Mini Curso Pedagogia Do Futebol UNESP 2015

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MINI-CURSO Pedagogia do futebol: jogando para aprender e refletindo para compreender o jogo Dia: 04/06/2015 08:30-11:30 TEMAS DAS UNIDADES DIDÁTICAS: 1. Demandas táticas individuais e coletivas do jogo de futebol (lógica interna); 2. Futebol e mídia: as diferentes narrativas e sentidos produzidos pelo jogo de futebol (lógica externa); 3. Fútbol Callejero: mediação entre a educação popular e a educação em valores (lógica externa); 4. Classificação funcional e futebol democrático (lógica externa); 5. Futebol generificado: jogando futebol e refletindo sobre relações de gênero (lógica externa) EMENTA: Estudo sobre as lógicas interna e externa do futebol. Fundamentação do ensino do futebol centrado nas abordagens táticas. Experimentação de abordagem didática tematizando a espetacularização do futebol e as narrativas e sentidos veiculados pelas mídias. Apresentação do Fútbol Callejero como possibilidade de educação em valores e educação popular. Vivência da classificação funcional oriunda dos esportes adaptados, aplicada à democratização do futebol frente à heterogeneidade de experiências dos praticantes. Reflexão sobre as desigualdades de gênero a partir da vivência de um jogo de futebol com delimitações de papéis pautados pelo marcador de gênero. JUSTIFICATIVA: O mito de que o brasileiro já nasce sabendo jogar futebol e de que aqueles que não possuem um suposto dom para praticá-lo, poucas chances tem de aprendê-lo a contento, serve para tornarem cada vez mais obscuras as possibilidades de pensar o futebol/futsal como objeto de ensino que merece um tratamento didático no sentido de promover aprendizagens conceituais, atitudinais e procedimentais. Pois é justamente a partir do questionamento desse cenário que pretendemos apresentar uma proposta que valoriza o tratamento didático do futebol/futsal visando formar sujeitos na perspectiva do praticante, do consumidor e do espectador.

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Osmardito

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MINI-CURSO – Pedagogia do futebol: jogando para aprender e

refletindo para compreender o jogo

Dia: 04/06/2015

08:30-11:30

TEMAS DAS UNIDADES DIDÁTICAS:

1. Demandas táticas individuais e coletivas do jogo de futebol (lógica interna);

2. Futebol e mídia: as diferentes narrativas e sentidos produzidos pelo jogo de

futebol (lógica externa);

3. Fútbol Callejero: mediação entre a educação popular e a educação em

valores (lógica externa);

4. Classificação funcional e futebol democrático (lógica externa);

5. Futebol generificado: jogando futebol e refletindo sobre relações de gênero

(lógica externa)

EMENTA: Estudo sobre as lógicas interna e externa do futebol. Fundamentação

do ensino do futebol centrado nas abordagens táticas. Experimentação de abordagem

didática tematizando a espetacularização do futebol e as narrativas e sentidos veiculados

pelas mídias. Apresentação do Fútbol Callejero como possibilidade de educação em

valores e educação popular. Vivência da classificação funcional oriunda dos esportes

adaptados, aplicada à democratização do futebol frente à heterogeneidade de

experiências dos praticantes. Reflexão sobre as desigualdades de gênero a partir da

vivência de um jogo de futebol com delimitações de papéis pautados pelo marcador de

gênero.

JUSTIFICATIVA: O mito de que o brasileiro já nasce sabendo jogar futebol e

de que aqueles que não possuem um suposto dom para praticá-lo, poucas chances tem

de aprendê-lo a contento, serve para tornarem cada vez mais obscuras as possibilidades

de pensar o futebol/futsal como objeto de ensino que merece um tratamento didático no

sentido de promover aprendizagens conceituais, atitudinais e procedimentais. Pois é

justamente a partir do questionamento desse cenário que pretendemos apresentar uma

proposta que valoriza o tratamento didático do futebol/futsal visando formar sujeitos na

perspectiva do praticante, do consumidor e do espectador.

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OBJETIVOS: Compreender o futebol como conhecimento passível de ser

ensinado nas dimensões do saber fazer, saber sobre e do saber ser e relacionar-se.

