Morte e Luto Em Jung
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Morte e luto
Maria Cristina Mariante Guarnieri 1 [email protected]
A morte uma transformao psquica profunda, mas atravs da
morte do outro que experimentamos sua presena e seu sentido. a
morte do outro, em geral daquele que amamos, admiramos e com o qual
temos um vnculo que experimentamos a dor da perda e ao mesmo tempo
ficamos diante da nossa condio finita.
E como podemos compreender a morte, essa grande transformaopsquica, atravs da psicologia analtica? Nada melhor do que buscarmos
na liguagem simblica o modo de compreendermos melhor nossa
condio finita. E no s, pois tambm atravs dos smbolos e dos
rituais simblicos que conseguimos assimilar o evento da morte, o
momento da perda e todo o processo de luto. Um dos principais pontos
da psicologia analtica est no fato de que para Jung a vida possua um
sentido e isso nos aproxima de todo aquele que reflete sobre suaexistncia, sobre o fato de sermos mortais e nos deixarmos indagar por
essa condio.
Nesse sentido, esse pequeno texto pretende buscar ampliar a
questo da morte, luto, sua histria, nossos medos e negaes, a funo
do smbolo e sua importncia na busca de nossa individuo.
1 Doutora em Cincias da Religio - PUC/SP; Psicloga Clnica; Docente no IJEP InstitutoJunguiano de Ensino e Pesquisa; Pesquisadora do NEMES Ncleo de estudos em Mstica eSantidade CRE/PUC/SP; e-mail: [email protected] .
mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected] -
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O que a morte?
No filme O Stimo Selo , de Ernst Ingmar Bergman (1918-2007), de1956, assistimos a trajetria do principal personagem Antonius Bock,
um cavaleiro que retorna das Cruzadas e est atormentado pela realidade
que vivenciou e que acabou por destruir todas as iluses que, at ento,
haviam lhe dado sentido para vida. Ele s quer voltar para casa, mas
descobre que a morte lhe acompanha e deseja, antes de se entregar ela,
conhecer a verdade. Diante disso, Bock prope um jogo de xadrez
Morte, apostando em sua vitria para continuar vivendo. Quando a Morte
(personagem) pergunta como ele sabe que ela gosta de jogar xadrez, Bock
responde que viu em poemas e pinturas....Fato que nada sabemos sobre
a morte. S sabemos que ela a nica certeza e, portanto, toda e qualquer
imagem ou significado do que a morte est vinculado a algo que
associamos e que parece fazer sentido em nossa existncia. A ideia
resgatada por Bergman do jogo de xadrez muito interessante. Um jogo
que sabemos quem ser o vencedor, mas, como todo jogo, possibilita
diversas manobras e possibilidades que intensificam o viver.
na dinmica da morte que a vida acontece. No jogo, imagem
escolhida por Bergman, o tempo est no foco da reflexo; o tempo
retomado em cada partida e revela que a vida sempre dimensionada a
partir da morte. Na medida em que a vida negao da morte, ela
constantemente a afirma como sua indissocivel parceira.
A morte est a todo instante destruindo o que a vida constri. Emcada instante a vida se faz presente, e ao mesmo tempo, este instante
torna-se passado e j foi devorado pela morte. E na alteridade da
existncia, na tenso entre vida e morte que se torna possvel o
movimento de construo de nosso existir.
As verdades da morte so construdas principalmente a partir da
raiz medo, conscincia da finitude e desejo da imortalidade. Na nossa
psique tambm encontramos os mesmos elementos. O medo uma
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reao psicolgica natural quando pensamos na finitude, nosso
inconsciente no aceita a morte, onde provavelmente encontramos a raiz
desta imortalidade que esta na crena de todo ser humano. Na vida e em
todo o desenvolvimento humanos a realidade da morte esta presente,
sentimos no prprio corpo, nos finais de ciclos, nas experincias de luto,
com as perdas que obrigatoriamente presenciamos durante a vida.
O medo da morte est intimamente ligado com medo da vida. a vida
um processo energtico que visa um estado de repouso. Segundo Jung,
processo todo uma perturbao inicial de um estado de repouso que
procura se restabelecer sempre:
A vida teleolgica par excellence , a prpria persecuo deum determinado fim, e o organismo nada mais do que um sistema
de objetivos prefixados que se procura alcanar. O termo de cada
processo seu objetivo.(J UNG, 1984, 798, p.358)
Estamos em um mundo obcecado pelo progresso tecnolgico e pela
idia de felicidade e, paradoxalmente, nunca o temor da morte foi to
explicitamente experimentado como hoje.Paralelamente, o estudo sobre
nossas reaes frente a nossa condio finita, o modo como lidamos com
as perdas, a forma como entendemos a morte em todos os seus aspectos,
possui uma rea na cincia que recebe o nome de Tanatologia Thanatos,
do grego, morte. Thanatos ou morte, era filho da tit Nix com rebo eirmo gmeo do deus do sono Hipnos .
Mas para alm da cincia, pois nem sempre essa responde as
questes humanas mais essenciais, a sabedoria religiosa pode oferecer
uma grande contribuio sobre essa etapa da existncia, mas ns
esquecemos deste recurso e, na verdade, desqualificamos o
conhecimento que dela podemos adquirir. Penso que um dos motivos est
justamente na forma como temos compreendido a religio aps a virada
iluminista.
A lembrana diria que muitos monges resgatam de que somos
mortais, a sabedoria budista de que a morte compe com a vida a
existncia, a sabedoria dos povos indgenas da transitoriedade da vida
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que leva, inclusive, a realidade dos dois mundos (natural e sobrenatural)
conviverem com uma certa harmonia, nos remetem a constatao de que
viver uma parte do todo, com seu tamanho e valor.
