Mini Curso Pedagogia Do Futebol UNESP 2015
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MINI-CURSO – Pedagogia do futebol: jogando para aprender e
refletindo para compreender o jogo
Dia: 04/06/2015
08:30-11:30
TEMAS DAS UNIDADES DIDÁTICAS:
1. Demandas táticas individuais e coletivas do jogo de futebol (lógica interna);
2. Futebol e mídia: as diferentes narrativas e sentidos produzidos pelo jogo de
futebol (lógica externa);
3. Fútbol Callejero: mediação entre a educação popular e a educação em
valores (lógica externa);
4. Classificação funcional e futebol democrático (lógica externa);
5. Futebol generificado: jogando futebol e refletindo sobre relações de gênero
(lógica externa)
EMENTA: Estudo sobre as lógicas interna e externa do futebol. Fundamentação
do ensino do futebol centrado nas abordagens táticas. Experimentação de abordagem
didática tematizando a espetacularização do futebol e as narrativas e sentidos veiculados
pelas mídias. Apresentação do Fútbol Callejero como possibilidade de educação em
valores e educação popular. Vivência da classificação funcional oriunda dos esportes
adaptados, aplicada à democratização do futebol frente à heterogeneidade de
experiências dos praticantes. Reflexão sobre as desigualdades de gênero a partir da
vivência de um jogo de futebol com delimitações de papéis pautados pelo marcador de
gênero.
JUSTIFICATIVA: O mito de que o brasileiro já nasce sabendo jogar futebol e
de que aqueles que não possuem um suposto dom para praticá-lo, poucas chances tem
de aprendê-lo a contento, serve para tornarem cada vez mais obscuras as possibilidades
de pensar o futebol/futsal como objeto de ensino que merece um tratamento didático no
sentido de promover aprendizagens conceituais, atitudinais e procedimentais. Pois é
justamente a partir do questionamento desse cenário que pretendemos apresentar uma
proposta que valoriza o tratamento didático do futebol/futsal visando formar sujeitos na
perspectiva do praticante, do consumidor e do espectador.
OBJETIVOS: Compreender o futebol como conhecimento passível de ser
ensinado nas dimensões do saber fazer, saber sobre e do saber ser e relacionar-se.
Adquirir conhecimentos sobre o tratamento didático do futebol a partir de suas lógicas
interna e externa. Compreender a importância de se ensinar o futebol na perspectiva de
formar praticantes, espectadores e consumidores críticos e autônomos.
ESPAÇOS E MATERIAIS: Quadra de futsal ou campo de futebol, sala de
aula, projetor multimídia conectado a computador/notebook e caixas de som ou
televisor com reprodutor de DVD, 4 bolas (preferencialmente de futebol ou futsal), 2
jogos de coletes (caso seja possível) e câmera fotográfica/filmadora (caso seja possível,
ou aparelhos de celular com câmera).
INTRODUÇÃO
A lógica interna trata-se dos aspectos peculiares de uma modalidade que exigem
aos jogadores atuarem de um jeito específico durante sua prática (GONZÁLEZ e
BRACHT, 2012) e compreende os elementos considerados imprescindíveis para que
uma pessoa consiga praticar determinado esporte. Poderíamos pensar nesta condição,
identificando quais as demandas que uma modalidade esportiva nos impõe para que
possamos praticá-la, vale ressaltar que estas demandas compreendem as regras dos
esportes, mas não se restringem a elas.
No caso do futebol, algumas dessas demandas poderiam ser representadas pelas
seguintes perguntas:
- Quais os limites do terreno de jogo?
- Quais os tipos de contatos com a bola válidos?
- Qual o papel das balizas/traves no jogo?
- Como devo me relacionar com meus companheiros no decorrer da
partida?
- Como devo me relacionar com meus adversários no decorrer da
partida?
