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* Professora da Secretaria Estadual de Educação/ Mestranda PPG- NEIM / UFBA. E-mail:
MOTIVANDO MENINAS PARA CARREIRAS CIENTÍFICAS: POTENCIAL
DE ATIVIDADES NO ENSINO DE CIÊNCIAS.
Andréa da Silveira Cordeiro Cunha*
Resumo
O artigo apresenta reflexões iniciais sobre possíveis articulações entre a área do Ensino de Ciências e os
Estudos de Gênero, mais especificamente a partir das contribuições da História e da Filosofia das
Ciências para o Ensino de Ciências, com vistas ao estabelecimento de um suporte teórico para a produção
e avaliação de atividades de ensino no campo das ciências que possam estimular, em meninas, a
promoção da autoestima permitindo a construção de projetos de vida diferentes daqueles tradicionalmente
impostos às mulheres e particularmente às mulheres das classes populares. Constata-se que, apesar dos
avanços da sociedade, as mulheres ainda são minoria nas carreiras científicas e preferem profissões
consideradas femininas, geralmente relacionadas ao cuidado, à saúde e serviços, ao invés de física,
engenharia e computação, áreas consideradas masculinas. Parte deste cenário decorre da educação
recebida e da expectativa da sociedade em relação ao lugar e/ou papel das mulheres. Práticas pedagógicas
no contexto do Ensino de Ciências podem promover, em meninas e jovens mulheres, o aumento na auto-
estima, no nível de aspiração e consequente reconhecimento de que podem chegar a construir uma
carreira em áreas de Ciência e Tecnologia.
Palavras-chaves: Gênero; Jovens mulheres; Atividades de Ciências; Motivação; Inserção em
carreiras cientifica.
Abstrat
The article presents initial reflections on possible links between the area of Teaching Science and Gender
Studies, more specifically from the contributions of History and Philosophy of Science for Science
Education, with a view to establishing a theoretical support for the production and evaluation of
educational activities in the field of science that can stimulate, in girls, the promotion of self-esteem
allowing the construction of different projects of life of those traditionally imposed on women and
particularly women of the popular classes. It appears that, despite advances in society, women are still a
minority in scientific careers and prefer professions considered feminine, usually related to the care,
health and services, rather than physical, engineering and computing, areas considered masculine. Part of
this scenario stems from the education received and the expectations of society with respect to the place
and / or the role of women. pedagogical practices in the context of science education can foster in girls
and young women, the increase in self-esteem, level of aspiration and consequent recognition that can get
to build a career in the areas of Science and Technology.
Key-words: Gender; young women; Science activities ; Motivation; Insertion into scientific careers.
Considerações iniciais
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O projeto de pesquisa submetido por mim ao Programa de Pós-Graduação em
Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo - NEIM da
Universidade Federal da Bahia parte da seguinte questão: como atividades de ensino
ciências podem estimular o empoderamento de meninas mediante a promoção da
autoestima e contribuindo para a construção de seus projetos de vida? Neste sentido, o
estudo pretende analisar o potencial de atividades de Ciências em uma Escola do
subúrbio em Salvador- Bahia, para o estímulo na busca de conhecimento e, consequente
elevação da autoestima de meninas, repercutindo na construção de seus projetos de vida,
que pode incluir sua inserção em carreiras cientificas.
A unidade escolar que constitui o universo desta pesquisa situa-se em uma
região da cidade marcada pelo isolamento e distanciamento de certos elementos
socioculturais. A dificuldade de acesso a serviços públicos como atendimento médico e
saneamento básico também representa outra dificuldade encontrada pela comunidade,
que é composta, em sua maioria, por pessoas negras cujas famílias são chefiadas por
mulheres. Grande parte dessas mulheres são trabalhadoras domésticas, muitas vezes não
legalizadas, ou atuam no comercio informal.
