MEIO AMBIENTE E RESÍDUOS SÓLIDOS · integrado de gestão de residuos sólidos. Em outras...
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ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÁO PAULO DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
MEIO AMBIENTE E RESÍDUOS SÓLIDOS:
avanços e limites na cidade de Viena e lições para São Paulo. l
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Jacques.Demajorovic
Banca Examinadora:
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Profa: Orientadora: Regina Silvia Viotto Pacheco
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ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÁO PAULO DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
JACQUES DEMAJOROVIC
MEIO AMBIENTE E RESÍDUOS SÓLIDOS:
avanços e limites na cidade de Viena e lições para São Paulo.
Dissertação apresentada ao Curso de PosGraduação da EAESP/FGV - Área de Concentração: Adiministração e Planejamento Urbano, como requisito para obtenção de título de mestre em Adiministração Pública
Orientadora: Profa. Dra. Regina Silvia Viotto Pacheco
São Paulo
1994
DEMAJOROVIC, Jacques. Meio Ambiente e Resíduos Sólidos avanços e limites na cidade de Viena e lições para São Paulo. São Paulo, EAESP/FGV, 1994. 137 p. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-graduação da EAESP/FGV, Area de Concentração: Administração e Planejamento Urbano.
Resumo: Este trabalho discute o desenvolvimento da política ambiental e seus reflexos sobre a reestruturação das políticas de gestão de resíduos sólidos. No início do trabalho, identifíca-se a importância do meio ambiente dentro da análise econômica e o estabelecimento das novas prioridades da atual política ambiental. Em seguida, mostra-se as mudanças nos sistemas de gestão de resíduos sólidos, principalmente na cidade de Viena, adaptadas'às prioridades da atual política ambiental. A análise mais detalhadá do sistema que opera na cidade de Viena tem dois objetivos principais: evidenciar os avanços dos atuai~ modelos de gestão' de resíduos sólidos e discutir algumas contradições observadas entre discurso e prática existentes· nesses _ modelos nos 'países desenvolvidos. Por fim, utliza-se aquilo que foi observado na cidade de Viena, para fazer algumas considerações sobre ~ política de gestão de resíduos sólidos da cidade de São Paulo.
Palavras-chave: meio ambienté, desenvolvimento sustentável, externalidades, resíduos sólidos, reutilização, reciclagem, coleta seletiva, incineradores, aterros sanitários.
DEDICATÕRIA
Aos meus pais pelo apoio e carinho sempre. A Monika pela paciência e bom humor com meu alemão.
AGRADECIMENTOS
Durante o processo em que escrevi esta dissertação, a mão de vários amigos, "do lado de cá e do lado de lá"~ contribuíram de formas diferentes. Palpites, criticas, incentivos e brincadeiras foram profundamente vivenciados nesse trabalho.
Em primeiro lugar, gostaria de fazer um agradecimento especial a minha orientadora Regina Silvia Pacheco. Várias vezes tive que ouvir de muitos amigos e amigas do mestrado a sorte que eu tive de ter como orientadora a Regina. E põe sorte nisso! Com talento, habilidade e sensibilidade aprofundava minhas grandes idéias, que não foram tantas, e consertava meus deslizes intelectuais, que não foram tão poucos, incentivando-me em todas as horas. Levo comigo essa experiência de trabalho em conjunto como um dos pontos mais ricos e positivos do mestrado.
 Mariane pelas idéias trocadas desde o exame para ingresso na G.V., passando pelos chorinhos, baiões e maxixes, até a redação final da minha dissertação, contribuindo sempre com idéias interessantes.
Ao Otacilio e a Cris que foram aos poucos transformando o meu português para inglês ver em português para brasileiro ler.
Ao Fábio e a Monica, pela amizade, Juquehy e pelo apoio financeiro não institucional. A dupla mais do que dinâmica Ani e Célia por estarem sempre por perto.
 Léa pela ajuda na última e derradeira leitura e ao Sabetai pelos almoços de sábado.
 Capes pelo auxilio financeiro.
Ao centro de Intercâmbio Internacional possibilitou a minha viajem para Viena.
da EAESP /FGV que
À Monika pelo incentivo constante e participação entrevistas realizadas em Viena e o apoio total tentativas frustradas de me tornar um ás do esqui.
ativa nas nas minhas
Ao Andreas que me ajudou levando-me para o Instituto de Planejamento Urbano da Universidade de Viena, onde tive todas as condições para realizar a minha pesquisa, além de fornecer o meu primeiro emprego em Viena, ao confiar corajosamente seus filhos à minha guarda por diversas noites.
Ao Pulle e ao Thomas, inseparáveis companheiros de moradia, viajens, cervejas, risadas e incontáveis partidas de gamão, pelo apoio constante em Viena.
Ao 6sterreichicher Akademischer Austauschdienst-OAD pelo apoio ao meu trabalho de pesquisa.
Por fim, faço um agradecimento aos amigos Beth, Pia, Mariane, Kaiser e Adolfo com os quais dividi as angústias e os bons momentos na G.V e deixo uma luz no fim do túnel: moçada, se eu terminei ...
SUMÁRIO
INTRODUÇAO • .•...........•... • .........•••.••....••................ 1
CAP. 1. RESÍDUOS SÓLIDOS E DEGRADAÇÃO AMBIENTAL .................. 10
1.1 - A incorporação dos resíduos na análise econômica
através do modelo da balança de materiais ..........• 12
1.2 -A hegemonia do conceito de desenvolvimento sutentável
e os desdobramentos sobre a política ambiental ..•••. 20
CAP. 2. GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS FACE AOS NOVOS OBJETIVOS DA
POLÍTICA AMBIENTAL . .............•..•...•................. 3 6
2.1- Os modelos de gestão de resíduos •.....•.•........•.. 37
CAP. 3. O SISTEMA DE GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS DA CIDADE DE
VIENA . .....••.•.••......••...•••..•.•.....•..•.•........• 4 7
3.1- Os objetivos do plano de gestão de resíduos ...•..•.. 48
3. 2 - A composição do lixo e os instrumentos da política .. 52
3 . 3 - o decreto sobre embalagens .•••••...••...•........... 61
CAP. 4. DISCURSO E PRÁTICA: UMA ANÁLISE CRÍTICA .••............... 71
4.1 - A apropriação do discurso do desenvolvimento
sustentável e os desdobramentos sobre a política
ambiental ........................................... 72
4.2 - Uma análise crítica dos atuais sistemas de
gestão de resíduos sólidos .......................... 82
CAP. 5. AlGUMAS CONSIDERAÇÕES PARA A CIDADE DE SÃO PAULO ........ 104
5.1 - Breve histórico dos resíduos sólidos em São Paulo e
situação atual . ................................... . 107
5.2 - Plano de emergência de destino final de resíduos
sólidos de São Paulo .....................•.•...•... 114
5.3 -Uma análise crítica da política de gestão de resíduos
sólidos na cidade de São Paulo ...........•....... ~ .117
5.4-Consideraçõesfinais .........•.•••.............•... 127
REFER~NCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......... '• .•...•..••......•••.......•• 13 2
ANEXO I.
1
INTRODUÇÃO
O Brasil produz cerca de 90 mil toneladas de resíduos sólidos todos
os dias. Segundo dados da última Pesquisa Nacional de Saneamento
Básico publicada pelo IBGE, do total de resíduos coletados nas
cidades brasileiras, cerca de 88% são despejados em áreas alagadas
ou a céu aberto. Nesses locais, denominados de lixões ou
vazadouros, o lixo não recebe qualquer tipo de tratamento com o
objetivo de minimizar os impactos ambientais. Do restante, 10% do
lixo coletado têm como destino aterros, que na maior parte também
não estão adequados às normas de proteção ambiental, e 2% são
tratados em usinas.
Nos últimos anos várias reportagens publicadas em diversos jornais
têm desvendado uma das facetas mais perversas do modelo de
desenvolvimento brasileiro, onde é possível observar o crescimento
de uma legião de adultos e crianças que, perambulando entre os
lixões a céu aberto dos centros urbanos, buscam seus meios de
sobrevivência.
Este quadro mostra o descaso do setor público, na maior parte das
cidades brasileiras, quanto à política de resíduos sólidos. Ainda
que seja possível identificar em algumas cidades brasileiras o
desenvolvimento de modelos de gestão de lixo que procurem contornar
estes problemas, e mesmo um avanço da legislação em relação à
política de saneamento ambiental, a realidade dos dados demonstra
a gravidade da situação atual.
2
A ausência no país de uma política adequada para o gerenciamento de
resíduos sólidos tem contribuído para o agravamento dos impactos
ambientais, como no caso da contaminação de lençóis d'água
subterrâneos devido aos lixões e aterros sanitários não
controlados, e dos impactos à saúde devido à exposição direta que
sofrem os catadores ou moradores que residem próximos dessas áreas.
Durante muito tempo, contudo, a existência de problemas básicos
ainda não resolvidos, como educação, saúde, alimentação e moradia,
contribuiu para que o debate sobre a gestão de resíduos sólidos
ficasse relegado a um segundo plano. Hoje, no entanto, parece
crescer o consenso de que os problemas relacionados à gestão dos
resíduos não podem mais ser encarado$ como um dado secundário. A
política de gestão de resíduos, assim como a política de saúde,
habitação, renda e educação, deve ser priorizada, pois está
diretamente ligada à problemática da qualidade de vida e, demanda
portanto, das autoridades públicas, bem como do setor privado e do
restante da sociedade 1 uma ação imediata com o
reverter esse quadro.
objetivo de
No inicio do trabalho de pesquisa, pretendia-se concentrar esta ~ dissertação na alternativa da reciclagem que 1 naquele momento,
parecia ser a melhor opção para solucionar as distorções dos
sistemas de gestão de resíduos sólidos nas cidades brasileiras.
Assim, acreditava-se que, ao invés de dispor os resíduos em lixões
a céu aberto ou em aterros sanitários mal controlados, seria muito
mais eficiente reaproveitar o potencial presente nesses resíduos.
A reciclagem, entre outras vantagens, significaria a diminuição do
consumo de matérias-primas e uma grande redução do volume total de
resíduos a serem dispostos.
com o desenvolvimento do trabalho, foi se tornando claro que o
processo de reciclagem apresentava uma série de limites e, dessa
forma 1 não poderia ser entendido como solução única para um
~ \ /
--------~~~·----------
3
problema tão complexo como o do gerenciamento de residuos sólidos.
Nessa fase, algumas outras dúvidas começaram a surgir:
- todos os produtos poderiam ser reciclados?
- que produtos apresentariam viabilidade econômica para serem
reciclados?
- quais poderiam ser os efeitos negativos relacionados à expansão
do processo de reciclagem?
A constatação dos limites da reciclagem resultou numa ampliação do
objeto da pesquisa. A reciclagem passou a ser entendida como uma
das variáveis de um sistema maior, denominado aqui de sistema
integrado de gestão de residuos sólidos. Em outras palavras, seria
necessário identificar quais resíduos poderiam ser reciclados,
quais poderiam ser incinerados e quais poderiam ser dispostos em
aterros sanitários. Além disso, os atuais modelos de gestão de
resíduos em países desenvolvidos procuram atuar de forma não apenas
a garantir a disposição adequada, mas também a priorizar a redução
do volume dos resíduos já nas próprias fontes geradoras.
Através de um programa de intercâmbio entre a Fundação Getúlio
Vargas e a Universidade de Viena, Instituto de Economia, tive a
oportunidade de morar na cidade de Viena onde pude conhecer seu
sistema integrado de gerenciamento de resíduos sólidos. Esse
sistema é composto por um gigantesco esquema para coleta de
recicláveis, coleta de lixo orgânico para produção de composto,
incineradores para queima de parte do lixo doméstico e
incineradores especiais para resíduos tóxicos, além da utilização
de aterros sanitários para produtos que não possam ser reciclados
ou incinerados. Soma-se a isto a participação bastante elevada da
comunidade no projeto de separação do lixo domiciliar e a
realização freqüente de conferências e debates sobre a problemática
do lixo.
Essas características pareciam confirmar as enormes vantagens da
4
implementação de um sistema integrado de gestão de resíduos em
relação a um sistema tradicional.
Entre essas vantagens é possível destacar três aspectos
importantes:
- a totalidade dos habitantes de Viena tem acesso aos serviços de
coleta de resíduos;
- a cada ano vem sendo coletado um volume crescente de recicláveis
através do processo de coleta seletiva;
- a partir do ano de 1993 foi decretada uma lei sobre embalagens,
cujo objetivo é tentar reduzir o consumo de material de embalagem
já no processo de produção.
Apesar dos aspectos positivos inegáveis do sistema de gestão de
resíduos da cidade de Viena, foi ficando cada vez mais claro,
durante a pesquisa, que existe também uma grande distância entre
parte dos objetivos propostos pela atual política de gestão de
resíduos nos países desenvolvidos e sua condução prática.
O processo de pesquisa realizado em Viena foi conduzido através do
contato com especialistas na área de resíduos e do levantamento de
bibliografia em quatro instituições principais-: Universidade de
Viena, Instituto de Ecologia de Viena, United Nations Industrial
Development Organization (UNIDO) e Magistratabteilung 48
(departamento responsável pela gestão de resíduos sólidos em
Viena).
o contato com representantes da Universidade, ONGs, órgãos públicos
internacionais e órgãos públicos de Viena contribuiu não apenas
para acrescentar novas informações a esta dissertação, mas, acima
de tudo, para trazer novas questões para a pesquisa em curso.
A partir do caso de Viena, a percepção das contradições entre
5
objetivos propostos e condução prática da política de gestão de
resíduos levou ao surgimento de novas questões tais como:
- se os objetivos propostos elegem como prioridade a redução de
resíduos, por que continua a aumentar o conjunto de resíduos na
cidade de Viena?
- por que os habitantes de Viena devem arcar com a maior parte dos
custos de separação do lixo?
- qual está sendo o destino real dos resíduos separados na cidade
de Viena?
por que diversos países, inclusive a Áustria, continuam a
exportar resíduos para outros países?
- como tem sido o desenvolvimento da relação entre os setores
público e privado no campo da administração de resíduos e, mais
especificamente, na área de reaproveitamento dos resíduos?
As respostas para estas perguntas não poderiam ser encontradas
através de uma simples análise do sistema de gestão de resíduos
sólidos da cidade de Viena, uma vez que um dos objetivos desta
dissertação é o de entender de maneira crítica esses sistemas de
gestão pública nos países desenvolvidos, apontando pontos positivos
e negativos, e não se limitar a descrever esse sistema.
Tendo como pressuposto que o estabelecimento de uma relação entre
o processo de degradação ambiental e a produção de resíduos
produzidos no sistema produtivo, somado à mobilização crescente em
torno da preservação ambiental, acabou por lançar a problemática
dos resíduos no centro do debate da política ambiental, foram
elaboradas quatro hipóteses que contribuem para entender a forma
como se deu o desenvolvimento da política ambiental nos anos
recentes e como esta se reflete sobre a gestão de resíduos sólidos
nos países desenvolvidos:
1. A criação do conceito de desenvolvimento sustentável marca o
estabelecimento de novas prioridades dentro da política ambiental,
6
constituindo-se, desta forma, em elemento essencial para o
estabelecimento da variável ambiental como hegemônica dentro das
sociedades capitalistas desenvolvidas.
2. A multiplicação de interesses do setor industrial em relação à
problemática ambiental tem influenciado de maneira crescente a
condução da política ambiental institucional, de forma a garantir
proteção ambiental adaptada às necessidades de desenvolvimento
econômico das economias de mercado.
3. A necessidade de garantir proteção ambiental e promover
crescimento econômico acentuará as contradições entre discurso e
prática relacionados à condução da política ambiental
institucional, sendo que será possível observar, por um lado, o
desenvolvimento crescente de mecanismos e instrumentos relacionados
à proteção ambiental e, por outro, as demandas de mercado
representando os limites de ação desses próprios mecanismos.
4. A condução da política de gestão de resíduos sólidos refletirá
essas duas caraceterísticas, pois esta constitui elemento
prioritário dentro da política ambiental atual.
Portanto, entender algumas características da política ambiental, )
bem como analisar especificamente os sistemas de gestão constituem
a ti v idades essenciais para a compreensão dos desdobramentos da
política atual de resíduos sólidos nos países desenvolvidos.
Cabe ainda ressaltar que o conhecimento adquirido em Viena permitiu
elaborar alguns comentários para o caso de gestão de lixo na cidade
de São Paulo, valorizando aquilo que foi entendido como acertos e
avanços do modelo vienense e apontando alguns problemas que devem
ser evitados aqui.
Assim, esta dissertação foi dividida em cinco capítulos.
o capítulo 1 demonstra em sua primeira parte a relação entre
produção de resíduos e meio ambiente, com base no desenvolvimento
7
do modelo da balança de materiais. Através desta análise procura-se
evidenciar as implicações ambientais negativas ao se relegar a
problemática dos resíduos a um segundo plano. A segunda parte
procura explicar o desenvolvimento de novas prioridades da política
ambiental a partir da incorporação do discurso do desenvolvimento
sustentável. Também foram incluídas algumas características da
degradação ambiental e da mobilização de organizações
governamentais, não governamentais e empresariais, que contribuíram
para lançar o problema dos resíduos no centro da política
ambiental.
o capítulo 2 mostra como as mudanças em relação às prioridades da
política ambiental influenciaram a modificação dos principais
objetivos da política de gestão dos resíduos sólidos nos países
desenvolvidos. O estabelecimento de um modelo tradicional, um
modelo intermediário e um modelo atual de gestão de resíduos
sólidos permitiu explicitar as mudanças ocorridas quanto aos
objetivos da política de resíduos sólidos do final da década de 60
até início da década de 90, quando o objetivo de reparação dos
danos ao meio ambiente foi substituído pelo objetivo da prevenção.
o capítulo 3 descreve o sistema de gestão dos resíduos sólidos da
cidade de Viena, como exemplo de modelo adaptado às novas
prioridades estabelecidas pela atual política de resíduos sólidos
apresentadas no capítulo 2. Na primeira parte do capítulo, são
descritos os objetivos do plano de gestão na cidade de Viena e, na
segunda parte, são focalizados os instrumentos utilizados para
alcançar os objetivos propostos. Na terceira parte, é apresentado
o decreto de embalagem que é considerado o que há de mais atual
dentro dos modernos sistemas de gestão de resíduos.
o capítulo 4 tem o objetivo de fazer uma análise crítica dos
sistemas atuais de gestão de resíduos sólidos com base
principalmente no sistema de Viena. Na primeira parte, é mostrado
de que forma o setor empresarial se apropria do conceito de
8
desenvolvimento sustentável, adaptando-o às necessidades dos
sistemas de economia de mercado e, dessa forma, estabelecendo os
limites de atuação da política ambiental nas sociedades
capi taiistas. Na segunda parte, é feita uma análise crítica do
atuais sistemas de gestão de resíduos sólidos nos países
desenvolvidos, mostrando como as características apontadas na
primeira parte do capítulo acabam por se repetir na condução da
política de resíduos, implicando em avanços e contradições entre
discurso e prática.
A disponibilidade de material para análise crítica dos atuais
modelos de gestão de resíduos ainda é bastante escassa. Desta
forma, optou-se, nesse capítulo, por não ficar restrito apenas aos
exemplos da cidade de Viena, mas também agregar exemplos de
sistemas de gestão desenvolvidos em outras cidades européias,
semelhantes ao sistema em operação na cidade de Viena, para melhor
fundamentar a análise. Esta opção se justifica, uma vez que o
processo de unificação européia está contribuindo não apenas para
a formação de uma política ambiental comum, mas também para uma
política compartilhada de resíduos sólidos.
o capítulo 5 procura apontar algumas características do problema
relativo aos resíduos sólidos na cidade de São Paulo. À luz da
experiência observada nos países desenvolvidos, e mais
especificamente no caso de Viena, busca-se tecer algumas
considerações para o caso de São Paulo.
Esta dissertação visa, portanto, alcançar os seguintes objetivos:
- identificar a relação entre os resíduos sólidos produzidos dentro Y do sistema econômico e o agravamento dos problemas ambientais;
- identificar as mudanças nas prioridades da política ambiental e
seus reflexos sobre a política de gestão de resíduos sólidos nos
países da Comunidade Européia;
- entender as principais características dos atuais sistemas de
9
gestão de resíduos sólidos nesses países com base no sistema que
opera em Viena;
- entender criticamente os desdobramentos da política dos resíduos
sólidos, quanto aos objetivos propostos e sua condução prática nos
países desenvolvidos, e utilizar essa experiência para fazer alguns
comentários aplicáveis à cidade de São Paulo.
10
Cap. 1. RESÍDUOS SÓLIDOS E DEGRADAÇÃO AMBIENTAL
o controle da geração de resíduos líquidos, sólidos e gasosos ocupa
hoje uma posição central dentro do discurso da política ambiental.
A diminuição da geração dos efluentes líquidos e gasosos e de
resíduos sólidos de forma a causar menores impactos negativos no
meio ambiente constitui prioridade da nova política ambiental.
Esta posição ocupada pelos resíduos dentro da política ambiental só
foi possível através de um longo processo, que inclui a
identificação do aumento dos problemas ambientais devido à geração
crescente de resíduos, a adequação do setor público para um
controle maior dos resíduos produzidos no sistema produtivo, a
mobilização crescente dos grupos ambientalistas, o estabelecimento
de novas prioridades na atual política ambiental e o envolvimento
maior de parcela significativa da população em torno desta questão.
Durante as décadas de 1970 e 80, vários estudos procuraram mostrar
como os resíduos produzidos no sistema produtivo vinham afetando de
diferentes maneiras o meio ambiente. A destruição da camada de
ozônio devido à emissão cada vez maior de gás carbônico e gases
CFCs, os impactos sobre a vida marinha e aquática devido à
disposição de resíduos líquidos e sólidos nos mares e rios e a
contaminação de lençóis de água subterrâneos devido à disposição
em aterros sanitários não controlados constituem apenas alguns
exemplos, entre muitos outros, que surgiram nesse período. Além dos
estudos específicos acima, é possível também des'tacar o
desenvolvimento de um modelo dentro da análise econômica, que
11
conseguiu sintetizar as implicações dos residuos, de qualquer
natureza, sobre o meio ambiente.
o modelo da balança de materiais, partindo da lei da conservação da
matéria, permitiu incorporar novas variáveis dentro do conceito de
externalidades, através de uma compreensão mais efetiva do papel
dos residuos no sistema econômico. Este modelo colocou dentro da
análise econômica a variável ambiental no mesmo patamar de
importância de variáveis ·tradicionais como investimento, renda,
salário e lucro.
Por mui to tempo, contudo, mui tos economistas ignoraram os novos
conhecimentos levantados pelo modelo da balança de materiais. Foi
apenas com a mobilização em torno da problemática ambiental,
representada por um crescimento no número de entidades
governamentais e não governamentais ligadas ao meio ambiente, que
um número maior de economistas incorporou os conhecimentos
desenvolvidos no inicio da década 70.
Ainda que hoje seja possível questionar algumas das conclusões do
modelo da balança de materiais, principalmente no que se refere a
uma previsão de consumo crescente dos recursos naturais, este
modelo, somado a outras descobertas e à maior mobilização do setor
público e da sociedade civil, contribuiu para a necessidade de
responsabilizar todos os setores da sociedade em relação às
di versas formas de residuos gerados no sistema econômico, ao
substituir o modelo econômico fechado tradicional por um modelo de
economia termodinamicamente aberto, onde o meio ambiente passa a
desempenhar um papel fundamental. Nesse modelo é possivel superar
o debate tradicional em torno de valores antropocêntricos e
biocêntricos, ao se colocar a humanidade nem acima nem abaixo do
meio ambiente. 1
1 COLBY, Michael E. 1La adlinistación en el desarrollo: evolución de los paradi91l?S1, EL Trimestre Econômico, vol. LVIII
(3) n1 231, junjset/91
12
Neste capítulo pretende-se apontar a contribuição do
desenvolvimento do modelo de balança de materiais para um novo
entendimento do papel dos resíduos dentro do sistema econômico, bem
como identificar alguns pontos importantes da crescente mobilização
em torno desta problemática e o estabeleciemento de novas
prioridades na atual política ambiental.
1.1 - A incorporação dos resfduos na análise econômica através do modelo da
balança de materiais
os economistas já perceberam há mui to tempo que o sistema de
mercado provoca efeitos externos indesejáveis (spillover effects)
sobre o meio ambiente. Já no ano de 1960, na obra clássica de A. c. Pigou, Economics of Welfare, o termo spillover indicava que os
efeitos totais da produção e consumo não permanecem restritos às
firmas e consumidores envolvidos mas, sim, extravasam para
terceiros. 2 Exemplos clássicos desses efeitos externos
indesejáveis seriam a emissão de poluentes nos rios e na atmosfera
decorrente de plantas industriais. Neste caso, a produção total da
firma corresponde às mercadorias produzidas e vendidas no mercado,
somadas aos efeitos indesejáveis provocados sobre o meio ambiente,
que não são, e nem poderiam ser, vendidos pela firma. Esta parcela
indesejável da produção, que se encontra fora do sistema de mercado.
e que não aparece nos preços relativos das mercadorias, é
denominada de custo externo. Estes custos são considerados
externos, pois alguns custos não são computados pela firma que
produz a mercadoria e, sim, são impostos a toda a sociedade ou
parcela da sociedade. Assim, no exemplo clássico da instalação de
2 apud SENECA, Joseph and TAUSSING, Michael K. Environment Economics, p.J0-60, Prentice Hall, New Jersey, 1984.
13
uma indústria de papel junto a um rio, os custos externos podem ser
associados à poluição que pode levar a uma redução do número de
peixes e, dessa forma, afetar a vida dos pescadores da região, ou
ainda impossibilitar que os habitantes continuem a nadar no rio, comprometendo seu lazer. 3
Embora hoje esteja cada vez mais evidente a relação entre
crescimento econômico e degradação ambiental, durante algum tempo
os economistas consideravam externalidades como sendo um conceito
interessante, porém não fundamental para o desenvolvimento da
análise econômica e para a determinação da politica econômica. •
Dessa forma 1 a função do meio ambiente nunca foi perfeitamente entendida e sua relação com o processo produtivo acabou sendo
sempre relegada a um segundo plano.
Foi apenas no inicio da década de 70 que o grande aumento dos
impactos ambientais acabou por estimular o reexame mais preciso dos
problemas relacionados ao fenômeno das externalidades. O
desenvolvimento do modelo da balança de materiais representou uma
importante contribuição para a reformulação da análise econômica
tradicional.
A análise econônomica tradicional está baseada em um fluxo circular
de moeda, acompanhado por um fluxo oposto de mercadorias, serviços e fatores produtivos entre o setor de produção e o de consumo. o
setor de consumo supre o setor de produção com fatores de produção ( input) , que são capital e trabalho, recebendo em contrapartida
pagamentos monetários ou salários. Por outro lado 1 o setor de produção supre com mercadorias e serviços o setor de consumo,
recebendo em troca pagamentos em moeda. 5
3 SEIIECA, Joseph and TAUSSIHG, Kichael K. EnvirolJBle!lt Economics, p. 30-60, Prentice Hall, New Jersey, 1984.
' SENECA, Joseph and TAUSSSIHG, Hichael K. Environment EConolics, p. 30-60, Prentice Hall, New Jersey, 1984.
5 FREEMAN III, A. Kyrick and HAVE!ISAN, Robert H. Tbe Economics of Enviroruaent Policy, New York, 1973.
14
o desenvolvimento da balança de materiais mostra que essa
interpretação do processo produtivo acabou por ignorar outros
importantes fluxos de materiais e as leis básicas da fisica que
determinam esses fluxos, possibitando assim apenas uma análise
parcial do processo econômico. 6
o modelo da balança de materiais desenvolvido por Allen v. Kneese
tem como principal contribuição o fato de enfatizar que o meio
ambiente representa uma parte fundamental do processo produtivo e,
portanto, os custos externos relacionados à disposição de residuos,
mais do que uma mera curiosidade teórica, representam um fator
essencial dentro do processo econômico. 7 Assim, um diagrama mais
realista dos fluxos econômicos pode ser representado da seguinte
forma:
6 FREOON, III, A. Myrick and HAVENSAN, Robert H. The Economics ot EnviroilJIIent Policy, New York, 1973.
7 apud SENECA, Joseph. EnvirolJJJent Economics, p. 48, op. cit.