Supondo um indivíduo que não faz ideia do que seja o futebol e é
convidado a jogar sem qualquer tipo de orientação prévia, poderíamos ter uma situação
na qual ele não respeitasse os limites do campo, chutando, carregando ou rebatendo a
bola a esmo, disputando-a tanto com seu parceiro quanto com seus adversários em todos
os espaços do campo, fazendo gols em ambas as balizas e assim por diante.
Todos esses apontamentos, relacionados às demandas do jogo ao praticante,
referem-se à lógica interna do futebol. No caso, um indivíduo que não domina
minimamente esta lógica revela-se incapaz de praticá-lo, a apropriação dessa lógica
permite ao jogador compreender e praticar o futebol (não necessariamente em um nível
de competência satisfatório, mas tomar parte do jogo de forma relativamente
autônoma).
Assim, o futebol, independentemente do lugar onde se joga, tem características
que não mudam. Por exemplo, ele é sempre um esporte coletivo, os jogadores de um
time sempre podem se intrometer na jogada do adversário para “roubar” a bola, e
avançar em direção ao gol. Estas características fazem parte da lógica interna do
esporte. Mas algumas características mudam quando o futebol é praticado em outras
partes do mundo. Nos Estados Unidos o futebol, que eles chamam de soccer para
diferenciar do futebol americano, é considerado um esporte feminino e não é muito
popular, bem diferente do que ocorre aqui no Brasil, onde a prática do futebol pelas
mulheres é recente e foi até mesmo proibida tempos atrás. Tais características
pertencem à lógica externa do esporte (GONZÁLEZ e BRACHT, 2012).
Portanto, a lógica externa refere-se às características e/ou significados sociais
que uma prática esportiva apresenta ou adquire num determinado contexto histórico e
social.
Para melhor ilustrar os conceitos das lógicas interna e externa destacamos alguns
dos objetivos ligados às unidades didáticas que serão abordadas no curso e
questionamentos que podem promover reflexões preliminares sobre os temas:
- Intenções táticas ofensivas de olhar o jogo antes de passar a bola e deslocar-se
sem bola para receber o passe (lógica interna, ligados às demandas táticas individuais do
jogo); apropriar-se dos sentidos ofensivos e defensivos do jogo e dos comportamentos
táticos coletivos de compactação defensiva e dispersão ofensiva (lógica interna, ligada
às demandas táticas coletivas do jogo).
- Compreensão dos diferentes sentidos do discurso da mídia (lógica externa).
a) O que diferencia as situações de ataque e de defesa nos jogos de futebol e de
futsal? (Lógica interna) Mediação do professor: caso os alunos não cheguem à
conclusão esperada, o professor deve levá-los a perceber que o que diferencia essas
situações é a posse da bola, sendo que independente do local onde a equipe se concentra
na quadra de jogo, o fato de estar de posse da bola indica que ela está em situação
ofensiva, enquanto a equipe sem a posse da bola está defendendo. Cabe sinalizar ainda
que as ações principais no jogo podem ser agrupadas em situações de ataque, de defesa
e de transições (ofensiva e defensiva, marcadas pela perda e a conquista da posse de
bola).
b) Existe uma maneira mais adequada para a equipe se organizar coletivamente
para defender e para atacar? Quais são essas maneiras e por que elas são mais
adequadas? (Lógica interna) Mediação do professor: é interessante que o professor
conduza a discussão para que os alunos percebam que em situação defensiva é mais
vantajoso que a equipe se mantenha agrupada ou compactada, procurando bloquear a
posse da bola e os adversários em condições que ofereçam maior perigo de gol e, em
contrapartida, na situação de ataque espera-se que a equipe se posicione de forma a
ocupar as extremidades da quadra, dificultando a marcação da defesa que tenderá a se
espalhar para marcá-los, abrindo “buracos” que poderão ser explorados pelos atacantes.
c) Quando o time está atacando o que o jogador de posse de bola deve fazer para
ter sucesso em um passe?; Quando o jogador com a posse de bola é pressionado pelo
adversário, como seu companheiro de ataque pode auxiliá-lo para sair dessa pressão?
