MARIA FERNANDA GODOY CARDOSO DE MELO RELAÇÕES … · onde tenho o privilégio de trabalhar, pelo...
Transcript of MARIA FERNANDA GODOY CARDOSO DE MELO RELAÇÕES … · onde tenho o privilégio de trabalhar, pelo...
UNIVERSIDADEESTADUALDECAMPINASINSTITUTODEECONOMIA
MARIAFERNANDAGODOYCARDOSODEMELO
RELAÇÕESPÚBLICO-PRIVADASNOSISTEMADESAÚDEBRASILEIRO
Campinas2017
UNIVERSIDADEESTADUALDECAMPINASINSTITUTODEECONOMIA
MARIAFERNANDAGODOYCARDOSODEMELO
RELAÇÕESPÚBLICO-PRIVADASNOSISTEMADESAÚDEBRASILEIRO
Prof.Dr.DENISMARACCIGIMENEZ–orientador
TesedeDoutoradoapresentadaaoProgramadePós-GraduaçãoemDesenvolvimentoEconômicodo Instituto de Economia da UniversidadeEstadualdeCampinasparaobtençãodotítulodeDoutora em Desenvolvimento Econômico, áreadeconcentração:EconomiaSocialedoTrabalho.
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESEDEFENDIDA PELA ALUNA MARIA FERNANDA GODOYCARDOSO DE MELO E ORIENTADA PELO PROF. DR. DENISMARACCIGIMENEZ
Campinas2017
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.ORCID: http://orcid.org/0000-0003-4780-7381
Ficha catalográficaUniversidade Estadual de CampinasBiblioteca do Instituto de EconomiaMirian Clavico Alves - CRB 8/8708
Melo, Maria Fernanda Godoy Cardoso de, 1972- M491r MelRelações público-privadas no sistema de saúde brasileiro / Maria Fernanda
Godoy Cardoso de Melo. – Campinas, SP : [s.n.], 2017.
MelOrientador: Denis Maracci Gimenez. MelTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Economia.
Mel1. Desenvolvimento Social. 2. Financiamento da assistência à saúde. 3.
Mercantilização. 4. Acesso universal a serviços de saúde. 5. Capital(Economia). I. Gimenez, Denis Maracci,1974-. II. Universidade Estadual deCampinas. Instituto de Economia. III. Título.
Informações para Biblioteca Digital
Título em outro idioma: Public-private relationship in Brazilian healthcare systemPalavras-chave em inglês:Social developmentFinancial resources in healthCommodificationUniversal access healthcare servicesCapital (Economy)Área de concentração: Economia Social e do TrabalhoTitulação: Doutora em Desenvolvimento EconômicoBanca examinadora:Denis Maracci Gimenez [Orientador]Luiz Gonzaga de Mello BeluzzoSulamis DainAna Luiza D'ávila VianaSônia Miriam DraibeData de defesa: 10-08-2017Programa de Pós-Graduação: Desenvolvimento Econômico
Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)
UNIVERSIDADEESTADUALDECAMPINASINSTITUTODEECONOMIA
MARIAFERNANDAGODOYCARDOSODEMELO
RELAÇÕESPÚBLICO-PRIVADASNOSISTEMADESAÚDEBRASILEIRO
Defendidaem10/08/2017
COMISSÃOEXAMINADORA
AAtadeDefesa,assinadapelosmembrosdaComissãoExaminadora,constanoprocessodevidaacadêmicadaaluna.
AGRADECIMENTOS
ÀprofessoraSulamisDain,aquemdevomaisdoqueacoorientaçãopacienteesempre
muitogenerosa.Acolheu-menoRiodeJaneiro,deondevolteiconfiantedequetinhauma
tese.Suaimportânciatransbordouparaalémdaorientaçãoelhesoumuitogrataportudo.
Considero-aumexemplodemulhereintelectual.
