Medicina da produção:

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2008 Prevenção de Mamites em Explorações de Bovinos Leiteiros Da Teoria à Prática Paulo Teixeira Carlos Ribeiro João Simões Um ebook para veterinários, produtores e estudantes

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2008

Prevenção de Mamites em

Explorações de Bovinos Leiteiros

Da Teoria à Prática

Paulo Teixeira

Carlos Ribeiro

João Simões

Um ebook para veterinários, produtores e estudantes

A reprodução parcial ou total do conteúdo deste ebook é permitida desde

que citada a fonte seguida do endereço: http://www.veterinaria.com.pt/.

I

Índice

Prólogo, III

1- Interesse económico da prevenção de mamites, 1

2- A glândula mamária, 2

3- Etiologia e classificação das mamites, 6

3.1- Principais microrganismos envolvidos nas mamites, 6

3.2- Fases de infecção da glândula mamária, 12

3.3- Classificação clínica das mamites, 13

4- Programa de controlo de mamites, 15

4.1- Detecção e Diagnóstico de mamites, 17

4.1.1- Aproximação a uma suspeita de surto mamites, 17

4.1.2- Recolha de amostras, cultura e isolamento de microrganismos

provenientes de leite mamítico, 18

4.2- Maneio da exploração no controlo de mamites, 21

4.3- Terapêutica farmacológica nas mamites contagiosas e ambientais, 23

4.3.1- Mamites contagiosas, 23

4.3.2- Mamites ambientais, 24

4.4- Monitorização da máquina de ordenha, 25

4.5- Prática de ordenha, 26

4.6- Tratamento de mamites subclínicas durante a lactação. Sim ou não?, 27

4.7- O período seco e a sua preparação, 29

4.7.1- Defesas fisiológicas durante o período seco, 29

4.7.2- Tratamento imediatamente antes do período seco: vantagens, 31

II

4.7.3- Secagem: como proceder, 33

5- Os fármacos no combate às mamites, 35

5.1- As Bisnagas intramamárias: a importância de uma correcta

administração, 36

5.2- Sinergismos de recursos na luta contra as mamites, 38

6- Erradicação de mamites: um desafio alcançável ou inatingível? 40

7- Controlo de um surto de mamites numa exploração leiteira: um caso

prático, 42

7.1- Motivo da intervenção, 42

7.2- Estabelecimento do diagnóstico e avaliação do impacto na produção, 42

7.3- O programa de intervenção, 44

7.3.1- Protocolo terapêutico, 45

7.4- Resultados obtidos, 46

8- Bibliografia, 49

III

Prólogo

Numa altura em que a produção leiteira é encarada cada vez mais como

uma actividade empresarial e em que as exigências por parte das

cooperativas leiteiras e do consumidor final são cada vez maiores, a

prevenção das doenças com impacto na produção leiteira da exploração

reverterá em ganhos assinaláveis quer em termos quantitativos quer em

termos qualitativos. A esta realidade, junta-se a limitação de produção

imposta pelas quotas leiteiras e a pressão acrescida sobre o valor do litro de

leite obrigando não só à diminuição dos custos de produção mas também à

gestão da produção leiteira total na exploração.

As mamites ou mastites são definidas, de uma forma generalista, como

uma inflamação da glândula mamária. A sua prevenção em vacas de aptidão

leiteira afigura-se perante o produtor e o veterinário assistente como um

ponto fulcral no maneio reprodutivo e produtivo e num factor contributivo

decisivo para a produção do animal.

As explorações leiteiras possuem características únicas e particulares,

apresentando, cada uma, os seus objectivos e os seus problemas específicos.

No entanto, as linhas orientadoras que as guiam têm um traço comum e

vertical: a rentabilidade empresarial. Os problemas que afectam

directamente os úberes das vacas estão quase sempre relacionados com (1)

uma boa ou má prática de higiene dos animais e alojamentos; (2) uma boa ou

má prática geral de ordenha; (3) a atenção dispendida à avaliação do estado

glândula mamária (úbere) e (4) com um bom ou mau programa de

tratamento e prevenção de mamites tendo em consideração o período seco

(repouso da glândula mamária) dos animais.

Também a alimentação e nutrição afectam o maneio e a saúde do

efectivo em quase todas as áreas, incluindo esta. A nutrição da vaca seca está

IV

directamente relacionada com a saúde da vaca recém parida, que é ponto

marcante para a obtenção dos índices de lactação desejados.

A par do aumento da capacidade produtiva das “vacas modernas”,

aumentou também a sua sensibilidade à contracção de mamites. A obtenção

de um produto salubre com características nutritivas de qualidade, neste

caso o leite, obrigam a uma dispensa de trabalho e tempo não negligenciável,

pelo que um bom e correcto maneio dos animais é um pilar essencial de

qualquer exploração.

Mesmo que as mamites pudessem ser erradicadas, seria sempre

necessário uma luta permanente e constante entre os factores etiológicos de

um lado e o produtor e Veterinário do outro. A vaca constitui o centro do

“campo de trabalho”.

Algumas partes mais importantes deste ebook encontram-se descritas,

pelos mesmos autores, na Revista da Associação Portuguesa dos Criadores da

Raça Frísia (vaca leiteira) dos anos de 2006 e 2007.

Dezembro de 2007

Os Autores,

Paulo Teixeira

[email protected]

Carlos Ribeiro

http://www.centrovetaveiro.com

João Simões

[email protected]

1

Prevenção de mamites em bovinos

1- Interesse económico da prevenção de mamites

As mamites são as afecções das vacas leiteiras que obrigam às maiores

perdas e dispêndio monetários por parte do produtor.

As perdas monetárias directas provocadas pelas mamites são devidas

aos custos com a assistência veterinária e medicamentos necessários ao

tratamento dos animais afectados e naqueles que se têm de refugar. No

entanto, as perdas económicas mais representativas reflectem-se

indirectamente no “tanque do leite” com a desvalorização do leite devido aos

valores elevados da contagem de células somáticas (CCS), principalmente

pela presença de mamites subclínicas no efectivo leiteiro e devido à

diminuição dos kilogramas de leite produzidos pelos animais afectados.

A CCS é, entre outros parâmetros de avaliação leiteira, aquele que mais

directamente está relacionado com a incidência de mamites numa

exploração, visto que as células somáticas reflectem a resposta imunitária do

animal à infecção.

As perdas são directamente proporcionais à percentagem de quartos

infectados com mamites (tabela 1) tendo em consideração o efectivo animal

em produção.

Tabela 1: Relação entre a CCS, quartos infectados com mamites e perda na

produção leiteira (Eberhart et al., 1982).

CCS/ ml no tanque Quartos infectados (%) Perda na produção (%)

200.000 6 0

500.000 16 6

1.000.000 32 18

1.500.000 48 29

2

Medicina da produção

2- A glândula mamária

O úbere consiste em 4 glândulas mamárias (denominadas de quartos

leiteiros) separadas entre si, cada uma com um teto distinto. Não há

passagem de leite de um quarto para o outro. As glândulas mamárias

posteriores produzem cerca de 60% do leite.

Os quartos encontram-se suspensos por um conjunto de 3 ligamentos

diferentes, os ligamentos suspensores do úbere: os ligamentos superficiais

laterais, ligamentos profundos laterais e ligamentos médios. O úbere pode

pesar mais de 30 Kg e suportar até o dobro do seu peso.

O teto é um plexo venoso eréctil e o seu orifício está fechado por um

esfíncter constituído por tecido muscular. O teto e particularmente o canal

do teto têm funções muito relevantes na prevenção de infecções no úbere

(Figura 1).

O úbere é irrigado pela artéria mamária que penetra em cada metade

ramificando-se por todo o tecido das glândulas mamárias de cada lado.

No decurso natural da lactação, a qual está estandardizada em 305 dias,

as células sintetizadoras (ácinos) do leite vão degenerando, seguindo-se uma

fase de regeneração celular que decorre ao longo do período seco,

preparando-se assim o úbere para a próxima lactação. Durante o período

seco do animal há uma perda de tecido alveolar que denominamos por

involução da glândula mamária.

As agressões a que o teto e principalmente o seu esfíncter estão

constantemente submetidos são factores predisponentes para o surgimento

de mamites. Se considerarmos a exposição à sujidade e bactérias a que estão

sujeitos os úberes, particularmente na porção apical dos tetos, é

surpreendente que as mamites nas vacas leiteiras não sejam mais comuns.

A glândula mamária apresenta um conjunto de defesas locais que

formam uma primeira barreira na luta contra as mamites. A pele que recobre

todo o úbere, composta por epitélio escamoso estratificado queratinizado, é

a primeira barreira à invasão por bactérias.

3

Prevenção de mamites em bovinos

Figura 1: Principais estruturas da glandula mamária de bovino. O leite é

produzido através de células secretoras agrupadas em alvéolos e por sua vez em

lóbulos mamários, os quais drenan o leite (a ocitocina promove a contracção

muscular) através de ductos para a cisterna do úbere e, em seguida, para a cisterna

do teto. A pressão exercida no teto origina a ejecção do leite aí contido assim como o

relaxamento do esfincter do canal do teto (http://www.delaval.com).

4

Medicina da produção

A presença de ácidos gordos com características bacteriostáticas ao nível

desta camada previne o crescimento bacteriano desmedido.

O canal do teto, também ele composto por uma camada de epiderme

queratinizada, compõe uma segunda linha de defesa (Figura 2).

O esfíncter muscular que encerra este canal, e que controla a ejecção de

leite, funciona também como um obstáculo à entrada de microrganismos

para o interior da glândula mamária.

Quando os microorganismos conseguem vencer estas barreiras e

atingem a cisterna do úbere, os mecanismos internos de defesa locais entram

em acção no combate à mamite. Entre as defesas locais devemos destacar:

A lactoferrina: a sua presença ou ausência na cisterna do úbere e no

leite está directamente relacionada, respectivamente, com a menor

ou maior predisposição à evolução de mamites.

A lactoperoxidase: na presença de tiocianato (a sua concentração

varia com a alimentação do animal) e do peróxido de hidrogénio

(produzido por alguns agentes), esta enzima pode inibir o

crescimento de determinadas bactérias.

O complemento: esta série de proteínas, pode ser activada ao nível

do úbere, desenvolvendo uma cascata de reacções na tentativa de

neutralizar a inflamação.