Fluxos Econômicos
O insumos
< $ trabalho Setor
Produtivo
Setor de
Consumo $ c:::====~>
~--------=-~ bens ~--~------~
reslduos ~ ~ reslduoa
~---------------Meio Ambiente
Fonte: Freeman, A. The Economics of Environment Policy, 1973.
15
Através do desenvolvimento da balança de materiais, o meio ambiente
pode ser visto como uma concha que cerca o sistema econômico. É
possível, portanto, identificar duas funções principais do meio
ambiente: fornecer insumos e receber os resíduos. As matérias
primas fluem do meio ambiente para o setor produtivo onde são
convertidas em mercadorias e repassadas ao setor de consumo.
Durante o processo produtivo, além de mercadorias, resíduos são
gerados e devolvidos ao meio ambiente. Da mesma forma, o setor de
consumo também transforma as mercadorias através de processos
mecânicos, químicos ou biológicos, porém nunca as consome em um
sentido físico, devolvendo resíduos para o meio ambiente. 8 Assim,
podemos estabelecer dois novos fluxos no diagrama tradicional da
8 SENECA, Joseph. Environment Economics, p. 53, op. cit.
16
economia que constituem os fluxos de resíduos dos setores produtivo
e de consumo para o meio ambiente.
Esse fluxo de matéria (na forma de insumos e resíduos) deverá
necessariamente obedecer à lei de conservação da matéria. O
estabelecimento dessa relação entre lei da conservação da matéria e processo produtivo constitui o ponto inicial do modelo da balança
de materiais. 9
A lei da conservação da matéria diz: todas as mudanças físicas e
químicas não podem criar ou destruir matéria, esta pode ser apenas
rearranjada em diferentes modelos espaciais (mudanças físicas), ou
em diferentes combinações (mudanças químicas). 10 Em outras
palavras, podemos estabelecer que, como a matéria física não pode ser destruída, qualquer economia acabará produzindo, durante um
certo período de tempo, uma quantidade de resíduos, na mesma proporção que a matéria-prima utilizada como insumo.
o modelo da balança de materiais deixa claro que o meio ambiente tem duas funções básicas para o processo econômico: uma fonte de
matéria-prima para o processo produtivo e um receptor dos resíduos produzidos correspondentes ao material utilizado como insumo.
Assim, o desenvolvimento do aparato produtivo significa, de um lado, um crescimento do consumo dos recursos disponíveis no meio
ambiente, de outro lado, uma geração crescente de resíduos. Além disso, podemos também constatar· através desse modelo que o uso de
expressões como "jogar o lixo fora" constitui apenas uma falta de conhecimento do destino real dos resíduos, uma vez que toda matéria
permanece no meio ambiente de uma forma ou de outra. Uma substância pode ser queimada (causando talvez poluição do ar), disposta em
9 SENECA, Joseph. Enviromnt Economics, p. 51, op. cit.
10 MILLER, Tyler G. Resource Conservation and Hanagement, p. 78-115, Wadsworth Publishing Company Belmont, california, 1989.
17
rios, lagos e oceanos (causando talvez poluição da água) ou ainda
depositada na terra (causando talvez poluição da água e do solo),
porém continuará sempre no meio ambiente. Ê possivel afirmar então
que todo material utilizado como input no processo produtivo será
devolvido ao ambiente na forma de gases, liquidos ou sólidos. 11
Alguns residuos, contudo, podem ser reciclados e dessa maneira
permitem seu reaproveitamento como insumos novamente dentro do
processo produtivo. Alguns outros processos biológicos naturais
podem também transformar parte dos residuos em insumos, em periodos
de tempo variáveis. A quantidade de residuos dependerá diretamente
da tecnologia disponivel para realização dessa tarefa e dos
estimules econômicos existentes~ Contudo, todo o material que não
for reciclado voltará ao meio ambiente de alguma forma (gás,
líquido, sólido)~"
o meio ambiente possui uma grande , porém finita, capacidade de
assimilação desses residuos •13 Através do modelo da balança de
materiais é possível deduzir que o aumento da produção decorrente
do desenvolvimento industrial implica um aumento de residuos a
serem dispostos no meio ambiente. Esse aumento, por sua vez,
implica em uma utilização crescente da capacidade de assimilação do
meio ambiente. Quanto maior o volume de residuos, maior também é o
aumento da poluição e, consequentemente, o agravamento dos custos
externos.
A poluição ocorrerá toda vez que a disposição desses residuos
implicar dano à vida, à propriedade ou à quantidade e qualidade dos
serviços prestados pelo meio ambiente. Ao nos defrontarmos com
poluição, estamos diante de um caso evidente em que a quantidade de
11 SENECA, Josepb and TAUSSING, Michael. Bnvirol!IE!nt Econolics, p. 55, op. cit.
12 Idem ibidem.
13 FREEMAN III, A. Myrick and HAVENSAN, Robert H. Tbe Econoli.cs .. , op. cit.
18
resíduos dispostos superou a capacidade de assimilação do meio
ambiente. l. 4
O resultado do aumento da poluição é um aumento dos custos sociais
ou custos externos. Esses custos são considerados externos, como
explicado anteriormente, porque os indivíduos ou firmas que se
utilizam da capacidade de assimilação do meio ambiente, durante o
processo de produção e de consumo, não incorporam/pagam tais
·custos .l.s
o fenômeno das externalidades ocorrerá sempre que o direi to de
propriedade não estiver claramente definido. No caso da disposição
de residuos que podem afetar diretamente outros serviços do meio
ambiente, como _recreação, ou causar danos, como impactos à saúde,
isto fica evidente. Como o direito de propriedade em relação ao
meio ambiente não está claramente definido, pessoas que
eventualmente forem prejudicadas em relação à utilização dos
serviços do meio ambiente não serão necessariamente indenizadas
pelo danos. Além disso, como não há compensação para aqueles que
foram prejudicados pela disposição de residuos, o serviço
desempenhado pelo meio ambiente como receptor de resíduos não
representa custo para o poluidor .l.6
Quando serviços como recursos públicos estão disponiveis sem
qualquer custo e·não há restrições de qualquer espécie sobre seu
uso, os resultados são facilmente previsiveis: superutilização,
abuso e degradação da qualidade. Foi exatamente esse modelo de
pensamento que permitiu a Hardinl.7 desenvolver a tese sobre a
tragédia da massa ("tragedy of the commons 11 ), na qual consumidores
l. 4 SEHECA, Joseph and TAUSSING, Michael k. EnvirolJJ!ent Economics, p. 55, op. cit.
l.s SENECA, Joseph and TAUSSING, Jtichael K. EnvirolJ!ellt Bconomics, p. 55 op. cit.
l.6 Idem ibidell.
l.? HARDIN, G. nThe Traqedy of the Commons•, Science, 162, 1243-48, 1968.
19
individuais de determinados recursos, movidos pela necessidade de
maximizar sua utilidade individual, acabam por destruir os recursos
devido a uma superutilização. 18
Em suma, ao deixar de lado os fluxos entre os setores de produção
e de consumo e o meio ambiente, a análise econômica tradicional
falha ao ignorar os efeitos do sistema produtivo sobre o meio
ambiente e vice-versa. Em contrapartida, ao incluirmos o conceito
da balança de materiais, é possivel observar duas importantes
caracteristicas quanto às implicações relacionadas aos residuos
produzidos no processo econômico:
- o aumento da produção industrial significa também o aumento da
produção de residuos q~e voltam ao meio ambiente, aumentando os
problemas de poluição;
- a ausência de politicas de estimulo à reciclagem e recuperação de
residuos acaba por agravar ainda mais o processo de poluição. 19
As conclusões
representam
problemática
oferecidas pelo modelo da balança de materiais
contribuição importante ao estabelecimento da
ambiental e, mais especificamente, da geração de
residuos, dentro da ciência econômica.
A forma, contudo, como incorporar essas novas variáveis dentro da
análise econômica representa ainda um enorme desafio. Segundo José
Eli Veiga, é possivel observar duas tendências principais.
"Entre os economistas que se dedicam ao tema observam-se duas
tendências básicas: os que acreditam, como David Pearce, que o
arsenal econômico pode ser aperfeiçoado para responder ao novo
desafio e os que consideram que a problemática ambiental coloca em
18 HARVEY 1 David. The Nature o f EnviroJllBent: tbe dialectics of social and environment change. SChool of Geography 1
University of Oxford 1 1992.
19 FREEMA11 III 1 A. Myrick and HAVENSAN, Robert H. The Econolfics of ... 1 op. cit.
20
xeque os próprios fundamentos da ciência econômica."w
Para o primeiro grupo, a maneira mais eficiente de solucionar essa
problemática ambiental seria garantir que os preços de todos os
recursos naturais incorporassem completamente sua escassez de longo
prazo, além de efeitos imediatos provocados pelo seu uso. Para o
segundo grupo, essa incorporação dos impactos na formação do valor
dos bens obtidos é impossibilitada pelas limitações da ciência
econômica, tanto no que se refere à conceituação do valor, quanto
à perspectiva de horizonte no tempo. "Todas as escolas econômicas
resistem a reconhecer o valor na natureza em si, e têm sido
impotentes para administrar o longo prazo no qual os resultados do
impacto ecológico se manifestam com clareza."n
Apesar dessas divergências, o fato mais importante é a constatação
de que, para um número crescente de economistas, as variáveis
ambientais não podem mais ser ignoradas. A ciência econômica
precisa se desenvolver de modo que os problemas como o da geração
crescente de resíduos sejam contemplados na elaboração da política
econômica.
1.2 - A hegemonia do conceito de desenvolvimento sustentdvel e os desdobramentos
sobre a poUtica ambiental.
A contribuição do modelo da balança de materiais ou ainda novas
descobertas feitas sobre os efeitos negativos de determinados
resíduos sobre o meio ambiente não podem, obviamente, ser
20 VEIGA, Jose Eli. A insustentável utopia do desenvolvimento. CEDEPLAR/AKPUR, OUro Preto, 1991.
21 VEIGA, José Eli. A insustentável utopia do desenvolvi11e11to. op. cit.
21
consideradas isoladamente de outros fatores que, igualmente,
contribuíram para uma nova postura em relação aos resíduos
produzidos no processo econômico nos países desenvolvidos.
Entre esses fatores é possível destacar:
- a multiplicação de entidades governamentais e não governamentais
que lidam com a problemática ambiéntal;
a participação mais ativa e o maior interesse do setor
empresarial e dos habitantes dos centros urbanos pelos problemas
ambientais;
- novos dados referentes à degradação ambiental;
- a reformulação das prioridades dentro da política ambiental.
A política de resíduos sólidos não caminha independentemente da
política ambiental. Sendo uma peça central da política ambiental,
o fortalecimento desta implica também um fortalecimento da política
de resíduos. Da mesma forma, o estabelecimento de novas prioridades
dentro da política ambiental reflete-se em novos objetivos para a
política de resíduos.
o conceito de desenvolvimento sustentável constitui a base teórica
da reformulação da política ambiental institucional ao incluir um
novo paradigma. À necessidade original de conservar o meio ambiente
soma-se a necessidade de garantir o desenvolvimento econômico. O
desenvolvimento econômico, ao invés de constituir elemento de
oposição à luta. de preservação ambiental, passa a ser elemento
complementar e essencial para alcançar esses objetivos. 22
Eliminação da pobreza, difusão de tecnologias limpas que possam
aumentar a produtividade sem impactar negativamente o meio ambiente
e preservação dos povos e culturas diferentes em todo o mundo
22 WILLUNS, Jan-Olaf and GOLÜKE, Ulrich. From Ideas to Action, Business and Sustainable Developmnet, The Greening of Enterprise, The International Chamber of Commerce, 1992.
22
constituem a base para garantia de um novo padrão de
desenvolvimento de longo prazo.
Os objetivos originais da politica institucional do meio ambiente
podem ser representados por dois episódios importantes ocorridos
nas décadas de 60 e 70.
Em 1961 foi criado o Fundo Internacional para a Vida Selvagem
Mundial (World Wildlife Fund International- WWF), cujo principal
objetivo é o desenvolvimento de projetos relacionados a garantir a
sobrevivência de várias espécies ameaçadas. 23
Em 1972, seguindo recomendações da Conferência Mundial para o Meio
Ambiente realizada em Estocolmo, foi criado o Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente (United Nation Environment Programm -
UNEP). o objetivo do UNEP foi montar um sistema de dados que possibilita um monitoramento global das condições e mudanças do
meio ambiente. 24
A conferência realizada em Estocolmo representou também o inicio de
um processo de reformulação das prioridades em relação à politica
ambiental. A declaração da então primeira~ministra da índia, Indira
Ghandi, a qual afirmava que a pobreza constituia a pior das
poluições, lançou novas variáveis dentro do debate sobre politica ambiental relacionado aos paises industrializados e aos paises em
desenvolvimento. 25
Enquanto os problemas ambientais dos paises do Primeiro Mundo se relacionavam à grande expansão econômica, nos paises do Terceiro
23 BI.ACKBURN, Anne M. Prices ot tbe Global Puzzle, International Approacbes to Enviromrental Concerns, p.l37, Fulcnmgolden, Colorado 1986.
24 BI.ACKBURH, Anne. Prices of the global puzzle ... ,p. 138, op. cit.
25 Souza, Karia T. s. •Rumo à Prática Empresarial Sutentável1 , Revista de Administração de Elpresas, São Paulo, 33(4):40-52, JulfAgo. 1993.
23
Mundo esses problemas teriam sua origem justamente na falta de
crescimento econômico e tecnológico, forçando a população a buscar
alternativas para superar os problemas relacionados às péssimas
condições de vida. A utilização da técnica de queimadas na
agricultura ou o crescente desmatamento relacionado à necessidade
de suprimento de energia constituem exemplos tfpicos do aumento dos
problemas de degradação ambiental ligados à pobreza. 26
A partir das idéias apresentadas durante a conferência de
Estocolmo, passa a crescer dentro do movimento ambienta lista a
consciência de que a variável relacionada à proteção ambiental não
poderia ser considerada isoladamente.
o final da década de 70 e começo da década de 80 representa a
consolidação dos temas relacionados ao meio ambiente como um dos
aspectos centrais debatidos nos pafses industrializados. Alguns dos
fatores que contribuíram significativamente para essa crescente
mobilização em relação às questões ambientais foram:
- a crise energética em meados dos anos 70, combinada com algumas
publicações importantes como o relatório "Os Limites do
Crescimento" (Limits of Growth) produzido pelo clube de Roma; 27
- o medo da eclosão de uma guerra nuclear e a crescente mobilização
contra a utilização de energia nuclear;
- o aumento de informações sobre os impactos negativos no meio
ambiente de forma geral e particularmente sobre o problema da fome
enfrentado pelos pafses africanos. 28
26 VIOIA, Eduardo J./ VIEIRA, Paulo F., ll])a Preservação da Natureza e do Controle da Poluição ao Desenvolvimento Sustentável: um desafio ideolóqico e organizacional ao aovimento ambientalista no Brasil.• Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 26 (4): 81-104, outjdez. 1992.
27 Em uma das conclusões publicadas no relatório Limites do Crescimento foi afirmado: •se se mantiverem as tendências atuais de crescimento da população mundial, da industrialização, da poluição, da produção de alimentos e do esgotamento dos recursos, os
·limites do crescimento em nosso planeta serão atingidos nos próxilos cem anos. O resultado aais provável será um declínio súbito e incontrolável da população e da capacidade produtiva. (BENJAMIN, Cesar. nRossos Verdes Amigos. • Teoria e Debate, 12 novellbro 1990. )
28 BIACKBURN, Anne M. Prices ot the Global Puzzle ••• , p. 140, op. cit.
-----------~ ---------
24
Esses dados apóntavam para o rápido processo de degradação dos
recursos naturais e uma interdependência crescente dos paises em
nivel mundial. Além disso, indicavam que os problemas ambientais
não ficariam restritos às fronteiras, mas a longo prazo afetariam
todo o globo, exigindo, dessa forma, uma politica global e mais
efetiva para a conservação do meio ambiente. A resposta aos
assustadores prognósticos relacionados ao esgotamento dos recursos
não renováveis, aumento da degradação ambiental e da fome não
demorou a aparecer. Em poucos anos multiplicaram-se fundações,
organizações governamentais e não governamentais e, mais
recentemente, organizações empresariais relacionadas à problemática
ambiental.
Essa multiplicação de atores, inicialmente concentrados em
organizações não governamentais e entidades públicas, representou,
indubitavelmente, um grande fortalecimento do desenvolvimento da
politica ambiental.
As ONGs surgem como movimento social no inicio da década àe 70. Em
1972, ano da Primeira Conferência Mundial para o Meio Ambiente, as
ONGs ainda tiveram uma participação reduzida, apesar de terem seu
papel emergente reconhecido. 29 Em vinte anos, contudo, a
reestruturação na sua forma de organização e de atuação, e a
ampliação de seu número de militantes deram uma nova dimensão ao
papel representado pelas ONGs.
Durante os anos 70, algumas ONGs passam a se autofinanciar através
da contribuição de sócios e venda de material. o processo de
poli tizaÇão crescente dentro · dessas organizações se traduz em
pressões crescentes e mais diretas sobre o setor governamental,
culminando com a criação de partidos verdes em diversos paises,
29 MAC DOWELL, Silvia Ferreira. A ecologia organizacional das organizações ecológicas. são Paulo, EAESP/FGV, 1994. 179 p.
25
principalmente na Europa.m
Ainda que durante a década de 90 vários partidos verdes tenham se
distanciado de seus objetivos originais e perdido o espaço
conquistado durante a década de 80, as ONGs continuaram a
proliferar em di versos paises. Alguns exemplos deste fato são
bastante significativos. Uma estimativa feita pelo Clube de Roma em
1985 indicou que as ONGs deveriam envolver cerca de 60 milhões de
pessoas na Ásia, 25 milhões na América Latina e 12 milhões na
África. Em outro trabalho realizado em 1988, estima-se que apenas
nos Estados Unidos haveria cerca de 3.400 ONGs com projetos na
África, sendo que um número ainda maior poderia ser encontrado na
Europa. 31 A importância das ONGs dentro do movimento ambientalista
pôde ser ainda confirmada durante a EC0-92 onde, além da intensa
participação no evento oficial, organizaram seu .próprio evento
paralelo (Forum das ONGs), reunindo não apenas ecologistas, mas
também, representantes de diversos grupos, como feministas,
sindicatos, empresários, politicos e artistas. 32
Durante esse mesmo periodo, o setor público não permaneceu
insensível à maior mobililização da sociedade civil em torno da
questão ambiental. Se em 1972, periodo da conferência de Estocolmo,
havia apenas 12 paises com agências ambientais ou ministérios do
meio ambiente, em 1988 esse número já tinha ultrapassado a marca de
120. 33 Como resultado, há um grande avanço da legislação voltada
30 MAC DOWELL, Silvia Ferreira. A ecologia organizacional das organizações ecológicas. São Paulo, EAESP/FGV, 1994.
31 TANUM, Anne carine. 1The Role of Non-goverllllental Organizations(NGOS)in Achievinq Sustainable Develop11ent, One Eartb -One lforld, p. 93-97, Norway, 1988.
32 CAPOBIANCO, João P. •o que podemos esperar -da Rio 92?1• São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v.6, n.l e 2, p. 13-17,
janjjun, 1992.
33 BLACKBURN, Anne M. Prices of the Global Puzzle, International Approaches to Ennvironmental Concerns, Fulcrum Golden, Celerado, 1986.
26
para garantir a proteção ambiental, além da intensificação da
fiscalização por parte dos órgãos públicos de controle ambiental.
Este crescimento significativo de entidades e pessoas trabalhando
com a questão ambiental representou um grande avanço neste campo.
Como conseqüência, é possível observar não apenas o crescimento da
conscientização em nível mundial em relação aos problemas
ambientais, mas também importantes mudanças relacionadas às
prioridades da política ambiental institucional a partir da década
de 80.
Em 1980 o termo desenvolvimento sustentável surge pela primeira vez
através do documento Estratégia de Conservação Mundial: conservação
dos recursos vivos para o desenvolvimento sustentável. Nesse
documento é apontado que uma política, para ser sustentável,
deveria considerar ao mesmo tempo fatores ecológicos, econômicos e
sociais. 34
As idéias apresentadas por Maurice F. Strong durante o Seminário
para Conservação no Terceiro Mundo em 1983 sintetizam as novas
prioridades relacionadas à política ambiental. 35
"Primeiro devemos notar que o próprio conceito de conservação mudou
significativamente no presente. No passado a ênfase residia na
preservação, na resistência ao desenvolvimento e em outras formas
de intervenção humana. Agora a ênfase mudou adequadamente, em meu
ponto de vista, para um conceito mais positivo e dinâmico de
preservação, gestão e melhor uso dos recursos, para um uso que
reconhece que os próprios recursos naturais estão em um constante
estado de transformação, que a intervenção humana é uma parte
34 SOUZA, Maria tereza Saraiva de. Gestão Ambiental: a prática empresarial sustentável via reciclagem, Tese de Mestrado apresentada na EAESP-FGV, 1993.
35 apud BLACKBURN, Anne M. Prices of the Global Puzzle ••. , p. 5 op. cit.
27
essencial desse processo e que o papel primordial do
conservacionista é o de garantir que o processo seja manejado de
maneira a prevenir a destruição dos recursos e manter a integridade
e beleza do ecossistema, do qual os recursos naturais constituem
uma parte. Existe assim uma direta e inevitável ligação entre
conservação e intervenção humana, particularmente aquela em que
tanto crescimento econômico quanto social são os objetivos, aos
quais nos referimos normalmente como desenvolvimento."
Em 1987, com a publicação do relatório Nosso Futuro Comum (Our
Common Future) elaborado pela Comissão Mundial para o
Desenvolvimento e Meio Ambiente, o conceito de desenvolvimento
sustentável ganha novas dimensões e importância dentro do debate
ligado à problemática ambiental.
A Comissão Mundial para o Desenvolvimento e Meio Ambiente listou
uma série de definições para o desenvolvimento sustentável;
contudo, aquela que vem sendo mais repetida pode ser descrita da
seguinte forma:
"desenvolvimento sustentável significa que as ações presentes não
devem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer
suas necessidades, com base em que o valor total dos bens
disponiveis, tanto os produzidos pelo homem como aqueles
encontrados na natureza, deve permanecer constante de uma geração
para outra" • 36
Dessa forma, como pontos centrais no conceito de sustentabilidade
temos:
- o meio ambiente desempenha um papel fundamental para a qualidade
da vida;
36 HARVEY 1 David. The Nature of Environment: The Dialectics o f Social and Environmental Chanqe 1 school o f Geoqraphy 1 Uni versi ty of Oxford 1 1992.
28
garantia para as gerações futuras de uma base de recursos igual
à que está disponível para a geração atual;
- essa base de recursos é constituída por uma combinação entre
produtos feitos pelo homem e recursos naturais. 37
Dentro do debate sobre sustentabilidade existem controvérsias,
principalmente no que se refere à manutenção da base dos recursos.
De um lado, há os denominados economistas tradicionais que tratam
o desenvolvimento sustentável apenas em termos de crescimento
econômico, permitindo dessa forma a substituição entre produtos
feitos pelo homem e recursos naturais. O ponto central dessa
análise é que a oferta total de produtos manufaturados e recursos
naturais não deve decrescer de uma geração para a outra. De outro
lado, existe uma análise cujo ponto central é a afirmação de que
a disponibilidade de recursos naturais não pode diminuir e, dessa
forma, refuta a idéia de substituição entre produtos manufaturados
e recursos naturais. Portanto, desenvolvimento sustentável só pode
ser alcançado na medida em que seja possível conservar a oferta de
recursos naturais de uma geração para a outra. As principais
críticas ao argumento da substituibilidade partem da constatação de
que é, por exemplo, impossível recriar a camada de ozônio na
estratosfera ou remover os gases que causam o efeito estufa. Além
disso, não existe técnica plausível para resolver o problema da
crescente acidificação do meio ambiente. E, por fim, há o fato de
que é impossível substt tuir informações genéticas de espécies
extintas. 38
Apesar dessas controvérsias, a necessidade de sustentabilidade
passou definitivamente a predominar não apenas dentro do discurso
37 UNITED NATIONS Industrial Development Organization - UNIDO, Proceedings of the Conference on Ecologically Sustainable . Industrial Development, Compenhagen, Denmark, 14-18 october, p. 36, 1991.
38 UNITED NATIONS Industrial Development Organization, UNIDO, Procedure ••• , p. 36, op. cit.
29
da polftica ambiental institucional, mas também passou a ser cada
vez mais repetida no discurso de entidades não governamentais e organizações empresariais.
A adoção por parcela crescente do setor empresarial da expressão
"desenvolvimento sustentável" constitui fator bastante importante
merecendo uma reflexão especial, o que será feito no capitulo 4
desta dissertação. Aqui é importante destacar o grande crescimento
do setor empresarial dentro do discurso da polftica ambiental, seja
no exemplo da ação de pessoas individualmente, seja na ação
coordenada do setor empresarial.
Um exemplo interessante é dado pela trajetória de Maurice F.
Strong. Além de ter sido secretário geral das Nações Unidas em
Estocolmo (1972) e no Rio (1992) e de ter participado ativamente da
elaboração do Relatório Brundtland, a carreira profissional de
Strong está diretamente ligada ao setor industrial. Ele foi
presidente da Petro-can, Companhia_Nacional de Petróleo no Canadá,
e fundador do Setor Privado Internacional para Desenvolvimento de
Energia, organização voltada para o desenvolvimento do setor de
petróleo e energia nos paises em desenvolvimento. Em 1983, foi
empossado como presidente da Companhia Canadense de
Desenvolvimento, que coordena as indústrias nacionalizadas
canadenses, ao mesmo tempo em que continuava como diretor do enorme
conglomerado privado americano Tosco. 39 Maurfce Strong, com seu
perfil industrial e discurso voltado à necessidade de promover
crescimento econômico e preservação ambiental, além de sua
importância no desenvolvimento da polftica ambiental institucional
nas últimas duas décadas, constitui um exemplo claro do elo
crescente entre o setor industrial e o movimento ambientalista
39 BLACKBurut, Anne M. Prices ot tbe Global Puzzle, p. 4 op. cit.
30
institucional. 40
É interessante notar também o crescimento do número de eventos
realizados diretamente pelo setor industrial ligados ao setor
ambiental nos anos recentes. Entre os anos de 1990 e 1992, nada
menos que quatro eventos internacionais foram promovidos por órgãos
ligados diretamente ao setor industrial. o Fórum Industrial para o
Meio Ambiente em 1990, a Segunda Conferência da Indústria para
Administração Ambiental em 1991, a Conferência da Indústria para
Desenvolvimento Sustentado e o Segundo Fórum Industrial para o Meio Ambiente em 199241 representaram não apenas o comprometimento do
setor industrial, pelo menos no nível do discurso, em alcançar o desenvolvimento sustentável, mas também centros de propagação dos
objetivos desse setor em relação à política ambiental.
Deve ficar claro que a incorporação do discurso do desenvolvimento sustentável pelas organizações governamentais, não governamentais
e empresariais não significa a eliminação de divergências entre estas organizações, principalmente no que tange à forma de alcançar
os objetivos propostos pela nova política ambiental. Contudo, é possível observar, no nível do discurso, a formação de um consenso
em torno de um dos objetivos centrais da nova política ambiental baseado no conceito de desenvolvimento sustentável: a nova política
ambiental deve ter como objetivo não o de reparar os danos ao meio ambiente, mas sim o de atuar sobre o processo de produção e consumo
40 Durante a preparação da conferência do Rio em 1992, os grande setores empresarias, representados pelo Conselho Ellpresarial para o Desenvolvimento Sustentável (BCSD • Business Council for sustainable Oevelopment) e Câmera Inernacional de Comércio (ICC), tiveram, segundo representantes do GREEHPEACE 1 uma influência se11 paralelo nos negócios da ONU. no BCSD foi fornada em 1990 a pedido específico do secretário geral da EC0-92 1 Haurice Strong, que desde então vem sempre prestando um tributo público à contribuição bastante importante que o conselho dará no Rio. o próprio Strang vem prestando assistência ao BCSD na apresentação de suas propostas 1
e ajudou o conselho a editar o documento WMUdança de Rumo"· a peça central das propostas que as indústrias encaminharão no Rio. (BRUI0 1 Kenny. o relatório Greenpeace sobre a maquiagem verde: o disfarce ecológico das empresas trasnacionais (Tradução de Sergio Flaksaan para a Greenpeace Brasil).
