Monografia Direito Antonio.Fiuza Neto versão capa dura -8 janeiro 2010 + textos iniciais
Monografia-2013.01.16 - Final Capa Dura
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FACULDADE FARIAS BRITO CURSO DE DIREITO
O ACESSO À REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES COMO DIREITO FUNDAMENTAL
José Nicodemos Vitoriano de Oliveira
Fortaleza/CE 2012
FACULDADE FARIAS BRITO CURSO DE DIREITO
O ACESSO À REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES COMO DIREITO FUNDAMENTAL
José Nicodemos Vitoriano de Oliveira
Monografia apresentada ao curso de Direito da Faculdade Farias Brito como critério parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Msc. Adriano Pessoa da Costa
Fortaleza/CE 2012
Esta monografia foi submetida ao curso de Direito da Faculdade Farias Brito como parte dos requisitos necessários para obtenção do grau de Bacharelado em Direito.
Na avaliação da banca este trabalho obteve o conceito 10,0 conferido pelos avaliadores
da banca e outorgada pela referida Faculdade. A citação de qualquer trecho desta monografia é permitida, desde que seja
feita de acordo com as normas científicas.
________________________________ José Nicodemos Vitoriano de Oliveira
Banca Examinadora:
______________________________
Prof. Msc. Adriano Pessoa da Costa ORIENTADOR
______________________________ Prof. Msc. Renata Neris Viana
EXAMINADORA
______________________________ Prof. Msc. Fernando Antônio Negreiros de Lima
EXAMINADOR
Monografia avaliada em 17 de Dezembro de 2012.
Dedico este trabalho a minha companheira eterna,
Joana, e a minha avó Teté, origem de inspiração e
exemplo de resignação e fé em Cristo.
AGRADECIMENTO
Ao Pai Celestial por ter me dado força, discernimento e iluminado meu
caminho para que pudesse concluir mais uma etapa de minha vida;
Em especial, agradeço a minha amada esposa, Joana, que tanto teve
paciência durante a consecução deste trabalho;
Agradeço também aos meus familiares os quais convivi e convivo, minha
mãe, Fátima, meus irmãos, Ari, Talita, meus sobrinhos, Gabriel, Michele e Miguel, que de
alguma forma contribuíram para a minha formação pessoal e acadêmica. Faço menção
para minha avó Teté, mulher forte e sábia em Cristo, por estar sempre torcendo e orando
por mim;
Aos professores e amigos de faculdade, Roberto e Oman, que durante cinco
anos criamos laços de fraternidade e companheirismo;
Não poderia olvidar agradecimento aos amigos de trabalho do IDT, Wládia,
Marta e Neile, por acreditar em mim e me apoiar;
Por fim, agradeço a todas as dificuldades que enfrentei, se não fosse por elas
eu não teria saído do lugar, as facilidades retardam nossa caminhada.
Muito Obrigado!
RESUMO
O presente trabalho tem por finalidade demonstrar que na atual sociedade da informação, há uma real necessidade de acesso à rede mundial de computadores (internet) pelo brasileiro mediano. O reconhecimento e a elevação do acesso à Internet e à informação ao patamar de direito fundamental é viabilizada pela cláusula de abertura constitucional cristalizada no artigo 5º, § 2º da Constituição Federal. Lançamos mão da doutrina mais renomada do direito constitucional, nacional e internacional, para referendar tal afirmação. Para isso, consideramos a Internet não como uma simples tecnologia de comunicação, mas como um dos mais rápidos, universais e revolucionais fenômenos sociais que a humanidade já viveu.
Palavras-chave: Direitos Fundamentais. Cláusula de abertura constitucional. Acesso à Internet.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 08
1 CONCEITUAÇÃO, DEFINIÇÃO TERMINOLÓGICA E BREVE HISTÓRICO .............. 09
1.1 Conceito de Direitos Fundamentais .................................................................. 09
1.2 Definição Terminológica de Direitos Fundamentais ........................................ 11
1.3 Evolução Histórica dos Direitos Fundamentais ............................................... 15
1.3.1 Direitos Humanos na Antiguidade Clássica................................................... 16
1.3.2 Direitos Humanos no Período Medieval ........................................................ 18
1.3.3 Direitos Humanos na Idade Moderna ............................................................ 20
1.3.4 Direitos humanos na Contemporaneidade .................................................... 21
1.3.4.1 Declaração de Direitos do Povo da Virgínia e Declaração de
Independência dos Estados Unidos da América ............................................... 21
1.3.4.2 Revolução Francesa ............................................................................. 23
1.3.5 Direitos fundamentais do Pós-Segunda Guerra até hoje............................... 24
2 NOMECLATURA E PROCESSO DE AFIRMAÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS....................................................................................................... 27
2.1 Gerações, dimensões ou categorias de Direitos Fundamentais ....................... 27
2.1.1 Primeira Geração (direitos individuais ou negativos) ..................................... 30
2.1.2 Segunda Geração (direitos sociais ou direitos positivos) .............................. 31
2.1.3 Terceira Geração (direitos difusos e coletivos) ............................................. 32
2.1.4 Quarta Geração (direito a democracia e à informação) ................................. 33
2.1.5 Quinta Geração (direito à paz) ...................................................................... 35
2.2 Fundamento Jurídico-Filosófico dos Direitos Fundamentais ......................... 35
2.2.1 Dignidade da Pessoa Humana...................................................................... 36
2.2.2 Estado Democrático de Direito...................................................................... 37
2.3 Direitos fundamentais em Sentido Formal e em Sentido Material .................. 38
2.4 Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais ............................................... 40
3 ACESSO À INTERNET COMO COROLÁRIO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ..... 44
3.1 A rede mundial de computadores (Internet): definição e origem ................... 44
3.2 A abertura constitucional do art. 5º, §2º, CF/88 a novos Direitos
Fundamentais ........................................................................................................... 47
3.3 Jurisprudência e Doutrina Internacional – Direito à Informação e à Internet
como fundamentais ................................................................................................. 50
3.4 O acesso à Internet como Direito Fundamental ............................................... 53
4 CONCLUSÃO .............................................................................................................. 61
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 63
INTRODUÇÃO
O cerne do estudo teve como fonte inspiradora o entendimento doutrinário
hodierno da ampliação e concretização dos Direitos Fundamentais, na proposta de
considerar o acesso à rede mundial de computadores como direito essencial ao pleno
desenvolvimento e exercício da liberdade, da cidadania, da democracia e das
potencialidades da personalidade dos indivíduos, portanto, ante a relevante natureza
transformadora da Internet, a mesma deve ser considerada como Direito Fundamental com
supedâneo no Art. 5º, § 2º da Carta Magna.
De início, abordaremos o conceito e as várias definições terminológicas que a
doutrina nacional e internacional confere aos Direitos Fundamentais. Logo em seguida,
percorreremos os caminhos da história humana desde a antiguidade clássica, como os pais
da democracia, os gregos, até os dias atuais, sempre atento aos fenômenos sociais e
jurídicos que ensejavam manifestos, mesmo que discretos, dos Direitos Humanos no
começo e com os Direitos Fundamentais nos tempos atuais.
Em seguida, colheremos na doutrina mais escorreita a forma mais didática de
expressar o processo de afirmação histórica dos Direitos Fundamentais, declinando de
embates teóricos sobre a nomenclatura empregada, se gerações, dimensões ou categorias
de direitos fundamentais. Neste ponto, adotaremos a doutrina baseado, principalmente, nos
escritos de Paulo Bonavides, que usa o termo geração e as classifica em cinco,
representando assim, sua evolução histórica.
Por fim, abordaremos os fenômenos que a Internet está provocando na
sociedade, que fazem com uma tecnologia de comunicação se torne um dos maiores
fenômenos sociais de todos os tempos, ao ponto de, segundo a tendência mundial, ser
considerada Direito Humano. Encontramos argumentos a favor desta tese, tanto em
legislações alienígenas (Finlândia, França, Grécia, Espanha, Costa Rica, ONU), quanto no
Art. 5, § 2º da nossa Carta Constitucional de 1988.
1 CONCEITUAÇÃO, DEFINIÇÃO TERMINOLOGIA E BREVE HISTÓRICO
1.1 Conceito de Direitos Fundamentais
Faz-se necessário firmarmos como ponto de partida breve exposição sobre o
conceito que a doutrina utiliza para designar Direitos Fundamentais.
A proposta de logo apresentada é uma tarefa espinhosa, pois a falta do mínimo
de rigor técnico findará por eivar o conceito formulado em tautologia ou demonstrar-se-á
inútil por ser muito amplo. Desta forma, buscaremos de início essa definição expondo as
principais características e definições de direitos fundamentais adotada pela doutrina
dominante, buscando declinar de embates conceituais que são desnecessários para esta
pesquisa.
Com o fito doutrinário de tentar angariar informações relevantes pertinentes à
conceituação de Direitos Fundamentais, fazemos a transcrição de algumas das definições
apresentadas pela doutrina mais renomada.
Assim conceitua Dirley da Cunha Junior:
São todas aquelas posições jurídicas favoráveis às pessoas que explicitam, direta ou indiretamente, o princípio da dignidade humana, que se encontram reconhecidas no teto da Constituição formal (fundamentalidade formal) ou que, por seu conteúdo e importância, são admitidas e equiparadas, pela própria Constituição, aos direitos que esta formalmente reconhece, embora dela não façam parte (fundamentalidade material).
1
Da literatura doutrinária do Professor José Afonso da Silva é válido as suas
palavras quando entende que direitos fundamentais são aquelas prerrogativas e instituições
que o Direito Positivo concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de
todas as pessoas.2
Lançando mão da doutrina internacional do Professor espanhol Antonio-Enrique
Pérez Luño, um dos grandes a encarar o embate de refletir, analisar, desenvolver,
fundamentar e sintetizar um conceito para Direitos Humanos e Direitos Fundamentais
demonstra como sendo:
(...) Um conjunto de faculdades e instituições que, e cada momento histórico, concretizam as exigências de dignidade, liberdade e igualdade
1 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 2ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2008. p. 573.
2 SILVA, José Afonso da.Curso de direito constitucional positivo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1997. p.
176.
10
humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional.
3
Os direitos fundamentais guardam características próprias, são, portanto,
positivados em um sistema jurídico como dito pelo Professor Ingo Sarlet:
Direitos fundamentais são, portanto, todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integrados ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal.
4
Assim, temos que uma das características essenciais é a positivação em uma
carta constitucional. Mas nada obsta que direito de conteúdo relevante, mesmo não previsto
expressamente na Constituição possa ser tido como direito fundamental, é o que prevê o
§2º do artigo 5º da CF/88, o qual reza que os direitos e garantias expressos na Constituição
não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Portanto, é inevitável reconhecer que existem direitos fundamentais implícitos,
ou seja, fora do texto da Carta Magna. Mais à frente abordaremos a problemática de direitos
fundamentais em sentido formal e material.
Para melhorar a compreensão acerca da definição de Direitos Fundamentais,
complementamos na lição de Canotilho quando passa a discorrer sobre as funções dos
mesmos que cumprem:
[...] a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).
5
Do exposto sobre Direitos Fundamentais, destacamos duas das suas funções
precípuas, notadamente quando se faz presente na proteção do cidadão resguardando-o
contra o arbítrio do poder estatal e na consagração da dignidade da pessoa humana.
3 LUÑO, Antonio-Enrique Pérez apud TAVARES, Andre Ramos. Curso de direito constitucional. 5ª ed. São
Paulo: Saraiva 2007. p. 433. 4 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ª ed. Porto Alegre: Editora Livraria do
Advogado, 2007a. p. 85. 5 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003. p.
408.
11
Por fim, em que pesem as preferências por determinada designação variar no
tempo e no espaço e na pluralidade de conceitos existentes entre doutrinadores, adotar-se-á
neste trabalho a expressão Direitos Fundamentais como o conjunto de direitos e garantias
que visam à proteção da dignidade da pessoa humana, impondo restrições ao arbítrio do
poder estatal e estabelecendo condições mínimas aceitáveis para uma existência digna e
também que vincula ao convívio harmonioso em sociedade, de modo que se permita o
desenvolvimento das potencialidades do ser humano.
1.2 Definição Terminológica de Direitos Fundamentais
Com o passar do tempo e com a evolução das sociedades surgiram varias
terminologias para designar o conjunto de direitos considerados naturais e inalienável do
indivíduo, como afirma Canotilho como sendo os direitos naturais, direitos do homem,
direitos individuais, direitos humanos fundamentais, direitos fundamentais do homem,
liberdades públicas6 dentre outros.
O professor José Afonso da Silva7 nos ensina que não se pode mais aceitar com
tanta passividade a ideia de que os Direitos Humanos sejam confundidos com os direitos
naturais, sendo estes provenientes da natureza das coisas, identificadas com o
jusnaturalismo, como se tais direitos fossem resultados de uma revelação, não dando tanta
relevância a sua construção histórica.
A expressão direito natural esta situada em momentos históricos anteriores as
primeiras declarações do século XVIII que utilizavam-na para identificar os direitos
essenciais à pessoa humana, enquanto que Direitos Humanos seriam direitos inatos que
cabem ao homem só pelo fato de ser homem, são direitos positivos, históricos e culturais,
que encontram seu fundamento e conteúdo nas relações sociais materiais em cada
segmento histórico.
Com esta exposição, deixa-nos claro que os Direitos Humanos são produtos não
da natureza, mas da civilização humana em dada época, enquanto direitos históricos, eles
são mutáveis, isto é, passivos de transformação e ampliação. Tal lição coaduna como o
objeto de estudo do presente trabalho, ao afirmarmos que o acesso à Internet, no
nascedouro do século XXI, deve ser considerado ou que já se tornou, mesmo que
materialmente, Direito Fundamental.
6 CANOTILHO, J.J. Gomes. Op. cit., 2003. p. 377.
7 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 7ª ed. revisada e ampliada de acordo com a
nova Constituição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991. p. 157.
12
Fora citado que estamos em seara espinhosa quando tentamos definir Direitos
Humanos e Direitos Fundamentais sem incorrer no risco de cairmos em tautologia-
teratológica. Sentimento este é bem apontado pelo jusfilósofo Norberto Bobbio, quando
discorre sobre as varias tentativas feitas para definir tais institutos e seus respectivos
resultados. O douto professor finda por transparecer uma ideia de descrédito quanto à
formulação de um conceito preciso sobre Direitos Humanos.
Bobbio8 afirmar que a ideia de que direitos humanos são direitos naturais, os que
cabem ao homem e à mulher enquanto seres humanos é meramente tautológica, portanto,
não servindo para traduzir seu verdadeiro significado e seu preciso conteúdo.
A definição terminológica assim como expor possíveis semelhanças e
diferenciações entre Direitos Fundamentais e Direitos Humanos é premissa sine qua non
para se prosseguir com clareza no presente trabalho.
A depender do ponto de vista do doutrinador, alguns entendem que as
expressões Direitos Fundamentais e Direitos Humanos conservam certo teor de imbricação
e sinonímia. Paulo Bonavides afirma que quem diz direitos humanos, diz direitos
fundamentais, e quem diz estes diz aqueles.9
Já o professor Sarlet reconhece e ressalta a similaridade existente entre as
expressões, mas logo em seguida pormenoriza-as expondo bem as distinções:
[...] não há dúvidas de que os direitos fundamentais, de certa forma, são também sempre direitos humanos, no sentido de que seu titular sempre será o ser humano, ainda que representado por entes coletivos (grupos, povos, nações, Estado). [...] Em que pese sejam ambos os termos („direitos humanos‟ e „direitos fundamentais‟) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo „direitos fundamentais‟ se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão „direitos humanos‟ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).
10
8 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 17-
32. 9 BONAVIDES, Paulo. Os Direitos Humanos e a Democracia. In: SILVA, Reinaldo Pereira e. (Org.). Direitos
Humanos com Educação para a Justiça. São Paulo: LTr, 1998. p. 16. 10
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 29.
13
Tendo espeque nos ensinamentos do Professor Sarlet, percebemos que Direitos
Humanos têm seus direcionamentos voltados para o ser humano universal independente da
nação, i.e., há uma internacionalização desses direitos.
Quanto aos Direitos Fundamentais, concluiu o professor, que estes abarcam o
reconhecimento de forma positivada pelo Estado, assegurando direitos natos ao ser humano
que visa as Constituições determinarem direitos eminentemente de caráter interno para
proteção de seus cidadãos e garantido direitos essenciais, tais como, à vida, à liberdade, ao
trabalho, à saúde, à educação dentre outros, mormente nos ditames do TÍTULO II
- Dos Direitos e Garantias Fundamentais - da nossa Carta Magna Brasileira de 1988.
Conforme nos auxilia o professor Willis Guerra Filho, quando condensa nas
seguintes palavras a distinção entre as expressões “Direitos Fundamentais” e “Direitos
Humanos”:
Uma primeira dessas distinções é aquela entre “direitos fundamentais” e “direitos humanos”. De um ponto de vista histórico, ou seja, na dimensão empírica, os direitos fundamentais são, originalmente, direitos humanos. Contudo, estabelecendo um corte epistemológico, para estudar sincronicamente os direitos fundamentais, devemos distingui-los, enquanto manifestações positivas do direito, com aptidão para a produção de efeitos no plano jurídico, dos chamados direitos humanos, enquanto pautas ético-políticas, situadas em uma dimensão suprapositiva, deonticamente diversa daquela em que se situam as normas jurídicas – especialmente aquelas de direito interno.
11
Completando a lição temos Ingo Wolfgang Sarlet:
[...] o termo direitos fundamentais se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão direitos humanos guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoca caráter supranacional.
12
Com suporte na doutrina de Willis Guerra Filho e Ingo Sarlet percebemos clara
distinção entre direitos humanos e diretos fundamentais, pois aqueles tutelam os indivíduos
na seara internacional, enquanto estes protegem os seus no âmbito doméstico por meio da
positivação na constituição.
11
GUERRA FILHO, Willis Santiago (Coord.). Direitos fundamentais, processo e princípio da proporcionalidade. In: ______. Dos direitos humanos aos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 12. 12
SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., 2005. p. 35-36.
14
Percebemos que, no recente processo de internacionalização dos Direitos
Humanos, implica na cada vez maior relativização da prerrogativa, que outrora era quase
absoluta, dos Estados em tratar dos seus assuntos internos.