AoDenisMaracciGimenez,porteraceitadoaorientaçãodestatesenomeureingresso
aoIE/UNICAMP,pelaleituracuidadosadomeutextodaqualificaçãoedaversãofinal,porter
dadocontribuiçõesimportantesparaotrabalhoeportodaajudasemprequeprecisei.
Ao professor João Manuel Cardoso de Mello, à professora Liana Aureliano e ao
professorLuizGonzagadeMelloBelluzzo,fundadoresdasFaculdadesdeCampinas,FACAMP,
onde tenho o privilégio de trabalhar, pelo apoio generoso, pela inestimável convivência
intelectual e pelo exemplo de dignidade e excelência moral. Ao professor João Manuel
CardosodeMello façoumagradecimentoespecialpelagenerosidadedeseuacolhimento,
pelasuamaestria,humanidadeepelascontribuiçõesvaliosasaminhatrajetóriaintelectuale
aotrabalhodatese.
Às professoras Sônia Miriam Draibe, Ana Luiza D’Ávila Viana e Sulamis Dain e ao
professorLuizGonzagadeMelloBelluzzo,porteremmedadoahonradeparticipardabanca
dedefesa,contribuindoparaoenriquecimentodatese,paraseusdesdobramentosereflexão
intelectual.Reunirnabancadedefesaalgumasdeminhasmaisimportantesmestrasemestre
foimuitoespecial.
ÀsminhasprofessoraseprofessoresdoIE/UNICAMP,aoscolegasdepós-graduaçãoe
pesquisa,especialmentedoNEPP/UNICAMP,quemarcaramminhaformaçãointelectual.
AoHugoMiguelOliveiraRodriguesDias,pelaleituracuidadosadotextodequalificação
esugestões.
AoRodrigoSabbatini,peloempenhoparaqueeuobtivesseumsemestrededicado
exclusivamenteàelaboraçãodestatese,quefoiessencialparaomergulhonecessáriopara
darinícioaestetrabalho.
À Juliana Cajueiro, amiga e parceira de longa data, por todo o apoio e ajuda que
generosamentemedeu,especialmentedurantetodaaetapadeelaboraçãodestatese.Éum
privilégiopoderdividircomela,alémdaamizadeedotrabalho,ointeresseporestetematão
especialeinstigantedaeconomiapolíticadesaúde.
Às “meninasdaFacamp”pela sororidadequevimosconstruindo, tãonecessária.À
todasasmulherescomquemconvivoemeensinamdiariamenteaforçae importânciado
feminismo.
ÀDanielaGorayeb,parceirade tese,das lutase ruaseamigaquerida,por termos
andadojuntasesintonizadasnestepercurso,porvezestãoangustiante.Eleficoubemmelhor
porisso.
Aoscolegas,professoraseprofessoresdaFacamp,comquemconvivoeaprendonos
semináriosdequarta-feiraenatãonecessáriapizzaquevememseguida.
Asminhas/meuscolegasdeequipedemonografia,JulianaCajueiro,TatianaMaranhão
e Vinícius Gaspar Garcia, pela sorte de poder trabalhar com eles. Estendo também o
agradecimentoaosquejáfizerampartedaequipe.
À Adilzane Silva e à Fabiana Andrade agradeço a gentileza e estendo os
agradecimentosatodososfuncionáriosdaFACAMP.
ÀMarinaWendel deMagalhães, pela amizade fraterna, pelamadrinha presente e
amorosa,pelaafilhadalindaqueganhei,aqueridaCelina,epelarevisãocuidadosadestatese.
Estendo o agradecimento ao Rilk, por todo carinho e ajuda com o leva e traz da dupla
dinâmica.
Ao Davi José LessaMattos, à Lígia Todescan LessaMattos e à Rita Sigaud Soares
Palmeira, pela traduçãodos trechosem francês.AoGláucio Sansevero, pela traduçãodos
trechoseminglês.
ÀAdrianaCamposdeCerqueiraLeite,pelo“divã”epormeajudarcomaoutrahistória
destatese.
