pleitear melhorias dos serviços públicos em seus bairros. É algo inédito em Cajamar.

Neste contexto, a Mata Nativa desponta como uma organização da sociedade civil que se sente desafiada a proteger as ri-quezas naturais da APA Cajamar (Área de Proteção Ambiental), criada por uma lei estadual em 1984 e nunca regulamentada. No final de 2002, a Mata Nativa inicia um movimento neste sentido envolvendo um número significativo de associações, escolas, pessoas físicas e empresas.

1 - Oficinas de disseminação dos direitos, abertas para a população, conduzidas pela ONG Mata Nativa.

2 - Assessoria técnica para a Prefeitura.

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A Natura coloca a responsabilidade social empresarial no centro da sua estratégia de negócio, buscando melhorar a qualidade das relações com seus públicos e definir metas compatíveis com o desenvolvimento sustentá-vel. Desde 2002, seu mapa estratégico reflete as três dimensões da sustentabilidade e a relação com o entorno está entre os temas prioritários da empresa.

Durante alguns anos, Cajamar fez parte dos indicadores da Natura e esteve na pauta do Comitê de Sustentabilidade, um foro privilegiado de discussão que se reunia com regularidade e era politicamente forte.

Tomava decisões importantes e alinhava o discurso, dando consistência às ações e mo-tivação para a equipe.

Pode-se dizer que existiam as condições mínimas necessárias para começar a pensar o município de maneira compartilhada. Os três setores da sociedade estavam re-presentados e dispostos a construir juntos; já havia um diagnóstico social da cidade e algum conhecimento de como se davam as relações políticas do município. Com a Natura, a relação era de confiança, o que tornava possível o diálogo e a cooperação.

2006 2006 2007

Diretoria de Sustentabilidade - Gerência de Rela-cionamento com Comunidades (2006 - 2007)

Missão - Contribuir para o desenvolvimento sustentável local nas comunidades do entorno e fornecedoras, por meio do estabelecimento de relações estáveis e duradouras.

• Discussões sobre Plano Diretor;

• Projeto Transformando a Realidade;

•Programa Desenvolvimento de Fornecedores;

• Cursos de formação Gestão Pública - Plano Diretor;

•Formação do Grupo de Empresas de Cajamar.

• Aprovação do Plano Diretor;

• Parceria Diretoria Municipal de Educação na publicação

“Cajamar em Verso”.

O AMBIENTE PROPÍCIO PARA INICIAR A AGENDA 21 DE CAJAMAR

Vários fatos contribuíram para que o tema da Agenda 21 tivesse eco na cidade. Antes de tudo, a não regulamentação da APA Cajamar que, junto com as APAs de Cabreúva e Jundiaí formam um contínuo relevante de áre-as protegidas. Em segundo lugar, a mobilização já iniciada pela Mata Nativa, com a população sendo chamada a participar de debates e refletir sobre o que significa viver numa área de proteção ambiental. E em terceiro lugar, a afinidade da Natura com os princípios e a metodologia da Agenda 21, baseada na “valorização dos indivíduos e das comunidades como caminho para alcançar qualidade de vida e satisfazer suas necessidades mais elemen-tares de saúde, moradia, alimentação, trabalho, educação, cultura e lazer.”

A aproximação dos três setores da sociedade favorece a gestão demo-crática e a implementação de políticas públicas sustentáveis do ponto de vista institucional. Como resultado dos diálogos, em setembro de 2003, foi constituído o Grupo Técnico Tripartite (GTT) formado pela Prefeitura de Cajamar, pela ONG Mata Nativa e pela Natura, com o desafio de dese-nhar as estratégias para o desenvolvimento local e construir um plano de ação: a Agenda 21 de Cajamar.

Mas como fazer funcionar um grupo tão improvável, com reper-tórios e práticas tão distintas? Um ciclo de oficinas de capacitação, contratadas pela Natura, ajudou a aprofundar o conhecimento mútuo dos atores envolvidos, a aproximar suas linguagens e conceitos e fortalecer

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os vínculos de compromisso com o desenvolvimento de Cajamar. Foi contratado também um diagnóstico do município para entender mais profundamente suas dinâmicas políticas e sociais, os contrastes entre suas zonas urbanas e rural e o modelo de gestão da Prefeitura.

Seguiu-se um período de grande efervescência, inspirado nos encon-tros distritais da Agenda 21 que estavam acontecendo, naquele mesmo momento, em muitas cidades do mundo. Em Cajamar, a tarefa de formar comitês de bairro para discutir os destinos do município pare-cia impossível. Não se sabia exatamente quem convidar e, quando se convidava, as pessoas não apareciam. E uma grande lição foi aprendida: para ser ouvido é preciso falar a língua das pessoas comuns e abordar questões mais diretamente ligadas às suas vidas. Foi quando os comitês de bairro começaram a atrair uma grande maioria de gente simples das redondezas, mas que tinha clareza das mudanças que gostaria de ver no seu município.

O ano de 2005 foi muito intenso: dezenas de seminá-rios levaram a proposta do projeto para as escolas, as comunidades e as associações de bairro. Os comitês originaram os fóruns distritais que levaram à criação do Fórum Municipal da Agenda 21 em Cajamar. E nesse mesmo ano foi criada a Diretoria de Meio Ambiente, como consequência das discussões que se multiplicavam na cidade, evidenciando a importância de existir um interlocutor técnico no setor público.

