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MILTONFRIEDMANAs ideias e influência

do economista que liberalizou

os mercados e moldou

o mundo em que vivemos

Milton Friedman

A concise guide to the ideas and influence

of the free-market economist

Traduzido do inglês por

Michelle Hapetian

EAMONN BUTLER

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CONTEÚDOS

INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7Cronologia da Vida e da Obra de Milton Friedman . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

1. O ECONOMISTA QUE MUDOU TUDO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17Influência Mundial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19Como se Faz um Economista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23O Intelectual Público . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

2. COMO ACABAR COM AS CRISES FINANCEIRAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37A Falsa Confiança nos Governos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40Uma Explicação Melhor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48Lições Atuais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54

3. CURAR A INFLAÇÃO E O DESEMPREGO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57A Doença da Inflação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59Outras Explicações para a Inflação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67Inflação Versus Desemprego? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68Como Controlar a Inflação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70Como Não Curar a Inflação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74

4. UMA FOGUEIRA DE CONTROLOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77Pessoas e Comércio Livres . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79Libertar as Divisas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86A Pobreza da Regulação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

5. O INSUCESSO DO GOVERNO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99O Papel do Governo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101Porque Falham os Governos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104A Fraude do Governo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108Uma Abordagem Diferente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117

6. OS MÉRITOS DOS MERCADOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .121Friedman e os Mercados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123Diversidade e Não Discriminação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130Os Mercados Ajudam as Pessoas Comuns . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135

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7. LIBERDADE E IGUALDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141A Demanda pela Igualdade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144Porque Funciona a Liberdade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149A Importância da Liberdade Pessoal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .151A Humanidade Segundo Friedman . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154

OBRAS RECOMENDADAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159

ÍNDICE REMISSIVO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .161

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1.O Economista

que Mudou Tudo

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“Muito poucas pessoas, ao longo dos tempos, têm ideias suficientemente originais para alterar de forma significativa a direção de uma civilização. Milton é uma dessas pessoas.”

ALAN GREENSPAN, ex -presidente da Reserva Federal dos EUA

INFLUÊNCIA MUNDIAL

Alan Greenspan tinha razão: a mudança de direção que resultou da obra poderosamente original de Friedman é de facto notável. Durante a maior parte da carreira de Friedman como economista, dos anos 30 aos anos 80, o mundo era dominado pelas teorias de planeamento, gestão e controlo governamentais. Por fim, contudo, começaram a disseminar -se novas ideias – as ideias de Milton Friedman sobre os mercados livres, o comércio aberto, a liberdade e o capitalismo. Embora não deixem de ser controversas para muitas pessoas, essas teorias tornaram -se parte da vida quotidiana de milhões de cidadãos em todo o mundo.

Aquando da queda do Muro de Berlim e do fim da ocupação sovié-tica da Europa de Leste, a pequena república da Estónia encetou um programa de reformas abrangentes que aumentou a prosperi-dade dos cidadãos a níveis nunca antes sonhados. Uma década depois, já se tinha tornado o país com maior número de ligações à Internet do mundo; as indústrias estatais foram privatizadas, a tri-butação fiscal das empresas foi abolida, os impostos sobre as pessoas

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individuais foram reduzidos e os controlos desapareceram. A Estó-nia transformou -se no Tigre do Báltico e passou a ser um modelo para outros países ex -soviéticos.

Mart Laar, o primeiro -ministro da época (1992 -94 e 1999 -2002), explicou a fonte do seu radicalismo quando recebeu o Prémio Milton Friedman para o Avanço da Liberdade, em 2006. Na era soviética, os livros de Economia ocidentais eram inacessíveis. O único que ele tinha conseguido obter fora Livre para Escolher, de Milton Friedman (1980). Tal como gracejou, por sorte, não tinha economistas ociden-tais da corrente dominante à sua volta para lhe dizerem que essas ideias não iam funcionar. Para combater uma inflação de 1000%, uma quebra económica de 30% e uma taxa de desemprego de 35%, limitou -se a adotar as teorias de Friedman. Estas funcionaram muito melhor do que se poderia esperar.

“Só uma crise – verdadeira ou percecionada – produz verda-

deiras mudanças. Quando essa crise ocorre, os atos depen-

dem das teorias em circulação. Acredito que essa é a nossa

principal função: desenvolver alternativas às políticas vigen-

tes, mantê -las vivas e disponíveis até que o politicamente

impossível passe a politicamente inevitável.”