Às amizades fundamentais da vida, as de toda a vida e as novas, agradeço pelo
privilégiodecompartilharaamizadedevocês.Emespecial,MarinaMagalhães,RitaPalmeira,
AslaMedeiroseSá,MarcioVarella,FernandaRaquel,RafaelOliva,InaêCoutinho,Paulado
AmaralNogueira,LetíciaSevilhano,MiguelPalmeira,FernandaGuimarães,TeresaPalmeira,
João Guilherme Cardoso de Mello, Juliana Cajueiro, Daniela Gorayeb, Claudia Hamasaki,
HenriqueJoséeFabianaGrecco.
Aosamigosqueganheipelaamizadequemeus filhosconstruíramequeconsidero
amigosequeridos:CleliaeGian,LucianaeGuilherme.Agradeçoportodaajudaecuidadoque
têmcommeusfilhos.
ÀqueridafamíliaMagalhães,queconsideroumpoucominha.
Aos meus sogros, Hilda e San, aos meus cunhados, Perla e Giovanni, e aos meus
queridossobrinhosLucas,Pedro,ArthureGabriel.
ÀLuciaraGoesHolsbachpelaajuda,amparoeocuidadocarinhosoeamorosoque
foram fundamentais para que pudesse me ocupar com este trabalho. Estendo o
agradecimentoaoAgrimal,Mairaeatodaessafamíliatãoespecial.
ACéliaeLuizAlberto,meuspais,peloapoioeenormegenerosidade,porteremme
passadovaloresfundamentais,peloacolhimentoamorosodesempreeportodooamor.
AomeuirmãoqueridoLuizGuilherme,peloamorfraterno.ÀDébora,minhacunhada,
eaomeusobrinhoVito,quechegaráemnovembro,trazendonovavidaeamorparanossa
família.
Aomeuoutroirmãoquerido,Lipe,que,ondequerqueesteja,estarásemprecomigo.
Aos meus filhos, Maria Luiza e Miguel, por todo amor que nos une, agradeço a
paciênciaecompreensãoquetiveramcomigo,nesseperíododeelaboraçãodatese,quando
muitasvezesconviveramcomumamãepreocupada,nervosae,porvezes,ausente.Seguimos
juntos, commuito amor, ajudandoa construir ummundo commais confiança, igualdade,
amorejustiça.Estateseédedicadaavocês,MalueMiguel.
AoGlaucio Sansevero,meu companheironessa caminhada,meuporto seguro, por
sempremeamparar,ajudar,estaraomeulado.Peloamorcomquesedesdobrouparaque
eupudesseterminarestatese.Nãoépossívelexpressarcompalavrasmeuagradecimentoe
amor.
RESUMO
Otemageraldestateserefere-seàinserçãodossistemasdesaúdenadiscussãodo
welfarestate,porumlado,e,poroutro,nadiscussãodaacumulaçãodecapitalapartirda
qualédesenvolvidaaquestãodasrelaçõespúblico-privadas,quepodemserentendidascomo
umaexpressãodessaacumulação.Oobjetivodateseédiscutirocasoespecíficodasrelações
público e privadas no financiamento do sistema de saúde brasileiro, contudo, inserindo-o
dentro de um espectro mais geral dado pelos movimentos recentes que ocorreram nos
sistemasdesaúdeuniversaisdospaísesdaEuropaocidental,apartirdadécadade1970,no
contextodoneoliberalismo.Ahipóteseéque,naatualconfiguraçãodoswelfarestates,os
sistemas de saúde apresentam maior diversidade nas formas de concepção, valores,
institucionalidadeefinanciamentodoqueossistemasdeprevidênciaeassistênciasocial.Os
sistemasdesaúdeconstituemcampofértilparaoaprofundamentodeestudossobrearelação
público e privado, no Brasil, em função da crescente presença do setor privado na
configuração dos sistemas de saúde e da lógica de mercado e intenso processo de
mercantilização. Nessa discussão, há um aspecto marcante, que é a presença de dois
processossimultâneos:um,demercantilizaçãodosserviçosdesaúdeacargodosetorpúblico
e,outro,dedesmercantilizaçãodofinanciamentodosetorprivado.Adesmercantilizaçãodo
setorprivadoantecedeamercantilizaçãodosetorpúblico,que,noBrasil,éumfenômenoda
últimadécada.NocasodoBrasil,esseprocessosedádeformacontraditóriaàpropostade
universalizaçãodoacessoaos serviçosde saúde,parteessencialdoprojetode seguridade