A importância da proteção à pessoa humana faz com que até princípios de
soberania nacional sejam superados em prol dos direitos humanos.13 A história núpera faz
registro de intervenções humanitárias da ONU quando há patentes violações aos Direitos
Humanos, para citar as intervenções mais relevantes temos na Somália (1992), no Haiti
(1994), na Bósnia (1996), em Kosovo (1999), na Líbia (2011) do ex-líder líbio Muammar
Kadafi e, atualmente (outubro de 2012), vivemos a iminência das tropas da ONU intervirem
em território sírio do presidente Bashar Al-Assad, que desde março do ano passado está em
guerra civil, com registro de morte de mais de 13 mil pessoas, em sua maioria civis,
segundo relato de observadores internacionais.14
A nossa Constituição Federal de 1988 adotou, no artigo 5º, a distinção entre os
Direitos Fundamentais, Direitos Humanos e Direitos do Homem, seguindo, portanto, o
consignado na Carta das Nações Unidas que repetidamente, ao longo do seu texto, acentua
o quão necessário se faz o respeito universal e eficaz aos direitos do homem, importante
citar o referido dispositivo constitucional:
§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
15 (grifei)
13
Anita Kons da Silveira faz excelente análise da intervenção humanitária (que na verdade é militar) da ONU como forma legítima de proteção dos direitos humanos. A autora afirma que a tutela dos direitos humanos foge da exclusividade da jurisdição interna, passa a ser interesse internacional. “O respeito e promoção dos direitos humanos, portanto, integram a pauta de interesses da comunidade internacional e não mais pertencem aos assuntos de exclusiva jurisdição doméstica dos Estados.” SILVEIRA, Anita Kons da. A intervenção humanitária como forma legítima de proteção dos direitos humanos. In: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira (Coord.). Revista Eletrônica de Direito Internacional. v.4. Belo Horizonte: CEDIN, 2009. p. 362. 14
Cf. Relatório da Comissão independente internacional de inquérito (órgão das Nações Unidas), que afirma
houver crimes de guerra no território sírio, incluindo assassinatos, execuções extrajudiciais, tortura além de graves violações dos direitos humanitários internacional. Documento disponível no sitio da ONU em português http://www.onu.org.br/governo-da-siria-e-forcas-da-oposicao-sao-responsaveis-por-crimes-de-guerra-afirma-painel-da-onu/. Acessado em 12 novembro de 2012. 15
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 12 nov. 2012.
15
Vemos então, que o parágrafo 1º classifica como Direitos Fundamentais os
previstos no próprio texto da Carta. Tendo no parágrafo 2º apenas o termo “direito”, por
fazer alusão tanto aos Direitos Humanos quanto aos Fundamentais, por fim, no parágrafo 3º
cuida de direitos reconhecidos na seara internacional, lançando mão do termo Direitos
Humano.
Os Direitos Fundamentais compreendem ao reconhecimento de forma positivada
pelo Estado, garantindo direitos inerentes ao ser humano que visa as Constituições
determinarem direitos eminentemente de cunho interno para proteção de seus cidadãos e
garantido o direito à vida, trabalho, saúde, educação e entre outros conforme a nossa
Constituição Federal de 1988 preocupa com os direitos do cidadão.
Sabe-se que na ciência jurídica impera a pluralidade de pensamentos, sendo,
talvez, sua mola-mestre. Em perspicaz construção jurídico-filosófica, Flávia Piovesan faz
correlação entre os Direitos Humanos e o Direito Internacional, emergindo, portanto, um
coerente conceito a qual denomina de Direito Constitucional Internacional, confiramos
excerto da obra:
Por Direito Constitucional Internacional, subentende-se aquele ramo do direito na qual se verifica a fusão e a interação entre o Direito Constitucional e o Direito Internacional. Esta interação assume um caráter especial quando estes dois campos do direito buscam resguardar um mesmo valor–o valor da primazia da pessoa humana – concorrendo na mesma direção e sentido.
16
Portanto os Direitos Humanos estão para a proteção universal do ser humano
como direito à vida e à liberdade. Enquanto que, os Direitos Fundamentais estão voltados
para o direito interno positivado na forma de Constituição e deve ser garantida pelo Estado
meios de garantir os Direitos Fundamentais de todos os cidadãos.
1.3 Evolução Histórica dos Direitos Fundamentais
Para fins didáticos, tomar-se-á a periodização tradicional da histórica,17 mesmo
ciente que não há um padrão classificatório unânime, podendo haver tantas divisões
quantos pontos de vista culturais, etnográficos e ideológicos existirem.
16
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 45. 17
Utilizando a divisão histórica mais usada temos: Idade Antiga compreende-se aproximadamente 4000 a.C. até 476 d.C., quando ocorre a queda da cidade de Roma, capital do Império Romano do Ocidente. Idade Média é
delimitada entre o ano de 476 d.C. até 1453, quando ocorre a conquista de Constantinopla pelos turcos otomanos e consequente queda do Império Romano do Oriente. Já a Idade Moderna é considerada de 1453 até 1789, quando da eclosão da Revolução Francesa. Idade Contemporânea compreende-se de 1789 até aos dias
16
Percorreremos o caminho histórico dos Direitos Humanos iniciando na
antiguidade clássica ocidental com os gregos e romanos. Na Idade Média, visitaremos o
pensamento de Santo Tomás de Aquino, na Inglaterra em 1215, estaremos com o legado do
Rei João Sem Terra e sua Carta Magna. Trilharemos, na Idade Moderna em 1628, o Petition
of Rights. In fine deste tópico, na contemporânea, já se descortinando o instituto dos direitos
fundamentais, galgaremos a trilha deixada pelas Revoluções Francesa, Americana e
Inglesa, ressaltando suas importâncias para o reconhecimento de direitos inerentes a
pessoa humana hodiernamente, sendo que, cada uma contribuiu a sua maneira.
Ensina-nos o professor Norberto Bobbio:
Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.
18
Portanto, a evolução histórica dos direitos inerentes à pessoa humana é lenta e
gradual. Não são reconhecidos ou construídos todos de uma vez, mas sim conforme a
própria construção e evolução da vida em sociedade, muitas vezes dada por ressignificação
de conceitos, valores, costumes e normas sociais e jurídicas e também pela luta contra
viciados sistemas de poder e opressão.
1.3.1 Direitos Humanos na Antiguidade Clássica
Muito embora haja corrente doutrinária que defenda que a história dos Direitos
Humanos começou com a (de)limitação do poder do Estado pela lei, a nosso ver, trata-se de
uma visão errônea. Também não prospera o posicionamento que desconsidera a luta pelos
Direitos Humanos desde a antiguidade, pois como veremos neste tópico, há registros de
reivindicações de direitos que mais tarde seriam consagrados como Direitos Fundamentais.
Tais registros longínquos dão mostra da existência de lutas pelos Direitos
Humanos de liberdade do próprio corpo e do pensamento que, com certeza, tais
inquietações sociais trilharam longo caminho na evolução da humanidade para
posteriormente galgar o patamar de Direitos Fundamentais no século XXI.
Apontamos na Grécia antiga os primeiros resquícios da ideia de um direito
natural atemporal superior ao direito positivado, dada pela simples diferenciação entre a lei
particular, que é aquela em que cada povo da a si mesmo e a lei comum, que considera a
atuais. PERIODIZAÇÃO DA HISTÓRIA. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2012. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Periodização_da_história>. Acesso em: 30 nov. 2012. 18
BOBBIO, Norberto. Op. cit., 1992. p. 5.
17
possibilidade de distinção entre o que é justo e o que é injusto tendo como referência a
própria essência humana. Bem se representa esta ideia na peça de teatro Antígona, de
Sófocles, quando a personagem Antígona invoca leis imutáveis e universais para
descumprir uma lei local que impedia o enterro de seu irmão, Polinices, que a seu ver era
abusiva e desproporcional.19
Outro legado incomensurável para o ocidente deixado pelos gregos foi a ideia de
democracia (direta), a participação de todos os homens livres20 da polis nas decisões acerca
da administração e política externa da mesma.
Esta democracia participativa na condução da administração da polis
possibilitou, de certa forma, a limitação do poder nas funções do governo e na superioridade
da lei.21
No império romano, o ius gentium e o surgimento do cristianismo, lançaram as
bases para o reconhecimento de condições natas e irrenunciáveis de todos os homens e
mulheres, vemos claramente o gérmen dos Direitos Humanos incutido nesses dois
institutos, melhor definição faz Jorge Miranda quando afirma que
É com o cristianismo que todos os seres humanos, só por o serem e sem acepção de condições, são considerados pessoas dotadas de um eminente valor. Criados a imagem e semelhança de Deus, todos os homens e mulheres são chamados à salvação através de Jesus, que, por eles, verteu o Seu sangue. Criados à imagem e semelhança de Deus, todos têm uma liberdade irrenunciável que nenhuma sujeição política ou social pode destruir.
22
Reconhecemos na antiguidade diversas contribuições no sentido de
reconhecimento de direitos relativos à pessoa humana. Destacamos que neste período,
tinha-se como lugar-comum práticas como a escravidão, distinção por sexo ou classe social,
19
Conferir texto “Antígona: Direito Positivo versus Direito Natural – Quem ganhou?” do professor George Marmelstein. Neste texto o professor-magistrado ao final afirma: “Por isso, costuma-se dizer que a resposta de Antígona é uma das mais remotas defesas do direito natural.” Disponível em
http://direitosfundamentais.net/2008/04/27/antigona-direito-positivo-versus-direito-natural-quem-ganhou. Acesso em 12 nov. 2012. (grifei). 20
A democracia direta grega abarcava apenas alguns poucos homens livres tidos como cidadãos, deixando de lado estrangeiros, escravos e mulheres. Mas por isso não devemos considerá-la injusta ou imperfeita, pois as reuniões e participações eram realizadas nas ágoras, onde as manifestações eram por meio de sustentações orais perante os iguais, as votações eram feitas envoltas de exposição de ideias e debates, por vezes acalorados. Talvez para manter a viabilidade das reuniões fosse necessária a limitação ao numero de participantes, pois a participação direta seria/é apenas possível em quóruns relativamente pequenos. Constatamos hodiernamente que, em razão do tamanho da população, bem como das distâncias que a espalham nos estados modernos, inviabilizam um sistema de democracia à moda grega. 21
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 41. 22
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: direitos fundamentais. Tomo IV, 3ª ed. rev. e atual. Coimbra: Coimbra, 2000. p. 17.
18
o que não diminui com seus méritos, pois como dito, citados direitos não surgem como uma
revelação, mas paulatinamente acompanham o próprio caminhar da civilização humana.
1.3.2 Direitos Humanos no Período Medieval
Apesar de não ser muito comum mencionar na Idade Média direitos que
podemos considerar pertencentes aos que chamamos hoje de Direitos Humanos, temos
significativos institutos, filósofos e pensadores que contribuirão a seu modo e no seu tempo
para que fosse construído o cabedal de direitos e garantias fundamentais de hoje.
Temos na sociedade da Idade Média a descentralização política, ou seja, a
existência de vários centros de poder autônomos chamados de burgos, havendo intensa
disputa entre poder temporal e poder eclesiástico. Também notamos a influência do
cristianismo e a organização da sociedade em feudos, decorrente da dificuldade de praticar
a atividade comercial.
Faça-se justiça ao mencionar o pensamento de São Thomas de Aquino (1225-
1274), cujo mérito está ligado ao fato dele ter feito menção a real função do direito, no
tocante ao que se refere à justeza na distribuição dos bens terrestres e no papel da
jurisprudência enquanto disciplina autônoma, seguindo os critérios da razão natural. Do
florescer intelectual do pensador medieval sobressai a doutrina da coexistência harmônica
dos poderes temporal e eclesiástico, porém, para o autor, findava com a supremacia da
autoridade espiritual.
No final da Idade Média, no século XIII, aparece a grande figura de Santo Tomás de Aquino, que, tomando a vontade de Deus como fundamento dos direitos humanos, condenou as violências e discriminações, dizendo que o ser humano tem direitos naturais que devem ser sempre respeitados, chegando a afirmar o direito de rebelião dos que forem submetidos a condições indignas.
23
O legado deixado por São Tomás de Aquino é de valioso quilate, pois ressalta
os fundamentos dos Direitos Humanos consubstanciados na igualdade e na dignidade do
ser humano por ter sido gerado a imagem e semelhança de Deus. Assim, o santo classifica
em quatro as categorias das leis: lex aeternum, lex divinum, lex naturali e lex humanum,
esta última, fruto da vontade do soberano, entretanto devendo ser subordinada à razão e a
vontade de Deus.
23
DALLARI, Dalmo de Abreu. A Luta pelos Direitos Humanos. In: LOURENÇO, Maria Cecília França. Direitos Humanos em Dissertações e Teses da USP: 1934-1999. São Paulo: Universidade de São, 1999. p. 34.
19
Outro instituto relevante que merece registro é a Magna Carta do Rei João Sem
Terra da Inglaterra de 1215, mesmo tendo conteúdo predominantemente estamental, ou
seja, não trazia modificações relevantes na sociedade nem igualdade material para os
súditos do rei. Apenas assegurava para uns poucos (nobres e burguesia) direitos frente aos
poderes do monarca, que até então eram ilimitados.
Esta garantia, inédita, sinalizou para o surgimento dos Direitos Fundamentais e
também é considerada a origem do due process.24
Tamanho é o significado da referida Carta, que dois grandes jurisconsultos
contemporâneos fazem alusão ao instituto medievo. Vejamos nas palavras do português
Jorge Miranda:
As duas linhas de força mais próximas – não únicas, nem isoladas – dirigidas à formação e ao triunfo generalizado do conceito moderno de direitos fundamentais são, porém, a tradição inglesa de limitação do poder (da Magna Charta ao Acto of Settlement) e a concepção jusracionalista projectada nas Revoluções americana e francesa.
25
E Canotilho acerca do tema, assim dispõe analisando a referida Magna Carta:
Mas a Magna Charta, embora contivesse fundamentalmente direitos estamentais, fornecia já aberturas para a transformação dos direitos corporativos em direitos do homem. O seu vigor irradiante no sentido da individualização dos privilégios estamentais detecta-se na interpretação que passou a ser dada ao célebre art. 39º, onde se preceituava que “Nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou privado dos seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não procederemos, nem mandaremos proceder contra ele, senão em julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com a lei do país”. Embora este preceito começasse por aproveitar apenas a certos estratos sociais os cidadãos optimo jure acabou por ter uma dimensão mais geral quando o conceito de homem livre se tornou extensivo a todos os ingleses.
26
Não menos importantes, pois seguiram a esteira da Magna Charta Libertatum,
necessário se faz registrar outros estatutos anglo-saxões assecuratórios de direitos como a
Petition of Rights (1628), o Habeas Corpus Amendment Act (1679) e o Bill of Rights (1688).
Entretanto, tais cartas não possuíam o alcance moderno das Declarações de Direitos
Fundamentais, porém, foram essenciais para a formação destas, como a Declaração de
Independência dos Estados Unidos da América em 1776 e da Revolução Francesa, em
24
Uma das cláusulas de maior importância é a do artigo 39 da Magna Carta do Rei João Sem Terra que atribuímos o surgimento do devido processo legal adotado hoje em quase todos os ordenamentos jurídicos, confiramos: “Nenhum homem livre será preso, aprisionado ou privado de uma propriedade, ou tornado fora-da-lei, ou exilado, ou de maneira alguma destruído, nem agiremos contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser por julgamento legal dos seus pares, ou pela lei da terra." (tradução livre). 25
MIRANDA, Jorge. Op. cit., 2000. p. 21. 26
CANOTILHO, J.J. Gomes. Op. cit., 2003. p. 382-383.
20
1789. Temos na arguta explicação do professor Ingo Sarlet27 a delimitação clara do ainda
“não-nascimento” dos Direitos Fundamentais nos institutos ingleses, pois, há época, tivemos
a fundamentalização, mas não uma constitucionalização dos direitos e liberdades individuais
fundamentais.28 Portanto, estamos falando de fundamentalização, visto que, não havia
vinculação nem subordinação do parlamento inglês, carecendo, desta forma, de
supremacia.
Portanto, consideram-se a Magna Carta de 1215 e seus congêneres, como os
primeiros passos de uma longa caminhada histórica que levaria à positivação dos Direitos
Humanos e o surgimento dos Direitos Fundamentais.
1.3.3 Direitos humanos na Idade Moderna
Fatores preponderantes da Idade Média como a descentralização política, a
influência do magistério da Igreja Católica e o estilo de vida feudal, foram paulatinamente
deixando de existir, dando ensejo para a criação de uma nova sociedade, a moderna.
Essas mudanças, principalmente de cunho comportamental, são decorrentes de
vários fatores tais como o aumento do comércio que criou uma nova classe, a burguesia,
que não tinha voz ativa na sociedade feudal; o surgimento do Estado Moderno, ocorrendo a
centralização do poder político, ou seja, o direito passa a ser o mesmo para todos dentro do
reino, sem as inúmeras fontes de comando que caracterizavam a sociedade medieval; uma
mudança de mentalidade, os fenômenos passam a ser explicados cientificamente, por meio
da ciência e da razão e não somente atrelada à visão religiosa.
Talvez o que marcou mais na idade moderna foi a força da religião com fonte
dominadora do pensamento medieval, por isso destacamos a Reforma Protestante que
contestou a coerência da Igreja Católica, principalmente no tocante às indulgências, dando
importância a interpretação pessoal das Sagradas Escrituras. Citamos o Edito de Nantes29
onde o Rei Enrique IV da França proclamou a liberdade religiosa, num claro reconhecimento
27
“Em que pese a sua importância para a evolução no âmbito da afirmação dos direitos, inclusive como fonte de inspiração para outras declarações, esta positivação de direitos e liberdades civis na Inglaterra, apesar de conduzir a limitações do poder real em favor da liberdade individual, não pode, ainda, ser considerada como o marco inicial, isto e, como o nascimento dos direitos fundamentais no sentido que hoje se atribui ao termo. Fundamentalmente, isso se deve ao fato de que os direitos e liberdades – em que pese a limitação do poder monárquico – não vinculavam o Parlamento, carecendo, portanto, da necessária supremacia e estabilidade, de tal sorte que, na Inglaterra, tivemos uma fundamentalização, mas não uma constitucionalização dos direitos e liberdades individuais fundamentais. Ressalte-se, por oportuno, que esta fundamentalização não se confunde com a fundamentalidade em sentido formal, inerente a condição de Direitos consagrados nas Constituições escritas (em sentido formal).” SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 4ª ed. revista, atualizada e ampliada. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 50. 28
SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., 2007. p. 51. 29
ÉDITO DE NANTES. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2012. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/édito_de_nantes>. Acesso em: 12 nov. 2012.