41 WILLUNS, Jan-olaf/GOLÜKE, Ulrich, Fro1 Ideas to Action: business and sustainable developJent 1 The Greening Enterprise1
International Chalber of Commerce1 1992.
31
para que os danos ao meio ambiente sejam evitados em suas
raízes. 42
Neste quadro, a produção e a destinação de resíduos passaram a
ocupar posição central dentro da política ambienta~, uma vez que a
maior parte dos problemas ambientais se intensificou devido a uma
geração também crescente de resíduos líquidos, gasosos e sólidos.
Além disso, é importante salientar outro
recentes, indiretamente acabou desviando
fator que, nos anos
o foco principal do
movimento ambiental, antes centrado na problemática do esgotamento
dos recursos naturais, para a produção de resíduos no processo
produtivo.
Segundo Cesar Benjamin, há uma tendência contemporãnea de aumento
de produtos, acompanhada de diminuição de insumos. Isto equivale a
dizer que a taxa de crescimento dos produtos é maior do que a taxa
de crescimento dos insumos. Dessa forma, mui tas das previsões
feitas no início da década de 70 publicadas no relatório "Os
limites do crescimento" parecem hoje exageradas. 43
No caso do petróleo, por exemplo, previa-se em 1973 que suas
reservas caminhavam para o rápido esgotamento; hoje, a queda de
consumo mundial, associada ao desenvolvimento tecnológico na área
de prospecção e à descoberta de reservas gigantescas, inclusive no
Brasil, além da recuperação de antigos poços, afastaram o fantasma
do esgotamento desse insumo. 44 Vários outros recursos naturais têm
apresentado também decréscimo no consumo, como afirma Bejamin:
42 0ABFALLWIRTSCHAT in Wien°. Perspektiven, Magazin für Stadtgestaltung und Lebensqualitat, 1989
43 É importante ressaltar que essas constatações são válidas para o atual estágio tecnológico e de consumo mundial. Vários estudos têm procurado demonstrar que se o padrão de vida norte-americano fosse o mesmo para o mundo inteiro, os recursos naturais do planeta não durariam até o final do século (VEIGA, Jose Eli. A Insustentável ... , op. cit.).
44 BENJAMIN, Cesar. Nossos Verdes Amigos, op. cit.
32
"Medida em toneladas utilizadas por bilhões de dólares do PNB, em
apenas uma década a intensidade de uso nos Estados Unidos diminuiu 13% para o aço, 25% para o minério de ferro, 15% para o cobre, 17%
para o zinco, 2% para o enxofre, 4% para a energia (medida em equivalentes de carvão). Só o alumfnio contrariou essa tendência,
tendo aumentado sua intensidade em 66%, por causa dos novos usos desse material. " 45
Em contrapartida, ainda que a produtividade esteja aumentando com
uma utilização cada vez menor de recursos naturais, o aumento desta
tem levado ao aumento crescente de residuos. Esta tendência ainda
hoje não apresentou reversão significativa. 46
No segundo Seminário de Gestão de Resfduos Sólidos realizado na cidade de Viena, o diretor da Agência Federal do Meio Ambiente da
Alemanha, Werner Schenkel, destacou que:
"O desenvolvimento das economias de mercado tem apresentado uma tendência inalterada de aumento do volume total de residuos. A
necessidade de expansão das economias de mercado significa uma elevação crescente das mercadorias e commodities. Ainda que seja
possfvel, devido ao desenvolvimento tecnológico, diminuir a quantidade de insumos por unidade produzida, tem-se como
contrapartida um aumento das unidades produzidas e vendidas". 47
Esse crescimento dos resfduos está diretamente ligado não apenas ao crescimento do volume total de produção, mas também à forma como
muitos dos novos produtos têm se desenvolvido.
Na fabricação de bens no mercado mundial é possfvel identificar as
45 BENJAMIN, Cesar. Nossos Verdes Amigos, op. cit. 46 SCHENKEL, Werner. International Perspectivas of waste ltinillization. Waste Minimization International Experiences, May 13-17,
1991 •
47 SCHENKEL, Werner. International Perspectives os Waste Minimization, op. cit.
33
seguintes tendências:
- os produtos estão se tornando menores;
- aumento do uso de materiais compostos;
- aumento de substâncias químicas para refinamento;
- aumento do uso de materiais novos e frequentemente raros.
Essas quatro características dificultam extremamente a recuperação
e reciclagem dos produtos. Assim tem-se, de um lado, a propagação
do discurso, tanto por parte do. setor público como do setor
privado, referente à necessidade da utilização de produtos que
possam ser reaproveitados e reciclados para garantir a menor
produção possível de resíduos, e, de outro lado, a necessidade do
desenvolvimento de produtos que, muitas vezes, não estão
absolutamente ligados a essa demanda política. 48
Assim, a política ambiental deve atuar de forma que o
desenvolvimento tecnológico não contemple apenas a procura do
aumento de produtividade (maior produção com menor utilização de
recursos), mas também a redução dos volumes de resíduos no próprio
processo produtivo, e uma melhor adequação da sua disposição à
necessidade de proteger o meio ambiente.
A contribuição de modelos como o da balança de materiais tornou
evidente que os resíduos constituem parte essencial do sistema
econômico. A mobilização crescente em torno dos problemas
ambientais e o estabelecimento de novas prioridades dentro da
política institucional ambiental vêm contribuindo para que a
problemática ligada aos resíduos, de qualquer natureza, ocupe uma
posição cada vez mais importante na agenda de organizações
governamentais, não governamentais, industriais e dos habitantes de
vários centros urbanos.
48 SCHENKEL, werner. International Perspectivas of Waste lfiniiiÍzation ... , op. cit.
34
Na Agenda 21, por exemplo, adotada durante a Segunda Conferência
Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, o capítulo 21,
seção II, é dedicado exclusivamente à questão da gestão dos
resíduos sólidos. Neste capítulo estima-se que até o final deste
século, dois bilhões de pessoas não terão acesso a atendimento
sanitário e que cerca de cinco milhões de pessoas, entre as quais
4 milhões de crianças, morrerão devido a doenças relacionadas ao
lixo. Além disso, espera-se que a quantidade total de resíduos
urbanos deverá dobrar até o ano 2000 e dobrar novamente até o ano
2025. Com base nesse diagnóstico foram propostos os seguintes
investimentos:
- 10 bilhões de dólares em investimento anual para que até 2025
todas as áreas urbanas e rurais sejam atendidas com serviços de
limpeza urbana:
- 18 bilhões de dólares em investimento anual para se garantir a
disposição de resíduos sólidos nos países em desenvolvimento de
forma a proteger o meio ambiente;
-- 850 milhões de dólares anuais (1993/2000) para financiar
programas de reutilização e reciclagem de materiais nos países em
desenvolvimento
- 6,5 milhões de dólares anuais para redução per capita do volume
de resíduos sólidos. 49
Além do valor significativo dos recursos demandados para serem
investidos em projetos no setor de resíduos sólidos, é importante
ressaltar que nenhum outro projeto, que integra a Agenda 21, deverá
receber um volume tão elevado de recursos como os projetos
relacionados à gestão de resíduos sólidos. 50
os dados apresentados acima incluem um grande volume de recursos
49 UKITED NATIONS. 1Earth summit: press sumary of aqenda 21. Rio de Janeiro, 1992.
5t) UNITED NATIONS. Earth Sllllllit: press smary of agenda 21. Rio de Janeiro, 1992.
35
destinados à garantia de serviços essenciais de limpeza püblica.
Além disso, há previsão de recursos também para redução,
reaproveitamento e reciclagem de produtos que refletem os novos
objetivos da política de gestão de resíduos sólidos nos países
desenvolvidos, adaptados às prioridades da atual política
ambiental, como será demonstrado no próximo capitulo.
36
Cap. 2. GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS FACE AOS NOVOS OBJETIVOS DA
POLÍTICA AMBIENTAL
A relação entre resíduos e problemas ambientais é mais evidente no
campo dos resíduos sólidos, uma vez que seu grau de dispersão é bem
menor do que o dos resíduos líquidos e gasosos. É fácil ter uma
idéia da dimensão do problema apenas imaginando as quantidades de
lixo produzidas em cada casa ou em cada unidade industrial e que,
de alguma forma, devem ser dispostas.
Os resíduos sólidos apresentam outra característica muito
importante. Diferentemente dos resíduos líquidos e gasosos, uma
parcela significativa do volume total dos resíduos sólidos
encontra-se diretamente nas próprias residências nos centros
urbanos, permitindo, teoricamente, uma contribuição imediata por
parte dos habitantes para minimizar seus efeitos negativos sobre
o meio ambiente, ao se separar, por exemplo, os resíduos nas
residências para sua recuperação e reciclagem. Assim, numa época de
aumento da consciência ambiental, é possível entender o apoio
crescente das comunidades nos países desenvolvidos aos programas de
gestão dos resíduos que estimulem sua recuperação ao invés da mera
disposição.
o crescente conhecimento das implicações sobre o meio ambiente
relacionadas ao aumento de volume de resíduos a serem dispostos e
o aumento da consciência ambiental determinaram uma nova
qualificação para o problema.
37
o termo lixo foi substituido por residuos sólidos e estes, que
anteriormente eram entendidos como meros subprodutos do sistema
produtivo, passaram a ser encarados como responsáveis por graves
problemas de degradação ambiental. Além disso, os residuos sólidos
se diferenciam do termo lixo, pois enquanto este último não possui
qualquer tipo de valor, já que é aquilo que deve apenas ser
descartado, o primeiro possui valor econômico agregado
possibilitando e estimulando que parte deste seja reaproveitada
novamente no próprio processo produtivo. Estas novas
caracteristicas contribuiram para tornar a politica de gestão de
residuos sólidos prioritária dentro do setor público nos paises
desenvolvidos, demandando um comportamento diferente dos setores
público, produtivo e de consumo.
Ê importante notar que esta nova qualificação dos residuos sólidos
no sistema econômico e a consequente mudança dos objetivos da
politica de gestão de residuos se iniciou nos paises da OCDE já em
meados da década de 70; contudo, é só a partir da década de 80 que
mudanças importantes na condução prática desta politica afetaram
mais diretamente os diversos setores do sistema econômico.
2.1 - Os modelos de gestilo de residuos s6lidos
A politica de gestão de resfduos sólidos inclui a coleta, o
tratamento e a disposição adequada de todos os subprodutos e
produtos finais do sistema econômico, tanto no que se refere ao
lixo convencional como ao lixo tóxico. Além disso, hoje há consenso
de que esta polftica deve também atuar de forma a garantir que os
residuos sejam produzidos em menor quantidade já nas fontes
geradoras.
38
Os novos objetivos da politica ambiental e, consequentemente, o
estabelecimento de novas prioridades da gestão de residuos sólidos
em nivel internacional implicam uma mudança radical nos processos
de coleta e disposição de residuos. Enquanto os antigos sistemas de
gestão tinham como prioridade a disposição dos residuos, os atuais
sistemas devem ter como prioridade um "ecological cycle
management", o que significa a montagem de sistema circular onde a
quantidade de residuos a serem reaproveitados dentro do sistema
produtivo seja cada vez maior e a quantidade a ser disposta,
menor. 51
o desenvolvimento da politica de gestão de residuos sólidos nos
últimos vinte ~nos, nos pafses desenvolvidos, permite identificar
três fases distintas de prioridades.
A primeira fase, que prevaleceu até o inicio da década de 70, é
caracterizada por uma prioridade em garantir apenas a disposição
dos residuos. Este modelo pode ser representado pelo diagrama a
seguir:
51 1ABFALLiiiRTSCIIAFT in liien•. Perspektiven, llagazin für Stadtgestaltung und Lebensqualitat, 1989.
Modelo tradicional de tratamento de resíduos sólidos
Natura la Dlapoaloao Final
[[J [0--c:J--D---EJ--B~-[[J
Reouraoa
PP Produceo Pri•Arla P Produoao D Dlatrlbuloao
C Conaumo Dl8 Dlapoatoao
Fonte: Vogel - Die Abfall und die Umweltproblematik aus
technoõkonomischer und õkologischer Sicht, 1993.
39
Como pode ser observado no gráfico acima, o crescimento rápido da
exploração dos recursos naturais e do consumo nos paises
desenvolvidos apresentava como contrapartida um crescimento igualmente rápido do volume dos residuos a serem dispostos devido
à ausência de politicas para reduzir a quantidade de residuos em qualquer das etapas do sistema produtivo.
Durante a década de 60 e inicio da década de 70, na maioria dos
paises da OCDE, são erradicados os últimos lixões a céu aberto, sendo a maior parte dos residuos encaminhada para aterros
sanitários e incineradores.
A partir de meados da década de 70, a mobilização do movimento ambientalista passa a concentrar suas criticas cada vez mais
sobre as formas de destinação dos residuos sólidos.
40
Os aterros sanitários, que constituem até hoje o meio mais
utilizado para a disposição de resíduos com algum tratamento em
todo o mundo, apresentavam problemas. A redução de espaço
disponível para construção de novos aterros nos países
desenvolvidos e o aumento de problemas relacionados à poluição
ambiental (poluição dos lençóis de água subterrâneos), tornaram
claro que esta opção deixou de constituir a melhor alternativa.
As vantagens do processo de incineração relacionadas à redução do
peso e do volume em 75% e 90% respectivamente -- devido ao fato de
que a quantidade crescente de papel e plástico nos resíduos aumenta
seu valor calorífico tornando o processo de incineração mais
eficiente -- apresentavam como contrapartida uma emissão maior de
poeira, ácido clorídrico, monóxido de carbono, óxido de nitrogênio,
metais pesados e dioxinas na atmosfera. 52
Além desses dois exemplos citados, as críticas a esse tipo de
tratamento de resíduos se relacionavam também ao fato de que esses
métodos em nada contribuíam para que houvesse uma redução efetiva
dos resíduos sólidos antes da disposição destes.
o aumento dos problemas ambientais relacionados à disposição de
resíduos e o crescimento dos grupos ambientalistas e sua
mobilização resultaram em mudanças importantes nas principais
prioridades do tratamento de resíduos. Em 1975 os países da OCDE
· publicaram pela primeira vez as prioridades em relação à gestão de
resíduos sólidos, nesta ordem:
1. Redução da produção de resíduos;
2. Reciclagem do material;
3. Incineração com reaproveitamento da energia;
52 KAHRBANDA, O.P/STALLWORTHHY E. A. Waste Management ••• ,op. cit.
41
4. Disposição em aterros sanitários controlados. 53
Os efeitos na prática, contudo, sobre a gestão de residuos sólidos
se acentuaram de maneira mais significativa apenas a partir da
década de 80, ainda assim de forma parcial. Se'· de um lado, a
redução da produção de residuos continuava como retórica, de outro
lado a promoção da recuperação e reciclagem dos materiais passou a
ser prioridade dentro da segundà fase da politica de gestão de
residuos.
Através do desenvolvimento de uma legislação estimulando o uso de
produtos reciclados e de um apoio cada vez maior da população,
desenvolve-se um mercado rentável para os produtos reciclados
durante a década de 80. Esse sistema pode ser representado no
diagrama a seguir:
53 EG-Uiweltpolitik, õsterreich und Europãischen Gemeischaft, Februar, 1993.
Modelo de gestão de resíduos sólidos incluindo a reciclagem
Reoureoa Naturala
[QJ Dlapoaloao Final
I Ü,/ G-D---8---8---B-[QJ ~L~J
..... --------0--------"
PP Produoao Prlmirla P Produoao D Dlatrlbulcao R Reololagem RE Reutlllzaoao
c Conaumo Dl8 Dlapoalcao
42
Fonte: Vogel - Die Abfall und die Umwelproblematik aus techno
õkonomischer und õkologischer Sicht, 1993.
A reciclagem realizada em etapas diferentes do processo produtivo
significa o crescimento mais lento do consumo de recursos naturais
e do volume de resíduos a serem dispostos, devido ao
reaproveitamento de uma parcela de resíduos que, na fase anterior,
teria como destino aterros sanitários e incineradores.
No final da década de 80, começaram a se desenvolver as primeiras
críticas ao estímulo apenas à recuperação e reciclagem dos
resíduos. As vantagens atribuídas à reciclagem de materiais, tais
como menor consumo de energia e redução do volume de resíduos,
deveriam ser relativizadas, uma vez que o processo de reciclagem
necessita de matérias-primas e energia consideráveis, além de
43
também produzir resíduos. Dessa forma, o objetivo de reduzir a
quantidade total de resíduos a serem dispostos não estava sendo
cumprido. Além disso, também aumentaram as críticas à falta de uma
política específica para tratamento de resíduos tóxicos e ao
aumento das exportações desses resíduos para disposição final em
países em desenvolvimento.
o final da década de 80 marca o estabelecimento de novas
prioridades em relação à gestão de resíduos sólidos nos países
desenvolvidos. Antes de diminuir a produção de determinados
produtos, é prioritário que eles não sejam sequer produzidos. Ao
invés de se reciclar determinados produtos, é prioritário que esses
produtos sejam reutilizados. Antes de depositar os produtos em
aterros sanitários, é prioritário reutilizar a energia presente nos
resíduos através de incineradores. 54
Assim, a prioridade pas~a a ser a redução do volume de resíduos já
no início do processo produtivo e continuando nas demais etapas do
processo produtivo. Além disso, produtos que apresentem dificuldade
de reciclagem devem ser devolvidos aos fabricantes, que devem ser
responsáveis por seu tratamento e disposição. Esse sistema, que
caracteriza a terceira fase, é representado no diagrama a seguir:
54 "ABFALLWIRTSCHAFTS in Wien". Perspektiven op. cit.
Modelo de gestão de resíduos sólidos adaptados às novas prioridades da política
ambiental
Recuraoa I == J Dlapoalcao
c::.~~-:6-ó:â=till J~.l ~L~
EJ J
L---------0---------· PP Produoao PrimAria C Conaumo P Produoao D Dlatrlbuloao R Reciclagem RE Rautlllzaoao
018 Dlapoaloao
DEV Davolucao
Pluo lle 11aterlel
44
Fonte: Vogel - Die Abfall und die Umweltproblematik aus techno
õkonomischer und õkologischer Sicht, 1993.
Esse modelo implica uma série de mudanças no comportamento dos
diversos atores envolvidos em todas as etapas do processo, muitas
ainda bastante difíceis de serem alcançadas, pois prioridades como
evitar e reduzir a produção de resíduos na própria fonte geradora
exigem mudanças significativas já no processo produtivo.
Portanto, temos que o êxito desse processo depende de medidas que
atuem desde a fase do design do produto. os novos produtos devem
45
priorizar a utilização de material que possa ser reaproveitado em
primeiro lugar ou quando isto não for possível, reciclado. Além
disso, os produtos devem ter uma vida longa e apresentar facilidade
para serviços de reparação. 55
Uma segunda mudança se refere às alterações no modelo de produção.
o processo de produção deve ser realizado de tal forma que se
utilize menor quantidade de energia e matérias-primas, além de
produzir menos resíduos. São necessárias políticas que estimulem o
emprego de non-waste, low-waste e clean technologies. 56
Quanto ao sistema de distribuição, deve-se também priorizar a
utilização de embalagens de transporte e dos produtos que possam
ser reutilizadas ou recicladas, tais como:
- containers;
- pallets;
embalagens retornáveis ao invés das embalagens "one way".
O setor de consumo também representa parte importante deste
processo. Modificações dos hábitos de consumo, como priorizar a
compra de produtos que utilizem menos embalagens ou produtos que
possam ser reciclados, constituem exemplos da contribuição deste
setor.
Através da adoção dessas medidas e da montagem desse sistema
complexo, espera-se alcançar os seguintes objetivos:
- redução do consumo de recursos naturais, de material e energia;
- redução da poluição decorrente do processo de produção;
55 Vogel, G- Die Abfall und die Ullllfeltproblelllàtik aus techno-ókonomischer und ókolCXJischer Sicht, Wirtschaftsuniversitãt,1993.
56 Idem, ibidem
46
- redução do volume de resíduos. 57
Assim, é possível resumir as diretrizes da atual política de gestão
de resíduos através das seguintes prioridades:
1. Evitar ou, quando não for possível, diminuir a produção de
resíduos;
2. Reutilizar ou reciclar resíduos;
3. Utilizar a energia presente nos resíduos;
4. Inertizar e dispor os resíduos. 58
As principais mudanças em relação às prioridades estabelecidas pela
OCDE para gestão de resíduos sólidos em 1975 são:
a prioridade do conceito "evitar" em relação ao conceito
"diminuir";
- a prioridade do conceito "reutilizar" em relação ao conceito
"reciclar";
- o estabelecimento de incineradores separadamente para resíduos
tóxicos e não tóxicos;
- a necessidade de inertização de produtos tóxicos para disposição
em aterros controlados.
Essas características mencionadas condizem com as novas prioridades
da política ambiental, na medida em que, ao se evitar a produção de
determinados resíduos, reaproveitar parcela destes e inertizar o
restante, é possível minimizar o processo de degradação ambiental
antes que este ocorra.
57 VOGEL, G. Die Abfall und die Ulll'ileltproblematik aus teckno-ókonomischer und ókologischer Sicht, Wirtschaftsuniversitãt, 1993.
58 ABFALLWIRTSCHAFTS in Wien. Persprktiven, op. cit.
Cap. 3. O SISTEMA DE GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS DA CIDADE DE
VIENA
47
Os atuais sistemas de gestão de resíduos sólidos, apesar de
apresentarem particularidades, utilizam instrumentos semelhantes
para alcançar os novos objetivos dos modelos integrados de
gestão de resíduos. Projetos desenvolvidos nos Estados Unidos,
Dinamarca, Alemanha e Áustria constituem bons exemplos da nova
tendência mundial em relação a esta problemática.
Particularmente na Áustria, onde as leis relacionadas ao meio
ambiente encontram-se em um estágio bastante adiantado, é
possível observar o desenvolvimento de uma política visando
um maior controle sobre as atividades do setor produtivo e de
consumo em relação à produção, tratamento e destinação final dos
resíduos sólidos. A legislação sobre gestão de resíduos sólidos
austríaca prevê entre outras coisas:
- o Estado austríaco se obriga a comprar apenas mercadorias que,
após consumidas, produzam resíduos com mínimo impacto ambiental;
- decreto fixando os objetivos para redução de produção de
resíduos sólidos;
- decreto regulamentando a gestão de resíduos sólidos tóxicos;
decreto estabelecendo a coleta seletiva de resíduos
domésticos;
- decreto estabelecendo a obrigação, de firmas com mais de 250
empregados e que produzam resíduos tóxicos, da contratação de um
especialista na área de resíduos;
- decreto sobre redução do uso de embalagens. 59
59 LIST, Wolfang. The Austrian Waste Management Act. op cit. p.
48
Não apenas o governo federal, mas também os municípios, corno no
caso de Viena, têm competência para elaborar as leis
relacionadas à gestão de resíduos sólidos, desde que estas não
se confrontem com os objetivos decretados em nível federal e
excluam o lixo tóxico e radioativo, que constituem competência
exclusiva do poder federal.
Nesse quadro é possível observar na cidade de Viena a
· existência de um sistema bastante sofisticado de gestão dos
resíduos sólidos, adaptado a muitas das prioridades
estabelecidas dentro do discurso relacionado à nova política de
gestão de resíduos.
3.1 - Os objetivos do plano de gestão de resíduos
o desenvolvimento do tratamento de resíduos na cidade de Viena
tem urna longa história. Corno em diversas cidades européias, a
destinação dos resíduos tornou-se um ponto importante para
governantes e habitantes quando as epidemias passaram a ser
relacionadas aos problemas do lixo dentro da cidade. Dessa
forma, os governos locais, através de taxas e contribuições dos
habitantes, passaram a garantir a remoção desses resíduos para
fora dos muros da cidade. 60 Em 1656, foi estabelecido na cidade
de Viena o primeiro sistema organizado de coleta de lixo. O
lixo, deixado pelos habitantes de Viena em lugares públicos e
nas ruas, era esporadicamente recolhido pelas autoridades locais
e retirado da cidade.u
Apenas em 1839 foi estabelecido o primeiro sistema de coleta
60 nABFALLWIRTSCHAFT in Wienn. Perspektiven, Magazin für stadtgestaltung und Lebensqualitat, 1989.
61 Idem, ibiden.
49
periódica dos resíduos. Através do sistema "Mistbauer", os
habitantes de Viena passaram a juntar o lixo dentro das próprias
casas e levá-lo para o veículo responsável pela coleta. 62
Entre 1923 e 1928 foi desenvolvido o sistema "Colonia", que
consistia na colocação de containers nos prédios de Viena para
serem recolhidos regularmente pelas autoridades. Em 1928, a
cidade de Viena contava com 901 desses containers. 63
Em 1947, foi construído o primeiro centro para tratamento de
esgoto da cidade. E nos anos de 1956 e 1963 foram construídos,
respectivamente, a primeira planta de compostagem para resíduos
orgânicos e o incinerador de Flõtzersteig. 64
Em 1981 entrou em operação o incinerador de resíduos tóxicos
EBS, além de ter sido construído o centro de separação de lixo
de Rinterzel t. 65
O início da década de 80 foi marcado por um aumento das
críticas ao sistema de gestão de resíduos desenvolvido na cidade
de Viena, principalmente no que diz respeito ao uso cada vez
maior de incineradores e ao volume muito pequeno de materiais
reciclados.
Como resposta a essas críticas, foi desenvolvido no ano de 1985,
pela Secretaria do Meio Ambiente e pelo Departamento de Limpeza
Pública (MA 48), o plano de gestão de resíduos sólidos da cidade
de Viena.
Este plano foi apresentado ao conselho municipal de Viena
contendo os seguintes objetivos:
62 "ABFALLWIRTSCHAFT in Wien." Perspektiven, op. cit. 63 "ABFALLWIRTSCHAFT in wien". Perspektiven, op. cit. 64 "ABFALLWIRTSCHAFT in Wien. Perspektiven, op. cit. 65 Idem, ibidem.
50
evitar e, quando não for possível, reduzir o v6lume de
resíduos decorrente do processo de produção, serviços e
mercadorias, com respeito à quantidade e qualidade dos resíduos
produzidos;
- fazer coleta seletiva de lixo para recuperação e tratamento em
usinas de reciclagem (produção de matéria-prima secundária e
utilização direta da energia presente no lixo);
dispor os resíduos que não podem ser reaproveitados de maneira
a causar o menor impacto possível ao meio ambiente. 66
Para alcançar esses objetivos foram feitas as seguintes
propostas:
- Coletar o lixo doméstico tóxico;
- Aumentar a coleta de recicláveis;
- Reconstruir e modernizar o aterro sanitário de Rautenweg;
- Equipar os incineradores de Viena com modernos e eficientes
sistemas de combate à poluição;
- Modernizar as instalações do incinerador de resíduos tóxicos
(Simmering - EBS) para tratamento adequado destes resíduos. 67
A partir de 1988, foi incluída nas propostas de gestão de
resíduos a coleta de material orgânico, como restos de alimento
e plantas para compostagem, como parte da política de redução e
reaproveitamento do lixo. 68
A necessidade de reduzir , a quantidade de resíduos a serem
dispostos na cidade de Viena se relaciona ao fato de que se
tornou extremamente difícil ach~r novos espaços para a
construção de aterros sanitários. Além disso, devido às
condições sociais e políticas existentes hoje em Viena, onde
66 EG-UMWELTPOLITIK, Õsterreich und Europãischen Gemeinschaft, Februar, 1993. 67 "ABFALLWIRTSCHAFT in Wien". Perspektiven, op. cit. 68 Idem, ibidem.
51
cresce o debate e a resistência em torno da construção de
unidades tradicionais de tratamento de resíduos sólidos, foi
proibida por tempo indeterminado a construção de novos aterros
sanitários e incineradores. 69
A utilização, até o final do século, do único aterro sanitário
da cidade de Viena só será possível na medida em que a
quantidade de lixo a ser disposta apresente uma redução
significativa. 70
Com base nesse diagnóstico, nos objetivos traçados em 1985 e nos
novos objetivos da política ambiental, o novo sistema de gestão
de resíduos da lixo da cidade de Viena estabeleceu as seguintes
prioridades:
1 - Redução do volume de lixo produzido;
2 - Recuperação e tratamento do lixo (matéria-prima secundária,
material orgânico e energia presente nos resíduos);
3 - Tratamento e disposição final de resíduos. 71
As prioridades estabelecidas na cidade de Viena, no final da
década de 80, refletem os principais objetivos da política de
resíduos sólidos na década de 90 na Europa, representada pelas
diretrizes publicadas pela Comunidade Européia. 72
69 ROGALSKI, Wojciech. ISWA - Modern Waste Management Tagung in Polen. Magistratsabteilung, November 1993. 70 "ABFALLWIRTSCHAFT in Wien. Perspektiven, op.cit. 71 "ABFALWIRTSCHAFT in Wien. Perpektiven, op. cit. 72 EG-UMWELTPOLITIK, õsterreich und Europãischen Gemeinschaft, Februar, 1993.