Uma histria da morte
Morin (1970) afirma que uma funo da religio seria o de socializar
e dirigir os ritos de morte, como forma de lidar com o terror. A religio,
para muitos autores, um caminho compensador para todos aqueles que
no conseguem enfrentar a dura realidade da morte. Para Freud
(Cf.1972a), a morte est na origem da religio e, neste sentido, pensavaa religio como iluso, fruto da imaginao humana que possibilita negar
que a vida uma luta entre Thnatos (instinto de morte) e Eros (instinto
de vida) e que, no final, a morte sempre vencer. Impotente frente s
foras da natureza, o ser humano, para lidar com tal conflito, tenderia a
humaniz-las e transformar estas foras em uma identidade e, atravs
da memria da impotncia de nossa infncia e da infncia da raa
humana, cria a idia de um pai e o transforma em deus.
John Bowker (1995) discute a morte como origem da religio,
criticando principalmente a viso de fuga que ele afirma ter encontrado
em Marx e a viso de compensao vista na abordagem de Freud.
Segundo sua anlise, os antroplogos no apresentam material que
demonstre o ponto de vista que a conscincia humana da morte levou ao
invento da religio, como compensao pelo medo que essa conscincia
provoca.
Como exemplo, Bowker (1995, p.37) 2 apresenta a crena em vises
que parece ser considerada natural nos seres humanos aps pesquisa
que demonstram sua unanimidade. Para compreender o que leva o
indivduo a crer em fantasmas, os autores da pesquisa analisam que isto
2 O autor cita a obra de ROSENBALTT, WALSH e JACKSON, Grief and Mourning in
Cross- Cultural Perspective , New York, Hraf Press, 1976, que pesquisaram sobre ascrenas em vises. Mais informaes sobre o assunto pode ser encontrado emPARKES (1998)
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acontece devido aos seguintes fatores de coaes: deixas ambientais,
atravs das quais as vises, sons ou odores associados ao falecido
provocam o sentido da presena; a presena de sonhos; a teoria da
autopercepo que fala que as pessoas, sob forte emoo ou sofrimento,
tendem a concluir uma manifestao da pessoa falecida como busca de
alvio e tambm a necessidade de interagir com o falecido na busca de
resolver pendncias. Para Bowker, porm, existem relatos que
enfraquecem nosso entendimento e demonstram que a relao com os
mortos muito realista para determinadas comunidades.
A idia de que a religio compensa nosso medo frente o morrer
real, porm esta no a nica explicao. Pensar que algo sobrevive paraalm da vida uma observao do mundo real. Algo realmente sobrevive
quando algum trao do morto permanece: Os mortos continuam, acima
de tudo, na memria e nos filhos; como eles continuam, outra questo. (Bowker, 1995, pg.47) Para Bowker, a indagao religiosa muito mais
profunda; uma afirmao de valor da vida humana reconhecer que a
vida leva vida, que o ser humano entra na vida, a ganha e tambm
ganha a morte.
E mais, atravs de um ritual que conseguimos elaborar a questo
da morte, lembrando que o rito , antes de tudo, o gesto tcnico que
abrange todo seu sentido quando se prolonga em um ato simblico. Nos
ritos de iniciao chega-se numa vida nova passando pela morte e
separao. Muitos rituais de morte so realizados em grutas e cavernas,
uma analogia com o tero, o desejo de ter a figura materna quando nosencontramos frente ao perigo de morte, uma idia de regresso ao tero
materno.
Uma outra funo dos ritos fnebres esta na proteo dos vivos e
dos mortos. Proteger os vivos de serem importunados pelos mortos e
proteger os mortos para que eles faam uma boa viagem. Cuidar do morto
assegurar uma passagem feliz para o outro lado, e implica na crena
da idia em uma vida aps a morte. A morte uma passagem, e se estafor feita bem pelo morto, ele pode auxiliar e interceder favoravelmente
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junto ao vivo, e no ser fonte de risco, perigo ou incomodo. Muitas so as
sociedades que acreditam que a realizao de rituais funerrios
adequados garantem a tranqilidade a vivos e mortos.
Na antiguidade j se acreditava em uma vida aps a morte.
Alimentos e bebidas eram colocados junto ao defunto para facilitar a
passagem para o outro mundo, em todas as classes sociais e regies.
Mas, no preparo para a morte possvel observar em todas as pocas as
diferenas sociais, as posies privilegiadas e conquistadas em vida. Os
soberanos, faras e reis acreditavam reinar por toda a eternidade,
construam pirmides, e eram enterrados com seus pertences e tambm
com seus criados que eram sacrificados para acompanh-lo na morte.
As almas, os espritos, os mortos muitas vezes so mais temidos
que a prpria morte, e muitas culturas desenvolvem formas de
comunicao com os mortos.
Da idade mdia at o sculo XVIII, no Ocidente catlico, vida e
morte estavam prximos, era o que o historiador Philippe Aris (1977)
chamou de morte domesticada. Existia o temor da morte,
principalmente a morte sem aviso, aquela que no permitia o preparo
antecipado e tambm aos mortos que assim morriam. Era uma morte
tpica da era medieval, onde os homens morriam na guerra e de doenas
e conheciam bem a trajetria de sua morte. A morte era esperada no
leito, sempre com o moribundo cercado de parentes e amigos, em uma
cerimonia onde as emoes no s podiam, como deviam ser expressas.
importante ressaltar que se tratava de uma familiaridade e no de uma
mistura de vida e morte, portanto o temor para com as almas dos mortos
era grande, mais at do que a prpria morte, e para tal se cumpria uma
srie de rituais adequados para que os vivos e mortos permanecessem
tranquilos em seus mundos.
O preparo auxilia muito o temor a morte, e visto inclusive como
forma de salvao. A preocupao com a salvao levou a utilizao de
ritos de absolvio como oraes aos mortos, donativos, missas e
testamentos. Testar era dever de conscincia e era muito comum a
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elaborao de um testamento que obrigatoriamente levava o indivduo a
refletir sobre a morte.