PLANO DIRETOR MUNICIPAL NASCE DAS DISCUSSÕES DA AGENDA 21

As discussões no âmbito dos comitês de bairro giravam em torno de questões corriqueiras que influenciavam a vida das pessoas comuns. O tema do uso do solo urbano surgiu natural-mente, pois não passavam despercebidos os me-canismos pouco claros que determinavam um tipo de ocupação baseada em negociações nem sempre favoráveis à cidade e seus habitantes.

Não existindo uma lei de zoneamento, basica-mente, qualquer atividade poderia se estabele-cer em qualquer lugar. E essas práticas já eviden-ciavam e favoreciam a degradação ambiental.

Evidentemente, o propósito de desenvolver o Plano Dire-tor Municipal de Cajamar, de forma participativa, estava lon-ge de ser unanimidade, o que tornava ainda mais difícil levar adiante esta tarefa. Além do baixo conhecimento de como construir um plano diretor, a

falta de transparência na gestão pública dificul-tava o entendimento de como funcionava o orçamento municipal.

E a meta ainda se revelaria mais ambiciosa do que pareceu no início. Com a contratação de consultorias especializadas, o processo orçamen-tário foi entendido, assim como os parâmetros para o desenvolvimento de um Plano Diretor Municipal. Aproveitando a mobilização popular nos comitês de bairro, a discussão participativa foi possível, com a realização de sucessivas audi-ências públicas. Mas o mais difícil estava por vir: garantir a aprovação oficial do documento pela administração pública. Foi preciso formar uma rede de atores locais, ajudados por observado-res externos, empenhados em acompanhar o andamento do processo na Prefeitura, até que o Plano Diretor Municipal fosse votado e formalizado no projeto de lei apresentado em audiência pública em outubro de 2007.

Uma das grandes aprendizagens desse período foi que votar, gritar e se manifestar não é tudo. É preciso garantir que as conquistas se concre-tizem e se mantenham.

Para ser ouvi-do é preciso falar a língua das pessoas

comuns

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MUDANÇAS ESTRUTURAIS NA EDUCAÇÃO

O Plano Nacional de Educação estava no Congresso. Era hora de Caja-mar pensar em elaborar seu Plano Decenal. No início da década de 2000, não havia um único funcionário concursado na rede municipal. Não havia concurso, nem plano de carreira e era evidente a ausência de critérios de competência para a contratação dos profissionais. As relações eram difíceis e havia pouca vontade de mudar esse estado de coisas. Mas muitos cida-dãos estavam incomodados. Havia poucas escolas, número insuficiente de creches e, a título de exemplo, havia um número absurdo de crianças não alfabetizadas no quarto ano.

Em 2003, com o apoio técnico e financeiro da Natura, a Diretoria de Educação elaborou o Plano Decenal de Educação de Cajamar e tomou a frente da maior mudança de que se tem notícia no município. As metas para os dez anos seguintes previam a construção da estrutura legal necessária para que, num futuro próximo, os avanços também se dessem na qualidade do ensino.

COLABORADORES SE APROXIMAM DO MUNICÍPIO

Embora fosse tudo muito novo no âmbito do relacionamento com o en-torno, com metodologias em gestação e muitos experimentos em curso, já existia a percepção de que o tema não deveria ficar restrito à equipe envolvida, mas, de alguma forma, deveria envolver colaboradores de ou-tras áreas, permeando a empresa como um todo. Os primeiros estímulos

neste sentido partiram do Programa de Promo-ção do Voluntariado, relacionados à participação em atividades de entretenimento das crianças do Sítio Agar e de estímulo à leitura em algumas escolas do município.

No início da construção da Agenda 21 forma-ram-se os Grupos de Trabalho Interno (GTI), com a ideia de discutir a realidade do município e engajar colaboradores em iniciativas locais. Os GTI funcionaram durante quase dois anos, mas acabaram se dissolvendo sem deixar vestí-gios de envolvimentos posteriores.

O QUE APRENDEMOS Conceitos, princípios, questionamentos e outras reflexões

TER CLAREZA DO QUE DETERMINA AS MUDANÇAS

A sociedade se desenvolve com sua dinâmica própria, com novas pessoas que chegam, gente que não estudava e passa a estudar, que melho-

ra seu poder aquisitivo, e surgem questões de segurança, de mobilidade urbana e as manifes-tações de rua e os movimentos dos sem teto e nesse meio a Natura aparece como alguém que promove mudanças. Mas não é a única causa. Mudanças acontecem porque tudo se move: uma confluência de acontecimentos; circunstân-cias que influenciam decisões; atores que se ar-ticulam com propósitos comuns; leis que devem ser cumpridas.

A Natura teve e tem o mérito de encurtar os tempos, de qualificar as ações, fortalecer instituições, articular lideranças e mobilizar a população. Mas não fez isso sozinha. Fez articu-lando atores, fomentando a criação de espaços de discussão e canais adequados para influenciar políticas públicas.

A Natura não teria mobilizado a população em torno da Agenda 21 se não existisse a Mata Nativa. E se a ECO-92 não tivesse iniciado um movimento mundial pelo desenvolvimento sustentável. A Natura incentivou a criação do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, porque ele estava previsto

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no ECA. E porque, antes disso, o Brasil passou por um processo de consolidação da democracia, que criou espaços de participação social.

O Plano Municipal de Resídu-os Sólidos teria que ser criado, mais dia, menos dia, para res-ponder à Política Nacional de Resíduos Sólidos, assim como o Plano Decenal de Educação, que nasceu na es-teira do Plano Nacional. Não há dúvida que os apoios técnicos e financeiros da Natura agrega-ram valor a esses processos, tornando-os mais competentes, mais ágeis e participativos.Há que se pesar sempre as forças sociais e políticas que influenciam os acontecimentos, sejam elas locais ou globais, do município ou de toda a nação.