Adquirir conhecimentos sobre o tratamento didático do futebol a partir de suas lógicas

interna e externa. Compreender a importância de se ensinar o futebol na perspectiva de

formar praticantes, espectadores e consumidores críticos e autônomos.

ESPAÇOS E MATERIAIS: Quadra de futsal ou campo de futebol, sala de

aula, projetor multimídia conectado a computador/notebook e caixas de som ou

televisor com reprodutor de DVD, 4 bolas (preferencialmente de futebol ou futsal), 2

jogos de coletes (caso seja possível) e câmera fotográfica/filmadora (caso seja possível,

ou aparelhos de celular com câmera).

INTRODUÇÃO

A lógica interna trata-se dos aspectos peculiares de uma modalidade que exigem

aos jogadores atuarem de um jeito específico durante sua prática (GONZÁLEZ e

BRACHT, 2012) e compreende os elementos considerados imprescindíveis para que

uma pessoa consiga praticar determinado esporte. Poderíamos pensar nesta condição,

identificando quais as demandas que uma modalidade esportiva nos impõe para que

possamos praticá-la, vale ressaltar que estas demandas compreendem as regras dos

esportes, mas não se restringem a elas.

No caso do futebol, algumas dessas demandas poderiam ser representadas pelas

seguintes perguntas:

- Quais os limites do terreno de jogo?

- Quais os tipos de contatos com a bola válidos?

- Qual o papel das balizas/traves no jogo?

- Como devo me relacionar com meus companheiros no decorrer da

partida?

- Como devo me relacionar com meus adversários no decorrer da

partida?

Supondo um indivíduo que não faz ideia do que seja o futebol e é

convidado a jogar sem qualquer tipo de orientação prévia, poderíamos ter uma situação

na qual ele não respeitasse os limites do campo, chutando, carregando ou rebatendo a

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bola a esmo, disputando-a tanto com seu parceiro quanto com seus adversários em todos

os espaços do campo, fazendo gols em ambas as balizas e assim por diante.

Todos esses apontamentos, relacionados às demandas do jogo ao praticante,

referem-se à lógica interna do futebol. No caso, um indivíduo que não domina

minimamente esta lógica revela-se incapaz de praticá-lo, a apropriação dessa lógica

permite ao jogador compreender e praticar o futebol (não necessariamente em um nível

de competência satisfatório, mas tomar parte do jogo de forma relativamente

autônoma).

Assim, o futebol, independentemente do lugar onde se joga, tem características

que não mudam. Por exemplo, ele é sempre um esporte coletivo, os jogadores de um

time sempre podem se intrometer na jogada do adversário para “roubar” a bola, e

avançar em direção ao gol. Estas características fazem parte da lógica interna do

esporte. Mas algumas características mudam quando o futebol é praticado em outras

partes do mundo. Nos Estados Unidos o futebol, que eles chamam de soccer para

diferenciar do futebol americano, é considerado um esporte feminino e não é muito

popular, bem diferente do que ocorre aqui no Brasil, onde a prática do futebol pelas

mulheres é recente e foi até mesmo proibida tempos atrás. Tais características

pertencem à lógica externa do esporte (GONZÁLEZ e BRACHT, 2012).

Portanto, a lógica externa refere-se às características e/ou significados sociais

que uma prática esportiva apresenta ou adquire num determinado contexto histórico e

social.

Para melhor ilustrar os conceitos das lógicas interna e externa destacamos alguns

dos objetivos ligados às unidades didáticas que serão abordadas no curso e

questionamentos que podem promover reflexões preliminares sobre os temas:

- Intenções táticas ofensivas de olhar o jogo antes de passar a bola e deslocar-se

sem bola para receber o passe (lógica interna, ligados às demandas táticas individuais do

jogo); apropriar-se dos sentidos ofensivos e defensivos do jogo e dos comportamentos

táticos coletivos de compactação defensiva e dispersão ofensiva (lógica interna, ligada

às demandas táticas coletivas do jogo).