(Lógica interna) Mediação do professor: o professor pode mediar a discussão no sentido
de fazer a turma perceber a necessidade do jogador com a posse da bola observar o jogo
antes de executar alguma ação (passes, drible, condução, arremate) e a importância dos
companheiros do jogador de posse da bola “jogarem sem bola”, procurando desmarcar-
se e oferecerem opções de passe para ampliar o leque de possibilidades de ação de seu
companheiro com a posse da bola.
d) Lógica externa: Ao assistir a uma partida de qualquer modalidade esportiva
pela TV, podemos afirmar que teremos uma reprodução fiel daquele jogo, como se
estivéssemos no estádio ou ginásio? Por que?; Alguém já acompanhou uma partida de
futebol pelo rádio? O que achou da experiência? Ouvir o jogo pelo rádio, assistir ao
jogo pela TV e assistir ao jogo ao vivo, são experiência distintas em quais sentidos?; O
discurso dos narradores e comentaristas esportivos possui intencionalidades ou mantém
uma neutralidade discursiva? Quais as implicações dessa situação para o espectador que
recebe esse discurso? Mediação do professor: refletir com os alunos sobre o fato da
transmissão dos jogos constituírem-se em um recorte possível do jogo em si, na medida
em que existe uma espécie de “editoração do jogo”, na medida em que as emissoras
escolhem o que e como exibir e omitir durante o jogo, os planos de exibição, a ênfase
em determinados aspectos nas narrações e comentários, dentre outros aspectos, tornando
a experiência de assistir ao jogo, relativamente condicionada por esses parâmetros. Cabe
refletir ainda sobre as linguagens bastante distintas entre o rádio e a televisão, dadas
pelo fato do rádio ter o desafio de criar no seu ouvinte uma interpretação daquilo que
estaria acontecendo no campo, sem o auxílio do suporte visual, ao passo que a televisão
possui o desafio de não ser tão óbvia em sua narrativa, na medida em que o espectador
está munido pelas imagens, como consequência temos uma narrativa mais detalhada,
rápida e marcada pelas ações do jogo no rádio em oposição a uma narrativa mais lenta,
pausada e marcada por comentários acessórios na televisão.
UNIDADE DIDÁTICA 1 – Demandas táticas individuais e coletivas do jogo
de futebol
Roda de conversa: O professor pode novamente provocar uma discussão sobre
as dificuldades de jogar quando o adversário pressiona o jogador com posse de bola e o
mesmo não tem companheiros livres para passar a bola e a importância desse jogador
olhar o jogo antes de fazer o passe, para não “rifar a bola” e de seus companheiros
oferecerem-se para receber a bola para “desafogá-lo” da situação de pressão e para
criarem situações de finalização. O professor também aproveitará para discutir a postura
coletiva das equipes nas situações de defesa e ataque, destacando a importância da
organização coletiva para a compactação defensiva e a dispersão ofensiva, como
comportamentos coletivos com potencial de sucesso.
JOGO 1 – Pegador com bola: em grupos de 5 ou 6, uma pessoa será o fugitivo
e os demais deverão trocar passes, de forma a conseguir que algum deles de posse de
bola toque a mão nesse fugitivo. Ao ser pego ou passando-se certo tempo, troca-se o
fugitivo. [Objetivos táticos: observar antes de agir com a bola; jogar coletivamente].
JOGO 2 - Polícia e ladrão: o grupo será dividido de forma que resulte em 4
ladrões para cada policial. Cada quarteto de ladrões fica com uma bola e devem fugir
dos policiais que tentarão encostar a mão nos mesmos para que eles sejam presos na
cadeia que será uma área delimitada ao lado da quadra ou no círculo central. A posse da
bola deixa o ladrão imune ao policial e, dessa forma os ladrões devem tocar a bola entre
si para se manterem salvos. Quando na prisão os ladrões poderão ser salvos no
momento em que conseguirem receber um passe de outro ladrão e devolvê-lo para um
colega-ladrão completando uma tabela. [Objetivos táticos: observar antes de agir com a
bola; movimentar-se sem bola para receber o passe e jogar coletivamente].