A VOZ OFICIAL DA NATURA

Há várias camadas de entendimento do que seja a voz oficial. Uma primeira camada diz respeito à coerência na abordagem e ao alinhamento do discurso. Uma segunda camada se refere às di-

Há que se pe-sar sempre as forças sociais

e políticas que influenciam os

acontecimentos

ferentes nuances da voz oficial, que são determinadas pelas qualidades dos interlocutores.

E uma terceira camada está associada à ideia da autoridade, de uma voz que representa o comprometimento dos altos escalões das partes envolvidas.

• A personificação da Natura O canal de comunicação com a comunidade é determinante da qualidade da relação. Por isso, é importante que as partes envolvidas elejam uma pessoa para ser a voz oficial da ins-tituição. Ela será o ponto de apoio, mesmo que vários outros atores atuem no mesmo local.

Nos primeiros anos da Natura em Cajamar, ter apenas um interlocutor foi fundamental para construir relações de confiança. Uma voz única, firme e direta, dá segurança e se torna oficial, fa-cilitando o diálogo. Em caso de conflitos é a voz que pode ser chamada para mediar, esclarecer e pacificar. E não parece existir outra forma de fazer. Relações se dão entre pessoas.

É importante ter a percepção que a voz oficial é sensível às incertezas inter-nas. Quando a gerência que cuidava do entorno fez a transição entre a Di-retoria de Responsabilidade Corporativa e a de Sustentabilidade, entre 2006 e 2007, a indefinição do momento apareceu como ruído na relação com Cajamar. Como responder a demandas da comunidade se não havia um po-sicionamento interno em relação a elas? Como iniciar o projeto de desen-volvimento de fornecedores locais sem saber como isso seria conduzido? Alinhamento interno, clareza de propósitos e coerência de discurso respon-dem a estas perguntas. São condições indispensáveis para que a relação de confiança não se rompa, mesmo na presença de vários interlocutores.

• A qualidade dos interlocutores Pensando no futuro e na possível ausência do interlocutor original, a existência de outros interlocutores é fundamental para a continuidade da relação. Mas não se pode pensar que as interações serão todas iguais. Cada pessoa dará o seu tom e imprimirá sua característica pes-soal. Poderá haver ruídos e instabilidades, principalmente nos primeiros contatos. Mas a clareza de propósitos das partes e o diálogo constante entre os diversos interlocutores terá o poder de manter o discurso alinhado e, desta forma, proteger os vínculos.

• Acordos oficiais costurados com o primeiro escalão A cada quatro anos o prefeito municipal é reeleito, podendo ser substi-tuído caso não leve a termo o seu mandato. É uma historia recorrente em Cajamar. Muda o estilo de governo, mudam os diretores, alteram-se os planos e os compromissos.

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Mapear continuamente os poderes locais é da maior importância quando se quer fazer mudanças sustentáveis. Há que se compro-meter o primeiro escalão do governo local, discutir planos, selar acordos, assinar convê-nios. Durante muitos anos, o Espaço Natura foi palco de cerimônias com a presença das autoridades locais e da alta gestão da empre-sa, para assinatura dos compromissos que fizeram ir adiante a Agenda 21 de Cajamar e o Plano Diretor Municipal, entre outros.

Esse relacionamento institucional em alto nível fortalece e dá legitimidade à voz oficial que cos-tura os pequenos acordos do dia a dia.

ATUAÇÃO POLITICA,

MAS NÃO PARTIDÁRIA

Toda relação que envolve atores diferentes com interesses diferentes é política, o que não quer dizer que seja partidária. Ao con-trário, manter distância da política partidária contribui para a construção de relações pro-dutivas e de longo prazo, menos sujeitas às mudanças de governo. A relação da Natura

com Cajamar se baseia na ética, no respeito e na confiança. Sobreviveu a cassações e, mesmo nos momentos mais tensos, manteve as parcerias com as diretorias municipais e o diálogo com as equipes técnicas da Prefeitura.

Uma atuação não partidária parece ser a melhor estratégia para unir atores, poderes e ideologias diversas em torno de projetos que interessam ao município e seus cidadãos, ainda que, em certos momentos, seja preciso fazer concessões, definindo objetivos e metas aquém do desejado.

DISCURSO DIFÍCIL NÃO MOTIVA NINGUéM

A metodologia de construção da Agenda 21 é baseada nas discussões que acontecem nos bairros, com os mais diversos segmentos da sociedade. Mas como mobilizar cidadãos para que participem dos comitês? Como levar para pessoas tão pouco letradas toda a riqueza de dados trazida pelo diagnóstico? Um trabalho preciso de síntese extraiu do relatório de 300 páginas somente aquilo que tocava dire-

tamente a população, como desemprego, educação e mortalidade. Saber que Cajamar era um município rico e poderia cuidar melhor dos seus cidadãos atraiu centenas de pessoas para as discussões.

PERCEPÇÕES DA ATUAÇÃO DA NATURA

A Natura é percebida como a grande catalizadora dos movimentos para a construção da Agenda 21 e do Plano Diretor Municipal. O período é visto como o de maior participação popular da histó-ria de Cajamar, com a Mata Nativa à frente das mobilizações.

Avanços notáveis aconteceram principalmente na Educação, com mu-danças profundas não apenas na sua estrutura, mas também na cultura da Instituição. Foi o resultado de uma confluência poderosa de fatores: a competência e o compromisso da Diretoria de Educação, a prioriza-ção deste setor pela Prefeitura e apoio da Natura.