MILTON FRIEDMAN, Capitalism and Freedom, Prefácio da edição de 1982

A morte do comunista revolucionário Mao Zedong levou também a China a abrir as portas às teorias económicas de Friedman. Em 1980, apenas um ano depois de o reformista Deng Xiaoping se ter tornado o “líder supremo” da China, Friedman foi convidado a discursar naquele país sobre a utilização dos mecanismos de mercado numa economia planificada. Hoje em dia, a adoção de mecanismos de mer-cado fez a China sentar -se de rompante à mesa da liga das economias mundiais e melhorou as vidas de milhões de cidadãos chineses.

Entretanto, na Índia, mil milhões de pessoas gozam de outro enorme impulso económico, no seguimento da liberalização econó-mica do país, em 1991, que acabou com o controlo dos preços, redu-

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ziu os impostos, aboliu os monopólios públicos e extinguiu as regu-lações. As reformas de mercado livre fizeram da Índia uma das economias de mais rápido crescimento do mundo e proporcionaram à população mais literacia e esperança de vida. As populações da Índia e da China poderão não se aperceber disso, comentou Gary Becker, economista galardoado com o Nobel , mas “a pessoa a quem mais devem pela melhoria da sua situação é Milton Friedman”.

Do outro lado do mundo, encontramos a influência de Friedman no Chile. Depois do golpe militar que pôs fim ao governo socialista de Salvador Allende, Friedman aceitou um convite para discursar no Chile acerca dos méritos da liberdade económica. Para além disso, escreveu ao ditador militar Augusto Pinochet, apresentando um pro-grama para acabar com a hiperinflação do país e estabelecer uma economia de mercado. Pinochet promoveu vários jovens economis-tas chilenos – os chamados Chicago Boys – que tinham estudado na Universidade de Chicago, onde Friedman lecionava. Estes reduziram as tarifas sobre as importações, substituíram o deficiente sistema de pensões por um baseado em poupanças e contas pessoais, privatiza-ram herdades, estabilizaram a moeda e liberalizaram o setor finan-ceiro. As suas reformas deram a volta à crise económica do Chile, tornando -o uma das economias mais prósperas da América Latina.

Impacto Contínuo

Hoje em dia, podemos verificar os benefícios da prosperidade eco-nómica e da liberdade pessoal, que se seguiram à adoção das teorias de Friedman, em países tão diversificados como a Estónia, a China, a Índia e o Chile. Alan Greenspan resumiu o legado de Friedman, dizendo: “O seu impacto refletiu -se não só sobre o século XX, mas também sobre o século XXI, e desconfio que será contínuo.”

Friedman esteve envolvido em todos os conflitos intelectuais mais amargos mas essenciais do século XX sobre o papel dos governos nas questões socioeconómicas. Durante uma boa parte desse tempo, as suas opiniões estavam em minoria. Desde as revoltas dos anos 30, passando pelo New Deal, até ao planeamento e à “afinação” da econo-

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mia nos anos do pós -guerra, intensificou -se a ideia de que a interven-ção governamental na economia era essencial e inevitável – uma crença fundamentada pelos textos do economista mais proeminente da época, John Maynard Keynes. Além disso, a União Soviética domi-nava a Europa de Leste e exportava o socialismo internacional para a Ásia, África e América Latina, numa investida que parecia impará-vel.

Apesar de muitas vezes parecer inútil resistir a esses movimentos arrebatadores, Friedman juntou -se à batalha intelectual com entu-siasmo. Adorava uma boa discussão e lidava até com os mais severos opositores de uma forma caracteristicamente alegre – o seu bom senso e estilo otimista valiam -lhe muitos apoiantes. Professor e comunicador brilhante, dirigia -se ao público mais vasto em obras populares, artigos de revistas e entrevistas, bem como através da série televisiva Livre para Escolher, mundialmente conhecida. Era o maior exponente mundial da liberdade económica e pessoal.