JOGO 3: Bobinho em Equipes: Jogo de bobinho em equipes. Pode-se dividir a
quadra em 4 quadrantes para uma otimização do espaço e em cada quadrante realiza-se
um jogo de 4x4 alunos. O jogo é disputado por 4 atacantes contra 2 defensores, sendo
que os outros 2 companheiros dos 2 defensores ficam do lado de fora da quadra,
aguardando para participar do jogo quando seus companheiros conseguirem recuperar a
bola (Figura 1).
Figura 1 – Representação da execução do jogo de bobinho por equipes em 4 miniquadras
Nesse momento os 2 jogadores que estavam de fora entram no jogo e sua equipe
passa a ser atacante, com 4 integrantes, enquanto 2 da equipe adversária saem da quadra
para a espera e os outros 2 passam a ser defensores. Nesse jogo a ideia é aproveitar a
situação de superioridade ofensiva para reforçar a necessidade dos jogadores
observarem antes de passar a bola e movimentar-se para recebê-la. Após o jogo o
professor pode discutir brevemente esses conceitos com os alunos e reforçar a
necessidade de adotá-los no jogo de futsal completo. [Objetivos táticos: tirar vantagem
tática da superioridade numérica; jogar coletivamente; realizar as transições entre
ataque e defesa e vice-versa com rapidez e organização].
JOGO 4: Golzinhos com demarcação de ataque e defesa: jogo de golzinhos
3x3, no qual os jogadores da equipe que está defendendo precisam atuar segurando
algum objeto (colete, mini-cone, tartaruga...), de forma que em toda troca de posse de
bola entre as equipes, a equipe que conquistou a bola deve soltar o objeto e a adversária
deve pegá-lo, para só então exercer a marcação. Nessa dinâmica, espera-se tanto que os
jogadores identifiquem concretamente as fases defensiva e ofensiva adequando-se às
mesmas, como aproveitem o momento da transição defensiva-ofensiva de forma a tirar
vantagem do tempo necessário para a outra equipe tomar posse dos objetos deixados no
chão pelo adversário. [Objetivos táticos: identificar as fases defensiva e ofensiva do
jogo; tirar vantagem tática da transição defensiva-ofensiva; reorganizar-se
defensivamente da transição ofensiva-defensiva].
JOGO 5 - Futsal por setores ofensivo e defensivo: A vivência é realizada por
meio de jogos de futsal com modificações nas regras para provocar comportamentos
táticos coletivos desejados. A proposta é dividir a turma em quantas equipes forem
necessárias para que todos os alunos possam jogar de forma proporcional por meio de
um rodízio das equipes. A modificação das regras consiste em delimitar um espaço
central da quadra para que a equipe em situação de defesa atue, favorecendo a
compactação, enquanto que a equipe em situação ofensiva atua apenas fora dessa zona
central (Figura 2). A zona central pode ser delimitada pela marcação da quadra de
voleibol ou por uma marcação personalizada proporcional a essa delimitação.
Figura 2 – Representação da distribuição dos jogadores de ataque (amarelo) e defesa (azul) no jogo de
futebol por setores
Conforme é possível observar na figura 2, a equipe amarela está de posse da bola
(branca) e portanto em situação ofensiva, desse modo ela só poderá atuar do lado de
fora da quadra de voleibol, enquanto a equipe azul (defesa) só poderá atuar no lado
interno da quadra de voleibol. Porém, para possibilitar que os defensores possam
abordar os jogadores atacantes, existe uma regra que permite que um jogador defensivo
possa sair para marcar fora da quadra de voleibol, podendo “dar combate” ao atacante
de posse da bola. Cabe ressaltar que apenas um defensor por vez pode sair da zona
defensiva para dar combate, portanto, para que outro defensor possa dar combate em
outro setor da quadra, na hipótese da bola ser passada para esse outro setor, o defensor
que estava fora da zona defensiva precisa retornar para a quadra de voleibol, permitindo
assim que o seu companheiro de defesa possa sair, conforme demonstrado na figura 3.