Algumas mudanças se mostram na conduta do poder público, mas não se pode dizer que algo mudou na cultura política local. Entretanto, está claro que não é mais possível governar sem transparência, sem prestar contas e sem consultar a sociedade. Os Conselhos tiveram bastante importância neste aspecto, por serem espaços de expressão e partici-pação democrática. A Natura teve papel protagonista na implementa-ção do CMDCA e na formação dos seus conselheiros. E vários outros conselhos foram criados na esteira deste.

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Natura e Cajamar

MUDANÇAS AO LONGO DA HISTÓRIA

Ao afastar o olhar do tempo presente, circunscrito aos fatos mais próximos, é possível perceber um movimento na rela-ção entre a Natura e Cajamar, que alterna períodos de maior e menor vitalidade, mas que, de alguma forma, caminha para frente na consolidação da democracia.

Os primeiros anos se caracterizaram por uma busca intensa por maneiras e metodologias para construir a relação que se idealizava. Quase não havia referências de iniciativas bem

A construção da autonomia

Incentivo ao pro-tagonismo dos

atores locais

TERCEIRO PERÍODO

2007 a 2013

Linha do tempo 2008 2009 2010

Gerência de Educação e Sociedade (2007 – 2010)

Objetivos:

• Apoiar e participar da organização de diagnósticos considerando o histórico, riquezas, desafios e anseios da comunidade;

• Eleger focos prioritários de atuação considerando diversas dimensões e anseios da comunidade;

• Definir conjuntamente as iniciativas, os esforços necessários e as responsabilidades, considerando os resultados pretendidos;

• Monitorar e avaliar resultados continuamente.

• Projeto Participação - Parce-ria com Diretoria Municipal de Educação e UNICAMP;

• Fóruns Distritais Agenda 21 - parceria Mata Nativa;

• Programa Desenvolvimento de Fornecedores.

• Fóruns Distritais da Agenda 21 – Distrito do Polvilho;

• Publicação “Cajamar em Verso e Prosa”.

sucedidas, de modo que o trabalho foi bastan-te intuitivo e impulsionado pelo propósito da Natura de ser um agente de transformação.

Seguiu-se um período de efervescência, o mais intenso e produtivo da história, em que foram dados passos importantes na articulação de atores e na construção de visões compartilha-das, entre as quais se destacam a Agenda 21 de Cajamar e o Plano Diretor Municipal, além da reforma estrutural da Educação, que impactou fortemente a rede pública municipal.

Este terceiro capítulo, que se propõe a olhar para o espaço de tempo entre 2008 até os

Instituto Natura (2010 - 2011)

Objetivos:

• Identificar, desenvolver e compartilhar conhecimentos relativos às dinâmicas e temas sociais relevantes que possam contribuir, instigar e inspirar a dinâmica do negócio e a inovação;

• Identificar fontes de conhecimento e apoiar o acesso da empresa;

• Desenvolver estudos e disponibilizá-los de maneira clara e consistente;

• Aprofundar e ampliar o conhecimento das principais lideranças da empresa sobre os principais aspectos relativos ao desenvolvimento e dinâmica social.

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Natura e Cajamar

2010 2010-2011 2012-20132011

• Plano Decenal de Educação - Parceria com Diretoria Municipal de Educação e FESPSP;

• Projeto Trilhas - Parceria Diretoria Municipal de Educação1;

• Parceria Diretoria Municipal de Educação na publicação jornais para educadores e famílias;

• Fortalecimento institucional da Mata Nativa – parceria com IPESA;

Instituto Natura (2010 - 2011)

Objetivos(continuação):

• Contribuir no processo de formação de lideranças da empresa, visando ampliar conhecimentos e desenvolver habilidades que sejam relevantes para o entendimento sobre a sociedade;

• Fomentar e instigar reflexões na definição de estratégias e aborda-gens da empresa;

• Identificar e compartilhar tendências na dinâmica das relações do público “sociedade”, em especial àquelas relativas a públicos que a empresa não acessa diretamente.

Diretoria de Sustentabilidade (2011 - 2014)

Objetivos:

• Construir o posicionamento estratégico da Natura sobre sua relação com a comunidade do entorno, com o envolvimento da alta gestão;

• Articular as diferentes gerências e áreas, em projetos com interface no desenvolvimento local;

• Definição de uma estrutura de governança dentro da diretoria de sustentabilidade;

• Responder aos desafios de crescimento da empresa e da sustentabilidade.

• Parque Municipal de Cajamar;

• Plano Municipal de Coleta Seletiva;

• Planejamento participativo Natura e Cajamar 2013 - 2017.

dias de hoje, não pode ser considerado exata-mente como um período, em virtude das su-cessivas mudanças de cenário e das diferentes orientações da empresa que se alternaram ao longo dos anos, trazendo sempre novas confi-gurações. Mas há alguns aspectos que ligam os acontecimentos e desenham um movimento que revela perda de energia.

Em 2004, um novo contexto empresarial se apresenta para a Natura, com a abertura de capital e o distanciamento dos seus líderes fun-dadores das operações. A visão de contribuir para o desenvolvimento local como maneira de a empresa cumprir seu papel social e político no

entorno, parece perder prioridade frente aos desafios de negócios que uma estrutura de ca-pital aberto requer. O que antes era entendido como investimento, corre o risco de ser visto como um custo difícil de justificar, dada tam-bém a dificuldade de medir os impactos sociais gerados pela atuação no entorno.