21
do direito que cada pessoa tem de participar, de acreditar em uma religião, ou também de
não acreditar ou não participar de nenhuma.
Ainda que tenha existido significativo avanço neste período, não podemos falar
ainda em direitos considerados universais, ou seja, comuns a toda e qualquer pessoa
apenas por ser humano, pois os direitos eram meras concessões reais podendo ser
revogadas, isto é, não constituíam um limite eficaz e permanente na atuação do poder
político.
1.3.4 Direitos humanos na Idade Contemporânea
É a positivação das declarações assecuratórias de direitos do final do século
XVIII, notadamente na Declaração de Virgínia de 177630 e a Declaração Francesa de 1789,
que expõem ao mundo um novo sentido que vem a ser revolucionária no tocante a condição
humana.
Dando azo ao constitucionalista Gomes Canotilho,31 quando afirma que a história
dos Direitos Fundamentais pode ser separada entre o período anterior e o posterior às
declarações americana e francesa de direitos, faremos aqui destaque sobre elas.
1.3.4.1 Declaração de Direitos do Povo da Virgínia e Declaração de Independência dos
Estados Unidos da América
Foi na América do Norte, na colônia da Virgínia, uma das mais populosas e mais
prospera colônia originária norte-americana, onde podemos considerar a primeira
Declaração de Direitos, que de início promulgava que todos os seres humanos são, pela sua
própria essência, igualmente livres e independentes e titulares de alguns direitos natos, ou
seja, direitos à vida, à liberdade de locomoção, à propriedade, à segurança, dentre outros.
Comparato afirma que a Declaração da Virginia expressa com nitidez os
fundamentos democráticos, reconhecimento de direitos natos de toda a pessoa humana, os
30
A Declaração dos Direitos da Virgínia (16/06/1776) é uma declaração de direitos que se insere no bojo da liça pela Independência dos Estados Unidos da América. Antecipa a própria Declaração de Independência deste país (04/07/1776), sendo que, esta declaração teve como base a Declaração de Virgínia, onde estava expressa a noção de direitos individuais. 31
CANOTILHO, J.J. Gomes. Op. cit., 2003. p. 380.
22
quais não podem ser alienados ou suprimidos por uma decisão política,32 este era o cerne
do artigo primeiro da Declaração.33
Portanto, a Declaração de Independência dos Estados Unidos, feita em
04/07/1776, marca o inicio da transição dos direitos de liberdade legais ingleses, ou seja,
apenas fundamentalizados, para os direitos fundamentais constitucionais, trazendo a
reboque os direitos já reconhecidos pelas suas antecessoras inglesas do século XVII como
a liberdade, a propriedade privada e os direitos individuais, hauridos da Declaração da
Virginia.
Há de se pensar que a Constituição norte-americana promulgada em 1787 de
forma natural incorporasse os direitos positivados na Declaração de 1776, porém, isso não
ocorreu. Porque para os constituintes originários, a preocupação dizia precipuamente com a
autonomia e o equilíbrio dos três poderes, de modo que nenhum viesse a tiranizar o outro e
assim comprometer o pacto federativo.
Assim compreendemos que, embora a Constituição dos Estados Unidos da
América tenha sido promulgada em 1787, somente em 1791, recebeu artigos que
expressavam explicitamente direitos individuais, quando foram adicionadas as dez emendas
constitucionais chamada de Bill of Rights ou Declaração de Direitos, (que foram baseadas
nos velhos writs ingleses da Carta Magna do Rei João Sem Terra, Petition of Rights e The
Declaration of Rights) que tratavam de alguns direitos individuais fundamentais para a
liberdade.
Fato este aludido por Ingo Wolfgang Sarlet quando afirma que:
[...] pela primeira vez os direitos naturais do homem foram acolhidos e positivados como direitos fundamentais constitucionais, ainda que este status constitucional da fundamentalidade em sentido formal tenha sido definitivamente consagrado somente a partir da incorporação de uma declaração de direitos à Constituição em 1791, mais exatamente, a partir do momento em que foi afirmada na prática da Suprema Corte a sua supremacia normativa.
34
Fazemos o reconhecimento de que, vultoso foi a contribuição norte-americana
para o direito constitucional, que ainda hoje serve de fonte inspiradora, servindo de modelo
para muitas outras constituições de países americanas.
32
COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit., 1999. p. 98. 33
Artigo 1° - Todos os homens nascem igualmente livres e independentes, têm direitos certos, essenciais e naturais dos quais não podem, pôr nenhum contrato, privar nem despojar sua posteridade: tais são o direito de gozar a vida e a liberdade com os meios de adquirir e possuir propriedades, de procurar obter a felicidade e a segurança. (Tradução livre). 34
SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., 2004. p. 51.
23
1.3.4.2 A Revolução Francesa
Por sua vez, temos que, a Revolução Francesa, pilar terceiro do início da
constitucionalização dos direitos fundamentais, mesmo com os desmandos advindos da
“Era do Terror” desempenhou papel importante, quando há a derrocada definitiva do regime
absolutista francês, ou seja, houve mudança do eixo gravitacional do poder, que
concentrava-se nas mãos do príncipe agora passa para as mãos do povo, mudava assim, o
conceito de vontade singular do monarca para o de vontade geral do povo.
A Revolução Francesa teve origem no pensamento filosófico dos Iluministas35
que, dentre seus principais propósitos, destacavam a invocação da razão para assim,
enfraquecer a influência e autoridade da igreja bem como os fundamentos do regime
monárquico.
No final de agosto do ano de 1789 no meio a convulsões sociais, em reunião
extraordinária, a Assembleia Nacional Constituinte francesa aprovou a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão. Com seus 17 artigos, passou a representar o mais
notável progresso quanto à afirmação dos valores fundamentais da pessoa humana,
servindo de paradigma para a maioria das constituições ocidentais desde então.
Para Ferreira Filho,36 o mote propulsor e os objetivos da Declaração foram "(...)
proteger os Direitos do Homem contra os atos do Governo37 e é expressa a menção ao
Poder Legislativo e ao Poder Executivo,38 tendo por objetivo imediato o caráter pedagógico:
instruir os indivíduos de seus direitos fundamentais”.39
Sarlet sintetiza as duas declarações (francesa e americana) nestas palavras:
35
Baruch Spinoza (1632-1677), John Locke (1632-1704), Pierre Bayle (1647-1706), Isaac Newton (1643-1727), Denis Diderot (1713-1784), Voltaire (1694-1778), Montesquieu (1689-1755), Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). 36
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 22. 37
O artigo 3.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão é notório verificar a predominância da soberania do povo: “O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhum corpo, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente.” Com este mecanismo impede-se o
absolutismo, o monarca passa a ser apenas o mandatário do povo, de quem recebia o poder. Para assegurar a isenção do poder político, este devia funcionar de modo tripartite, concretizando-se o princípio iluminista de Montesquieu da separação dos poderes. Grifado. 38
No artigo 4º, in fine, da mesma Declaração, dá os contornos da delimitação da atuação estatal: “Estes limites [de atuação do estado] apenas podem ser determinados pela lei.” Grifado. 39
Estas são os termos do artigo 6º, que conclama o povo a participação da vida pública. “A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.”
24
Tanto a declaração francesa quanto as americanas tinham como característica comum sua profunda inspiração jusnaturalista, reconhecendo ao ser humano direitos naturais, inalienáveis, invioláveis e imprescritíveis, direitos de todos os homens, e não de uma casta ou estamento.
40
Portanto, a declaração foi um documento revolucionário que nasceu para (im)por
limites na esfera governamental em relação aos cidadãos, indivíduos portadores de direitos
e obrigações, ultrapassando assim, os ideais inicialmente almejados pelos iluministas. Os
seus princípios reverberam até hoje nos mais diversos regimes políticos, pois não se
dirigiam unicamente aos franceses, sendo aplicáveis a qualquer ordenamento jurídico e
político.
1.3.5 Direitos fundamentais do Pós-Segunda Guerra até hoje
O Direito, por ser uma ciência social, passou por diversas transformações de
acordo com os acontecimentos que marcaram a sociedade, fato constatado com o cabo da
segunda grande guerra mundial, quando o mundo ficou chocado com a perda de milhões de
vidas de forma brutal e inumana.
Tendo o genocídio dos judeus como pano de fundo, que talvez tenha sido a
etnia senão a mais perseguida (não olvidemos das outras minorias igualmente perseguidas
como a dos ciganos, dos negros, dos homossexuais, etc.), mas seguramente a que detinha
maior influência política e econômica, assim, houve comoção que se fez ouvir em todo o
planeta pela proteção dos direitos fundamentais.
Tal mobilização internacional veio a culminar com a Declaração Universal dos
Direitos do Homem, proclamada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas
em 10 de dezembro de 1948.
Anota o ministro relator Gilmar Ferreira em rara passagem no RE 201.819
citando este momento histórico com as palavras de Jane Reis Gonçalves Pereira:
[...] a retomada da cultura dos direitos humanos ocorrida no pós-guerra – como reação aos traumas do holocausto – representava um contexto favorável ao estabelecimento da discussão sobre os destinatários daqueles direitos. Em meados do século XX, os direitos do homem voltavam a ostentar o prestígio que desde as revoluções liberais não lhes era conferido. No plano nacional, isso se revelava pelos amplos catálogos de direitos fundamentais contidos nas cartas políticas editadas a partir do pós-guerra.
40
SARLET. Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direito fundamental na constituição de 1988. 2ª ed. rev. e amp. Livraria do Advogado. Porto Alegre. 2002. p. 48.
25
No plano internacional, a Declaração Universal de 1948 dava início ao processo de generalização da tutela internacional dos direitos humanos.
41
Assim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (DUDH) é um
dos,42 quiçá, o documento marco na história dos direitos humanos.
Portanto, [a Declaração] cumpriu um papel extraordinário na história da
humanidade. De certa forma compilou as esperanças de todos os povos oprimidos,
fornecendo linguagem autorizada à semântica de suas reivindicações. Proporcionou base
legislativa às lutas políticas pela liberdade e inspirou a maioria das Constituições nacionais
na positivação dos direitos da cidadania.
No Brasil, foi na Constituição cidadã de 1988 que aflorou o momento a qual vive
o constitucionalismo atual, chamado de neoconstucionalismo. Esta nomenclatura “tem sido
utilizado por parte da doutrina para designar o estado do constitucionalismo
contemporâneo”.43
Filha liberta de um período autoritário, a Constituição de 1988 mais do que
nunca procurou inserir os direitos fundamentais na ordem constitucional. Insertos em
patamar de escol, logo após o preâmbulo e os princípios fundamentais, característica do
neoconstitucionalismo que faz "a incorporação explícita de valores e opções políticas nos
textos constitucionais, sobretudo no que diz respeito à promoção da dignidade humana e
dos direitos humanos”.44
A própria expressão Direitos e Garantias Fundamentais adotada pela nossa
Constituição fora uma inovação, o que, evidentemente, ressalta seu status jurídico
diferenciado. A amplitude do catálogo de direitos fundamentais, de igual forma, é outra
característica que sobressai, abarcando direitos fundamentais de diversas gerações.
Muito embora a Constituição Federal de 1988 também tenha valorizado os
princípios democráticos e da solidariedade como afirma Vladimir Brega Filho:
41
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário nº 201.819/RJ. Min. Relatora original Ellen Gracie. Min. Relator para o acordão Gilmar Ferreira Mendes. Julgado em 11.10.2005. DJ de 27.10.2006. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=388784>. Acesso em: 12 nov. 2012. 42
Temos outros documentos como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e seus dois Protocolos Opcionais (sobre procedimento de queixa e sobre pena de morte) e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e seu Protocolo Opcional, que formam a chamada Carta Internacional dos Direitos Humanos. Conferir institutos supra-referidos no sítio da ONU Brasil em
http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-os-direitos-humanos. 43
BARCELLOS, Ana Paula. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas. p. 1. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br/cgi-bin/upload/texto853.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2012. 44
BARCELLOS, Ana Paula. Op. cit., p. 3-4.
26
Por fim, a Constituição de 1988, novamente inspirada por ventos democráticos, ampliou os direitos fundamentais, e seguindo a tendência mundial, além dos direitos individuais e sociais, reconheceu os direitos de solidariedade (direitos fundamentais de terceira geração) [...].
45
Além de, no seu §1°, artigo 5°, determinar que as normas definidoras dos
direitos e garantias fundamentais possuem aplicação imediata, vemos no mundo fático que
isso não ocorre plenamente e, diante da não autoaplicabilidade das normas constitucionais
concernentes aos direitos fundamentais, vislumbramos alguns fatores que podem
enfraquecer e/ou ameaçar sua aplicabilidade, dentre os quais destacamos duas: os
interesses políticos, quando os estados se omitem ante o capital das grandes empresas e a
globalização econômica que internacionaliza o mercado, em que todas as fronteiras
(barreiras espaciais e lógicas) ao processo de produção são removidas a esmo, malfadando
a proteção do meio ambiente e a valorização do individuo como pessoa.
Todavia há esperanças, como aponta Bonavides46 lembrando-nos que ocorreu
(ocorre e ocorrerão?) mudanças na hermenêutica jurídica, pois estamos saindo de uma
leitura positivista da norma, ou seja, sem qualquer interpretação, como ensinava a escola
exegética, para o chamado pós-positivismo, que lança mão da interpretação, realizando
uma analise profunda da norma, objetivando produzir seus efeitos na realidade daqueles a
quem ela se destina.
“Reputamos a esta nova visão Hermenêutica substancial importância,
constituindo uma verdadeira revolução jurídica [...]”.47 Repousamos nesta revolução jurídica
nossas esperanças para que haja maior efetivação dos direitos fundamentais no século XXI,
como visto na doutrina que defende a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que no
tópico 2.4 faremos exame.
45
BREGA FILHO, Vladimir. Direitos fundamentais na Constituição de 1988: conteúdo jurídico das expressões. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002. p. 39. 46
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 479-482. 47
FUCHS, Horst Vilmar. Desafios do Direito na Pós-Modernidade. p. 14. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/manaus/a_crise_posit_horst_vilmar_fuchs.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2012.
27
2 NOMECLATURA E PROCESSO DE AFIRMAÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS
Os direitos fundamentais podem ser estudados e concebidos das mais diferentes
formas, talvez por isto não haja consenso na doutrina quanto à nomenclatura escorreita para
melhor expressar o processo de afirmação histórica dos direitos fundamentais. Neste
capítulo analisaremos como a doutrina predominante lida com as múltiplas maneiras de
exprimir os Direitos Fundamentais assim como, esboçaremos uma breve evolução histórica.
2.1 Gerações, dimensões ou categorias de Direitos Fundamentais?
Enquanto doutrinadores do porte do professor Paulo Bonavides, mesmo fazendo
esclarecimentos,48 preferem adotar a nomenclatura de gerações de direitos fundamentais,49
outros, não menos importantes, optam falar de famílias50 ou dimensões51/52 para indicar os
vários escalonamentos que os direitos humanos foram recebendo, à medida que novos
horizontes e novas conquistas foram surgindo. Há também quem prefira utilizar a expressão
categorias de direitos fundamentais como o faz o professor José Afonso da Silva:
Eles [direitos fundamentais] apareceram, no cenário constitucional, com as revoluções americana e francesa do século XVIII, ampliaram-se com o correr dos tempos, a ponto de parte da doutrina falar em gerações de direitos: primeira, segunda, terceira gerações – expressões que eito, porque o termo geração contem a ideia de sucessão e de substituição e não é isso que corre com os diretos fundamentais. Outros falam em dimensões dos direitos fundamentais, e, aí, vem os de primeira, segunda, terceira dimensões. Também não me parece ser uma terminologia adequada, porque o termo dimensão contém a ideia de extensão, de tamanho, e isso não se presta para qualificar os direitos fundamentais. É verdade que, figurativamente, dimensão também significa valor, importância. Porém, entre os direitos fundamentais, não se ode dizer que uns tem mais valor ou mais importância que outros, até por que há um princípio da solidariedade que envolve os direitos fundamentais. Seria admissível falar-se em dimensão dos direitos fundamentais com referencia a seus conteúdos:
48
“(...) o vocábulo „dimensão‟ substitui, com vantagem lógica e qualitativa, o termo „geração‟, caso este último venha a induzir apenas sucessão cronológica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações antecedentes, o que não é verdade. Ao contrário, os direitos da primeira geração, direitos
individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia; coroamento daquela globalização política para a qual, como no provérbio chinês da grande muralha, a humanidade parece caminhar a todo vapor, depois de haver dado o seu primeiro e largo passo. Os direitos da quarta geração não somente culminam a objetividade dos direitos das duas gerações antecedentes como absorvem – sem, todavia, removê-la – a subjetividade dos direitos individuais, a saber, os direitos de primeira geração. E completa dizendo que "tais direitos sobrevivem, e não apenas sobrevivem, senão que ficam
opulentados em sua dimensão principal, objetiva e axiológica, podendo, doravante, irradiar-se a todos os direitos da sociedade e do ordenamento jurídico." Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 525. (Grifado). 49
BONAVIDES, Paulo. Op. cit., 2011. 50
ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho, São Paulo: LTr, 2007, p. 99. 51
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 4ª ed. São Paulo: RCS Editora, 2005. p. 46. 52
SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., 2007. p. 55.
28
direitos de dimensão individual, direito de dimensão social, etc. [...] Por isso é que, em lugar de falar em geração ou em dimensão, tenho usado a expressão categoria de direitos fundamentais.
53 (grifei)
George Marmelstein e Cançado Trindade lançam mão de seus raros arcabouços
doutrinários para fazer críticas à nomenclatura gerações de direitos fundamentais. O
primeiro, em artigo publicado na rede mundial de computadores cita:
Conforme se demonstrará, apesar da fama que a teoria das gerações dos direitos fundamentais alcançou, ela não se sustenta diante de uma análise mais crítica, nem é útil do ponto de vista dogmático. Possui, contudo, um inegável valor didático, já que facilita o estudo dos direitos fundamentais, e simbólico, pois induz à ideia de historicidade desses direitos. Além disso, o modelo baseado nas gerações fornece o alicerce para a construção de uma nova teoria das dimensões dos direitos fundamentais, esta sim importante e útil.