- Compreensão dos diferentes sentidos do discurso da mídia (lógica externa).

a) O que diferencia as situações de ataque e de defesa nos jogos de futebol e de

futsal? (Lógica interna) Mediação do professor: caso os alunos não cheguem à

conclusão esperada, o professor deve levá-los a perceber que o que diferencia essas

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situações é a posse da bola, sendo que independente do local onde a equipe se concentra

na quadra de jogo, o fato de estar de posse da bola indica que ela está em situação

ofensiva, enquanto a equipe sem a posse da bola está defendendo. Cabe sinalizar ainda

que as ações principais no jogo podem ser agrupadas em situações de ataque, de defesa

e de transições (ofensiva e defensiva, marcadas pela perda e a conquista da posse de

bola).

b) Existe uma maneira mais adequada para a equipe se organizar coletivamente

para defender e para atacar? Quais são essas maneiras e por que elas são mais

adequadas? (Lógica interna) Mediação do professor: é interessante que o professor

conduza a discussão para que os alunos percebam que em situação defensiva é mais

vantajoso que a equipe se mantenha agrupada ou compactada, procurando bloquear a

posse da bola e os adversários em condições que ofereçam maior perigo de gol e, em

contrapartida, na situação de ataque espera-se que a equipe se posicione de forma a

ocupar as extremidades da quadra, dificultando a marcação da defesa que tenderá a se

espalhar para marcá-los, abrindo “buracos” que poderão ser explorados pelos atacantes.

c) Quando o time está atacando o que o jogador de posse de bola deve fazer para

ter sucesso em um passe?; Quando o jogador com a posse de bola é pressionado pelo

adversário, como seu companheiro de ataque pode auxiliá-lo para sair dessa pressão?

(Lógica interna) Mediação do professor: o professor pode mediar a discussão no sentido

de fazer a turma perceber a necessidade do jogador com a posse da bola observar o jogo

antes de executar alguma ação (passes, drible, condução, arremate) e a importância dos

companheiros do jogador de posse da bola “jogarem sem bola”, procurando desmarcar-

se e oferecerem opções de passe para ampliar o leque de possibilidades de ação de seu

companheiro com a posse da bola.

d) Lógica externa: Ao assistir a uma partida de qualquer modalidade esportiva

pela TV, podemos afirmar que teremos uma reprodução fiel daquele jogo, como se

estivéssemos no estádio ou ginásio? Por que?; Alguém já acompanhou uma partida de

futebol pelo rádio? O que achou da experiência? Ouvir o jogo pelo rádio, assistir ao

jogo pela TV e assistir ao jogo ao vivo, são experiência distintas em quais sentidos?; O

discurso dos narradores e comentaristas esportivos possui intencionalidades ou mantém

uma neutralidade discursiva? Quais as implicações dessa situação para o espectador que

recebe esse discurso? Mediação do professor: refletir com os alunos sobre o fato da

transmissão dos jogos constituírem-se em um recorte possível do jogo em si, na medida

em que existe uma espécie de “editoração do jogo”, na medida em que as emissoras

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escolhem o que e como exibir e omitir durante o jogo, os planos de exibição, a ênfase

em determinados aspectos nas narrações e comentários, dentre outros aspectos, tornando

a experiência de assistir ao jogo, relativamente condicionada por esses parâmetros. Cabe

refletir ainda sobre as linguagens bastante distintas entre o rádio e a televisão, dadas

pelo fato do rádio ter o desafio de criar no seu ouvinte uma interpretação daquilo que

estaria acontecendo no campo, sem o auxílio do suporte visual, ao passo que a televisão

possui o desafio de não ser tão óbvia em sua narrativa, na medida em que o espectador

está munido pelas imagens, como consequência temos uma narrativa mais detalhada,

rápida e marcada pelas ações do jogo no rádio em oposição a uma narrativa mais lenta,

pausada e marcada por comentários acessórios na televisão.

UNIDADE DIDÁTICA 1 – Demandas táticas individuais e coletivas do jogo

de futebol

Roda de conversa: O professor pode novamente provocar uma discussão sobre

as dificuldades de jogar quando o adversário pressiona o jogador com posse de bola e o

mesmo não tem companheiros livres para passar a bola e a importância desse jogador

olhar o jogo antes de fazer o passe, para não “rifar a bola” e de seus companheiros

oferecerem-se para receber a bola para “desafogá-lo” da situação de pressão e para

criarem situações de finalização. O professor também aproveitará para discutir a postura

coletiva das equipes nas situações de defesa e ataque, destacando a importância da

organização coletiva para a compactação defensiva e a dispersão ofensiva, como

comportamentos coletivos com potencial de sucesso.