.52
3. 2 - A composição do lixo e os instrumentos da política.
A cidade de Viena ocupa uma área total de 41.495 hectares,
possui uma população de aproximadamente 1.564.051 habitantes
e uma densidade demográfica de cerca de quatro habitantes por
A produção anual total de resíduos na cidade de Viena desde 1910
até 1950 apresentou-se relativamente constante, flutuando entre
25.000 te 35.000 t. 74
A partir da década de 50, contudó, a produção anual de resíduos
passou a crescer rapidamente.
Durante o período de 1960 até 1992 o volume total de resíduos
aumentou de pouco menos de 1.000.000 m3 para 7.395.492 m3• Nesse
mesmo período o peso total dos resíduos elevou-se de cerca de
250.000 t para 713 .136 t. 75
Esta diferença observada nas taxas de crescimento entre volume
e peso, crescimento de 639% e 185% respectivamente, pode ser
explicada devido ao fato de que uma porcentagem substancial do
lixo é composta por embalagens de papel e plástico, que a partir
da década de 60 passaram a ser usadas em maior escala
substituindo outro tipo de embalagens mais pesadas como, por
73 "LEISTUNGSBERICHT 1992". Der MA 48 - MÜLLBESEITIGUNG, Wien, Mãrz, 1993.
74 ROGALSKI, Wojciech. ISWA - Modern Waste Managment Tagung in Polen. Magistratsabteilung, November 1993.
75 "LEISTUNGSBERICHT 1992. Der MA 48, op. cit.
53
exemplo, garrafas de vidro.
Um estudo, conduzido pelo Departamento de Tecnologia da
Universidade de Economia de Viena, determinou através de uma
pesquisa realizada no 19 º e 20 º bairros de Viena a seguinte
composição do lixo:
Lixo Doméstico Coletado em Viena
Peso(%)
Papel, cartao 26.69
175.045
Material Composto 8.97
58.807
Vidro 8.46
4 7.596
8.129
7"7'-'~~ Material Tóxico 1.24
Mad. Couro, Borracha 2.6
Metal 4.51
29.567
Meter ia I 1 ner te 5. 83
Pléstlco 7. 26
4 7.595
38.221
17.046
.Fonte: Magistratsabteilung 48, Leistungsbericht 1991 der MA 48 -
Müllbeseitigung, Viena, março 1992.
Pléstico 22.94
Lixo Doméstico Coletado em Viena
Volume (%)
Orgênlco 13.74
54
Fonte: Magistratsabteilung 48, Leistungsbericht 1992 der MA 48 -
Müllbeseitigung, Viena, março 1992.
Como pode ser visto nos gráficos apresentados, o papel e o
plástico presentes no lixo em Viena representam cerca de 42% do
peso e mais de 60% do volume total do lixo coletado.
A maior parte da coleta do lixo doméstico em Viena é realizada
pelo próprio Departamento de Limpeza Pública MA 48. Quanto ao
lixo industrial, este é recolhido por empresas privadas, sendo
seu trabalho supervisionado pelo departamento MA 48.
o primeiro modelo de coleta seletiva de residuos domésticos da
cidade de Viena foi iniciado no ano de 1979. Nesse modelo foram
instalados os containers para coleta de papel e de vidros
55
transparentes e coloridos. 76
Paralelamente a esse sistema entrou em operação no ano de 1981
um centro de separação de resíduos para o lixo doméstico de
Viena. Em 1983, o centro de separação foi fechado devido aos
poucos resultados positivos alcançados. Hoje em Viena, predomina
a idéia de que a separação dos resíduos através dos centros de
triagem de resíduos impossibilita um reaproveitamento desses
mesmos resíduos de maneira eficiente. 77 Dessa forma, atualmente
os resíduos domésticos a serem reciclados são apenas aqueles
provenientes de containers de coleta seletiva separados por
grupos. Em 1986 foram acoplados ao sistema de coleta seletiva
containers para disposição de metal, lixo orgânico, garrafas e
folhas plásticas, além de papel e vidro já citados.
Hoje, Viena conta com 76.000 pontos diferentes espalhados pela
cidade para entrega voluntária de recicláveis.
Dentro desse sistema existem 1200 centros de coleta de
recicláveis. Estes centros são compostos por grupos de
containers de 770 1 espalhados em vários pontos da cidade onde
podem ser depositados pela população papel, vidro transparente,
vidro colorido, metal, latas, plástico, remédios e lixo
orgânico.
Além disso, existem 36 centros de entrega voluntária de material
tóxico e mais 18 centros de entrega dos mais diversos materiais
como televisores e geladeiras. Os pontos restantes são
constituídos de containers na sua maioria usados para coleta de
papel, vidro e material orgânico espalhados em diversas esquinas
da cidade. Além disso, um número cada vez maior de edifícios
contam com containers para separação e disposição do papel
diretamente nas residências.
76 ROGALSKI, Wojciech. ISWA- Modern Waste Tagung ••• , op. cit.
77 Idem, ibidem.
56
Hoje o sistema de gestão de resíduos da cidade de Viena conta
com cerca de 140.000 containers p~ra os resíduos recicláveis e
com cerca de 200.000 para para os resíduos restantes. Esses
containers variam de 120 l até 4.400 1. 78
o número total de veículos usados pelo departamento MA 48 na
coleta de resíduos é de 228, enquanto os funcionários que
trabalham nesses veículos atingem o número de 600. 79 Desse
total, 46 caminhões e 98 funcionários trabalham na coleta dos
containers dispostos nos pontos de entrega voluntária, enquanto
182 caminhões e 502 funcionários trabalham na coleta dos demais
containers. Devido à multiplicação dos postos de entrega
voluntária na cidade é possível obervar que, entre o ano de 1988
e 1992, houve um aumento de 36 caminhões e de 75 funcionários
para a realização deste tipo de coleta.
A coleta dos containers dos recicláveis é feita uma vez por
semana, excluindo a coleta de material orgânico que é feita
diariamente. o restante dos resíduos não separados também é
coletado diariamente.
Através desse sistema sofisticado foi coletado em 1992 um total
de 713.136 t, sendo 521.585 t referentes à coleta direta em
residências, escritórios e hospitais, além de 191.551 t
referentes aos resíduos depositados nos di versos centros de
coleta seletiva.w
Em comparação ao ano de 1990 verifica-se, que o total do lixo
coletado em Viena aumentou 5% em 1992: 713.136 t contra 662.291
t. Em contrapartida, o total resultante da coleta seletiva
apresentou uma variação positiva de 31,4%, elevando-se das
78 ROGALSKI, Wojciech. ISWA - Modern Waste Managment Tagung in Polen. Magistratsabteilung, November 1993.
79 Estes números de funcionários e caminhões correspondem apenas aos materiais usados diretamente pelo departamento 48. Cerca de 87% da coleta do papel proveniente da coleta seletiva é feita por empresas privadas.
80 nLEISTUNGSBERICHT 1992. Der MA 48, op. cit.
57
115.047t coletadas em 1990 para 191.551 t em 1991. 81
A composição dos resíduos obtidos através da coleta seletiva nos
anos de 1990 a 1992 pode ser observada na tabela a seguir:
Resíduos Coletados Separadamente ( 1990-92)
Material 1990 1991 1992
Containers para
recicláveis 78.689 98.816 124.181
Entulho 23.763 30.885 22.634
Containers para 11.157 19.537 43.419
composto
Lixo Tóxico 1. 438 1.985 1. 317
TOTAL 115.047 151.163 191.551
Fonte: Mag1stratsabte1lung 48, Le1stungsber1cht 1990/92 der MA
48 - Müllbeseitigung, Viena, março 1992.
o montante de 191.551 toneladas de resíduos coletado em 1992
significa que do total do lixo doméstico coletado em Viena,
aproximadamente 26% está sendo recuperado através do depósito
voluntário da população.
o restante do lixo doméstico da cidade é tratado nas seguintes
unidades de tratamento de resíduos:
- incineradores de Flõtzersteig (MVA I) e Spittelau (MVA II)
que, além de reduzir o volume do lixo a ser disposto, fornecem
81 LEISTUNGSBEREICHT 1992. Der MA 48 ••• , op .cit.
58
energia para a rede de aquecimento de Viena;
- ABA (Abfallhandlungsanlage ou planta de tratamento de lixo de
Viena) onde tanto o lixo doméstico. como, pricipalmente, o
industrial são processados e separados;
- EBS (Entsorgungsbetriebe Simmering Ges.m.b.h) onde tanto o
lixo industrial como o lixo tóxico são incinerados;
- aterro sanitário de Rautenweg, onde são dispostos parte dos
resíduos e também os restos do lixo queimado nos
incineradores. 82
A disposição dos resíduos nestas unidades pode ser observada na.
tabela abaixo:
Unidades de Tratamento de Resíduos Sólidos, Viena (1990-92)
Unidades 1990 1991 1992
(t) (t) (t)
(%) (%) (%)
MVA I 80.341 82.135 130.252
(Incinerador) 14,66 15,06 24,97
MVA II 216.056 256.353 263.194
(Incinerador) 39,43 47,02 ·so,46
EBS 147 o o
(Incinerador) 0.0002 o,oo 0,00
ABA 1.639 872 258
(Centro Sep.) 0,003 0,002 0,0005
Rautenweg I 249.744 205.768 127.881
(At. Sanit.) 45,56 37,75 24,52
TOTAL 547.927 545.128 521.585
Fonte: Mag1stratsabte1lung 48, Le1stungsber1cht 1990/92 der MA
48 - Müllbeseitigung, Viena, março 1992
82 "LEISTUNGSBERICHT 1992". Der MA 48, op. cit.
59
Como se pode observar na tabela acima, há um aumento de 1990
para 1992 do total de resíduos a serem incinerados, ao mesmo
tempo em que diminui a participação do lixo a ser disposto no
aterro sanitário de Rautenweg. Apesar do aumento das
controvérsias sobre o uso de incineração no tratamento de
resíduos, devido aos seus efeitos poluentes e seu alto custo
de operação, há uma tendência em Viena a que parcelas maiores
do lixo sejam incineradas, ao mesmo tempo em que cresce a
participação dos resíduos a serem recuperados e, por outro
lado, busca-se diminuir o volume de lixo a ser disposto no
aterro sanitário como pode ser observado na tabela abaixo:
De~tinação dos Resíduos Sólidos, Viena (1988/92)
Mii/T
1988 1989
- Aterro Sanltérlo
EHEI MA 48 ABA
1990 1991
Ez::::l lnclnerador
~ Coleta Seletiva
1992
Fonte: Magistratsabteilung 48, Leistungsbericht 1988/92 der MA
48 - Müllbeseitigung, Viena, março 1992.
60
Enquant~ o volume de resíduos a serem incinerados entre 1988 e 1992
aumentou de 113.205 toneladas para 393.446 toneladas, o volume de
resíduos a serem depositados em aterros sanitários decresceu de
422.185 para 127.881. 83 É interessante notar que do total de
resíduos dispostos na cidade de Viena, pouco mais de 75% têm corno
destino incineradores e apenas 25% aterros sanitários.
Um outro ponto importante da política de gestão de resíduos sólidos
na cidade de Viena se refere à divulgação de informação.
A redução da produção de lixo consiste essencialmente numa tarefa
política e social. Para alcançar esse objetivo é fundamental urna
mudança nos valores atuais presentes dentro dos setores público,
produtivo e de consumo. 84 Dessa forma, a informação ocupa urna
posição central no desenvolvimento do atual sistema de gestão de
resíduos sólidos. Viena conta hoje com três alternativas principais
para divulgação de informações ligados aos resíduos sólidos:
- Misttelefon, que constitui urna linha telefônica referente aos
resíduos sólidos, onde a população pode obter diversas informações
referentes ao tratamento de resíduos em Viena;
- treinamento de especialistas na área de tratamento de resíduos e
inclusão do curso de administração de resíduos sólidos na
Universidade para Cultivo do Solo de Viena (Universitãt für
Bodenkultur);
- distribuição para a população e empresas de brochuras contendo
informações sobre coleta seletiva, lixo tóxico e cornpostagern,
eventos relacionados à administração do lixo e atividades em
escolas. 85
83 LEISTUNGBERICHT. Der MA 48 - Müllbeseitigung, Wien, Mãrz 1993.
84 ABFALLWIRTSCHAFTS in Wien. Persperktiven, op. cit.
85 ABFALLWIRTSCHAFTS in Wien. Perspektiven.op. cit.
61
Dessa forma, através dos instrumentos mencionados acima, a cidade
de Viena estabeleceu um sistema de gestão de resíduos que opera de
maneira bastante eficiente, principalmente no que diz respeito à
coleta, tanto no que se refere ao lixo comum e recicláveis como na
disposição dos resíduos. Todos os resíduos sólidos gerados na
cidade, incluindo resíduos domésticos e industriais são recolhidos
pelo departamento de limpeza pública ou por empresas privadas.
3. 3 - O decreto sobre embalagens
A enorme estrutura montada na cidade de Viena para gerenciamento
dos resíduos sólidos tem possibilitado a coleta de um volume
crescente de recicláveis. Ainda assim, o volume de resíduos sólidos
destinados a aterros sanitários e incineradores não tem diminuído
na mesma proporção, ao mesmo tempo que o volume total de resíduos
produzidos na cidade continua a aumentar.
o volume maior de resíduos produzidos na cidade não está
relacionado ao crescimento da população. No período de 1986 a 1992
a população cresceu de 1.517.000 habitantes para 1.591.398
habitantes, representando uma variação de 4,9%, enquanto no mesmo
período o volume total de resíduos coletados pelo departamento MA
48 se elevou de 517.938 t para 713.136 t, representando uma
variação de 37,7%. Esta discrepância entre crescimento populacional
e geração de resíduos sólidos indica que o aumento do volume de
resíduos em Viena está diretamente ligado a uma crescente produção
62
de resíduos no próprio processo produtivo. 86
Uma análise mais detalhada desse problema será feita no capítulo 4
dessa dissertação. Aqui, é importante constar que os resultados
ainda pequenos em relação à redução efetiva dos resíduos sólidos
gerados no processo produtivo são explicados, segundo
representantes do Ministério do Meio Ambiente austríaco, pelo uso
ainda bastante grande de embalagens no setor produtivo e comercial.
Como já foi comentado, a embalagem constitui o principal componente
do lixo doméstico de Viena. Sem a redução efetiva da quantidade de
embalagens, é bastante difícil alcançar uma redução significativa
do volume de resíduos. Entre os anos de 1990 e 1992 o total de
papel, vidro, plásticos e metal, no total do lixo doméstico
coletado em Viena, apresentou um crescimento médio de pouco mais de
9 ~ 87 o.
Atualmente estima-se que do volume total de resíduos produzidos por
ano na Áustria, cerca de 1, 5 milhão toneladas corresponde a
material de embalagem. Desse total, cerca de 680.000 t vêm sendo
coletadas e recuperadas. o restante continua tendo como destino
final incineradores e aterros sanitários. 88
Com o objetivo de reduzir o volume total de embalagens não
necessárias e ampliar a reciclagem das embalagens necessárias
presentes nos resíduos, o Ministério do Meio Ambiente austríaco
lançou um decreto relacionado à disposição dos diversos tipos de
embalagens, tanto no que se refere às obrigações do setor
86 LEISTUNGSBERICHT, Der MA 48 - Müllbeseitigung, Wien, Mãrz 1986/93.
87 nLEISTUNGSBERICHT 1992n. Der MA 48, op. cit.
88 TOTALE MÜLLKONTROLLE, Wirtschafts Woche, Nr 37, 09/09/1993, Wien.
63
produtivo, como também do setor intermediário e do setor de
consumo.
Essa nova política, que passou a vigorar na Áustria a partir de 12
de outubro de 1993, afetará particularmente a cidade de Viena, que
constitui o maior centro produtor de resíduos, e consequentemente
de embalagens, rto país. Do total dos resíduos coletados em Viena,
25% do. peso total e 54% do volume total correspondem à
embalagem. 89
o decreto sobre embalagens está baseado, de um lado, na obrigação
para que todos os setores da economia coletem separadamente uma
porcentagem das embalagens produzidas no sistema econômico e as
encaminhem para serem recuperadas e, por outro lado, na força do
sistema de mercado .através do mecanismo de preços em determinar o
comportamento e as ações do setor produtivo e de consumo. Quanto a
esse aspecto, é importante ressaltar que o governo austríaco está
hoje composto por uma coalizão entre o Partido Social Democrata
(SPÕ), que tem sua história ligada ao desenvolvimento do movimento
trabalhista, e o Partido Democrata Cristão (ÕVP), que tem sua
história ligada ao setor agrícola e industrial. A atual ministra do
Ministério do Meio Ambiente e responsável pelo decreto sobre
embalagens pertence ao Partido Democrata Cristão.
O mecanismo do decreto sobre embalagens pode ser resumido no
seguinte comentário feito por um representante do Ministério do
Meio Ambiente:
"O consumidor tem o poder. Ele decide qual produto quer comprar e
dessa maneira influencia a estratégia do produtor. Do total de 2,0
milhões toneladas de lixo doméstico produzido anualmente na
Áústria, cerca de um terço corresponde a embalagens. o consumidor
89 VOGEL, G- Die Abfall und die U1/l'ieltproblematik aus techno-õkonomischer und õkologischer Sicht, Wirtschaftsuniversitãt, 1993.
64
tem a possibilidade de reduzir esse volume. Caso compre
preferencialmente garrafas de vidro, então desaparecerão do mercado
Tetrapack ou garrafas 'one way'. o objetivo do decreto sobre
embalagens é o de facilitar para o comprador a escolha sobre
produtos mais adequados à conservação do meio ambiente e instalar
um sistema circular através da coleta e reaproveitamento dos
resíduos. A maior utilização de embalagens, por parte do setor
produtivo, significará um aumento dos preços decorrentes dos
serviços realizados e taxas cobradas pelas tarefas desempenhadas
pela empresa privada Reciclagem de Matéria-prima Reaproveitável da
Áustria (ARA). o fator preço deverá influenciar a decisão do
consumidor no sentido de comprar produtos com menos embalagens.
Produtores, comerciantes, consumidores, coletadores, recicladores:
essa circulação terá como objetivo garantir que um menor volume de
resíduos tenha como destino final os aterros sanitários e
incineradores".~
Toda a coordenação desse processo será feita pelo ARA. Produtores
e vendedores que não puderem realizar por si próprios a coleta e
reciclagem das embalagens utilizadas poderão trabalhar
conjuntamente com a ARA; isto significa o pagamento de uma taxa
para a ARA pela realização dos serviços de coleta e
reaproveitamento dessas embalagens. Essa taxa será calculada em
função do tipo de embalagem usada pelas empresas e pelo volume
total de cada tipo de embalagem.
Para a realização desse cálculo foram estabelecidos os seguintes
valores relacionados a cada embalagem específica e que deverão ser
pagos pelas empresas para o ARA.
90 nVERPACKUNGSVERORDNUNG: So geht'sn!, Unser Wien Spezial, 1993.
65
• Custo Para Coleta e Reaproveitamento das Embalagens
TAXA ESPECÍFICA POR EMBALAGEM 0$/Kg
Vidro 0,78
Madeira 0,86
Papel, cartão, papelão 1,68
Cerâmica 3,15
Metalferroso: mais que 101 3,64
Metalferroso: menos que 101 4,48
Alumínio 6,81
Material plástico grande 11,91
Material plástico pequeno 15,90
Têxtil 15,90
Material plástico com conteúdo tóxico G/P 17,68
Material Composto (ex. Tetrapack) 18,36
Fonte: Unser W1en Spez1al, Heft 14/1993
o cálculo para pagamento da taxa deve ser feito pela própria
empresa, através da multiplicação do peso total de cada embalagem
pelo valor estipulado pelo Ministério do Meio Ambiente. Essa taxa
será tanto maior quanto maior for o volume total de embalagem e
quanto maior for a utilização de embalagens que apresentem um maior
custo para o seu reaproveitamento. Dessa forma, produtos embalados
com papel ou vidro representarão um custo menor para a empresa em
comparação à utilização de material plástico ou material composto
66
como por exemplo Tetrapack. 9~
As empresas devem também enviar para a ARA todo ano uma lista
contendo todos os produtos por elas produzidos, assim como as
embalagens usadas para transporte e acondicionamento dos produtos
e o peso de cada material utilizado. Após o recebimento dessa
lista, a ARA emitirá uma licença e o respectivo número como
comprovante da parceria estabelecida com a empresa. Toda empresa
que estabelecer a parceria com a ARA receberá em seu produto uma
.marca (ponto preto) indicando a existência de uma forma de
tratamento dos resíduos para esses produtos. 92
Além disso, as empresas precisam enviar para a ARA relatórios
periódicos do volume total de material de embalagem consumido.
No caso das empresas que pagarem mais que O$ 500.000 por ano, esse
relatório deve ser enviado mensalmente, enquanto para as demais
empresas isto deve ser feito a cada quadrimestre.
A ARA tem o direito de fiscalizar a veracidade das informações
recebidas junto às empresas sempre que julgar necessário.
Para as embalagens que ficarem nas próprias empresas (embalagens de
transporte de produtos comprados de outras empresas) e que
excederem 1m3, serão coletadas pela ARA sem qualquer custo
adicional para as empresas que já tenham firmado o contrato e desde
que o material seja separado já dentro da própria empresa. Apenas
as embalagens que não estão previstas no decreto, ou que devem ser
transportadas para outras regiões dentro da Aústria, representarão
um custo adicional para as empresas.
o sistema de parceria com a ARA não é obrigatório, as empresas e o
9~ "VERPACKUNGSVERORDNUNG: So geht's". op. cit.
92 "VERPACKUNGSVERORDNUNG: So geht's", op. cit.
67
setor comercial podem optar por sistemas alterna ti vos para a
remoção e tratamento de resíduos; no entanto, as empresas que não
realizarem o contrato com o ARA terão a obrigação de garantir a
coleta e reutilização do produto obedecendo às seguintes normas:
- garantia de que seus clientes tragam de volta as
utilizadas na seguinte proporção: 40% e 80% das
utilizadas até os anos de 1995 e 2000, respectivamente;
embalagens
embalagens
- essas embalagem devem ser reutilizadas pelas próprias empresas ou
por terceiros;
- essas duas tarefas devem ser obrigatoriamente comprovadas. 93
Para o setor doméstico a única grande alteração, resultante do
decreto sobre embalagens, foi o estabelecimento de uma multa de O$
40.000 (U$ 3.300,00) para pessoas que depositarem resíduos em
containers errados. 94 Outra alteração prevista no decreto se
refere ao fato de que determinadas embalagens poderão ser deixadas
pelo consumidor diretamente no local em que foram adquiridas. Por
exemplo, no caso de tubos de pasta de dente embalados com uma
segunda embalagem, esta segunda embalagem poderá ser deixada
diretamente nos supermercados ou drogarias. Todas as embalagens
levadas pelos consumidores deverão ser retornadas ao respectivos
containers da coleta seletiva.
Na prática isso significa que os habitantes de Viena poderão
continuar a dispor seus resíduos através do sistema descrito na
primeira parte deste capítulo, que deverá ser ampliado através da
instalação, por parte do MA 48, de mais postos de entrega
voluntária de recicláveis. 95 Além disso, como já comentado, o
93 "VERPACKUNGSVERORDNUNG: So geht's", op. cit.
94 Apesar de a multa constar do decreto de embalagens, o Ministério do Meio Ambiente determinou que até o presente momento essa multa não seja aplicada.
95 ROGALSKY, Wojciech. ISWA- Modern Waste Management ••• , op. cit.
68
Ministério do Meio Ambiente espera que o aumento dos custos de
determinadas embalagens 1 levará à procura de produtos embalados com
material mais adaptado aos objetivos do decreto sobre embalagens.
Cabe ainda ressaltar que o decreto não prevé qualquer redução da
taxa cobrada para coleta de lixo 1 sendo que o Departamento de
Limpeza Pública da cidade de Viena continuará a fazer a coleta dos
resíduos domésticos que não forem separados.
A organização do sistema montado para alcançar os objetivos do
decreto de embalagens pode ser resumida através do seguinte
esquema:
O sistema ARA para Coleta e Reaproveitamento de Emblagens
Taxa de dlsposlçao lnclu
no prece do produto
Ida
j Consumidor Final
Produtor Vendedor
Pagamento de llcenca pa ra o ARA I ARA I
Reciclagem de Materiais de Viena ARW
Parceiro Regional
Tranaporte e Coleta
Plástico, Têxtil, Metal, Material Composto Papel, Papelao, Vidro; Madeira
I l::mpresas de Hec1c1agem I Reouperaoao de Materlala e de Energia Térmloa
Fonte: Unser Wien Spezial 14/1993
69
o objetivo desse sistema é reduzir o volume de determinadas
embalagens até o ano 2000 nas seguintes proporções: redução de
40%, 60% e 80% do volume de embalagens a serem dispostas em aterros
sanitários até os anos de 1994, 1997 e 2000 respectivamente. 96
Com a incorporação do decreto de embalagens, a política de gestão
de resíduos sólidos da cidade de Viena objetiva, além de garantir
96 UNSER WIEN, op.cit. p.
70
tratamento adequado dos resíduos e ampliar o volume de coleta de
recicláveis, estimular a redução de embalagens desnecessárias já no
processo produtivo.
Os instrumentos da política de gestão de resíduos sólidos da cidade
de Viena para garantir os objetivos mencionados neste capítulo
podem ser resumidos no seguinte quadro:
Gerenciamento de Lixo Doméstico em Viena
I Matéria-prima I . _l
L I ner ti zaçâo J-t Aterro
I Cinza, Poeira I Sanltér Produçâo 1+- 1
~~Separação J l
~~Utilizaçao de Energia Térmic~
I E vi ta r /reduzir I 1
I Produto I I Lixo Restante I ~ Reclclévels I I Composto I
1 l I E vi ta r /reduzir I I Coleta de Resíduos I
Resíduos
Fonte: Abfallwirtschafts in Wien. Perspektiven, Magazin für
Stadtgestaltung und Lebensqualitãt, Wien, 1988
71
Cap. 4. DISCURSO E PRÁTICA: UMA ANÁLISE CRÍTICA
Em um trabalho recentemente publicado pela Câmara de Economia
Austríaca é feita a seguinte observação: "As leis referentes à
gestão de resíduos sólidos são, dentro da Comunidade Européia,
as mais discutidas entre todas as leis relacionadas ao meio
ambiente". 97
Isto não constitui exclusividade dos 12 países que formam a
comunidade. Os dados apresentados no capítulo 1 desta
dissertação demonstraram a importância da gestão de resíduos
sólidos na Agenda 21 e o volume de recursos destinados a
projetos nessa área.
Apesar da unanimidade em torno da relevância dos assuntos
relacionados à gestão de resíduos sólidos, problemas e
contradições marcam também o desenvolvimento e implementação
desta política.
Se há consenso de que os graves problemas relacionados à gestão
de resíduos sólidos em países em desenvolvimento devem ser
resolvidos em curto e médio prazo, não há o mesmo consenso para
se definir de onde devem vir os recursos. Se há consenso de que
a quantidade de resíduos deve ser reduzida já no processo
produtivo, nem sempre os objetivos dentro do sistema de mercado
são compatíveis com as prioridades dos sistemas atuais de gestão
de resíduos sólidos nos países desenvolvidos.
O sistema de gestão de resíduos acaba por repetir as mesmas
97 MAYER, Johannes. EG - U/JMelpolitik. EG-Õffentlichkeitsarbeit. 2. Auflage, Februar 1993.
72
contradições entre os objetivos propostos pela política
ambiental institucional e a condução prática dessa política.
Essas contradições tendem a aumentar, na medida em que o
envol virnento do setor empresarial no debate sobre política
ambiental ocupa um papel cada vez mais importante, corno se
pretende demonstrar neste capítulo.
