Metapoesia Ovidiana

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LETRAS CLÁSSICAS, n. 10, p. 119-138, 2006. AMORES I 5, II 1, II 18 E III 1 E ALGUMAS REFRAÇÕES DA “METAPOESIA” OVIDIANA LUCY ANA DE BEM Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas RESUMO: Este artigo pretende demonstrar como Ovídio, através da persona poética do amator, traz à cena elegíaca algumas questões poéti- cas, sobretudo, no que diz respeito aos gêneros que figuram nos Amores, muitas vezes, através de alusões sutis, capazes de evocar traços da tradi- ção poética greco-latina. Tentaremos mostrar que alguns elementos da “metapoesia” ovidiana, típica dos poemas programáticos, situados no iní- cio e no final dos três livros da coleção, são evocados ao longo de toda a obra. A elegia III 1, neste sentido, fornece uma ampla série de persona- gens e motivos: a Elegia personificada, por exemplo, pode ser identificada com a puella de I 5 por causa dos traços “físicos” que compartilham. O discurso da Tragédia, na mesma elegia, é evocado, em partes, na recusatio que constitui o tema central da elegia II 18. Também mostraremos que a escolha do estilo de vida e de poesia do amator ovidiano é peculiar, pois sua recusatio difere dos padrões elegíacos convencionais, como revela a elegia II 1. PLAVRAS-CHAVE: elegia romana; Ovídio; Amores ; poesia programática; gênero; alusão; recusatio. Venit odoratos Elegia nexa capillos/ et, puto, pes illi longior alter erat./ Forma decens, uestis tenuissima, uultus amantis/ et pedibus uitium causa decoris erat. “Chega Elegia, de cabelos trançados e perfumados e, creio, tinha um pé mais longo que o outro. Beleza apropriada, veste muito vapo- rosa, jeito de amante; e seu defeito nos pés era conveniente.”

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    AMORES I 5, II 1, II 18 E III 1 E ALGUMASREFRAES DA METAPOESIA OVIDIANA

    LUCY ANA DE BEMInstituto de Estudos da Linguagem

    Universidade Estadual de Campinas

    RESUMO: Este artigo pretende demonstrar como Ovdio, atravs dapersona potica do amator, traz cena elegaca algumas questes poti-cas, sobretudo, no que diz respeito aos gneros que figuram nos Amores,muitas vezes, atravs de aluses sutis, capazes de evocar traos da tradi-o potica greco-latina. Tentaremos mostrar que alguns elementos dametapoesia ovidiana, tpica dos poemas programticos, situados no in-cio e no final dos trs livros da coleo, so evocados ao longo de toda aobra. A elegia III 1, neste sentido, fornece uma ampla srie de persona-gens e motivos: a Elegia personificada, por exemplo, pode ser identificadacom a puella de I 5 por causa dos traos fsicos que compartilham. Odiscurso da Tragdia, na mesma elegia, evocado, em partes, na recusatioque constitui o tema central da elegia II 18. Tambm mostraremos que aescolha do estilo de vida e de poesia do amator ovidiano peculiar, poissua recusatio difere dos padres elegacos convencionais, como revela aelegia II 1.

    PLAVRAS-CHAVE: elegia romana; Ovdio; Amores; poesiaprogramtica; gnero; aluso; recusatio.

    Venit odoratos Elegia nexa capillos/ et, puto, pes illi longior alter erat./Forma decens, uestis tenuissima, uultus amantis/ et pedibus uitium causadecoris erat.

    Chega Elegia, de cabelos tranados e perfumados e, creio, tinhaum p mais longo que o outro. Beleza apropriada, veste muito vapo-rosa, jeito de amante; e seu defeito nos ps era conveniente.

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    A descrio de uma elegia personificada, que Ovdio elabora nos versos7-10 do primeiro poema do terceiro livro dos Amores, faz parte de uma cena rica-mente detalhada (ekphrsis tpos), na qual a tragdia, tambm personificada, figu-ra de forma marcante. Ambos os gneros poticos, apresentados aos leitores comoduas mulheres de traos e personalidades marcantes, dialogam a fim de persuadiro poeta-amante sobre o futuro de suas composies.

    Como parte do programa ovidiano dos Amores, a elegia III 1 evidencia ques-tes poticas que permeiam toda a obra; segundo Morgan (1997: 22) o poemaprogramtico mais complexo da coleo, devido aos diversos elementos genricosque evoca. Pretendemos mostrar quais e como alguns elementos dessa metapoesiaso evocados em alguns momentos da obra, mas, sobretudo, ao longo dos poemasprogramticos iniciais dos Amores.

    Partiremos de um dos elementos mais importantes para a elegia latina, umafigura proeminente dos Amores: a puella. No incio de I 1, Ovdio brinca com aexpectativa do leitor: atravs de uma aluso Eneida, o poeta parece anunciaruma epopia, porm, j no verso subseqente, um pentmetro, somos apresenta-dos a uma elegia. A mudana mtrica (e, conseqentemente, temtica)1 devida apario de um Cupido peralta, com quem o poeta (ainda no um amante) argu-menta sobre uma srie de inadequaes (I 1, 5-16). Finalmente, o poeta resolveousar e questionar o deus sobre como ir compor elegias, pois ele no possui um(a)amante, fonte capaz de proporcionar a matria apta ao verso elegaco (I 1, 19-20).O pequeno deus resolve o problema de uma maneira tpica: atravs do arco e daflecha, transforma a personagem em poeta amator (I 1, 21-4). E o poema se encerracom aluses prpria poesia amorosa: o poeta-amante, transformado num miser-vel submisso que arde por Amor (I 1, 25-6), brada que coroar seus versos de onzeps com murta, a planta que simboliza Vnus (I 1, 25-30).

    Diferentemente do poeta-amante de Proprcio, que inicia seu livro de ele-gias relatando o seu estado emocional e nomeando o alvo de suas afeies, o eu-

    1 Horcio, Ars Poetica 73-92, discute a associao entre contedo e metro como fatoresdefinidores do gnero potico. Nos vv. 73-76, o poeta discorre sobre pica/hexmetro eelegia/dstico: Res gestae regumque ducumque et tristia bella/quo scribi possent numero,monstrauit Homerus./ Versibus impariter iunctis querimonia primum, /post etiam inclusa estuoti sententia compos; (as gestas de reis e de chefes, as tristes guerras/ em que ritmopodem ser descritas Homero mostrou./ O lamento, primeiro, exprimia-se em versosdesiguais que foram unidos:/ depois, neles incluiu-se tambm a expresso de um votosatisfeito). Traduo de Oliva Neto, 2004: 114.