O Impacto Económico de Friedman

Friedman também venceu batalhas importantes no campo das Ciências Económicas. É sobretudo conhecido pelo seu papel na luta contra a inflação, em que as suas ideias tiveram um enorme êxito. Através das políticas de grande despesismo de Keynes e dos seus seguidores, os governos do pós -guerra depressa se viram a braços com o descontrolo das finanças, a desvalorização das moedas e a subida em flecha dos preços. Por ocasião da queda do Muro de Ber-lim, em 1989, a inflação mundial já atingia os 19% com tendência para subir. A esse ritmo, os preços duplicavam de cinco em cinco anos.

“A inflação é uma doença”, escreveu Friedman. “É uma doença peri-gosa e, por vezes, fatal que, se não for travada a tempo, pode destruir uma sociedade.” Não podia ser tolerada ou trocada por outros objeti-vos económicos, como o emprego, tal como acreditavam os econo-mistas da corrente dominante. Friedman defendia a existência de uma “taxa natural” de desemprego, que refletia as realidades do

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mercado laboral. Quando os governos adotam políticas despesistas para expandir o emprego acima desse nível, a única coisa que conse-guem é piorar a situação. As suas políticas aumentam a inflação, prejudicando as delicadas engrenagens da economia de mercado, e, por conseguinte, provocam mais desemprego.

Friedman foi direto: a fonte dessa doença explica -se numa frase – “A inflação é sempre e em toda a parte um fenómeno monetário.” Para curar a inflação, os governos devem ter mais cuidado com o dinheiro. Era a mensagem de um comunicador brilhante que o mundo acabaria por compreender. Com cada vez mais governos a seguirem o conselho de Friedman, a inflação mundial caiu significa-tivamente de um pico de quase 29%, em 1994, para pouco mais de 3%, uma década depois. A par, deu -se um aumento significativo da paz e da prosperidade. E quase tudo graças a Milton Friedman.

COMO SE FAZ UM ECONOMISTA

Apesar de ser um acérrimo defensor do capitalismo de mercado livre, Friedman tinha origens pobres. Nasceu em Brooklyn, Nova Iorque, em 1912, no seio de uma família judia que tinha emigrado da Hun-gria. O pai era vendedor e aceitava os trabalhos que conseguia, enquanto a mãe costurava numa fábrica clandestina de Nova Iorque. Cerca de 68 anos depois, Friedman apresentaria ao público da sua série televisiva Livre para Escolher o mesmo tipo de exemplo – dessa vez em Hong Kong –, para demonstrar que, embora com condições e salários precários, esses locais proporcionavam aos imigrantes não qualificados, e muitas vezes detestados, o primeiro passo na escada do autoaperfeiçoamento.

“A minha mãe chegou a este país aos 14 anos. Trabalhou

como costureira numa fábrica clandestina, e foi apenas por-

que existia essa fábrica clandestina para a empregar que

conseguiu vir para os EUA. Mas não ficou nessa fábrica –

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nem ela, nem a maioria das outras operárias. Aquela era

apenas uma estação no caminho delas, e muito melhor do

que qualquer outra coisa que tinham à sua disposição nos

países de onde vinham. E ela nunca encarou aquilo de outra

maneira. Devo dizer que fico um pouco revoltado por as pes-

soas escarnecerem de um sistema que lhes possibilitou

escarnecerem dele.”

MILTON FRIEDMAN, entrevista à Playboy (1973)

Depois disso, os Friedman acabaram por conseguir mudar -se para uma nova casa, a cerca de 30 km de Nova Iorque, onde viviam por cima da retrosaria que a mãe passara a gerir, enquanto o pai traba-lhava em Nova Iorque. Nos primeiros anos de Friedman, a família nunca ganhou o suficiente para ultrapassar aquilo que hoje se consi-dera ser a linha de pobreza, mas melhorou de vida, graças ao trabalho árduo.

Talvez tenha sido importante para a carreira de Friedman o facto de os pais falarem inglês em casa, em vez da língua materna, o hún-garo. Milton entrou para a escola mais cedo do que a maioria dos colegas e era um leitor voraz. Aos 16 anos, ganhou uma bolsa para estudar Matemática na Universidade de Rutgers. Para além do que aprendeu nas aulas, a Universidade de Rutgers ensinou -lhe algo acerca do mercado. Os caloiros tinham de usar gravata verde: Friedman e um amigo ganharam dinheiro comprando uma provisão dessas gra-vatas e vendendo -as de porta em porta. No ano seguinte, fizeram um acordo com a Barnes & Noble para lhes comprar os livros usados dos colegas e lhes fornecer novos livros.