social presentenaConstituiçãode 1988. Para desdobrar os temas tratados por esta tese,
referentes ao entendimento da questão acima anunciada, a tese está organizada em três
capítulos,alémdestaintroduçãoedaconclusão.Oprimeirocapítulotratadaconfiguração
dossistemasuniversaisdesaúdeearelaçãoentreopúblicoeoprivado.Osegundocapítulo
discorre sobre a formação do sistema de saúde brasileiro do ponto de vista das relações
público-privadas, enfatizando suasmarcas originárias, a constituição do SistemaÚnico de
Saúdeeseussignificados.Oterceiroeúltimocapítuloaprofundaotemadofinanciamentodo
SUSeseusconflitosdistributivossobaóticadasrelaçõespúblico-privadasnofinanciamento
dasaúdenoBrasil.
Palavras-chave: relaçãopúblico-privadana saúde;espaçode valorizaçãoeacumulaçãode
capital; espaço não mercantil; universalização do acesso aos serviços de saúde;
mercantilização; desmercantilização; Sistema Único de Saúde; renúncia de arrecadação;
concorrência setor público e privado na saúde; desigualdades sociais; seguridade social;
welfarestate.
ABSTRACT
Thegeneralsubjectofthisthesisis,fromoneperspective,theinsertionofthepublichealth
systems in thewelfare state discussion, and from another, the discussion of the capital
accumulationfromwheretheprivatepublicrelationshipissue,understoodasanexpression
oftheaccumulationitself,isdeveloped.Thegoalofthisthesisistodiscusstheparticularcase
of the public private relationships in the financing of the Brazilian healthcare system,
nonethelessinsertingitunderabroaderspectrum,createdbyrecentmovements,startedin
the 70’s, in the universal healthcare systems of Western European countries, within the
contextofneoliberalism.Thehypothesisisthat,inthepresentconfigurationofthewelfare
states, the healthcare systems present a wider diversity in its conception, values,
institutionality, and financing forms than the social security and assistance systems. The
healthcaresystemsconstituteafertilegroundtogodeeperinthestudiesoftheprivatepublic
relationsinBrazil,consideringthegrowingpresenceoftheprivatesectorintheconfiguration
ofhealthcaresystems,themarket logicandan intenseprocessofcommodification. Inthis
discussion, there is one key aspect in the presence of two simultaneous processes: the
commodification of healthcare services formerly performed by the public sector, and the
decommodification of the private sector financing. The decommodification of the private
sectorprecedesthecommodificationofthepublicsector,thathappenedinBrazilonlyinthe
lastdecade.IntheBraziliancase,thisprocessgoesagainsttheproposalforuniversalizationof
theaccesstohealthcareservices,anessentialpieceofthesocialsecurityprojectintroduced
by the federal constitution of 1988. In order to unfold the subjects proposed by thesis,
concerningthematterintroducedabove,theworkisdividedinthreechapters,aswellasan
introduction and a conclusion. The first chapter is about the configuration of universal
healthcare systems and the private public relationship. The second chapter discuss the
formationoftheBrazilianhealthcaresystemfromtheprivatepublicrelationshipperspective,
withemphasisonitsoriginalcharacteristics,theconstitutionoftheSistemaÚnicodeSaúde
and its meanings. The third and last chapter, develops the subject of SUS financing, its
distributiveconflicts,underthelensoftheprivatepublicrelationshipsthatprovidefinancing
totheBrazilianhealthcaresystem.