Figura 3 – Representação do jogo de futebol por setores, com a situação de troca defensiva com
o retorno de um jogador à zona defensiva e a saída de outro.
Para evidenciar os comportamentos defensivo e ofensivo pretendidos, o jogo não
inclui as fases de transição defensiva e ofensiva (ou contra-ataques), sendo realizado
com apenas uma equipe atacando por um determinado período (5 minutos, por
exemplo), enquanto a adversária só defende e após esse período invertem-se os papéis.
Nesses períodos, em caso de recuperação de bola pela equipe defensora, a bola retorna
para o goleiro da equipe atacante para que se dê início a uma nova tentativa de ataque.
Após algum tempo de jogo acrescenta-se uma regra que favorece a equipe
atacante. A nova regra permite que um atacante por vez possa invadir a zona de defesa
para a construção da jogada de ataque ou finalização. Importante frisar que antes dessa
modificação nenhum dos atacantes pode invadir a quadra de voleibol, nem mesmo no
sentido de cortar caminho sem bola para acessar algum espaço. A partir dessa mudança
de regra é possível que os atacantes realizem movimentações diversas de infiltração na
defesa, desde que respeitem a condição de apenas um jogador por vez permanecer nesse
espaço. [Objetivos táticos: realizar apoios ofensivos; realizar coberturas defensivas;
organizar-se coletivamente para a compactação defensiva; organizar-se coletivamente
para a dispersão ofensiva].
Roda de conversa: Após as duas vivências das lógicas internas do
futebol/futsal, cabe retomar os aspectos das demandas táticas individuais e coletivas
discutidas na roda inicial da aula. Com relação ao jogo de bobinho em equipes, o
destaque fica por conta da importância dos jogadores quando de posse da bola
observarem o jogo antes de tomarem suas decisões sobre o que executar e, no caso de
seus companheiros sem a posse da bola, de se desmarcarem para oferecerem opções de
passe para seu companheiro com a bola.
No caso do futebol por setores, a reflexão deve centrar-se na importância da
equipe defensora manter o equilíbrio defensivo, por meio do balanço entre saída e
entrada dos jogadores na zona de defesa, que permite que sempre haja um marcador
pressionando o atacante de posse da bola, e ao mesmo tempo mantendo uma relativa
compactação da equipe defensiva. Já no caso da equipe em situação ofensiva, o
destaque fica por conta da necessidade dos jogadores fazerem a bola girar entre os
atacantes, dificultando o balanço dos defensores e encontrando espaços para finalização
em condições de marcar o gol.
Mais uma vez, o professor pode fazer uma mediação dessas reflexões, por meio
de descoberta orientada, utilizando-se de questionamentos que suscitem nos alunos uma
reflexão sobre as soluções desses problemas evidenciadas no decorrer do jogo.
UNIDADE DIDÁTICA 2 – Futebol e mídia: as diferentes narrativas e
sentidos produzidos pelo jogo de futebol
Para enriquecer o tratamento didático dessa discussão, o professor pode preparar
a aula levando para os alunos um trecho da narração de um jogo pelo rádio, da
transmissão desse mesmo jogo (se possível) pela TV e uma ou mais matérias
jornalísticas sobre esse jogo. A ideia seria apresentar tais fragmentos, para
alimentar a discussão a respeito das distintas narrativas sobre jogo e como elas
proporcionam diferentes sentidos e experiências em seus receptores. Um outro
vídeo engraçado e ilustrativo para balizar essa análise é o da participação do
humorista Marcelo Adnet no evento de premiação dos destaques do Campeonato
Brasileiro de 2010, onde ele apresenta de forma hilária e muito fidedigna, como
seria a narração de um mesmo lance de um jogo de futebol no rádio e na
televisão. O vídeo pode ser assistido no seguinte link:
https://www.youtube.com/watch?v=vf2S4G09DUI (acesso em 19/04/2014).