Em Cajamar, o contexto de abertura demo-crática se altera com a posse de um novo gestor, em 2008, e sua reeleição para mais um mandato de quatro anos. Desde então, o setor público parece ter perdido o impulso de aperfeiçoar o modelo de gestão participativa. Os movimentos iniciados na gestão anterior,

como os Fóruns Distritais da Agenda 21, têm continuidade durante certo tempo, incentivados pela Mata Nativa, mas deixam de existir.

Neste cenário, a visão que prevalece entre pessoas do setor público e da sociedade civil é que a Natura perdeu o interesse por Cajamar.

UM PERÍODO DE INDEFINIÇÃO

Durante três anos, entre 2008 e 2011, o tema do Relacionamento com o Entorno ficou praticamente sem dono na Natura. Passou de uma gerência para outra, ficou diretamente ligado à presidência por alguns meses, foi para o Instituto Natura e, menos de um ano depois, voltou para a Diretoria de Sustentabilidade. O período não foi dos mais cons-trutivos, principalmente pela importância desigual dada ao tema pelas diferentes áreas e gestores que se ocuparam dele.

1 - Projeto de incentivo à leitura patrocinado pelo Crer para Ver, desde 2009.

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Natura e Cajamar

De um modo geral, a atuação política dos períodos anteriores, norte-ada pelo valor da participação da sociedade, foi sendo substituída por uma atuação mais técnica, mais especificamente ligada à Educação. A Natura contribuiu para o desenvolvimento do Plano Decenal de Edu-cação e continuou apoiando projetos desta Diretoria. Investiu também no fortalecimento institucional da Mata Nativa que, desde a sua criação, em 2001, ainda não tinha conseguido se estruturar e dependia financei-ramente da Natura.

UMA COMBINAÇÃO DE MUITOS FATORES

Não há dúvida que a Natura foi se afastando do papel de protagonista em Cajamar. E isto se deve à combinação de muitos fatores. O pri-meiro deles talvez seja ligado à revisão da governança da empresa. Com a redefinição de papéis e responsabilidades, os temas essenciais da sustentabilidade passaram a ser reportados mensalmente ao Comitê Executivo (COMEX) e acompanhados pelos indicadores do Orça-mento Socioambiental (OSA). O fato é que, desde 2010, indicadores atrelados ao entorno deixaram de existir. E com isso, o relacionamento com Cajamar perdeu visibilidade e deixou de ser priorizado.

Há que se pensar também que, nos últimos anos, as ambições da Natura tem se ampliado de modo notável em relação à sus-tentabilidade, incluindo novas metas a cada dia. O entorno se expandiu com a inclusão das comunidades fornecedoras, principal-mente como consequência da dimensão do plano de crescimento

da Natura na região amazônica. Pode ter con-tribuído para reduzir o espaço de Cajamar.

Ainda na ótica do valor, vale lembrar que, com exceção do presidente da Natura, nenhum dos atuais representantes da alta liderança da empresa teve a oportunidade de conhecer Cajamar, se aproximar da experiência e se apropriar das visões que sustentaram esta relação desde a origem. Como dar valor ao que não se conhece?

E há ainda outro aspecto que vale a pena ser avaliado. A Natura tomou a decisão de se retirar da posição de pro-tagonista para que outros atores da sociedade pudessem assumir. A Mata Nativa, depois de passar por um processo de fortalecimento ins-titucional patrocinado pela Natura, tinha total condição de tomar a frente de várias iniciativas, como de fato aconteceu no caso da formação do Conselho Gestor e do desenvolvimento do Plano de Manejo do Parque Natural de

Cajamar, entre outros. A questão é que o apoio financeiro da Natura ainda é vital para que a ONG se mantenha em atividade.

Desde 2002, quando terminou o mandato de uma colaboradora na presidência do Conselho Municipal de Direitos da Criança

e do Adolescente, a Natura se afastou por completo des-te espaço. Poderia ter ocu-pado o assento da Indústria e Comércio, mas optou por não fazê-lo. Talvez por não querer ocupar um assento para representar apenas a si mesma, uma vez que nunca conseguiu mobilizar o empre-sariado local. Terá sido uma

boa decisão? Não poderia ter ocupado esse lugar e influenciar políticas públicas enquan-to afinava uma estratégia de mobilização dos empresários?

Mas o que Cajamar significa, hoje, para a Natura? Qual é o sentido do relacionamento? A visão que sempre sustentou o tema per-

Mas o que Cajamar significa,

hoje, para a Natura?

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Natura e Cajamar

dura dentro da empresa? E o governo local está disposto a continuar investindo na consolidação da democracia? E os conselhos e as organi-zações da sociedade têm força e autonomia para tomarem posição e serem propositivos?

ESCOLHAS QUE FAZEM SENTIDO PARA A CIDADE E PARA A NATURA

o parque natural de cajamar Faz todo o sentido apoiar a gestão de uma Unidade de Conservação na zona de amortecimento da Serra do Japi, em um município cujo território é considerado Área de Proteção Ambiental (APA). O Parque Natural de Cajamar é uma plataforma para pensar as questões socioambientais do município de maneira integrada. Uma intervenção inteligente nesse lugar tem um potencial imenso de gerar valor econômico, fomentando atividades ligadas ao ecoturismo, à hotelaria e às artes. Em todo o mundo, as cidades que cuidam dos seus parques são motivo de orgulho e contribuem para melhorar a autoestima dos seus cidadãos. E são lugares de educar, de onde pode emergir uma nova consciência ambiental.

Alguns passos foram dados com o apoio da Natura e o trabalho da Mata Nativa, como as oficinas realizadas para incentivar a gestão participativa. Mesmo atraindo poucas pessoas, contaram com a participação de em-presas locais e de jovens de um programa da Prefeitura.