54
Destacamos que Marmelstein ao criticar ressalta o caráter inequívoco e valioso
da didática ao empregar gerações de direitos fundamentais, característica esta
indispensável no presente trabalho.
Enquanto Cançado Trindade faz apontamentos no sentido de criticar o termo
geração de direitos fundamentais quando este confere uma ideia de sucessão ou
substituição da geração anterior pela posterior, confiramos:
A fantasia nefasta das chamadas „gerações de direitos‟, histórica e juridicamente infundada, na medida em que alimentou uma visão fragmentada ou atomizada dos direitos humanos, já se encontra devidamente desmistificada. O fenômeno de hoje testemunhamos não é o de sucessão, mas antes, de uma expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos consagrados, consoante uma visão necessariamente integrada de todos os direitos humanos. As razões histórico-ideológicas da compartimentalização já há muito desapareceram: hoje podemos ver com clareza que os avanços nas liberdades públicas em tantos países nos últimos anos devem necessariamente fazer-se acompanhar não de retrocessos – como vem ocorrendo em numerosos países – mas de avanços paralelos no domínio econômico-social.
55 (grifei)
Em outro trabalho, Marmelstein em pensamento arguto destaca que, empregar
tanto a expressão geração quanto dimensão são inadequadas. Pois aquela “pode dar a
falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, o que é um erro”56 e
53
BONAVIDES, Paulo (Org.). Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. Ano 9. Nº 11 (Nov. 2010). Fortaleza: Edições Demócrito Rocha. 2010. 54
MARMELSTEIN, George. Críticas à teoria das gerações (ou mesmo dimensões) dos direitos fundamentais. Disponíveis em: <http://www.georgemlima.xpg.com.br/geracoes.pdf> ou em <http://jus.com.br/revista/texto/4666/ criticas-a-teoria-das-geracoes-ou-mesmo-dimensoes-dos-direitos-fundamentais>. Acessos em: 12 nov. de 2012. 55
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. V. I, 2ª ed. rev. e atual. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003. p. 488. 56
MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2009. p. 56-57.
29
esta “continua-se incorrendo no erro de querer classificar determinados direitos como se
eles fizessem parte de uma dimensão determinada, sem atentar para o aspecto da
indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos”.57
Assim, o autor formula nova proposta de classificar os direitos fundamentais,
tendo-os em múltiplas dimensões, ou seja, que seja dado ênfase aos aspectos indivisíveis
e interdependentes, com o fito de não valorizar uma dimensão em detrimento de outra,
confiramos em suas palavras:
O ideal é considerar que todos os direitos fundamentais podem ser analisados e compreendidos em múltiplas dimensões, ou seja, na dimensão individual-liberal (primeira dimensão), na dimensão social (segunda dimensão), na dimensão de solidariedade (terceira dimensão), na dimensão democrática (quarta dimensão) e assim sucessivamente. Não há qualquer hierarquia entre as dimensões. Na verdade, elas fazem parte de uma mesma realidade dinâmica. Essa é a única forma de salvar a teoria das dimensões dos direitos fundamentais.
58
Para completar a cognição desta nova forma de enxergar os direitos
fundamentais tidos por Marmelstein em múltiplas dimensões, faz-se necessário citar um
exemplo prático de como se daria esta “simultaneidade” ou “indivisibilidade” das dimensões
dos direitos fundamentais, senão vejamos:
[...] a título de exemplo, o direito à propriedade: na dimensão individual-liberal (primeira dimensão), a propriedade tem seu sentido tradicional, de natureza essencialmente privada, tal como protegida pelo Código Civil; já na sua acepção social (segunda dimensão), esse mesmo direito passa a ter uma conotação menos individualista, de modo que a noção de propriedade fica associada à ideia de função social (art. 5º, inc. XXIII, da CF/88); por fim, com a terceira dimensão, a propriedade não apenas deverá cumprir uma função social, mas também uma função ambiental.
59
Empolgante é, após lição de Marmelstein, vislumbrar os direitos fundamentais
sob nova perspectiva.
Interessante se faz registrara origem da expressão “Gerações de Direitos
Fundamentais” sendo primeiramente cunhada pelo jurista tcheco, naturalizado francês,
Karel Vasak, na aula inaugural de 1979 dos Cursos do Instituto Internacional dos Direitos do
Homem, em Estrasburgo.60 Fato que se toma peculiar, pois segundo Marmelstein,61 Vasak
“sem muito tempo para preparar uma exposição” improvisou em discurso a expressão
geração de direitos fundamentais tendo por base “a bandeira francesa, cujas cores
57
MARMELSTEIN, George. Op. cit., p. 57. 58
Ibidem. p. 58. 59
Ibidem. p. 58. 60
BONAVIDES, Paulo. Op. cit., 2006. p. 563. 61
MARMELSTEIN, George. Op. cit., p. 40-41.
30
simbolizam a liberdade, a igualdade e a fraternidade” e “[...] sem maiores pretensões,
desenvolveu a referida teoria, buscando metaforicamente, demonstrar a evolução dos
direitos fundamentais”.
À margem de qualquer embaraço doutrinário referente à quantidade de gerações,
ou, como preferem alguns doutrinadores, dimensões dos direitos fundamentais, e sempre
movendo-se pelo fito da didática deste estudo, nós elencamos, baseado principalmente nos
escritos de Paulo Bonavides,62 cinco gerações de direitos, que representam os avanços
sociais. Deste modo, passamos a discorrer de forma objetiva.
2.1.1 Primeira Geração (direitos individuais ou negativos)
Foram os primeiros a serem conquistados pela humanidade e se relacionam à
luta pelas liberdades públicas, se revestem de garantias asseguradas diante do Estado.
Caracterizam-se pelo conteúdo proibitivo dado ao Estado para que este não lance mão de
abuso de poder, em outras palavras, o Estado não pode desrespeitar o que estiver
positivado na lei. Trata-se de firmar ao Estado obrigações de não-fazer.
Corrobora conosco o pensamento de Alexandre de Moraes sobre a primeira
geração de direitos fundamentais:
[...] essas idéias encontravam um ponto fundamental em comum, a necessidade de limitação e controle dos abusos de poder do próprio Estado e de suas autoridades constituídas e a consagração dos princípios básicos da igualdade e da legalidade como regentes do Estado moderno e contemporâneo.
63 (Grifei)
Não distante da doutrina de Moraes, Paulo Bonavides pontua uma das
características dos direitos fundamentais de primeira geração:
Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o individuo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.
64
Tais direitos vislumbram também, a igualdade dos homens perante a lei,
portanto, são tidos como direitos individuais, sendo consubstanciado nos direitos à
liberdade, à vida, à propriedade, à manifestação, à expressão, ao voto, entre outros.
62
BONAVIDES, Paulo. Op. cit., 2011. p. 560-593. 63
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 3ª ed., São Paulo: Atlas, 2000. p. 19. 64
BONAVIDES, Paulo. Op. cit., 2011. p. 563-564.
31
Para Bonavides, “os direitos da primeira geração são os direitos da liberdade”, 65
sendo que tais direitos traduzem-se “[n]os direitos civis e políticos, que em grande parte
correspondem, [...] àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente.”
Isto posto, a partir das revoluções oitocentistas, os direitos fundamentais de
primeira geração, também chamados de direitos civis e políticos, passaram a permear todas
as Constituições das sociedades civis democráticas, não obstante seu caráter de status
negativus, que representa uma atividade negativa por parte da autoridade estatal, de
não violação da esfera individual.
Cenário este, perdurou até o início do século XX, posto que, a partir deste
momento foram ingressados novos direitos fundamentais.
2.1.2 Segunda Geração (direitos sociais ou direitos positivos)
Do mesmo modo que o século XIX foi marcado pelo advento dos direitos da
primeira geração (direitos civis e políticos), o século XX foi caracterizado por uma nova
ordem social. Esta nova ordem urge por uma renovação na estruturação dos direitos
fundamentais não mais cristalizada no individualismo puro do modelo anterior, mas norteado
pelos direitos de grupos sociais menos favorecidos, e que impõem ao Estado uma obrigação
de fazer, de prestar (direitos positivos, como saúde, educação, moradia, segurança pública,
etc.).
Conforme exposição de Sarlet:
A nota distintiva destes direitos é a sua dimensão positiva, uma vez que se cuida não mais de evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual, mas, sim, na lapidar formulação de C. Lafer, de propiciar um „direito de participar do bem-estar social.
66
Insta destacar que os direitos de segunda geração, tornam tão essenciais
quanto os de primeira geração, tendo por seu turno sua universalidade e por sua eficácia.
Conforme conceitua Bonavides que os direitos fundamentais de segunda geração “são os
direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades,
introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social [...].”67
65
BONAVIDES, Paulo. op. cit., 2011. p. 563. 66
SARLET, Ingo. Wolfgang. Op. cit., 2007. p. 57. 67
BONAVIDES, Paulo. op. cit., 2011. p. 564.
32
O Estado social é, de fato, um modelo que aflorou em vários regimes, cujas
principais propostas podem ser exemplificadas em três institutos históricos. O primeiro a ser
citado é a declaração dos Direitos do Povo e do Trabalhador, na Revolução Russa de 1917.
Alexandre de Moraes, ao analisar a Lei Fundamental Soviética oriundo da
Revolução Russa de 1917, faz ressalvas das limitações dos direitos fundamentais
assegurados, pois a pretexto de concretizar avanços em tema de direitos sociais,
culminaram por aniquilar os direitos de liberdade, cuja conquista levou séculos para efetivar-
se, confiramos:
Apesar desses direitos, a citada Lei Fundamental Soviética, em determinadas normas, avança em sentido oposto à evolução dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, ao privar, em seu art. 23, os indivíduos e os grupos particulares dos direitos de que poderiam usar em detrimento dos interesses da revolução socialista, ou ainda, ao centralizar a informação (art.14) e a obrigatoriedade do trabalho (art. 14), com o princípio quem não trabalha não come (art. 18).
68
Os outros dois foram a Constituição Mexicana de 1917, fruto da Revolução
Mexicana, e a Constituição de Weimar de 1919. Daí porque comumente se tem entendido
que a fase do Constitucionalismo Social tem seu início marcado pelas Constituições
Mexicana e de Weimar.
Desta feita, temos que os direitos da segunda geração estão ligados
intrinsecamente a direitos prestacionais sociais do Estado perante o indivíduo, bem como
assistência social, a saúde, a educação, ao trabalho, a cultura. Pressuposto a isto passam
estes direitos a exercer uma liberdade social, formulando uma ligação das liberdades
formais abstratas para as liberdades materiais concretas.
2.1.3 Terceira Geração (direitos difusos e coletivos)
Podemos facilmente definir esta geração como direitos transindividuais, i.e.,
direitos que são de várias pessoas, mas não pertencem a ninguém isoladamente. Vão além
do indivíduo individualmente considerado. São também conhecidos como direitos
metaindividuais (estão além do indivíduo) ou supraindividuais (estão acima do indivíduo tido
de forma isolada).
Neste escopo jurídico, emerge um novo direito do homem junto com os
historicamente atingidos direitos de liberdade e igualdade. Diante disto, Bonavides descreve:
68
MORAES, Alexandre. Direito humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1998. p.31.
33
Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo, ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo [...].
69
Portanto, os considerados direitos de terceira geração têm sua gênese na
revolução tecnocientífica (terceira revolução industrial), na revolução dos meios de
comunicação e de transportes, que tornaram a humanidade conectada em valores
compartilhados. Desde então, a humanidade passou a perceber que, na sociedade de
massa, há determinados direitos que pertencem a grupos de pessoas, grupos esses, às
vezes, absolutamente indeterminados.70
2.1.4 Quarta Geração (direito a democracia e a informação)
Na vertente da doutrina do Professor Paulo Bonavides71 a qual defende que os
direitos fundamentais de quarta geração são fruto da globalização política na esfera da
normatividade jurídica, que corresponde a sua institucionalização em nível internacional,
como o direito à democracia e o direito à informação.
Segundo o mesmo autor, na quarta geração há três aspectos preponderantes.
Primeiro temos a democracia participativa, em seguida o pluralismo e por fim o direito à
informação.72 Este último vem a coadunar com o tema deste trabalho, pois faz estreita
relação com as novas tecnologias de comunicação e informação, notadamente o acesso à
Internet que viabilizam “o real acesso dos cidadãos e cidadãs a informações produzidas
pelos poderes públicos”.73
Pertinente neste momento fazer menção a lei 12.527/2011, a chamada Lei de
Acesso à Informação, que entrou em vigor no dia 16 de maio de 2012, citada lei é
direcionada para órgãos públicos federais, estaduais e municipais (ministérios, secretarias,
prefeituras, empresas públicas, autarquias etc.) para que estes órgãos desenvolvam
instrumentos que possibilitem ou facilitem o acesso a informações relacionadas as suas
atividades a qualquer pessoa.
69
BONAVIDES, Paulo. op. cit., 2011. p. 569. 70
A legislação consumerista brasileira, considerada uma das mais avançadas de seu tempo, traz exposição explicativa dos direitos coletivos em sentido estrito, direitos individuais homogêneos e direitos difusos. A definição desses direitos está no art. 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. 71
BONAVIDES, Paulo. op. cit. 2011. passim. 72
Paulo Bonavides cita que “São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo.” BONAVIDES, Paulo. op. cit., 2011. p. 571. 73
UNESCO. Organização das Nações Unidas Para a Educação, Ciência e a Cultura. Informações Para Todos
No Brasil. Disponível em: <http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/communication-and-information/access-to-
information>. Acesso em: 12 nov. 2012.
34
Vemos nesta lei a materialização do direito fundamental de quarta geração, na
perspectiva do acesso à informação governamental, vaticinado por Bonavides.
Abordaremos mais adiante a materialidade do acesso à Internet como Direito
Fundamental, mas desde já reconhecemos seu papel essencial na efetivação do direito de
acesso à informação, pois disponibiliza meios para que qualquer cidadão possa fazer
solicitação de informação a órgãos públicos, como verificado no sítio virtual
http://www.acessoainformacao.gov.br/sistema, na ferramenta e-Sic.74 Este recurso é
disponibilizado pelo governo federal para fazer cumprir o parágrafo segundo do artigo oitavo
da lei 12.527/2011.75/76
Em suma, pretendendo ser a democracia direito fundamental de quarta geração,
não pode ser outra se não a direta, materialmente viável graças às novas tecnologias da
informação que, hodiernamente segue com tendência de popularização, este é o entender
de Bonavides nas seguintes palavras:
A democracia positivada enquanto direito da quarta geração há de ser, de necessidade, uma democracia direta. Materialmente possível graças aos avanços da tecnologia de comunicação, e legitimamente sustentável graças à informação correta e às aberturas pluralistas do sistema. Desse modo, há de ser também uma democracia isenta das contaminações da mídia manipuladora, já do hermetismo de exclusão, de índole autocrática e unitarista, familiar aos monopólios do poder. Tudo isso obviamente, se a informação e o pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia; esta, porém, enquanto direito do gênero humano, projetado e concretizado no último grau de sua evolução conceitual.
77 (grifado)
Ao se falar em quarta geração, não podemos deixar de lado o mestre italiano
Norberto Bobbio que também vislumbra uma quarta geração, porém de essência distinta
que o traçado por Bonavides. Para Bobbio, este novíssimo catálogo surge de novas
exigências “referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que
permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo”.78
74
O e-Sic (Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão) é um sistema web que centraliza todos os pedidos de informação amparados pela Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) dirigidos aos órgãos do Poder Executivo Federal, bem como às suas respectivas entidades vinculadas e empresas estatais. Disponível em: <http://www.acessoainformacao.gov.br/sistema>. Acesso em: 12 nov. 2012. 75
Art. 8o É dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a
divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas. § 2
o Para cumprimento do disposto no caput, os órgãos e entidades
públicas deverão utilizar todos os meios e instrumentos legítimos de que dispuserem, sendo obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet). (Grifei) 76
Cf. sítio da Controladoria Geral da União disponível em http://www.cgu.gov.br/Acessoainformacao/sic.asp e o
Portal da Transparência do governo federal disponível em http://www.portaldatransparencia.gov.br. 77
BONAVIDES, Paulo. Op. cit., 2011. p. 571. 78
BOBBIO, Norberto. Op. cit., 1992. p 6.
35
Portanto, Bobbio ressalta no bojo dos direitos fundamentais de quarta geração
as pesquisas genéticas, vertendo, assim, sua preocupação com as pesquisas biológicas o
que podem ser ameaçadoras ante a falta de regulamentação neste setor.
2.1.5 Quinta Geração (direito à paz)
Em que pese doutrinadores de escol enquadrarem os direitos fundamentais de
quinta geração como sendo os que envolvem a cibernética e a informática, considerando
que o presente tópico segue a corrente de Paulo Bonavides, que vê na quinta geração o
espaço para o direito à paz,79 deixamos de discorrer sobre tal geração com referido viés da
informática para fazer maior debruço em item apartado que insere tal geração de direitos
humanos no bojo do acesso à Internet.
Registrado pensamento pioneiro do constitucionalista Paulo Bonavides, data
vênia, anotarmos também críticas à elevação do direito à paz à quinta geração de direitos
fundamentais, pois desperta críticas e esvaziamento quanto a sua sustentabilidade, sendo
reconhecido até mesmo por Bonavides que, segundo o autor, a doutrina não está dando o
devido valor ao referido direito.
Citamos o mestre: “Tocante à doutrina, o contributo acerca do direito à paz tem
sido deveras escasso, consideravelmente aquém da importância que se lhe deve
conceder”.80
Portanto, não se tem uma definição clara e absoluta de quantas e quais são as
gerações, as dimensões ou as famílias dos direitos fundamentais, o que vemos são direitos
com viés histórico e cultural tendo seu rol aumentando a cada momento de forma com que,
com a própria sociedade evolui, descobre novas tecnologias, novos conhecimentos, também
surgem deste processo novos direitos considerados essenciais a pessoa humana.
2.2 Fundamento Jurídico-Filosófico dos Direitos Fundamentais
Cabido a esta altura do trabalho e pelo breve histórico já traçado, expor quais os
fundamentos dos direitos fundamentais, isto é, quais os princípios jurídicos basilares que
justificam de forma lógica a existência dos direitos fundamentais.
79
BONAVIDES, Paulo. O direito à paz como direito fundamental da quinta geração. Revista do Superior Tribunal de Justiça. Interesse Público. Volume 8, nº. 40, de nov./dez. de 2006. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/30762>. Acesso em: 12 nov. 2012. 80
BONAVIDES, Paulo. op. cit., 2011. p. 581.