As imunoglobulinas: o papel dos anticorpos na primeira barreira da

luta contra as mamites cinge-se, principalmente, à

marcação/opsonização dos microrganismos invasores.

As células somáticas: a presença destas células do sistema imunitário

no leite é natural. Valores até 250.000/ml de leite destas células são

consideradas normais e, muito provavelmente, necessárias para uma

primeira linha de ataque às mamites.

O leite, quando natural, é constituído por uma suspensão de glóbulos de

gordura numa fase aquosa, que contém também lactose, sais inorgânicos e

proteínas, maioritariamente caseína.

5

Prevenção de mamites em bovinos

Figura 2: Principais defesas locais do teto (Hibbitt et al., 1992). Lado esquerdo:

Factores protectores envolvidos nas agressões mecânicas durante a sucção

(amamentação)ou ordenha. Lado direito: Defesas contra a infecção ascendente

provocada pela entrada de bactérias no canal do teto a partir da superfície da pele

/ambiente. O leite contém normalmente células epiteliais de descamação

provenientes dos alveólos e ductos, descamações com origem no canal do tetom,

pequenos linfócitos (SL- small lymphocytes), macrófagos (MØ- macrophages) e

neutrólilos (PMN- neutrophils). As bactérias (1) são fagocitadas por macrófagos do

leite (2), os quais libertam enzimas que danificam a camada luminal do epitélio e um

factor quimiotático neutrofílico (NCF- neutrophil chemotactic factor) que induz (3),

durante as primeiras 4 horas, a migração de uma elevada quantidade de neutrófilos a

partir de capilares subepiteliais e vénulas. Após chegarem, os neutrófilos (4) juntam-

se aos macrófagos na tarefa da fagocitose e lise das bactérias. WBC (white blood

cells)- leucócitos; b.vs (blood vessels)- vasos sanguíneos. Corte longitudinal do teto.

6

Medicina da produção

3 - Etiologia e classificação das mamites

3.1- Principais microrganismos envolvidos nas mamites

Embora as mamites possam ter origem em causas físicas, químicas,

fisiológicas ou microbiológicas, a sua origem é considerada multifactorial

(Figura 3).

As lesões provocadas pela máquina de ordenha, a hiperqueratose do

epitélio secundária a injúrias primárias e a excessiva dilatação do canal do

teto devido a administrações medicamentosas intramamárias são exemplos

de traumatismos físicos. Estas lesões podem predispor a infecções

secundárias por microrganismos. De salientar o caso de lesões black spot

provavelmente resultantes de traumas com infecção secundária por

Fusobacterium necrophorum.

Embora existam fungos, algas e vírus que possam provocar mamites, os

microrganismos predominantes são de origem bacteriana existindo mais de

200 diferentes microrganismos deste tipo. No entanto, as bactérias mais

frequentemente causadoras de mamites em Portugal e no mundo são em

número restrito (tabela 2).

Figura 3: Principais factores,

envolvidos no desenvolvimento

de mamites em explorações de

bovinos leiteiros (Teixeira et al.,

2006).

7

Prevenção de mamites em bovinos

Tabela 2: Prevalência de diferentes microrganismos causadores de mamites

em 3 estudos de mamites (http://www.solomamitis.com).

Microrganismo isolado Marco (1990) Suiza (1994) Ortega (2000)

Staphylococcus aureus 5,88% 41,50% 16,40%

St. coagulase negativo 12,94% 18,40% 11,90%

Streptococcus agalactiae 9,41% 2,80% 3,50%

Streptococcus uberis 8,24% - 5,70%

Streptococcus dysgalactiae 7,00% - 4,80%

Outros estreptococos 12,94% - 15,90%

Total de Str. não agalactiae 28,18% 28,40% 26,40%

Coliformes 20,00% 8,90% 6,84%

O Str. agalactiae é o agente etiológico que maiores perdas provoca na

produção de leite das vacas afectadas. No entanto, o S. aureus é aquele que

causa infecções mais resistentes e de mais difícil tratamento.

As mamites de origem bacteriana podem ser classificadas em dois tipos

tendo em consideração o agente etiológico presente: mamites contagiosas e

mamites de origem ambiental (tabela 3). De referir, no entanto, que esta

divisão envolve a epidemiologia dos agentes considerando principalmente as

superfícies/locais onde os agentes etiológicos podem ser isolados e a forma

como estes se transmitem de vaca para vaca ou o modo como infectam o

animal. Facilmente se compreende que a profilaxia das mamites está

relacionada com estes aspectos.

Dos microrganismos referidos na tabela 3, existem 7 que surgem, por

norma, quando se aborda o problema das mamites na prática da medicina de

produção de vacas leiteiras: o Staphylococcus aureus, Streptococcus

agalactiae, Streptococcus dysgalactiae, Corynobacterium bovis e Mycoplasma

bovis (agentes contagiosos), a E. coli e o Streptococcus uberis (agentes

ambientais). São habitualmente estes agentes os que maiores entraves

colocam aos produtores e aos veterinários no combate às mamites.

8

Medicina da produção

Tabela 3: Divisão dos principais agentes bacterianos causadores de mamites

entre microrganismos contagiosos e ambientais

Microrganismos contagiosos Microrganismos ambientais

Staphylococcus aureus

Streptococcus agalactiae

Streptococcus dysgalactiae

Corynobacterium bovis

Mycoplasma spp.

Escherichia coli

Streptococcus uberis

Pseudomonas aeruginosa

Citrobacter spp.

Enterobacter spp.

Klebsiella spp.

Bacillus cereus

Bacillus licheniformis

Pasteurella spp.

Streptococcus faecalis

Fungi spp.

Streptococcus spp. (excepto Str.

agalactiae)

Existem características específicas de cada um destes agentes com

importância fundamental na abordagem terapêutica e profiláctica das

mamites e que convém abordar. Na tabela 4 encontra-se referido as

principais formas de contágio e reservatórios destes agentes.

Tabela 4: Reservatórios e formas de contágio dos agentes etiológicos de

mamite.

Agente etiológico Reservatório Forma de contágio

St. aureus Úbere infectado Ordenha

Str. agalactiae Úbere infectado Ordenha

Str. dysgalactiae Úbere infectado e camas Ordenha, superfícies de

repouso e amamentação

Corynebacterium bovis Úbere infectado Ordenha (má desinfecção)

Mycoplasma bovis Úbere infectado Ordenha

E. coli Camas e meio ambiente Ordenha e Repouso

Str. uberis Camas Ordenha e Repouso

9

Prevenção de mamites em bovinos

Staphylococcus aureus

É uma bactéria Gram+, hemolítica, coagulase positiva, anaeróbia

facultativa e catalase positiva.

Coloniza a pele bem como o canal do teto, aderindo-se à parede. É

transmitida de quarto para quarto e de vaca para vaca através das tetinas,

dos panos de ordenha e mãos do ordenhador.

Produz uma exotoxina que provoca a necrose dos tecidos onde se

encontra. A toxina produzida provoca zonas de necrose e fibrose de tecido

cicatricial na glândula mamária. A existência deste tecido cicatricial permite

que a bactéria se “esconda”, o que faz com que o medicamento/antibiótico

usado no seu tratamento não se distribua por todo o quarto afectado e

consequentemente reduza a eficiência do tratamento. A possibilidade do

microrganismo também poder penetrar nos macrófagos e outras células

polimorfonucleadas (PMN) e aí permanecer faz com que, consequentemente,

este agente se encontre “protegido” da acção dos antibióticos que por norma

simplesmente permanecem em circulação e não entram nestas células. Por

outro lado, este microrganismo é produtor de penicilinases, o que faz com

que seja resistente a antibióticos beta-lactâmicos, inibindo a sua acção.

Em situações agudas, o animal pode apresentar, para além dos quartos

quentes e inchados, sinais de toxemia. Em situações crónicas, o tecido pode

encontrar-se gangrenoso e frio devido à supressão de circulação sanguínea

provocada pela necrose dos tecidos. Uma vaca com mamite bastante

exuberante e persistente por este agente deverá ser refugada.

Existe uma taxa relativamente alta de vacas que após estarem infectadas

com St. aureus não recuperam das mamites tornando-se estas crónicas e

incuráveis.

De referir, ainda, que o St. aureus é o microrganismo mais comummente

isolado em vacas no período de secagem.

Streptococcus agalactiae

É uma bactéria Gram+, não hemolítica e catalase negativa.

10

Medicina da produção

Este microrganismo, como o próprio nome indica, provoca a diminuição

da produção de leite. O seu único reservatório é o leite dos quartos

afectados. No entanto, podemos encontrá-lo em superfícies que tiveram

contacto recente com o leite, tais como tetinas, panos de ordenha e mãos do

ordenhador.

A taxa de disseminação deste microrganismo é extremamente elevada.

Estas bactérias apresentam-se em grande número no leite infectado e, uma

só vaca infectada pode elevar a CCS no tanque em mais de 100.000

bactérias por ml. A dificuldade no combate a este agente não está

particularmente na sua resistência e capacidade de se “esconder” aos

antibióticos (é sensível a uma grande variedade de antibióticos), mas sim na

dificuldade no controlo da sua rápida disseminação.

As infecções que sejam incorrectamente tratadas poderão desenvolver

cronicidade o que acrescentará uma dificuldade no seu combate.

Streptococcus dysgalactiae

É uma bactéria Gram+, hemolítica e catalase negativa. Em muitos

aspectos é semelhante ao St. aureus e ao Str. agalactiae. No entanto, tem

algumas particularidades como a característica de sobreviver perfeitamente

tanto na glândula mamária como no ambiente do estábulo classificando-se,

muitas vezes, como agente simultaneamente ambiental e contagioso.

É um microrganismo que por vezes está presente nas amígdalas, o que

faz que os animais ao lamberem os tetos os infectem. Por esta razão, talvez

se explique o facto de ser uma causa comum de mamites em novilhas e vacas

secas.

Corynebacterium bovis

Este agente provoca mamites de menor vigor, ocasionando um ligeiro

aumento na CCS. Surge normalmente associado a vacas que não foram alvo

de uma correcta terapia e prevenção durante o período de secagem.