A grande questão intelectual da época, contudo, era a queda do mercado das ações, em 1929, e a Depressão que lhe sucedeu. Dois dos professores de Friedman, Arthur Burns e Homer Jones, passaram--lhe o entusiasmo pela forma como a economia poderia explicar esses eventos e impedir a sua reincidência. Foi assim que Friedman se voltou para o estudo da Economia.

Frequentou uma pós -graduação na Universidade de Chicago sob a tutela dos economistas Jacob Viner, Frank Knight e Henry Simons

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– fundadores daquela que ficou conhecida como a Escola de Econo-mia de Chicago, que criticava a fé prevalecente numa gestão econó-mica governamental. Aí, conheceu a futura mulher, Rose Director, com quem escreveu vários livros radicais sobre políticas públicas, e que fez críticas construtivas a quase todas as suas obras de Econo-mia.

Friedman concluiu o curso em 1933, no despertar do New Deal, de Roosevelt, com os seus projetos de obras públicas em grande escala, visando criar novos postos de trabalho, e as suas tarifas elevadas sobre as importações para preservar as já existentes. O governo expansivo de Roosevelt atraía economistas talentosos e Friedman depressa se tornou um deles, juntando -se ao National Resources Committee, em Washington. Através dos estudos que aí desenvolveu sobre os comportamentos dos consumidores, adqui-riu conhecimentos que lhe viriam a permitir desafiar o próprio Keynes.

Um Keynesiano em Tempos de Guerra

No entanto, por essa altura, Friedman era – tal como toda a gente – um keynesiano. Depois de uma breve passagem pelo ensino e de ter integrado o National Bureau of Economic Research, onde fazia investigação com Simon Kuznets sobre os rendimentos individuais, Friedman regressou a Washington, em 1942, para trabalhar nas polí-ticas fiscais do Departamento do Tesouro dos EUA. Chegou mesmo a desenvolver a ideia de Keynes de aumentar os impostos para com-bater a inflação, prestou declarações no Congresso para apoiar essa medida e foi coautor de um estudo sobre o tema – Taxing to Prevent Inflation –, em 1943.

Anos depois, Friedman apoiaria quase todos os cortes fiscais, rejei-tando a tese de que os aumentos de impostos podiam afetar a infla-ção: só as alterações na provisão de dinheiro, insistiu, o podiam fazer. Na altura, no entanto, ainda não tinha desenvolvido essas noções pio-neiras – na verdade, nem sequer falou em dinheiro no seu depoi-mento de 1942.

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“Sou a favor de se cortarem os impostos em quaisquer cir-

cunstâncias e sob todos os pretextos, seja por que razão for,

sempre que possível.”

MILTON FRIEDMAN, entrevista a John Hawkins (2003)

Friedman passou o resto da Segunda Guerra Mundial no Grupo de Investigação Estatística da Universidade de Columbia, onde, junta-mente com os colegas, desenvolveu uma técnica estatística conhecida como análise sequencial. Esta ainda é uma das principais ferramen-tas das experiências de controlo de qualidade, tais como os ensaios clínicos dos novos fármacos. Só depois da guerra é que começou a demarcar -se como pensador económico controverso e radical.

O Radical Emergente

Milton Friedman media 1,52 m. O amigo George Stigler era cerca de 30 cm mais alto. Ambos tinham alcunhas irónicas: Sr. Macro (Friedman, cuja área era a Macroeconomia, ou seja, o funciona-mento geral da economia) e Sr. Micro (Stigler, que era especializado em Microeconomia, ou seja, o comportamento dos agregados fami-liares e dos consumidores individuais). Em 1954, Stigler arranjou um emprego a Friedman na Universidade do Minnesota, onde cola-boraram no panfleto Roofs or Ceilings?, que repudiava fortemente os controlos dos arrendamentos. Na opinião de ambos, essa medida de tempo de guerra tinha resultados perversos. O preço reduzido dos arrendamentos levava a que os senhorios preferissem manter as propriedades sem as arrendar, reduzindo a oferta e a qualidade do alojamento.