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    elegaco de Ovdio demora-se em questes poticas, revelando, aos poucos, infor-maes sobre seus sentimentos e sua amada. Em I 3, tomamos conhecimento deque a cura principal dos Amores ser, assim como no Monobiblos de Proprcio, umamor heterossexual. Contudo, apenas em I 5 que assistiremos epifania da puellae coroao do poeta como amator: em um ambiente quase onrico (locus amoenus),Corina chega (uenit Corina, I 5, 9), coberta apenas por uma tnica solta (recincta,v. 9) e transparente (rara, v. 13). Seus cabelos, penteados, so longos a ponto decobrirem seu colo nveo (I 5, 10). Sua beleza se compara quela de rainhas e pros-titutas da mitologia (formonsa Semiramis, v. 11 e amata Lais, v. 12). Conhecemos,tambm, sua fraqueza e cumplicidade (proditio, VV. 15-6) e sua falta de defei-tos, isto , seu fsico perfeito, (in toto nusquam corpore mensa fuit, v. 18).

    Analisando com um pouco mais de cautela os versos que abrem o presenteartigo, veremos como o poeta-amante ovidiano, em III 1, percebe a chegada daElegia: em um ambiente idealizado (locus amoenus), Elegia chega (uenit Elegia, III1, 7), de cabelos longos a ponto de permitirem penteados tranados (v. 7), e comuma beleza notvel (forma decens, v. 9). Sua veste leve (v. 9), possui um semblan-te sedutor como o das amantes (v. 9) e, seu nico defeito fsico a torna mais atra-ente (v. 10). Sabemos que tambm no forte (v. 42 e vv. 45-6) que cmplicede Cupido e Vnus (comesque, vv. 43-4).

    As semelhanas fsicas e algumas coincidncias comportamentais entreCorina e Elegia so inegveis. Embora a jovem amante de I 5 permanea muda opoema todo, o discurso da Elegia em III 1, 49 e ss. deixa entrever muitas caracte-rsticas sobre o carter da personagem e do prprio gnero elegaco. como se apuella fosse um significante do discurso ertico ovidiano nos Amores (Wyke, 2006:179). Nesse sentido, a personagem pode ser entendida como uma representaoda fico elegaca na obra.2 Em Am. III 1, 49 e ss., lemos:3

    Per me decepto didicit custode Corinnaliminis astricti sollicitare fidem

    delabique toro tunica uelata solutaatque impercussos nocte mouere pedes.

    2 Essa idia de fico pode ser reencontrada em Am. III 12: o poeta-amante, insatisfeitocom o assdio que seus versos supostamente geraram em torno de sua puella, pede aopblico para que no interprete a fantasia e a licena dos poetas como realidade. Ver,em especial, os vv. 41-4.

    3 O texto latino segue a edio proposta por E. J. Kenney.

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    Et tamen emerui plus quam tu posse ferendomulta supercilio non patienda tuo:

    uel quotiens foribus duris infixa pependinon uerita a populo praetereunte legi!

    quin ego me memini, dum custos saeuus abiret,ancillae miseram delituisse sinu.

    quid, cum me munus natali mittis, at illarumpit et apposita barbara mergit aqua?

    Atravs de mim, Corina, enganando o guardio, aprendeua corromper a fidelidade de uma porta trancada,

    a deslizar pelo leito, envolta em tnica solta,e a mover ps discretos pela noite.

    Todavia, mereci poder maior que o teu, por suportarmuitas coisas insuportveis ao teu cenho.

    Quantas vezes pendi, afixada, em duras portas,sem medo de ser lida pelos transeuntes?

    Mais: recordo-me ter sido missiva oculta sob o seioda escrava, at que o cruel guardio se ausentasse.

    E quando me envias como presente de aniversrio e ela,brbara, rasga-me e me enfia na gua reservada ao lado?

    Neste trecho final do pronunciamento da Elegia, ocorre uma ambigidadecuriosa: a despeito do emprego de verbos ativos, que enfatizam sua personificao,as situaes narradas so prprias de um texto; ridculo imaginar uma puellarasgada, imersa em gua ou fixada em uma porta. A princpio, a elegia apresen-tada como um elemento do prprio gnero (Elegia = puella); mas, conforme aescolha do poeta-amante se aproxima, juntamente com o final do poema, ela serevela como produo escrita (elegos): atravs dela, Corina aprendeu a ser umapuella elegaca e por meio dela, o poeta-amante se iniciou na poesia (v. 59). Cum-pre lembrar que a meno ao defeito fsico da Elegia, em Am. III 1, 8 alude aoprprio dstico elegaco, se pensarmos em pes como sindoque para o verso.5

    4 Nos Amores, esse jogo com a palavra pes, em referncia medida do verso, recorrente:cf. I 1, 3-4 e Am. II 17, 19-22: Vulcano uenerem, quamuis incude relicta/turpiter obliquoclaudicet ille pede./ carminis hoc ipsum genus impar; sed tamen apte/iungitur herous cumbreviore modo. (Vnus pertence a Vulcano, embora ele, abandonada/ a incude, manquevergonhosamente de um p coxo/Esse gnero de poesia mpar, contudo, apto/a unir-seao metro herico de modo mais breve). Ateno ao ditico hoc: na funo de anfora,indica que o p coxo de Vulcano, deidade blica comum na epopia, quando abandonou

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    O discurso, a conduta e as circunstncias so elaboradas a fim de sinalizarpoemas passados do corpus elegaco. A recordao de uma tunica uelata soluta (III1, 51) nos traz mente a Corina de I 5, 9. Alm disso, algumas situaes evocamelementos e personagens tpicos do gnero elegaco: a porta trancada do v. 45 (quemantm o amante excludo) ocorre em Am. I 6, em Proprcio I 16 e em Tibulo I 2,por exemplo. Tambm constitui um elemento decisivo na potica dos Amores, comopodemos ver em II 1, 11 e ss.:

    Ausus eram, memini, caelestia dicere bellacentimanumque Gygen (et satis oris erat)

    cum male se Tellus ulta est ingestaque Olympoardua deuexum Pelion Ossa tulit.

    in manibus nimbos et cum Iove fulmen habebam,quod bene pro caelo mitteret ille suo.