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Prevenção de mamites em bovinos

Mycobacterium bovis

Os micoplasmas não possuem parede celular e têm um tamanho

intermédio entre os vírus e as bactérias.

São microrganismos de crescimento fastidioso, o que faz com que o

método de cultura microbiológica habitual para os outros agentes não seja

suficiente para isolar este agente.

Uma vaca que apresente sinais recorrentes de mamite subclínica e que

os seus resultados de cultura a partir de amostras de leite sejam

repetidamente negativos, deverá ser suspeita e sujeita a exame

microbiológico para isolamento de micoplasma.

São agentes com um grande grau de disseminação e de difícil (ou

mesmo impossível) tratamento.

Escherichia coli

É uma bactéria Gram- que pode ser, ou não, hemolítica dependendo da

estirpe.

É um agente muito disseminado no ambiente, particularmente nas

fezes, sobretudo em explorações onde os cuidados de higiene e limpeza são

insuficientes. As condições húmidas são óptimas para o seu desenvolvimento

e infecção durante o período de secagem.

A E. coli penetra no canal do teto mas não se fixa às suas paredes e daí

talvez se explique a raridade da cronicidade deste tipo de mamites devido à

sua fácil eliminação no leite.

Na maioria das vezes, a reacção inflamatória é local e restringe-se ao

quarto ou quartos afectados com aumento local de temperatura, rubor e

uma produção de leite com um aspecto aquoso (leite de aguadilha). No

entanto, esporadicamente, a reacção inflamatória pode dar origem a um

quadro generalizado provocando uma toxemia através da libertação para a

circulação sanguínea de uma endotoxina por lise bactéria que poderá, em

casos hiperagudos e sem tratamento, provocar a morte do animal em poucas

horas.

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Medicina da produção

Streptococcus uberis

Esta bactéria Gram+ é um agente ambiental muito associado às camas

dos animais e à sua má higiene e desinfecção. Pode ser isolado em vários

locais do animal, no entanto, em situações normais, poucas vezes atinge a

glândula mamária.

As mamites provocadas por este agente não são tão exuberantes como

as provocadas pela E. coli.

Recentemente foi sugerido que este microrganismo, não constitui uma

única entidade, mas sim um conjunto de microrganismos que deverá ser

sujeito a nova classificação. Esta diferenciação teve em conta os vários graus

de resistência que estes organismos apresentam à fagocitose por parte das

células do sistema imunitário.

3.2. Fases de infecção da glândula mamária

Uma mamite pode genericamente ser dividida em três fases: fase

invasão do agente, fase de infecção e fase de inflamação.

A entrada do microrganismo no canal do teto, que pode ocorrer entre

ordenhas ou durante a mesma ordenha, corresponde à fase de invasão.

Em plena fase de infecção, o agente reproduz-se no canal do teto, na

cisterna do teto ou na cisterna do úbere. O crescimento da bactéria pode

continuar, mais ou menos rapidamente, até atingir os alvéolos galactófaros.

Quando atingida a fase anterior, o organismo inicia uma resposta mais

vigorosa à infecção que se está a desenvolver no úbere. O sistema imunitário

comanda esta resposta com a passagem de leucócitos da corrente sanguínea

para os alvéolos na tentativa de combater e neutralizar as bactérias

invasoras. Estes leucócitos aliados ao tecido danificado, proteínas e bactérias

começam a formar “farrapos”/grumos por aglomeração entre si.

O animal apresenta, nesta altura, sinais de mamite clínica. Os grumos

podem bloquear os ductos de leite, provocando uma diminuição ou mesmo

cessação total da produção leiteira. O úbere encontra-se inflamado, quente,

13

Prevenção de mamites em bovinos

duro e doloroso. Toda esta cascata de acontecimentos fisiopatológicos

corresponde à fase de inflamação de uma mamite clínica.

As principais alterações no leite provocadas pelas mamites reflectem-se

na sua cor, que pode variar entre alterações mínimas, imperceptíveis a olho

nu, até leite de coloração sanguinolenta ou amarelada, na presença de

grumos (“farrapos”), no aumento de número de leucócitos e no aumento do

número de células somáticas que daí provêm.

Existem, ainda, situações em que a bactéria em causa pode ser

produtora de toxinas (ex., E. coli) que entrem em circulação sanguínea e

atinjam todo o organismo do animal. Nesta fase, além dos sinais

característicos de mamite clínica local, o animal apresenta sinais de toxemia

e debilidade geral, podendo em extremo caso, terminar com a sua morte.

3.3 - Classificação clínica das mamites

Além da classificação quanto à sua origem e epidemiologia, as mamites

podem ainda ser divididas, consoante a evidência ou não de sinais clínicos,

em:

1. Mamites clínicas: observa-se a presença de sinais clínicos como

grumos no leite, úbere inflamado, doloroso e quente.

2. Mamites subclínicas: a infecção do úbere não evidencia sinais

externos sendo identificadas somente através do recurso a provas

laboratoriais / de campo como a CCS ou realização do teste

californiano de mamites (TCM), entre outros.

Ou, ainda, tendo em consideração a sua duração e prevalência no animal:

3. Mamites agudas: os sinais clínicos surgem repentinamente. Uma

mamite aguda provoca no animal recusa do alimento, dor,

dificuldade em levantar-se e desidratação. Podem surgir abcessos no

úbere e em último caso, morte. O leite apresenta-se aquoso e de cor

alterada.

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Medicina da produção

4. Mamites crónicas: persistem por um longo período de tempo mas

normalmente sem grande intensidade. Numa mamite crónica, o

único sintoma visível no leite é que este se apresenta viscoso e de cor

alterada. O úbere pode apresentar “durões” à palpação, resultantes

de tecido necrótico e cicatricial aglomerado, característicos de

infecções crónicas por St. aureus.

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Prevenção de mamites em bovinos

4- Programa de controlo de mamites

Um programa de controlo e prevenção de mamites consiste num

processo multi-etápico, metódico, criterioso e dinâmico. Deve, também, ter

uma continuidade temporal não se esgotando num período de tempo

predefinido. A permanente aplicabilidade do programa é não só necessário

como um garante para que todo o trabalho desenvolvido a montante não

seja infrutífero.

O conhecimento técnico-científico actual aliado ao trabalho de

entidades habilitadas e competentes (i.e., laboratórios de referências)

permite que o veterinário, elo de ligação à realidade de cada exploração,

aumente a taxa de sucesso em cada programa.

Uma correcta abordagem ao problema, bons métodos de diagnóstico,

uma avaliação global mas ao mesmo tempo particular da exploração leiteira

e de todas as actividades e logística inerentes a esta, deverão ser pontos

comuns em qualquer programa de controlo e prevenção de mamites.

O estabelecimento de um programa de controlo correcto e metódico de

mamites é preponderante para ganhar a luta contra estas “doenças” das

vacas leiteiras. O combate às mamites poderá e deverá incidir sobre

determinados pontos do quotidiano da exploração leiteira (tabela 7).

Tabela 5: Principais pontos de controlo na prevenção de mamites (Philpot e

Nickerson, 2000).

Pontos chave no controlo e na prevenção de mamites

Higiene

Máquina de ordenha

Selagem dos tetos

Tratamento das vacas secas

Tratamento de mamites clínicas

Refugo dos animais irrecuperáveis

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Medicina da produção

Um programa de controlo e prevenção de mamites de uma exploração,

deve iniciar-se sempre pelos mesmos denominadores comuns, os quais o

veterinário deverá procurar aceder e efectuar os respectivos registos:

a) Conhecimento real e objectivo do estado sanitário da exploração;

b) Percentagem de animais infectados e agentes etiológicos presentes;

c) Rotina de ordenha e maneio animal;

d) Hábitos (maneio) gerais da exploração Leiteira.

Nas várias visitas à exploração devemos procurar ir observando e

registando os procedimentos de alimentação, maneio e higiene dos animais.

Para tomar conhecimento da percentagem de animais infectados, bem

como microrganismos responsáveis pela infecção mamária é necessário

recorrer à recolha de amostras individuais de leite e a um laboratório

credenciado para cultura e isolamento dos mesmos.

De realçar que o programa de controlo de mamites desenvolvido pelo

NIRD (National Institute for Research in Dairying) é uma óptima ferramenta

usada no combate às mamites em todo o mundo. De uma forma geral, o

programa baseia-se nos seguintes objectivos:

1- Redução da duração da infecção

a) Tratamento de todos os quartos de todas as vacas com mamites

subclínicas imediatamente antes do período seco;

b) Tratamento dos casos clínicos quando ocorrem;

c) Refugo vacas com infecções crónicas.

2- Redução da taxa de disseminação dos microrganismos

a) Mergulho (ou aspersão) dos tetos em solução desinfectante

antes e após a ordenha (dipping);

b) Verificação do correcto funcionamento da máquina de ordenha;

c) Ordenha das vacas infectadas após as restantes.

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Prevenção de mamites em bovinos

4.1- Detecção e Diagnóstico de mamites

4.1.1- Aproximação a uma suspeita de surto mamites

Se após a visita à exploração, a correcta anamnese e observação e

registo de todas as ocorrências que possam estar relacionadas com a

suspeita/problema nos orientarem para um surto (incidência anormalmente

elevada) de mamites, principalmente subclínicas, deveremos direccionar a

nossa pesquisa para a confirmação do diagnóstico.

Um método de abordagem à exploração criterioso, rigoroso e metódico

de confirmação da suspeita inicial aumenta a fiabilidade do diagnóstico final.

É uma prática recomendável recorrer a fichas preconcebidas de

avaliação/caracterização que incluam dados sobre a exploração, ordenha,

animais, alimentação, estabulação, fármacos utilizados, máquina de ordenha,

casos clínicos e casuística e formação dos trabalhadores. O clínico pode

também recorrer a dados já existentes na exploração como é o caso das

folhas de contraste leiteiro (caso ele exista) e registos próprios.

Existem alguns testes que podem ser realizados na exploração (testes de

campo) e outros realizados em laboratório de forma a poder aumentar a

certeza que estamos perante um problema de mamites e que

complementam a habitual e tradicional inspecção e palpação dos úberes:

TCM: O Teste Californiano de Mamites é o mais conhecido e mais

difundido método de detecção de mamites subclínicas em todo

mundo. Este teste consiste numa reacção química em que se junta ao

leite um reagente (Teepol + Bromocresol púrpura). O contacto do

reagente específico com as células somáticas dá origem à formação

de uma gelatina provocada pela aglutinação das proteínas. É uma

prova bastante útil e rápida, que tem como principal desvantagem a

subjectividade na interpretação da viscosidade da amostra analisada.