4.1 - A apropriação do discurso do desenvolvimento sustentável e os desdobramentos
sobre a polltica ambiental
Em um artigo de 1991, José Eli da Veiga ironiza a unanimidade
alcançada pela idéia do desenvolvimento sustentável:
"Será que alguém poderia ser contra o desenvolvimento
sustentável? Basta fazer esta pergunta para que se perceba que
a noção já desfruta de urna unanimidade só comparável, talvez, à
felicidade, ao amor, ou ao mineiro pão de queijo".~
Representantes de oranizações governamentais, não governamentais
e empresariais são unânimes em reafirmar a necessidade de
repensar o atual rnodel,o de desenvolvimento e substituí-lo por um
modelo que permita o desenvol virnento global, preservando ao
mesmo tempo o meio ambiente.
o setor empresarial, que por muito tempo via com grande
desconfiança o crescimento do movimento arnbientalista, hoje não
apenas repete a necessidade de preservar o meio ambiente,
concomitante ao crescimento econômico, corno também se coloca
corno principal instrumento para superação do modelo de
desenvolvimento tradicional. Durante o Fórum realizado pela
Câmara de Comércio Internacional (ICC) em Bergen em 1991 Maurice
98 VEIGA, José Eli "A insustentável utopia do desenvolvimento". CEDEPLAR/ANPUR, 1991
73
F. Strong fez o seguinte comentário:
"A indústria é o principal instrumento de crescimento econômico,
é também o instrumento principal para alcançar mudanças
ambientais e sociais.""
A adoção por parcela crescente do setor empresarial da expressão
desenvolvimento sustentável constitui fator bastante importante,
merecendo uma reflexão especial. Como foi demonstrado no
capítulo 1 desta dissertação é possível observar um grande
crescimento do setor empresarial dentro do discurso da política
ambiental, seja pela ação de pessoas individualmente, como no
caso citado de Maurice Strong, seja na ação coordenada do setor
empresarial, através da multiplicação de eventos realizados
referentes à política ambiental.
Essa atuação mais significativa do setor industrial nos anos
recentes serviu não apenas para o comprometimento do setor
industrial, pelo menos em nível de discurso, em alcançar o
desenvolvimento sustentável, mas também, para propagar os
objetivos desse setor em relação à política ambiental. É
importante notar que a apropriação do discurso do setor
empresarial em relação ao desenvolvimento sustentável obedece às
conveniências, ideologias e projetos deste setor . 100 Este fato
pode ser observado nos princípios publicados no Business Charter
for Sustainable Development cujos principais pontos são:
"1. o crescimento econômico, mercado livre e proteção ambiental
são objetivos compatíveis. o ICC101 compartilha a visão de que
existe uma complementaridade, e não conflito, entre
desenvolvimento econômico, comércio internacional e proteção
ambiental. A menos que os problemas ambientais sejam levados em
99 Willuns, Jan-Olaf. From Ideas to Action, Business and sustainable Developmnet, The Greening of Enterprise, 1992.
100 BARONI, Margaret. "Ambigüidades e Deficiências do Conceito. de Desenvolvimento Sustentável." Revista de Admnistração Pública. São Paulo, 32(2):14-24, AbrjJun, 1992.
101 ICC: International Chamber of Commerce.
74
conta, o crescimento econômico resultará em deterioração do meio
ambiente e decréscimo de qualidade de vida da ~opulação mundial.
2. Desenvolvimento sustentável é um objetivo essencial
internacional e exige crescimento econômico real, porque apenas
um tal crescimento pode criar a capacidade para resolver os
problemas ambientais. O crescimento econômico também mimimizará
a pobreza e o aumento populacional.
3. o setor privado é a força motora do crescimento econômico e
a fonte de recursos para melhorar a qualidade ambiental. o crescimento econômico cria as condições nas quais a proteção
ambiental pode ser alcançada de maneira mais eficiente.
4. o progresso para o desenvolvimento sustentável pode ser
alcançado trabalhando-se no contexto de uma economia de mercado
e adaptando-a ~ara refletir preocupações ambientais.
5. o livre comércio é um ponto chave para alcançar
desenvolvimento sustentável. A progressiva liberalização do
comércio e o investimento internacional têm estimulado o
crescimento econômico global, incluindo o crescimento em países
em desenvolvimento que passaram a adotar políticas orientadas
pelo mercado 11102•
Esses princípios foram publicados no ano de 1991 e assinados por
230 empresas. Um ano depois, mais de 1000 empresas já os haviam
endossado, entre as quais mais da metade das 500 maiores
empresas publicadas pela revista Fortune. Esse acordo constitui
o maior compromisso firmado até hoje pelo setor industrial em
termos de política ambiental.w3
É importante notar, contudo, que o sistema de mercado e a
garantia do crescimento econômico como variáveis prioritárias
dentro da política de implementação do desenvolvimento
sustentável não podem ser entendidos como suficientes para
alcançar os objetivos apontados pelo relatório Brundtland. Como
afirma Rattner, "a incorporação da dimensão ambiental nas
102 WILLUNS, Jan-Olaf. From Ideas to Action, p. 9, op.cit.
103 Idem, ibidem.
75
estratégias e projetos de crescimento econômico não é condição
suficiente nem para o desenvol virnento sustentável nem para a
melhoria de vida de pobres e desprovidos ( ... ) É necessária a
busca de padrões de consumo e de produção determinados
socialmente, que pode nos levar a fazer avançar o debate sobre
o desenvolvimento sustentado, fugindo das visões normativas e
discutindo concretamente suas reais possibilidades e
existência" . 104 A solução de problemas ambientais e a reversão
de urna situação, onde os países desenvolvidos detêm 22% da
população mundial e consomem 80% da totalidade de matérias
primas e da energia do planeta, apresentam dificuldades muito
maiores que o mero acoplamento do termo sustentável ao termo
desenvol virnento. 105 Veiga sintetiza de forma clara essa
problemática: "A tendência tem sido a de aceitar o complemento
sustentável com a mesma facilidade que se absorve urna nova gíria
ou urna nova marca de sabonete . Mas sabemos que não é por se
chamar Benjor que o Jorge Ben deixou de ser o mesmo. E também é
certo que deve ter tido fortes razões para mudar de nome
artístico depois de tantos anos de carreira ... " . 106
Os exemplos citados acima mostram corno diferentes grupos, corno
no caso do setor industrial, podem se apropriar do termo
desenvol virnento sustentável de acordo com suas ideologias e
projetos . 107 Quanto a esse aspecto é interessante remeter à
Marilena Chaui ao caracterizar ·o ponto central do discurso
ideológico. "A ideologia se constitui corno um discurso que
suprime a diferença em nome da unidade, que fala de harmonia
onde há contradição, que se apresenta corno portadora de solução
para todos. " 108
104 BARONI, Margaret. "Ambigüidades e deficiências do conceito do desenvolvimento sustentável." Revista de administração de empresas. São Paulo v.32, N.2, p. 14-24, Abrjjun. 1992.
105 MINC, Carlos. "Verdes Revolucionários". Teoria e Debate 13, Fevereiro 1991.
106 VEIGA, José Ele. "A insustentável utopia ••• , op. cit.
107 BARONI, Margaret. "Ambigüidades e Deficiências ••. , op. cit.
108 BENJAMIN, Cesar. Nossos Verdes Amigos •.. , op. cit.
76
É também importante acrescentar que esse maior envolvimento do
setor empresarial não significa que a indústria passou a
controlar o discurso ambientalista institucional, uma vez que
nenhum grupo individualmente pode definir o campo discursivo.
Isto será feito essencialmente através da sociedade e de suas
estruturas . 109 Porém, é possível afirmar que a mobilização
empresarial em torno dos assuntos ligados ao meio ambiente tem
influenciado de maneira crescente o estabelecimento das
prioridades do discurso ambiental institucional, principalmente
no que se refere a sua condução prática. Por trás desta
mobilização há um objetivo muito claro: justificar o lucro como
a melhor alavanca do bem-estar social, garantindo agora também
ganhos ambientais, e portanto conservar a lógica do mercado sã
e salva.uo
O início da década de 90 representa a consolidação da temática
ambiental como variável hegemônica dentro do cenário mundial,
temática essa abordada de maneira bastante diferente da que
prevaleceu até a década de 80 · e, certamente, muito mais
adapatada e coerente com as necessidades de expansão
capitalista.
A multiplicação e fortalecimento de organizações governamentais
e não governamentais ligadas à problemática ambiental (unidades
de controle de poluição, o fortalecimento das leis relacionadas
ao controle ambiental e ONGs), assim como o desenvolvimento do
setor empresarial (produção limpa, controle de poluição e
produtos "verdes") deverão garantir a manutenção dos problemas
ligados à política ambiental como prioritários. Segundo Cesar
Benjamim observa-se que:
proteção ambiental está
"Na Europa e nos Estados Unidos a
se tornando a principal área de
investimentos para um sistema ávido por alternativas de
reciclagem e esperto demais para perder oportunidades que
109 NOVY ,Andreas. Estratégias de Contra Poder: fala e prática de Iniciativas de base no Brasil e na Austria, Universidade de Economia de Viena, 1992 .
110 VEIGA, Jose Eli. "A insustentável utopia ... op. cit.
77
combinem negócios e ideologia vendáveis no mundo inteiro.
Movimentando 180 bilhões de dólares anuais (cerca de metade do
PIB brasileiro), a indústria ecológica (equipamentos
antipoluição) já ultrapassou a indústria eletroeletrônica e se
afirma como a mais importante frente de expansão ~etorial para
o capitalismo da década de 1990. n~n A necessidade de proteger
o meio ambiente não significa moda passageira, mas sim, parte
integrante do sistema.
As características apontadas acima indicam o desenvolvimento de
forças eventualmente contraditórias. De um lado, como reflexo
positivo, muito das atuais políticas de proteção ambiental devem
ser aprimoradas. De outro lado, a adaptação do discurso às
necessidades da expansão do sistema capitalista, através da
incorporação parcial do conceito de desenvolvimento sustentável,
poderá representar diferenças entre discurso e prática não
apenas na busca de objetivos como equidade social e eliminação
da pobreza, mas também em relação à conservação do meio
ambiente. Isto significa que por vezes as demandas do mercado
representarão forças contrárias às necessidades de proteção
ambiental.
As conquistas relacionadas à proteção do meio ambiente e a
dualidade entre discurso e prática da política ambiental já
podem ser observadas em vários setores da economia.
Dois exemplos importantes, relacionados aos setores industriais
de alumínio e químico, constitutuem bons indicadores dos avanços
alcançados e dos limites do discurso ambiental no campo prático
da economia de mercado.
Um primeiro exemplo se refere ao consumo crescente de alumíno no
setor de · embalagem em nível mundial. Além de constituir um
material leve e de grande durabilidade, essencial para
embalagens, o preço da bauxita e do alumínio diminuiram nos
~~~BENJAMIN, Cesar. "Nossos Verdes ..• , op. cit.
78
últimos anos no mercado internacional. n 2 Por outro lado, a
produção de alumínio gera um grande volume de resíduos e consome
uma quantidade de energia elétrica bem maior que a necessária
para produção de outros tipos de embalagem como as de vidro ou
papel.n3
Nos últimos anos vem crescendo a moblização de grupos
ambientalistas contra a grande expansão do uso de alumíno para
fabricação de embalagens. As principais críticas feitas são os
grandes impactos ambientais, observados nos países produtores de
bauxita, alúmina e alumínio decorrentes do processo de
desmatamento e de um volume crescente de resíduos que não podem
ser reaproveitados. Quanto a esse aspecto, é interessante notar
uma tendência de desenvolvimento maior das indústrias de
bauxita, alumina e mesmo de alumínio nos países em
desenvolvimento. Dessa forma, para esses países está sendo
transferido a maior parcela do custo ambiental. Além disso, o
aumento da produção observada nos países em desenvolvimento
deverá contribuir para a manutenção dos preços relativamente
estáveis durante esta década, contribuindo para a expansão do
uso do alumínio como embalagem. 114
Nesse quadro, é possível destacar que a mobilização de grupos
feita no sentido da substituição das embalagens de alumínio por
outros produtos, que demandem menos recursos do meio ambiente,
não é suficiente para competir com as vantagens que o produto
apresenta em termos de preço e lucratividade. o setor
empresarial mostra, claramente, que não está disposto a repensar
o uso do alumínio como embalagem. Nos Estados Unidos,o alumínio
já representa 30% do total de embalagem consumida no processo
produtivo. Somente as latas de alumínio atingem 97 bilhões de
112 ABAl - Associação Brasileira dos Produtores de Alumínio, Relatório, 1992.
113 "A produção de uma tonelada de alumínio consome 15.000 Kilowattjhora de energia (em comparação: o aço consome 5.000 Kilowattjhora), produz aproximadamente três toneladas de resíduos sólidos (Rednud), alem de gerar no seu processo de transformação dióxido de enxofre, monóxido de carbono e poeira." Mucke, Peter. Zum Beispiel Müll. Lmv, 1993.
114 MUCKE, Peter. Zum Biespiel MüLL, op. cit.
79
unidades anualmente. ns Em contrapartida, o mesmo não ocorre
quando se trata de repensar as mudanças necessárias relativas ao
processo de produção do alumíno para diminuir os impactos
ambientais. o estabelecimento de níveis máximos de emissão de
poluentes, um controle mais rígido sobre o processo produtivo
das plantas produtoras de alumínio e o aumento da reciclagem das
embalagens de alumínio constituem uma realidade, não apenas nos
países desenvolvidos, mas também em muitos países em
desenvolvimento, como no caso do Brasil. nG Os Estados Unidos,
pioneiros da reciclagem com início da atividade em 1968,
reaproveitou 68% de suas latas em 1993; no mesmo ano o Brasil
reciclou 50% superando países como Japão, Inglaterra e Alemanha.n7 na
o segundo exemplo se refere à indústria química, por mui tos
considerada como o setor industrial que mais vem contribuindo em
t'ermos de degradação ambiental. Fatores como o uso
indiscriminado de agrotóxicos na agricultura e seus efeitos
sobre a saúde humana, o acidente de Bhopaln9 e o fato de essa
indústria ser responsável pela produção de cerca de 40% do
total de resíduos do setor industrial, contribuíram para
construir essa imagem negativa. 1~ Nos últimos anos a indústria
. química vem procurando adaptar seu discurso às demandas do
115 RIBEIRO, Ivo. "Resíduos Sólidos: Latas a pretende reciclar metade das latas de alUDínio consumidas no país". Gazeta Mercantil, 29 de Abril de 1994.
116 Um estudo conduzido pelas Nações Unidas sobre o impacto ambiental de plantas produtoras de alumínio concluiu que a legislação sobre emissão de poluentes no Brasil relacionada à indústria de alumínio e a operação efetiva dessas unidades produtoras se encontram em estágio comparável aos limites estabelecidos nos países desenvolvidos( entrevista com Robert Willians, diretor da Unidade de Coordenação ambiental da UNIDO).
117 Ribeiro, Ivo. "Latasa Planeja reciclar ... op. cit.
118 As vantagens da reciclagem do alumínio são contestadas por ambientalistas pois a energia necessária para esse processo é muito maior que para a reutilização de embalagens como o vidro e a quantidade de escória salgada produzida que deve ser disposta.
ng No ano de 1984 o vazamento de gás químico de uma filial da Union Carbide em Bhopal, Índia, causou a morte de mais de 2000 pessoas e feriu mais de 200.000 de pessoas(Publicado em Our Future Commum, p.J).
120 NOLL, Kenneth E./HAAS, Charles N. Industrial Waste Managment, Recovery, Recycle and Reuse of Industrial Waste. Lewis Publishers, 1985.
80
conceito de desenvolvimento sustentável. o presidente da Union
Carbide, por exemplo, fez a seguinte declaração no Segundo Fórum
Industrial para Administração Ambiental:
"falando por experiência própria, a questão ambiental se tornou
uma questão de sobrevivência para as empresas":u1
Isto tem apresentado alguns reflexos na condução prática desse
setor, como o movimento liderado pela Union Carbide no Brasil
denominado Responsible Care, cujo objetivo é promover o uso de
tecnologias limpas e, dessa forma, reduzir o impacto sobre o
meio ambiente. 122
A crescente resistência a produtos como pesticidas levou a que
muitos produtos, comprovadamente tóxicos, tenham tido sua
produção proibida em países desenvolvidos e em muitos países em
desenvolvimento. Por outro lado, uma série de produtos que
tiveram sua comercialização proibida em diversos países
desenvolvidos continuam sendo exportados para países em
desenvolvimento, sendo largamente usados na produção agrícola,
apesar dos efeitos negativos comprovados sobre o meio ambiente
e a saúde . 123 Uma pesquisa publicada em 1985 estima que nos
países em desenvolvimento cerca de 10.000 pessoas morreram no
ano de 1983 e 400.000 pessoas foram intoxicadas em virtude de
manuseio de pesticidas . 124 Segundo Carlos Mine, o Brasil é o
sexto maior importador de agrotóxicos do mundo, tendo milhares
de trabalhadores diariamente intoxicados, porque as
mul tinacionais que dominam este rico filão conseguem colocar
obstáculos à massificação _de tecnologias, como controle
integrado e biológico de pragas, que eliminam ou reduzem
drasticamente o consumo destes produtos.
121 WILLUNS, Jan-Olaf./ GOLÜKE, Ulrich. From Ideas to Action ••• , p.14 op. cit.
122 Espaço e Debate- nFatos e discursos recentes nos setores de petróleo e petroquímica ••• op. cit.
123 KHARBANDA, O.P •. - STALLWORTHY, E. A., Waste Management, Towards a sustainable society, Gower, 1990.
124 OUR COMMUM FUTURE, The World Comission on Environment and Development, Oxford University Press, 1987.
81
os dois exemplos citados constituem dois lados de um mesmo
problema. No caso da indústria de alumínio, o fato citado acima
exemplifica os limites do controle de poluição ambiental em face
das vantagens comparativas de um determinado produto dentro de
uma economia de mercado. Assim, tem-se que os protestos contra
o consumo de alumínio têm fortalecido o controle sobre sua
produção no sentido de diminuir os danos relacionados à emissão
de poluentes, porém não têm força suficiente para limitar sua
utilização como material de embalagem.
No segundo exemplo, é possível verificar soluções alternativas
encontradas pelo setor industrial nos países desenvolvidos, em
virtude do fortalecimento de determinadas barreiras nesses
próprios países. Isto significa que muitas vezes a proibição da
comercializacão de determinados produtos tóxicos nos países
desenvolvidos é contrabalançada pela continuidade de exportações
desses mesmos produtos para países em desenvolvimento.
Essa duas características deverão continuar prevalecendo durante
esta década dentro de um contexto onde os interesses ligados às
problemáticas ambientais continuarão se multiplicando através do
fortalecimento e desenvolvimento de entidades governamentais e
não governamentais e do setor industrial, ao mesmo tempo que se
tenha como prioridade garantir o crescimento econômico e de
econo~ias de mercado.
Resolver o desafio de conciliar atividades humanas, meio
ambiente e estratégias de desenvolvimento constituem uma das
tarefas mais importantes que a sociedade deve enfrentar. A busca
do desenvolvimento sustentável, no seu sentido mais amplo,
depende de outras variáveis, além do desenvolvimento tecnológico
e liberdade de mercado preconizados pelas entidades
empresariais. Conflitos de interesse ao invés de harmonia,
diferencas entre discurso e prática serão alguns dos principais
problemas a serem superados nesse processo.
As contradições e dual idades, apontadas acima, já podem ser
82
observadas nas políticas de gestão de resíduos sólidos nos
países desenvolvidos, como será discutido na segunda parte deste
capítulo.
4.2- Uma análise critica dos atuais sistemas de gestão de resíduos
sólidos.
o crescimento da importância dos resíduos, como parte integrante
do processo de produção, levou a mudanças bastante
significativas e à consequente modernização dos sistemas de
gestão de resíduos sólidos nos países desenvolvidos.
É possível identificar também o surgimento de controvérsias
entre diversos grupos no que tange às modificações desses
sistemas.
Para um grupo, composto em sua maior parte por representantes do
setor público nos países desenvolvidos, as mudanças ocorridas
nos sistemas de gestão de resíduos representam o caminho certo
,para o estabelecimento de um sistema econômico circular. Isto
significa dizer que o sistema atual já vem contribuindo e
contribuirá ainda mais para diminuir a degradação ambiental,
pois a reutilização e reciclagem crescente de insumos e resíduos
apresenta como contrapartida m6enor consumo de matérias-primas
e menor necessidade de disposição de resíduos.
Para um segundo grupo, representado em sua maior parte por
ambientalistas, as mudanças nos sistemas de gestão de resíduos
sólidos até o presente momento foram importantes, porém,
mudanças mais profundas são necessárias, para que os sistemas de
gestão de resíduos possam contribuir de maneira significativa
para a diminuição da degradação ambiental. Entre essas mudanças
é possível destacar a prioridade do conceito de reutilização
83
sobre o de reciclagem ou a diminuição do uso de incineradores.
Um terceiro grupo, que pode ser representado por indivíduos do
setor privado e de consumo, ainda mantém urna resistência à
implementação desse sistema. As principais críticas feitas se
referem à elevação significativa dos custos da gestão de
resíduos sólidos, tanto para o setor produtivo corno para o setor
de consumo, além do fato de este aumento de custo não significar
necessariamente urna vantagem para os habitantes . dos centros
urbanos, devido à dificuldade de gerenciar um volume maior de
recicláveis de maneira eficiente. É importante ressaltar que no
atual estágio esse grupo tende a ter sua força cada vez mais
reduzida, pois a proteção do meio ambiente tende a se tornar
cada vez mais um consenso e, dessa forma, ocupa urna posição
central na determinação das ações e políticas do setor público
e privado, corno discutido na primeira parte deste capítulo.
Essas críticas apontadas, ainda que sejam feitas por grupos
diferentes e logicamente visando objetivos distintos, não podem
ser consideradas isoladamente. É possível observar, no
desenvolvimento dos objetivos da política de resíduos sólidos e
na condução prática dos atuais sistemas de gestão de resíduos
sólidos nos países desenvolvidos, o aparecimento de todas essas
características.
Em primeiro lugar, em termos de setor público, é possível
observar um aumento das leis sobre a gestão de resíduos
sólidos, assim corno o desenvolvimento de um maior controle sobre
as atividades do setor produtivo e de consumo em relação à
produção, tratamento e destinação final dos resíduos sólidos,
corno foi discutido no capítulo 3 desta dissertação.
Paralelamente ao desenvolvimento das leis, é possível observar
também, corno no caso de Viena, o crescimento da infra-estrutura
dos serviços públicos de gestão de resíduos, representado pelo
número crescente de funcionários e equipamentos para coleta
seletiva de recicláveis, além da rnodernizacão das instalações
84
para disposição de resíduos visando atender às exigências de
proteção ambiental. Dessa forma, está garantida a coleta de
todos os resíduos sólidos produzidos na cidade, o volume de
recicláveis vem aumentando significativamente ano a ano e o
restante do volume não reaproveitado pode ser destinado para
aterros sanitários controlados e incineradores
modernos filtros antipoluentes.
equipados com
Para o setor produtivo, o desenvolvimento dos modelos de gestão
de resíduos sólidos trouxe como principal contribuição a
transformação dos resíduos industriais, de mero subproduto do
processo produtivo, em um importante componente do custo total
das empresas. Independentemente da forma escolhida para a
disposição fin~l dos resíduos sólidos, seja aterros sanitários
ou incineradores, estes apresentaram na década de 80 e
principalmente na década de 90 um significativo aumento dos
custos para o setor privado. Segundo um estudo publicado pelo
Instituto de Finanças Públicas da Universidade de Colônia,
durante 1991 e 1992 os preços para disposição de resíduos em
aterros sanitários e incineradores na ex-Alemanha Ocidental se
elevaram em média 57% e 135% respectivamente. 125 Por outro lado,
segundo dados do Greenpeace, o custo de disposição de resíduos
no Norte da Europa pode variar de US$ 120 a US$ 200 por tonelada
dependendo dó país e da toxicidade do produto. 126
o aumento desses custos tem· res.ul tado para mui tas empresas no
desenvolvimento de novas estratégias, principalmente,
direcionadas para o melhor reaproveitamento da matéria-prima e
dos resíduos produzidos durante o processo de produção.
Em 1991, o Instituto de Contabilidade da Universidade de Ausburg
conduziu um pesquisa entre 1167 empresas sobre o tema "política
empresarial e proteção ambiental". Os dados mostraram que, para
125 WHITE, Mark A. e WI'l'I'!IANN, Robert. "Der Abfall wãchst mit der Tonne". Entsorga Magazin. Heft 7/8 JulijAugust 1993.
126 A GREENPEACE REPORT. Dumping by another Name, The Recycling of Imported Hazardous Wastes in Bilbao, Spain by the Aser Company, 26 de junho, 1991.
85
o conjunto do universo da·pesquisa, o custo de disposição de
resíduos representava em média 3% do custo total de produção.
Além disso, a pesquisa mostrou que para as empresas cujo custo
de disposição representava cerca de o, 5% do custo total, os
investimentos em reciclagem representavam 7,3% do investimento
total; em contrapartida, para as empresas cujo custo de
disposição representava 10% do custo total, o investimento em
reciclagem representava 21,43% do investimento total.u7
Rõmerquelle, um grande produtor austríaco de água mineral,
iniciou durante a década de 80 um programa para reciclagem de
plástico, papel e vidro. Hoje a empresa, que produz cerca de 10
milhões de garrafas em sua sede em Edelstal, gera anualmente
apenas 150 metros cúbicos de resíduos que devem ser
transportados para aterros sanitários. 128
Para o setor de consumo, a mudança mais importante foi a
incorporação da separação e entrega voluntária dos resíduos
sólidos domésticos nos postos de coleta, como tarefa rotineira
de uma parcela crescente da população. o significativo volume de
recicláveis coletado em diversas cidades nos países
desenvolvidos e em Viena só pôde ser alcançado devido ao
interesse cada vez maior e apoio pela população aos pogramas de
coleta seletiva implementados nestas cidades. Uma pesquisa
realizada na Áustria, pelo Instituto Gallup, sobre a coleta
seletiva de papel mostra que:
- 64% do austríacos acreditam que a coleta seletiva do papel
representa uma importante contribuição para a proteção ambiental
devido à diminuição do volume total de resíduos a ser disposto;
- 91% acreditam que, ainda que a coleta seletiva não fosse
lucrativa, esta deveria ser mantida;
- 88% são favoráveis a que a comunidade faça uma contribuição
financeira para a continuação do programa de coleta seletiva do
127 WHITE, Mark. A. e WI'l'l'MANN, Robert. Der Abfall wachst ... , op. cit.
128 WILLUNS, Jan Olaf. e GÕLUKE, Ulrich, op. cit.
86
papel. 129
Apesar de as características apontadas acima -- modernização e
ampliação da infra-estrutura do setor público, adaptação do
setor privado a algumas exigências da atual política de gestão
de resíduos sólidos e crescente apoio das comunidades dos países
desenvolvidos a esse sistema -- constituírem reflexos positivos
da mobilização crescente em torno da problemática da gestão de
resíduos sólidos, é possível também observar o crescimento de
contradições entre objetivos propostos e ação prática.
A tabela apresentada no capítulo 3 (página 59) demonstra a
evolução do volume total de resíduos sólidos movimentado na
cidade de Viena, assim como o volume reciclado, incinerado e
dispostos em aterros sanitários. Essa tabela possibilita
entender várias características da evolução do sistema de gestão
de resíduos sólidos da cidade de Viena, mas talvez o dado que à
primeira vista chama mais atenção é a evolução dos resíduos
destinados aos incineradores da cidade.
~ interessante notar que, do total de resíduos dispostos na
cidade de Viena, pouco mais de 75% têm como destino
incineradores e apenas 25% aterros sanitários. 130 o volume de
resíduos a serem incinerados entre 1988 e 1992 aumentou de
113.205t para 393.446t e o volume de resíduos a serem
depositados em aterros sanitários decresceu de 422 .185t para
127.881t. 131
Apesar do aumento da resistência por parte de grupos
ambientalistas contra o uso crescente de incineradores devido às
129 GRÕLLER, MICHAEL. Impacts of Avoidance and Reduction of Waste Upon The Market for Secundary Materiais, op. cit.
130 É interessante notar que o aterro sanitário, para a Áustria como um todo, continua a ser a modalidade de destinação mais comum; contudo, o que está acontecendo na cidade de Viena, em relação aos incineradores, reflete a tendência predominante em relação à gestão de resíduos sólidos em di versas grandes cidades européias.