O índice de violência, em decorrência do tráfico de drogas vem aumentando,
interferindo na vida escolar das meninas. O comércio ilegal de drogas é o principal
responsável pela maioria de casos de homicídios. E, em muitos casos, a inserção dos
jovens, ocorre nestes grupos contra a sua vontade. Geralmente decorrem de pressão de
amigos, vizinhos ou por falta de perspectiva de futuro. Além disso, existem casos de
violência doméstica, alcoolismo, abuso sexual e outras situações de risco que chegam ao
conhecimento da escola.
Neste contexto, os jovens residentes nesta localidade frequentam a escola por
motivos variados. Alguns não buscam sua formação, porém proteção, fuga,
acolhimento. Muitos deles, também, frequentam por uma pressão social (da família,
amigos e etc...) e, ainda, determinados alunos estão sobre a total responsabilidade da
escola, em relação a sua educação. Isto ocorre em virtude da maioria dos pais estarem,
por um logo período do dia, fora de casa sem a mínima interação com seus filhos,
mesmo quando retornam ao lar. Em alguns casos, essa interação ocorre apenas nos fins
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de semana porque os pais dormem em seus empregos. E os estudantes além de ficarem
sozinhos, cuidam da casa e de seus irmãos mais novos.
Em grande parte, esses pais ou apenas mãe, que tiveram que interromper seus
estudos para ingresso no mercado de trabalho ou por causa do nascimento de seus
filhos, não conseguem estimula-los por não visualizarem uma perspectiva de futuro
diferente daquelas que o ambiente que os rodeia permite projetar.
A gravidez precoce é um dado observado. O alto índice de gravidez na
adolescência pode ser embasado na reprodução de histórias familiares em que as mães
também foram mães adolescentes. Para as mulheres jovens advindas destas famílias
que, geralmente, não possuem projetos educacionais e profissionais, a maternidade
torna-se o seu projeto de ascensão moral e social. Segundo Le Van (1998), as trajetórias
escolares das meninas, apesar de mais longas do que as masculinas, são descontínuas,
com interrupções antecedendo a gravidez ou o nascimento de filhos e grande defasagem
idade/série. A desigualdade de gênero e classe social transforma a maternidade em uma
forma de reconhecimento social neste contexto.
Diante deste cenário, o papel do ensino de Ciências é proporcionar ligação
entre conhecimento científico, contribuições teórico-pedagógicas no campo do ensino
de ciências e a vida cotidiana destas estudantes, além da promoção da superação de
problemas decorrentes de preconceitos de gênero, raça e classe através da educação. No
caso específico das meninas, a internalização de novos conhecimentos e, portanto, sua
incorporação às suas vidas cotidianas pode conduzir à promoção da autoestima,
constituindo um elemento importante na construção de projetos de vida diferentes
daqueles tradicionalmente impostos às mulheres e particularmente às mulheres das
classes populares.
Caracterização do contexto
Em virtude dos bairros que compõem o Subúrbio Ferroviário estarem
localizados longe do centro comercial de Salvador, eles são considerados como áreas
periféricas dentro da cidade.
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O Subúrbio Ferroviário é a denominação dada ao conjunto
de bairros de Salvador onde moram cerca de 500 mil habitantes distribuídos em 22
bairros. É uma região periférica de Salvador conhecida pela linha ferroviária que liga o
bairro da Calçada, que fica na Cidade Baixa, até o bairro suburbano de Paripe, que fica
na região noroeste de Salvador, conhecida por ser o penúltimo bairro de Salvador nessa
região.
Segundo Espinheira (2003), no passado o Subúrbio Ferroviário era tido como
um local de veraneio devido a sua aparência bucólica muito agradável e da sua
proximidade com a Baía de Todos os Santos.
Com o crescimento da ocupação e sua expansão, o empresariado industrial se
aproveitou da via férrea e da população já existente e instalou a indústria têxtil, como
foi o caso da Fábrica de Tecidos São Brás, localizada em Plataforma. A presença da
indústria, próxima à linha férrea, possibilitava a diminuição dos custos de produção,
tendo em vista que o transporte era barato e a mão-de-obra abundante. Surgiu, assim,
uma área industrial e de residência.