Medição da Condutividade eléctrica: uma prova de utilização

recente nas salas de ordenha. A prova baseia-se no princípio

em que o aumento da condutividade eléctrica do leite é

18

Medicina da produção

directamente proporcional ao aumento da inflamação do úbere

e da CCS. O aumento do iões sódio e cloro e a diminuição do cálcio e

outros constituintes do leite são características do leite mamítico. Os

dados obtidos a partir deste teste deverão ser analisados

rotinamente e deveremos ter em consideração que este não substitui

nenhuma das outras provas, pelo que é um complemento a estas.

N-acetil-b-D-glucosaminidase (NAgase): a NAgase é uma enzima

lisossomal cuja concentração no leite está aumentada na presença de

uma mamite. Esta enzima advém do aumento da CCS no leite e é

produzida tanto pelos leucócitos como pelas células do tecido

epitelial. Apesar de ser uma prova bastante fiável está, ainda, pouco

difundida a nível das explorações leiteiras.

Detecção de anticorpos no leite: este método consiste numa prova

de ELISA (Enzyme Linked Immuno Sorbent Assay) que detecta

anticorpos no leite. Particularmente desenvolvida para identificar

mamites por St. aureus, esta prova tem a desvantagem de poder dar

origem a presença de falsos positivos pois a presença de anticorpos

no leite permanece para além do término da mamite.

TMT: O Teor Microbiano Total é também uma medida de avaliação

da qualidade do leite e da incidência de mamites na exploração.

Conjugando os dados provenientes deste teste com outros, podemos

aferir sobre a higiene da ordenha e estado higio-sanitário dos

animais.

4.1.2- Recolha de amostras, cultura e isolamento de microrganismos

provenientes de leite mamítico

O processo da recolha, cultura e isolamento de agentes etiológicos de

amostras de leite mamítico tem o seu início na sala de ordenha, com o

acompanhamento de uma ou mais ordenhas.

19

Prevenção de mamites em bovinos

À entrada dos animais para a(s) sala(s) de ordenha(s) é efectuada a

identificação de todos os animais numa folha de registo. A folha de registos

deverá conter, além do registo do animal, outro local destinado à inserção

dos resultados do TCM para cada quarto do úbere. A realização e registo do

TCM a todas as vacas das quais se recolhem amostras são fundamentais. Isto

permite não só ter, desde logo, um conhecimento abrangente do estado do

efectivo como, posteriormente e após o conhecimento dos resultados

laboratoriais, comparar e confrontar os testes e resultados de laboratório

com os testes e registos efectuados durante a ordenha, como é o caso do

TCM.

Estes animais são em seguida preparados como habitualmente para a

ordenha.

Só após este procedimento, o técnico especializado prepara o úbere

para a recolha das amostras de leite da forma asséptica, com a seguinte

metodologia:

1º. Limpeza dos tetos com um pano/papel, como habitualmente se faz

para a ordenha.

2º. Eliminação dos primeiros 3-4 jactos de leite de cada quarto.

3º. Recolha dos primeiros jactos de leite para um recipiente de fundo

escuro e, observação e registo das alterações macroscópicas do leite.

4º. Realização do TCM ao leite de todos os quartos. Observação e registo

dos resultados. Para tal deve usar-se uma grelha de classificação

similar à aconselhada pelo laboratório oficial ligado à exploração,

como o exemplificado:

0- Quarto sem mamite;

1- Quarto com mamite subclínica ligeira;

2 -Vacas com mamite subclínica avançada;

M – vacas com mamite clínica.

5º. Desinfecção de todos os quartos com algodão embebido em álcool

etílico a 70%, dando especial ênfase aos esfíncteres dos tetos. Deverá

ser utilizado, para cada teto, algodão não usado. Deve desinfectar-se,

primeiro, os tetos mais afastados do operador e, por último os mais

20

Medicina da produção

próximos de forma a evitar voltar a conspurcar os tetos previamente

já desinfectados.

6º. Recolha da amostra de leite para um frasco apropriado e

previamente esterilizado (fornecido pelo laboratório de apoio). Deve

procurar-se recolher a amostra de forma equitativa a partir dos

quatro tetos. A ordem de recolha do leite deverá ser no sentido

inverso ao da desinfecção pela mesma razão acima descrita. O frasco

deverá estar inclinado num ângulo de 45% em relação ao teto e deve

realizar-se a recolha com o maior cuidado e com assepsia, de forma a

não contaminar a amostra recolhida. Por norma, efectua-se uma só

recolha por vaca, no entanto, se um ou mais quartos de uma vaca

apresentarem mamite clínica, realiza-se uma recolha separada para

cada quarto mamítico.

7º. Identificar cada frasco em concordância com a vaca a que

corresponde.

Na realização de todos estes procedimentos o operador deverá usar

sempre luvas de látex descartáveis, sendo aconselhável a troca de luvas de 25

em 25 vacas.

As amostras deverão ser enviadas ao laboratório o mais rapidamente

possível, com as indicações da exploração, requerente e testes/culturas a

serem efectuados (identificação dos agentes, CCS e antibiograma). No

entanto, e caso não seja possível enviar as amostras no mesmo dia para o

laboratório, estas poderão/deverão ser congeladas para posterior envio. Esta

possibilidade é particularmente útil, no sentido que permite ao produtor,

após ter recebido formação adequada, realizar a recolha das amostras

daqueles animais que no momento da recolha geral não se encontravam em

lactação por estarem secos e, que de acordo com o parto, se vão juntando ao

efectivo em lactação, sendo necessário também o conhecimento do seu

estado de infecção em relação às mamites.

Uma pequena percentagem de amostras contaminadas poderá surgir

nos resultados finais. Tanto a sala de ordenha como o úbere da vaca são

factores que contribuem para esta contaminação uma vez que são locais

21

Prevenção de mamites em bovinos

húmidos sujeitos a conspurcação. No entanto, estes factores tendem a ser

minimizados pela experiência e cuidados do operador.

Após o conhecimento dos resultados, estes são discutidos

conjuntamente entre o veterinário, o produtor e o proprietário da exploração

de forma a se optar pela solução mais correcta na solução ao (s) problema (s)

que afecta (m) a exploração.

4.2- Maneio da exploração no controlo de mamites

O maneio da exploração e dos animais, particularmente a sua higiene e

o seu bem-estar, são factores capitais a ter em conta na prevenção e controlo

das mamites.

As camas dos animais deverão ser de um material pouco abrasivo para

os úberes. Existem inúmeras opções no mercado para as camas dos animais

desde cimento ou terra batida usadas nas explorações mais tradicionais até

colchões recorrendo às mais modernas tecnologias, entre outras opções (i.e.,

serrim, pó de pedra, areia ou palha; Figura 4).

Figura 4: Utilização de pó de pedra nos cubículos onde os animais se deitam

(Teixeira et al., 2006).

22

Medicina da produção

Não descurando a natureza do material das camas e a forma como as

mesmas são revestidas, a limpeza destas é fulcral. Uma limpeza diária ou bi-

diária é um procedimento recomendável. A utilização de produtos

desinfectantes (i.e., superfosfato de cálcio e bicarbonato de cálcio) nas

camas, particularmente na sua parte posterior em contacto com o úbere,

permite também diminuir a incidência de mamites ambientais

Ao nível da influência do maneio alimentar na prevenção e controlo de

mamites existe um procedimento de extrema importância: o fornecimento

do alimento aos animais logo após a sua saída da ordenha incentiva-os a

deslocarem-se para a manjedoura e ali permanecerem de pé enquanto se

alimentam (Figura 5). Este intervalo de tempo permite que o esfíncter do

teto dilatado devido à ordenha encerre, evitando-se assim uma maior

entrada de microrganismos, a qual ocorreria se as vacas se fossem

imediatamente deitar após a ordenha.

Figura 5: A distribuição de alimento, acessível em permanência, com

especial destaque para o período após a ordenha.

23

Prevenção de mamites em bovinos

Caso estejamos perante numa situação de mamites contagiosas,

deveremos criar um grupo constituído por vacas infectadas. Este grupo será

estabulado separado do resto do efectivo e terá de ser sempre ordenhado no

final das ordenhas de forma a se prevenirem novas infecções, sobretudo das

vacas jovens sãs.

4.3- Terapêutica farmacológica nas mamites contagiosas e ambientais

O protocolo terapêutico seleccionado pelo veterinário assistente no

tratamento de mamites, durante a lactação, varia consoante o tipo de

mamite que presente. Actualmente, está recomendado que para o

tratamento de mamites contagiosas se recorra à antibioterapia (parental e

intramamária) entre outros fármacos.

Já no caso de mamites clínicas ambientais, as últimas indicações da

comunidade científica em geral são para que não se recorra ao uso de

antibióticos (bisnagas de aplicação intramamária).

4.3.1- Mamites contagiosas

No tratamento de mamites contagiosas (ex., St. aureus), o uso de uma

associação de antibioterapia por via intramamária com a via parentérica

permite a obtenção de bons resultados na cura da vaca. No entanto, a taxa

de sucesso no tratamento de mamites provocadas por St. aureus e

Mycoplasma spp. nunca atinge os 100%.

O Str. agalactiae, apesar da sua alta contagiosidade, é um

microrganismo bastante sensível aos antibióticos pelo que a taxa de sucesso

da cura com este protocolo ronda os 100%. Esta particularidade permite que

se possa optar por um protocolo terapêutico radical denominado por “Blitz”.

Este protocolo consiste no tratamento de todo o efectivo, através da infusão

intramamária de antibiótico em todos os quartos de todas as vacas do

efectivo durante 4 a 5 ordenhas consecutivas. O impacto negativo

momentâneo que este procedimento tem no aproveitamento do leite para

comercialização (ausência de leite no tanque de refrigeração durante pelo

24

Medicina da produção

menos uma semana devido ao intervalo de segurança dos fármacos

utilizados) faz com que o produtor seja normalmente muito reticente a esta

opção, mesmo sabendo será a mais indicada do ponto de vista terapêutico,

de produção e qualidade do leite.