Keywords: public-private relationship in healthcare; space for capital appreciation and
accumulation; healthcare services universal access; commodification; decommodification;
Sistema Único de Saúde; tax waiving; healthcare private and public competition; social
inequality;socialsecurity;welfarestate.
LISTADEGRÁFICOS
GRÁFICO1-MINISTÉRIODASAÚDE(MS):EXECUÇÃODOGASTOTOTALPORFONTEDERECURSOS,CPMFEDEMAISFONTES(1995-2011)(EMR$BILHÕESDE2011).....................................................................................................................112
GRÁFICO2-PARTICIPAÇÃODASTRÊSESFERASDEGOVERNONOTOTALDOGASTOPÚBLICOCOMASPS–2002A2015..............116GRÁFICO3-SIMULAÇÃODAAPLICAÇÃOMÍNIMAPARAOGASTOCOMSAÚDECOMAREGRADE2016ECOMAREGRAESTABELECIDA
PELAPEC55(2017–2036)...........................................................................................................................123GRÁFICO4-BRASIL:SIMULAÇÃODASDESPESASPÚBLICASEM%DOPIBCOMAECN.95,2015-2036..................................124GRÁFICO5–PROJEÇÃODOIMPACTODAPEC241SOBREOGASTOFEDERALCOMSAÚDEEMCOMPARAÇÃOCOMAMANUTENÇÃODA
REGRADAEC86–EMR$DE2016PERCAPITA...................................................................................................128GRÁFICO6-GASTOTOTALCOMSAÚDECOMOPERCENTAGEMDOPIB(2011)DIVERSOSPAÍSES.............................................132GRÁFICO7-PARTICIPAÇÃODOGASTOPÚBLICOEDOGASTOPRIVADONOGASTOTOTALCOMSAÚDEEMPAÍSESSELECIONADOS(2011).
...................................................................................................................................................................133GRÁFICO8-PARTICIPAÇÃODOSSEGMENTOSNARECEITADOSETORDESEGUROS,BRASIL,2009-2014.................................151GRÁFICO9-NÚMERODEBENEFICIÁRIOSNOSETORDESAÚDESUPLEMENTARPORMODALIDADE,BRASIL,2009-2015..............153GRÁFICO10-GASTOTRIBUTÁRIOEMSAÚDEVERSUSGASTOSCOMASPS,BRASIL,2008–2014..........................................158GRÁFICO11-PARTICIPAÇÃODAFUNÇÃOSAÚDENOTOTALDOGASTOTRIBUTÁRIOFEDERAL,BRASIL,2006–2014................159GRÁFICO12-PAGAMENTOSEDOAÇÕESEMSAÚDENADIRPFEM%DOTOTAL,BRASIL,2008–2014.................................161GRÁFICO13-GASTOTRIBUTÁRIOEMSAÚDE,VERSUSGASTOTRIBUTÁRIOCOMPLANOSDESAÚDE,BRASIL,2008–2014.(R$
BILHÕESDE2014[IPCA])...............................................................................................................................162GRÁFICO14-TRIBUTAÇÃODOSPLANOSDESAÚDEPORSEGMENTO,BRASIL,2014.............................................................165GRÁFICO15-COMPOSIÇÃODATRIBUTAÇÃODOSPLANOSDESAÚDEPORSEGMENTO,BRASIL,2014......................................166GRÁFICO16-BENEFICIÁRIOSDEPLANOSDEASSISTÊNCIAMÉDICAPORTIPODECONTRATAÇÃONOBRASIL-DEZ/2000AJAN/2017-
EMMILHÕES..................................................................................................................................................168GRÁFICO17–MULTIPLICADORESDECORRENTESDEUMAUMENTODE1%DOPIBSEGUNDOTIPODEGASTOSOBREOPIB..........169GRÁFICO18–COMPORTAMENTODOÍNDICEDEGINIEDASRENDASTOTAIS(ORIGINAL,INICIAL,DISPONÍVEL,PÓS-TRIBUTAÇÃOE
FINAL)–BRASIL–2003E2009.......................................................................................................................171
LISTADEQUADROS