A Igreja aproximava mortos e vivos com base na crena do
Purgatrio, que era o destino de todos que teriam que enfrentar o
julgamento individual logo aps a morte. A doutrina do Purgatrio surgiu
no sc. XIII e era o local para onde se destinavam as almas que no
tinham pureza suficiente para irem direto ao Paraso, mas estavam salvas
do Inferno. Era um local de julgamento individual onde o tempo de
estadas das almas poderia ser abreviado com missas, oraes, e pelas
intervenes diretas junto a Deus, de santos, boas almas durante e aps
o julgamento da alma do morto. Surgia assim, um relacionamento entre
vivos e mortos, sendo que estes ltimos poderiam transitar entre os dois
mundos, caso no fossem atendidos em seus pedidos. A f popular
acreditava que oraes e missas, confisses e boa sepultura eram o que
desejavam estas almas perturbadas, ou que assim se tornariam por
terem sido negligenciado o preparo de sua morte. As almas tinham
vontade e poder, zangadas poderiam prejudicar e, satisfeitas, poderiam
ajudar.
No sc. XIX teremos a morte romntica. Considerada bela, um
repouso, eterna e um reencontro com os que se amam, a morte passa a
ser desejada. Ela a libertao, mas tambm uma ruptura e separao.
Acreditava-se muito na vida futura, e o medo era principalmente que as
almas do outro mundo pudessem vir incomodar os vivos. As mudanas
do imaginrio da morte so sutis e mesclam-se em suas caracterizaes,
dependendo de lugar, povo e crenas.
O importante ressaltar que um profundo exame de conscincia
levava a um acerto de contas com tudo que o indivduo julgava que
deveria ser reparado. Assim, ele administrava seu fim, fazendo valer suas
palavras. Morrer bem exigia um esforo de todos, desde o
acompanhamento das necessidades do doente, das rezas, velas e at de
conversas dos homens que se reuniam para falar da doena e da morte.
Havia um momento e um espao para se falar sobre a morte e o morrer.
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Na Inglaterra mudanas e declnio dos funerais elaborados, do
cuidado com o cadver, surgir a partir do sc. XVI, muito influenciado
pelo protestantismo, que surgia criticando a crena no Purgatrio,
dizendo que esta s servia para engordar os padres. Calvino prope
rituais fnebres simples e a reforma da f. Mas, mesmo com essa crtica
protestante, catlicos e alguns protestantes resistiam, mantendo as
tradies de seus enterros; embora no enterrassem seus mortos em
igrejas, no aceitavam o distanciamento entre vivos e mortos. A reforma
cemiterial na Inglaterra s viria definitivamente aps as reformas
francesas.
A resistncia cultural s mudanas de atitudes frente aos mortos
no deixou de ocorrer nem no Brasil, nem na Europa. A atitude na Frana
muda a partir do sc. XVIII, no rastro do Iluminismo, com o avano do
pensamento racional, os ritos se simplificam e diminuem. A morte passa
pouco a pouco a ser algo privado, os mortos passam a ser encarados
como tabu pblico. O perigo e a pureza no se define mais pelos ritos
religiosos, mas pelos critrios mdicos. A razo passa a dar o tom de como
lidar com a morte. Por motivos de sade passa-se a afastar a morte da
vida, os higienistas defendem que a decomposio dos mortos so fontes
de infeco do ar e podem afetar o vivo.
Esta determinao de afastar a morte da vida, de certa forma, j
acontecia dentro do ritos religiosos, pois para tratar a morte se exigia
preparo e respeito, e sem os vrios rituais estaramos muito expostos a
ela, e portanto, poderamos ser levados. A cincia chega dando razo para
esta separao, mais com uma fora e grandeza que leva ao total
afastamento da morte. A morte hoje pertence aos hospitais e esta distante
de nossa viso. Ela fria e evitada a qualquer custo, dando a iluso que
podemos escapar da morte.
A morte hoje
A idia de um espao urbano civilizado pedia que a morte fosse
higienizada e , para tal, era importante separar os mortos dos vivos,
coloc-los em cemitrios distantes e longe dos centros para que fossem
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evitados possveis contaminaes que causariam doenas fsicas e
morais. Era chegado o racionalismo iluminista, e o poder da razo
dominava e tinha a medicina como seu aliado.
Os mdicos comearam a participar das discusses sobre os cultos
que se faziam aos mortos, entrando no terreno religioso, inclusive
utilizando dos elementos da doutrina para discutir a favor de seus
argumentos contra os enterros nas igrejas. Foram proibidos os enterros
em igrejas, porm o cumprimento tardou a acontecer. Discusses entre
autoridades governamentais, eclesisticas, e mdicos continuavam
atingindo at a proibio dos sinos: criou-se uma lei que impedia seus
toques atendendo ao fato que o som destes ocasionava doenas aos vivos,
especialmente aos hipocondracos e aos que sofriam dos nervos.
No sc. XX a sociedade expulsou a morte para proteger a vida. No
h sinais que uma morte ocorreu, ela no pertence pessoa, esta perde
a responsabilidade e a conscincia do morrer. O importante hoje que a
morte passe desapercebida, a boa morte hoje a que era mais temida na
antiguidade, a morte que no sabemos se ocorreu ou no.
A morte um fracasso, expressa impotncia ou impercia, valores
no admitidos em nossa sociedade hoje e, portanto uma razo lgica para
mantermos a morte oculta. Kovcs (1992) coloca que o triunfo da
medicalizao est, justamente em manter a doena e a morte na
ignorncia e no silncio.
Perto da morte, o paciente um incmodo para o vivo, que critica
sua aes de revolta, dor e necessidades, ou porque desistem de viver. A
doena, a dor, o processo de morte ocultado da sociedade que no os
suporta, h uma exigncia de controle da emoes. No existe mais o
luto. Dentro dessa realidade, a solido esta presente na morte( sabemos
que a morte inevitavelmente j um caminho solitrio); a sociedade nega
a morte e priva o moribundo do direito de administrar seu fim e, dificulta
a elaborao do luto, o que tem provocado um grande aumento de
patologias.