Os tratamentos efectuados durante a lactação devem cingir-se a 3 dias.

O prolongamento de tratamentos ou a aplicação de vários tratamentos

sucessivos com diferentes princípios activos, pode ser um factor

desencadeante do aparecimento de complicações, como infecções por

leveduras e outros tipos de fungos, de mais difícil combate.

A administração de um fármaco com acção anti-tóxica e anti-

inflamatória (ex., Flunixina meglumina) pode ser também um bom adjuvante

no tratamento deste tipo de mamites.

As vacas que apresentem recidivas após este tratamento devem ser

particularmente analisadas e são candidatas ao refugo.

4.3.2- Mamites ambientais

No tratamento de mamites ambientais está aconselhada, actualmente, a

não utilização de antibióticos, salvo excepções especiais abaixo descritas.

Quando surge uma mamite aguda ambiental devemos ter como

prioridade a diminuição da inflamação provocada pelos agentes e suas

toxinas responsáveis pela destruição do parênquima glandular. O uso de

analgésicos com acção anti-inflamatória e anti-tóxica (flunixina meglumina ,

entre outros), a ordenha a fundo auxiliada com o recurso fármacos que

aumentem a ejecção de leite (i.e., ocitocina) e a utilização de pomadas

tópicas mamárias de uso dérmico que diminuam a inflamação (i.e.,

substâncias demulcentes) constituem, actualmente, um protocolo e eficaz no

combate contra este tipo de mamites.

Em situações de sinais evidentes de toxemia é, no entanto, necessário

recorrer a antibioterapia. Nestas situações e, independentemente da mamite

ser de origem ambiental ou contagiosa, também pode utilizar-se a

fluidoterapia endovenosa com soluções hipertónicas de modo a restabelecer

25

Prevenção de mamites em bovinos

rapidamente o equilíbrio hídrico do compartimento extracelular do

organismo animal, assim como doses elevadas de fármacos com actividade

anti-endotóxica e de modo a neutralizar rapidamente a acção das toxinas.

Compete ao veterinário avaliar o estado clínico do animal e optar pela

terapia mais apropriada a esse estado.

Todas as vacas em tratamento durante a lactação deverão ser alvo de

uma marcação particular e bem visível enquanto não findar o intervalo de

segurança, para que o leite destas vacas não seja inadvertidamente

aproveitado para o tanque de refrigeração do leite.

4.4- Monitorização da máquina de ordenha

O equipamento de ordenha pode ser um reservatório importante de

microrganismos patogénicos pelo que a sua lavagem e desinfecção

apropriada diminui / elimina a carga microbiana.

A máquina de ordenha deverá ser alvo de controlo e manutenção

periódica pois nela pode estar a génese de todo o problema de mamites na

exploração. O mau funcionamento da máquina / robot de ordenha ou a

degradação das suas peças, principalmente tetinas, podem afectar a saúde

dos tetos a 3 níveis:

a) Lesões nas pontas dos tetos;

b) Alterações na circulação sanguínea, originando edema dos tetos;

c) Destruição da camada de queratina que protege o teto.

Tendo em atenção a marca, modelo e especificações do fabricante, o

veterinário poderá ser parte integrante do controlo e manutenção da

máquina de ordenha. A avaliação do seu estado deve incluir os seguintes

pontos:

1) A limpeza geral de todo o material de ordenha e registo dos

produtos usados na lavagem e desinfecção da máquina;

2) O desgaste e limpeza das tetinas;

26

Medicina da produção

3) Avaliação / medição semestral do nível de vácuo ao longo de todo

o sistema;

4) Avaliação / observação e registo dos ciclos de lavagem.

Recorrendo a um vacuómetro, o veterinário pode efectuar uma medição

célere do vácuo geral da ordenha quer ao nível das tetinas quer ao nível do

tubo de vácuo. Qualquer anomalia detectada deverá ser comunicada ao

produtor para que este contacte o técnico oficial da marca representante da

ordenha de forma ao problema ser corrigido.

Aconselha-se uma revisão geral periódica a todo o material da máquina

de ordenha. Uma substituição periódica de todas as tetinas (o limite

recomendado é de cada 10.000 ordenhas por tetina) e uma boa limpeza e

desinfecção de todo o material permitem uma maior eficácia no combate às

mamites.

O mau funcionamento da máquina de ordenha pode levar, além dos

casos acima referidos, ao surgimento de forças de impacto ao nível dos

quartos. Estas forças provocam um refluxo de leite ao nível dos colectores,

permitindo que o leite ejectado de um quarto possa ser propulsionado contra

outro quarto. Esta situação é particularmente favorável à transmissão de

mamites entre quartos durante a ordenha. A máquina de ordenha deve, não

somente, ser adequada ao número de animais a ordenhar, mas também ao

número de ordenhadores de forma a evitar situações de sobreordenha e o

surgimento das consequentes lesões nos tetos.

Um bom trabalho em consonância entre médico veterinário, produtor e

empresa responsável pela manutenção da máquina de ordenha é ponto de

controlo fundamental no controlo das mamites.

4.5- Prática de ordenha

A prática de ordenha e a forma como ela se desenrola é um dos mais

importantes, senão mesmo o mais importante ponto no que toca ao controlo

de um surto de mamites contagiosas e ambientais. Não pretendendo

27

Prevenção de mamites em bovinos

fornecer um compêndio de como ordenhar idealmente uma vaca, são

fundamentais no combate às mamites as seguintes indicações:

1. O(s) ordenhador(es) deve(m) usar luvas descartáveis e desinfectar as

mãos numa solução de hipoclorito a 5% (lixívia).

2. Eliminar os primeiros jactos de leite de cada quarto para um pequeno

recipiente de fundo escuro e identificar eventuais alterações

macroscópicas no leite.

3. Realizar o “pré-dipping”. Usar um copo com desinfectante de tetos

antes da ordenha. Após a limpeza dos tetos (caso seja necessária)

mergulham-se os tetos no copo de dipping e deixa-se actuar durante

um minuto.

4. Secar os tetos com papel descartável dando especial atenção ao seu

esfíncter. No caso de serem usados panos reutilizáveis, deve ser

utilizado somente um por vaca e serem objecto de lavagem e

desinfecção a quente no final de cada ordenha.

5. Aplicar as tetinas. Evitar a sobreordenha (permanência das tetinas

nos quartos após o esgotamento do leite).

6. As tetinas devem ser lavadas / desinfectadas dentro de um recipiente

com desinfectante apropriado entre a ordenha de cada vaca.

7. Realizar o “pós-dipping”: desinfectar os tetos imediatamente após o

retirar das tetinas.

8. Realizar periodicamente (quinzenalmente / mensalmente) o TCM e

registar os resultados.

As vacas primíparas (vacas de 1º parto) devem ser ordenhadas antes de

todas as outras. As vacas infectadas devem ser sempre ordenhadas após as

restantes.

4.6- Tratamento de mamites subclínicas durante a lactação. Sim ou não?

As mamites clínicas são doenças que podem surgir na exploração com

maior ou menor incidência. Uma exploração poderá ter uma elevada

28

Medicina da produção

incidência de animais com mamites (clínicas e subclínicas), mas com baixa

percentagem de mamites clínicas. Por outro lado, podem existir explorações

com uma baixa incidência de mamites totais, embora com elevada expressão

da forma clínica.

Uma mamite clínica pode apresentar sinais circunscritos aos quartos ou

numa fase mais grave, e dependendo do agente envolvido, originar um

quadro clínico generalizado com toxemia do animal.

Os principais sinais observados pelo produtor são: grumos no leite,

úbere inflamado, quente e doloroso, leite de cor e consistência alterada e

vaca prostrada.

Nas explorações actuais e com a profissionalização e formação dos

produtores, o tratamento das vacas com mamite clínica é realizada pelos

próprios, embora sob a supervisão do veterinário assistente, com excepção

no caso em que a vaca se encontra com sinais de toxemia.

O tratamento de vacas com mamite clínica, ou com mamite subclínica se

se entender ser necessária a terapêutica no momento, deverá seguir

determinadas regras protocolares para assegurar o maior sucesso possível no

seu combate.

Enquanto o tratamento de mamites clínicas não é opcional, já no caso

das mamites subclínicas é da responsabilidade do proprietário em

consonância com o veterinário assistente, decidir as vantagens e

desvantagens de tratar a vaca durante a lactação.

O tratamento de vacas com mamites subclínicas durante a lactação não

é, muitas das vezes, economicamente vantajoso. O gastos com os fármacos

usados no tratamento e a perda de leite que durante os dias necessários para

cumprir o intervalo de segurança são maiores que as perdas económicas

derivadas da penalização no leite devido ao aumento das células somáticas e

a potencial quebra na produção até ao final da presente lactação.

Uma vez que é prática normal aproveitar o leite de vacas com mamites

subclínicas para o aleitamento dos vitelos nados na exploração, é necessário

referir uma nota particular relativa a vacas com mamite provocada por St.

aureus: enquanto não surjam estudos que confirmem a eventual infecção de

29

Prevenção de mamites em bovinos

vitelos submetidos a alimentação láctea proveniente dessas vacas, mantêm-

se o debate sobre a utilização ou não do leite para alimentação das futuras

fêmeas de reposição do efectivo.

4.7- O período seco e a sua preparação

A implementação de um correcto programa veterinário de controlo de

mamites tendo em consideração o período seco permite preparar a vaca para

a lactação que se avizinha, para uma correcta nutrição e estado imunitário

fortalecido do feto em desenvolvimento e, ainda, coadjuvar o tratamento de

doenças infecciosas e parasitárias numa perspectiva de correcção/eliminação

de problemas na exploração.

A duração da lactação de uma vaca depende essencialmente da data de

parição seguinte. Uma vez que a duração de gestação da vaca é constante,

com cerca de 275 dias, torna-se óbvio a importância do correcto intervalo

entre parto-concepção.

A distribuição ideal de uma lactação estandardizada de 305 dias, com

um intervalo de 82 dias entre o parto e nova beneficiação fértil e um período

seco de 56 dias é raras vezes atingida. No entanto, com os (elevados) índices

individuais de produção leiteira actual, estes não serão porventura os

números mais correctos e realistas.