    Clausit amica fores: ego cum Ioue fulmen omisi;excidit ingenio Iuppiter ipse meo.

    Iuppiter, ignoscas: nil me tua tela iuuabant;clausa tuo maius ianua fulmen habet.

    blanditias elegosque leuis, mea tela, resumpsi:mollierunt duras lenia uerba fores.

    Lembro-me que ousei cantar sobre guerras celestiaise Giges de cem mos (pois possua discurso suficiente);

    quando a terra foi mal vingada e, sobreposto ao Olimpoo montanhoso Ossa Plion ngreme sustentava,

    em minhas mos detinha nimbos e Jpiter, o raioque ele bem podia lanar em defesa do seu cu.

    A amiga cerrou suas portas; abandonei Jpiter e seu raio;o prprio Jpiter desprendeu-se de meu engenho.5

    Jpiter, perdoa-me: as tuas armas em nada me ajudavam;a porta fechada mais fulminante que tu.

    a bigorna e se uniu Vnus, proporcionou a formao da elegia ertica dsticos queabordam temas de amor. Assim, podemos afirmar que h algo de pico na elegia: namedida (o hexmetro) e no contedo (em tpicas como a militia amoris).

    5 Parece que Ovdio evoca e joga com uma locuo presente em Calmaco, Aitia fr. 1, v.20: trovejar no tarefa minha, mas de Zeus. Embora o poeta-amante confesse suaousadia potica (cantar as batalhas entre deuses e Tits), ele mesmo no admite tertomado a funo de Jpiter: o poeta manejava nuvens enquanto o pai dos deuses brandiaraios.

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    Retomei blandcias e versos elegacos, minhas armas:as palavras doces abrandaram as duras portas.

    Como podemos ver, Corina e temas como a porta fechada(paraclausithyron) so elaborados para evocar uma srie de poemas e funeselegacas, como smbolos de uma tradio potica que se ope narrao de guer-ras e heris picos (como em II 1) e de portes e palcios trgicos (como em III 1). interessante notar que Elegia, contra Tragdia, emprega a porta como smbolode sua poesia (III 1, 39-41): non ego contulerim sublimia carmina nostris:/ obruitexiguas regia uestra fores (eu mesma no teria comparado seus versos sublimes aosmeus/ vosso palcio excede minha humilde porta).

    Dessa forma, podemos inferir que, nos Amores, a puella representa um estilode escrita especfico (um gnero) que se constitui, em certa medida, em oposioa outros estilos (ou gneros poticos). Por sua vez, o amor considerado, pelopoeta-amante ovidiano, como uma atividade potica prpria, capaz de conquistarjovens (II 1) e proporcionar fama perene (I 15 e III 15). Sendo assim, um dosepisdios mais erticos de toda a coleo, a excitante revelao de Corina em I 5,indica, atravs dessas aluses, uma epifania potica de um encontro elegaco(Buchan, 1995: 70, n. 43).

    Alm da identificao puella/Corina/Elegia, Am. III 1 e I 5 possuem umponto de convergncia relevante, quando se pensa nas questes poticas que en-volvem a obra: o locus amoenus. Ao construir um ambiente especfico e adequado poesia que ir se desenvolver, o poeta-amante capaz de estabelecer-se na tradi-o elegaca. E tentaremos mostrar que, de certa forma, essa tradio costumaconstituir-se no dilogo com outros gneros.

    Am. III 1 comea com a descrio de um belo lugar, pelo qual o poeta-amante vagueia em busca de inspirao:

    Stat uetus et multos incaedua silua per annos;credibile est illi numen inesse loco.

    fons sacer in medio speluncaque pumice pendens,et latere ex omni dulce queruntur aues.

    Hic ego dum spatior tectus nemoralibus umbris,quod mea quaerebam Musa moueret opus.

    Ergue-se ali uma floresta antiga, no cortada h muitos anos; de crer que um nume tenha habitado o local.

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    No meio, uma fonte sacra e uma gruta de pmices pendentee, por todos os lados, aves se queixam com doura.

    Enquanto por aqui vagueio, abrigado por bosques umbrosos,buscava um gnero que minha Musa inspirasse.

    No v. 2, Ovdio brinca com uma suposta associao etimolgica entre nemuse numen (Maltby, 1991: 127) e, assim, estabelece um quadro mstico semelhantequele de Proprcio em III 1, 1 e ss.6 Vale ressaltar que o trecho properciano, porsua vez, tambm faz parte de um poema programtico que inicia um terceiro livro,e, semelhantemente, faz diversas aluses a outros gneros poticos. Veremos que,atravs da aluso a Proprcio, Ovdio evoca a poesia helenstica de Calmaco, oauctor da recusatio, tema to caro aos elegacos romanos. O poeta-amanteproperciano inicia assim seu terceiro livro de elegias:

    Callimachi Manes et Coi sacra Philitae,in uestrum, quaeso, me sinite ire nemus!

    Primus ego ingredior puro de fonte sacerdosItala per Graios orgia ferre choros.

    dicite, quo pariter carmen tenuastis in antro?quoue pede ingressi? quamue bibistis aquam?

    a ualeat, Phoebum quicumque moratur in armis!exactus tenui pumice uersus eat,

    quo me Fama leuat terra sublimis, et a menata coronatis Musa triunphat equis,

    6 Sneca, em suas Epistulae Morales IV 41, 2, ao discorrer sobre um esprito sagrado quevive em cada um de ns, evoca uma locuo virgiliana, presente na Eneida VIII 352(quando Evandro mostra a Enias um Capitlio ainda coberto por bosques): [...] (quisdeus incertum est) habitat deus (habita um deus [no se sabe qual]). O interessante que, nesta mesma carta (IV 41), no pargrafo 3, Sneca relaciona o sagrado e anatureza descrevendo um bosque belo e antigo, que nos faz recordar as descries deCalmaco, Proprcio e Ovdio: Si tibi occurrerit vetustis arboribus et solitam altitudinemegressis frequens lucus et conspectum caeli densitate ramorum aliorum alios protegentiumsummovens, illa proceritas silvae et secretum loci et admiratio umbrae in aperto tam densaeatque continuae fidem tibi numinis faciet (Se voc se deparar com um bosque sagrado,pleno de rvores antigas e extraordinariamente elevadas, cujos abundantes galhosentrelaam umas nas outras a ponto de ocultar a viso do cu, ento no apenas aaltivez da floresta e a inacessibilidade do lugar, mas tambm a admirao causada poruma sombra to densa e impenetrvel ao ar livre atestar a voc a presena dadivindade). Traduo de De Pietro (2008:109-110), em dissertao de mestrado indita.