JOGO 1 – Pegador com bola: em grupos de 5 ou 6, uma pessoa será o fugitivo

e os demais deverão trocar passes, de forma a conseguir que algum deles de posse de

bola toque a mão nesse fugitivo. Ao ser pego ou passando-se certo tempo, troca-se o

fugitivo. [Objetivos táticos: observar antes de agir com a bola; jogar coletivamente].

JOGO 2 - Polícia e ladrão: o grupo será dividido de forma que resulte em 4

ladrões para cada policial. Cada quarteto de ladrões fica com uma bola e devem fugir

dos policiais que tentarão encostar a mão nos mesmos para que eles sejam presos na

cadeia que será uma área delimitada ao lado da quadra ou no círculo central. A posse da

bola deixa o ladrão imune ao policial e, dessa forma os ladrões devem tocar a bola entre

si para se manterem salvos. Quando na prisão os ladrões poderão ser salvos no

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momento em que conseguirem receber um passe de outro ladrão e devolvê-lo para um

colega-ladrão completando uma tabela. [Objetivos táticos: observar antes de agir com a

bola; movimentar-se sem bola para receber o passe e jogar coletivamente].

JOGO 3: Bobinho em Equipes: Jogo de bobinho em equipes. Pode-se dividir a

quadra em 4 quadrantes para uma otimização do espaço e em cada quadrante realiza-se

um jogo de 4x4 alunos. O jogo é disputado por 4 atacantes contra 2 defensores, sendo

que os outros 2 companheiros dos 2 defensores ficam do lado de fora da quadra,

aguardando para participar do jogo quando seus companheiros conseguirem recuperar a

bola (Figura 1).

Figura 1 – Representação da execução do jogo de bobinho por equipes em 4 miniquadras

Nesse momento os 2 jogadores que estavam de fora entram no jogo e sua equipe

passa a ser atacante, com 4 integrantes, enquanto 2 da equipe adversária saem da quadra

para a espera e os outros 2 passam a ser defensores. Nesse jogo a ideia é aproveitar a

situação de superioridade ofensiva para reforçar a necessidade dos jogadores

observarem antes de passar a bola e movimentar-se para recebê-la. Após o jogo o

professor pode discutir brevemente esses conceitos com os alunos e reforçar a

necessidade de adotá-los no jogo de futsal completo. [Objetivos táticos: tirar vantagem

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tática da superioridade numérica; jogar coletivamente; realizar as transições entre

ataque e defesa e vice-versa com rapidez e organização].

JOGO 4: Golzinhos com demarcação de ataque e defesa: jogo de golzinhos

3x3, no qual os jogadores da equipe que está defendendo precisam atuar segurando

algum objeto (colete, mini-cone, tartaruga...), de forma que em toda troca de posse de

bola entre as equipes, a equipe que conquistou a bola deve soltar o objeto e a adversária

deve pegá-lo, para só então exercer a marcação. Nessa dinâmica, espera-se tanto que os

jogadores identifiquem concretamente as fases defensiva e ofensiva adequando-se às

mesmas, como aproveitem o momento da transição defensiva-ofensiva de forma a tirar

vantagem do tempo necessário para a outra equipe tomar posse dos objetos deixados no

chão pelo adversário. [Objetivos táticos: identificar as fases defensiva e ofensiva do

jogo; tirar vantagem tática da transição defensiva-ofensiva; reorganizar-se

defensivamente da transição ofensiva-defensiva].

JOGO 5 - Futsal por setores ofensivo e defensivo: A vivência é realizada por

meio de jogos de futsal com modificações nas regras para provocar comportamentos

táticos coletivos desejados. A proposta é dividir a turma em quantas equipes forem

necessárias para que todos os alunos possam jogar de forma proporcional por meio de

um rodízio das equipes. A modificação das regras consiste em delimitar um espaço

central da quadra para que a equipe em situação de defesa atue, favorecendo a

compactação, enquanto que a equipe em situação ofensiva atua apenas fora dessa zona

central (Figura 2). A zona central pode ser delimitada pela marcação da quadra de

voleibol ou por uma marcação personalizada proporcional a essa delimitação.