JOGO 1 - “Futebol Torre de Babel”: Jogos de futsal com narrações
anárquicas do tipo “Torre de Babel”. A vivência consiste em realizar quantos jogos de
futsal forem necessários para que todos os alunos tenham a oportunidade de jogar,
sendo que os alunos que estiverem de fora devem dividir-se em duplas ou trios que irão
ficar narrando e comentando o jogo entre si, todos ao mesmo tempo. Nesses jogos
ainda, o professor deve ficar atento à lógica interna, em relação à postura dos jogadores
de posse de bola (demandas táticas individuais), verificando se eles procuram observar
os companheiros livres antes de passar a bola e se os jogadores atacantes sem a bola
procuram se movimentar para espaços que propicie opção de passe para seus colegas
com bola (demandas táticas individuais) e se as equipes procuram se agrupar quando
estão defendendo e se espalhar quando estão atacando (demanda tática coletiva).
JOGO 2 - Jogo de futsal com cobertura midiática: A turma será dividida de
forma a cumprir uma série de papéis. Um grupo irá participar como jogadores em uma
partida de futsal, com jogadores titulares, alguns reservas e treinadores, além de uma
dupla de árbitros e um ou dois mesários. Haverá também as equipes de imprensa e os
espectadores. Dois ou três alunos farão a cobertura jornalística do jogo, para isso eles
irão escrever um texto sobre o jogo, podendo utilizar fotos tiradas na partida e
entrevistar jogadores, treinadores e árbitros para ilustrar a matéria. Uma dupla ou trio
fará a cobertura do jogo por rádio, sendo um narrador e outro(s) comentarista(s),
juntamente com esse grupo, haverá um grupo de alunos que serão os espectadores do
rádio, ou seja, não poderão assistir ao jogo, ficarão de costas ou atrás de algum tipo de
anteparo que os impeça de visualizar a partida, ficando apenas ouvindo a narração e os
comentários dos colegas. Dependendo do tamanho da turma, pode-se incluir um grupo
de torcedores de cada equipe que assistirão à partida presencialmente e até uma outra
equipe que fará a cobertura de TV, filmando o jogo por celular ou outro meio (filmadora
se a escola tiver), com narrador e comentarista, para que todos possam assistir a essa
transmissão após o término da partida. No decorrer do jogo o professor deve aproveitar
todas as oportunidades possíveis para lembrar aos jogadores da importância de observar
o jogo antes de passar a bola e de se movimentar sem bola oferecendo-se para recebê-la
e de que coletivamente a equipe se compactasse para defender e se dispersasse para
atacar.
Roda de conversa: Após a realização do jogo de futsal com cobertura midiática,
é importante realizar uma discussão com a turma, partindo dos depoimentos das pessoas
que assumiram os diferentes papéis, para expressarem seus pontos de vista em relação
aos sentidos que o jogo assume para cada um desses emissores e receptores do
“espetáculo”. Antes ou após esses depoimentos, vale à pena pedir para que o grupo que
escreveu a matéria jornalística apresente seu texto para a turma, assim como o grupo da
TV faça a exibição de sua gravação com narração e comentários. Após os depoimentos
e as exibições das coberturas do jogo, o professor pode mediar essa discussão, com
provocações como: “Podemos dizer que temos um mesmo jogo na perspectiva de quem
jogou, de quem ouviu, de quem narrou, de quem comentou, de quem assistiu, de quem
torceu ou de quem escreveu uma matéria?”; “Quando a câmera escolhe mostrar um
lance do jogo e não outro, repetir exaustivamente uma jogada, ou optar por um plano
mais aberto no campo todo ou por um close no jogador com a posse da bola, ou quando
o narrador e o comentarista optam por destacar as virtudes de determinado jogador ou
equipe ou por apontar as deficiências desses, fica evidente que se escolhe uma dentre
inúmeras possibilidades de se contar a história do jogo. Qual o impacto disso na
formação de opinião dos espectadores e como esses podem se comportar para não se
tornarem reféns do discurso midiático?”.