Os economistas e os políticos receberam o panfleto como um ata-que grosseiro à sua capacidade de formular e regular os mercados através da ação governamental. Era um rude insulto ao estado de espírito da época, no entanto, marcava o nascimento do economista do mercado livre, Milton Friedman, cujas teorias haviam, em última análise, de prevalecer, ainda que muito mais tarde.

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Nesse mesmo ano, Friedman publicou Income from Independent Professional Practice, em coautoria com Simon Kuznets, descrevendo o trabalho que tinham feito no National Bureau of Economic Rese-arch. Apesar de ser uma densa obra estatística, com 600 páginas, apresenta a defesa de uma forte política pública que Friedman, o polí-tico radical, retomaria repetidas vezes. Esse trabalho demonstrou como os principais beneficiários do licenciamento profissional – regulamento oficial de profissões como a de médico, dentista, advo-gado, contabilista e engenheiro – eram os próprios profissionais e não o público que a medida devia supostamente proteger. Uma vez que a regulação restringia a competição, o público acabava por pagar taxas mais elevadas por um serviço de pior qualidade.

O Economista de Chicago

A carreira de Friedman na Universidade do Minnesota foi inter-rompida pela oferta de uma vaga no corpo docente da Universidade de Chicago – o principal centro de ensino e investigação na área da Economia dos Estados Unidos. Embora os primeiros professores de Friedman já tivessem saído quase todos, a universidade ainda demonstrava um respeito pelos mercados que estava profundamente fora de moda em todo o lado. Altamente influenciados por Keynes, os economistas e os cientistas políticos, na sua esmagadora maioria, defendiam uma economia mista com um grau elevado de detenção e controlo governamental – ou, até, um socialismo democrático. Não parecia ser possível que o mercado pudesse conseguir melhores resultados do que o planeamento deliberado e a cuidadosa regulação. Para satisfação quase geral, Keynes tinha demostrado que a econo-mia capitalista perdera o combustível e precisava de um investimento por parte do governo para fazer arrancar a criação de postos de traba-lho. Na sua opinião, nem nos bons tempos o capitalismo deixava de ser inerentemente instável – tese comprovada pela queda de 1929 e pela desordem que se seguiu.

Na Universidade de Chicago, Friedman voltou a deixar -se influen-ciar pelos economistas iconoclastas, dos quais Frank Knight seria

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o mais convincente. Knight compreendia e era capaz de explicar como o sistema de mercado orientava os recursos para onde estes eram mais precisos, sem a necessidade de direcionamento, planea-mento ou controlo do governo. Com efeito, um dos alunos de Kni-ght dos anos 40, James Buchanan – que também viria a receber o Prémio Nobel da Economia – escreveu, dizendo que, após seis semanas a frequentar as aulas de Teoria dos Preços de Knight, já se convertera de socialista raivoso em zeloso defensor dos merca-dos livres.

Para além disso, Knight disse que, na discussão e no debate acadé-micos, nada deve ser sacrossanto. Embora a ortodoxia da época pudesse ditar a crença de que o capitalismo continha profundos defei-tos e precisava de uma forte intervenção do governo para os corrigir, Knight procurava convencer os colegas e alunos a não deixarem de lhe colocar em causa os pressupostos, os métodos e as conclusões.

Friedman, por sua vez, julgava que a análise macroeconómica de Keynes era uma forma bastante útil de compreender a economia. O seu defeito, contudo, era estar cheia de falsos princípios e erros factuais. Fazendo jus à sua alcunha, Sr. Macro, analisou a econo-mia com as ferramentas que Keynes tinha criado, utilizando os mesmos conceitos abrangentes, tais como o rendimento nacional, os encargos do Estado e o desemprego total, o consumo e o investi-mento. Na verdade, uma das coisas que o tornavam um crítico tão eficaz dos seguidores de Keynes era o facto de argumentar dentro do enquadramento que eles aceitavam e compreendiam. Com o artigo “A Monetary and Fiscal Framework”, de 1948, confrontou deliberadamente os preconceitos daqueles, sugerindo de forma impertinente que, alicerçado na propriedade privada, o capitalismo sem restrições gera uma eficiência económica muito superior – e também liberdade e democracia em maior escala – à das alternati-vas socialista ou intervencionista. E isso não era teoria – era uma questão evidente.