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    et mecum in curru parui uectantur Amores,scriptorumque meas turba secuta rotas.7

    Manes de Calmaco, sacros ritos de Filetas de Cs,deixai-me, rogo, adentrar em vosso bosque!

    Primeiro eu, sacerdote de uma fonte pura, avano,levando mistrios talos pelos coros graios.

    Dizei, em qual antro abrandastes, juntos, o canto?Com qual p entrastes? De qual gua houvestes bebestes

    ah, adeus aquele que se demora com Febo entre os braos!polido por terno pmice, que avance meu verso,

    pelo qual a Fama, sublime sobre a terra, sustm-me, ede mim nascida, a Musa triunfa em cavalos coroados,

    e comigo, no carro, triunfem pequeninos Amores,e uma turba de poetas siga esses meus eixos.

    Essa cena de abertura dramatiza o processo da inuentio potica, que significaencontrar uma matria conveniente ao gnero potico em que se pretende compor(como em Am. I 1: materia conueniente modis). Nesse contexto, a uetus silua sugereum material cru sobre o qual a poesia ser trabalhada (Hunter, 2006: 28).

    O bosque sem nome pelo qual o poeta passeia uma criao prpria e refleteas preocupaes poticas do poeta-amante elegaco. Ovdio tem em mente, paraelaborar o quadro, a floresta de Calmaco e Filetas, mencionada h pouco. Numambiente tal, possvel encontrar Febo e suas musas, ou seja, a inspirao poticaadequada. Ora, em I 5, 1 e ss., o poeta-amante descreve um ambiente semelhante enele encontra sua musa Corina pela primeira vez: o ato, desfrutado venturosamen-te, proporciona a inspirao potica e elegaca, que pode ser entendida como similarquela que provm de Febo (que, alis, mencionado no v. 5 de I 5).8

    7 O texto latino aqui apresentado segue a edio proposta por R. Gazich.8 H uma cena semelhante em Am. III 5: porm, neste poema, h uma srie de

    subverses. A cena transcorre noite (nox erat, v. 1) e, com o decorrer do poema,descobrimos que se trata de um sonho do poeta-amante (talia uisa, v. 2), o qual,interpretado (interpres, v. 45), revela a infidelidade da puella (vv. 37 e ss.). Assim, toda aalegria e esperana presentes no final de Am. I 5 esto ausentes.

    Considerando as aluses entre Am. I 5, III 1 e III 5 (onde: puella = elegia e fazer amor =escrever elegacas erticas), podemos inferir que o poeta-amante fracassou na poesia eno amor elegacos. Entretanto, a paternidade do poema discutvel. Cf. Della Corte,1972: 329-30.

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    Aestus erat, mediamque dies exegerat horam;apposui medio membra leuanda toro.

    pars adaperta fuit, pars altera clausa fenestrae;,quale fere siluae lumen habere solent,

    qualia sublucent fugiente crepuscula Phoebo,aut ubi nox abiit nec tamen orta dies.

    illa uerecundis lux est praebenda puellis,qua timidus latebras speret habere pudor.

    Fazia calor e o dia tinha cumprido a metade de suas horas;os membros a descansar no meio do leito repousei.

    Parte da janela estava aberta, parte fechada,tais lumes costumam ter as selvas,

    tais os crepsculos que pouco alumiam quando Febo foge,ou quando a noite parte sem, contudo, ter nascido o dia;

    a essa luz que a menina casta deve expor-se,onde o tmido pudor anseie encontrar abrigo.

    De volta ao poema III 1, Ovdio nos descreve pssaros que cantam doce-mente no v. 4: h, portanto, uma aluso prpria elegia, j que o verbo queror ,podemos dizer, um termo tcnico do gnero (entenda-se a elegia como umapoesia de lamento).9 Temos, no rouxinol, por exemplo, a conhecida imagem de umpssaro queixoso: Catulo compara-se a um deles em um poema (LXV 11-4) queparece introduzir uma srie elegaca em seu liber. Assim, numa sucesso simbli-ca, podemos ver um Ovdio que, abrigado por uma tradio alexandrina (v. 5:tectus nemoralibus umbris),10 acompanhado por esses doces lamentos. A voz elegacade Ovdio emerge, como o canto de um rouxinol, de uma gruta obscura.

    Portanto, podemos concluir que, conforme o locus amoenus de I 5 propor-ciona a epifania de Corina (vv. 7-8), o cenrio de III 1 favorece a apario da

    9 Horcio, em sua Ars Poetica, v. 75, ensina que as querimonia (lamentaes) so tpicasdo gnero elegaco. Em I 16, 1-8, Proprcio d voz porta que, outrora participante detriunfos, agora importunada por amantes bbados que choram (queror), rejeitados, asua soleira.

    10 Cf. Virglio, Buclicas I 4-5: [...] tu, Tityre, lentus in umbra/ formasam resonare docesAmaryllida siluas (As selvas tu, pausado sombra, ensinas/ Amarlis formosa aressoarem). Traduo de Odorico Mendes. Vasconcellos, em nota traduo de Odorico,discorre sobre o carter programtico do trecho: [...] os primeiros versos de uma obrana literatura antiga [...] revelam a filiao do poeta a uma tradio genrica, a umpredecessor ilustre, a uma arte potica particular.

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    Elegia (v. 5-6), personalizada e igualmente sensual. Confrontando os trechos apre-sentados com uma tradio que remonta aos Aitia de Calmaco, vemos que o cen-rio , de fato, propcio para a apario de musas e para a inspirao potica.11 Auestis tenuissima da Elegia (Am. III 1, 9) remete musa sutil que Apolo incitaCalmaco a cultivar no fr. I 24 Pf.12 e tunica rara do poema Am. I, 5,13-4.13 Podemosentender, tambm, que a personificao da elegia est vestida do prprio gnero,j que tenuis um adjetivo que caracteriza esse tipo de poesia ertica (cf. Prop. II 1,5-6).