A Natura contratou consultores para o de-senvolvimento do Plano de Manejo e a criação de uma síntese para encantar as crian-ças das escolas e as pessoas da comunidade. O Conselho Gestor foi instituído e a Mata Nativa assinou um Termo de Cooperação e Parceria com a Prefeitura, para fazer a gestão participativa do Parque. São avanços relati-vos, uma vez que os conselheiros tem pouca clareza das suas atribuições, resultando em um Conselho pouco operante. A fragilidade institucional também se faz sentir em relação à Diretoria de Meio Ambiente, que não dá mostras de estar comprometida com o Par-que e de ver valor no seu potencial de gerar riqueza para a cidade.

Para a Natura, uma empresa de cosméticos que vive da bio-diversidade e sabe contabilizar o valor de uma floresta, de um ecossistema, faz todo o sen-tido apoiar uma Unidade de Conservação na porta de casa. Faz parte da visão que valorizar o entorno é iniciar um ciclo

virtuoso para tudo, até para o negócio; com a contratação de mão de obra, o desenvolvi-mento de fornecedores e a construção de um ambiente mais seguro, entre tantas outras vanta-gens decorrentes de ter um entorno melhor.

o plano municipal de coleta seletiva As discussões para a elaboração do Plano Muni-cipal de Coleta Seletiva não são descoladas do Parque Natural Municipal. Fazem parte da mes-ma lógica de construir uma política ambiental coerente com a APA Cajamar e com uma região de recursos hídricos abundantes, com áreas de cabeceiras e diversos cursos d’água. Faz todo o sentido para o município cuidar dos seus rios, dos seus esgotos, dos seus resíduos e mobilizar a sociedade em torno disso.

Para a Natura, o tema dos resíduos é priori-tário e estratégico. Seus esgotos e efluentes industriais são tratados localmente e o Plano de Logística Reversa agrega valor ao negócio. A empresa tem todo o interesse em apoiar o município na construção do seu Plano de Coleta Seletiva e, desta forma, contribuir para gerar impactos positivos na

Para a Natura, o tema dos resíduos é

prioritário e estratégico

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Natura e Cajamar

cidade. Mas Cajamar não se mostrou muito sensível aos argumentos que a Natura veio explicitando desde 2008.

Em 2013, a urgência de os municípios se ali-nharem à Política Nacional de Resíduos Só-lidos e a pressão do Ministério Público fez Cajamar reavaliar sua posição. Ao conhecer a experiência bem sucedida da Natura com a Prefeitura de Itapecerica da Serra, neste sentido, a Prefeitura demandou o apoio oferecido alguns anos antes. O diálogo não tem sido fácil, dada a resistência à inclusão dos catadores o que, para a Natura, sem-pre foi uma condição inegociável.

Todo o processo evidencia o baixo compro-metimento do setor público de Cajamar com o desenvolvimento da cidade. Incluir os cata-dores no Plano Municipal de Coleta Seletiva é uma oportunidade de gerar emprego e renda para um segmento vulnerável da população; trabalhar de forma colaborativa com várias Diretorias Municipais é a única maneira de fazer um diagnóstico acurado da situação dos resíduos na cidade. Mas a Prefeitura resiste a

entender o papel de cada um na gestão dos resíduos, apesar dos esforços da Comissão que foi instituída para este fim. O diagnóstico está sendo finalizado, mas a Natura deixou claro que só seguirá com o processo se a Prefeitura reconhecer o seu valor e se com-prometer efetivamente.

a evolução da educação em cajamar A história de parceria da Natura com a Di-retoria de Educação começou nos primeiros anos após a sua chegada ao município e se deu de forma bem diferente do que acon-teceu com as demais áreas do setor público. Nunca foi necessário empreender esforços para construir uma visão compartilhada, por-que ela já existia: a Educação é o caminho para construir um futuro sustentável.

Com esta visão de longo prazo, desde 2002, a Diretoria de Educação vem trilhando uma trajetória consistente na consolidação de uma política comprometida com a transformação das estruturas, da gestão e das práticas peda-gógicas da rede municipal.

Construiu-se a legislação, foram criados os planos de carreira e os pro-fessores tiveram oportunidade de formação e readmissão via concurso, uma vez que não havia profissionais concursados na rede pública mu-nicipal. Nunca se construíram tantas creches e escolas com no período entre 2004 e 2008. E em 2010, o Plano Decenal de Educação foi atualizado com participação da sociedade civil em fóruns organizados com todos os segmentos.

Levará alguns anos até que os índices de educação do município evi-denciem algum avanço, mas há indícios claros de que uma profunda transformação está em curso. As mudanças do ponto de vista institu-cional indicam que um modo ético, respeitoso e transparente de fazer foi inaugurado. Por mais que ainda falte infraestrutura nas escolas, há professores mais competentes e comprometidos. E ninguém mais fura fila de creche.

O apoio técnico e financeiro da Natura tem sido fundamental para agi-lizar os processos, qualificar as ações e operacionalizar os planos sem os entraves burocráticos usuais no setor público. Com o tempo, cons-truiu-se uma relação forte, baseada na confiança, no respeito mútuo e na transparência.