Um período de 6-8 semanas antes do parto previsto é o ideal para

realizar a secagem das vacas. Uma vaca que não seja totalmente seca antes

do parto poderá ter uma diminuição de 25 a 30 % na produção na próxima

lactação. Uma vaca com um período seco muito longo tende a ficar

excessivamente gorda.

Tanto o organismo do animal como a glândula mamária precisam de um

período de recuperação e preparação para o parto: o período seco.

4.7.1- Defesas fisiológicas durante o período seco

A capacidade de reacção da glândula mamária ao ataque de agentes

estranhos é influenciada pela: fase da lactação, duração do período seco,

30

Medicina da produção

status genético do animal, composição das secreções armazenadas na

glândula mamária (i.e., lactoferrina, imunoglobulinas, complemento) tipo de

antibióticos e anti-inflamatórios administrados ao animal.

O ferro é um mineral necessário ao crescimento da quase totalidade dos

microrganismos causadores de mamites. A lactoferrina é uma proteína que

se conjuga com o ferro e durante o período seco a concentração desta

proteína na glândula mamária sofre um aumento. A lactoferrina previne o

crescimento das bactérias através da remoção do ferro das secreções do

úbere. Desta forma, e embora o risco de novas infecções / mamites por E.

coli e outros coliformes ser 4 vezes superior durante o período seco (não

existe ejecção de leite; tabela 6), não ocorre o crescimento bacteriano.

Consequentemente, o surgimento de novas mamites é raro, ou pelo menos

não é tão elevado quanto o esperado.

Tabela 6: Infecção experimental com E. coli em vacas secas e vacas em

lactação (Blowey e Edmonson, 1995).

N.º de quartos

sujeitos a infecção

N.º de quartos que

desenvolveram mamite clínica

Vacas em lactação 16 12

Vacas Secas 12 2

De notar que a frequência da ordenha é também uma óptima forma de

promover a eliminação dos agentes e diminuir a incidência de novas

infecções. Como no período seco a ordenha deixa de ser realizada, esta

defesa não específica deixa de poder ser usada no tratamento das mamites.

A susceptibilidade da vaca em contrair infecção durante as primeiras

duas semanas do período seco é 15 a 20 vezes superior relativamente ao

resto do período (Figura 6).

A fase intermédia do período seco é aquela onde a propensão à

ocorrência de mamites é a menor. Esta situação explica-se por todos os

31

Prevenção de mamites em bovinos

factores atrás já descritos para o restante período seco, mas principalmente

porque nesta altura a glândula mamária está no seu auge de involução não

existindo leite, que é um excelente meio de cultura, em toda a glândula

mamária.

Figura 6: Probabilidade da vaca contrair mamite ao longo de todo o ciclo de

lactação (http://www.100daycontract.com).

De destacar que os primeiros meses de lactação e as vacas com mais

idade apresentam também uma maior susceptibilidade ao desenvolvimento

de mamites.

4.7.2- Tratamento imediatamente antes do período seco: vantagens

O tratamento efectivo de mamites pode ser realizado em dois diferentes

estágios do ciclo de lactação da vaca consistindo na terapêutica de vacas em

lactação e terapêutica de vacas secas (imediatamente antes da sua secagem).

O tratamento das vacas em secagem promove a eliminação de infecções

presentes no úbere no final da lactação e reduz o número de novas infecções

contraídas durante o período seco.

32

Medicina da produção

As vacas que apresentem um valor muito elevado de CCS e se

encontrem numa altura avançada de gestação podem ser seleccionadas para

se proceder à sua secagem mais cedo. No entanto, nunca se deve secar uma

vaca com uma mamite não tratada.

As principais vantagens do tratamento de mamites imediatamente antes

do período seco são:

Não desperdício de leite;

A resposta ao tratamento é muito mais efectiva que durante a

lactação. Isto deve-se ao facto das doses de antibióticos

administradas ao animal serem maiores devido à não preocupação

da sua presença (resíduos) no leite;

Possibilidade de uso de antibióticos com um tempo de actuação

muito superior;

Permite aumentar a protecção contra as mamites de Verão

(provocadas maioritariamente por Corynebacterium pyogenes);

Reduz a incidência de mamites clínicas na altura do parto.

A antibioterapia é ao mesmo tempo um meio curativo e profilático. Na

escolha do tratamento deve ter-se em atenção dois parâmetros essenciais: a

escolha do antibiótico e as condições de tratamento. A eleição do antibiótico

deve ter em consideração a sua eficácia terapêutica, além do intervalo de

segurança no leite (principalmente nas vacas em lactação).

A profilaxia efectuada durante o período seco tem também como

função: a prevenção da instauração de mamites crónicas por St. aureus que

poderão levar em última circunstância ao refugo da vaca. A prevenção destas

situações é essencial para a sustentabilidade económica da exploração.

As preparações medicamentosas usadas na prevenção de vacas secas,

usualmente bisnagas intramamárias, deverão conter sempre um princípio

activo, entre outros, que seja particularmente activo contra o St. aureus e

contra Streptococcus spp..

O tratamento (curativo e profiláctico) no início do período seco está

perfeitamente demonstrado e tem como principais benefícios a redução da

33

Prevenção de mamites em bovinos

incidência de novas infecções nas 3-4 semanas seguintes (período seco)

assim como na lactação seguinte. Outras vantagens são uma melhor

regeneração do tecido mamário afectado, diminuição de perdas de leite

devido à diminuição do número de tratamentos em lactação ou mesmo uma

melhor taxa de cura de mamites subclínicas em algumas situações.

Por vezes sucedem falhas durante o processo de tratamento de mamites

no início da secagem não devido à ineficácia dos fármacos mas sim devido à

forma como estes são administrados ao animal.

Se um ou mais quartos não responderem a um tratamento e a mamite

for irreversível, ele(s) deve(m) ser definitivamente seco(s). Uma infusão no

canal do teto de uma solução de nitrato de prata a 3% provoca uma reacção

química que leva à secagem definitiva, sendo que actualmente esta prática

está em desuso. A infusão de uma bisnaga intramamária de secagem no teto

e a sua não ordenha poderá ser suficiente para o secar definitivamente.

4.7.3- Secagem: como proceder

O produtor deve estar consciente que a vaca deverá ser seca na altura

exacta e predefinida, 6 a 8 semanas antes do parto, mesmo que esta a altura

continue a produzir 20 a 25 litros de leite por dia.

Existem 2 formas distintas de secar as vacas:

1- Diminuição da produção láctea mediante a diminuição do aporte

energético, aumentando a percentagem de forragens na

alimentação.

2- Ordenha em intervalos de tempo mais alargados.

A forma mais usual e que parece ser maioritariamente adoptada pelos

produtores é a primeira.

As vacas seleccionadas para secagem não devam ser alvo de qualquer

tratamento especial até à última ordenha. Após o termo da última ordenha

deverão ser aplicados os tratamentos adequados para a prevenção de

mamites.

34

Medicina da produção

As vacas a secar deverão então ser separadas das vacas produtoras, para

um parque de vacas secas.

A secagem das vacas consegue-se normalmente recorrendo unicamente

à restrição do alimento concentrado. A água, no entanto, deve estar sempre

disponível ad libitum (por vezes, em casos específicos para melhorar a

eficácia da secagem, podemos reduzir ligeiramente o aporte de água).

O leite que fica no teto após a última ordenha é absorvido ao fim de 3

dias, servindo desta forma de veículo aos fármacos que foram administrados.

As vacas secas devem ser alimentadas de forma a se apresentarem em

condições corporais óptimas (3,5 pontos) na altura do parto, sem estarem

excessivamente gordas.

O excesso de condição corporal das vacas durante o período seco é um

factor predisponente para o surgimento de partos distócicos, cetoses,

lipidose hepática, deslocamentos do abomaso, mamites e mesmo morte do

animal.

O alimento concentrado deverá novamente ser reintroduzido

gradualmente na alimentação das vacas secas duas semanas antes do parto

de forma a permitir uma suave e progressiva adaptação ao novo ciclo de

lactação.

Em explorações onde a prevalência de mamites seja elevada, a secagem

progressiva das vacas provoca uma maior incidência de novas infecções do

que quando as vacas são secas abruptamente.

Este maneio evita que por um lado as vacas secas e em tratamento não

sejam confundidas e ordenhadas inadvertidamente com as vacas em

produção, contaminando o tanque com antibióticos.

Por outro lado, a interrupção célere da produção evita que surjam

mamites devido a estes animais não serem ordenhados como o eram

rotineiramente, o que poderia levar a que a cisterna e o canal do teto fossem

óptimos locais de crescimento bacteriano.

Se o mesmo animal for submetido simultaneamente a correcção

funcional dos cascos e tratamento intramamário que muitas vezes são

35

Prevenção de mamites em bovinos

realizadas pelo mesmo operador, deve ser aplicado em primeiro lugar o

antibiótico intramamário e só depois deverão ser aparados os cascos.

36

Medicina da produção

5- Os fármacos no combate às mamites

Um programa de controlo e prevenção de mamites consiste num

processo multi-etápico, metódico.

A administração das bisnagas intramamárias em todos os quartos, logo

aquando a altura da secagem, é de todo recomendável e correcta sob o

ponto de vista médico e de saúde pública.

Entre antibióticos mais efectivos e portanto mais indicados para o

combate às mamites estão a cloxacilina, ampicilina, penetamato de

penicilina, combinações entre penicilina e estreptomicina, gentamicina,

nafcilina, cefazolina, cefoperazona e a cefquinoma.

O recurso a um antibiograma aquando da realização da cultura e

isolamento dos agentes é um óptimo e indicado recurso ao dispor do clínico

para mais correctamente realizar a escolha do princípio activo para cada caso

clínico em particular, apesar do acréscimo nos custos do programa.

Devido à elevada prevalência do S. aureus nas explorações, a escolha de

antibiótico para tratamento no início do período seco deve ter em conta a

eficácia reconhecida contra este agente em particular. Deve, ainda, ter um

longo período de acção e ter uma CME (concentração mínima efectiva) de,

pelo menos, 25 dias.

Por vezes, na tentativa de “poupar” produto / dinheiro, o produtor não

cumpre as doses recomendadas para atingir uma CME (i.e., divide uma

bisnaga por dois tetos), o que faz com que ocorram falhas no tratamento e

surjam problemas de resistências e infecções crónicas.

