Menos luz v 1
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Menos Luz v.1
Texto para performance sonora “Inquisição”
A.V. e G.P.
. . .
Isso termina onde começa.
(espaço = pausa)
(repetir 3x)
(o texto se altera quando é lido)
O indiciado pode não existir.
O relatório não constará nos autos devido ao exame das razões
previamente desmedidas.
Esse conjunto de diligências é realizado pela apuração de um
delito cometido sobre ele próprio, sob a amargura processual
importada, envasada e que por acaso, num tropeço, cai e quebra no
corredor.
É o caso.
este texto, em alguma língua falseada, tentativa de nos colocarmos
como herdeiros de um lugar, um momento que nunca é o nosso, tenta-
se voltar contra sua própria feitura. escrever cada palavra
anulando a última, montar a partir daí uma não-idiomaticidade que
leve a algo…
necessariamente ao lugar nenhum
falta de território, esse chão sempre a faltar, a ser povoado
ainda, a permitir que se circule nele imaginariamente,
recursivamente, juntando os caminhos uns aos outros, sempre
continuando esse caminho, ou melhor essa audição, que pode
repousar às vezes nos barulhos dos postes de eletricidade que
aquecem e irritam os olhos meus, eu, transeunte desse subterrâneo,
não adaptável aos latidos de cães de guarda ou a esse mesmo
progresso, sempre a fazer o colateral, a luz soa, aquece.
dificilmente ilumina.
tem uma piada
mas isso é só uma das povoações possíveis e isso termina… onde
começamos a nos interrogar, por que tantas caravelas, seus mastros
exibindo anúncios publicitários de péssimo gosto, toda publicidade
é necessariamente idiotizante e nesse ponto não concedo elogios.
por que tantas missões espaciais e filmes já preconizados pela
cataquese da Societas Iesu, os melhores intérpretes da língua
tupi, já preconizados pelo “pegue o que for útil, deixe o resto
pra lá”. Manoel da Nóbrega, poupe-me de espelhos, você vai dizer
que nunca se tratou de espelhos e sim de fé. dá na mesma.
eu esqueço agora essa piada
Passemos a analisar a conduta de cada um dos indiciados a partir
do que foi apurado.
acreditar, adebitar, juros vultuosos que assombram esse corpo de
monstro a cada noite antes de dormir.
você pode estar em uma grande cidade, com pés e mãos e roupas de
grande cidade. porque tudo que realmente importa é a aparência das
coisas – elas cessam aí. você pode andar e se perder por essas
ruas, você pode ver alguém que você conheça, mas quem povoa o quê?
juntei todas as minhas palavras num bando de escritos, coloquei
numa garrafa, coloquei uma rolha no gargalho dessa garrafa, assim
vedando as palavras, que eram poucas: gasolina, pedaço de pano.
acendi e não soube onde jogar, é péssimo não ter timing, acabei
com a piada explodindo nas minhas mãos. fazer o quê, pegue o que
for inútil, deixe o resto pra lá.
é necessário pegar esse inutensílio, fazer dele uma desferramenta,
por sinal é algo que fere, começou a repetir acaba. isso termina
quando termina.
é necessário pegar esse inutensílio, desse começo fazer o término,
do progresso ver o riso, expôr a uma nudez ridícula os artifícios
e ferramentas e toda essa carapuça oficinal que denominamos
cultura. vale tudo. nunca se tratou de fé e sim de espelhos, e
vocês sabem, mas não admitem: dá. na. mesma.
eu lembro agora essa piada
Analisada a autoria delitiva, passamos à materialidade:
necessariamente algo caminha, isso progride, você pegou uma
ferramenta, com ela fez fogo, roda, motor movido a combustível
fóssil, gasolina, garrafa. um macaco faz a barba, tem mãos, pés,
roupas de cidade grande e ali caminha, sabendo e repetindo: é meu
lugar e é uma questão das aparências das coisas, elas são…? dá na
mesma
o ser humano é descartável no brasil.
césar perde as chaves do templo; é essa a ideia?
não é piada: sofia é uma mulher e não há lugar pra ela no templo.
ou no mercado. ela não é bem uma maria baderna, por enquanto.
sofia é uma mulher mesquinha e desprezível, resignada ao medíocre,
fiada por espelhos, especulada por fé. sem violência. com amor. o
ser humano, dito racional, deixemos ele pra traz, é um brasio se
extinguindo em descartes. daqui pra frente é diferente. sofia
termina se começa.
tem um poste, esses postes de luz, que não emitem luz nenhuma mas
emitem um ruído alto, um barulho surdo e ressonante. não emitem
luz alguma, mas emitem um calor desagradável, principalmente na
região acima da nuca, aquele calor de luz elétrica. é bem possível
que emita o invisível cancerígeno. daonde vêm seus remédios, a
propósito?
césar tenta procurar suas chaves do tempo, ou mercado, a questão é
que césar tem todas as chaves, mas as perdeu. talvez não tenha as
chaves do céu, essas ele tem que creditar, fiar com a Societas
Iesu, penhorar um espelhinho.
me perdi.
me achei: ele procura suas chaves embaixo do poste.
a grande loucura dessa questão é eu aqui falando, vomitando
palavras, alguém até ouvindo, todos nós gastando nosso tempo com
essa baboseira especular. ou é uma grande razão da nossa questão?
sofia pergunta: por que césar ai césar o que é de césar é de césar
dai a nós vosso reino de césar a césar césar ave
porque procuras embaixo desse poste, que emite radiações e
emanações diversas que agem em conjunto com sua dieta baseada em
transgênicos industrializados e vão te demandar hospitalização. me
perdi. me achei: césar, por que embaixo do poste.
talvez aqui seja a hora em que vocês riem. é o fim da piada, césar
diz.
é aqui que tem luz.
08/07/15