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Figura 2 – Representação da distribuição dos jogadores de ataque (amarelo) e defesa (azul) no jogo de

futebol por setores

Conforme é possível observar na figura 2, a equipe amarela está de posse da bola

(branca) e portanto em situação ofensiva, desse modo ela só poderá atuar do lado de

fora da quadra de voleibol, enquanto a equipe azul (defesa) só poderá atuar no lado

interno da quadra de voleibol. Porém, para possibilitar que os defensores possam

abordar os jogadores atacantes, existe uma regra que permite que um jogador defensivo

possa sair para marcar fora da quadra de voleibol, podendo “dar combate” ao atacante

de posse da bola. Cabe ressaltar que apenas um defensor por vez pode sair da zona

defensiva para dar combate, portanto, para que outro defensor possa dar combate em

outro setor da quadra, na hipótese da bola ser passada para esse outro setor, o defensor

que estava fora da zona defensiva precisa retornar para a quadra de voleibol, permitindo

assim que o seu companheiro de defesa possa sair, conforme demonstrado na figura 3.

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Figura 3 – Representação do jogo de futebol por setores, com a situação de troca defensiva com

o retorno de um jogador à zona defensiva e a saída de outro.

Para evidenciar os comportamentos defensivo e ofensivo pretendidos, o jogo não

inclui as fases de transição defensiva e ofensiva (ou contra-ataques), sendo realizado

com apenas uma equipe atacando por um determinado período (5 minutos, por

exemplo), enquanto a adversária só defende e após esse período invertem-se os papéis.

Nesses períodos, em caso de recuperação de bola pela equipe defensora, a bola retorna

para o goleiro da equipe atacante para que se dê início a uma nova tentativa de ataque.

Após algum tempo de jogo acrescenta-se uma regra que favorece a equipe

atacante. A nova regra permite que um atacante por vez possa invadir a zona de defesa

para a construção da jogada de ataque ou finalização. Importante frisar que antes dessa

modificação nenhum dos atacantes pode invadir a quadra de voleibol, nem mesmo no

sentido de cortar caminho sem bola para acessar algum espaço. A partir dessa mudança

de regra é possível que os atacantes realizem movimentações diversas de infiltração na

defesa, desde que respeitem a condição de apenas um jogador por vez permanecer nesse

espaço. [Objetivos táticos: realizar apoios ofensivos; realizar coberturas defensivas;

organizar-se coletivamente para a compactação defensiva; organizar-se coletivamente

para a dispersão ofensiva].

Roda de conversa: Após as duas vivências das lógicas internas do

futebol/futsal, cabe retomar os aspectos das demandas táticas individuais e coletivas

discutidas na roda inicial da aula. Com relação ao jogo de bobinho em equipes, o

destaque fica por conta da importância dos jogadores quando de posse da bola

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observarem o jogo antes de tomarem suas decisões sobre o que executar e, no caso de

seus companheiros sem a posse da bola, de se desmarcarem para oferecerem opções de

passe para seu companheiro com a bola.

No caso do futebol por setores, a reflexão deve centrar-se na importância da

equipe defensora manter o equilíbrio defensivo, por meio do balanço entre saída e

entrada dos jogadores na zona de defesa, que permite que sempre haja um marcador

pressionando o atacante de posse da bola, e ao mesmo tempo mantendo uma relativa

compactação da equipe defensiva. Já no caso da equipe em situação ofensiva, o

destaque fica por conta da necessidade dos jogadores fazerem a bola girar entre os

atacantes, dificultando o balanço dos defensores e encontrando espaços para finalização

em condições de marcar o gol.

Mais uma vez, o professor pode fazer uma mediação dessas reflexões, por meio

de descoberta orientada, utilizando-se de questionamentos que suscitem nos alunos uma

reflexão sobre as soluções desses problemas evidenciadas no decorrer do jogo.