    Mas tambm h outros trs elementos no cenrio potico de Am. III 1 quemerecem nossa ateno, pois revelam como a elegia romana dialoga com outrosgneros, da mesma forma que, de maneira figurada, Elegia e Tragdia dialogaramentre si:

    1) a descrio da caverna em Am. III 1, 3-4 (fons sacer in medio speluncaquepumice pendens,/ et latere ex omni dulce quaeruntur aues) evoca Prop. III 3, 27-8 (hicerat affixis uiridis spelunca lapillis,/ pendebantque cauis tympana pumicibus).14 curio-so o emprego do termo spelunca, pois, prprio da linguagem pica, no comum napoesia ertica de Ovdio ou Proprcio e indica, ainda, que no se trata de uma sim-ples coincidncia de temas do gnero. Ovdio tambm se apropria de mais dois ter-mos exatos para descrever um lugar semelhante, numa situao semelhante (quecompem temas convencionais da poesia grega e latina, como por exemplo, apari-o de um deus e a exortao potica).15 Cumpre ressaltar que o poema III 3 deProprcio aborda a questo da recusatio e da escolha elegaca. Portanto, evocar

    11 Em Am. III 13, 7-8, o poeta menciona um bosque to antigo e umbroso, que parece serhabitao de deuses: stat uetus et densa praenubilus arbore lucus;/ aspice, concedes numinusesse locum (ergue-se um antigo bosque, obscurecido pela densido das rvores;/contemple-o e reconhecers que no lugar h um deus).

    12 Morgan (1977: 22) v uma estreita relao entre Am. III 1 e Proprcio III 3. Neste caso,Calope seria equivalente Elegia e puella, elementos que simbolizam a inspirao dapoesia no-elevada.

    13 Pode-se acrescentar que tenuis qualifica certo genus elocutiones na retrica. Cf. Ccero,Orator 24 (discorre sobre o tenuis orator). Ver, tambm, Quintiliano, Institutio oratoria,VIII, 3, 18. Agradeo ao Prof. Dr. Paulo Srgio de Vasconcellos por chamar minhaateno para tal sutileza.

    14 Aqui havia uma gruta verdejante, com pedrinhas incrustadas/ e tmpanos pendiam dopmice cavo.

    15 Para a apario de um deus e o aconselhamento do poeta, cf. Prop. III 3, 13 e ss. e Hor.,Carmina IV 15, 1 e ss.

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    Proprcio significar aludir a uma tradio que pregava a escolha da elegia em face darenncia da poesia elevada (epopia e tragdia) e seus valores.

    2) Proprcio descreve trs nascentes de gua em III 3, sendo que apenas umadelas, Philitea aqua (v. 52), pode simbolizar o gnero elegaco; as outras duas, Gorgoneuslacus (v. 32) e Bellerofontei ... umor equi (v. 2), remetem poesia pica. Interessantenotar que, apenas para essa nascente, Proprcio usa o termo fons. Ovdio, por suavez, no d uma definio para sua fonte, porm, o termo empregado (fons) significante: alude, imediatamente, fonte no-pica dos versos propercianos. Ouseja, o termo d uma pista sobre a natureza elegaca da nascente de Am. III 1, 3.

    3) os pssaros mencionados por Ovdio em III 1, 4 evocam aqueles de Prop.III 3, 31-2: et Veneris dominae uolucres, mea turba, columbae/ tingunt Gorgoneo punicarostra lacus (os pssaros da rainha Vnus e as pombas, minhas companheiras/ osbicos purpreos no lago gorgoneo imergiam). As pombas de Vnus, que simbolizama elegia amorosa, esto mergulhando seus bicos em uma gua que simboliza a pica(Gorgoneus lacus se refere fonte Hipocrene)16 e no na Philitea aqua, que simbolizaa inspirao elegaca! Disso, podemos entender que a imagem construda pelo poe-ta-amante ovidiano nos revela, atravs de aluses, que as poesias de seu terceiro eltimo livro, assim como em Proprcio, contero algumas elegias constitudas porinspirao no-elegaca. Sendo assim, a promessa final de Am. III 1, 69-70 ganhaainda mais nfase e fora.17

    Como pudemos ver, Am. III 1 recusa, ainda que temporariamente, Tragdiae, aludindo recusatio calimaqueana via Proprcio, tambm rejeita epopia (embo-ra o poeta-amante admita, nas entrelinhas, que elementos da dico pica faam

    16 Segundo Grimal, 2000: 360 (verbete: Pgaso), essa fonte surgiu por causa de Pgaso,cavalo alado que brotou do corpo de Grgona, quando morta por Perseu. Em certaocasio, enquanto as Pirides disputavam com as Musas um concurso de canto, o monteHlicon inchou pelo prazer de escut-las, ameaando tocar o cu. Por ordem de Posdon,Pgaso bateu com o casco na montanha, intimando-a a retomar as dimenses normais.Do lugar onde Pgaso desferiu o golpe, brotou uma fonte, nomeada Hipocrene (quesignifica a fonte do cavalo).

    17 Mota dedit ueniam. teneri properentur Amores, / dum uacat: a tergo grandius urget opus(Comovida [Tragdia] concedeu vnia. Que se apressem os ternos Amores/ enquantopodem: obra mais grandiosa acossa-me pelo dorso). Interessante notar que, no poemafinal do livro, a promessa aparenta ser cumprida: pelo menos, o que a aluso aosternos Amores nos permite pensar. A me dos ternos amores poder ser Vnus e, aomesmo tempo, a prpria Elegia de III 1. Cf. Am. III 15, 1-2: quaere nouum uatem, tenerorummater Amorum:/ raditur haec elegis ultima meta meis (busca um novo vate, me dosternos Amores:/ tal meta tocada pela ltima vez por minhas elegias).

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    parte da tradio elegaca). Amores II 18, por sua vez, alm de deixar clara a nega-o da pica e da tragdia, mostra-nos a causa da recusatio: ainda que esteja filiadoa uma tradio potica que remete a Proprcio, Catulo e Calmaco, o poeta-aman-te ovidiano recusa versos elevados por motivos tipicamente elegacos puella eCupido. Da mesma forma, em Am. II 1 e I 1, o poeta possui disposio e talentopara o canto elevado: mas h sempre uma fora supostamente exterior que obri-ga o amante a se dedicar aos versos elegacos.

    Dirigindo-se ao poeta pico Macro, o poeta-amante ovidiano nos conta,em II 18, 5-12, como foi obrigado a abandonar uma epopia:

    saepe meae tandem dixi discede puellae:in gremio sedit protinus illa meo.

    saepe pudet dixi: lacrimis uix illa retentisme miseram! iam te dixit amare pudet?

    implicuitque suos circum mea colla lacertoset, quae me perdunt, oscula mille dedit.

    uincor, et ingenium sumptis reuocatur ab armis,resque domi gestas et mea bella cano.