Atualmente o subúrbio configura-se por apresentar dezenas de bairros dos
quais a maioria é proveniente de “invasões” que se consolidaram ao longo dos anos, em
que a falta de infraestrutura e a ocupação desordenada intensificaram as áreas
marginalizadas.
Levando-se em conta que o espaço em questão é desfavorecido
economicamente e o seu potencial de entretenimento é limitado, para Espinheira (2003,
p.199), “hoje, o sentimento prevalecente de morar no subúrbio e ser suburbano é repleto
de estigmas, que vão do estranho, do migrante, ao do ser menos civilizado, capaz de
comportamentos violentos”.
Aspectos do contexto sociocultural
O subúrbio ferroviário é uma região muito discriminada da cidade de Salvador,
assim como outras, do ponto de vista racial. Em sua grande maioria as pessoas que lá
residem são negras. Segundo Mananga (2004), o racismo nasce quando justificamos o
comportamento das pessoas por meio de caracteres biológicos. E é esta relação entre
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características biológicas e qualidade moral, intelectual, moral, psicológica e cultural
que determina uma hierarquização das raças classificando-as em inferiores e superiores.
O naturalista sueco Lineu, que fez a primeira classificação natural das plantas,
traz também, um exemplo de classificação racial humana acompanhada de valores que
exprime uma hierarquização das raças. O termo raça é uma construção sociocultural,
portanto não se aplica a espécie humana. Biologicamente não há justificativa para esta
hierarquia.
Em virtude desta região da cidade ser caracterizada pelo isolamento geográfico
esta é marcada pela ausência de acesso a diversos serviços e pelo desconhecimento de
certos elementos socioculturais. Além disso, existe dificuldade de acesso à serviços
públicos como atendimento médico. O bairro em que a escola está situada não está
incluído dentre aqueles atendido pelo posto de saúde mais próximo. Para que as jovens
obtenham atendimento médico e acesso a contraceptivos e medicamentos é necessário
dirigir-se ao bairro vizinho, mais distante. Esta situação contribui para a irregularidade
do uso de métodos contraceptivos favorecendo a gravidez não planejada.
Boa parte da população atua profissionalmente no mercado informal dentro do
próprio bairro como vendedores ambulantes. Neste setor do comércio de rua, as
mulheres são maioria e quando realizam outra atividade também o fazem de modo
informal como, por exemplo, atuando como trabalhadoras domésticas, babás,
cuidadosas de idosos, vendedoras em pequenas lojas além de serviços gerais e
estoquistas em pequenos mercados no mesmo local. E, algumas delas, quando
conseguem empregos fora da área em que moram estes são, em geral, em shoppings e
quase sempre como vendedoras. Algumas também trabalham em outros ambientes,
como universidades, contratadas por empresas terceirizadas na função de serviços
gerais.
É possível observar a grande quantidade de meninas que cuidam de seus
irmãos menores e avós com saúde debilitada ou em estado vegetativo e que assumem a
rotina da casa enquanto seus pais passam muito tempo fora por causa, muitas vezes, da
distância do seu trabalho até seu lar. Sendo que, em alguns casos, estes só retornam no
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final de semana. Segundo Brandão (2003), a realização de tarefas domésticas pelas
mulheres inicia-se muito cedo, sendo parte do processo de socialização para a
maternidade, especialmente entre as classes populares.
A gravidez precoce contribui para o afastamento da escola ou para uma
formação ineficiente pela ausência de estrutura como creches. Sendo esta também uma
solução para as meninas que ficam em casa cuidando de seus irmãos mais novos.
Um estudo sobre adolescência e reprodução no Brasil em relação à
heterogeneidade dos perfis sociais, entre as mães adolescentes foi realizado, em 2003,
por: MUSA - Programa de Estudos em Gênero e Saúde, Instituto de Saúde Coletiva,
Universidade Federal da Bahia, Programa em Gênero, Sexualidade e Saúde, Instituto de
Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, o Núcleo de Pesquisa em
Antropologia do Corpo e da Saúde, Universidade Federal do Rio Grande do Sul e
Institut National d'Études Démographiques. Paris, France. Este estudo avaliou a
gravidez na adolescência, em Salvador, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Examinou o
perfil de quem engravida e seus parceiros e os resultados da gestação. Foram
entrevistados 4634 jovens, com uma amostra de homens e mulheres entre 18 e 24 anos.