UNIDADE DIDÁTICA 2 – Futebol e mídia: as diferentes narrativas e

sentidos produzidos pelo jogo de futebol

Para enriquecer o tratamento didático dessa discussão, o professor pode preparar

a aula levando para os alunos um trecho da narração de um jogo pelo rádio, da

transmissão desse mesmo jogo (se possível) pela TV e uma ou mais matérias

jornalísticas sobre esse jogo. A ideia seria apresentar tais fragmentos, para

alimentar a discussão a respeito das distintas narrativas sobre jogo e como elas

proporcionam diferentes sentidos e experiências em seus receptores. Um outro

vídeo engraçado e ilustrativo para balizar essa análise é o da participação do

humorista Marcelo Adnet no evento de premiação dos destaques do Campeonato

Brasileiro de 2010, onde ele apresenta de forma hilária e muito fidedigna, como

seria a narração de um mesmo lance de um jogo de futebol no rádio e na

televisão. O vídeo pode ser assistido no seguinte link:

https://www.youtube.com/watch?v=vf2S4G09DUI (acesso em 19/04/2014).

JOGO 1 - “Futebol Torre de Babel”: Jogos de futsal com narrações

anárquicas do tipo “Torre de Babel”. A vivência consiste em realizar quantos jogos de

futsal forem necessários para que todos os alunos tenham a oportunidade de jogar,

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sendo que os alunos que estiverem de fora devem dividir-se em duplas ou trios que irão

ficar narrando e comentando o jogo entre si, todos ao mesmo tempo. Nesses jogos

ainda, o professor deve ficar atento à lógica interna, em relação à postura dos jogadores

de posse de bola (demandas táticas individuais), verificando se eles procuram observar

os companheiros livres antes de passar a bola e se os jogadores atacantes sem a bola

procuram se movimentar para espaços que propicie opção de passe para seus colegas

com bola (demandas táticas individuais) e se as equipes procuram se agrupar quando

estão defendendo e se espalhar quando estão atacando (demanda tática coletiva).

JOGO 2 - Jogo de futsal com cobertura midiática: A turma será dividida de

forma a cumprir uma série de papéis. Um grupo irá participar como jogadores em uma

partida de futsal, com jogadores titulares, alguns reservas e treinadores, além de uma

dupla de árbitros e um ou dois mesários. Haverá também as equipes de imprensa e os

espectadores. Dois ou três alunos farão a cobertura jornalística do jogo, para isso eles

irão escrever um texto sobre o jogo, podendo utilizar fotos tiradas na partida e

entrevistar jogadores, treinadores e árbitros para ilustrar a matéria. Uma dupla ou trio

fará a cobertura do jogo por rádio, sendo um narrador e outro(s) comentarista(s),

juntamente com esse grupo, haverá um grupo de alunos que serão os espectadores do

rádio, ou seja, não poderão assistir ao jogo, ficarão de costas ou atrás de algum tipo de

anteparo que os impeça de visualizar a partida, ficando apenas ouvindo a narração e os

comentários dos colegas. Dependendo do tamanho da turma, pode-se incluir um grupo

de torcedores de cada equipe que assistirão à partida presencialmente e até uma outra

equipe que fará a cobertura de TV, filmando o jogo por celular ou outro meio (filmadora

se a escola tiver), com narrador e comentarista, para que todos possam assistir a essa

transmissão após o término da partida. No decorrer do jogo o professor deve aproveitar

todas as oportunidades possíveis para lembrar aos jogadores da importância de observar

o jogo antes de passar a bola e de se movimentar sem bola oferecendo-se para recebê-la

e de que coletivamente a equipe se compactasse para defender e se dispersasse para

atacar.

Roda de conversa: Após a realização do jogo de futsal com cobertura midiática,

é importante realizar uma discussão com a turma, partindo dos depoimentos das pessoas

que assumiram os diferentes papéis, para expressarem seus pontos de vista em relação

aos sentidos que o jogo assume para cada um desses emissores e receptores do

“espetáculo”. Antes ou após esses depoimentos, vale à pena pedir para que o grupo que

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escreveu a matéria jornalística apresente seu texto para a turma, assim como o grupo da

TV faça a exibição de sua gravação com narração e comentários. Após os depoimentos

e as exibições das coberturas do jogo, o professor pode mediar essa discussão, com

provocações como: “Podemos dizer que temos um mesmo jogo na perspectiva de quem

jogou, de quem ouviu, de quem narrou, de quem comentou, de quem assistiu, de quem

torceu ou de quem escreveu uma matéria?”; “Quando a câmera escolhe mostrar um

lance do jogo e não outro, repetir exaustivamente uma jogada, ou optar por um plano

mais aberto no campo todo ou por um close no jogador com a posse da bola, ou quando

o narrador e o comentarista optam por destacar as virtudes de determinado jogador ou

equipe ou por apontar as deficiências desses, fica evidente que se escolhe uma dentre

inúmeras possibilidades de se contar a história do jogo. Qual o impacto disso na

formação de opinião dos espectadores e como esses podem se comportar para não se

tornarem reféns do discurso midiático?”.