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O Luto
(...)E que a morte tambe m e uma terri vel brutalidade -
nenhum engodo e possi vel! na o apenas enquanto acontecimento
fisico, mas ainda mais como um acontecimento psi quico: um ser
humano e arrancado da vida e o que permanece e um sile ncio
mortal e gelado. Na o ha mais esperanc a de estabelecer qualquer
relaca o: todas as pontes est a o cortadas. (JUNG, 1982, p.272)
O Luto uma forma de reao psicolgica a uma perda. O
sofrimento por uma perda s ocorre quando existir um vnculo entre o
enlutado e o falecido. Como no sabemos o que a morte ou o queacontece depois, precisamos integrar este acontecimento em nossas
vidas de alguma forma. Os rituais, o respeito a dor e a tristeza pela perda
de algum, uma forma de abrir um espao para que o enlutado possa
assimilar e compreender o que est acontecendo com ele, elaborar o seu
luto e recuperar-se da ruptura provocada pela presena da morte em sua
vida. O luto uma forma de manifestao da tristeza sentida pela morte.
O luto e considerado um processo justamente por ser caracterizado
por uma sucessa o de fases com diversas caracteri sticas que se mesclam
e diferenciam de pessoa para pessoa. A morte e uma ruptura em nosso
cotidiano que implica em perdas e dor, mas tambe m implica numa
transformac a o em busca de uma adaptac a o a nova vida.
O luto so existe quando estiver existido um vi nculo que tenha sido
rompido, o que nos leva a consequente observac a o: a qualidade do
vinculo estara estreitamente ligada a qualidade do luto. Nos trabalhos deBowlby (1998) podemosperceber que o vi nculo tem valor de sobrevive ncia
para as espe cies e o luto seria um resposta a separac a o. O sofrimento
seria uma reac a o universal a separac a o de uma figura de vi nculo. O
processo de luto e , enta o, uma forma de ansiedade de separac a o.
O luto e uma forma de viver a morte em vida, de constatar o limite
humano. No luto a morte torna-se presente e real, partilhamos com os
outros o fim de um semelhante e toda a emoc a o que o fato desperta ao
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humano. Mas, partilhamos tambe m a realidade da vida com outros,
estabelecemos vi nculos que possibilitam o conhecimento entre as
pessoas. S perdemos aquilo que tivemos.
O luto pode ser considerado como um estresse, conceito cuja
definica o e ta o complexa como o pro prio luto. As conseque ncias
fisiolo gicas e psi quicas, como: forte emoc a o, estado de alerta, inquietude,
tensa o, pa nico, crises de ansiedade, sa o sintomas encontrados tanto em
um como no outro. No momento de crise surgem imagens, que segundo
a psicologia anali tica podem servir como apoio na reestruturac a o do
enlutado. A vive ncia do limite nos obriga a di alogar com o inconsciente,
o que proporciona uma sai da criativa para a crise. Isto e possi vel porque
e no momento de crise que mobilizamos energia psi quica e, desta forma,
possibilitamos a manifestac a o do inconsciente. E o momento que a
experienci a da perda provoca no indivi duo uma desorganizac a o interna,
suscitando diferentes emoc o es, e tambe m no externo onde com a
ause ncia do outro provoca inevita veis transformac o es no cotidiano. E um
desafio, que pede o abandono do velho para abrir espac o para a chegada
do novo; um convite, feito atrave s do sofrimento, ao enlutado para um
processo de transformac a o e criac a o.
Na elaborac a o do luto, atentos a forc a simbo lica da perda, podemos
aproveitar a oportunidade de enterrar (ou deixar mor rer) os velhos
ha bitos, possibilitando o surgimento de um novo Eu. Collin Parkes
(1998), estudioso do luto, divide a elaborao do luto nas seguintes fases:
choque, procura, alvio, raiva e culpa. A base do trabalho de elaborac a o
de luto esta na necessidade de simultaneamente desligar-se do objeto
perdido e manter internalizados seus trac os, isto visto do processo
pessoal. Nesse sentido, torna-se muito ameac ador ao processo, a
tentativa dos familiares de resolver o luto pelo esquecimento do morto.
O preparo do defunto na hora da morte nos conta muito da pessoa
em si, e tambm de seus costumes, crenas e modos de vida. Na verdade,
de toda a sociedade que ela esta inserida. Atravs dos cultos aos mortos
observamos a cultura de um povo. possvel atravs dos rituais
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funerrios e mortalhas feitas para o indivduo observar o social em que
este estava inserido e at mesmo o retrato de uma poca.
Maria Jlia Kovcs (1992) cita em seu livro que o uso do preto data
do paganismo e era uma maneira de expressar medo e de enganar o
demnio que buscava outras almas, pois este se confundiria e no
reconheceria o vivo. Algumas culturas utilizavam maquiagem branca na
face auxiliando esta caracterizao. A autora lembra que o preto o
smbolo da noite e da ausncia de cor, expressando o abandono e a
tristeza, assim como uma forma de resguardar a paz e a serenidade
interior dos que estavam sofrendo com a perda. Em outras culturas
encontraremos o uso de outras cores.
At pouco tempo atrs, vrios eram os ritos de luto observados;
ritos que hoje perderam o sentido, mas tinham uma importante funo
para os vivos. Os funerais brasileiros, por exemplo, eram verdadeiras
festas (Cf. REIS, 1991), onde toda pompa servia para expressar um feliz
destino que era imaginado para o morto. J, para os vivos, a ocasio no
deixava de ser uma forma de trabalhar a angustia, o medo e a dor que a
morte provoca. A morte, tal como uma festa, representa ruptura com o
cotidiano. Todo o rito servia mais para auxiliar o vivo, ajudando este com
a dor, e assim, juntos, os vivos resgatam o equilbrio perdido com a morte,
e atestam a continuidade da vida.
O que tememos
O medo da morte natural. Tememos o que no conhecemos, na
verdade o medo do fim, de deixar de ser, de deixar de existir. O medo da
morte tem um aspecto importante que ser uma expresso do instinto
de auto-conservao. Quando tememos que algo nos agrida ou que possa
afetar a nossa vida de modo fatal, nos defendemos e nos protegemos com
um instinto de preservao que garante a vida e a no extino.