As evidências estão na base do conceito de ciência económica de Friedman. Tal como explica em The Methodology of Positive Econo-mics, a escolha dos objetivos que devemos almejar tem que ver com valo-res e ética. A economia, porém, tem de lidar com factos e não com

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valores. A questão a saber é se uma dada política nos ajuda a atingir os objetivos que escolhemos. A economia é uma ciência como outra qualquer: na ciência, formulamos teorias e fazemos previsões sobre o que obteremos através de uma ação, para, depois, verificarmos os factos e apurarmos se temos ou não razão. Será que o salário mínimo, por exemplo, reduz a pobreza (dando aos funcionários salários mais elevados) ou a aumenta (criando desemprego)? As evidências dão uma resposta com a qual as pessoas poderão concordar, independen-temente do modo como classificam a pobreza, entre os nossos mui-tos problemas sociais.

O Teórico Monetário

Para Friedman, a economia está relacionado com previsões precisas e não com o aperfeiçoamento de elegantes modelos matemáticos. Os economistas devem procurar compreender as grandes questões eco-nómicas da atualidade, testar as suas teorias mediante os factos e encontrar soluções que melhorem a vida das pessoas. Pode ter sido esta ideia que o conduziu ao combate à inflação – um problema parti-cularmente grave dos anos do pós -guerra – e à teoria económica que mais lhe associamos: a teoria da quantidade de dinheiro. Milton con-siderava a quantidade de dinheiro em circulação um poderoso indica-dor dos preços futuros e, portanto, uma excelente ferramenta para combater a inflação.

Os keynesianos – ou seja, quase todos os contemporâneos de Frie-dman, antes dos anos 80 – desvalorizavam a teoria da quantidade, por a considerarem ultrapassada e rudimentar. Na sua forma mais elementar, a teoria funciona da seguinte forma: os governos contro-lam a quantidade de dinheiro na economia dos seus países impri-mindo novas notas bancárias e cunhando novas moedas. Se imprimi-rem ou cunharem muito mais dinheiro, então – à semelhança de qualquer coisa que se torne subitamente mais abundante –, o seu valor cai. Nessa altura, os produtores pedem mais libras ou mais dóla-res pelos seus bens e serviços, por valorizarem menos essas notas e essas moedas. Por outras palavras, os preços aumentam. Isso chama -se

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inflação e a sua causa é um aumento da quantidade de dinheiro. Con-trolando a produção de dinheiro, controla -se a inflação.

Friedman não inventou a teoria da quantidade – esta já existia há muitos séculos. Os economistas da corrente dominante, contudo, atribuíam os aumentos dos preços a outras causas – ao custo cres-cente do petróleo ou das importações de produtos alimentares, por exemplo. Para além disso, consideravam que, mesmo que a quanti-dade de dinheiro aumentasse efetivamente, as pessoas poderiam não o gastar e ele talvez ficasse nas carteiras ou nas contas bancárias, onde não afetaria de todo a economia ou os preços – a famosa “arma-dilha da liquidez” keynesiana.

Em meados do século XX, a teoria da quantidade já parecia morta e enterrada – mas não estava. Num artigo de 1956, “The Quantity Theory of Money: A Restatement”, Friedman ressuscita -a de forma brilhante. A base da teoria para prever a inflação não estava na oferta de dinheiro dos governos, mas na procura desse dinheiro pelos consumidores – a quantidade que as pessoas optavam por manter à mão. Friedman provou que essa procura é surpreenden-temente estável. O dinheiro extra que for criado não permanece inutilizado nas carteiras ou nas contas bancárias das pessoas: os consumidores detêm uma quantidade de dinheiro muito constante à mão. O que tiverem a mais é gasto, e é esse gasto adicional que faz subir os preços. A teoria da quantidade explica realmente a inflação.

A Monetary History of the United States, que Friedman escreveu juntamente com Anna Jacobson Schwartz, em 1962, demonstra em grande pormenor o impacto do dinheiro na inflação. O livro fornece um bom exemplo do papel do dinheiro na inflação: durante a Guerra Civil Americana, o Sul registou avultados aumentos de preços – que acabaram abruptamente, depois de as tropas do Norte terem apreen-dido as prensas para imprimir o dinheiro do Sul. Para além disso, demonstra como a Grande Depressão, uma época de dramáticas que-das nos preços, não resultou de uma instabilidade inerente ao capita-lismo, mas sim da inapta constrição da oferta de dinheiro pela Reserva Federal Americana.