UNIDADES DIDÁTICAS 3 e 4: Fútbol callejero / Classificação funcional e

futebol democrático

Nesse momento apresentaremos uma vivência a partir da combinação das

unidades didáticas relativas ao Fútbol Callejero e à Classificação Funcional aplicada ao

futsal. A proposta é desenvolver a vivência a partir da metodologia do Fútbol Callejero,

incorporando os elementos da classificação funcional para a construção das regras no 1º

tempo. Para tanto descrevemos a seguir, de forma sintetizadas a estrutura de cada um

desses referenciais.

FÚTBOL CALLEJERO

As partidas são compostas por três tempos, disputadas por equipes necessariamente

integradas por homens e mulheres e prescindindo da figura do árbitro, de modo que

todas as decisões acerca de regras, situações de jogo, duração e dinâmica da partida

sejam tomadas pelos jogadores sob a supervisão de um mediador.

O 1º Tempo é caracterizado pela realização de uma roda inicial, com o intuito de

acordar entre as equipes as regras que prevalecerão no jogo e pela indicação de um

mediador, que nesse momento apenas toma nota dos acordos firmados pelas equipes. A

etapa seguinte é a realização do 2º Tempo com o desenvolvimento de um jogo balizado

pelas regras que foram firmadas anteriormente. Neste momento o mediador deverá

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apenas observar o jogo e fazer anotações daquilo que dialogue diretamente com as

regras.

Por fim, temos o 3º Tempo, ou a Mediação, em que é formada uma roda final para

diálogo acerca das situações e atitudes manifestadas durante o jogo. O mediador assume

uma importância angular neste momento da partida ao problematizar algumas situações

observadas no jogo a partir de um posicionamento imparcial, com vistas a estimular os

participantes a exporem e defenderem seus pontos de vista acerca das situações

vivenciadas durante a partida.

A contabilização dos pontos é realizada pelo mediador junto com os/as

jogadores/as a partir da análise do número de gols, bem como à luz dos princípios

fundantes do FC: solidariedade (relação solidária com os jogadores da equipe

adversária), respeito (respeito aos acordos e regras estabelecidas no 1º Tempo) e

cooperação (atitudes cooperativas entre os jogadores de uma mesma equipe). O término

de uma partida é marcado pelo acordo entre os participantes acerca do resultado final,

possibilitando a emersão de um censo de justiça compartilhado entre todos/as

envolvidos/as.

CLASSIFICAÇÃO FUNCIONAL

O objetivo da classificação funcional no esporte paraolímpico é garantir a

igualdade geral entre os competidores. Com critérios específicos de cada modalidade,

mas também princípios que se estendem a todas as 20 práticas principais, o esporte

paraolímpico se estrutura no que é conhecido como classificação funcional. Isso

significa, na prática, a formação de um regulamento que vai tentar aproximar os limites

de cada competidor.

O objetivo é garantir a igualdade geral e assegurar que os vencedores chegaram

ao topo graças às suas melhores técnicas, habilidades, forças, talentos e não por um

suposto favorecimento físico sobre as deficiências de um ou outro rival. O objetivo dos

princípios, segundo o Comitê Paralímpico Brasileiro, não é separar apenas as

deficiências, mas sim tentar nivelar ao máximo a capacidade esportiva de cada

concorrente.

Os atletas paraolímpicos, para simplificar a classificação funcional em um

primeiro momento, se dividem em seis tipos de deficiências: amputados, lesão medular,

paralisia cerebral, deficiência mental, deficiência visual e os chamados “les autres”,

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tradução do francês para “os outros”. Nesse rol, se enquadram os que não podem ser

colocados nas outras cinco categorias.

São 20 as modalidades paraolímpicas que se utilizam da classificação final. Para

a vivência do futsal faremos uso da classificação implantada no basquetebol em cadeira

de rodas.