A diferena do homem e do animal esta na conscincia que temos
da morte. Vivemos como se fossemos imortais. Brigamos com a morte o
tempo todo, queremos venc-la, tornar real a nossa f na imortalidade.
como se em algum lugar no futuro nos aguardasse finalmente a
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descoberta decorrente de nossa evoluo da conquista de nossa
imortalidade. O triunfo da humanidade que crescida e salva, resgata o
direito h muito perdido, quando expulsos do paraso, onde perdemos a
posio dos deuses e passamos a ser mortais.
O medo da morte, por um lado nos preserva e nos salva de riscos
destrutivos, porm ele pode trazer, com a sua potencializao, doenas
srias como a depresso, neuroses, psicopatologias, que no fundo um
medo de viver. Viver arriscar-se.
Negar a morte a primeira reao que surge frente a perda, tanto
para o adulto, quanto para a criana. Reforarmos muitas vezes a atitude
de negao para poupar a criana de to grande angustia, mas na
verdade o que fica oculto mais angustiante e desequilibrante. Acredito,
acabamos por nos poupar; mais a ns que protegemos quando
ocultamos a morte da criana.
A criana sente medo da morte, mas acredita na sua
reversibilidade, acredita que pode desfaz-la, e essa uma caracterstica
natural de seu desenvolvimento. Com o tempo ela vai percebendo a
irreversibilidade da morte e tambm comea a temer seus impulsos
agressivos, juntamente com seus desejos, muito comum que a criana,
em um primeiro momento, dentro de seu mundo mgico resolva a
questes de raiva ou descontentamento desejando a morte do outro, e ao
perceber que esta no reversvel, tomada por um sentimento de culpa
pois sente-se responsvel.
Quando a morte no do outro, mas sim sua, a criana teme a
morte, o sofrimento, e o afastamento da famlia. Elas geralmente sabem
da gravidade de seu estado, pois esto em contato mais direto com seu
corpo e sentem necessidade de esclarecer e confirmar o que j sabem , e
quando isto no acontece sentem se sozinhas e enganadas. Alguns
estudos mostram claramente que o entendimento da morte pela criana
se modifica atravs dos anos de desenvolvimento, e que falar da morte
no deve ser evitado pelo medo que isto traga algum dano para a criana,
deve se falar com ela de uma forma que ela compreenda, dentro de seu
entendimento e percepo do mundo, relativo a sua idade.
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De modo geral, at os sete anos a criana no percebe a morte como
irreversvel; o que muda aps essa idade, mas no conseguem defini-la,
e a partir dos onze anos a percebem como universal e irreversvel. J a
adolescncia o momento de consolidao da identidade, um perodo de
transio, onde grandes transformaes acontecem e muitos lutos so
vividos. O adolescente vivncia a perda de seu corpo de criana, e de tudo
que relativo a fase de infncia.
O adolescente est adquirindo um novo corpo, potente e j tem
uma boa capacidade cognitiva, tem sonhos e ideais a seguir, a vida esta
presente, toda energia e libido esta voltada para a construo da vida e
no h lugar para morte. O adolescente desafia os limites, onde tudo
pode, onde tudo se vive intensamente: esportes, amor, e a possvel
potencializao da vida atravs de drogas. Vida e morte esto no auge,
embora para ele a morte no existe, s para o outro.
O adolescente buscando a prpria identidade, experimentando
todas as suas possibilidades que a vida pode lhe oferecer. Ele reconhece
a morte, sabe que definitiva, porm acredita que ela acontece por uma
incompetncia, que ele mesmo esta protegido de tal mal, como se fosse
imortal. A morte s acontece no outro, embora algumas vezes ela passe
perto do adolescente, lembrando sua fraqueza e sua condio de humano
mortal. Mas, apenas por poucos momentos, pois a construo da
identidade pede uma diminuio do medo da morte para um aumento do
desejo de vida.
A fase adulta marcada pela construo da prpria vida. Na
famlia, na profisso, na sociedade, a energia esta voltada para o
crescimento e expanso, com responsabilidade e abandono de alguns
sonhos da adolescncia. A morte no faz parte desta histria, ela no
pertence a construo, e por isso quando ocorre nesta fase, seu
verdadeiro significado de destruio aparece rompendo com os projetos
de uma vida. na vida adulta que a morte comear a ser vista como
uma possibilidade pessoal.
E na segunda metade da vida que Jung denomina de metania,
que o confronto com a nossa condio finita se faz mais concreto. A
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realidade da morte nos mostra que no temos mais todo o tempo do
mundo, muito j foi construdo, mas precisamos estabelecer prioridades,
buscando um melhor aproveitamento de nossa vida.
Normalmente nesta fase, a busca de um sentido para vida uma
das prioridades, valores so re-significados e o limite passa a ser algo que
deve ser conhecido e aceito por ns. Neste momento a procura de uma
religio, ou mesmo o acender de uma religiosidade muito comum. Mas,
por um outro lado, o ser humano com uma atitude de negao da morte,
procura um meio de coloc-la distante, e para tal busca a eterna
juventude, passando a realizar atividades que atestem que no est
envelhecendo.
O homem que envelhece, querendo ou no, se prepara para a
morte. E na velhice, o momento de maior presena da morte. No pela
sua durao, pois pode ser uma fase maior que as outras j vividas, mas
devido as associaes negativas que fazemos com a velhice: proximidade
da morte, aposentado, improdutivo, com o corpo perdendo a vitalidade,
desvalorizados na sociedade, vivendo perdas frequentes ou mesmo
doenas. Em um pas como o nosso, com tantas dificuldades sociais e
econmicas, os velhos esto praticamente abandonados a prpria sorte,
condenando-os morte em vida Mas, viver pode e deve ser o foco
principal de quem esta vivo. A terceira idade, como chamamos a fase da
vida que nos encontramos mais livres de trabalho e dos cuidados com a
famlia, podendo usufruir mais do lazer ou mesmo de atividades
preferidas, com experincia, maturidade e tempo para construir e
produzir com mais qualidade.