Os antibióticos deverão actuar, inicialmente, ao nível do tecido mamário

e só posteriormente serem absorvidos para a circulação sanguínea.

No início do período seco, todos os quartos da vaca deverão ser tratados

e não somente aqueles que apresentaram sinais de mamite durante a

lactação prévia. Esta situação explica-se pelo facto de que muitos animais

não apresentam sinais clínicos durante a lactação e alguns animais, apesar de

infectados, não apresentam uma contagem de células somáticas elevadas.

37

Prevenção de mamites em bovinos

A resposta dos animais ao tratamento de mamites durante o início do

período seco decresce com a idade. Ao longo do tratamento de uma mamite

(clínica) aguda, tanto no período seco como em lactação, poderá ser

necessário recorrer a terapia de suporte como fluidoterapia, fármacos com

acção anti-tóxica e complexos multivitamínicos.

O tratamento final deve ser evitado durante as últimas duas semanas

antes do parto sobre o risco de contaminação do leite com antibióticos, salvo

algumas excepções e com o conhecimento e aconselhamento do veterinário

assistente.

5.1- As Bisnagas intramamárias: a importância de uma correcta

administração

Um ponto essencial na aplicação do antibiótico por via intramamária

através de bisnagas é a limpeza e assepsia com que esta aplicação é feita.

Deverão ser tratados todos os quartos, sendo necessário o uso de

bisnaga por cada teto (quarto) de forma a evitar contaminações cruzadas. As

bisnagas para o período de seco não podem ser as mesmas que as usadas

durante no período de lactação, isto porque estas normalmente contêm

princípios activos / adjuvantes com um intervalo de acção muito menor,

entre outros aspectos (ex., presença de fármacos corticoesteróides).

O teto e particularmente a sua ponta devem ser correctamente

desinfectados com um produto indicado para a limpeza do mesmo (i.e.,

clorexidina ou álcool etílico). Muitas vezes, o sucesso no tratamento e

prevenção de mamites durante o período seco está na realização ou não

deste procedimento.

Após a limpeza, secagem e desinfecção do teto, a ponta da bisnaga deve ser

introduzida suave e cuidadosamente no canal do teto. Não deve ser

introduzida muito profundamente (2 a 3cm), sobre o risco de poder lesionar

o teto e também arrastar microrganismos (Figura 7). Deve procurar-se

sistematizar o procedimento de forma a desinfectar, em primeiro lugar, os

tetos localizados mais longe do operador e efectuar a administração das

bisnagas relativamente aos mais próximos do operador. É recomendável uma

38

Medicina da produção

massagem ao úbere para facilitar a distribuição do antibiótico por todo o

tecido mamário.

Figura 7: Procedimento correcto na administração intramamária da bisnaga

de secagem (Teixeira et al., 2007).

Após a aplicação das bisnagas, os tetos deverão ser imediatamente

submersos numa solução de desinfecção (dipping). Uma excelente prática

durante o período de secagem é a de ir realizando o dipping dos quartos

regularmente apesar da vaca estar seca. Isto evita, quase na totalidade, o

surgimento de novas infecções.

Os registos de secagem e tratamento são essenciais para o bom

funcionamento da exploração. Isto é particularmente importante quando as

vacas parem antes do tempo previsto, o que poderá levar a uma necessidade

de eliminação do seu leite de forma a não contaminar o tanque da

exploração com antibióticos usados aquando do tratamento.

Animais que tenham apresentado uma predisposição ao surgimento de

um ou mais casos de mamites durante a lactação podem ser sujeitas a dois

tratamentos durante o período seco. O segundo tratamento deve ser

39

Prevenção de mamites em bovinos

administrado duas semanas após o primeiro. O princípio activo (antibiótico)

dever ser diferente e o seu intervalo de segurança deverá ser menor devido à

maior proximidade do parto e início do novo ciclo de lactação.

5.2- Sinergismos de recursos na luta contra as mamites

Muitas vezes e particularmente em surtos de mamites de maior

dimensão o tratamento com antibioterapia local intramamária é coadjuvado

com um antibioterapia parentérica. Esta opção deve ser discutida com o

veterinário assistente que fará a avaliação do caso e decidirá da necessidade

ou não deste procedimento.

Outro procedimento de extrema importância no maneio e tratamento

de vacas secas é a selagem dos tetos após a última ordenha e após a

administração dos antibióticos intramamários. Esta selagem dos tetos é

normalmente realizada recorrendo à administração do selante também

através de bisnagas intramamárias que “fecham o canal do teto” à entrada

de novos agentes. Esta protecção é particularmente eficaz durante as

primeiras três semanas após a instilação, o que coincide com o período de

maior probabilidade à contracção de novas infecções.

Este procedimento é de extremo interesse em todas as vacarias. No

entanto, reveste-se de maior importância nos casos em que o maneio e

higiene das vacarias não é o desejável ou em alturas onde a humidade e

sujidade dos tetos assume elevadas proporções. Este procedimento visa

somente o tratamento e prevenção das mamites ambientais, e deverá ser

somente administrado a vacas consideradas não susceptíveis de terem

mamite subclínica.

Uma outra forma alternativa de luta contra as mamites é a de recorrer a

exames laboratoriais de forma a identificar somente os quartos infectados e

testar a sensibilidade dos agentes aos antibióticos. Desta forma, agravam-se

os custos com os exames laboratoriais, mas poderá ver-se reduzida a despesa

com os medicamentos. Esta opção de luta não tem uma grande receptividade

por parte dos produtores.

40

Medicina da produção

Mesmo numa situação em que se identifiquem laboratorialmente os

quartos infectados, e caso se esteja perante uma mamite contagiosa, o

tratamento dos 4 quartos durante a secagem parece ser a medida mais

sensata e eficaz para o sucesso do programa de acção.

Pelas particularidades dos microrganismos já descritas, o sinergismo que

se consegue entre a administração parentérica e intramamária de

antibióticos permite a obtenção de melhores resultados. Concentrações mais

elevadas dos fármacos em circulação e nos tecidos onde estes agentes se

escondem, particularmente o St. aureus, permite que a taxa de sucesso possa

ser aumentada. Esta opção deverá ser discutida com os serviços veterinários

assistentes da exploração.

O melhoramento genético poderá ter também um papel importante a

desempenhar na prevenção de mamites. A escolha e selecção de animais que

apresentem uma menor predisposição à instauração de mamites deve ser

fomentada em detrimento de outros que não apresentem estas

características. Os resultados desse trabalho poderão ser observados a

médio/longo prazo, como é óbvio.

Ao longo dos últimos anos, várias vacinas têm vindo a ser testadas conta

os agentes responsáveis por mamites. Apesar dos grandes avanços da

indústria farmacêutica e de investigação, os quais parecem promissores,

nenhuma das vacinas existentes actualmente é totalmente efectiva na

prevenção de mamites provocadas pelos mais variados agentes (destaque

para a E. coli).

41

Prevenção de mamites em bovinos

6- Erradicação de mamites: um desafio alcançável

ou inatingível?

A erradicação de mamites em Portugal, tendo em conta os modos e

processos como se desenrola a actual produção leiteira, é uma utopia a curto

e médio prazo.

Devem os médicos veterinários e os produtores alinhar num ciclo vicioso

de combate às mamites sem alcançarem nunca o ponto óptimo e ideal de

erradicação, o que é de certo modo frustrante para a classe? Não! Médico

veterinário e produtor devem, nos tempos de hoje, aprender a viver e

conviver com as mamites e os seus agentes etiológicos, tentando aos poucos

ganhar terreno na luta contra estas doenças. Se isto é verdade para a maior

parte dos agentes etiológicos, é-o de certa forma mais importante quando o

St. aureus está envolvido, uma vez que é o agente mais comummente isolado

em todo o mundo.

Deve tentar-se alcançar um ponto de equilíbrio nas explorações leiteiras

tendo como pano de fundo e linhas orientadoras todas as matérias

explanadas neste trabalho. Terá que ser realista, que não o ideal, para desta

forma ambicionarmos uma satisfação mútua entre veterinário, assistente e

produtor.

Concretizando ideias, julgamos que as explorações leiteiras em Portugal

poderão almejar :

1. A erradicação de todo o tipo de mamites contagiosas, que não

as provocadas por St. aureus;

2. A diminuição da incidência e prevalência de mamites

ambientais;

3. O controlo da prevalência e disseminação do St. aureus.

Este ponto de equilíbrio terá que ponderar diversos factores e

parâmetros relacionados com a exploração e com as mamites:

As mamites estão a ter um impacto económico na exploração?

42

Medicina da produção

As mamites têm um impacto na segurança alimentar?

As mamites poderão ser eficientemente curadas?

A erradicação de mamites é uma batalha dura, longa e árdua, mas não

inatingível. Programas apertados e rigorosos de controlo e prevenção de

mamites implementados nas explorações num longo período temporal

poderão ser efectivos neste objectivo.

O refugo de animais com afecções crónicas e incuráveis, uma

correcta terapia dos animais, da prática de ordenha, da manutenção da

máquina de ordenha aliada a uma recria controlada e compra de animais

comprovadamente isentos de agentes de mamite, a uma alimentação

adequada em quantidade e qualidade de acordo com as necessidades dos

animais entre muitos outros factores, são pontos essenciais no caminho a

percorrer.

Das tradicionais explorações leiteiras até às modernas “empresas de

produção de leite”, onde se pretendem implementar os mais recentes

projectos de HACCP (Hazard Analysis and Critical Control Point), o combate às

mamites e a sua erradicação serão sempre alvo de destaque quer pelas suas

implicações na saúde pública quer pelas suas implicações económicas.

Ao “veterinário do século XXI” particularmente da Medicina de

Produção, onde se engloba a luta e prevenção contra as mamites, terá de

caber o papel central de ligação e mediação entre saúde animal, saúde

pública e economia da exploração.

43

Prevenção de mamites em bovinos

7– Controlo de um surto de mamites numa

exploração leiteira: um caso prático

7.1 - Motivo da intervenção

Em Julho de 2006, os serviços do Centro Veterinário de Aveiro (CVA) são

consultados pelo proprietário duma exploração com 150 vacas leiteiras em

produção à qual prestam serviços de consultoria veterinária.