Cada atleta é classificado de acordo com comprometimento físico-motor e a

escala obedece aos números 1, 2, 3, 4 e 4,5. Com objetivo de facilitar a classificação e a

participação de atletas que apresentam qualidades de mais de uma classe distinta (os

chamados casos limítrofes) foram criadas quatro classes intermediárias: 1,5, 2,5 e 3,5. O

número máximo de pontuação em quadra não pode ultrapassar 14 e vale a regra de que,

quanto maior a deficiência, menor a classe.

Em nosso caso será usada a mesma pontuação, de forma autodeclarativa, de

forma que os participantes do jogo se classifiquem segundo seus níveis de experiência e

competência de jogo no futsal.

VIVÊNCIA: Será realizado um jogo com a metodologia do Fútbol Callejero, na

qual no primeiro tempo, todos os participantes se autoclassificarão segundo a pontuação

da classificação funcional e, posteriormente, todos serão distribuídos em duas equipes

que construirão coletivamente as regras e vivenciarão os 3 tempos do jogo de Fútbol

Callejero.

UNIDADE DIDÁTICA 5: Futebol generificado

Nessa unidade didática a proposta consiste em realizar uma discussão sobre as

desigualdades de gênero na sociedade de uma maneira geral e no esporte e no futebol

em especial, a partir de uma vivência do jogo de futebol com adaptações das regras que

delimitam as formas de participação de homens e mulheres de acordo com os papéis

sociais que são esperados para eles de acordo com os marcadores de gênero.

O jogo, batizado de futebol generificado, consiste em uma adaptação do futsal,

na qual inicialmente formam-se duas equipes de aproximadamente sete jogadores/as

cada. Cada equipe terá cinco jogadores de linha do sexo masculino e duas jogadoras de

goleiras. Na quadra de futsal, haverá uma delimitação das áreas defensivas de cada

equipe, sendo que nestas áreas apenas as goleiras poderão atuar, ficando definido que

elas não podem sair desta área e os jogadores de linha não podem entrar na mesma.

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Dentro desta área – próximo à linha de fundo – são distribuídos diversos alvos, como

cones e/ou garrafas pet (Figura 4).

No desenvolvimento do jogo, os jogadores de linha têm o objetivo de derrubar

ou simplesmente acertar estes alvos, ao passo que as goleiras tentam evitar este

objetivo, sem utilizar as mãos. Ao derrubar os alvos, conta-se um ponto para cada um

acertado, e, as goleiras devem repor a bola em jogo e em seguida re-organizar os alvos

na mesma disposição de antes de serem atingidos. Caso a equipe adversária consiga

derrubar alvos novamente enquanto as goleiras ainda estiverem organizando os

atingidos anteriormente, cada alvo derrubado contará pontuação dobrada.

Após algum tempo de jogo, é feita uma pequena modificação das regras,

permitindo que as goleiras saiam da área de defesa e participem do ataque, porém elas

se mantém como únicas responsáveis por organizar os alvos na defesa quando atingidos

e os pontos que conseguirem marcar irão valer metade dos conquistados pelos jogadores

de linha.

Ao fim do jogo, abre-se a discussão sobre a relação do jogo com os papéis que

homens e mulheres exercem na sociedade e principalmente sobre as relações de trabalho

produtor e reprodutor, sob a perspectiva de gênero. A discussão pode ser aprofundada

com fragmentos de textos que tratam de trabalho e gênero.

Algumas temáticas possíveis de serem abordadas a partir do jogo são: 1.

Delimitação dos espaços públicos (masculinos) e privados (femininos), representados

pelas áreas de jogo da quadra; 2. Identificação do papel de homem provedor e mulher

cuidadora nas funções do jogo; 3. Constatação da discriminação social entre trabalho

produtor e reprodutor; 4. Identificação da dupla jornada de trabalho da mulher; 5.

Constatação da desigualdade salarial entre homens e mulheres no exercício do mesmo

trabalho; 6. Percepção da falta de incentivo para a inserção da mulher no mercado de

trabalho, em função da dupla jornada combinada com os baixos salários.

Page 16: Mini Curso Pedagogia Do Futebol UNESP 2015

Figura 4 – Representação do jogo de Futebol Generificado

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