Em geral, negamos a morte, at porque, como j dissemos acima,
a vida pede, para ser construda, que faamos isso. Mas do meio em dia
em diante, s aquele que se prope a morrer conserva a vitalidade, porque
no meio dia da vida, h uma inverso da parbola: nasce a morte. A
prpria natureza se prepara para o fim e so nos smbolos, encontrados
principalmente nas religies, que encontraremos um verdadeiro preparo
para a vida e para a morte. (Cf. JUNG, 1984)
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A negao da morte
O filsofo Blaise Pascal, no sc. XVII, escreveu: No tendo os
homens podido curar a morte, a misria, a ignorncia, resolveram, paraficar felizes, no mais pensar nisso. (2001, p.50) O Nada mais proftico,
dado que a solido, hoje, um dos sentimento mais presente na morte
embora, sabemos que a morte inevitavelmente j um caminho solitrio,
mas no com a carga de abandono que hoje percebemos.
A morte tem uma caracterstica to conhecida por todos ns: ela
sedutora, tanto quanto terrvel. Agora, se nos dispusermos, esta
ambigidade nos coloca em um lugar privilegiado: entre a certeza dohorror e a curiosidade do mistrio. E nessa tenso que a vida se
desenvolve, pois estamos todo o tempo diante da busca de sentido em
nossa presena no mundo e a negao dessa realidade que o fato de
sermos mortais.
Para Arthur Schopenhauer (2000), foi com a razo que apareceu a
certeza assustadora da morte e, tambm, ao mesmo tempo, as
concepes metafsicas consoladoras. O temor da morte independente
do conhecimento; pois para Schopenhauer a Vontade de vida essnciamais ntima do homem, e ela destituda de conhecimento. Isto quer
dizer que o apego a vida irracional e cego, e soberano. A vontade de vida
por ser destituda de conhecimento e cega acaba por esta em tenso ao
conhecimento. Este o conhecimento e o pensar - nos traz a realidade
da vida, pode nos revelar a ausncia de sentido desta e, ao mesmo tempo,
tambm combater o temor a morte. A Vontade de vida que nos causa o
temor a morte, mas isso no mbito individual, porque na espcie ela se
manifesta com impulso sexual e cuidado apaixonado pela prole.
Ao nascermos, o que garante a nossa sobrevivncia o vnculo
afetivo. O apego que construdo a partir das relaes que estabelecemos
o que engrandece fsica e emocionalmente o nosso desenvolvimento.
Mas, durante a vida, inevitavelmente, experimentamos perdas das maisdiversas e, somos submetidos ao aprendizado do desapego algo que
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encontraremos em todas as religies como tambm necessrio ao nosso
desenvolvimento.
Ao negarmos a morte, negamos a experincia de ser humano em
toda a sua totalidade. A morte, a perda, a comprovao da finitudeprovocam uma atitude de indignao e respeito, impotncia e f,
desespero e esperana; aponta para uma natural indagao sobre o
sentido das coisas, uma reflexo sobre a vida, sobre a angustiante busca
de sentido para a nossa existncia e, paradoxalmente, para a constatao
de que no h respostas coerentes na razo humana para essa vida finita.
Imerso em um tempo infinito e condenado a uma existncia finita,
agarrado ao passado como garantia de concretude, amedrontado eesperanoso de um futuro, o ser humano atravessa a vida assistindo
desesperado a insuficincia de sua razo para dar conta da experincia
vivida por ele no mundo. (GUARNIERI, 2011)
Para Miguel de Unamuno (1996), nossa fome de imortalidade, a
impossibilidade de nos compreendermos no existindo e do mistrio do
depois, causa vertigem e provoca o latejar da conscincia. Unamuno,
ao admitir seu anseio pela imortalidade, postula que na tenso entre fe razo que se d a condio de nossa existncia. Esta batalha por ele
aceita como nico caminho possvel: um conflito entre seu desejo e seu
intelecto; o desejo fortalece sua crena, a razo derruba suas esperanas.
No h maneira de provar racionalmente a imortalidade da alma,
somente sua mortalidade. Segundo o autor, a cincia satisfaz nossas
necessidades intelectuais, mas no as nossas necessidades afetivas. Na
razo no h prova de que a alma seja imortal e que a conscinciaindividual persista aps a morte. Isto dentro dos limites da racionalidade,
mas h o resto irracional, o absurdo que se apia na mais absoluta
incerteza e esta presena acaba levando ao uso mximo da nossa
racionalidade, na qual duvidamos da prpria validade imediata e
absoluta do conceito de verdade e necessidade. O relativo se impe como
absoluto em uma prtica ctica na qual se encontra abismado com o
desespero sentimental.
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A trgica histria do pensamento humano nada mais que a luta
entre razo e vida. Vida dando vitalidade razo, vitalidade sustentada
no desejo de viver e a razo se esforando em descrever a vida,
submetendo a realidade da mortalidade. Para Schopenhauer (2000), a
Vontade de vida a essncia de nosso ser, a substncia, a parte eterna.