UNIDADES DIDÁTICAS 3 e 4: Fútbol callejero / Classificação funcional e
futebol democrático
Nesse momento apresentaremos uma vivência a partir da combinação das
unidades didáticas relativas ao Fútbol Callejero e à Classificação Funcional aplicada ao
futsal. A proposta é desenvolver a vivência a partir da metodologia do Fútbol Callejero,
incorporando os elementos da classificação funcional para a construção das regras no 1º
tempo. Para tanto descrevemos a seguir, de forma sintetizadas a estrutura de cada um
desses referenciais.
FÚTBOL CALLEJERO
As partidas são compostas por três tempos, disputadas por equipes necessariamente
integradas por homens e mulheres e prescindindo da figura do árbitro, de modo que
todas as decisões acerca de regras, situações de jogo, duração e dinâmica da partida
sejam tomadas pelos jogadores sob a supervisão de um mediador.
O 1º Tempo é caracterizado pela realização de uma roda inicial, com o intuito de
acordar entre as equipes as regras que prevalecerão no jogo e pela indicação de um
mediador, que nesse momento apenas toma nota dos acordos firmados pelas equipes. A
etapa seguinte é a realização do 2º Tempo com o desenvolvimento de um jogo balizado
pelas regras que foram firmadas anteriormente. Neste momento o mediador deverá
apenas observar o jogo e fazer anotações daquilo que dialogue diretamente com as
regras.
Por fim, temos o 3º Tempo, ou a Mediação, em que é formada uma roda final para
diálogo acerca das situações e atitudes manifestadas durante o jogo. O mediador assume
uma importância angular neste momento da partida ao problematizar algumas situações
observadas no jogo a partir de um posicionamento imparcial, com vistas a estimular os
participantes a exporem e defenderem seus pontos de vista acerca das situações
vivenciadas durante a partida.
A contabilização dos pontos é realizada pelo mediador junto com os/as
jogadores/as a partir da análise do número de gols, bem como à luz dos princípios
fundantes do FC: solidariedade (relação solidária com os jogadores da equipe
adversária), respeito (respeito aos acordos e regras estabelecidas no 1º Tempo) e
cooperação (atitudes cooperativas entre os jogadores de uma mesma equipe). O término
de uma partida é marcado pelo acordo entre os participantes acerca do resultado final,
possibilitando a emersão de um censo de justiça compartilhado entre todos/as
envolvidos/as.
CLASSIFICAÇÃO FUNCIONAL
O objetivo da classificação funcional no esporte paraolímpico é garantir a
igualdade geral entre os competidores. Com critérios específicos de cada modalidade,
mas também princípios que se estendem a todas as 20 práticas principais, o esporte
paraolímpico se estrutura no que é conhecido como classificação funcional. Isso
significa, na prática, a formação de um regulamento que vai tentar aproximar os limites
de cada competidor.
O objetivo é garantir a igualdade geral e assegurar que os vencedores chegaram
ao topo graças às suas melhores técnicas, habilidades, forças, talentos e não por um
suposto favorecimento físico sobre as deficiências de um ou outro rival. O objetivo dos
princípios, segundo o Comitê Paralímpico Brasileiro, não é separar apenas as
deficiências, mas sim tentar nivelar ao máximo a capacidade esportiva de cada
concorrente.
Os atletas paraolímpicos, para simplificar a classificação funcional em um
primeiro momento, se dividem em seis tipos de deficiências: amputados, lesão medular,
paralisia cerebral, deficiência mental, deficiência visual e os chamados “les autres”,
tradução do francês para “os outros”. Nesse rol, se enquadram os que não podem ser
colocados nas outras cinco categorias.
São 20 as modalidades paraolímpicas que se utilizam da classificação final. Para
a vivência do futsal faremos uso da classificação implantada no basquetebol em cadeira
de rodas.