    Muitas vezes, disse para minha menina: vai-te de veze ela, de sbito, tomou lugar em meu colo;

    muitas vezes eu disse: envergonhas-me e ela, mal retendo lgrimas,disse: como sofro! j te envergonhas de me amar?

    E enlaou seus braos ao redor de meu pescooe me deu milhares de beijos, que se tornaram minha perdio.

    Vencido, meu talento se aparta de armas empunhadase canto feitos e gestas ntimas e minhas prprias batalhas.

    Em Am. II 1, 11 e ss. como vimos, bastou a jovem cerrar as portas ao poeta-amante para que os versos picos fossem abandonados, a despeito de todo o talen-to declarado. O motivo: os versos elegacos de amor so capazes de conquistar ato desejada puella, feito impossvel para a epopia. Vejamos as declaraes dopoeta-amante nos versos 27-38 de Am. II 1:

    Carminibus cessere fores, insertaque posti,quamuis robur erat, carmine uicta sera est.

    Quid mihi profuerit uelox cantatus Achilles?Quid pro me Atrides alter et alter agent,

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    quique tot errando, quot bello, perdidit annos,raptus et Haemoniis flebilis Hector equis?

    At facie tenerae laudata saepe puellaead uatem, pretium carminis, ipsa uenit.

    Magna datur merces: heroum clara ualetenomina; non apta est gratia uestra mihi;

    ad mea formosos uultus adhibete puellaecarmina, purpureus quae mihi dictat Amor.

    Com versos, abriram-se portas; embora fosse de carvalho,o ferrolho, encravado no umbral, foi vencido pelo verso.

    De que me valeria ter cantado um veloz Aquiles?O que fariam por mim um e outro Atrida,

    e aquele que perdeu tantos anos em errncias como em guerras,e o lamentvel Heitor, arrastado por corcis hemnios?

    Mas, devido beleza da terna menina muito louvada,ela mesma se entrega ao vate como prmio pelos versos.

    Grande a recompensa dada: ide, famosos nomesde heris, a vossa graa no cabe a mim;

    apresentai, meninas, o vosso formoso semblanteaos meus versos, os quais o purpreo Amor a mim dita.

    Mas no apenas a jovem amada que provoca o desvio de tema, e conse-qentemente, a mudana de gnero potico. Em Am. II 18, 13 e ss., ao esclarecerpara o amigo e poeta pico Macro a razo de suas composies elegacas, o poeta-amante revela sua segunda tentativa de fuga da poesia elegaca (ateno ao tamen,do v. 13):

    Sceptra tamen sumpsi, curaque Tragoedia nostracreuit, et huic operi quamlibet aptus eram.

    risit Amor pallamque meam pictosque cothurnossceptraque priuata tam cito sumpta manu;

    hinc quoque me dominae numen deduxit iniquae,deque cothurnato uate triumphat Amor.

    Entretanto, assumi cetros e a tragdia floresceu sob meucuidado, pois eu era apto a tal obra o quanto fosse possvel ser.

    Amor riu de meu manto e de meus coturnos retintose do cetro assumido to rapidamente por uma mo do vulgo;

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    tambm disso me apartou o poder da exuberante senhorae sobre o vate coturnado triunfa o Amor.

    No v. 15, vemos quem, ao lado da jovem, o responsvel pelo desvio temticodos poemas: Cupido. Sua risada remete a Am. I 1, 4, quando o pequeno deustambm interferiu na produo do poeta: ao roubar um p do hexmetro, medidatpica da pica, ele forou a criao de uma medida que, composta por um hexmetroe um pentmetro, forma o dstico, mtrica elegaca por excelncia. O poeta diz:[...] risisse Cupido/ dicitur atque unum surripuisse pedem ([...] Cupido riu,/ dizem, esurrupiou um p). J a imagem do Amor triunfando sobre o poeta-amante podeser encontrada em Am. I 2, 23-5218 e tambm em Tibulo II 1, 71-2.

    Os elementos que simbolizam a tragdia em Am. II 18, 13-16 tambm estopresentes em Am. III 1, 11-4: sabemos que o gnero trgico costumava cantar faa-nhas de homens importantes, como reis e heris.19 Ovdio, por sua vez, recorreu aimagens que podem transmitir essa superioridade:20 em II 18, 15 o poeta-amanteveste um manto; em III 1, 12 o manto de Tragdia to imponente que se espalhapelo cho. Em II 18, 13 e 16, o poeta, uma persona comum, assume um cetro real; emIII 1, 13, Tragdia maneja o smbolo de sua realeza com gestos amplos. O coturno,artifcio usado para elevar os atores trgicos, chega a ser cmico no amator: causa oriso de Cupido em II 18, 15; na Tragdia, descrito com exatido em III 1, 14: lydiusalta pedum uincla cothurnus erat (o coturno ldio estava atado no alto das pernas).Em III 1, a dico da Tragdia elevada (seus passos, em referncia mtrica empre-

    18 Para alguns autores, dentre eles Cameron (1968: 320-2), os temas abordados em Am. I2 nos permitem interpretar o poema como programtico, ou seja, o poema poderia teriniciado um dos cinco livros da primeira edio dos Amores (transformado em trs,numa segunda edio, conforme o epigrama inicial indica). Contudo, o v. 18 de Am. II18 (cothurnato uate triumphat Amor) remete ao v. 26 de Am. I 1: uror, et in uacuo pectoreregnat Amor (queimo, e no peito vazio reina o Amor). Cf. tambm: Prop. II 8, 40(mirum, si de me iure triumphat Amor? admirvel se, sobre mim Amor triunfaplenamente?).

    19 Aristteles, em sua Potica (II 9/ 1448 a) diz: [...], pois a mesma diferena separa atragdia da comdia; procura esta imitar os homens piores, e aquela, melhores do queeles ordinariamente so. Em V 24/ 1449 b, Aristteles declara que a epopia e atragdia concordam somente em serem, ambas, imitao de homens superiores, em verso;[...]. Traduo de Eudoro de Souza (2003: 105).

    20 Na poca de Ovdio, o manto, o cetro e o cortuno faziam parte dos adereos usadospelos atores trgicos. Horcio, em sua Arte Potica (vv. 80 e ss.) alude ao gnero trgicoatravs desses elementos.