E, dela que surge o terror da morte e no do nosso conhecimento.
quando um indivduo sente medo da morte que se tem propriamente oestranho e at mesmo o risvel espetculo: o senhor dos mundos, quepreenche tudo com o seu ser, e apenas mediante o qual tudo isso que ,possui a sua existncia, se desespera e teme sucumbir e afundar-se noabismo do nada eterno, enquanto, na verdade, tudo est cheio dele, e noh lugar algum no qual ele no esteja, ser algum no qual ele no viva pois no a existncia que o sustm, mas ele que sustm a existncia.No entanto, ele quem se desespera no indivduo que sofre com o medoda morte, j que ele fica a merc da desiluso produzida pelo principiumindividuationis , de que sua existncia esteja limitada do ser que agoramorrer. Esta iluso pertence ao grave sonho, no qual ele caiu comoVontade de vida. Mas se poderia dizer quele que morre: Tu cessas deser algo, que terias feito melhor, nunca ter sido. (SCHOPENHAUER,2000, p.127)
Para finalizar nossa reflexo sobre o temor diante da morte e de
como usamos a negao para nos defender dessa realidade, no h como
no lembrar do polmico filsofo romeno Emile Cioran que, diante damorte, discute o mistrio da prpria vida, o desejo que precisa ser
constantemente renovado, pois se dermos um objetivo preciso vida, ela
perde de imediato o seu atrativo: De tanto acumular mistrios nulos e
monopolizar o sem-sentido, a vida inspira mais pavor do que a morte:
ela a grande Desconhecida. (1989, p.18)
Simbolo e Morte
Uma das pioneiras na percepo da negao da morte e dos
desdobramentos que esta atitude acarreta tanto na dignidade daquele
que est diante da morte, como para aquele que acompanha, foi a
psiquiatra Kubler-Ross. A autora apresenta um breve resumo da vivncia
da dor e da doena terminal em um hospital, e reflete sobre o fato de
estarmos, com este comportamento, rejeitando a morte e nos tornandomenos humanos, como uma defesa psquica. Conclui seu trabalho
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dizendo que o paciente esta sofrendo mais emocionalmente, e que as
necessidades do ser humanos no mudaram em sculos, o que mudou
foi a nossa aptido em satisfaz-las. As dificuldades experimentadas pela
autora foram, principalmente, pela rejeio e proteo do profissional de
sade em relao ao seu paciente terminal; mas, tambm, a descoberta
que com um paciente terminal no se deixa para amanh, precisa ser
hoje. E, a grande questo sobre o contar ou no ao paciente sobre o seu
estado, que passa, necessariamente, pela aceitao da morte pelo
profissional que esta atendendo este paciente. Para Kubler-Ross (1969),
voc deve contar sempre, de uma forma simples, e o paciente escutar se
estiver pronto, caso no lhe d ateno, no momento em que ele perceber
seu real estado, ou puder encar-lo, ele ter confiana em quem foi
verdadeiro com ele desde o princpio. Acompanhar o paciente, conhec-
lo, a melhor forma de saber como, quando e de que forma falar-lhe a
verdade sobre o seu estado.
Para a autora, o paciente tem diferentes reaes sobre o seu estado
que ela separou didaticamente em fases, a saber: negao, raiva,
barganha, depresso, aceitao e esperana, sendo que essa ltima
sempre persiste, pois sempre enquanto h vida, h algo por esperar.
Estas fases tambm ocorrem com os familiares deste paciente
A pesquisa de Kulbler- Ross nos fornece um excelente material de
enfrentamento da morte e do morrer em um tempo que nos afastamos
dos recursos advindos da religiosidade. A autora nos fornece com sua
pesquisa um relato sobre o morrer que j era possvel ser observado em
vrios tratados de preparao para morte encontrados nas diversas
tradies religiosas. Esses tratados, os rituais fnebres e de luto, todas
essas imagens que associamos morte, possuem uma grande riqueza
simblica; nica linguagem possvel para falar do que possui em sua
expresso a presena do mistrio.
Os smbolos estimulam nossa imaginao, ampliam a nossa
conscincia, possibilitam o confronto com o inconsciente, tal como os
sonhos. Nos sonhos, inclusive, possvel observar o processo
tanatolgico muito antes da morte real. Jung comenta que a psique faz
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pouco caso da morte e diz observar que a aproximao do fim muitas
vezes aparece em smbolos que denotam mudanas no estado
psicolgico, como, por exemplo, os smbolos de renascimento, mudanas,
viagens, etc. Na realidade, o que percebemos como se o inconsciente
estivesse interessado em saber se a atitude da conscincia est em
conformidade com o processo de morrer.
As categorias de tempo e espao, que norteiam nosso pensamento
e percepo da realidade, formam uma barreira que tende a ser rompida
na psique. A conscincia limitada por ela, mas no o inconsciente. E,
por esse motivo, Jung se sentir muito atrado pelas experincias
parapsicolgicas. E afirma:A alma encerra tantos mistrios quanto o mundo com seus
sistemas de galaxias diante de cujas majestosas configuraes sum esprito desprovido de imaginao capaz de negar suasprprias insuficincias. (J UNG, 1984, 815, p.367)
Nada podemos afirmar sobre a morte ou mesmo sobre a vida, mas
temos o dever de sempre buscar o conhecimento. A nica coisa que se
traduziria em um erro fatal seria acreditar que o ser humano temautonomia para mudar a natureza. Isso seria um milagre, o que no
compete a ns.
Para Jung, inclusive, a melhor fonte para compreender a questo
da morte so os sonhos. Em Memrias, Sonhos e Reflexes , Jung escrevesobre a vida aps a morte, dizendo que ele encontra indciossobre a
continuidade da vida e que isso pode ser visto em sonhos, Seu foco maior
a importncia da conscincia para o incosnciente, do mesmo modo que
ele compreendia a importncia desse ltimo na cosncincia durante a
vida.
Se os sonhos so uma fonte importante para compreender sobre a
morte na existncia, so tambm um modo de lidar com a perda e os
temores que possumos em relao nossa condio finita. No luto, o
trabalho com sonhos um grande aliado no processo de elaborao da
perda de um ente querido.
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No h como compreender a morte, o morrer, ou mesmo uma perda
que nada mais do que a finalizao de um modo de existir que
transformado totalmente com a morte do outro, sem uma aproximao
simblica do evento. Elabora ou integrar um evento sem representao
na nossa conscincia pede que utilizemos da linguagem do smbolo para
que possamos confrontar o conhecido com o desconhecido,
possibilitando assim a transcendncia que o momento exige. E por meio
do smbolo que esse confronto se dar, na busca de intemediar o que
consciente, com o silncio que o inconsciente nos promove diante da
realidade da morte. Um silncio pleno de sons que dificilmente so
ouvidos sem o preparo da escuta da alma para aquilo que
profundamente humano: o mistrio de existir.