A gravidez entre adolescentes foi relatada por 55,1% dos homens e 27,9% das mulheres.
A ocorrência de gravidez variou inversamente com a escolaridade e a renda. Com o
nascimento de um filho antes dos 20 anos, parte das moças parou os estudos temporária
(25,0%) ou definitivamente (17,3%), mas 42,1% já se encontravam fora da escola.
Outro indício de interrupção da vida escolar das meninas é a expansão rápida
do tráfico de drogas. Esta descontinuação ocorrendo por: morte, por atuação no grupo,
pertencer à família do administrador do comercio ilegal ou por envolvimento amoroso,
com integrantes do tráfico, em que precocemente derivam filhos. Além disso, nestas
condições, surgem casos de violência doméstica e abuso sexual em geral, relacionados
como o alcoolismo.
Podemos notar o afastamento da escola, também, em virtude da dificuldade
financeira da família. Ocasionando assim à iniciação cada vez mais cedo das
adolescentes ao trabalho. Nas classes populares, a juventude tende, precocemente, a
interrupção dos estudos e a inserção (ainda que precária) no mercado de trabalho, sem
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que seja atingida uma autonomia plena, em decorrência da precariedade das condições
de vida (HEILBORN ET al, 2002). Entre os grupos sociais mais favorecidos, observa-se
um prolongamento da juventude com o aumento do tempo de estudo, a manutenção da
coabitação com os pais e a aquisição tardia de autonomia material (BRANDÃO ET al,
2001).
Os aspectos do cotidiano em que vivem estas meninas reforçam uma realidade
cotidiana difícil de escapar. Além disso, em relação à classe, famílias pobres necessitam
do trabalho e dos salários dos filhos para sobreviver e estes devem cuidar dos irmãos
menores. Após o crescimento destes é a vez dos idosos uma vez que os governos,
rendas e riquezas herdadas sustentam as classes média e alta.
Estas mulheres negras e pertencentes à classe pobre vivem sobre duas ou mais
formas de dominação: sexismo, racismo, patriarcalismo. Segundo Crenshaw (2002),
estas são as chamadas interseccionalidades que são formas de capturar as consequências
da interação entre duas ou mais formas de subordinação. Essa noção de ‘interação’
induz a superação da noção de superposição de opressões. Gênero, raça e classe são
pensados como sistemas de dominação, opressão e marginalização que determinam
identidades para efeito da subordinação social e o desempoderamento.
Práticas do ensino de ciências
Entre estratégias pedagógicas que compõem o elenco de possibilidades na
abordagem do Ensino de Ciências, atividades como feiras, projetos, oficinas, palestras e
seminários no campo das Ciências são opções interessantes na medida em que
envolvem a participação direta dos estudantes, além de melhorar a aprendizagem,
podendo proporcionar estímulo para o alcance da autoestima e da reflexão a cerca de
seus projetos de vida.
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Um exemplo de atividade que pode ser citado aqui são as oficinas de
sexualidade desenvolvidas pelas bolsistas do PIBID1; esses encontros promovem um
espaço para discussões e debates sobre questões relativas à realidade sociocultural e
projeto de vida ao qual estão inseridas estas estudantes. A atividade provocou reflexões
importantes sobre o tema nas adolescentes, como exemplo, temos o depoimento de uma
aluna de 16 anos. Ela confessou estar muito feliz, pois acabara de descobrir que não
necessitaria engravidar aos 15 anos como sua mãe. Além de informações importantes,
esta atividade provocou a desmistificação de algumas crenças, chegando a alterar o
comportamento de uma estudante que não se permitia participar de atividades dinâmicas
e em grupo, e que passou a fazê-lo.