QUADRO1-FUNÇÕESPERMITIDASPELOSEGUROPRIVADODESAÚDEEMALGUNSPAÍSESDAOCDE..........................................51QUADRO2-MODALIDADESDECLASSIFICAÇÃODASEMPRESASOPERADORASDESERVIÇOSDEATENÇÃOÀSAÚDE........................149QUADRO3-OPROCESSOHISTÓRICODAORGANIZAÇÃODOSETORDESAÚDEEOANTECEDENTEPARAOSISTEMABRASILEIRODE
CUIDADODASAÚDE.........................................................................................................................................199
LISTADETABELAS
TABELA1-DISTRIBUIÇÃOPERCENTUALDAEXECUÇÃODOMSPORFONTEDEFINANCIAMENTO(1995A2011).........................113TABELA2-SIMULAÇÃODEGASTOSCOMASPSNAECN.29SEMAINCLUSÃODACONTRIBUIÇÃOSOCIALPARAASAÚDE,EMR$
MILHÕESCORRENTES–1999-2013..................................................................................................................117TABELA3-SIMULAÇÃODEGASTOSCOMASPSNAPECDOORÇAMENTOIMPOSITIVO(N.358)SEMAINCLUSÃODACONTRIBUIÇÃO
SOCIALPARAASAÚDE,EMR$MILHÕESCORRENTES–1999-2013........................................................................118TABELA4–ESTIMATIVADEIMPACTODAPEC241PARAOFINANCIAMENTOFEDERALDOSUS–CENÁRIOSPARAOPERÍODODE2017
A2036........................................................................................................................................................126TABELA5–DESPESASREALIZADASEMEDUCAÇÃOESAÚDENOPERÍODO2002A2015COMPARADOASIMULAÇÃODASDESPESASEM
EDUCAÇÃOESAÚDEPELAREGRADAPEC241–BRASIL2002–2015.(VALORESREAISDEDEZEMBRODE2015(IPCA).ANO-BASE2002)...........................................................................................................................................127
TABELA6-BRASILEPAÍSESSELECIONADOS–GASTOTOTALCOMSAÚDE,GASTOPÚBLICOCOMSAÚDE,GASTOPRIVADOCOMSAÚDE,GASTOPRIVADOOUT-OF-POCKETCOMSAÚDECOMO%DOPIB.GASTOTOTALPERCAPITAEGASTOPÚBLICOPERCAPITA(PPPINTUS$).–2011..........................................................................................................................................136
TABELA7-RECEITADECONTRIBUIÇÕESSOCIAISSELECIONADASEOSEFEITOSDADESVINCULAÇÃOPROMOVIDOSPELADRU,EXERCÍCIOSSELECIONADOSDE2005,2008,2010E2012A2014[VALORESCORRENTES,R$MILHÕES].......................141
TABELA8-EVOLUÇÃODASDESPESASDOMSCOMAÇÕESESERVIÇOSDESAÚDEPÚBLICAEMRELAÇÃOADIVERSOSINDICADORES,2005,2008,2010,2012A2014..................................................................................................................142
TABELA9-BRASIL–VALORESDASNOVASRENÚNCIASFISCAISADOTADASAPARTIRDE2010,QUEPRODUZIRAMEFEITOSDE2012A2014[EMR$MILHÕES]..................................................................................................................................143
TABELA10-RECEITADOSETORDESEGUROSPORSEGMENTO,BRASIL,2009–2014[R$BILHÕESDE2014(IPCA)]...............150TABELA11-RECEITADECONTRAPRESTAÇÃONOSETORDESAÚDESUPLEMENTARPORMODALIDADE,BRASIL,2009–2014R$
BILHÕESDE2014(IPCA)]...............................................................................................................................152TABELA12-ARRECADAÇÃOTRIBUTÁRIAFEDERALNOSETORDESAÚDESUPLEMENTAR,BRASIL,2008-2014.........................154TABELA13-GASTOSTRIBUTÁRIOSEMSAÚDEPORMODALIDADEDOGASTO,BRASIL,2006–2014[R$MILHÕESDE2014(IPCA)]
...................................................................................................................................................................157TABELA14-PAGAMENTOSEDOAÇÕESEMSAÚDENADIRPFPORTIPO,BRASIL,2008–2014.............................................160TABELA15-RECEITASEDESPESASCOMTRIBUTOSCOMPLANOSDESAÚDE,PORSEGMENTO,BRASIL,2014(R$MILHARES