131 LEISTUNGBERICHT. Der MA 48 - Müllbeseitigung, Wien, Mãrz 1993.
87
emissões de poluentes na atmosfera e aos efeitos que estes gases
podem causar à população e ao meio ambiente, 132 a opção pelo
maior uso de incineradores, como forma principal de destinação
final de resíduos sólidos parece se firmar como tendência, não
apenas na cidade de Viena, mas também em várias outras cidades
em países como Alemanha, França e Holanda.
Através de acordos de cooperação entre governo e indústria, está
já nas mesas de projeto a construção de cerca de 40
incineradores nos próximos 5 ou 10 anos na Europa. Assim, por
exemplo, em julho de 1993 foi inaugurado em Amsterdam o maior
incinerador europeu. Ao custo total de um bilhão de florins,
terá uma capacidade total de incinerar 765.000t de resíduos por
ano, sendo 507,000t correspondentes ao lixo doméstico, 195.000t
correspondentes a lixo industrial e 6. ooot correspondentes a
material de construção . 133
Essa tendência deve se acentuar na medida em que empresas de
construção e operação de
crescimento significativo,
incineradores vêm apresentando
ao mesmo tempo que a diferença de
custo de disposição de resíduos em aterros sanitários e
incineradores por tonelada vem diminuindo. 134
Os dados apresentados mostram que apesar da ·incineração ocupar
a quarta posição na lista de prioridades, tanto no caso de.Viena
como nas diretrizes da Comunidade Européia, há uma tendência de
priorizar esta alternativa na Europa.
132 Uma pesquisa desenvolvida pelo professor Peter Kraus da Universidade de Tunbingen, Alemanha, mostra que a dioxina lançada na atmosfera (resultado da queima do plástico dentro de incineradores) é responsável por gerar diversas espécies de câncer, além de lesões no sistema reprodutor humano e em sua descendência. O mesmo autor afirma que hoje na Suécia o governo obrigou as mães residentes nas cidades a encerrar a amamentação aos três meses de lactação, sob pena destes resíduos contaminar seus filhos, em virtude da existência destes no leite. Em cidades alemãs, por ouro lado, co110 no caso da cidade de Rastatt, as crianças não podem colocar a mão no solo, pois este se encontra contaminado por essa substância que é bastante venenosa. O autor conclui ainda, que este é o preço que está pagando a sociedade alemã por ter escolhido há 20 anos a incineração do lixo como solução ecológica para tratamento dos resíduos sólidos.(noioxina, o perigo que vem da queima de lixon. Jornal da Tarde, 18 de novembro de 1991).
133 WABMAN, Bernard. nKosten in Vordergrundn. Entsorga Magazin, Heft 7/8. julijaugust, 12, 1993.
134 Segundo Kharbanda a diferença hoje de custos em torno de OS$ 10 em favor da disposição em aterros sanitários poderá se transformar em vinte anos em OS$ 60 em favor da incineração (Kharbanda, O.P, 1991, op. cit.).
88
Entre os principais motivos apontados para explicar esta
tendência tem-se:
- o crescimento da escassez de lugares para construção de novos
aterros sanitários;
- a existência de novas leis proibindo a construção de aterros
sanitários em lugares disponíveis;
- o tratado assinado pelos países banhados pelo mar do Norte
encerrando a incineração marinha de resíduos tóxicos no ano de
1994.1.35
Os incineradores são realmente urna solução bastante prática para
o problema da falta de espaço. Os novos incineradores europeus,
olhados de fora, parecem modernas instalações industriais,
limpas, que não exalam nenhum odor e que, quando comparados com
os aterros sanitários, ocupam urna área bastante reduzida,
permitindo sua instalação nos próprios centros urbanos.·
Os incineradores apresentam ainda urna outra grande vantagem,
quando comparados aos aterros sanitários: a possibilidade de
transformar o enorme volume de resíduos sólidos produzidos nas
grandes cidades européias rapidamente em fumaça e que não
necessita ser disposta em nenhum outro lugar, além da própria
atmosfera. Além disso, a cinza que sobra do processo, em volume
bastante reduzido quando comparado ao volume inicial incinerado,
é encarnihada para os aterros que passam a ter urna vida útil
muito maior.
o processo de incineração é um dos melhores exemplos da
contradição entre objetivos propostos e a condução prática da
política de gestão de resíduos sólidos. Ao mesmo tempo que
crescem as exigências ambientais para o processo de incineração,
elevando inclusive seu preço, a mobilização contra o uso de
1. 35 Os países signatários da convenção .sobre Prevenção da Poluição Marinha através da Disposição.de Resíduos e outros Materiais (London Dumping Convention) se comprometeram a cessar a incineração de resíduos no mar até 1994 f assim como a mera disposição de resíduos até 1995. The Transboundary Movement of Hazardous and Nuclear Wastes in Wider Caribean Regionf UNEP f 1991.
incineradores por grupos ambientalistas não
expansão desta alternativa na Europa. Deve
89
consegue deter a
f i c ar claro que
nenhum outro processo de destinação se adapta ao persistente
crescimento do volume de resíduos gerados nas economias dos
países desenvolvidos. Um processo rápido, que pode absorver
quantidades maiores de resíduos que a alternativa tradicional de
aterros sanitários e totalmente externo ao processo produtivo,
não exigindo mudanças dentro do processo produtivo para a
redução do volume de resíduos gerados.
No caso específico de Viena, uma mudança do conceito de
incineração -- o estabelecimento da incineração como forma de
reaproveitamento de energia previsto no plano de gestão de
resíduos sólidos da cidade -- ajuda não apenas a justificar esse
processo como pode estimular ainda mais o uso desta alternativa.
Ao substituir o conceito de utilização de incineradores de
disposição final por reaproveitamento de energia, o sistema de
gestão cria uma via expressa para que os resíduos sólidos sejam
encaminhados para os incineradores, com a justificativa do
reaproveitamento de energia térmica.
Essa característica do plano é bastante ambígua. Além das
características já comentadas de que a transformação
crescente de parcela de resíduos em fumaça permite a elevação da
vida útil dos diversos aterros sanitários e, dessa forma,
possibilita que uma quantidade maior de resíduos possa ser
movimentada na economia sem que seja necessária, em um curto
período de tempo, a construção de novos aterros santários -- há
outro fator que deve ser considerado.
o uso eficiente das plantas de incineração depende de materiais
com alto poder calorífico, como plástico, para garantir o ganho
de energia do processo. Isto cria uma exigência de que
determinados materiais e determinadas quantidades de resíduos
sejam necessariamente encaminhados para os incineradores, de
forma a garantir uma temperatura ideal para o processo de
90
incineração.
A conducão prática da gestão de resíduos sólidos na cidade de
Viena parece inverter a ordem de prioridades estabelecidas, onde
a incineração ocupa uma posição cada vez mais importante. É
importante lembrar que o primeiro objetivo do plano de gestão de
resíduos sólidos da cidade de Viena é a necessidade de evitar
ou, quando não for possível, reduzir o volume de resíduos
gerados no próprio processo produtivo. Dessa forma, pretende-se
que não apenas seja possível reduzir o volume final de resíduos
a serem dispostos, mas também reduzir o volume total gerado no
sistema econômico. Duas observações ainda em relação ao gráfico
apresentado na página 59 mostram a dificuldade de alcançar esse
objetivo. O volume de resíduos total em Viena continua
aumentando consideravelmente. Entre 1988 e 1992 a geração de
resíduos sólidos aumentou em 40% passando de cerca de 500.000t
para mais de 700. ooot. Como conseqüência, este significativo
aumento do volume de resíduos impossibilita, ainda que a taxa de
recicláveis venha crescendo também significativamente ano a ano,
uma redução importante no volume dos resíduos a serem dispostos
em aterros sanitários e incineradores. A quantidade de resíduos
a ser disposta entre 1989 ~ 1991 manteve-se estável em cerca de
545.000. Apenas em 1992, o volume de resíduos a ser disposto
apresentou um ligeira retração, de cerca de 4,3%.
É evidente que evitar a produção de resíduos ou diminuir a
produção destes nas próprias fontes geradoras exige mudanças
dentro do processo produtivo bem mais radicais do que a opção da
incineração ou mesmo da reciclagem, que pode ser realizada sem
que necessariamente haja mudanças fundamentais dentro do
processo produtivo.
Este problema pode ser exemplificado com as dificuldades de se
implementar a reutilização ·prioritariamente em relação à
reciclagem. A condução prática dos sistemas de gestão de
resíduos sólidos tem estimulado o desenvolvimento da reciclagem
91
em detrimento do reaproveitamento dos produtos. 136
As vantagens da reutilização em relação à reciclagem são
bastante evidentes. Enquanto uma garrafa reutilizável pode ser
reaproveitada em média 17 vezes e produzindo como resíduos
apenas os líquidos resultantes da lavagem, o processo de
reciclagem, para alcançar esses mesmos números, deve derreter 17
vezes uma garrafa, misturar matérias-primas e, assim, obter uma
nova garrafa. o processo de reutilização, quando comparado com
a reciclagem, significa um menor consumo de matérias-primas e
menor quantidade de resíduos gerados. Além disso, enquanto o
primeiro significa um aumento da vida útil de produtos. como
embalagens, o segundo, nesse caso, favorece a obsolescência
muito mais rápida dos produtos. 137
A resistência das empresas a estimular o emprego da reutilização
é também fácil de compreender. A reutilização impõe uma
responsabilidade maior ao setor produtivo em relação aos
resíduos gerados. Essa política implica que as embalagens, por
exemplo, devam ser retornadas às empresas geradoras para serem
novamente reutilizadas. No caso da reciclagem a vinculação entre
resíduos e produto gerado não existe. Os resíduos são coletados,
reciclados -- muitas vezes por terceiros -- e revendidos. As
empresas geradoras não precisam arcar com os custos externos da
disposição desses resíduos. 138
A política de reutilização é um importante instrumento para
redução do volume de resíduos gerados no setor produtivo. A sua
aplicação em maior escala continua encontrando bastante
resistência em deteminados países e setores. Em 1988, a
Dinamarca teve de se defender na Corte de Justiça Européia de
uma acusação apresentada pela indústria internacional de
136 FAIRLIE, Simon. nLong Distance, Short Life, Why Big Business Favours Recycling. The Ecologist, Vol. 22. No 6, december, 1992.
137 FAIRLIE, Simon. nLong Distance ••• , op, cit.
138 Idem, ibidem.
92
bebidas, reclamando que a lei dinamarquesa exigindo que todas as
cervejas e refrigerantes fossem vendidos em embalagens
reutilizáveis constituía barreira comercial. A lei foi mantida,
com a ressalva de que continuaria a ser válida enquanto não
existisse uma lei na Comunidade Européia que gar~nta o mesmo
padrão de proteção ambiental. 139 Por outro lado, a proposição
feita pelo governo da Irlanda, também na década de 80, para o
banimento de latas e PET para bebidas alcoólicas foi rejeitada
pela comissão da Comunidade Européia e esquecida.
A resistência ao emprego maior da reutilização é mais um ponto
contraditório existente entre discurso e prática da gestão de
resíduos sólidos. Definida como segunda prioridade, pouco espaço
encontra ainda no sistema produtivo devido às mudanças
necessárias que devem ser feitas no processo produtivo. Se não
há força para a difusão da reutilização nas economias
desenvolvidas de mercado, há uma espécie de compensação através
da expansão de políticas e programas de reciclagem de materiais,
e que nesse caso conta com bastante apoio também do setor
empresarial.
Nos anos recentes, uma das mais importantes contribuições nesta
linha para contornar o persistente crescimento do volume total
de resíduos a serem manuseados nos centros urbanos dos países
desenvolvi dos se refere ao decreto de embalagem· descri to no
capítulo 3 desta dissertação.
o decreto procura, através da elevação do preço de mercadorias
que utilizem determinadas embalagens, desestimular seu consumo
e assim influenciar na decisão das empresas de adotarem outras
embalagens mais coerentes com a política de redução de resíduos.
Além disso, o decreto procura também assegurar o crescimento da
coleta seletiva de embalagens e sua reciclagem.
139 Simon Fairlie aponta, que em virtude das resistências do setor empresarial em apoiar mais efetivamente a política de reutilizacão, a pressão que este setor exerce sobre governos para que não se adote esta política como prioritária e a multiplicação de estudos e pesquisas, financiados pelo próprio setor empresarial, relacionados à reciclagem de materiais, não seria surpresa caso um país, no futuro próximo, apresentasse um estudo, endossado pela Comunidade Européia, mostrando que a reciclagem de latas de alumínio ou plásticas seria mais benéfica ao meio ambiente do que a reutilização.
93
o decreto da forma como foi editado, apesar de representar um
avanço no debate em torno da redução de resíduos sólidos, é
passível de várias críticas.
Em primeiro lugar, ele joga a responsabilidade da redução das
embalagens quase que totalmente sobre o setor de consumo. o maior custo para as empresas, em virtude do uso de determinadas
embalagens, significará uma elevação dos preços finais de
determinadas mercadorias. o consumidor, por sua vez, deverá
então naturalmente optar por produtos que tenham um preço menor.
Assim, o encarecimento dos produtos embalados com Tetrapack,
levará a uma procura por produtos embalados com vidro, pois
estes pagam uma licença para o ARA bem menor, desestimulando
dessa forma o uso pelas empresas do Tetrapack.
o funcionamento das atuais economias capitalistas desenvolvidas
mostra uma realidade bem diferente dessa análise tradicional do
sistema capitalista incluído no decreto sobre embalagem. O
consumo. de determinados produtos ou embalagens nem sempre é
determinado pelos consumidores, mas sim originariamente pelas
próprias empresas, que através de eficientes canais de
distribuição e propaganda acabam por determinar as preferências
dos consumidores. A importância do setor produtor de plásticos,
ou embalagens Tetrapack, levanta dúvidas de que apenas as
diferenças de taxas pagas por determinadas embalagens, como
previsto no decreto sobre embalagens em Viena, conseguirão fazer
diminuir significativamente ou eliminar a distribuição dos
produtos embalados como plásticos ou Tétrapack. Além disso, é
importante lembrar que os ganhos de produtividade podem garantir
a competitividade destes produtos e, dessa forma, compensar a
elevação dos seus custos como está previsto no decreto.
o que . é possível afirmar com certeza é que esse decreto, da
forma que esta previsto, garante para as empresas uma completa
externalização dos custos da coleta e tratamento das embalagens
através da incorporação desses custos no preço final da
mercadoria. Além disso, representa um ótimo négócio para as
94
novas firmas especializadas em reciclagem que vêm surgindo e que
receberão os recursos para realizar essas tarefas através dos
repasses feitos pela ARA.
Um outro problema ligado à condução do decreto de embalagem é o
estabelecimento do real destino do volume crescente de
recicláveis. Na Alemanha, por exemplo, um sistema muito
semelhante ao que foi implantado na Áustria resultou em uma
quantidade total de resíduos coletados separadamente
principalmente o plástico -- muito maior do que a capacidade
existente para reciclagem. Isto ocorreu, porque os produtos que
recebem o ponto verde no sistema alemão -- igual ao ponto preto
no modelo Austríaco não significa que o material é
necessariamente reciclável, mas sim que está previsto um sistema
de coleta para reciclá-lo. Contudo, pelo menos 20 % das
embalagens não podem ser recicladas. No caso do plástico, das
9, 5 milhões de toneladas produzidas anualmente na Alemanha,
apenas 400 mil t podem ser recicladas, sendo que a capacidade de
reciclagem do país é de 50 mil t . 140 No ano de 1993, foram
coletadas 414 mil toneladas de embalagens plásticas, uma
quantidade bem superior à capacidade de reciclagem no país.!..!!.
Mesmo com a exportação de resíduos para outros países, restam
ainda milhares de embalagens plásticas que podem _ter como
destino final aterros sanitários e incineradores., na própria
Alemanha ou em outros países, apesar do elevado custo pago pela
sociedade para a coleta desses resíduos . 142
Um problema semelhante já estava ocorrendo na Áustria antes
mesmo de começar a vigorar a lei sobre embalagem, e há uma
perspectiva de que esse problema aumente. Como foi demonstrado
no capítulo 3, a cidàde de Viena opera um sistema bastante
eficiente de coleta de recicláveis.
14° CORTES, Celina. "Alemães têm solução para coleta seletiva". Jornal do Brasil. 21 de março de 1994.
141 "Os erros e acertos da Europa". CEMPRE informa. Número 13, Maio 1994.
142 GEYER, HerbertjJUDEX Oliver. "Totale Müllkontrolle" Wirtschattswoche, Nr. 37/9, September 1993.
95
Entre 1986 a 1992 a coleta seletiva aumentou de 10.406 t para
191.551 t, representando 26% do total do lixo coletado. Essa
parcela de recicláveis tende a aumentar significativamente com
a entrada em vigor do decreto sobre embalagens. Segundo uma
reportagem publicada no jornal austríaco Der Standard intitulada
"Coleta em separado, queima conjunta", a ARA conta com um
orçamento de 750 milhões de schillings para coleta do material
plástico e para reciclagem desse material. No entanto, do total
desse material coletado, apenas 20% podem ser realmente
reaproveitados. O restante desse material, que é separado,
coletado e transportado, a um custo bastante elevado, acaba
sendo misturado e tendo como destino os incineradores das
cidades ou é queimado na indústria de cimento. 143
Esse tipo de problema pode se agravar também para outros
resíduos provenientes da coleta seletiva. No caso do composto
orgânico está assegurado na cidade de Viena um sistema que
possibilita a coleta desse material e sua transformação em
adubo. Apesar da boa qualidade desse composto e de seu baixo
teor de toxicidade, os agricultores recusam-se fequentemente a
utilizar esse insumo em lugar de químicos . 144 A falta de um
mercado implica novo problema para a comunidade que deve dar uma
destinação a esse produto. Caso não haja outra alternativa, essa
destinação poderá ser novamente aterros sanitários ou
incineradores.
Um segundo exemplo interessante representativo dos problemas
referentes ao destino dos resíduos coletados são as flutuações
dos preços dos produtos reciclados na cidade de Viena. Os preços
dos resíduos reciclados variam de acordo com as leis de mercado.
o aumento da coleta seletiva e a consequente elevação do volume
de material reciclado têm levado a uma queda do preço desses
materiais na cidade de Viena, como pode ser observado no gráfico
abaixo.
\ I' }
143 BRANDSTETTER, Ernst. "Getrent sammeln, gemeisan brennen. Der standard Mittwoch, 9, Februar 1994.
144 ROGALSKY, Wojciech. ISWA- Modern Waste Managment Tagung in Polen. Magistratsabteilung, November 1993
I Ano
1988
1989
1990
1991
1992
Preços de Venda dos Recicláveis 1988/92
OS/t
I Papel
I Vidro
620 602
520 350
170 370
150 380
130 390
96
I Metal
I 150
160
230
125
60
Fonte: ROGALSKY, WoJClech. Modern Waste Management, Tagung in
Polen November 1993.
o volume crescente de material reciclado tem sido acompanhado
por uma queda significativa do preço dos recicláveis. A queda
dos preços pode estimular o crescimento da demanda, contudo, o
crescimento das vendas não é necessariamente suficiente para
compensar a queda da receita devido à retração dos preços.
Tomando-se como exemplo o caso do papel, essa problemática fica
mais clara.
No ano de 1988 foram coletados na cidade de Viena através dos
containers de coleta seletiva 19.729 t. Supondo que todo esse
volume foi reciclado e vendido, isso resultaria numa receita
bruta de OS 12.131.198. Em contrapartida, em 1992, a coleta de
papel atingiu um total de 82.989 t, resultando numa receita
total de os 10.788.570. Assim, é possível observar que o aumento
significativo do volume coletado não foi suficiente para cobrir
a queda da receita decorrente da queda dos preços. Por outro
lado, o crescimento do volume coletado implica um aumento de
custos devido à necessidade de um número maior de caminhões,
containers e trabalhadores. Essa diminuição da receita e a~mento dos custos acaba recaindo sobre o setor público :a de consumo.
97
Os objetivos dentro das economias de mercado muitas vezes são
diferentes dos objetivos da política de gestão de resíduos
sólidos. Este dilema não pode ser ignorado dentro dos atuais
modelos de gestão de resíduos sólidos, pois como mostra a tabela
acima, todos os principais produtos coletados . apresentaram
redução significativa do seu preço. Uma melhor avaliação da
destinação dos produtos reciclados e do dimensionamento do
mercado são variáveis fundamentais no planejamento da gestão de
resíduos sólidos.
Um último aspecto a ser enfocado nesta dissertação sobre os
recicláveis são as implicações ambientais desse processo. Por se
tratar de processo industrial, a reciclagem também produz
resíduos, e dessa forma o aumento da utilização dó processo de
reciclagem significa um aumento da quantidade de resíduos
gerados. A resposta quanto aos reais efeitos do aumento do
processo de reciclagem sobre o meio ambiente ainda apresenta
muitas dúvidas. Por exemplo, uma pesquisa realizada pelo Fundo
de Defesa Ambiental (Environment Defense Fund) concluiu que a
utilização de embalagens de papel ou plástico para sanduíches do
Macdonald's seria menos negativa para o meio ambiente do que a
reciclagem de embalagens feitas de poliestireno. 145
As críticas aponta-das acima não pretendem mostrar a
inviabilidade da opção da reciclagem. Esta, seguindo a ordem de
prioridades, constitui um importante instrumento para redução de
custos financeiros e ambientais. Isto pode ser comprovado por
vários exemplos com o reaproveitamento do papel, do vidro e especialmente das latas de alumínio quando comparado à sua
produção com material virgem. No entanto, a ausência de melhor
compreensão das implicações ambientais do aumento dessa
atividade e do real destino dos recicláveis pode levar a graves
distorções, como as apresentadas, penalizando o setor de consumo
com custos elevados e algumas vezes representando ganhos
ambientais discutíveis. A reciclagem exige um planejamento
145 FAILIE, Simon, op. cit.
98
cuidadoso e que a elevação de custos, quando necessária para
garantir esse processo, seja rateada efetivamente por toda a
sociedade, para evitar o que acontece hoje nos países
desenvolvidos, onde o setor empresarial se beneficia de ga~hos e da promoção da reciclagem e o custo é jogado de forma quase
exclusiva sobre o setor de consumo.
Os problemas apontados até agora têm relação direta com a forma !1.
como os planos atuais de gestão de resíduos sólidosP se
desenvolveram em diversos países desenvolvidos. Existem ou~ras
características igualmente importantes que se acentuaram domo
decorrência indireta do desenvolvimento desses modelos. Entre
estas, a mais importante é a movimentação crescente de resíduos,
tóxicos ou não, entre os países.
Como já comentado, a gestão dos resíduos .dentro do setor
produtivo constitui um elemento cada vez mais importante do
custo total das empresas. Dentro do sistema de economia de il
mercado di versas alternativas têm sido buscadas, como, por
exemplo, o reaproveitamento dos resíduos. Por outro lado, a I
busca da minimização imediata dos custos, aliada aó aumento I' dos
preços das formas tradicionais tradicionais de resíd~os,
estimulou o transporte de um volume crescente destes para ou~ros
países e regiões.
Seguindo a lógica de minimização dos custos, os resíduos sólfdos
têm sido enviados para os países onde custos com mão-de-obra e
outros fatores de produção sejam menores e onde as leis li
relacionadas à proteção do meio ambiente sejam menos rígidas.
,,
As diferenças para a variável preço são bastante significatiJas.
Segundo um estudo do Greenpeace, os custos de disposição de
resíduos no Norte da Europa e em outros países e regiões,
inclusive na Europa como no caso de Bilbao, podem variar de u$ 90 a U$ 150 dependendo da toxicidade e do país de origem . 146
146 Dumping by Another Name, The Recycling of Imported Hazardous Wastes in Bilbao, 1991.
99
Dessa forma, urna grande quantidade de resíduos produzidos nos
países desenvolvidos tem corno destino final determinadas regiões
na África, Caribe e América do Sul, incluindo o Brasil. Além
disso, dentro da Europa é possível constatar urna grande
movimentação em direção aos países do Leste europeu ou mesmo
cidades do lado ocidental corno no caso de Bilbao na Espanha. 147
No caso da Áustria, existem transportes dos resíduos tanto para
a região de Bilbao, corno para a Hungria e a República Tcheca. 148
A negociação do transporte dos resíduos entre os países é feita
através de um ramo da economia que vem apresentando um
crescimento significativo nos últimos anos, denominado de "Wa-ste
Brokers". Esses negociadores cobram urna certa quantia por
tonelada de res~duos das empresas e se encarregam da disposição
desses resíduos.
Os resíduos podem ter corno destino final aterros sanitários e
incineradores em outros países ou ser vendidos corno material
para ser reaproveitado ou reciclado. Esses resíduos são sempre
apresentados pelos negociadores corno matéria-prima útil para
aterros sanitários, corno substituto para combustíveis ou para
construção de estradas.
Os resíduos podem ser dos mais variados tipos, incluindo lixo
urbano, cinzas de incineradores ou resíduos químicos industriais
tóxicos, cujo preço de incineração no país de origem seja
bastante elevado. Os intermediários procuram sempre assegurar
que estes resíduos não constituem realmente produtos tóxicos ou
que é sempre possível manuseá-los de maneira a não causar
degradação ambiental ou danos à saúde pública . 149
..... _..:
147 nThe Transboundary Movement of Hazardous and Nuclear Wastes in the Wider Caribbean Region. CEP Technical Report n2 7. UNEP caribbean Environment Progme, Kingston, 1991.
148 GEYER, Herbert, JUDEX, Oliver. nTotalmüllkontrlle ••• , op. cit.
149 GREENPEACE INERNATIONAL. The transboundary Movement ot Hazardous and Nuclear wastes in the Wider Caribbean Region.United Nations Environment Progrme, 1991. ·
I I
100
Como forma de contornar os crescentes problemas decorrentes da
exportação de resíduos sólidos dos países industrializados da
OCDE para os países em desenvolvimento, foi organizada pela UNEP
no ano de 1989 a Convenção de Basiléia relacionada à
movimentação de resíduos entre países. 1~
O acordo negociado durante a Convenção de Basiléia entrou em
vigor a partir de maio de 1992, no entanto, até outubro desse
ano apenas 32 países a tinham assinado, ficando de fora países
grandes exportadores de resíduos como Estados Unidos, Alemanha,
Itália e Inglaterra . 151
o principal instrumento para reduzir a movimentação dos resíduos
é a adoção do ~Prior Informed Consent" (PIC). Através do PICa
exportação de resíduos só será permitida uma vez que o país
recebedor desses resíduos seja notificado sobre o real conteúdo
dos resíduos e aprove essa movimentação. 1~ Além disso, só será
permitida a movimentação de resíduos entre países signatários da
Convenção de Basiléia.
Segundo representantes do Greenpeace International, a utilização
de um instrumento como o PIC, da forma como está previsto no
acordo de Basiléia, ao invés da proibição da movimentação total
de resíduos entre países, acaba de certa forma legalizando a
exportação dos resíduos e assim funcionando como um estímulo a
essa prática. 148
Em 1991 foi firmado um contrato entre um waste broker europeu e
o Ministério Federal da Saúde da Somália para o recebimento de
500.000 toneladas de resíduos industriais por ano. Em um segundo
exemplo, o governo da Guiné Bissau aceitou receber 15 milhões de
150 GREENPEACE INTERNATIONAL, Annotations by Greenpeace International on the Agenda of the Meeting, 1992.
151 Idem, ibidem. ,.
152 GREENPEACE international. Annotations by Greepeace International on the Agenda of the Meeting - Prepared for the First Conference o f Parties to the Basel Convention 30 November - 4 December 1992 Piriapolis, Uruguai.
148 GREENPEACE INTERNATIONAL. The Transboundary Movement of Hazardous ••• , op. cit.
BIBLIOTECA KARL A. BOEDECI<ER
I
101
toneladas de resíduos tóxicos para disposição final em seu
território. O montante recebido pelo governo para aceitar esses
resíduos correspondia a nada menos que quatro vezes o valor do
produto nacional bruto e duas vezes o valor de sua dívida
externa. É importante enfatizar que esses acordos de
movimentação de resíduos não estão sendo feitos apenas com os
países pobres da África, mas também com países como Brasil,
Venezuela, Índia, Polônia, China e Turquia. 149
Um último aspecto que deve ser mencionado em relação aos modelos
de gestão dos resíduos sólidos -- e que de certa forma vem sendo
ignorado quando se pensa nesses modelos nos países desenvolvidos
-- é a carga de tarefas que acaba recaindo sobre o ·setor de
consumo.