Outra atividade que rendeu bons resultados na perspectiva deste estudo foi a
Palestra “Mulheres e Carreiras Científicas: como chegar lá?”, que foi proferida pela
cientista da NASA – Nagin Cox, em uma atividade realizada no Colégio Estadual de
Plataforma promovida pelo consulado americano em parceria com o Curso de Ciências
Naturais/UFBA, o PIBID de Ciências/CAPES/UFBA e o NEIM/UFBA, realizada no
colégio em setembro de 2014. Esta engenheira da NASA é um ótimo exemplo da
crescente participação feminina na ciência: além de comandar as ações da Curiosity
(veículo do tamanho de um carro médio que explora a superfície de marte) ela viaja o
mundo para promover o respeito aos direitos das mulheres. Uma mulher indiana
naturalizada norte-americana, a engenheira citou a necessidade de superar as barreiras
que afastam meninas e mulheres da ciência. Após este evento foram observadas
mudanças de comportamento nas meninas desencadeando um movimento entre as
estudantes no que concerne ao debate sobre o ingresso de mulheres em carreiras
cientificas evidenciado pelas leituras de revistas que tratam do tema, discussões em sala
de aula, corredores da escola e depoimentos nas redes sociais. Assim como registros,
depoimentos e discussões sobre e entre estudantes. Estas adolescentes foram o público
1 PIBID O Pibid é uma iniciativa para o aperfeiçoamento e a valorização da formação de professores para
a educação básica. O programa concede bolsas a alunos de licenciatura participantes de projetos de
iniciação à docência desenvolvidos por Instituições de Educação Superior (IES) em parceria com escolas
de educação básica da rede pública de ensino. Os projetos devem promover a inserção dos estudantes no
contexto das escolas públicas desde o início da sua formação acadêmica para que desenvolvam atividades
didático-pedagógicas sob orientação de um docente da licenciatura e de um professor da escola.
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alvo da palestra na qual a cientista narrou sua trajetória de vida em meio a tantos
obstáculos, até a conquista do seu sonho adolescente de integrar a equipe da NASA.
A importância da História e da Filosofia da Ciência em sala de aula: o uso das
lentes de gênero
A escola reproduz papéis de gênero com regras algumas vezes invisíveis.
Segundo Pons (2011), as formas de ser feminina e ser do sexo masculino são
estimulados pela escola. Esta promove lugares de subordinação para as mulheres,
enquanto aos homens os estimulam a uma masculinidade hegemônica (virilidade,
agressividade sexual e racionalidade).
Apesar do progresso das mulheres ao longo da história o "androcentrismo
cultural” continua presente na sociedade assim como na sala de aula e nas instituições
de ensino. De forma leve claro, porém eficiente. O status social das mulheres não
mudou em todo este tempo. E as meninas aprendem nas escolas que os homens são
mais eficientes em Matemática e Ciências Naturais enquanto meninas como sonhadores
e emocionais são orientadas para a área da linguagem. Orienta-se a estudante quanto ao
modo de sentar e filas são organizadas para meninos separadas das meninas. Nas
avaliações as meninas são qualificadas como prolixa. As personagens femininas em
textos de literatura assumem posições de dependência enquanto o masculino realiza
grandes feitos.
A teoria feminista serve para questionar o androcentrismo. A escola foi criada
pelos homens e para eles. Entre os séculos XIV e XVIII, período chamado de “Querela
das Mulheres” estas brigavam pelo direito à educação, para saber ler e escrever. As
mulheres são apenas um complemento. Livros didáticos e conteúdos reforçam a
invisibilidade das mulheres na ciência. Estas aparecem e quando aparecem é na
condição de auxiliares dos homens ou desenvolvendo atividades ditas femininas como:
preparando café da manhã para a família. Ou, segundo Lima e Souza (2015 p.19),
muitas vezes são mencionadas em cartas e outros documentos com menosprezo ou não
aparecem são invisibilizadas. Como ocorreu em um dado momento da história da
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ciência, mais especificamente, em Biologia no campo da genética, com o trabalho de
Thomas Hunt Morgan, com a mosca da fruta:
Kohler relata ainda que Morgan recrutava mulheres para serem suas técnicas
e não há registros sobre este processo de seleção. A técnica pessoal de
Morgan era Edith Wallace, mas as mulheres não ocupavam posições oficiais
nem apareciam nas fotografias... A própria Wallace era considerada muito
mais como uma artista, embora seus desenhos da Drosophila tenham sido
reconhecidos como parte essencial dos estudos sobre este organismo e suas
implicações para a genética. (LIMA E SOUZA, 2015, p19).