36
Podemos, de início, apontar dois princípios basilares que servem de arrimo
lógico à ideia de direitos fundamentais, quais sejam, a Dignidade da Pessoa Humana e o
Estado de Democrático de Direito. Passamos a expor.
2.2.1 Dignidade da Pessoa Humana
A nossa Constituição reconhece a existência e a eminência da Dignidade da
Pessoa Humana e a trata como princípio aberto, transformando-a em valor supremo da
ordem jurídica quando a declara como um dos fundamentos da República Federativa do
Brasil, constituída em Estado Democrático de Direito.
Necessário se faz ressaltar que a dignidade humana não se trata de um princípio
constitucional fundamental. Assim é o entendimento do Professor José Afonso da Silva que,
a partir da promulgação da Carta de 1988, a doutrina passou a tentar encaixar tudo nesse
conceito, sem atentar para o fato de que ele é um conceito que se refere apenas à
estruturação do ordenamento jurídico.
Portanto, a dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional, pois ela é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana. A Constituição, reconhecendo a sua existência e a sua eminência, transformou-a num valor supremo da ordem jurídica, quando a declara como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito.
81
A dignidade humana trata-se de um princípio aberto, em uma ligeira síntese,
podemos dizer que diz respeito a todos os seres humanos tão-somente pelo simples fato de
serem humanos. Embora se tenha algumas críticas a respeito, a doutrina majoritária
concorda que os direitos fundamentais advêm da dignidade humana.
Corroboram neste entendimento a doutrina brasileira mais abalizada nas
palavras de Ingo Wolfgang Sarlet,82 Paulo Gustavo Gonet Branco,83 Paulo Bonavides84 e
Dirley da Cunha Júnior.85
Indene de dúvida é a posição de destaque do supraprincípio da dignidade da
pessoa humana na concretude dos direitos fundamentais cabendo o destaque do professor
81
SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia. In: Revista de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 212, abr/jun. 1998. p. 91. 82
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. 83
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. 84
BONAVIDES, Paulo. Op. cit., 2003. 85
CUNHA JÚNIOR. Dirley da. Op. cit., 2010.
37
George Marmelstein quando afirma que “O julgamento [do Tribunal de Nuremberg]
representou a vitória da dignidade da pessoa humana enquanto valor suprapositivo.”86
Assim, a dignidade da pessoal humana seria um superprincípio a derramar-se
sobre todo o ordenamento jurídico, portanto, um tronco comum do qual partiria todos os
direitos fundamentais.
2.2.2 Estado Democrático de Direito
O artigo 1º, caput da Constituição Federal prevê que “A República Federativa do
Brasil [...] constitui-se em Estado Democrático de Direito [...]” pode ser explicado, em poucas
palavras, como o Estado em que os poderes dos governantes são limitados, com
antagonismo ao chamado Estado Absoluto (em que o poder do soberano era e absoluto e
ilimitado).
Nessa esteira, o Professor José Afonso da Silva87 observa que o conceito
clássico de Estado de Direito abarca três aspectos.
Primeiro temos a sujeição dos governantes e dos cidadãos ao império da lei, em
seguida temos separação de poderes e por fim a garantia dos direitos fundamentais.
É notório que atualmente fala-se com maior frequência a expressão “submissão
à constituição”, em detrimento da “submissão à lei”, com isso se ganha relevância o conceito
de Estado Constitucional de Direito.
Podemos até acrescentar o termo democrático, não sendo de todo modo
descabido, como vemos na lição do ministro Cezar Peluso:
Ao contrário, a experiência político-institucional brasileira dos últimos 23 anos confirma os nexos evidentes entre Constituição, direitos fundamentais e democracia. Sem Constituição, não há o reconhecimento de direitos fundamentais. Sem direitos fundamentais reconhecidos, protegidos e vivenciados, não há democracia. Sem democracia, não existem condições mínimas para solução pacífica de conflitos, nem espaço para a convivência ética.
88 (grifei)
Dessa forma, um Estado, para ser considerado Democrático de Direito, é
imprescindível, a priori, que todo poder emane do povo, bem como, a proteção e garantia
86
MARMELSTEIN, George. Op. cit., 2009. p. 10. 87
SILVA, José Afonso da. Op. cit., 2006. p. 113. 88
PELUSO, Cezar. Constituição, direitos fundamentais e democracia: O papel das supremas cortes. Disponível
em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/EUA_CP.pdf>. Acesso em 12 nov. 2012.
38
dos direitos fundamentais seja uma questão primordial, como meio de proteção e respeito
aos cidadãos.
2.3 Direitos fundamentais em Sentido Formal e em Sentido Material
Julgamos essencial destacar ligeira análise de determinados elementos do
conceito de Direito Fundamental. Trata-se da classificação em sentido formal e material.
Por ora este destaque tem por mira apresentar duas características criadas pela
doutrina que nos auxiliará na interpretação do art. 5º, § 2º da Constituição de 1988, que
dispõe sobre a abertura do catálogo a direitos não positivados expressamente no seu texto,
que será abordado no tópico seguinte.
Aponta Jorge Miranda que os direitos fundamentais em sentido formal seriam
aquelas posições jurídicas subjetivas das pessoas enquanto consagradas na Constituição.89
Assim, temos que a formalidade advém do simples fato de alguns direitos terem
sidos alçados pelo poder constituinte originário ao patamar de direito fundamental e terem,
por conseguinte, sidos consubstanciados na lei maior, passando esses direitos a assumir
status jurídico diferenciado aos demais, valendo-se de um regime jurídico próprio.
Esta primeira categoria está relacionada ao direito constitucional positivo e
ocupa lugar de escol no ordenamento jurídico. São normas constitucionais submetidas aos
limites formais e materiais do poder constituinte reformador cristalizado no art. 60 da
Constituição, que impõe tramite diferenciado (dificultado) de reforma desses direitos. Os
direitos fundamentais formalmente considerados estão sujeitos ainda aos limites materiais
de reforma do art. 60, §4º, CF/88 que são as cláusulas pétreas, instrumento mor de proteção
face à possibilidade de extinção ou mesmo alterações que diminuam a eficácia do seu
conteúdo pelo poder reformador.
Jane Reis Pereira sintetiza ainda as duas categorias de direito fundamental, no
sentido formal e material, nas seguintes palavras:
Do ponto de vista formal, direitos fundamentais são aqueles que a ordem
constitucional qualifica expressamente como tais. Já do ponto de vista
material, são direitos fundamentais aqueles direitos que ostentam maior
importância, ou seja, os direitos que devem ser reconhecidos por qualquer
Constituição legítima. Em outros termos, a fundamentalidade em sentido
material está ligada à essencialidade do direito para implementação da
89
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV, 2ª ed. Coimbra: Coimbra, 1998. p. 9.
39
dignidade humana. Essa noção é relevante pois, no plano constitucional,
presta-se como critério para identificar direitos fundamentais fora do
catálogo.90
Corroborando com Jane Pereira, colhemos na doutrina de Sarlet que um direito
é considerado formalmente fundamental quando recebe certa qualificação por ordem
expressa do legislador-constituinte, por sua vez, o caráter de direito materialmente
fundamental depende, de tal garantia ser essencial o bastante para assim ser
substancialmente considerada e reconhecida como fundamental.
A distinção entre direitos fundamentais no sentido formal e material não tem sido objeto de muitos estudos e grandes divergências doutrinárias, ao menos no âmbito da literatura luso-brasileira. De modo geral, os direitos fundamentais em sentido formal podem na esteira de K. Hesse, ser definidos como aquelas posições jurídicas da pessoa – na sua dimensão individual, coletiva ou social – que, por decisão expressa do Legislador-Constituinte foram consagradas no catálogo dos direitos fundamentais [...]. Direitos fundamentais em sentido material são aqueles que, apesar de se encontrarem fora do catálogo por seu conteúdo e por sua importância podem ser equiparados aos direitos formalmente (e materialmente) fundamentais.
91
Portanto, Sarlet bebendo da fonte de Konrad Hesse, define direitos
fundamentais como posições jurídicas que, de fato, podem ser consideradas seja nos
aspectos formal e material ou somente no aspecto material, parte integrante da
Constituição, em função do valor relevante e essencial a elas inerente, reconhecido ou não
pelo legislador-constituinte.
Do exposto concluímos que, prima facie para constatar os direitos fundamentais
em sentido formal, basta lançar mão da leitura do texto constitucional. Quanto ao sentido
material, devemos subir até a doutrina do Professor Sarlet para elucidar melhor os direitos
fundamentais em sentido material, pois a conceituação meramente formal, no sentido de
serem direitos fundamentais aqueles que como tais foram reconhecidos na Constituição,
revela sua insuficiência [...],92 por isso, é preciso fixar, ao menos de forma discreta, qual
critério qualifica um direito, não expressamente constante no catálogo da Carta Magna, em
fundamental.
Assim temos que, a fundamentalidade material é exigida dos direitos que não
integram o catálogo expresso. Para eles, é essencial a verificação em caso concreto da
90
PEREIRA. Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais: uma contribuição ao
estudo das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios. Rio de Janeiro: Renovar,
2006. p. 77. 91
SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., 2006. p. 94-95. 92
SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., 2007. p. 89.
40
Dignidade da Pessoa Humana, que é fonte do conteúdo comum dos direitos fundamentais
e critério legitimador do reconhecimento de tais direitos.
Confiramos nos dizeres de Gilmar Mendes que a Dignidade Humana é o fio
condutor dos direitos fundamentais.
Não obstante a inevitável subjetividade envolvida nas tentativas de discenir a nota de fundamentalidade em um direito, e embora haja direitos formalmente incluídos na classe dos direitos fundamentais que não apresentam ligação direta e imediata com o princípio da dignidade da pessoa humana, é esse princípio que inspira os típicos direitos fundamentais, atendendo à exigência do respeito à vida, à liberdade, à integridade física e íntima de cada ser humano, ao postulado da igualdade em dignidade de todos os homens e à segurança. É o princípio da dignidade humana que demanda fórmulas de limitação do poder, prevenindo o arbítrio e a injustiça. Nessa medida, há de se convir em que “os direitos fundamentais, ao menos de forma geral, podem ser considerados concretizações das exigências do princípio da dignidade da pessoa humana.
93
Desta feita, o direito ao acesso à Internet, emerge como um direito
materialmente fundamental, sobretudo em razão de sua substância e relevância, que é
crescente no contexto da sociedade em rede.
2.4 Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais
A missão precípua dos direitos fundamentais é a limitação do poder estatal em
face dos indivíduos, assim, tais direitos essenciais representam uma forma de prevenir a
atuação repressora do Estado, tendo como fito a proteção da sociedade contra os abusos
do poder político, sendo vistos como um instituto específico das relações mantidas entre o
indivíduo e o Estado, a fim de salvaguardar a liberdade individual e social.
Assim temos que, a essência prima dos direitos fundamentais gira em torno
deste paradigma, da função defensiva contra atos do poder público.
Entretanto, com o caminhar do estado liberal para o democrático de direito, a
sociedade passa a ter uma participação cada vez mais ativa no exercício do poder, antes
limitado apenas na figura do Estado. Nessa esteira, passa a liberdade individual a ser
ameaçada não só pela atuação estatal, mas também pelos entes privados detentores de
uma parcela cada vez maior deste poder.
93
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit., 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 237.
41
Não difícil colher fatos que demonstram a clara violação dos direitos humanos
praticados por particulares, assim o faz Jane Reis Gonçalves quando cita:
É possível cogitar de uma série de hipóteses envolvendo potenciais lesões a direitos fundamentais na esfera privada, cabendo questionar: i) "se ou até que ponto as liberdades (religiosas, de residência, de associação, por exemplo) ou bens pessoais (integridade física e moral, intimidade, imagem) podem ser limitadas por contrato, com acordo ou consentimento do titular", ii) se uma empresa pode celebrar contratos de trabalho com cláusulas pelas quais os trabalhadores renunciem a exercer atividade partidária ou a sindicalizar-se; iii) se um partido político pode impedir que participem das convenções destinadas a escolher seus candidatos nas eleições, indivíduos da raça negra; iv) se é legítimo que um clube social recuse o ingresso de novo sócio sem declinar a motivação, ou proíba o acesso de pessoas de determinada raça ou sexo; [...].
94
Com o findar da 2ª guerra mundial, a visão tradicional da aplicabilidade dos
direitos fundamentais começou a ser posta em xeque, passando, desta forma, a ser
ventilada a possibilidade da incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas.
Citemos os Estados Unidos da América e a Alemanha como nascedouro da
chamada “Eficácia Horizontal dos direitos fundamentais” ou “Drittwirkung” expressão
utilizada pela doutrina alemã.
A doutrina norte americana do "State Action Doctrine", eivada de forte
sentimento liberal, negava a eficácia dos direitos fundamentais nas relações particulares,
muito embora a Suprema Corte norte-americana, em alguns casos pontuais, a partir da
década de 1940, passou a amenizar a teoria da "State Action" adotando a chamada "Public
Function Theory", segundo a qual quando particulares agirem no exercício de atividades de
natureza tipicamente estatal,95 estarão sujeitos às limitações impostas pelos direitos
fundamentais.96
Porém, as doutrinas americanas da "State Action" e da "Public Function Theory"
não respondiam plenamente aos anseios de proteção da sociedade moderna, em que a
opressão já não mais advém unicamente da figura estatal, mas também de outros atores
94
PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a Aplicação das Normas de Direito Fundamental nas Relações Jurídicas entre Particulares. In: BARROSO, Luis Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 138-140. 95
Cf. caso Marsh vs. Alabama, em que se discutia se uma empresa privada de mineração que possuía terras, várias ruas, comércios e residências, podia ou não proibir Testemunhas de Jeová de pregarem no interior de sua propriedade. A Suprema Corte declarou invalida tal proibição, pois ao se aplicar a Public Function Theory, a empresa mantinha uma "cidade privada", desta forma, estava exercendo função tipicamente estatal, assim prevalece o direito fundamental constitucional à liberdade de culto. (Destaquei). Conferir decisão do
caso MARSH vs. STATE OF ALABAMA em original disponível em: <http://laws.findlaw.com/us/326/501.html>. Acesso em: 12 nov. 2012. 96
SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil. In: BARROSO, Luis Roberto (org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 201.
42
oriundos da própria sociedade, normalmente detentores de poder (seja econômico ou
político), como as instituições privadas financeiras, empresariais, recreativas, associativas
dentre outras.
Deste modo, surgiu na Alemanha nos meados da década de 1950, com Günter
Dürig, a tese da eficácia horizontal mediata ou indireta dos direitos fundamentais (Mittelbare
Drittwirkung), que se tornou a concepção dominante no Direito Alemão, inclusive adotada
pela Corte Constitucional daquele país.
Para os adeptos da Teoria da Eficácia Indireta, cabe precipuamente, ao
legislador ordinário, a incumbência de fazer a ponte de ligação entre a aplicação dos direitos
fundamentais e as relações entre particulares, estabelecendo um fio condutor de
consonância com os valores constitucionais.
Assim, seria ônus do legislador proteger os direitos fundamentais nas relações
privadas compatibilizando-os com o principio da autonomia da vontade. Desta forma, dentre
as várias soluções possíveis no conflito entre direitos fundamentais e autonomia privada,
incube a lei a tarefa de determinar o grau de cessão recíproca entre os direitos em colisão.
Emblemático e necessário citar o famoso caso Lüth,97 que diz respeito a
tentativa de boicote a um filme dirigido por um cineasta de vertente nazista (Veit Harlan)
pelo Clube de Imprensa de Hamburgo, presidido por Eric Lüth. A Corte Constitucional alemã
em sua decisão que decretou a ilegalidade do ato do presidente do clube de imprensa,
confirmando e irradiou a Teoria da Eficácia direta dos direitos fundamentais (Unmittelbare
Drittwirkung) do Direito alemão para o universo do direito ocidental.
Neste caso, a Corte Federal Constitucional alemã, em 1958, reconheceu que os
direitos fundamentais não possuem apenas a função de constituírem direitos subjetivos de
defesa do indivíduo contra atos do poder público, mas, também, compõem-se em decisões
valorativas de natureza objetiva da Constituição, produzindo eficácia em relação a todo o
ordenamento jurídico,98 fornecendo diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários e
executivos.99
97
ALEMANHA. BVerfGE 7, 198 (1958). Disponível em:<www.bundesverfassungsgericht.de>. Acesso em: 12 nov. 2012. 98
Temos na jurisprudência pátria vários julgados emblemáticos do STF que confirmam a adoção desta teoria no ordenamento jurídico brasileiro, as quais trago à colação: Recurso Extraordinário nº 158215/RS.
COOPERATIVA – EXCLUSÃO DE ASSOCIADO – CARÁTER PUNITIVO – DEVIDO PROCESSO LEGAL. NA HIPÓTESE DE EXCLUSÃO DE ASSOCIADO DECORRENTE DE CONDUTA CONTRÁRIA AOS ESTATUTOS, IMPÕE-SE A OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, VIABILIZANDO O EXERCÍCIO AMPLO DA DEFESA. SIMPLES DESAFIO DO ASSOCIADO À ASSEMBLÉIA GERAL, NO QUE TOCA À EXCLUSÃO, NÃO
43
Do ponto de vista pragmático, esta tese (da eficácia direta e imediata dos direitos
fundamentais no âmbito privado) parece ser a que melhor se adéqua aos anseios da
sociedade moderna, conferindo, primeiramente, aos direitos fundamentais, ampla dimensão,
abarcando não só as relações Estado-particulares, mas também as relações privadas, e em
um segundo momento, ao poder Judiciário, marcado pela imparcialidade, a função de zelar
pela observância dos direitos fundamentais nestas espécies de relações.
Portanto, verificamos que, a Teoria da Eficácia Imediata confere maior relevância
ao princípio da máxima efetividade dos diretos fundamentais, característica que se torna
dominante hodiernamente no ordenamento jurídico pátrio, enquanto que a Teoria da
Eficácia Mediata sustenta a maior relevância da autonomia individual e da segurança
jurídica. Muito embora ambas, se baseiam em princípios acolhidos pelo texto constitucional,
porém, às dão tratamento distintos.