Como já foi comentado no capítulo 2, os resíduos sólidos
apresentam uma característica importante que os diferencia de
resíduos líquidos e gasosos. A existência da coleta seletiva
possibilita uma ação concreta e imediata por parte dos
habitantes das cidades em favor do meio ambiente. Em uma época
de aumento da consciência ambiental, os apelos das políticas
públicas em prol da coleta seletiva têm contado com bastante
simpatia dos habitantes das diversas cidades, além de
representar dividendos políticos.
Dessa forma, na condução da política de gestão dos resíduos
exige-se dos habitantes uma maior participação representada por
um nível cada vez mais elevado de separação dos resíduos
domésticos e transporte para os locais apropriados de coleta.
Segundo um estudo do Ministério do Trabalho austríaco, o setor
doméstico gasta cerca de 42 horas por ano por pessoa em média
com atividades de separação de recicláveis e entrega destes nos
postos de coleta de recicláveis e de resíduos tóxicos.
149 GREEIIPEACE. Toxic Trade. mmber 6.1, First Quarter 1993.
102
Além disso, os habitantes devem arcar com os custos crescentes
de taxas de coleta de resíduos. Os sistemas atuais de coleta de
resíduos demandam uma quantidade cada vez maior de postos de
entrega de resíduos, assim como um número cada vez maior de
caminhões e funcionários para realizar as tarefas de coleta.
Essa elevação de custos tem significado uma elevação das taxas
cobradas para gestão dos resíduos.
É importante notar que hoje em Viena grande parte da população
concorda em contribuir financeiramente para a manutenção do
sistema de reaproveitamento de resíduos sólidos. Como
apresentado uma pesquisa realizada pelo Instituto Gallup mostra
que 88% dos entrevistados concordam em realizar uma contribuição
financeira para garantir a continuidade do sistema de coleta
seletiva de papel e seu reaproveitamento, enquanto apenas 12% se
dizem contra essa contribuição150•
o elevado nível de conscientização, o apoio e a participação da
comunidade constituem, sem dúvida, em um dos aspectos mais
importantes e positivos do modelo de gestão de resíduos sólidos
desenvolvido na cidade de Viena. É importante lembar, contudo,
que uma política de longo prazo de resíduos sólidos, visando a
alcançar os objetivos propostos, não pode se sustentar apenas
transferir indo a maior parte das tarefas para a população. A
diminuição do uso de embalagens desnecessárias, existentes em
uma infinidade de produtos comercializados, é um outro aspecto
fundamental nesse processo e que depende fundamentalmente de uma
nova postura do setor produtivo. Do setor empresarial, é
necessário uma contribuição compatível ao esforço que vem sendo
realizado por parcela siginificativa da população de Viena.
Aumento dos custos e tarefas são aspectos inevitáveis nos novos
sistemas de gestão de resíduos sólidos que devem ser divididos
entre todos os atores sociais.
concluindo, a análise apresentada visa mostrar que os atuais
150 GRÕLLER, Michael. Içacts Of Avoidance and Reduction of Waste. Upon The Market for Secondary Material, publicado e11
Waste MiniDization - International EXperiences, 1991.
103
sistemas de gestão de resíduos sólidos apresentam as seguintes
características:
- as mudanças nos anos recentes dessa política refletem uma
preocupação cada vez maior pela questão da degradaç.ão ambiental,
representadas pelo avanço da legislação, desenvolvimento
tecnólogico nas alternativas de aterros sanitário e
incineradores e incentivo às políticas de reciclagem dos
resíduos domiciliares;
- a multiplicação de interesses em torno da questão da gestão
dos resíduos sólidos tem contribuído não apenas para a
modernização desta política, mas também para o desenvolvimento
de contradições entre objetivos propostos e condução prática,
representados pela prioridade da incineração, apoio a políticas
de reciclagem em detrimento da reutilização, aumento da
movimentação de resíduos entre países e grande encargo sobre o
setor de consumo sem uma resposta na mesma magnitude do setor
empresarial.
104
Cap. · 5. Algumas considerações para a cidade de São Paulo
À primeira vista, a diferença tão acentuada das realidades dos
sistemas de gestão de resíduos sólidos das cidades de Viena e de
São Paulo torna difícil aproveitar aquilo que foi observado em
Viena para fazer considerações para o caso de São Paulo.
Viena tem uma população de cerca de 1. 6 milhão de habitantes e
produz aproximadamente 1. 800 t de lixo por dia. Uma parcela
significativa desses resíduos é coletada através da coleta
seletiva, sendo o restante enviado para aterros sanitários ou para
os incineradores que devem respeitar rígidas normas de controle
ambiental.
A cidade de São Paulo tem uma população aproximada de 11,5 milhões
de habitantes e produz aproximadamente 13,5 mil toneladas de
resíduos que são diariamente movimentadas nas unidades de
recebimento de resíduos urbanos gerenciadas pela prefeitura . 151
Essa quantidade é composta de lixo domiciliar, resíduos de serviços
de saúde, entulhos, podas de árvores, material de varrição de ruas
e logradouros públicos e parte do resíduo industrial gerado no
município. Esses resíduos são encaminhados para aterros sanitários,
usinas de compostagem, incineradores e estações de transbordo do
lixo; contudo, nenhuma destas unidades foi construída de forma a
evitar danos ao meio ambiente ou incômodos aos moradores vizinhos.
151 FERREIRA, Luis Fernando e FROTA, Ana. Dessa recuperação seus alunos vão gostar. São Paulo. Bioma, Educação Ambiental e Comércio de Materiais Didáticos, 1994.
105
Além disso, estas unidades se encontram em fase de obsolescência
ou comprometimento da vida útil.
A esta quantidade devem ser acrescidos os resíduos industriais e de
outras fontes particulares, cuja destinação é dada pelo gerador em
unidades privadas, ou que são dispostos clandestinamente em
terrenos vagos, córregos, margens de rodovias e vias expressas ou
ainda que são transferidos para outros municípios. 152 Segundo um
levantamento divulgado pela Companhia de Tecnologia de saneamento
AmbientaljCETESB, a Grande São Paulo abriga hoje aproximadamente
150 grandes lixões e mais de 2 mil pontos clandestinos de despejo
de resíduos sólidos. 153 Assim, tem-se uma situação onde
praticamente a totalidade dos pontos de destinação de resíduos
sólidos da ciqade, incluindo os gerenciados pela prefeitura, é
inadequada pois estes causam poluição do ar e do solo, mau cheiro
e doenças.
Os dados apresentados mostram como a destinação de resíduos sólidos
no município se encontra em uma situação bastante delicada. De um
lado, um sistema que pode entrar em colapso, uma vez que a vida
útil dos aterros pode se esgotar em curto prazo. Hoje o município
conta com 3 aterros sanitários em atividade, que recebem a maior
parcela de resíduos movimentados pela prefeitura, sendo que um
destes deverá ser fechado já em 1997. 154 De outro lado, o
funcionamento do atual sistema de gestão de resíduos sólidos
reflete duas características marcantes que são válidas para a
maior parte dos municípios brasileiros: um descaso em relação aos
danos provocados sobre os habitantes dos centros urbanos
principalmente aqueles que habitam nas regiões periféricas -- e em
152 "DIRETRIZES para destinação final dos resíduos sólidos no município de São Paulo". Diário Oficial do Município de São Paulo, Edição Especial; ano 37, São Paulo, 3 de dezembro de 1992. Número 225.
153 "150 Lixões irregulares poluem a Grande São Paulo". Folha de São Paulo. 15 de novembro de 1993.
154 FERREIRA, Luis Fernando e FROTA, Ana. Dessa recuperação ••• , op. cit.
106
relação ao meio ambiente. A maior parte das unidades de tratamento
de resíduos se encontra instalada em bairros distantes dos centros,
poupando os moradores dos bairros centrais dos incômodos
ocasionados por unidades não adequadas e transferindo esse
problemas para os moradores dos bairros mais distantes. Assim,
observa-se que.a disposição de resíduos, tanto os gerenciados pela
prefeitura como os feitos pela coleta paralela, é direcionada em
sua maior parte para- os bairros mais distantes. No caso da
prefeitura, os aterros sanitários recebem a maior parcela desses
resíduos, enquanto que no caso da coleta paralela, os lixões ou
terrenos vagos representam o destino final
A cidade de São Paulo, incluíndo os setores público, privado e de
consumo, não pode mais_ ignorar os problemas relacionados à
destinação de resíduos sólidos. Como principal geradora de
resíduos na região metropolitana de São Paulo, numa quantidade que
continua a aumentar, é necessário uma nova postura em relação a
essa problemática . 155 Ainda que a distância entre os sistemas de
gestão de resíduos sólidos de São Paulo e os de outras cidades em
países desenvolvidos, como no caso de Viena, seja muito grande, o
exame desses sistemas de gestão pode indicar não apenas alguns
caminhos que podem ser seguidos na cidade de São Paulo, mas também
problemas que devem ser evitados para que a política de resíduos
sólidos da cidade possa alcançar seus objetivos, de maneira
adequada e eficiente, evitando, dessa forma, repetir alguns
problemas que já podem ser observados nos países desenvolvidos.
155 o município de são Paulo gera cerca de 70% do lixo da metrópole. É importante ressaltar, contudo, que enquanto não existir na região metropolitana um maior númo de soluções consorciadas possibilitando o gerenciamento metropolitano através de planos integrados e de longo prazo, será impossível contornar os problemas dos resíduos sólidos na região metropolitana de São Paulo, já que a proximidade entre os municípios possibilita que os resíduos produzidos em determinados municípios possam ter como destino os lixões ou pontos clandestinos de despejo de lixo em municípios vizinhos. Nesta ótica, o Plano Diretor de Resíduos Sólidos da Região Metropolitana de São Paulo, que está sendo elaborado atualmente pela CETESB, é fundamental para o equacionamento desta problemática na região.
107
5.1 - Breve histórico dos resíduos sólidos em São Paulo e situação atual' 56
As primeiras tentativas para se dar uma destinação aos resíduos
sólidos produzidos na cidade de São Paulo datam do século XIX.
Nessa época, foram definidas algumas áreas distantes dos centros
urbanos onde o lixo poderia-ser disposto. A responsabilidade do
transporte cabia ao munícipe interessado.
No início do século XX, a população de São Paulo somava 240 mil
habitantes e o lixo produzido era de 100 tjdia. A destinação desses
resíduos era feita a céu aberto, ine~istindo qualquer forma de
controle ambiental ou sanitário.
Em 1913 foi implantado o primeiro incinerador da cidade no bairro
de Araçá, com uma capacidade de 40 tjdia. Esse incinerador foi
desativado em 1948 e demolido em 1953.
Em 1925 teve início um processo de fermentação em estações
zimotérmicas, que pode ser considerado um sistema precursor da
compostagem.
Em 1949 foi construído na cidade um novo incinerador no bairro de
Pinheiros, com capacidade para 200 tjdia. Nessa época, a cidade de
156 Os dados deste i tem advêm das informações de duas fontes principais: "Diretrizes para destinação final dos resíduos sólidos no Município de São Paulo". Diário Oficial do Município de São Paulo, Edição Especial, ano 37, São Paulo, 3 de dezembro de 1992. NÚJBero 225; Zulauf, Werner. Plano de emergência de destino final de lixo de São Paulo. Departamento de Limpeza Urbana, Secretaria de. Serviços e Obras, Prefeitura de São Paulo, 1989.
108
São Paulo já contava com uma população de cerca de 2 milhões de
pessoas e gerava aproximadamente 1000 tjdia de resíduos sólidos.
Em 1959 foi instalado o Incinerador Ponte Pequena no bairro da Sé,
com uma capacidade de 150 tjdia.
Em 1968 foi construído o Incinerador Vergueiro no bairro do
Ipiranga, com capacidade para 150 t/dia.
Esta opção pelo uso do incinerador não representou, durante esse
período, uma modificação significativa na forma de gerenciamento
dos resíduos na cidade de São Paulo. Isto se deve ao fato de que as
outras tecnologias de destinação de resíduos pouco evoluíram; além
disso, a capacidade total de incineração representava uma parcela
pequena do total de resíduos gerados na cidade.
Em 1970, a população de São Paulo já atingia 6 milhões de
habitantes, sendo gerados aproximadamente 7.200 t/dia de resíduos
sólidos. Ao mesmo tempo, a capacidade de incineração dos três
incineradores somava 500 t/dia. Mesmo somando-se a esse número um
total de 600 t/dia, que eram transformadas em composto orgânico nas
Usinas de Compostagem de São Mateus e Vila Leopoldina, construídas
em 1970 e 1974, respectivamente, verifica-se que cerca de 6.100
tjdia de resíduos deveriam ser dispostos de outra forma. Prevaleceu
até o início da década 70 a disposição de resíduos a céu aberto,
sem qualquer controle sanitário, como principal alternativa para
disposição de resíduos. Os lixões foram criados nas regiões
periféricas da cidade e ao longo dos principais rios.
Em 1977 foi elaborado pelá empresa Serete, contratada pela
prefeitura, o Plano Diretor para Disposição Final de Resíduos
Sólidos do Município de São Paulo. O plano representou uma mudança
significativa da política de gestão de resíduos sólidos na cidade,
na medida em que considerava os aterros sanitários como o método
mais econômico e adequado para destinação final do lixo gerado na
109
cidade. Com base neste diagnóstico, foi proposta a construção de 16
aterros, em um período do 15 anos, além de 4 novas estações de
transbordo de lixo.
Até o ano de 1979 foram construídos quatro novos aterros
sanitários: Lauzane Paulista, Bandeirantes-Perus, Sapopemba e São
Mateus, e optou-se pela contratação de empresas para a operação e
manutenção de serviços de destinação final de resíduos.
o restante do plano Serete não pôde ser levado adiante, devido aos
erros de avaliação feitas durante o estudo. As di versas áreas
previstas para construção de aterros não foram imediatamente
desapropriadas, por serem mui tas destas ocupadas por populações
devido ao processo de urbanização acelerada, ou por se encontravam
em áreas de mananciais que passaram a ser protegidas por lei. Além
disso, foi ignorado também o desenvolvimento da conscientização da
população nos bairros periféricos, que passou a se mobilizar contra
a construção dos aterros devido aos incômodos causados.
A partir de 1979 as propostas para construção de "Aterros
Sanitários Energéticos" tinham como objetivo conciliar pela
primeira vez uma alternativa ambientalmente branda e economicamente
rentável. Os projetos desenvolvidos, contudo, acabaram se limitando
à construção de aterros sanitários tradicionais, excluindo os
investimentos que dariam aos aterros a condição de energéticos.
De 1979 até hoje poucas alterações foram feitas de forma a
modificar significativamente o modelo de destinação dos resíduos
produzidos no município de São Paulo. Durante o governo Janio
Quadros (1986-89), foram feitas licitações para usinas de
compostagem e incineradores. Estava prevista a construção de duas
usinas de compostagem (1.200 tjdia cada) e dois novos incineradores
(1800 tjdia cada). Essas licitações acabaram sendo embargadas pela
Justiça, devido à ausência de apresentação de estudos de impacto
110
ambiental e à falta de definição das áreas onde seriam construídas
estas instalações. Posteriormente, foram realizados os estudos de
impacto ambiental necessários, contudo, os projetos não foram
retomados.
Durante a administração Luiza Erundina (1989-92) foram construídos
o Aterro Sanitário São João para resíduos domiciliares, o Aterro
Sanitário de Itatinga para resíduos inertes e uma máquina
recicladora de entulho com capacidade de 1800 t/d. Ainda nessa
administração foi iniciado o Programa de Coleta Seletiva de Lixo.
Em 1989 foi implantado um Centro de Triagem e Reciclagem no antigo
Incinerador de Pinheiros, onde eram separados plástico, alumínio,
vidro e papel para serem recuperados. A quantidade separada
representava cerca de 1% do total do lixo domiciliar coletado.
Hoje, em São Paulo, prevalecem ainda os aterros sanitários, usinas
de compostagem e incineradores como as três modalidades de
destinação final para os resíduos domiciliares gerenciados pela
prefeitura. Além dessas formas clássicas, o programa de coleta
seletiva de resíduos, feito diretamente nas residências, foi
desativado pela atual administração. A tabela a seguir apresenta a
distribuição dos resíduos coletados segundo as formas de destinação
em 1991.
111
Destinação dos Resíduos Sólidos em São Paulo ( 1991)
Tipos de Destino Kilojdia Percentual
Aterros sanitários 12.055.725 91,2
Incineradores 174.858 1,3
Usinas de Compostagem 888.337 7,0
Centro de triagem 6.257 0,5
Total 13.125.177 100,0
Fonte:"Remexendo o l1xo". Modus V~vend~. Gab1nete Vereador Adriano
Diogo, Câmara Municipal de São Paulo, 1992.
Em 1993, São Paulo contava com 5 aterros sanitários, sendo 4
operados para o recebimento dos resíduos produzidos diariamente na
cidade e 1 para recebimento de resíduos inertes. Dois desses
aterros, o de Vila Albertina e o de Santo Amaro, foram desativados
em agosto e setembro de 1993, em virtude ·de se encontrarem
saturados e fora dos padrões vigentes de controle ambiental. 157
Hoje, a cidade conta com 3 aterros sanitários, que também não estão
construídos de forma a garantir que sejam evitados os problemas em
relação ao meio ambiente. Além disso, o aterro Bandeirantes,
construído em 1979, deverá esgotar sua vida útil em 1997, sendo que
os dois restantes deverão estar esgotados em um prazo de 15 a 20
anos . 158
157 "150 li·xões irregulares poluem a Grande São Paulo". Folha de São Paulo. 15 de novembro de 1993.
158 É importante ressaltar que a capacidade de recebimento de lixo dos aterros São João e Itatinga não ultrapassa 4.800 toneladas por dia, o que corresponde a cerca de 40% do lixo total movimentado pela prefeitura. "150 lixões irregulares poluem a Grande São Paulo". Folha de São Paulo, 15 de novembro de 1993.
112
Os maiores problemas desses aterros são a ausência de um sistema
adequado para coletar o chorume produzido e a falta de
monitoramento eficiente que possibilite definir com exatidão o grau
de degradação ambiental. o interditado pela CETESB por
aterro de Itatinga1" quase foi
estar despejando chorume na represa
sido depredado pelos moradores da Billings
região . 160
e depois de ter
As demais unidades da prefeitura, ou seja, os incineradores e
usinas de compostagem, não estão em melhores condições.
o Incinerador Ponte Pequena está acoplado a uma estação de
transbordo de lixo e se situa, entre todas as unidades de
destinação final do município, na região mais central. o incinerador tem capacidade para 300 tjdia e recebe lixo comum e
lixo hospitalar, sendo operado pela empresa privada Heleno e
Fonseca. Nesta planta, o ponto mais crítico é a total ausência de
sistemas para prevenir a poluição atmosférica. Como agravante, a
queima de lixo hospitalar possibilita o arraste, através do vento,
de partículas contaminadas de agentes etiológicos de doenças
transmissíveis.
o Incinerador Vergueiro, · localizado na bairro do Ipiranga, é
operado pela mesma empresa privada (Heleno e Fonseca). A quantidade
incinerada anualmente equivale aproximadamente a 20% da quantidade
manuseada no Incinerador Ponte Pequena. Ressalva-se, contudo, que
esta unidade incinera cerca de 5 vezes mais lixo hospitalar que o
Incinerador Ponte Pequena. Quanto aos problemas de poluição e risco
à saúde pública, as observações feitas para a outra unidade também
159 o aterro de Itatinga foi construído originariamente para receber apenas resíduos inertes, contudo, durante a atual administração passou a ser usado para recebimento de lixo domiciliar, o que provocou o protesto dos moradores. Depois desse incidente, a prefeitura passou novamente a encaminhar apenas resíduos inertes para o aterro.
160 "PREFEITURA não sabe se lixão reaberto aguenta mais um mês". Folha de São Paulo. 15 de dezembro de 1993.
113
são válidas para este incinerador. Os dois incineradores são
obsoletos, pois ainda trabalham com tecnologia da década de 50.
A Usina de São Mateus de compostagem está localizada na bacia do
córrego Aricanduva, processando aproximadamente 118.000 toneladas
por ano. O processo de produção do composto se inicia com a
separação manual de vidros, plásticos duros, peças volumosas e
metais não ferrosos na correia transportadora. Em seguida um
separador mecânico, localizado no final da correia transportadora,
separa as latas e demais ferrosos. No biodigestor é feita a
trituração branda da matéria orgânica, sendo esta separada do
rejeito através de uma peneira. Por fim, o separador balístico
remove ainda pequenas peças duras que passam pela peneira deixando
o material orgânico pronto para ser fermentado. Durante um período
de 60 a 90 dias, a matéria orgânica fica no pátio, onde sofre um
processo aeróbico de bioestabilização, finalizando o processo de
produção de composto orgânico. Como resultado final deste processo,
observa-se que do total do lixo recebido pela usina de compostagem,
60% são transformados em composto e 40% constituem rejeito que deve
ser enviado para aterros sanitários ou incineradores.~6~
A principal vantagem deste processo é a redução significativa do
volume de resíduos que deve ser encaminhado para aterros
sanitários, apesar do volume grande de rejeites gerados durante o
processo. Isto poderia significar uma redução expressiva do volume
de resíduos gerados que tem como destino final aterros sanitários.
As principais desvantagens do processo são as emissões de gases com
forte odor, que incomodam os moradores vizinhos da usina. Além
disso, metais pesados podem estar presentes no composto, tais como
mercúrio e cádmio, podendo estes ser incorporados na cadeia
alimentar através das raízes das plantas, quando a aplicação do
composto for feita em solo ácido.
~6~ ZULAUF, Werner, op. cit.
114
A Usina de Compostagem de Vila Leopoldina est~ localizada na Zona
Oeste, próxima da estação de tratamento de esgoto de Vila
Leopoldina, e opera cerca de 159.393 toneladas de resíduos por ano.
o funcionamento desta unidade é basicamente o mesmo do descrito
acima. Por estar localizada em área bastante urbanizada, os
moradores vizinhos têm reclamado constantemente dos incômodos
provocados pela usina. A prefeitura decidiu implantar a venda do
composto cru diretamente da usina, eliminando o processo de
fermentação no pátio e, assim, reduzindo os inconvenientes aos
moradores próximos. Esta idéia foi agora abandonada por dificultar
a comercialização do composto. ~62
5. 2 - Plano de emergência de destino final de resíduos sólidos de São Paulo
Em 1989 , Werner Zulauf, o atual secretário da Secretaria do Verde
e do Meio Ambiente do Município de São Paulo, apresentou uma
proposta para ser discutida no âmbito do "staff" do secretário de
Serviços e Obras, tendo em vista o quadro preocupante da destinação
de resíduos sólidos do muni6ípio de São Paulo, principalmente no
que se referia a soluções alternativas aos aterros sanitários
existentes, todos em fase terminal de operação. Essa proposta
reflete, hoje, as prioridades da atual administração quanto à
destinação do lixo produzido na cidade.
A proposta foi formulada a partir de três premissas:
- a capacidade dos aterros sanitários da cidade deverá se esgotar
na primeira metade do atual período administrativo (1993/96);
~62 A proposta da venda do composto cru é criticada também por vários sanitaristas pelo fato de que muitos agricultores, por falta de informação ou pela necessidade imediata de utilizar o composto, acabam por fazer uso deste produto sem esperar pelo tempo necessário para que o processo se complete.
115
- a opção pelo uso dos aterros sanitários como principal forma de
destinação de resíduos é extremamente problemática devido à
escassez de áreas disponíveis para construção de novos aterros no
município e na região metropolitana;
- a crescente politização da sociedade paulistana e o aprimoramento
da legislação ambiental dificultarão a incorporação de novas áreas
para tratamento do lixo. Este processo terá que enfrentar uma
longa, delicada e complexa negociação com as comunidades vizinhas.
A partir destas premissas foram elaboradas as seguintes diretrizes:
- evitar o acúmulo de lixo e componentes do lixo;
- promover a máxima reciclagem;
reduzir ao mínimo necessário a incorporação de novas áreas
urbanas para f~nções ligadas ao lixo;
- optar por alternativas ambientalmente brandas;
- reverter a tendência de transferir para a periferia da cidade
funções incômodas e menos nobres.
A proposta final deste plano apresenta como meta principal alcançar
o aterro zero, o que significa que nenhum, ou um volume muito
reduzido de resíduos, terá como destinação os aterros sanitários.
O instrumento para alcançar estes objetivos é a solução integrada
das alternativas de compostagem e incineração, que deverá ser
aplicada em áreas já utilizadas pela prefeitura. É importante
ressaltar que esta proposta de aterro zero será válida apenas para
o lixo domiciliar manuseado pela prefeitura, que corresponde a
cerca de 7,5 mil tjdia. o restante do lixo, composto de material
inerte, devido ao fato de não constituir material perecível, não
foi incluído nessa abordagem. Este continuará a ser encaminhado
para aterros sanitários.
o plano prevê o aumento da atual capacidade real das usinas de
compostagem de pouco mais de 600 tjdia para 6, 3 mil tjdia. A
ampliação da capacidade real de compostagem no município será feita
nas usinas de , compostagem já existentes. caso necessário, será
116
incorporado um terreno no bairro de Santo Amaro (preferencialmente
'urna área da Eletropaulo, junto à usina Termoelétrica de
Piratininga). Corno já comentado, o processo de cornpostagern gera
cerca de 40% de rejeito. Assim, do total das 6,3 mil tjdia
toneladas processadas, 2,5 mil tjdia correspondentes ao rejeito
serão encaminhadas para incineração. Sorna-se a esse volume cerca de
1,2 mil tjdia de lixo domiciliar, referente à diferença entre o
lixo coletado ( 7, 5 mil t/dia) e aquele enviado às usinas de
cornpostagern (6.3 mil tjdia), totalizando um volume de
aproximadamente 3. 7 mil tjdia que será enviado para os
incineradores. Dessa forma, será necessário aumentar a atual
capacidade de incineração de 400 t/dia para 3, 7 tjdia. Esses
incineradores deverão também ser instalados em local adjacente às
usinas de cornpostagern de São Mateus e Vila Leopoldina. Além disso,
pretende~se, através das correias transportadoras presentes nas
usinas de cornpostagern, separar os recicláveis para seu
reaproveitamento.
A estimativa do custo dessa proposta é de aproximadamente 525
milhões de dólares.
A solução emergencial, segundo seus idealizadores, apresenta
diversas vantagens, tais corno:
a opção pelo ampliação do processo de cornpostagern pode ser
implementada imediatamente, urna vez que não existem problemas em
relação aos terrenos escolhidos, pois o aumento da capacidade
produtiva será feito nas atuais unidades de cornpostagern da
prefeitura . 163
- a proposta é considerada benéfica em relação à proteção do meio
ambiente, pois, além da produção de composto orgânico, promove a
separação dos recicláveis nas novas usinas de cornpostagern, permite
163 Quando foi realizada esta proposta, pensava-se vender o composto cru diretamente da usina, eliminando-se assim a necessidade de um pátio bastante grande onde o processo de compostagem se completaria. Esta idéia foi abandonada, fazendo-se necessário o estabelecimento de uma área onde o composto possa curado e então ser comercializado.
117
a eliminação dos aterros sanitários, elimina os odores e o chorume
das atuais usinas de cornpostagern164 e controla a emissão dos
poluentes nas usinas de incineração;
a solução é socialmente justa, pois ali via a população da
periferia dos atuais incômodos provocados pelos aterros sanitários
localizados nessas áreas.
o autor da proposta conclui ainda que a solução apresentada, ou·
qualquer outra proposta, é fundamental para que antes de 1996 não
se esgote a capacidade dos aterros sanitários em São Paulo, levando
o atual sistema de gestão de resíduos sólidos do município ao
colapso.
5.3 - Uma análise. critica da política de gestão de resíduos sólidos
em São Paulo.
Segundo os idealizadores do plano de emergência de resíduos sólidos
para o município de São Paulo, a proposta apresentada não é
convencional na medida em que altera, a partir da incorporação de
práticas experimentadas com êxito, os modelos tradicionais de destino
final de lixo. 165
É difícil classificar de não convencional urna proposta que estimula
o uso de incineradores, despreza a coleta seletiva de resíduos na
164 Como a venda do composto cru foi eliminada, a prefeitura alega que pretende evitar os incômodos tradicionais a que estão sujeitos os moradores próximos de usinas de compostagem através do uso da melhor tecnologia disponível.
165 ZULAUF, Werner, op. cit.
118
origem e não levanta sequer a preocupação com a necessidade da
transformação de hábitos e costumes da sociedade.