No final de 2013, o Instituto Natura se tornou o principal interlocutor da Diretoria de Educação, com o propósito de contribuir para um pla-nejamento de longo prazo capaz de produzir impactos relevantes na qualidade da Educação pública. Na bagagem, o Instituto Natura trouxe sua

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Natura e Cajamar

experiência de anos de intera-ção com os municípios brasilei-ros e sua vontade de construir a partir de diálogos nas esco-las e das necessidades locais, aportando conhecimentos e metodologias inovadoras. Tudo indica a continuidade de um relacionamento produtivo e duradouro.

o programa rede escola cajamar Este programa foi concebido pelo RH da Natu-ra para responder ao objetivo da empresa de contratar mão de obra local e iniciou com um curso de qualificação dos jovens de Cajamar para o cargo de assistentes administrativos. Posteriormente, incluiu o programa de Aprendiz, ao constatar que a maior parte do seu público tinha menos de 18 anos e que a Natura poderia preencher as vagas disponíveis com jovens do município, ao invés de trazê-los de fora.

O fato é que depois de quase três anos, pas-saram pelo Rede Escola Cajamar mais de

500 jovens e apenas 7 foram absorvidos pela Natura. O que teria acontecido? Há vá-rias camadas de entendimen-to. Na superfície, é possível perceber um descompasso entre os cursos de auxiliar administrativo, oferecidos pelo Programa, e a principal demanda da Natura, que é

de assistentes de produção. Um olhar um pouco mais aprofundado faz pensar que um curso com apenas 72 horas não tem como agregar grandes conhecimentos à formação não tão sólida dos jovens de Cajamar.

Mas o que parece estar na raiz desta questão é o fato de o programa Rede Escola Cajamar ter sido criado para responder a um objetivo de curto prazo da empresa: contratar mão de obra do município. Se tivesse sido concebido com a ótica da Educação e norteado pela visão de promover o desenvolvimento local, os cursos teriam um currículo mais amplo, conteúdos mais consistentes e um tempo de formação não infe-rior ao de um curso técnico.

CAJAMAR VOLTA À PAUTA NAS REUNIÕES DA VP REDES

Nos primeiros meses de 2014, o compromisso com o entorno volta à pauta nas reuniões da Vice Presidência de Redes e, muito em breve, deve ser reintegrado aos indicadores. Em Cajamar, está em curso o pro-cesso de cassação do gestor municipal em exercício, quem sabe, fechan-do um ciclo de poucos avanços na consolidação da democracia.

Esses fatos levam a crer que o relacionamento entre a Natura e Cajamar esteja entrando em um período de revitalização.

O QUE APRENDEMOS Conceitos, questionamentos, avanços, retrocessos e outras reflexões:

O RISCO DE SE AFASTAR DEIXANDO A LIÇÃO INCOMPLETA

Com o fortalecimento e a organização da sociedade, a Natura diminui seu protagonismo e se coloca ao lado das forças sociais e políticas do município, apoiando seus movimentos, mais do que provocando. A estra-tégia visa criar autonomia. Interdependência no lugar de dependência. Mas será que o município está maduro para isso?

A Natura se coloca ao lado das forças so-ciais e políticas do município

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Natura e Cajamar

Houve avanços inegáveis na gestão pública. Há maior aceitação da par-ticipação popular, da prática de prestar contas e ser transparente. Mas a sociedade não pode aliviar a pressão. O Plano Diretor Municipal foi desenvolvido de forma participativa, mas há tentativas de mudá-lo pu-lando as etapas da consulta popular. A Diretoria de Meio Ambiente foi criada, mas não parece disposta a assumir outros compromissos a não ser o de facilitadora dos licenciamentos ambientais. E a APA continua sem regulamentação.

Houve investimentos e avanços na qualificação dos conselheiros. Mas os Conselhos não se mostram capazes de influenciar as políticas públicas. En-tre as poucas organizações da sociedade civil que despontaram nos últimos anos, apenas a Mata Nativa se destaca. Tem atuação consistente e respon-sável e credibilidade. Mas não tem independência financeira.

A Natura tem o propósito de sair de cena para que as forças políti-cas do município possam assumir plenamente seus papéis. Mas será que este momento chegou? Será que 15 anos de convivência são um tempo suficiente para mudar a cultura coronelista que fez história em Cajamar? Será que a cultura da participação popular é valorizada ou apenas tolerada? Será que a sociedade se sente suficientemente forte e instrumentalizada para defender seus direitos e interesses? Ou será que ainda há uma situação frágil, em que o poder público não perde a oportunidade de fazer as coisas como sempre fez? Será que é hora de se retirar, sem ter criado uma rede de apoio para dar sustentação às mudanças em curso e àquelas que estão por vir? Mas a Natura não é

um ator da sociedade de Cajamar? Por que teria que se retirar?

PARA QUE AS RELAÇÕES PERDUREM

• Ter intenções acordadas com todos O que a Natura quer em Cajamar? Qual é a visão de futuro, o propósito maior que sus-tenta tudo? E o que se quer hoje? Quais são os objetivos de curto prazo?

Ter clareza de qual é a visão que norteia o processo e qual é a meta que se deve atingir no final do trimestre é fundamental para defi-nir de que forma a Natura participa dos pro-cessos. É ou não é um ator local? Vê sentido em participar dos Conselhos? Interessa tomar a frente na mobilização das empresas locais?

Essas definições são indispensáveis para dar segurança à equipe e consistência ao discurso. E para dar clareza à sociedade do que ela pode esperar do relacionamento.

• Ter estratégias de longo prazo Pensar e planejar no longo prazo. E desen-

volver planos que sejam de Estado e não de um governo. Envolver outros atores e poder contar com a participação da sociedade, de modo que os planos se concretizem. Pensar em ações que sejam consequentes, para que não haja quebras de expectativas.

Ter metas de curto prazo que deem conta de revelar os pequenos passos. E construir um quadro de indicadores sociais, ambien-tais e econômicos que possam ser monito-rados no longo prazo.