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“Durante a Guerra Civil, numa fase tardia da guerra, o Norte

invadiu a zona das prensas de impressão onde se faziam

esses pedaços de papel, situada no Sul. Até então, o Sul sofria

uma inflação muito rápida. Se não me falha a memória, qual-

quer coisa como 4% por mês. A Confederação precisou de

mais de duas semanas para encontrar um novo local onde

pudesse instalar as prensas e pô -las a funcionar outra vez.

Nesse período de duas semanas, a inflação estagnou. Após

esse período, quando as prensas recomeçaram a funcionar, a

inflação subiu novamente. É tão evidente e tão simples como

isso.”

MILTON FRIEDMAN, Livre para Escolher, Episódio 9

Enfrentando Keynes

O trabalho de Friedman sobre o comportamento do consumidor, no National Resources Committee, 20 anos antes, permitiu -lhe sus-tentar as suas teorias. Para além disso, possibilitou -lhe desconstruir outra parte vital da estrutura económica de Keynes que tinha encora-jado os governos a expandir em dimensão e a aumentar os impos-tos.

Keynes julgava que, ao enriquecermos, tendemos a gastar menos e a poupar mais. Menos despesa em bens e serviços levam à queda da produção e ao aumento do desemprego. Esse era um bom argumento a favor do aumento quer dos impostos para limitar os rendimentos das pessoas quer dos encargos do Estado para preencher a lacuna da despesa.

No entanto, no livro The Theory of the Consumption Function, publi-cado em 1957, Friedman demonstrou que as pessoas com níveis dife-rentes de rendimento ao longo da vida têm hábitos de despesa e poupança espantosamente consistentes. Keynes estava simplesmente enganado acerca da realidade do comportamento humano e, conse-quentemente, exagerou muito a necessidade de despesa e taxação do Estado.

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MILTON FRIEDMAN

O INTELECTUAL PÚBLICO

Os anos do pós -guerra, contudo, eram dominados por uma crença generalizada na necessidade e na eficácia dos controlos do Estado. As pessoas que, como Friedman, valorizavam a liberdade individual e apoiavam o capitalismo de mercado livre eram uma minoria opri-mida. Em 1947, o economista e cientista político Friedrich Hayek juntou várias dessas pessoas na estância suíça de Mont Pelerin. Ele esperava poder formar com elas um núcleo intelectual para manter vivos os valores do liberalismo – no sentido clássico europeu –, durante o que pareciam ser tempos particularmente tenebrosos.

Dois dos participantes da reunião de Hayek eram Milton Friedman e o amigo George Stigler. Embora as suas ideias tenham permane-cido décadas na selva intelectual, a Sociedade de Mont Pelerin, como se tornou conhecida, continuou a crescer, tornando -se um importante foco de ideias liberais. Daí surgiriam muitos economistas galardoa-dos com o Nobel – incluindo Friedman, Hayek e Stigler – e Friedman tornar -se -ia um dos seus presidentes mais distintos.

Cerca de 15 anos após essa primeira reunião em Mont Pelerin, Fried man escreveu um livro que o fez transitar de economista pro-fissional pouco conhecido (ainda que centrado nas grandes questões públicas, como a inflação) para intelectual público famoso pela sua controvérsia.

No seu livro de 1962, Capitalism and Freedom, que escreveu com a mulher, Rose, Friedman não esteve com rodeios. Depois de dar o seu total apoio aos princípios da liberdade pessoal em que se fundava o seu país, demonstrou como a intervenção do Estado tinha extinguido essa liberdade, deixando a sociedade humana menos livre e a economia menos eficiente, capaz e próspera. Friedman deixou transparecer as opiniões do filósofo inglês oitocentista John Stuart Mill: a crença na dignidade do indivíduo, a convicção de que o progresso só é possível através do génio dos indivíduos e a conclusão de que temos de susten-tar a diversidade e a variedade que permite a prosperidade do individu-alismo. Para além disso, Friedman apoiou -se nos argumentos apresen-tados na obra seminal de Hayek, O Caminho para a Servidão, de que a maior ameaça à liberdade e ao progresso é a concentração do poder.