A atual gestão da prefeitura em São Paulo suspendeu o projeto de
coleta seletiva diretamente nas residências, iniciado na gestão
anterior, com o único argumento de que se tratava de uma alternativa
muito cara.
Qualquer plano de gestão de resíduos sólidos elaborado para a cidade
de São Paulo não pode realmente ignorar dois pontos bastante
problemáticos que a prefeitura deve enfrentar: a escassez de
recursos com que se depara o setor público para cumprir adequadamente
suas funções, incluindo o gerenciamento do lixo, e a necessidade de
medidas que devem ser tomadas de imediato, -para se rev~rter o quadro
caótico que se desenha para o curto prazo.
A forma como foi desenvolvido o projeto de coleta seletiva na cidade
de São Paulo é passível de uma série de críticas. o custo de
realização era, de fato, muito alto, fator este que certamente
inviabilizaria a montagem de um sistema para uma cidade com as
dimensões. e quantidade de lixo produzida como São Paulo.
A coleta que se iniciou na Vila Madalena em 1989, em 3.500
domicílios, chegou a alcançar 33 circuitos, abrangendo 102.000
domicílios e uma população aproximada de 510.000 habitantes . 166
Nesses circuitos eram recolhidos uma vez por semana basicamente
papel, vidro, plástico e metal, em sacos de lixo da coleta seletiva,
separadamente do lixo orgânico e levados para o Centro de Triagem de
Pinheiros. Além disso, o sistema contava com 37 Postos de Entrega
Voluntária - PEVs localizados em diversos pontos da cidade como
parques, universidades, praças e conjuntos habitacionais. Com.,esse
sistema estava se coletando aproximadamente 230 toneladas de resíduos
166 VALENTE, Alcides Edílio. ncoleta seletiva de lixo na Prefeitura de São Paulon, em Limpeza Pública (Associação Brasileira de Limpeza Pública), edição nº 42, julfdez 1993.
119
por dia, sendo 75% provenientes da coleta seletiva, 15% dos PEVs e
10% de doações. Desse volume coletado, 50% representavam papel, 20%
rejeito e o restante composto por plástico, vidro e metais
f erros os . 167
o processo, além de representar um custo elevado, cerca de US$ 417
por tonelada contra US$ 30 da coleta comum, 168 169 segundo o atual
secretário de Serviços e Obras do município, era altamente
deficitário, pois a venda dos materiais resultava em uma renda
suficiente para cobrir apenas o custo da mão-de-obra do centro de
triagem . 170
A atual administração, ignorando outras importantes variáveis tais
como: receita potencial que poderia ser obtida com a venda de um
volume maior de material coletado, economia auferida devido à
disposição de um menor volume de resíduos em aterros sanitários e
economia ambiental e, centralizando sua critica apenas no custo pago
pela coleta por tonelada de recicláveis, foi paulatinamente
desmontando esse sistema. o sistema de coleta seletiva, altamente
deficitário, segundo o atual prefeito de São Paulo, deveria ser
encerrado, ao mesmo tempo que a entrega de material voluntária nos
PEVs deveria ser incentivada.~]. A enorme repercussão negativa do
anúncio do fim da coleta, representada pela mobilização de alguns
167 VALENTE, Alcides Edílio. "Coleta seletiva de lixo ... , op. cit.
168 AMARAL, Luis Henrique. "Prefeitura recua e coleta seletiva é mantida". Folha de São Paulo, 29 de março de 1993.
169 Na última revisão de custos, a prefeitura constatou que gasta US$ 320 para coletar cada tonelada de lixo reciclável. É importante ressaltar, contudo, que a prefeitura está coletando hoje, com a mesma estrutura da administração anterior, pouco mais da metade do que era coletado: a média baixou de 250 toneladas para 170 por mês. Com isso a coleta seletiva se tornou, naturalmente,. mais cara. Além disso, um estudo realizado pelo CEMPRE, entidade empresarial destinada a promover reciclagem de lixo domiciliar, demonstrou que, nos sete maiores programas de coleta seletiva do país em andamento, o custo médio por tonelada é de US$ 262 (Lixo Seletivo: prejuízo em São Paulo. (Jornal da Tarde, 9 de junho de 1994). ·
170 VALENTE, Alcides Edílio. "Coleta seletiva de lixo ... , op. cit.
171 Maluf encerra, ilegalmente, a coleta seletiva. O Estado de São Paulo. 4 de março de 1993.
120
vereadores e habitantes contra essa decisão, fez com que a prefeitura
recuasse e negasse o fim da coleta seletiva . 172
A realidade, porém, mostra que efeti varnente os caminhões estão
deixando de fazer os roteiros da coleta desde que a atual gestão
entrou na prefeitura. 173 Moradores dos bairros atendidos pela coleta
seletiva afirmam que: "o caminhão, quando vem, passa correndo e nem
recolhe o lixo direi to". 174 Fato ainda mui to mais grave, foi a
denúncia publicada no jornal A Folha de São Paulo de que o lixo dos
PEVs estava sendo encaminhado para aterros sanitários, ao invés de
ser reaproveitado. A reportagem mostrava que do total de 8 toneladas
de lixo reciclável coletado todos os dias nos PEVs espalhados na
cidade, só o papelão era separado, o que correspondia a 10% do total
coletado, sendo o restante enviado para o Aterro Sanitário
Bandeirantes. Apesar de a prefeitura ter alegado que a interrupção do
serviço tenha acontecido apenas em razão das chuvas de fevereiro de
1994, a realidade do abandono do centro de triagem, que se encontrava
com a esteira de separação quebrada, demonstra a suspeita de sua
desativação . 175
. Assim, de maneira totalmente anti-democrática e ilegal, pois o
programa de coleta seletiva foi aprovado na forma de lei na Câmara
dos Vereadores e, além disso, contrariando o próprio programa de
campanha do atual prefeito, que propunha corno diretriz para limpeza
pública o incremento de forma substancial no Programa de Coleta
Seletiva, com objetivo de diminuir o volume do lixo gerado na cidade
~-_,-'" 172 AMARAL, Luis Henrique. Prefeitura recua e coleta seletiva é mantida. Folha de São Paulo. 29 de março de 1993.
173 MALUF tentou barrar coleta. A Folha de São Paulo, 29 de março de 1994.
174 TRANSPORTE inutiliza coleta seletiva. O Estado de São Paulo.07 de julho de 1994.
175 CASTRO, Daniel. "Maluf enterra lixo da coleta seletiva". Folha de São Paulo. 29 de março de 1994.
121
e gerar receita marginal, os fatos demonstram que a coleta foi
realmente paralisada. 176
E inegável que o processo de coleta seletiva em São Paulo precisa ser
repensado. Além da variável preço, há outras características que
precisam ser melhor analisadas. A opção da coleta conjunta de
recicláveis, por exemplo, para posterior separação em centros de
triagem, também apresenta problemas'para o reaproveitamento eficiente
dos recicláveis. Em algumas cidades dos países desenvolvidos, como no
caso de Viena, esta alternativa foi abandonada desde meados da década
de 80, devido ao consenso de que este modelo de coleta inviabiliza a
recuperação dos resíduos de forma adequada, uma vez que a mistura de
resíduos torna a recuperação de determinados materiais bastante
ineficiente. Uma pesquisa recente feita em Vitória demonstrou que
enquanto o vidro apresenta 84,18% de eficiência na catação em
esteiras, o papel registra apenas 5,28%. 177 Além disso, a coleta
seletiva, dessa forma, pouco contribui para transformação de hábitos
e costumes, elemento essencial no estabelecimento da política de
resíduos sólidos. Como afirma Sonia Lima: "coleta seletiva da forma
como se tenta fazer no Brasil é um equívoco. Pois é trabalhosa, cara
e pouco transformadora de hábitos e costumes. É um serviço paralelo
dentro de uma estrutura tradicional. A coleta deve ser entendida como
uma etapa muito importante dentro do sistema de gerenciamento de
resíduos a ser adotado. 11178
Apesar de todos esses problemas, uma qualidade é inegável do programa
iniciado na gestão anterior. Trouxe para dentro das casas de vários
habitantes da cidade a necessidade de se repensar a forma de dispor
o lixo produzido nos domicílios. A coleta seletiva e reciclagem, como
176 nPREFEITURA diz que serviço já foi reativadon. Folha de São Paulo, 29 de março de 1994.
177 BAPTISTA, Fernando R. da Matta. nEstudo da composição física dos resíduos sólidos urbanos do município de Vitória e eficiência de separação no processo de triagem na usina de lixo de Vitória-Esn, op. cit.
178 nREMEXENDO o lixo. Modus Vivendi. Câmara Municipal de São Paulo. Gabinete do Vereador Adriano Diogo, ,1992
122
demonstrado nesse trabalho, estão longe de resolver de forma imediata
os problemas a que se propõe a atual política de resíduos sólidos;
além disso, seu mau gerenciamento pode representar um custo oneroso
e, muitas vezes, desvios dos objetivos propostos, como discutido no
capítulo anterior. A experiência européia, particularmente da cidade
de Viena, mostra a necessidade de se planejar cuidadosamente um
programa de coleta seletiva, onde seja contemplado tanto o incentivo
à coleta e reciclagem dos materiais, assim como o incentivo ao
consumo deste material, a fim de que se possa superar problemas, como
excesso de material coletado em relação à capacidade de reciclagem da
economia e de demanda destes produtos. A existência, contudo, destes
problemas, e os anteriormente mencionados, não pode ser usada como
justificativa para desativar um programa novo no país e que
representa uma importante contribuição pedagógica à população. A
constatação desses problemas deve favorecer o desenvolvimento de
modelos não-convencionais de gestão de resíduos sólidos, que possam
evitar a repetição dos erros observados em países desenvolvidos, que
possam dar conta da escassez de recursos com que se defronta o setor
público e que consigam alterar a relação de descaso do setor
produtivo e de consumo com os resíduos sólidos produzidos na cidade.
Quanto a este último aspecto, dois exemplos mostram quanto é preciso
caminhar em termos de conscientização da sociedade na cidade de São
Paulo. Se, de um lado, parcela significativa dos resíduos industriais
e dos resíduos domiciliares continuam alimentando os 150 grandes
lixões irregulares e cerca de 2000 pontos clandestinos de despejo de
resíduos sólidos na Grande São Paulo, 1H de outro lado, a população
também pouco contribui para diminuição do problema, pois mesmo
hábitos básicos como jogar "o lixo no lixo" não estão incorporados
por uma parcela no seu dia-a-dia. Uma pesquisa publicada na Folha de
São Paulo mostra que 68% da população, enquanto caminham pela~ vias
públicas, têm o hábito de jogar tudo o que é considerado dispensável
diretamente nas ruas e somente 32% têm costume de procurar um cesto
179 RYDLE, Carlos, "150 lixões irregulares poluem a Grande São Paulo", o Estado de São Paulo. 15 de novembro de 1993.
123
para se desfazer do lixo . 180 Este hábito custa à prefeitura US$ 3
milhões de dólares por mês para manter o serviço de varr1çao,
praticamente inexistente nos países desenvolvidos, a fim de coletar
as 39 mil toneladas de lixo que são jogadas todo mês diretamente na
rua. 181 A reversão deste quadro de descaso em rela_ção aos resíduos
sólidos, tanto por parte do setor produtivo como de consumo, deveria
figurar em qualquer plano responsável para garantir um gerenciamento
adequado de longo prazo dos resíduos produzidos na cidade.
As prioridades estabelecidas para-a gestão de resíduos em São Paulo
certamente não refletem essas preocupações; além disso, a
substituição do modelo tradicional de disposição em aterros
sanitários pelo modelo baseado no binômio compostagemjincineração
apresenta uma série de problemas e contradições na sua execução.
Em primeiro lugar, a política de desenvolvimento de compostagem pode
apresentar uma série de problemas. Para os defensores da atual
política de estímulo à compostagem, três são os principais problemas
que D composto apresenta: qu~lidade, sazonalidade e incômodos que
provoca às populações. No seminário para discussão do novo Plano
Diretor de Resíduos Sólidos das Regiões Metropolitanas preparado pela
CETESB, 182 o Secretário Municipal do Meio Ambiente afirmou que, em
razão do grande mercado potencial existente para .o composto, o
significativo aumento da oferta do composto previsto no plano não
levaria a problemas de excesso de oferta, desde que se garantisse uma
boa qualidade do produto. A experiência de Viena, contudo, mostra que
efetivamente o problema de disseminação do composto na produção
agrícola não se resume exclusivamente às questões de qualidade do
produto final obtido. A cidade de Viena produz um composto de
excelente qualidade, que encontra dificuldades para expansão da
180 RUBERTI, Irene. nJogar o lixo no chão é rotina do paulistanon. Folha de São Paulo. setembro 1993.
181 ARANTES, Antonio Flávio. ncidade gasta US$ 3 mi por mês com lixo jogado na ruan. Folha da Tarde, 13 de setembro de 1993.
182 Seminário - Plano Diretor de Resíduos Sólidos das Regiões Metropolitanas, CETESB, 19 de abril de 1994.
\.'
124
demanda, devido à resistência ainda bastante grande dos agricultores
em aceitar esse tipo de produto.
No caso de São Paulo, como a produção de composto é ainda muito
pequena, os problemas de demanda só aparecem devido à sazonalidade da
produção agrícola em determinados meses. Resta saber se com um
aumento na magnitude que se pretende, elevando-se a quantidade
destinada às usinas de compostagem de pouco mais de 600 t/dia para
6,4 mil tjdia, conseguir-se-á efetivamente escoá-la em sua totalidade
para a produção agrícola.
Outro problema é o fato de que a alta qualidade obtida pelo composto
na cidade de Viena é conseguida através de coleta extremamente
seletiva de material orgânico já na origem. O lixo orgânico utilizado
para produção de adubo é composto apenas por resíduos de jardins,
verduras e frutas. Alimentos como carne, ou provenientes de alimentos
enlatados, não devem ser dispostos nos containers para lixo orgânico.
Esses devem ser dispostos regularmente no lixo convencional para sua
queima nos incineradores. Essa matéria-prima usada para compostagem
em Viena, além de garantir a alta qualidade do composto, praticamente
elimina os problemas relacionados aos odores provocados pelo processo
de fabricação do adubo.
No caso de São Paulo, não apenas todos os tipos de lixo orgânico
estarão misturados, como todos os outros tipos de resíduos
domiciliares serão conjuntamente levados às usinas de compostagem
para então serem separados. Esse tipo de coleta favorece extremamente
a contaminação do resíduo orgânico, como no caso do cádmio, afetando
assim diretamente a qualidade do produto, podendo também
eventualmente contaminar os produtos agrícolas, representando riscos
à população.
Um outro problema é o cheiro provocado pelas usinas de compostagem e
o incômodo às populações vizinhas. Primeiramente planejava-se vender
o composto cru diretamente para os produtores, eliminando-se dessa
125
forma o pátio onde o composto necessita ficar por 60 a 90 dias para
terminar o processo. Além disso, seria construído um pátio-pulmão
onde esse produto poderia ser armazenado durante os períodos de queda
de consumo devido à sazonalidade. Essa idéia foi abandonada, pois
constatou-se que essa política dificultaria a comercialização do
composto. Assim, essa alternativa deve lidar com dois problemas: a
proteção dos moradores próximos das usinas e a localização de um
pátio-pulmão para o composto não comercializado. Tendo em vista o
aumento considerável do volume de composto orgânico a ser produzido,
a solução desse problema envolve uma grande dose de responsabilidade.
A tradição mostra que os problemas causados ao ambiente e moradores,
pelas unidades de tratamento de resíduos em São Paulo, acabaram
sempre sendo relegados a um segundo plano. A forma pouco democrática
como vem sendo conduzida a política de gerenciamento de resíduos em
São Paulo, caracterizada pela tomada de decisões feita nos gabinetes
sem qualquer participação das comunidades atingidas no processo,
levanta suspeitas de que esses problemas sejam abordados
prioritariamente. Da mesma forma, em caso de necessidade de um pátio
pulmão, a área necessária para receber o composto será razoavelmente
grande devido ao aumento do volume de composto. Dificilmente esta
área se localizará na região central, sendo
a tradição paulistana,
provavelmente
direcionada,
periféricas.
pátio-pulmão
como mostra para áreas
Até o momento, a área prevista para a construção do
situa-se na região de Perus.
No caso dos incineradores problemas semelhantes podem ocorrer. As
usinas de incineração podem trazer consequências graves e incômodos
para moradores próximos, através da eliminação de gases tóxicos e mau
cheiro. Para contornar esses problemas são necessários investimentos
bastante elevados a fim de garantir um controle da emissão de
dioxinas. Na Europa, por exemplo, onde o uso de incineradores vem se
expandindo, os custos, como demonstrado nesta dissertação, se situam
entre US$90 a US$200 a tonelada, dependendo da toxicidade do produto.
No seminário promovido pela CETESB para discussão do Plano Diretor de
126
Resíduos Sólidos das Regiões Metropolitanas de São Paulo183, o atual
·secretário do meio ambiente do município de São Paulo garantiu que os
incineradores deverão ser construídos com a melhor tecnologia
disponível e dotados de filtros e partículas lavadoras de gases.
Nesse mesmo seminário revelou o secretário que o custo por tonelada
de resíduo incinerado deveria ficar em torno de US$ 40. Parece ser
difícil que a esse custo seja possível garantir efetivamente o
controle da emissão de poluentes tóxicos. Além disso, é importante
ressaltar que mesmo nos países desenvolvidos, apesar da evolução das
técnicas de controle de poluição dos incineradores, não existe um
consenso a respeito dos reais problemas provocados pelo uso maior
desta alternativa. Assim, pairam muitas dúvidas sobre os estudos a
respeito dos males provocados pela dioxina em algumas cidades da
Europa, como os mencionados no capítulo anterior, assim como
afirmações dos defensores do processo de incineração, que garantem
que a tecnologia hoje disponível pode garantir o controle efetivo dos
males causados pela incineração. Para conhecer as reais implicações
do maior uso de incineradores é necessário avançar muito mais nos
conhecimentos das tecnologias existentes, até o ponto de se afirmar
com certeza que a incineração 1 sob determinadas condições 1 é uma
alternativa segura. Esse ponto é fundamental em uma cidade como São
Paulo, pois poucas cidades no mundo produzem volume de resíduos
sólidos domiciliares e industriais tão grande. Os três incineradores
que serão construidos terão capacidade aproximada de 3,7 mil
toneladas por dia, o que significam 1,35 milhão de toneladas por ano,
mais do que três vezes a quantidade incinerada hoje na cidade de
Viena (aproximadamente 400.000 toneladas ano).
Finalmente, é importante novamente ressaltar que uma solução que
promova a instalação de incineradores dificilmente reverterá a
tendência de transferir para a periferia da cidade funções incômodas
e menos nobres, como colocado nas diretrizes do plano de gestão de
183 Seminário - Plano Diretor de Resíduos Sólidos das Regiões Metropolitanas de São Paulo, CETESB, 19 de abril de 1994.
127
resíduos sólidos da cidade. Ainda que venha crescendo a resistência
das populações também dos bairros periféricos, como no caso do
protesto dos moradores da região de Perus, em São Paulo, contra a
usina de compostagem ou do incinerador a ser instalado no parque
Anhanguera, o binômio usina de compostagem e incineração necessita de
áreas relativamente grandes que dificilmente se encontram disponíveis
nas regiões centrais. Como afirma uma moradora da região, a lógica da
escolha dos locais obedecerá uma regra mui to simples. "Eles vão
trazer todo o lixo para cá porque aqui é o bairro mais pobre de São
Paulo. 11184
5.4- Considerações Finais.
Em declaração publicada no jornal A Folha de São Paulo, o secretário
de Desenvolvimento Urbano do município de São Paulo, Reinaldo de
Barros, aponta que o problema do lixo na cidade de São Paulo estará
resolvido até o ano de 1996, ano em que as três usinas de incineração
estarão em funcioriamento.
o plano apresentado, contudo, está longe de resolver os problemas da
cidade. Ainda que as novas usinas de compostagem e de incineração
sejam construídas de forma a obedecer rígidos controles ambientais,
a problemática dos resíduos sólidos não pode ser reduzida a uma
questão única referente à disposição tecnológica adequada. Além
disso, a solução proposta se contrapõe a varias diretrizes do plano
original, a saber: promover a máxima reciclagem, optar por
alternativas ambientalmente brandas e reverter a tendência de
transferir para a periferia funções incômodas e menos nobres.
184 "MORADORES protestam contra usina de lixon. Folha de São Paulo. 17 de maio 1993
128
Esta alternativa tradicional deixa de lado medidas para reduzir a
produção de residuos, combater a proliferação dos lixões na cidade e
incentivar o aumento do reaproveitamento dos residuos. Além disso, a
alternativa apresentada ignora a necessidade de educação ambiental,
parte essencial da atual politica de residuos só.lidos nos paises
desenvolvidos, assim como relega a um segundo plano a participação da
comunidade para ajudar na solução dos problemas.
Será dificil dar um salto qualitativo no sistema de gestão de
residuos da cidade de São Paulo enquanto a ênfase for reformar uma
estrutura obsoleta que opera no municipio, ao invés de se estabelecer
um cenário inovador de longo prazo com medidas que não apenas
assegurem a coleta, o tratamento adequado e disposição, mas também
que estimulem o reaproveitamento de residuos e diminuição de sua
produção. Deve ficar claro que o estabelecimento desse cenário
inovador não garante por si só que estas metas serão necessariamente
atingidas. o exemplo da cidade de Viena mostra que a busca destas
metas carrega consigo uma série de contradições; contudo, estas metas
estipuladas refletem a vontade de uma sociedade que quer ser mais
responsável pelas implicações do seu modelo atual de produção.
No Brasil e no caso especifico de São Paulo, essa busca depende não
apenas de desenvolvimento tecnológico no setor de residuos sólidos,
mas também de um trabalho intenso de-educação.
o despertar da consciência ambiental faz parte da formação da
cidadania em São Paulo. A politica de residuos sólidos é um
importante instrumento dessa conscientização devido à proximidade dos
residuos aos habitantes. Diminuir a quantidade de residuos gerados
não necessários, diminuir custos com serviços que praticamente já
desapareceram nos paises desenvolvidos, como a varrição, são tão
importantes como garantir o tratamento adequado dos residuos e
assegurar um modelo eficiente de gestão de longo prazo.
de 1994.
129
Incentivar a ampliação do reaproveitamento de resíduos e reciclagem
de forma planejada a garantir o efetivo reaproveitamento dos resíduos
com custos compatíveis com a realidade brasileira também é
prioritário. Isto pode ser feito através do apoio ao desenvolvimento
de associações de catadores que podem ser uma alternativa para a
viabilização de programas de coleta seletiva. A COOPAMARE, por
exemplo, pequena cooperativa de catadores de lixo na
cidade de São Paulo, demonstra as possibilidades desta alternativa.
Integrada por pouco mais de 50 catadores, a cooperativa está
conseguindo recolher mais material reciclável do que cinco dos sete
principais programas de coleta seletiva criados por prefeituras
municipais. 185 O volume aproximado de 200 toneladas por mês recolhido
pelos catadores, com um custo e estrutura mui to menores dos da
prefeitura, já ultrapassou a marca de 170 toneladas/mês coletadas
pela atual administração e se aproxima do volume mais alto coletado
-- aproximadamente 250 toneladas/mês -- alcançado pela prefeitura
municipal de São Paulo durante a gestão de Luiza Erundina. 186 Além
disso, é importante também incentivar a parceria entre o setor
público e entidades empresariais que apóiam projetos na área de
recuperação de resíduos. A ABIVIDRO, por exemplo, em convênio com
prefeituras, estabeleceu 26 programas de reciclagem de vidro em 24
cidades. Segundo dados da ABIVIDRO, as vidrarias brasileiras utilizam
hoje cerca de 33% de caco de vidro como material reciclado. 187 Por
outro lado, a LATASA espera poder reciclar cerca de 50% das latas de
alumíno -- aproximadamente 1 bilhão -- em 94 e pretende alcançar o
índice de 80% em três anos . 188
185 FAGÁ, Francisca Stella. A Cooperativa do lixo. Gazeta Mercantil, 11 de novembro de 1993.
186 COLETA seletiva: prejuízo em São Paulo. Jornal da Tarde, 09 de junho de 1994.
187 0RECICLAGEM de vidro já dá lucro em São Paulo0 • Jornal do Brasil, 11 de abril de 1993.
188 RIBEIRO, Ivo. 0Latasa planeja reciclar metade das latas de alumínio consumidas no país. Gazeta Mercantil, 21 de abril
130
A solução do problema do lixo em São Paulo envolve certamente
variáveis complexas. 189 As soluções dependem de alternativas
criativas e que, tendo em vista a grande quantidade de resíduos
sólidos produzidos no município, possam ser operacionalizadas. Porém,
mais importante do que tudo isso, e esse trbalho procurou mostrar, é
que a problemática dos resíduos não pode mais ser ignorada e as
soluções devem ser buscadas através de um processo realmente
democrático, envolvendo a participação do setores público, privado e
os moradores do município, buscando assim evitar as distorções que
acontecem tanto nos países desenvolvidos como no Brasil. Finalmente,
é importante acrescentar que a política de resíduos envolve
variáveis mui to maiores do que aquelas que se referem apenas ao
tratamento e disposição de resíduos. Incineradores não são, nem nunca
serão, soluções. únicas adequadas para políticas de gestão de resíduos
sólidos de longo prazo, principalmente em uma cidade em que parcela
significativa dos resíduos não é sequer encaminhada para as unidades
de tratamento de resíduos. Os incineradores podem, e devem, fazer
parte do processo de gestão de resíduos sólidos para determinados
materiais, principalmente aqueles considerados perigosos.
o apoio da população ao projeto de coleta seletiva realizado em São
Paulo demonstrou que aqui, assim como nos países desenvolvidos,
existe disposição da população para contribuir em projetos que
objetivem a redução do volume de resíduos a serem dispostos. As
iniciativas de diferentes entidades empresariais, em relação a
diverSOS projetOS relacionadOS à reciclagem dO liXO 1 mostram que
mui tas empresas em São Paulo, exatamente como nos países
desenvolvidos, querem associar sua imagem com políticas de reciclagem
de resíduos sólidos. Informação, desenvolvimento de legislação
apropriada para resíduos sólidos, incentivo de reutilização e
189 É importante acrescentar que a solução da problemática de resíduos sólidos na cidade de São Paulo envolve outras variáveis além do problema do volume produzido. Mesmo não sendo foco desta dissertação, um dos problemas que merece bastante atenção ao se repensar o modelo de gestão de resíduos sólidos na cidade é a necessidade de modificar a relação entre o setor público e o setor privado de limpeza urbana, que tem estimulado até hoje uma situação de cartelização, onde apenas 4 empresas são responsáveis pela maior parte dos serviços de coleta e varrição de ruas.
131
reciclagem dos resíduos sólidos de forma planejada, envolvendo o
setor público, privado e de consumo, além de garantia de tratamento
e disposição adequada dos resíduos, constituem os instrumentos que,
somados, podem efetivamente contribuir para solucionar os problemas
enfrentados, onde uma das características negativas mais marcante é
a proliferação, ainda hoje, de lixões no município de São Paulo e nos
municípios vizinhos.
É necessário para a solução de problemas como os mencionados acima
não apenas tratamento técnico apropriado, mas também tratamento
cultural adequado. Mudanças de hábito e valores são essenciais em uma
sociedade em que ainda predominam desperdício, descaso em relação ao
espaço público, ao cidadão e ao meio ambiente. Educar para
valorização de conceitos como reduzir, reutilizar e reciclar é um
passo essencial para a construção de uma sociedade responsável pelos
resíduos que são diariamente produzidos e dispostos no meio ambiente.
132
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ANEXO
Entrevistas
Robert Willinas. United Nations Industrial Development Organization, UNIDO.
Gerahrd Vogel. Instituto de Tecnologia da Universidade de Viena.
Andrea Binder. Instituto de Ecologia de Viena.
Luize Gubitzer. Instituto de Economia da Universidade de Viena.
Wojciech Rogalsky. Magistratsabteilung 48 (Depatamento de Limpeza Urbana da Cidade de Viena).
Sonia Lima. Empresa de Planejamento do Estado de São Paulo -EMPLASA
Werner Zulauf. Secretaria de Verde e do Meio Ambiente do Município São Paulo
Adriano Diogo. Vereador na Câmara Municipal de São Paulo.