A morte e o Processo de individuao
A atividade de realizao da personalidade - tornar-se o que se
foi denominada por Jung como o processo de individuao: o pontocentral onde se quer chegar, o sentido para onde caminha a nossa
existncia.
O processo de alternncia entre a unio ego-Si-mesmo e aseparao ego-Si-mesmo parece ocorrer de forma contnua ao longo davida do indivduo, tanto na infncia quanto na maturidade. Na verdadeesta forma cclica ( ou melhor, em forma de espiral) parece exprimir oprocesso bsico de desenvolvimento psicolgico do nascimento at amorte. (EDINGER, 1995, p.24)
No processo de desenvolvimento psquico temos uma progressivadiferenciao entre Ego e Si-mesmo. esta diferenciao que possibilita
a ampliao da conscincia e um processo difcil, conquistado com
muito sofrimento, e por isso o ego, em geral, rejeita tudo que estranho,
pois ele tende evitar o novo justamente para no experimentar a
aniquilao do velho, de tudo aquilo que j foi assimilado que lhe
transmite segurana e o conforto do conhecido. A prpria sociedade vive
tambm esse aspecto de resistncia mudanas, e por isso estabelecepadres, premia as realizaes das expectativas e no reconhece a
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personalidade; leva o indivduo a se limitar ao que possvel alcanar e
a diferenciar apenas determinadas capacidades. Um indivduo
socialmente eficaz e til aquele que consegue sair dos problemas. Isso
nos ajudar a fixar razes no mundo, mas nem sempre ajuda a ampliar a
conscincia.
E, por isso que, para Jung, apesar da confuso enter o sentido
da vida com a utilidade que alcanamos como indivduo em uma
sociedade, na maturidade, quando surge uma relao dialtica entre
ego e inconsciente, que a conscincia se abre para o inconsciente. Aps
o ego ter se diferenciado do inconsciente, estando mais forte, passa a
reconsiderar o valor criativo deste e busca aspectos que ainda lhe faltamdesenvolver. H uma inverso de valores e o ego busca o si mesmo na
procura de uma nova orientao. Este o processo de individuao: uma
tendncia instintiva de realizar plenamente potencialidades inatas.
Para Jung, a grande dificuldade dessa fase de transio uma
mudana que ocorre na alma, isto , mudanas que parecem comear no
inconsciente e que prope uma inverso dos valores, uma lenta mudana
de carter ou mesmo a retomada de antigas inclinaes que foramesquecidas. O velho substitudo por um novo, mas esse novo atende
um chamado interior, em sintonia com a totalidade da psique, que se
desdobra em uma maior flexibilidade e sade psicolgica. Por outro lado,
essa transformao tambm pode resultar em um endurecimento e
enrijecimento do indivduo em relao aos seu prncpios, justamente
pela ameaa enfrentada nessa passagem para a segunda etapa da
vida,devido ao medo do prprio movimento da vida, de perder o estado de juventude e com isso perder a si mesmo.
no esforo presente no ato de viver, na passagem de uma fase
para a outra, no alcance de metas e objetivos de cada etapa, que
possibilitar que a meia idade seja enfrentada em sua maior riqueza: ela
nos coloca a morte como algo tambm natural e uma meta a ser atingida.
E no por acaso, pois esta a lei da natureza: nascimento, vida e morte.
Jung observa que psiquicamente o ser humano nem sempre se conforma
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com as leis da natureza, mas alerta para o fato que deve haver um sentido
para o envelhecimento; no chegaramos a idade to avanadas, se no
houvesse um ppsito para a espcie. (Cf.JUNG, 1984, 787)
Jung afirma que s permanece realmente vivo quem estiverdisposto a morrer com vida. Vida e morte, portanto, so duas fases de
uma totalidade, duas formas de representar a existncia. Acostumados a
privilegiar a vida, esquecemos que esta cclica e que para todo comeo
h um fim, em toda renovao preciso que a morte leve o velho, abrindo
espao para o novo surgir. Aceitar a morte aceitar que no temos
controle, um total desprendimento do Eu. Implica em aceitarmos uma
dimenso que transcende a conscincia. Aqui se faz necessria umaatitude de confronto com o inconsciente, pois surge de forma emergente,
a questo do sentido da vida.
Consideraes Finais
Considerando que a estrutura psquica, da forma como foi
concebida por Jung, entende a morte como parte da existncia, oprocesso de individuao torna-se a base fundamental da psicologia
analtica, que como afirma Aniela Jaff ...no uma mera escola de vida,
mas quando bem compreendido, uma preparao para a morte. (JAFF,
FREY-ROHN E FRANZ, 1995, p.12)
Portanto, fcil notar que os valores que regem a primeira etapa
da vida no so os mesmo da segunda. Na primeira estamos mais
direcionados para fora, criando razes, direcionando a luz para oexterior. Na segunda estamos voltados para dentro, iluminando si
mesmo.
A segunda metade da vida oferece objetivos diferentes da primeira.
Nem sempre fcil de v-los e, por mais absurdo que possa parecer, a
idia do alm vida de um sentido maior que manter o empenho de
viver na segunda metade. Sabemos que no h como ter certeza desse
alm, assim como no certezas para vida, no h tambm sobre a
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morte. Para Jung, uma vida orientada para um objetivo, com um sentido,
mais rica, mais saudvel. Portanto, ele defender a necessidade de um
sentido para viver e, por isso, observar que a psique precisa pensar a
morte como uma transio, como algo que faz parte do processo vital. A
ideia de imortalidade, arquetipicamente presente no inconsciente, nos
proporciona um enraizamento na nossa condio humana, que nos
capacita a viver nossa vida em sua plenitude, tanto na sua vivncia de
transcendncia, como em sua vivncia de transformao subjetiva.
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