CORRENTES)..................................................................................................................................................164TABELA16–DISTRIBUIÇÃODOGASTOPÚBLICOFEDERALEMSAÚDE,SEGUNDORUBRICASDEGASTOEPORDÉCIMOSDERENDA–
2008...........................................................................................................................................................172TABELA17-VALORESPERCAPITAMENSAISDAESTIMATIVADOGASTOPÚBLICO,DOGASTOPRIVADOEDAESTIMATIVADARENÚNCIA
FISCAL–R$JAN./2009...................................................................................................................................174
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................16
CAPÍTULO1–ACONFIGURAÇÃODOSSISTEMASUNIVERSAISDESAÚDEEARELAÇÃOENTREOSSISTEMASPÚBLICOEPRIVADO........................................................................231.1–AIMPORTÂNCIADOWELFARESTATEEDOSESTUDOSCOMPARADOS............................................241.2–TENDÊNCIASRECENTESDOSWELFARESTATESDOSPAÍSESDESENVOLVIDOS...................................331.3–SISTEMASDESAÚDE,PADRÕESEESTRATÉGIASDEFINANCIAMENTOFRENTEAO“CAPITALISMOSANITÁRIO”.............................................................................................................................421.4–TRANSFORMAÇÕESRECENTESDOSSISTEMASDESAÚDEUNIVERSAISNOCONTEXTODASRELAÇÕESPÚBLICO-PRIVADAS...................................................................................................................70
CAPÍTULO2–AFORMAÇÃODOSISTEMADESAÚDEBRASILEIRODOPONTODEVISTADASRELAÇÕESPÚBLICO-PRIVADAS:SUASMARCASORIGINÁRIAS,ACONSTITUIÇÃODOSISTEMAÚNICODESAÚDEESEUSSIGNIFICADOS.............................................................822.1–OSANTECEDENTESDOSISTEMAÚNICODESAÚDE..................................................................852.2–ABERTURADEMOCRÁTICA,MOVIMENTOSANITARISTAEASSEMBLEIANACIONALCONSTITUINTE.......912.3–ACONSTITUIÇÃOFEDERALDE1988:ORÇAMENTODASEGURIDADESOCIALEOSISTEMAÚNICODESAÚDE...................................................................................................................................99
CAPÍTULO3-OFINANCIAMENTODOSUSEOSCONFLITOSDISTRIBUTIVOSNASAÚDE:ASRELAÇÕESPÚBLICO-PRIVADASNOFINANCIAMENTODASAÚDENOBRASIL...................1043.1–AVULNERABILIDADEDOFINANCIAMENTODOSUSEASLUTASPELAGARANTIADERECURSOSNOCONTEXTODASRELAÇÕESPÚBLICO-PRIVADAS...............................................................................1063.2–RENÚNCIASFISCAISCOMOMECANISMODETRANSFERÊNCIADOSFUNDOSPÚBLICOSPARAOSETORPRIVADONASAÚDE.................................................................................................................145
CONCLUSÃO...................................................................................................................179
REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS.......................................................................................184
ANEXOS..........................................................................................................................198
16
Introdução
Otemageraldestateserefere-seàinserçãodossistemasdesaúdenadiscussãodo
welfarestate,porumlado,e,poroutro,nadiscussãodaacumulaçãodecapitalapartirda
qualédesenvolvidaaquestãodasrelaçõespúblico-privadasquepodemserentendidascomo
umaexpressãodessaacumulação.