É DE MOLDE A ATRAIR A ADOÇÃO DO PROCESSO SUMÁRIO. OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA DO PRÓPRIO ESTATUTO DA COOPERATIVA. JULGADO EM 30.04.1996. DJ DE 07.06.1996. PP. 19830; Recurso Extraordinário nº 201819/RJ. “SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE
COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS.” RECURSO DESPROVIDO. Julgado em 11.10.2005. DJ de 27.10.2006; Recurso Extraordinário nº 161243/DF.
CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. TRABALHADOR BRASILEIRO EMPREGADO DE EMPRESA ESTRANGEIRA: ESTATUTOS DO PESSOAL DESTA: APLICABILIDADE AO TRABALHADOR ESTRANGEIRO E AO TRABALHADOR BRASILEIRO. C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput. Julgado em 29.10.1996. DJ de 19.12.1997; Recurso de Revista nº 462888/1998-0. DISPENSA
DISCRIMINATÓRIA POR IDADE. NULIDADE. ABUSO DE DIREITO. REINTEGRAÇÃO. Julgado em 10.09.2003. DJ de 26.09.2003. 99
SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., 2007. p.168.
44
3 ACESSO À INTERNET COMO COROLÁRIO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
O acadêmico de Direito deve sempre estar atento ao passado, conhecer o
presente e pronto a avistar o futuro, precisa, mais do que nunca, ser fiel intérprete
multidisciplinar do seu tempo. Temos que, as circunstâncias concretas do tempo atual
justificam a sustentação do surgimento de mais direitos fundamentais (seria também uma
nova dimensão?), qual seja, o acesso à Internet como Direito Fundamental.
Portanto, neste capítulo traçaremos um histórico de criação da Internet, ato
contínuo, abordaremos os elementos jurídicos da cláusula de abertura ou fattispecie aberta
e de elementos fáticos que abonam que o acesso à rede mundial de computadores
(Internet) passa a ser considerada como direito fundamental.
3.1 A rede mundial de computadores (Internet): definição e origem
Aparentemente definir a Internet pode parecer comezinho, pois é possível defini-
la, muito embora superficialmente, em sem número de maneiras distintas, dando este ou
aquele viés para cada resposta, todavia, se aprofundamos um pouco veremos que “a
internet não é de modo algum uma rede, mas sim um vasto conjunto de redes diferentes
que utilizam certos protocolos comuns e fornecem determinados serviços comuns.”100
Portanto, a Internet é uma gigantesca rede de comunicação de alcance mundial
que interliga qualquer dispositivo (qualquer capacidades de processamento e
armazenamento tais como desktop, notebook, PDA, smartphone, tablet, iphone, ipad, etc.)
através de linhas de comunicação (telefone, canais de satélite, cabo submarino, etc.)
utilizando um conjunto de regras específicas e protocolos comuns.
A rede mundial de computadores, como a concebemos hoje, tem sua gênese na
década de 60 nos Estados Unidos da América, ou seja, no auge da Guerra Fria. O
departamento de defesa deste país tinha o fito de desenvolver uma rede de intercâmbio de
informações descentralizada e flexível, que permanecesse em operação mesmo após um
ataque, pois a época havia o temor de ataque nuclear pela arquirrival União Soviética. Esta
rede interligaria a inteligência militar e também seria usado por grupos de pesquisadores
das universidades.101 Assim surgiu a Defence Advance Research Projects Agency Network
100
TANENBAUM, Andrew S. Redes de computadores. Tradução Vandenberg D. de Souza. 4ª ed. 17ª reimpressão. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003. p. 53. 101
TAKAHASHI, Tadao (Org.). Sociedade da Informação no Brasil: Livro verde. Brasília. Ministério da Ciência e Tecnologia, 2000. p. 133.
45
(criado originalmente como DARPANET e, em seguida, passou a ser denominado de
ARPANET).
Alguns anos adiante foi desenvolvido um conjunto de protocolos chamado
TCP/IP, que pela sua eficiência é usado até hoje servindo de base para o funcionamento da
atual internet. Portanto, um conjunto de protocolos não é uma linguagem, porém podemos
enxergá-los como um modelo de camadas, onde cada camada é responsável por um grupo
de tarefas, fornecendo um conjunto de serviços bem definidos para o protocolo da camada
superior.102
Antes restrita ao uso militar e acadêmico, a Internet passou a ser usada pela
iniciativa privada quando se apresentou sob um formato mais amigável, que usava uma
interface gráfica de mais simples visualização e interação, a World Wide Web (www). Fator
determinante foi o surgimento de provedores de acesso, empresas especializadas que
possibilitam a conexão de particulares à rede.
A partir da década de 1990 muitas empresas de serviços da Internet montaram
suas próprias redes e começaram a operar em bases comerciais. Foi quando a Internet
cresceu rapidamente como uma rede global “de redes de computadores”. A esta altura, o
projeto original da ARPANET já se encontrava obsoleta, porém, seu alicerce se faz sentir
ainda hoje, pois supriu a Internet com uma arquitetura em múltiplas camadas,
descentralizada, e protocolos de comunicação abertos. Nessas condições a Internet pode se
expandir pela adição de novos nós e a reconfiguração infinita da rede para acomodar
necessidades de comunicação.
No Brasil, em 1987 ocorreram as primeiras reuniões entre alguns órgãos
públicos (Universidade de São Paulo, EMBRATEL e Governo Federal) cujo objetivo era criar
uma rede que visava interligar a comunidade acadêmica e científica do Brasil com outros
países com a finalidade de trocar informações.103
Houve diversas experiências exitosas da ainda incipiente iniciativa brasileira
entre 1987 e 1995, sendo que este último ano foi marcado pela liberação da operação
comercial da internet no Brasil, muito embora, limitada a pequenas áreas nos grandes
102
TCP/IP. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2012. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/TCP/IP>. Acesso em: 12 nov. 2012. 103
HISTÓRIA DA INTERNET NO BRASIL. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2012. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/História_da_Internet_no_Brasil>. Acesso em: 12 nov. 2012.
46
centros urbanos. Portanto, apenas nos meados da década de 1990 a Internet no Brasil [...]
deixou de ser estritamente acadêmico e passou a abranger toda a sociedade.104
Conta o coordenador do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) Demi
Getschko, que a explosão da „Internet comercial‟ no Brasil ocorreu simultaneamente com o
fenômeno mundial, a partir de 1995,105 principalmente em decorrência da facilidade
oferecida pela WWW (World Wide Web), pois o internauta deixava de ser um técnico
especializado em computação e passava a ser todo e qualquer cidadão interessado em
informar-se, vasculhar a rede, ou trazer conteúdo próprio, contribuindo para sua
expansão.106
No campo normativo, a lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006, que trata do
processo judicial eletrônico, define a Internet como uma "forma de comunicação a distância
com a utilização de redes de comunicação" (artigo 1º, §2º, inc. II).107 In fine deste mesmo
dispositivo legal, o mandamento de que os atos processuais devem utilizar
“preferencialmente a rede mundial de computadores” (Internet) deixa em aberto a
possibilidade de (talvez um futuro distante) ser utilizado outra infraestrutura capaz de se
transmitir peças processuais ou de se consultar andamentos de processos como a lei prevê.
Assim, notório o cuidado do legislador com a dinamicidade da evolução das tecnologias da
informação, abrangendo não só o momento atual, mas também o porvir.
Portanto, apesar de ainda ser considerado por alguns como uma simples
tecnologia de comunicação (é muito mais que isso, sendo que rebateremos esta tese em
tópico seguinte), consideramos que com o advento Internet, criamos novos direitos
fundamentais (ela própria) e também passamos a incutir contornos diferentes aos já
existentes, como o acesso a informação, a liberdade de expressão, a intimidade e
privacidade, os direitos autorais, o direito de acesso ao conhecimento dentre outros.
104
HITÓRIA DA INTERNET NO BRASIL. Disponível em: <http://homepages.dcc.ufmg.br/~mlbc/cursos/internet/ historia/Brasil.html>. Acesso em: 12 nov. 2012 105
GETSCHKO, Demi. Internet, Mudança ou Transformação? In: CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil). Pesquisa sobre o uso das tecnologias da informação e da comunicação 2008. São Paulo, 2009. pp. 49-52. 106
GETSCHKO, Demi. Ibidem. 107
BRASIL. Lei nº 11.419 de 19 de Dezembro de 2006. Dispõe sobre a informatização do processo judicial; altera a Lei n
o 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil; e dá outras providências. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11419.htm>. Acesso em: 12 nov. 2012
47
3.2 A Abertura Constitucional do Art. 5º, § 2º, CF/88 a Novos Direitos Fundamentais
O foco principal deste tópico será analisar e compreender as características dos
direitos fundamentais não tipificados no catálogo constitucional (Título II – Capítulo I – Dos
Direitos e Garantias Fundamentais), abrindo caminho para fundamentação do tema
proposto nesta monografia.
O legislador-constituinte busca assimilar valores perenes e básicos da sociedade
em determinado recorte temporal, a que Konrad Hesse chama de “Geistige Situation”, ou
seja, o estado espiritual de seu tempo.108 Porém, a cada momento surgem novos anseios e
reivindicações, com isso o legislador originário pode não captar determinados valores pelo
simples fato deles somente terem surgidos a porteriori. Esta foi a opção adotada pela nossa
Constituição, em não prestigiar apenas os valores postos a época da assembleia
constituinte, mas também alguns outros que seguramente viriam a aflorar.
As palavras de Konrad Hesse109 são que a força normativa da Constituição
reside na positivação de uns poucos princípios básicos de conteúdo específico, assim, deve
limitar-se, sempre que possível, estabelecer princípios fundamentais pontuais. Porém,
ressalta que a constituição deve municiar os poderes constituídos de meios para adicionar
ao núcleo original outros princípios que venham a surgir a cada passada histórica da
sociedade.
Doutro modo, com o passar do tempo haveria o engessamento e a perda da
eficácia de institutos que foram criados para proteger e servir ao cidadão, havendo assim,
um distanciamento da regra normativa da realidade vivida pela sociedade, ou então, haveria
uma constante revisão constitucional com a inevitável desvalorização da força normativa da
constituição.
Colhemos no ordenamento jurídico norte-americano mais uma contribuição
significativa para o direito constitucional (além do sistema de governo presidencial,
federalismo como forma de governo, o controle difuso de constitucionalidade, mecanismo de
freios e contrapesos e uma Suprema Corte que protege a Constituição, sendo sua
composição uma expressão do sistema controle entre os poderes separados)110 trata-se da
108
HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1991. p. 20-21. 109
HESSE, Konrad. Ibidem. p. 21. 110
Cf. texto de José Luiz Quadros de Magalhães “O constitucionalismo norte-americano e sua contribuição para
a compreensão contemporânea da Constituição” disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5769/o-constitucionalismo-norte-americano-e-sua-contribuicao-para-a-compreensao-contemporanea-da-constituicao#ixzz29IbnnfFE>. Acesso em: 12 nov. 2012.
48
IX emenda à Constituição Federal111 daquele país, por sinal, um dos raros aditamentos ao
seu texto base.
A influência desta emenda se fez sentir em diversas constituições trazendo, por
conseguinte, o entendimento de que os direitos fundamentais não são restritos a um rol
meramente exemplificativo constante em uma constituição formal, além disso,
consubstancia-se como um conceito que se destaca pela essencialidade. Portanto, já há
muito a lei maior norte-americana reconhece direitos fundamentais que não estão inserto no
texto normativo constitucional.
Assim, consideramos a existência de normas de direitos fundamentais não
positivadas em nosso sistema jurídico constitucional, embora exista um catálogo extenso a
exemplo dos artigos 5º, 6º e 7º, dentre outros dispersos no texto maior, o legislador
constituinte original dotou a constituição de regras que abrem margem para
reconhecimentos de novos direitos.
Referido fundamento advém do artigo 5º, § 2º da Constituição Federal de
1988,112 a chamada cláusula de abertura material dos direitos fundamentais, que se mostra
de interpretação ampla, com diversas possibilidades de tratamento, pois, não é porque um
direito fundamental não está expressamente previsto que não deva ser reconhecido como
tal.
A leitura do texto constitucional nós trás o entendimento de que o parágrafo
supramencionado positiva a própria abertura material dos direitos considerados
fundamentais, que podem estar expressos ou não no texto constitucional.
Atualmente parte da doutrina alberga, por exemplo, que o duplo grau de
jurisdição seja direito fundamental implícito.113 No julgamento da ADI 939/DF, o Supremo
Tribunal Federal reconheceu o princípio da anterioridade [como] [...] garantia individual do
111
IX Emenda - A enumeração de certos direitos na Constituição não poderá ser interpretada como negando ou coibindo outros direitos inerentes ao povo. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/docume ntos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/constituicao-dos-estados-unidos-da-america-1787.html>. Acesso em: 12 nov. 2012. 112
Art. 5º [...] § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 12 nov. 2012. 113
DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. vol. 3, 3ª ed. Salvador: Podvum, 2007. p. 20.
49
contribuinte (art. 5º, § 2º, art. 60, § 4º, inciso IV, e art. 150, III, b, da Constituição)114 mesmo
não constante expressamente115 no texto legal e do art. 227, § 6º, CF/88, que considera a
igualdade dos filhos havidos ou não da relação do casamento também é reconhecida como
direito fundamental, o que nos mostra que é possível considerar um direito como
fundamental, ainda que sob o ponto de vista meramente material, valendo-se da absoluta
ausência de incompatibilidade com a atual sistemática da Constituição.
Argumento sobre a fundamentalidade material do duplo grau de jurisdição, da
anterioridade tributária e da isonomia dos filhos, trás à reboque o cerne do presente
trabalho, qual seja, o acesso a Internet com direito fundamental, ainda que materialmente
considerado.
Esta análise, contudo, deve ser sob uma perspectiva ampliativa, sob pena de
não abarcarmos corretamente o sentido e o alcance conferido pela Constituição ao seu § 2º
do artigo 5º.
Acerca da cláusula de abertura material dos direitos fundamentais, pontuam
Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino:
[...] fica patente serem os direitos fundamentais uma categoria aberta, pois incessantemente completada por novos direitos; e mutável, pois os direitos que a constituem têm alcance e sentido distintos conforme a época que se leve em consideração. Com isso, a enumeração dos direitos fundamentais na Constituição da República de 1988 não é fechada, exaustiva, podendo ser estabelecidos outros direitos fundamentais no próprio texto constitucional ou em outras normas.
116
Portanto, julgamos que os direitos fundamentais estão em constante processo
de formação, conforme caminha a humanidade nas searas sociais, culturais e
tecnocientíficas.
114
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 939/DF. Tribunal Pleno. Relator Ministro: Sydney Sanches. Julgado em 15/12/1993. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador .jsp?docTP=AC&docID=266590>. Acesso em: 12 nov. 2012. 115
Cf. Recurso Especial 811.608/RS em que o ministro relator Luz Fux lança mão da lavra do voto condutor do desembargador federal Valdemar Capeletti do Tribunal Regional Federal 4ª Região, quando este faz referência à saúde como direito fundamental mesmo não estando explicito no rol dos direitos do art. 5º, CF, direta é a relação com o tema proposto neste trabalho, posto que, o acesso à Internet não é direito fundamental positivado, mas
que em decorrência das circunstâncias concretas do tempo atual justificam ser considerada como tal, vejamos excerto do REsp: “1. Mesmo que situado, como comando expresso, fora do catálogo do art. 5º da CF/88, o direito à saúde ostenta o rótulo de direito fundamental, seja pela disposição do art. 5º, § 2º, da CF/88, seja pelo seu conteúdo material, que o insere no sistema axiológico fundamental - valores básicos - de todo o ordenamento jurídico.” BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n 811.608/RS. Recorrente: Fundação Nacional do Índio – FUNAI. Recorrido: Ministério Público Federal. Ministro Relator Luiz Fux. 1ª Turma. Brasília: 15/05/2007. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/revista/abreDocumento.jsp?componente =ITA&sequencial=691490&num_registro=200600123528&data=20070604&formato=HTML>. Acesso em: 12 nov. 2012. 116
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 4ª. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 104.
50
Embora a época em que a Carta Magna fora escrita não se tinha incorporada a
vida cotidiana de forma tão arraigada como temos hoje as tecnologias da comunicação e
informação, vislumbramos que, em decorrência das mudanças sociais, culturais,
econômicas dentre outras trazidas pelo uso principalmente da Internet, estas mutações
sociais devem e podem influenciar o Direito a transformar-se à medida que vão modificando
os interesses e anseios da sociedade.
Apesar de haver inclinações no sentido de que os direitos fundamentais devem
ser aqueles positivados em uma ordem constitucional, a nossa Carta Maior não obsta outros
direitos advindos do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais
em que o Brasil seja signatário, assim, ante as constantes e rápidas mudanças das
tecnologias de informação e a cada vez maior dependência da sociedade moderna, não é
desmedido considerar o acesso à rede mundial de computadores como direito fundamental.
3.3 Jurisprudência e Doutrina internacional - Direito à informação e à Internet como
fundamentais
É tendência do mundo inteiro em aceitar o acesso à Internet como direito
fundamental,117 fato este de pronto constatado em recente relatório-recomendação
publicado em maio de 2011 pelo Conselho de Direitos Humanos, órgão das Nações Unidas
(ONU),118 nele a organização enfatiza a natureza única e transformadora da Internet, assim,
seu uso favorece o progresso da sociedade de modo geral e permite que os usuários
exerçam direito de opinião e expressão, confiramos no original:
The Special Rapporteur underscores the unique and transformative nature of the Internet not only to enable individuals to exercise their right to freedom of opinion and expression, but also a range of other human rights, and to promote the progress of society as a whole.
119/120
Lançado mão de uma leitura objetiva do relatório, saltam aos olhos a importância
dada a Internet:
117
CUNHA, Cícero Luiz Botelho da. A internet pode ser considerada um direito humano fundamental? São Paulo: 2009. Rádio CBN. 17 jul. 2009. Entrevista concedida a Heródoto Barbeiro. Disponível em: <http://cbn.globoradio.globo.com/programas/jornal-da-cbn/2009/07/17/A-INTERNET-PODE-SER-CONSIDERAD A-UM-DIREITO-HUMANO-FUNDAMENTAL.htm>. Acesso em: 12 nov. 2012. 118
A versão original em inglês na integra da carta da ONU encontra-se disponível no sítio da Comissão de Direitos Humanos em <http://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/docs/17session/A.HRC.17.27_en.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2012. 119
UNITED NATIONS. Human Rights Council. Seventeenth session in 16 may 2011. Promotion and protection of all human rights, civil, political, economic, social and cultural rights, including the right to development. Disponível em: <http://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/docs/17session/A.HRC.17.27_en.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2012. 120
O Relator Especial ressalta a natureza única e transformadora da internet não só para capacitar os indivíduos a exercerem o seu direito à liberdade de opinião e de expressão, mas também uma série de outros direitos humanos, e para promover o progresso da sociedade como um todo. Tradução Livre.