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    gada no gnero trgico, ingente, cf. v. 11) e se demora em palcio suntuoso (emaluso, talvez, ao cenrio prprio das tragdias, cf. v. 40).

    Os elementos que permitem a comparao entre a Tragdia personificadade III 1 e o poeta amante de II 18 so evidentes; porm, um fator essencial osdiferencia e influencia diretamente na produo potica do eu-elegaco: o pri-meiro adjetivo atribudo Tragdia em III 1, 11 uiolenta.21 Suas atitudes e seupronunciamento revelam toda a dureza de seu carter, algo prprio da poesia ele-vada. O poeta-amante, por sua vez, submete-se a Cupido e ao poder da dominacaprichosa em II 18, 15-18: seu comportamento e seu discurso, tenuis, apresentamcaractersticas tpicas da poesia amorosa (tener, mollis etc).22 Ora, frente belezade Elegia, transfigurada em puella em Am. III 1, o poeta-amante, mais uma vez,no resiste: assim como em II 1, a submisso do poeta-amante puella e a Cupidoo faz desviar de seu propsito potico elevado. Por isso, no final de Am. III 1 opoeta amator aceita acabar a obra elegaca iniciada, para somente depois (tentar)dedicar-se ao gnero trgico. Se no fosse por esse uitium, talvez o objetivo picode Am. I 1 e trgico de II 18 teriam sido bem-sucedidos.

    No entanto, o fracasso que sofre o poeta, de certa forma, tambm imposto ao amante: prprio do gnero elegaco o amor infeliz, pois, como dis-semos h pouco, a elegia , desde suas origens, uma poesia de lamento. Assimcomo o desiludido Proprcio dos livros finais, Ovdio, nos Amores, d um tom dedespedida ao amor e elegia, e acena a outro tipo de poesia, mais sria e engajada.Proprcio, em seus terceiro e quarto livros, dedica-se, sobretudo, poesia de cu-nho etiolgico (afirma ser o Calmaco Romano, em IV 1, 64); nos Amores, ospoemas 10 e 13 do terceiro livro possuem traos dessa poesia que narra as origens.Portanto, ao aludir ao esquema compositivo do predecessor elegaco, o poeta-amanteovidiano mostra sua filiao ao gnero.

    21 Violenta o adjetivo empregado para descrever a pica para a qual o poeta se preparavapara cantar, em Am. I, 1, 1: arma graui numero uiolentaque bella parabam/ edere [...](armas e violentas guerras eu me preparava para cantar).

    22 Em Am. II 1, 4, o poeta-amante revela: non estis teneris apta theatra modis (no soisplatia adequada a meus metros leves). Em Am. II 3, 5, o poeta-amante pede que oguardio seja mais flexvel, como so os amantes: mollis in obsequim facilis rogantibusesses/ si tuus in quauis praetepuisset amor (prestarias favores e serias condescendentecom os suplicantes/ se te inflamasses de amor por qualquer um). Geralmente, a puellaquem recebe o adjetivo dura. Cf. Prop. IV 2, 23. Ovdio, nos Amores, no emprega taladjetivo na descrio da puella. Porm, em I 9 (em especial, vv. 5-6), alude a uma amanteto severa quanto um general.

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    Essa idia de fracasso est sempre presente ao longo da obra: o poetafracassa ao argumentar contra Cupido em Am. I 1; fracassa, da mesma forma, aotentar persuadir Aurora em Am. I 13, o guardio em I 6 e II 3-4, e o rio em III 6.Fracassa porque no consegue deixar de alimentar a cupidez da amante em I 10;fracassa tambm em III 3, porque, assim como Catulo, incapaz de abandonar aamada infiel. Geralmente, so esses temas que, nos Amores, permitem o desenvol-vimento de tpicas comuns no gnero elegaco como a recusatio, o seruitium amorise a militia amoris, entre outros.

    Assim sendo, podemos dizer que uma espcie de falha programtica permeiaos poemas inicias da coleo ovidiana: a recusatio fruto de um fator externo (Cupidoe/ou as blanditiae da jovem, por exemplo), que no diz respeito ao talento potico deOvdio. E essa noo de fracasso, como parte do programa, faz-se presente por todaobra, s vezes, como uma exigncia do prprio gnero (o poeta-amante um infeliz),a despeito de raros momentos de felicidade, como em I 5.

    Finalmente, podemos dizer que Ovdio d outras indicaes sobre relaesexistentes entre trs livros dos Amores, entre a obra e o gnero elegaco e entre aelegia e outros gneros poticos. O incio de Am. II 1, por exemplo, faz refernciaao primeiro uolumen de elegias da coleo: Hoc quoque composui Paelignis natusaquosis/ ille ego nequitiae Naso poetae meae (tambm este livro compus eu, Naso,o poeta de minhas malcias, nascido nos midos Pelignos). Nesses versos iniciais,Ovdio revela que sua elegia, dedicada s nequitiae, diversa da poesia moralista,da pica virgiliana. Alm do pocul hinc, procul este, seueri do v. 3 uma clara aluso Eneida VI 258: procul, procul este, profani h outra remisso pica virgiliana,que torna a relao entre gneros ainda mais forte.

    Conte (1986: 84 e ss.) mostrou que a semelhana entre os Amores e a Eneidano se restringe aos versos iniciais de cada obra: arma graui numero uiolentaquebella parabam, em Ovdio e arma uirumque cano, em Virglio. Em alguns manus-critos da Eneida constava um exrdio de quatro versos, que muitos crticos noconsideram originais: ille ego qui quondam [...] (eu sou aquele que, outrora [...]).O epigrama que preludia a segunda edio dos Amores evoca claramente essesversos, como demonstra Conte: alm do contedo, h semelhanas formais, comoa orao subordinada introduzida por ut no incio do terceiro verso e a equao[nos] qui = ego qui.23

    23 Devemos considerar, ainda, que os sons dos versos iniciais dos Amores evocam o primeiroverso da Eneida: arma, que inicia o primeiro verso de ambas as obras, seguido por graui

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    No incio de Am. II 1, acreditamos que essa relao com a Eneida e, conse-qentemente, com o gnero pico, seja mais evidente: ille ego nequitia, no v. 2, porexemplo, poderia ser entendido como uma negao da pica virgiliana. A fr-mula ille ego qui tornou-se conhecida por ter sido empregada na identificao docorpus virgiliano, ainda que no tenha sido composta por Varro em pessoa; decerta forma, como promio da Eneida, passou a identificar Virglio como poetapico, aquele que, alm de compor as Buclicas e as Gergicas, comps tambm opoema que canta os horrores de Marte, armas e soldados.