A importância das mulheres que auxiliaram e contribuíram nestas pesquisas e
que renderam importantes publicações não foram contadas.
Sabemos que as mulheres não são inferiores, mas diferentes assim como os
homens não possui superioridade sobre elas. A suposta inferioridade das mulheres
advém das análises da biologia que historicamente possui o homem como modelo de ser
humano enquanto a mulher seria a imperfeição deste. Atualmente, tem ocorrido
transformações neste campo e percebemos que não há inferioridade de gênero, mas,
invisibilidade da mulher na história da Ciência, como aponta LIMA E SOUZA (2015, p.
20) ao escrever sobre a trajetória de geneticistas pioneiras baianas:
As cientistas citadas no parágrafo anterior podem estar numa foto datada de
1948, em que aparecem esses grandes nomes da Genética no Brasil, por
assim dizer, os pais fundadores... Ocorre que na fotografia, cuja legenda
começa dizendo que ali estão os pesquisadores do Departamento de Biologia
da USP, em 1948, estão 10 mulheres e 10 homens e apenas os nomes destes
estão cuidadosamente registrados; as mulheres, ali presentes, estão
completamente ignoradas.
A invisibilidade feminina no campo das ciências e a desigualdade de gênero
são atitudes reforçadas na trajetória escolar. Segundo Pons (2011), práticas pedagógicas
feministas voltadas para a reeducação das relações étnico-raciais e das relações sociais
de gênero somente obterão êxito quando as(os) educadoras(es) enfrentarem o desafio de
falar sobre as diferenças sem receio, sem preconceito e, principalmente, sem
discriminação. A inclusão de gênero em práticas pedagógicas é duvidar de todo discurso
que coloca as mulheres em situação de subordinação.
Segundo Harding (1981), epistemologias feministas e filosofias da ciência
questionaram padrões convencionais de objetividade, racionalidade, “bom método” e
“ciência real”. A autora afirmou a ausência de igualdade de gênero na estrutura social
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das ciências naturais, da matemática e da engenharia. As ciências europeias e norte-
americanas foram influenciadas por mulheres e gênero de acordo com alguns
historiadores. E os contínuos obstáculos com os quais as mulheres se depararam para
atingir igualdade foram documentados por cientistas sociais.
A quantidade de mulheres que têm ingressado ao estudo pré-profissional e
profissional das ciências naturais, da matemática e da engenharia, a trabalhos em
laboratórios, publicações em revistas especializadas em pesquisa, e ao quadro de
membros de sociedades da C&T tem se ampliado. Porém, quanto mais alta a posição ou
o cargo no campo da C&T menos mulheres são encontradas. Poucas mulheres dirigem
os mais prestigiosos laboratórios, são chefes de departamentos de ciências naturais,
matemática e engenharia nas universidades.
Considerações finais
O termo gênero é uma construção social e política do sexo biológico. Homens
e mulheres são construídos socialmente. A discussão deste conceito pode ajudar na
desconstrução da relação de opressão, assim como tentar desnaturalizar as relações
construídas por homens e/em mulheres. Para tanto, é necessário observar como o
comportamento de homens e mulheres foram construídos e relatados ao longo da
história como dominantes e normais.
Na história da Ciência o importante é questionar a invisibilidade das mulheres.
E esta é uma estratégia que penso: trazer essas mulheres no contexto do ensino de
ciências, através de práticas como o uso de pequenas biografias e ilustrações, fotos, etc,
que comprovam a participação feminina na história deste campo. E contribuir para o
estimulo de jovens meninas na inserção de carreira científicas.
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