51
The Special Rapporteur believes that the Internet is one of the most powerful instruments of the 21st century for increasing transparency in the conduct of the powerful, access to information, and for facilitating active citizen participation in building democratic societies.
121/122
Segundo a ONU, impedir o acesso à rede mundial de computadores, ofende o
artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos123 e o artigo 19, parágrafo 2, do
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966.124 Em que pese o Art. 19,
parágrafo 3º do PIDCP considerar a hipótese de aqueles que tiverem transgredido algum
tipo de lei, envolvendo meios de comunicação, possam sofrer restrições específicas na
forma da lei. No entanto, tais sanções não são plenas, somente aplicando-as se as
transgressões colocarem em risco os direitos e reputações de outras pessoas ou a
segurança nacional.
Mesmo com esta ressalva, países como a França125 e o Reino Unido126 foram
criticados por aprovar leis que preveem aplicação de medidas restritivas e até impeditivas de
acesso à Internet como forma de punição por violação de direitos autorais na rede
(pirataria).
Com este posicionamento, a ONU se inclina no sentido de, ao sopesar a
violação de direitos autorais ou intelectuais e o direito de acesso à informação e à Internet,
estes últimos devem prevalecer, pois afinal, a grande rede é inquestionavelmente o maior
meio de informação que a humanidade concebeu e esse tipo de punição é incompatível com
os Direitos Humanos, além de causar um “efeito inibidor” na liberdade de expressão.
Com vinte e duas páginas, o relatório da ONU corrobora com a propensão em
voga em um número cada vez maior de países em adotar leis que tornam o acesso à
Internet um direito fundamental. Assim, confiramos excertos de julgados e interpretações
jurídicas de diversos países que estão na vanguarda em considerar o acesso à rede mundial
de computadores como Direito Fundamental.
121
UNITED NATIONS. Human Rights Council. Ibidem. 122
O Relator Especial acredita que a Internet é um dos instrumentos mais poderosos do século 21 para aumentar a transparência na condução do poderoso acesso à informação, e para facilitar a participação ativa dos cidadãos na construção de sociedades democráticas. Tradução livre. 123
Artigo 19 - Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras. Tradução livre. 124
Artigo 19, § 2º - Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em 0forma impressa ou artística, ou qualquer outro meio de sua escolha. Tradução livre. 125
Cf. Lei francesa “Loi favorisant la diffusion et la protection de la création sur internet), Conseil Constitutionnel, 10 June 2010”. Disponíveis em: <http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/root/bank_mm/ anglais/2009_580dc.pdf> versão em inglês ou em <http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/francais/les-decisions/2009/decisions-par-date/2009/2009-580-dc/decision-n-2009-580-dc-du-10-juin-2009.42666.html> versão em francês. Acessos em: 12 nov. 2012. 126
Cf. Lei britânica “Digital Economy Act 2010, sections 3-16”.
52
A Suprema Corte da Costa Rica reconheceu a relevância e, por conseguinte, a
fundamentalidade do acesso às tecnologias da informação e da comunicação. Segundo a
corte costa-riquenha a Internet é meio facilitador para o exercício de direitos fundamentais
assim com ela própria é um direito fundamental, confiramos excerto da decisão:
Sin temor a equívocos, puede afirmarse que estas tecnologías han impactado el modo en que el ser humano se comunica, facilitando la conexión entre personas e instituciones a nivel mundial y eliminando las barreras de espacio y tiempo. En este momento, el acceso a estas tecnologías se convierte en un instrumento básico para facilitar el ejercicio de derechos fundamentales como la participación democrática (democracia electrónica) y el control ciudadano, la educación, la libertad de expresión y pensamiento, el acceso a la información y los servicios públicos en línea, el derecho a relacionarse con los poderes públicos por medios electrónicos y la transparencia administrativa, entre otros. Incluso, se ha afirmado el carácter de derecho fundamental que reviste el acceso a estas tecnologías, concretamente, el derecho de acceso a la Internet o red de redes.
127
No velho continente, o parlamento helênico recentemente revisou sua
Constituição atribuindo novas interpretações a vários dispositivos, dentre os quais estão o
artigo 5ºA - I e II, que afirmam que todas as pessoas tem o direito de participar na sociedade
da informação e que o Estado tem a obrigação de facilitar a produção, o intercâmbio, a
difusão e o acesso à informação por via eletrônica (Internet). Confiramos no texto
disponibilizado em inglês no sítio do parlamento grego.
Article 5A I. All persons have the right to information, as specified by law. Restrictions to this right may be imposed by law only insofar as they are absolutely necessary and justified for reasons of national security, of combating crime or of protecting rights and interests of third parties. II. All persons have the right to participate in the Information Society. Facilitation of access to electronically transmitted information, as well as of the production, exchange and diffusion thereof, constitutes an obligation of the State, always in observance of the guarantees of articles 9, 9A and 19.
128/129
Colhemos matérias jornalísticas nas mídias digitais de países que caminham no
rumo de não só reconhecer, mas também de garantir o acesso à informação e a
127
COSTA RICA. Sala Constitucional de La Corte Suprema de Justicia. Recurso de amparo. Sentencia: 12790. Expediente: 09-013141-0007-CO. Redactor: Ernesto Jinesta Lobo. 30/07/2010. Disponível em: <http://www.poder-judicial.go.cr/>. Acesso em: 12 nov. 2012. 128
GRÉCIA. The Constitution of Greece. As revised by the parliamentary resolution of May 27th 2008 of the VIIIth Revisionary Parliament. Disponível em: <http://www.hellenicparliament.gr/UserFiles/f3c70a23-7696-49db-9148-f24dce6a27c8/001-156%20aggliko.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2012. 129
Art. 5º A, 1 - Todas as pessoas têm o direito à informação, como especificado por lei. Restrições a este
direito pode ser imposta por lei na medida em que eles são absolutamente necessária e justificada por razões de segurança nacional, de combater o crime ou de proteger os direitos e interesses de terceiros. 2- Todas as pessoas têm o direito de participar na sociedade da informação. Ter facilidato o acesso à informação por via electrônica, bem como da produção, intercâmbio e difusão do mesmo, constitui uma obrigação do Estado, sempre com observância das garantias de artigos 9, 9A e 19. (Tradução livre. Grifado.)
53
comunicação por meio da rede global de computadores. Citamos a Estônia,130 a
Finlândia,131 a França,132 e a Espanha.133
Portanto, a Internet é a nova fronteira na luta de um número cada vez maior de
Estados e da ONU pela defesa dos direitos fundamentais de liberdade de expressão e
comunicação, segundo é fixado no Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, que todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, que este
direito inclui o de não ser molestado por causa de suas opiniões, o de investigar e receber
informações e opiniões e o direito de difundi-las, sem limitação de fronteiras, por qualquer
meio de expressão. Assim, reafirmamos a universalidade, indivisibilidade e inter-relação de
todos os direitos humanos e liberdades fundamentais,134 notadamente o acesso à Internet, a
liberdade de expressão e de comunicação.
3.4 O acesso à Internet como Direito Fundamental
Neste tópico pretendemos demonstrar como e porque o acesso à Internet e as
redes relacionadas devem ser consideradas Direito Fundamental sob a égide da nova
tendência doutrinária internacional e de fatos sociais.
Antes de tudo, interessante fazermos uma pergunta: afinal de contas, o que
representa hoje a Internet na vida das pessoas?
Arriscamos a responder que ela [a Internet] é sobre tudo o surgimento de um
novo paradigma, uma nova forma de organização da sociedade que tem por objetivo buscar
o desenvolvimento a partir do processamento da informação e de comunicação de
130
A Estônia, pequeno país parlamentarista de pouco mais de 1,3 milhões de habitantes que ficou independente da antiga União Soviética em 1991, seus jovens de hoje enxergam a internet com uma manifestação de algo
mais do que um serviço, com um símbolo da democracia e da liberdade. Conferir estas duas matérias que retratam bem o momento social em que a população estoniana convive com as tecnologias da informação. LUNGESCU, Oana. Estonia leads internet revolution. BBC News. Estonia, 7 April 2004. <http://news.bbc.co.uk/2/hi/europe/3603943.stm>. e KINGSLEY, Patrick. How tiny estonia stepped out of USSR's shadow to become an internet titan. The european country where skype was born made a conscious decision to embrace the web after shaking off soviet shackles. The Guardian. Series: Battle for the internet. 15 April 2012. Disponível em: <http://www.guardian.co.uk/technology/2012/apr/15/estonia-ussr-shadow-internet-titan>. Acessos em: 17 dez. 2012. 131
AHMED, Saeed. Fast Internet access becomes a legal right in Finland. CNN. CNN Tech. 15 October 2009. Disponível em: <http://articles.cnn.com/2009-10-15/tech/finland.internet.rights_1_internet-access-fast-internet-megabit?_s=PM:TECH>. Acesso em: 12 nov. 2012. 132
BREMNER, Charles. Top French court rips heart out of Sarkozy internet law. The Times. The Times Technology. Paris, 11 June 2009. Disponível em: <http://www.thetimes.co.uk/tto/technology/article1859561.ece>. Acesso em: 12 nov. 2012. 133
MORRIS, Sarah. Spain govt to guarantee legal right to broadband. Reuters. Madrid, 17 november 2009. Disponível em: <http://www.reuters.com/article/2009/11/17/spain-telecoms-idUSLH61554320091117>. Acesso em: 12 nov. 2012. 134
SELAIMEN, Graciela; LIMA, Paulo Henrique (Org.). Cúpula mundial sobre a sociedade da informação: Um tema de tod@s. Rio de Janeiro: RITS, 2004. p. 43.
54
símbolos,135 além de representar uma mudança qualitativa radical no que se refere ao
acesso ao conhecimento, à cultura e à informação.
O professor Castells minucia com as seguintes palavras as transformações na
sociedade provocadas pela Internet:
A comunicação consciente (linguagem humana) é o que faz a especificidade biológica da espécie humana. Como nossa prática é baseada na comunicação, e a Internet transforma o modo como nos comunicamos, nossas vidas são profundamente afetadas por essa nova tecnologia da comunicação. Por outro lado, ao usá-la de muitas maneiras, nós transformamos a própria Internet. Um novo padrão sociotécnico emerge dessa interação.
136
Da sua rara cátedra de cientista social, o professor Castells afirma a
essencialidade da Internet na sociedade da informação a qual vivemos, no entanto, tal
afirmação para os cientistas do Direito, pode ser entendida como a imbricação dos direitos
fundamentais à comunicação e à informação com o do acesso à Internet. Cito-o.
A Internet é o tecido de nossas vidas. Se a tecnologia da informação é hoje o que a eletricidade foi na Era Industrial, em nossa época a Internet poderia ser equiparada tanto a uma rede elétrica quanto motor elétrico, em razão de sua capacidade de distribuir a força da informação por todo o domínio da atividade humana.
137
Verificamos que a disseminação da Internet está sendo um dos maiores e mais
importantes fenômenos sociais do mundo contemporâneo, quiçá de todos os tempos.
É, portanto, incontestável que vivemos em uma época onde a geração, a posse
e o controle da informação e do conhecimento são fundamentais para o pleno
desenvolvimento humano.138 Não temos que estranhar, pois, o novo capital passa a ser a
135
Manuel Castells faz boa explicação do modo de produção de riqueza, desde o modo agrário até o modo informacional hodierno, que tem como matéria-prima para produção de riqueza a geração e circulação de informação, confira. “Cada modo de desenvolvimento é definido pelo elemento fundamental à promoção da produtividade no processo produtivo. Assim, no modo agrário de desenvolvimento, a fonte de incremento de excedente resulta dos aumentos quantitativos da mão-de-obra e dos recursos naturais (em particular a terra) no processo produtivo, bem como da dotação natural desses recursos. No modo de desenvolvimento industrial, a principal fonte de produtividade reside na introdução de novas fontes de energia e na capacidade de descentralização do uso de energia ao longo dos processos produtivos e de circulação. No novo modo informacional de desenvolvimento, a fonte de produtividade acha-se na tecnologia de geração de conhecimento, de processamento da informação e de comunicação de símbolos”. (Grifei) CASTELLS,
Manuel. A sociedade em rede. 10ª ed. Tradução Roneide Venancio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 2007. p. 53. 136
CASTELLS, Manuel. A galáxia da Internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. p. 10. 137
CASTELLS, Manuel. Ibidem. p. 7. 138
O professor Yochai Benkler demonstra a essencialidade da informação para o desenvolvimento da sociedade, além de revelar as transformações pelas quais a economia e a sociedade necessariamente passam, em face do exercício da revolução causada pela Internet. Confiramos: “Informação, conhecimento e cultura são centrais para a liberdade e o desenvolvimento humanos. O modo pelo qual eles são produzidos e compartilhados em
nossa sociedade afeta criticamente nossa visão acerca do estado do mundo, como é e como poderia ser; quem decide essas questões; e como nós, quanto às sociedades e políticas, compreendemos o que pode e deve ser feito. Por mais de 150 anos, democracias modernas complexas dependerão em grande medida de uma
55
informação. As sociedades e/ou países que produzem informação/conhecimento estão em
condição de vantagem frente aos que não possuem, comumente quem detém informação
controla os que não têm. Este domínio se dá por diversos mecanismos, dentre os quais a
sujeição econômica e cultural.
Citamos como exemplo a Apple, a empresa mais valiosa do mundo, em todos os
tempos.139 Notório e impressionante é a força econômica e cultural desta empresa de
tecnologia da informação para criar necessidades e ditar comportamentos, contando com
uma legião de fiéis usuários ao derredor do mundo.
A empresa citada tem faturamento anual superior ao PIB de muitos países da
África, tamanha é a concentração de capital.140
No entanto, estamos no rumo certo? Afirma o professor polonês de direitos
humanos e internacional Janusz Simonides que
[...] os caminhos da informação só trazem resultados positivos quando são acessíveis. Atualmente, as diferenças e as desigualdades entre os países industrializados e os países em desenvolvimento estão se aprofundando. Já se pode notar um novo tipo de exclusão e pobreza: a exclusão da informação e a pobreza de informação.
141
economia industrial da informação para essas funções básicas. Na última década e meia, nós começamos a ver uma mudança radical na organização da produção de informação. Possibilitada pelo avanço tecnológico, estamos começando a enxergar uma série de adaptações econômicas, sociais e culturais que torna possível uma transformação radical no modo pelo qual nós construímos o ambiente informacional que ocupamos como indivíduos autônomos, cidadãos e membros de grupos culturais e sociais. Parece ultrapassado falar hoje na “revolução da internet”. Em alguns círculos acadêmicos, é possivelmente ingênuo. Entretanto, não deveria ser. A mudança ocasionada pelo ambiente informacional em rede é profunda. É estrutural. Ela alcança os fundamentos de como os mercados e as democracias liberais co-evoluíram por quase dois séculos.” Grifei. BENKLER, Yochai. The Wealth of Networks: How Social Production Transforms Markets and Freedom. New Haven and London: Yale University Press, 2006. p. 1. Tradução livre. 139
APPLE SE TORNA A EMPRESA MAIS VALIOSA DE TODOS OS TEMPOS. As ações da companhia americana foram negociadas a US$ 665, elevando a soma desses papeis para US$ 623 bilhões. Jornal Nacional. Rio de Janeiro. Edição 20 agosto 2012. Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2012/08/apple -se-torna-empresa-mais-valiosa-de-todos-os-tempos.html>. Acesso em: 12 nov. 2012. 140
“Larry Ellison, presidente da Oracle, gigante da tecnologia da informação, figura entre os dez mais com US$18 bilhões. Michael Dell, da Dell, fabricante de computadores, acumulou US$ 18 bilhões este ano. A fortuna de Jeff Bezos, dono da megaloja virtual Amazon.com, pulou de US$ 3 para US$ 5,1 bilhões. E David Filo, co-fundador do portal Yahoo!, triplicou seu capital: US$ 1,6 bilhão. No lado oposto desta concentração de capital está a realidade da distribuição dos recursos para o desenvolvimento da Sociedade da Informação. Atualmente, os países do norte, com 16% da população mundial, detêm cerca de 80% do rendimento mundial.” SELAIMEN, Graciela; LIMA, Paulo Henrique (Orgs.). Op. cit. p. 13. 141
SYMONIDES, Janusz (Org). Direitos Humanos: novas dimensões e desafios. Brasília: UNESCO Brasil, Secretaria Especial dos Direitos Humanos. 2003. pg. 52-53.
56
Minimizaríamos ou até reverteríamos o quadro acima apontado pelo professor
Janusz Simonides se consideramos a Internet não apenas como um modismo ou mais uma
forma de diversão e passa tempo, mas como um dos mais importantes fenômenos sociais
a qual pode e deve ser usada para
[...] construir uma sociedade da informação centrada no ser humano, inclusiva e orientada ao desenvolvimento, em que todos possam criar, consultar, utilizar e compartilhar a informação e o conhecimento para que as pessoas, as comunidades e os povos possam desenvolver seu pleno potencial na promoção de seu desenvolvimento sustentável e melhorar sua qualidade de vida, de acordo com os objetivos e princípios da Carta das Nações Unidas e respeitando e defendendo plenamente a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
142
Em que pese opiniões contrárias, com as de Vinton Cerf, criador do padrão
TCP/IP e apontado como um dos “pais da Internet”, que em artigo143 defende que a Internet
não deve ser considerada um direito fundamental. Para Cerf, o acesso às redes é apenas
um meio para que o cidadão alcance seus direitos, mas não um direito.
Data venia, discordamos da opinião do cientista da computação, pois o seu erro
está em qualificar esse “novo fenômeno social” que é a Internet como uma simples
tecnologia.
O respeitado professor Sílvio Meira, ao contrário de Vinton Cerf, eleva a Internet
da categoria de tecnologia para um patamar de fenômeno social transformador.
[...] a internet e a web são mais do que tecnologias, são prenúncio de um
ambiente global onde a terra [toda] e a humanidade [inteira] fazem muito
mais sentido e são mais sustentáveis do que cada um, isolado, preso na
sua vila de crenças.144
Portanto, consideramos errôneo o entendimento simplista do funcionamento da
Internet. Pois as redes criam um mundo virtual que é, essencialmente, um novo espaço
social, onde as informações circulam sem qualquer distinção econômica ou hierárquica,
configurando um meio de criação e disseminação de informação legitimamente democrática.