    Como parte do jogo potico de Am. I 1, a frmula novamente evocada,tambm na funo de promio, tentando levar o leitor a acreditar que ali se iniciaum poema que canta armas e violncias de guerras. Porm, essa expectativa quebrada no segundo verso e totalmente abandonada quando aparece um Cupidorisonho, no fim do terceiro verso. Em Am. II 1, por sua vez, a recusa da picatransparece j nos primeiros versos. Primeiramente, o poeta amator se apresentacomo aquele que canta malcias (nequitiae), temas que no so adequados aosmoralistas (vv. 3-4), mas aos jovens amantes (vv. 5-6). Podemos entender que o illeego ne qui (eu no sou aquele que), locuo contida em ille ego nequitia, do v. 1,antecipa a tpica da negao dos temas elevados (temas tpicos de um Virglio, porexemplo);24 tal tpica, pertinente a recusatio, ser central neste e em todos os poe-mas programticos dos Amores, como estamos tentando mostrar. relevante notarque esse jogo utiliza a palavra nequitia para revelar-se: de maneira geral, trata-se deum termo emblemtico, empregado pela crtica para identificar a obra amorosa deOvdio.25

    Sendo assim, podemos inferir que, atravs dessas aluses, Ovdio conse-guiu aproximar seu primeiro e segundo livros de elegia, indicando que seus temas,prprios da nequitia, so contrrios queles da poesia pica de um Virglio (Citroni,1995: 443). Em Am. III 8, 23, e em III 9, 5, o poeta-amante emprega a frmula illeego para se identificar: contudo, em ambos os casos, apresenta-se como vate, numapostura tpica dos poetas do perodo augustano (Newman, 1967: 100-14).

    numero uiolentaque em Ovdio, uma aluso evidente ao uirumque virgiliano (ecoampelo verso sons semelhantes, como vogais arredondadas, consoantes nasais etc.).

    24 Alis, um verso da Eneida utilizado em sua advertncia aos moralistas, no v. 3, comomostramos h pouco.

    25 Em Tristes II 279-80, o poeta defende sua obra amorosa, alegando que mesmo os teatrosoferecem germes de imoralidades (semina nequitiae) juventude romana.

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    Concluso: Ovdio, nos Amores, utiliza poemas programticos para indicaraos seus leitores o seu posicionamento na tradio elegaca; atravs de uma esp-cie de metapoesia, mais evidente nos poemas iniciais da coleo, o poeta-aman-te ovidiano alude a temas e contedos recorrentes em sua obra potica de estriae estabelece valores em relao tradio: ao evocar Proprcio, por exemplo, evo-ca o tema da recusa dos temas elevados, existente j na poesia alexandrina. Atpica da recusatio, como ns acabamos de ver, constitui-se atravs da apropriaode frmulas e locues que remetem a poesias consagradas do gnero pico, comoa Eneida. Outro breve exemplo: na tpica da militia amoris, presente em poemascomo Am. I 9, elementos tpicos do contedo pico (batalhas, armas, heris, deu-ses etc.) passam pelo crivo elegaco: o amante, transfigurado em soldado e sob asordens do comandante Cupido, luta para conquistar a jovem em um incessanteembate amoroso. E, como em toda guerra, vrios obstculos devem ser superados:a porta fechada (Am. I 6), o rival rico (Am. III 8), a velha alcoviteira (Am. I 8) etc.

    J em relao tragdia, o dilogo entre gneros parece ser mais restrito: asduas menes, em Am. II 18, 13 e ss. e Am. III 1, so referncias ao universotemtico do gnero. As declaraes do poeta-amante (sobre dedicar-se a uma tra-gdia) fizeram muitos crticos ignorarem a presena do gnero como elementoconstitutivo da obra e pensarem na prpria produo de Ovdio (Sabot, 1976: 73,n. 92). A despeito de fatores biogrficos ou supostamente reais, nossa leitura deAm. II 18 buscou mostrar que a tentativa trgica do poeta-amante (vv. 13-18)assemelha-se tentativa pica (vv. 4-12): ambas fracassaram por causa das in-tervenes de Cupido e/ou da puella. Em III 1, procuramos demonstrar que outratentativa trgica tambm falhou, pois a Tragdia apresentou-se com traos depoesia elevada (uiolenta) diante de uma Elegia transfigurada em puella. Conformevimos em Am. II 1, o poeta incapaz de resistir seduo da jovem ou s ordens deCupido. Nesse aspecto, tragdia e epopia so gneros poticos semelhantes: ocu-pam-se de cantos elevados e devem ser rejeitados por aqueles que se dedicam poesia amorosa.

    Ao tratar de questes poticas, o poeta amator ovidiano demonstra que seulivro de elegias se constitui em um cruzamento de gneros poticos: ainda que opoeta negue o canto elevado, elementos da pica e da tragdia esto presentes naobra, constituindo a prpria essncia dos Amores.

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    DE BEM, Lucy Ana. Amores I 5, II 1, II 18 and III 1 and some refractionsof Ovidian metapoetics.

    ABSTRACT: This paper aims to demonstrate how Ovid, through thepoetic persona of the amator, brings to the elegiac scene some poeticquestions, specially in regard to genres that figure in the Amores, sometimesthrough subtle allusions capable of evoking features of the Greek andLatin poetic tradition. We will try to show that some elements of thisovidian metapoetics, proper to programmatical poems situated inbegginings and endings of the three books that compound the collection,are evoked all over the work. Elegy III 1, in this sense, provide us with awide range of characters and motives: personified Elegy, for example, canbe identified with elegiac puella from I 5 because both share some fisicalfeatures. The speech assign to Tragedy, in the same elegy, is in some extentrevoked in the recusatio that constitutes the central theme from II 18elegy. We will also demonstrate that poetic and life style choose by ovidianamator is peculiar for his recusatio is quite different from the conventionalelegiac standarts, as elegy II 1 reveals.

    KEYWORDS: Roman elegy; Ovid; Loves; programmatic poetry; genre;allusion; recusatio.

    Letras Classicas 10.pmd 2/8/2011, 14:46138