AMPLIAR A INTEGRAÇÃO COM O MUNICÍPIO

• Engajar Colaboradores Estimular as pessoas a olharem ao seu redor é um dos objetivos de fundo do relacionamento com o entorno. Isso diz respeito aos cidadãos de Cajamar e também aos colaboradores, se-jam eles habitantes do município ou não.

Os Grupos de Trabalho Interno (GTI), forma-dos no início da Agenda 21, foram pensados com este olhar: engajar colaboradores nas

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Natura e Cajamar

Faltou engajar fornecedores da Natura e

criar projetos em parceria?

iniciativas locais, evitando também que o entorno se tornasse propriedade exclusiva das áreas corporativa e de sustentabilida-de. Os GTI funcionaram por um tempo e não parece que deixaram sementes. Faltou comunicação? Ou será que faltaram oportu-nidades de interação entre colaboradores e cidadãos de Cajamar?

O Espaço Natura não está inserido na cidade e talvez o município não ofereça grandes atrativos para os colaboradores. E se empre-endedores locais fossem estimulados a abrir restaurantes, barzinhos e cafés? E se a Natura abrisse seu Espaço para receber encontros e oficinas com mais frequência? E se o Clube Natura criasse eventos para os jovens de Cajamar?

• Desenvolver fornecedores Geração de empregos e desenvolvimento de forne-cedores já foram metas da área de relacionamento com o entorno. Não eram metas fáceis, pois dependiam da di-

nâmica local. Houve tentativas frustradas de potencializar uma cooperativa de motoboys e uma experiência mais bem sucedida com a Cooperativa de Taxi que, com suas limita-ções, conseguiu avançar.

Houve também tentativas de fazer compras locais, como foi o caso dos pãezinhos da padaria do Sítio Agar. O fornecimento durou certo tempo, mas não teve continuidade, pois a padaria não tinha estrutura para entregar o volume demandado pela Natura.

Por que não se conseguiu avançar na meta de desenvolvimento de fornecedores? Será que faltou flexibilidade? Será que faltou a Natura se

dispor a contratar serviços um pouco piores, num primeiro momento, para depois gerar va-lor local? Faltou engajar fornece-dores da Natura e criar projetos em parceria com eles?

• Engajar empresas locais A Mata Nativa ficou res-ponsável pela mobilização

da sociedade desde as primeiras oficinas da Agenda 21 de Cajamar, incluindo o empresariado local. Mas a resposta deste público sempre ficou aquém do esforço e do desejado. Eventualmente alguma peque-na empresa local participa de uma ou outra iniciativa e, mais recentemente, uma grande empresa participou das oficinas do Parque Natural de Cajamar.

Mas o relacionamento com o entorno não parece estar entre as prioridades. Não se tem notícia de empresas locais que tenham políticas de desenvolvimento social e sabe-se que muitas delas não se dispõem a trabalhar em parceria com o poder público. Mas se a Natura tem interesse em engajar o empresa-riado, não poderia começar fazendo um ma-peamento e identificando uma possível causa comum capaz de aglutinar o setor?

Apresentação · Primeiro Período · Segundo Período · Terceiro Período · VisõesHistória do relacionamento

Natura e Cajamar

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“Se você está numa comunidade, tem que se relacionar. É um processo permanente que vai avançar e retroagir. Tem que tentar medir, avaliar os impactos, mas a atuação não pode parar. Vai ter que atuar sempre, o que não significa ser o único provedor. Só acredito nisso” (Guilherme Leal).

“Uma cidade que funciona, com parques bem cuida-dos e disponíveis para a população, resgata a auto-estima do cidadão. Não se trata de melhorar uma estrada, de melhorar uma escola, de fazer investi-mentos pontuais. Trata-se de melhorar o conjunto das coisas. E para isso é preciso ter um plano diretor de atuação, um planejamento, uma sequência de longo prazo e consistência” (Pedro Passos).

“Eu tenho um sonho de contribuir para que esse território tenha uma qualidade de vida melhor, um espaço para cidadania, para a formação, para o desenvolvimento das pessoas, então eu tenho que ajudar a criar uma visão compartilhada. Eu acredi-to que só é sustentável aquilo que é construído com a participação efetiva de todos. E se as pessoas não sonham ser nada, temos que ajudá-las a recu-perar o desejo, a acreditar que podem ser melhores. Temos que provocar esta reflexão e a conexão com

um futuro diferente. A premissa é que o principal elemento construtor da visão de futuro é a corres-ponsabilização” (Guilherme Leal).

“Eu quero ver 500 Observatórios Municipais no Brasil - isso é que vai ajudar a institucionalizar a participação social. Ter um grupo diverso de pessoas, lideranças sociais que constroem uma visão compar-tilhada e monitoram; ter um processo permanente de participação cívica, independentemente de par-tidos, para que certos programas possam continuar mesmo havendo mudança do poder politico. Mas isso é papel da Natura? Se a Natura tivesse dito ‘isso não é comigo’ ela não seria a Natura, não teria a dimensão que tem” (Guilherme Leal).

“Se você valoriza o seu entorno, você inicia um ciclo virtuoso para tudo, até para o negócio; para contratação de mão de obra, para desenvolvimento de fornecedores, para estar em um ambiente mais seguro. Tem uma série de vantagens decorrentes de se ter um entorno melhor. Além de ser importante para a Natura porque a gente acredita, objetiva-mente é algo que pode trazer muitos benefícios. Eu não sei fazer essa conta, mas tenho certeza que dá retorno” (Pedro Passos).

SONhOS fUNDADORES

E PARA O fUTURO

INÍCIO