O problema principal residiu na pesada penalização sobre preço do leite

pago pelo comprador (Lacticoop) ao produtor devido ao incremento do

número médio de CCS/ml no tanque, muito acima dos valores aceitáveis

(250.000/ml)) que se começou a denotar no início do primeiro trimestre do

ano.

7.2 - Estabelecimento do diagnóstico e avaliação do impacto na produção

A visita à exploração, a recolha e observação do maior número de

registos possíveis, permitiram em concomitância com a análise dos registos

de produção e de reprodução do software de Gestão ReproGTV® em uso no

CVA (possibilita, entre outras funcionalidades, uma análise e confrontação do

histórico reprodutivo e produtivo da exploração), efectuar uma correcta

anamnese: início e evolução do problema, aquisição de novos animais,

alterações na ordenha, alterações na alimentação e maneio, análise dos

contrastes leiteiros entre outros dados. O cruzamento desta informação –

permitiu relacionar a simultaneidade do surto com a introdução na

exploração de 12 vacas em lactação oriundas de outra exploração que tinha

cessado actividade.

Esta suspeita teve como principal alicerce de fundamentação a

alteração/ascensão na CCS no tanque desde a introdução destes animais

conjugada com o facto de os valores de CCS anteriores a esta ocorrência

(num espaço temporal estendido) serem considerados aceitáveis pelo

produtor e CVA (tabela 7).

44

Medicina da produção

Tabela 7: Valores médios antes e após introdução das novas vacas (dados

ReproGTV/ CVA).

Antes da introdução dos novos animais

Após a introdução dos novos animais

CCS/ ml tanque 190.000 400.000

Produção leiteira (Kg) 5.250 Kg/dia 4.882 kg/dia

Durante a realização do exame clínico ao efectivo, foi possível verificar

que apenas alguns animais apresentavam mamites clínicas e destes nenhum

apresentava mamite na totalidade dos quartos.

O CVA, apoiado num laboratório de referência (Segalab), elaborou um

programa para o diagnóstico, correcção e acompanhamento do caso clínico e

prevenção de novas infecções.

O programa iniciou-se com a recolha de amostras de leite vaca a vaca

(excepto vacas com mamites clínicas, nas quais se procedeu à recolha por

quarto) para identificação dos agentes de mamite. Solicitou-se ao

laboratório, além do isolamento dos microrganismos, a CCS por vaca e um

antibiograma aos agentes isolados.

Elaborou-se uma tabela com a prevalência de vacas com CCS superior a

200.00/ml em termos totais e percentuais na exploração ao longo do

primeiro semestre de 2006 (tabela 8).

Tabela 8: Vacas com valores de CCS/ml superiores a 200.000 (tabela

gentilmente cedida pela Segalab).

25

Jan

23

Fev

24

Mar

26

Abr

25

Maio

24

Jun Médias

Totais 36 33 45 48 49 47 43

% 25 22 30.6 32.4 35 35.5 30

45

Prevenção de mamites em bovinos

Das 152 vacas analisadas, 39 estavam infectadas com St. aureus e 17

com Str. agalactiae. Foram ainda identificadas 6 vacas com Str. uberis e 6

com leveduras. As culturas das amostras de leite dos restantes animais

apresentaram-se negativas (Figura 8).

Figura 8: Gráfico sobre a situação de infecção do efectivo no início da

abordagem ao surto.

De referir que das 12 vacas presumivelmente causadoras do problema, 7

apresentaram resultados positivos ao Str. agalactiae e 2 estavam infectadas

com St. aureus.

O diagnóstico obtido foi de infecção do efectivo por agentes de mamite

contagiosos (St. aureus e Str. agalactiae) através (elevada probabilidade) das

12 vacas adquiridas pelo produtor no início do ano.

7.3 - O programa de intervenção

Após a análise dos resultados obtidos foi concebido pelo CVA um

programa com a colaboração e empenho do produtor e a assistência do

Situação Inicial

26%

11% 4% 4% 9%

46%

St. aureus

Str. agalactiae

Str. uberis Leveduras

outros agentes

"vacas não infectadas"

46

Medicina da produção

laboratório, tendo sido delineados como objectivos primordiais diminuir de

imediato as CCS elevadas no tanque, erradicar o Str. agalactiae a curto prazo

e controlar o St. Aureus a médio prazo que basicamente consistiu em:

Refugar as vacas problemáticas, com valores muito altos de CCS e

infecções crónicas;

Tratar e secar as vacas infectadas em gestação adiantada;

Tratar as vacas infectadas com Str. agalactiae durante o período

de lactação;

Isolamento das vacas infectadas com St. aureus num parque;

Melhoria das condições de higiene e dos procedimentos de

ordenha;

Tratamento de todas as vacas no início do período de secagem.

7.3.1 - Protocolo terapêutico

O protocolo terapêutico adoptado pelo CVA foi o seguinte:

a) Tratamento das vacas em lactação, infectadas com Str. agalactiae:

1. Administração parentérica (S.I.D.) durante 3 dias: 10 milhões U.I.

de antibiótico à baseado em penicilina qual (1º dia) + 5 milhões

U.I. da mesma penicilina (2º dia) + 5 milhões U.I da mesma

penicilina (3º dia);

2. Administração simultânea de antibiótico por via intramamária nos

4 quartos durante três dias e após cada ordenha. A escolha dos

fármacos foi adaptada aos medicamentos existentes na farmácia

da exploração e consistiu na administração de Cefquinoma em

metade dos animais em tratamento e de Penicilina-

estreptomicina na outra metade.

b) Tratamento, na secagem, das vacas infectadas com Str. agalactiae:

1. Administração intramamária nos 4 quartos de penicilina +

estreptomicina + nafcilina;

2. Administração de um selante do canal do teto em todos os

quartos;

47

Prevenção de mamites em bovinos

3. Administração (I.M.) durante os dois dias anteriores à da data

prevista para o parto de 10 milhões U.I. de Penicilina por dia.

c) Tratamento das vacas infectadas com St. aureus ou com Str.uberis

no período seco:

1. Administração intramamária nos quatro quartos de cloxacilina

benzatina + ampicilina ou penicilina + estreptomicina + nafcilina;

2. Administração de um selante do canal do teto em todos os

quartos.

Optou-se por não realizar o tratamento para as vacas infectadas com St.

aureus e Str. uberis durante a lactação, à excepção dos animais que

desenvolveram mamite clínica.

De acordo com o historial de CCS (valores elevados recorrentes de

células somáticas) e com o estado reprodutivo, o CVA identificou e

aconselhou o refugo imediato de 8 vacas.

As vacas infectadas e as com tratamento em curso passaram a ser

ordenhadas no final.

Aconselhou-se a criação de um parque destinado às vacas isentas de

agentes de mamite, às tratadas durante o período seco e às vacas jovens

(novilhas).

7.4 - Resultados obtidos

Em Novembro de 2006, o protocolo terapêutico e o programa adoptado

continuava em vigor.

Das 17 vacas inicialmente infectadas com Str. agalactiae, 12 foram

seleccionadas para tratamento durante a lactação (5 vacas deste grupo

foram refugadas). Os restantes 12 animais foram alvo de recolha de amostras

de leite no final do tratamento para isolamento de microrganismos. Todos os

resultados de cultura foram negativos, o que confirmou uma taxa de sucesso

do tratamento de 100%.

48

Medicina da produção

Ao longo do tratamento e no final deste foram realizados novos

screenings de amostras para recolha, cultura e isolamento de

microrganismos a todas as vacas.

Quatro meses após a intervenção veterinária, através do uso do

protocolo acima descrito, pode-se constatar que (Figura 9):

Os animais inicialmente infectados com Str. agalactiae estavam

devidamente recuperados. No entanto, surgiram mais 5 novos

animais infectados por Str. Agalactiae. Esta situação tem explicação

devido à grande contagiosidade deste agente que apesar de todas as

medidas preventivas é de difícil combate e erradicação. A estes

animais foi instituído o mesmo protocolo e tratamento dos

primeiros. A taxa de sucesso do tratamento deste caso particular foi

de 100%.

Vacas infectadas com St. aureus. Foram tratados 15 animais

momento da secagem. Destes, 4 continuaram apresentar resultados

positivos na cultura laboratorial deste agente após o tratamento.

Esta situação conduziu ao diagnóstico de mamite crónica nestes

animais e o consequente aconselhamento de refugo. Nesta altura,

encontravam-se 28 vacas infectadas com St. aureus, uma vez que 24

destas ainda não tinham atingido o momento de secagem, momento

em que são tratadas.

Foi aconselhado ao proprietário o refugo das vacas infectadas por

leveduras. O proprietário procedeu ao refugo de 3 animais pelo que

ainda continuaram outras 3 vacas infectadas na exploração.

Somente uma vaca apresentou resultados positivos na cultura de

Str. uberis.

O número de animais infectados com mamites ambientais diminui

para valores mais razoáveis e aceitáveis. Esta situação pode ser

explicada pela melhoria na higiene na prática de ordenha e maneio

dos animais. No entanto, 7 vacas apresentaram ainda resultados

positivos a agentes ambientais de mamite.

49

Prevenção de mamites em bovinos

Figura 9: Gráfico sobre a situação, em Novembro de 2006, da percentagem

de infecções mamárias na exploração.

O problema inicial que levou o produtor a contactar os serviços do CVA

para resolver este problema, ou seja, a alta CCS que originava penalizações

no pagamento do leite por parte do comprador foi, após 4 meses, resolvido

tendo em consideração os objectivos temporais do programa de intervenção

instaurado. A CCS de 120.000 células/ml foi, até esse momento, o último

valor usado como referência para o pagamento do leite ao produtor. Esta

descida para valores abaixo dos 250.000/ml surgiu como reflexo da

diminuição da taxa de infecção do efectivo.

O sucesso e um bom prognóstico para a completa resolução deste

problema na exploração assentam, no entanto, na continuação de todos os

procedimentos adoptados no programa de intervenção, controlo e

erradicação de mamites proposto pelo CVA e que assentam nos conceitos

explanados ao longo desta publicação.

Situação após 4 meses

24%

4%

1%

3%

6%

62%

St. aureus

Str. agalactiae

Str. uberis Leveduras

outros agentes

"vacas não infectadas"

50

Medicina da produção

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