Cada atleta é classificado de acordo com comprometimento físico-motor e a
escala obedece aos números 1, 2, 3, 4 e 4,5. Com objetivo de facilitar a classificação e a
participação de atletas que apresentam qualidades de mais de uma classe distinta (os
chamados casos limítrofes) foram criadas quatro classes intermediárias: 1,5, 2,5 e 3,5. O
número máximo de pontuação em quadra não pode ultrapassar 14 e vale a regra de que,
quanto maior a deficiência, menor a classe.
Em nosso caso será usada a mesma pontuação, de forma autodeclarativa, de
forma que os participantes do jogo se classifiquem segundo seus níveis de experiência e
competência de jogo no futsal.
VIVÊNCIA: Será realizado um jogo com a metodologia do Fútbol Callejero, na
qual no primeiro tempo, todos os participantes se autoclassificarão segundo a pontuação
da classificação funcional e, posteriormente, todos serão distribuídos em duas equipes
que construirão coletivamente as regras e vivenciarão os 3 tempos do jogo de Fútbol
Callejero.
UNIDADE DIDÁTICA 5: Futebol generificado
Nessa unidade didática a proposta consiste em realizar uma discussão sobre as
desigualdades de gênero na sociedade de uma maneira geral e no esporte e no futebol
em especial, a partir de uma vivência do jogo de futebol com adaptações das regras que
delimitam as formas de participação de homens e mulheres de acordo com os papéis
sociais que são esperados para eles de acordo com os marcadores de gênero.
O jogo, batizado de futebol generificado, consiste em uma adaptação do futsal,
na qual inicialmente formam-se duas equipes de aproximadamente sete jogadores/as
cada. Cada equipe terá cinco jogadores de linha do sexo masculino e duas jogadoras de
goleiras. Na quadra de futsal, haverá uma delimitação das áreas defensivas de cada
equipe, sendo que nestas áreas apenas as goleiras poderão atuar, ficando definido que
elas não podem sair desta área e os jogadores de linha não podem entrar na mesma.
Dentro desta área – próximo à linha de fundo – são distribuídos diversos alvos, como
cones e/ou garrafas pet (Figura 4).
No desenvolvimento do jogo, os jogadores de linha têm o objetivo de derrubar
ou simplesmente acertar estes alvos, ao passo que as goleiras tentam evitar este
objetivo, sem utilizar as mãos. Ao derrubar os alvos, conta-se um ponto para cada um
acertado, e, as goleiras devem repor a bola em jogo e em seguida re-organizar os alvos
na mesma disposição de antes de serem atingidos. Caso a equipe adversária consiga
derrubar alvos novamente enquanto as goleiras ainda estiverem organizando os
atingidos anteriormente, cada alvo derrubado contará pontuação dobrada.
Após algum tempo de jogo, é feita uma pequena modificação das regras,
permitindo que as goleiras saiam da área de defesa e participem do ataque, porém elas
se mantém como únicas responsáveis por organizar os alvos na defesa quando atingidos
e os pontos que conseguirem marcar irão valer metade dos conquistados pelos jogadores
de linha.
Ao fim do jogo, abre-se a discussão sobre a relação do jogo com os papéis que
homens e mulheres exercem na sociedade e principalmente sobre as relações de trabalho
produtor e reprodutor, sob a perspectiva de gênero. A discussão pode ser aprofundada
com fragmentos de textos que tratam de trabalho e gênero.
Algumas temáticas possíveis de serem abordadas a partir do jogo são: 1.
Delimitação dos espaços públicos (masculinos) e privados (femininos), representados
pelas áreas de jogo da quadra; 2. Identificação do papel de homem provedor e mulher
cuidadora nas funções do jogo; 3. Constatação da discriminação social entre trabalho
produtor e reprodutor; 4. Identificação da dupla jornada de trabalho da mulher; 5.
Constatação da desigualdade salarial entre homens e mulheres no exercício do mesmo
trabalho; 6. Percepção da falta de incentivo para a inserção da mulher no mercado de
trabalho, em função da dupla jornada combinada com os baixos salários.
Figura 4 – Representação do jogo de Futebol Generificado
REFERÊNCIAS
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