142
WORLD SUMMIT ON THE INFORMATION SOCIETY. Declaration of Principles. Building the Information Society: a global challenge in the new Millennium. 12 December 2003. Original: English. Tradução livre. Disponível em: <http://www.itu.int/wsis/docs/geneva/official/dop.html>. Acesso em: 12 nov. 2012. Tradução livre. 143
CERF, Vinton G. Internet Access Is Not a Human Right. The New York Times. The opinion pages. Reston,
Virginia. January 4, 2012. Disponível em: <http://www.nytimes.com/2012/01/05/opinion/internet-access-is-not-a-human-right.html?_r=1>. Acesso em 12 nov. 2012. 144
MEIRA, Silvio. Os governos, a ITU e o controle da Internet. Terra magazine. Dia a dia, bit a bit. Disponível em: <http://terramagazine.terra.com.br/silviomeira/blog/2012/02/24/os-governos-a-itu-e-o-controle-da-internet/>. Acesso em 12 nov. 2012.
57
Verificamos, mormente na última década, um salto triplo dado pelas tecnologias
da informação (TI´s) que têm tornado os computadores, de objetos coadjuvantes a
verdadeiras peças fundamentais à rotina das pessoas. Como mostra pesquisa145
coordenada pelo professor Fernando Meirelles da FGV-EAESP, existe 99 milhões de
computadores em uso no Brasil, isto é, 1 computador para cada 2 habitantes. O total em uso
dobrou em 4 anos. Em 2012 estima vendas de 17,9 milhões de unidades: uma por segundo.
Em até 6 anos teremos 1 computador por habitante.
Também vislumbramos uma ruptura de modelos de comportamento até então
sólidos, quando a Internet já tem mais audiência que a televisão entre os brasileiros
conectados. É o que revela um estudo que investigou como os nossos 80 milhões de
internautas navegam pela web.146 Estas modificações acontecidas em qualquer realidade
social criam necessidades e adaptações que culminam como nascimento, e agora também
o crescimento, dos direitos do homem [que] são estreitamente ligados à transformação da
sociedade, como a relação entre proliferação dos direitos do homem e o desenvolvimento
social [...].147
Notamos diversos pontos relevantes que credenciam a Internet como Direito
Fundamental, notadamente nos valores da cidadania e da dignidade da pessoa humana,
dispostos no art. 1º, II e III da Carta Magna.
Percebemos estreita vinculação da Internet com o exercício da cidadania, tendo
os direitos políticos, em destaque a Lei 12.527 (Lei de Acesso à Informação Pública) que
garante a qualquer cidadão ter acesso a documentos e informações que estejam sob a
guarda de órgãos públicos, em todos os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e
níveis de governo (União, Estados, Municípios e Distrito Federal). Os pedidos de informação
podem ser feitos diretamente nos órgãos, nos SIC´s (Serviço de Informações ao Cidadão),
ou na forma eletrônica, por meio da Internet no portal www.acessoainformacao.gov.br.
Segundo o ministro-chefe da Controladoria Geral da União, Jorge Hage, a lei de
acesso à informação pública é o primeiro passo de uma revolução na relação entre a
145
MEIRELES, Fernando S. 23ª Pesquisa Anual do Uso de TI 2012. Fundação Getúlio Vargas. Escola de Administração de Empresas de São Paulo. São Paulo. 2012. Disponível em: <http://eaesp.fgvsp.br/sites/eaesp.fgvsp.br/files/GVpesqTI2012PPT.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2012. 146
MARANHÃO, Émerson. Hábitos de um brasil conectado. A Internet já tem mais audiência que a televisão entre os brasileiros conectados. O Povo Online. Fortaleza, 20 maio de 2012. Disponível em: <http://www.opovo.com.br/app/opovo/tendencias/2012/05/19/noticiasjornaltendencias,2842391/habitos-de-um-brasil-conectado.shtml>. Acesso em: 12 nov. 2012. 147
BOBBIO, Norberto. Op. cit., 1992, p. 73.
58
sociedade e o setor público,148 afirma também que, trata-se de um instrumento fundamental
para a consolidação da democracia no País, pois a nova lei regulamenta princípio
constitucional segundo o qual o cidadão é o verdadeiro dono da informação pública,
enquanto a Administração Pública é apenas sua depositária.
Indubitável e notório é o uso da internet para a contribuição da publicidade, da
transparência e da cidadania em um regime de direito, pois “[...] são vitais para a
democracia, para o controle da corrupção e para assegurar a prestação de contas na esfera
pública.”149
Na mesma esteira dos direitos políticos, vemos que nas eleições municipais de
2012, os resultados nacionais foram conhecidos em poucas horas, tendo as
telecomunicações e a Internet desempenhado papel fundamental. Instigados ficamos em
apenas suscitar, pois foge ao escopo do presente trabalho além de, faltar-nos maior
arcabouço teórico e metodológico para o desenvolvimento, que é a utilização da Internet na
concretização da Teledemocracia (na vertente de o voto pela Internet,150/151 até mesmo para
o resgate do longínquo instituto da democracia direta, tendo em vista a crescente descrença
dos políticos e de suas casas legislativas)152 e da Teleadministração (atos administrativos
eletrônicos) bem como do Governo Eletrônico (e-Gov).153
148
CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO. Lei de Acesso à Informação entra em vigor hoje. Brasília. 16 maio 2012. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/Imprensa/Noticias/2012/noticia06612.asp>. Acesso em: 12 nov. 2012. 149
MENDEL, Toby. Liberdade de Informação: um estudo de direito comparado. 2ª ed. Brasília: UNESCO, 2009. p. 58. 150
Em 2007 o pequeno, mas moderno país báltico da Estónia tornou-se o primeiro país a usar a internet em votação nas eleições parlamentares. ESTONIA CLAIMS NEW E-VOTING FIRST. Estonia has become the first country to use internet voting in parliamentary elections. BBC News. Europe, 1 March 2007. Disponível em: <http://news.bbc.co.uk/2/hi/europe/6407269.stm>. acesso em: 17 dez. 2012. 151
Seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil instalou no dia 30 de novembro, uma comissão de estudos para implantação do voto por computador. ROVER. Tadeu. Sem filas. OAB-SP quer implantar voto por computador. Consultor Jurídico. São Paulo. 30 nov. 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-nov-30/oab-sp-implantar-voto-computador-proxima-eleicao>. Acesso em: 05 dez. 2012. 152
[O mensalão] foi "o mais atrevido e escandaloso esquema de corrupção e de desvio de dinheiro público flagrado no Brasil". Roberto Gurgel, Procurador-Geral da República em manifestação formal antes do início do
julgamento da ação penal 470. SELIGMAN, Felipe. Mensalão foi o maior caso de corrupção do país, diz Gurgel. Folha de São Paulo. São Paulo. 28 julho 2012. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/57086-mensalao-foi-o-maior-caso-de-corrupcao-do-pais-diz-gurgel.shtml>. Acesso em: 12 nov. 2012. 153
Sobre Teledemocracia e Teleadministração consultar a obra ¿Ciberciudadaní@ o ciudadaní@.com? do constitucionalista espanhol Antonio Enrique Pérez Luño e sobre Governo eletrônico (e-Gov) ver livro O Governo Eletrônico e suas múltiplas facetas de Aires José Rover e Fernando Galindo.
59
Vemos também que o Poder Judiciário utilizará cada vez mais a Internet,154
tendo em vista a lei 11.491/2006 que regula indistintamente o processo eletrônico nas três
esferas a civil, a penal e a trabalhista. Portanto, em muitos casos, para ter acesso à justiça,
far-se-á necessário no mínimo um meio de acesso à rede mundial de computadores.
Vislumbramos aqui o direito fundamental ao acesso à justiça e a prestação jurisdicional,
deveras lesados, senão inviabilizados, se aos brasileiros não forem
facilitados/disponibilizados recursos para conectarem-se à Internet.
A Internet também propicia, de forma direta ou indireta a depender do caso
concreto, a realização da dignidade da pessoa humana, quando facilita a realização de
condições básicas para a satisfação do direito a educação, ao acesso a cultura, ao lazer, a
informação, ao conhecimento, ou seja, quando ocorre a inclusão social por meio da inclusão
digital.
Vemos que, sem acesso a Internet o indivíduo estará privado de usufruir
diversos serviços de informação oferecidos na web tais como, educação à distância,
bibliotecas digitais, inscrição em concurso público, certidões,155 correio eletrônico, redes
154
São inúmeros os fatos que atestam que a operacionalização da Justiça lança mãos cada vez mais das tecnologias da comunicação e informação, notadamente pela Internet, na consecução de suas atividades, desta forma, quebrando verdadeiros paradigmas. Confiramos: TJMG IMPLANTARÁ PROCESSO ELETRÔNICO ATÉ AGOSTO DE 2013. Disponível em: ttp://www.tjmg.jus.br/anexos/nt/noticia.jsp?codigoNoticia=53779; JUSTIÇA DO TRABALHO DO PARANÁ INICIA IMPLANTAÇÃO DO PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO. Disponível em: http://www.trt9.jus.br/internet_base/noticia_crudman.do?evento=Editar&chPlc=27 43734; JUSTIÇA DO TRABALHO REALIZA PRIMEIRA AUDIÊNCIA TOTALMENTE VIRTUAL. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/21534-justica-do-trabalho-realiza-primeira-audiencia-totalmente-virtual; OAB DISPONIBILIZA AOS ADVOGADOS CONSULTA SOBRE PROCESSO ELETRÔNICO. Disponível em:
http://www.oab.org.br/noticia/24705/oab-disponibiliza-aos-advogados-consulta-sobre-processo-eletronico; PRIMEIRAS AUDIÊNCIAS DO PJE EM CUIABÁ REPRESENTAM QUEBRA DE PARADIGMA. Disponível em:
http://portal.trt23.jus.br/ecmdemo/public/trt23/detail?content-id=/repository/collaboration/sites%20content/live/ trt23/web%20contents/Noticias/primeiras-audiencias-no-pje-em-cuiaba-representam-uma-quebra-de-paradigma; TST É PRIMEIRO TRIBUNAL A TRANSMITIR SESSÃO PELO FACEBOOK. Disponível em:
http://tst.jusbrasil.com.br/noticias/100061674/tst-e-primeiro-tribunal-a-transmitir-sessao-pelo-facebook. Todos os links foram acessados em: 12 nov. 2012. 155
Exemplo de certidões de utilidade pública que são disponibilizadas pela rede mundial de computadores: CONSULTA À CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO (CND)/CERTIDÃO POSITIVA DE DÉBITO COM EFEITOS DE NEGATIVA (CPD-EN) disponível em http://www010.dataprev.gov.br/cws/contexto/cnd/cnd.html; CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITOS DE TRIBUTOS E CONTRIBUIÇÕES FEDERAIS. Disponível http://www.receita.fazend a.gov.br/aplicacoes/ATSPO/certidao/; DELEGACIA ELETRÔNICA DA SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA E DEFESA SOCIAL DO CEARÁ. BOLETIM ELETRÔNICO DE OCORRÊNCIA. Disponível em http://www.delegaciaeletronica.ce.gov.br/beo/index.jsp; CERTIDÃO DO IPVA. DETRAN CEARÁ. Disponível em https://www.sefaz.ce.gov.br/content/aplicacao/internet/servicos_online/ipva/aplic/default_da.asp; CERTIDÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL. Disponível em: http://www.tre-ce.jus.br/eleitor/certidoes/certidoes; CERTIDÃO CONJUNTA DE DÉBITOS RELATIVOS A TRIBUTOS FEDERAIS E À DÍVIDA ATIVA DA UNIÃO. Disponível
em http://www.receita.fazenda.gov.br/aplicacoes/atspo/certidao/cndconjuntainter/InformaNICertidao.asp?Tipo=2; CERTIDÃO CONJUNTA DE DÉBITOS RELATIVOS A TRIBUTOS FEDERAIS E À DÍVIDA ATIVA DA UNIÃO
(exceto contribuições previdenciárias). Disponível em http://www.receita.fazenda.gov.br/grupo2/certidoes.htm; CERTIDÃO NEGATIVA - PESSOA FÍSICA (CPF). Disponível em http://www.receita.fazenda.gov.br/ guiacontribuinte/cn_pf.htm; CERTIDÃO CONJUNTA PGFN E RFB. Disponível em http://receita.fazenda.gov.br/ aplicacoes/atspo/certidao/certaut/cndconjunta/confirmaautenticcndsolicitacao.asp?origem=pf; CERTIDÃO NEGATIVA NA JUSTIÇA FEDERAL CEARÁ. Disponível em http://www.jfce.jus.br/certidao-on-line/emissaocertidao.aspx; CERTIDÃO CRIMINAL NEGATIVA NA JUSTIÇA ESTADUAL CEARÁ. Disponível
em http://www4.tjce.jus.br/siscertidao/. Todas as certidões acessadas em 12 de novembro de 2012 nos respectivos endereços eletrônicos.
60
sociais, banco on-line, comércio eletrônico, trabalho à distância, ou seja, uma leva cada vez
maior de serviços que, como aponta o cientista Silvio Meira, nos próximos dez anos, todos
os serviços que nós conhecemos vão para a internet, usando o conjunto de tecnologias que
a gente chama de computação em nuvem,156 portanto, os serviços disponibilizados pelas
tecnologias da informação não estarão acessíveis para estas pessoas, sendo assim,
alijados de participa da sociedade da informação, quando perderão também oportunidade
de exercer sua cidadania.157
Negar ou negligenciar o acesso à rede mundial de computadores é perder a
chance de enfrentar e superar, na nova sociedade, velhas e novas desigualdades, pois
atualmente há o
[...] aprofundamento de desigualdades sociais, desta vez, sobre o eixo do acesso à informação. O ritmo do avanço tecnológico no alvorecer do novo paradigma tem sido, sob qualquer ótica, extraordinário. O ritmo de expansão da Internet no mundo levou apenas um terço do tempo que precisou o rádio para atingir uma audiência de 50 milhões de pessoas (Quéau, 1999). A redução dos preços dos computadores por volume de capacidade de processamento facilitou grandemente essa difusão, mas não permitiu ainda superar a relação entre nível de renda e acesso às novas tecnologias.
158
Quanto à operacionalização do acesso à Internet, é de compreensão
relativamente fácil quando cotejado com o art. 225 da Constituição que prevê “direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado” e do art. 5º, VI quando é assegurado o direito à
liberdade de credo. Como se percebe, o direito de acesso à rede mundial de computadores
se concretiza com a disponibilização de meios tecnológicos para a conexão de qualquer
dispositivo, seja desktop, tablet, iphone, etc.
Portanto, a fundamentalidade do acesso à rede é de suma relevância, em razão
das satisfações oferecidas às diversas necessidades surgidas na sociedade da informação.
Hoje, não há alternativa mais profícua para a potencialização dos Direitos Fundamentais do
que o uso da Internet.
156
MEIRA, Sílvio. Brasil tira pouco proveito da ´nuvem´. Fortaleza: 2012. Diário do Nordeste. Tecno. Entrevista com Silvio Meira. 05 novembro 2012. Disponível em: <http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1200052>. Acesso em 12 nov. 2012. 157
Cf. nota de rodapé 75 sobre Lei de acesso à informação de órgãos públicos, exemplo de exercício da
cidadania, fiscalização e controle dos atos da administração pública. 158
WERTHEIN, J. A Sociedade da Informação e seus desafios. In: Revista Ciência da Informação, Brasília, v. 29, n. 2, p. 71-77, maio/ago. 2000.
61
4 CONCLUSÃO
As atuais transformações na sociedade causadas, principalmente, pelas
tecnologias da informação são inúmeras, merecendo diversos estudos em todas as áreas do
saber. Sendo que, no limiar do século XXI, essas significativas e rápidas transformações
nos chamaram a atenção, tendo a rede mundial de computadores como pedra angular,
quando cria uma nova esfera pública com 2,3 bilhões de usuários (novembro de 2012), um
novo tecido comunitário virtual em que não há limites geográficos e temporais, onde a
informação circula de forma democrática em tempo real e sem fronteiras, onde a geração, a
posse e a circulação de informação denotam poder, onde a própria Administração Pública
se obriga a usar a rede em consecução aos princípios constitucionais da eficiência e
publicidade, mesmo para o Poder Judiciário, não vemos outro caminho, senão o da
informatização. Esta é a força inevitável da Rede na sociedade em rede.
Vivemos o momento em que o mundo se conecta e quer se conectar cada vez
mais, percebemos isso quando quatro entre cinco adultos no mundo consideram o acesso à
internet um direito fundamental do ser humano, segundo uma pesquisa realizada em 26
países para o Serviço Mundial da BBC, a mesma pesquisa revela que o brasileiro é um dos
povos que mais defendem este ponto de vista, com 91% dos entrevistados concordando
com o direito de acesso à Internet.
Portanto, fica naturalmente assinalada, em virtude do contexto atual da vida
cotidiana, acima exposto, uma real necessidade dos indivíduos de acesso à Internet.
Vivemos o Zeitgeist da sociedade informacional, este termo alemão cuja tradução significa
espírito da época, espírito do tempo ou sinal dos tempos, mostra-nos o momento intelectual
e cultural a qual estamos, quando o acesso à informação e à internet estão cada vez mais
presentes e indispensáveis para as pessoas.
As novas tecnologias de informação e comunicação aumentam
significativamente a velocidade da dinâmica natural da sociedade. Como o Direito vem
sempre a reboque dos fenômenos sociais, assim para fazer valer o incipiente direito básico
de acesso à informação e à Internet, não é necessário mais produção legislativa, seja no
formato de leis ou de emendas à Constituição basta os magistrados e os tribunais lançarem
mão dos princípios explícitos e implícitos presentes no espírito do nosso tempo para
compreenderem que a Internet é um Direito Fundamental.
A efetivação dos Direitos Fundamentais torna-se cada vez mais ligada à nova
esfera pública virtual. O direito a liberdade informática ensejam a liberdade de expressão na
62
rede mundial de computadores, assim como o direito de acesso à informação que nela
circula, ambos contribuem para o concretização dos princípios norteadores da administração
pública (publicidade, transparência, eficiência) e fortalecimento dos institutos do Estado
Democrático de Direito.
63
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