Nessesentido,orecortequeescolhemosparaabordarotemaéodofinanciamento
dosistemadesaúdeesuasrelaçõespúblicoeprivadanoBrasil,observandoseoBrasilse
conformaaessepadrão,noqueeledivergeeporqueelediverge.
O objetivo da tese é discutir o caso específico das relações público e privada no
financiamentodo sistemade saúdebrasileiro, contudo, inserindo-o emumespectromais
geraldadopelosmovimentosrecentesqueocorreramnossistemasdesaúdeuniversaisdos
paísescentraiseuropeusapartirdadécadade1970,nocontextodoneoliberalismo.
Estetrabalhopartedahipótesedeque,naatualconfiguraçãodoswelfarestates,os
sistemas de saúde apresentam maior diversidade nas formas de concepção, valores,
institucionalidadeefinanciamentodoqueossistemasdeprevidênciaeassistênciasocial.Os
sistemasdesaúdeconstituemcampofértilparaoaprofundamentodeestudossobrearelação
público e privado, no Brasil, em função da crescente presença do setor privado na
configuração dos sistemas de saúde e da lógica de mercado e intenso processo de
mercantilização.
Nesta discussão, há um aspecto marcante, que é a presença de dois processos
simultâneos:porumlado,demercantilizaçãodosserviçosdesaúdeacargodosetorpúblico,
eporoutro,dedesmercantilizaçãodofinanciamentodosetorprivado.Adesmercantilização
dosetorprivadoantecedeamercantilizaçãodosetorpúblico,que,noBrasil,éumfenômeno
daúltimadécada.
17
No caso do Brasil, esse processo se dá de forma contraditória à proposta de
universalizaçãodoacessoaos serviçosde saúde,parteessencialdoprojetodeseguridade
socialpresentenaConstituiçãode1988.
Amercantilizaçãoemcursoreforçaasegmentaçãodomercado,aconcorrênciaentre
osetorprivadoepúblico,especialmentenaprestaçãodeserviçosdemédiacomplexidade,
nosquaisoavançodocapitalprivadonasaúdesedáemdetrimentodoSUSuniversal,via
transferênciadefundospúblicosaosetorprivado,evemagravandoasdesigualdadessociais
deacessoaosserviçosdesaúde.Consequentemente,somenteoestabelecimentodelimites
e a ampliação da capacidade regulatória do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Agência
NacionaldeSaúde(ANS),bemcomosuacoordenação,poderãoconterosefeitosnegativos
relacionados ao avanço do capital privado na área da saúde, atenuando os impactos da
segmentaçãoedaconcorrênciadesenfreadanocampodasaúde.
Mesmo na bibliografia convencional sobre o tema, é reconhecido que o
desenvolvimento do setor privado de saúde, ao seguir a lógica de mercado, tem efeitos
positivos e negativos. Os positivos seriam, por exemplo, as inovações tecnológicas; os
negativos,aseleçãoadversa,asegmentaçãodaclientela,ogasto“catastrófico”.
Portanto,apartirdessasconsiderações,podemosafirmarqueasaúdenãoéumaárea
que possa ser totalmente mercantilizada, pois tem especificidades que a afastam da
precificaçãoedaunitarizaçãodoscustos.Paraalémdas“externalidades”,reconhecidaspela
visãoclássicadotema,existeoutralógicaquesecontrapõeaesta:abuscaporumasociedade
maisjusta,menosdesigual,maisdigna,maissolidária,naqualasaúde,comodireitosocial,
integreoprocessopolíticoematerialdeaquisiçãodacidadania.
Paratanto,nãosetrataapenasderesponderàsimperfeiçõesdomercado,mas,sim,
delimitarosefeitosnegativosdoavançodalógicamercantiledosetorprivadonasaúde.Seria
precisoconfigurarumarranjosolidárioentreosetorpúblicoeoprivado.
Todasassociaisdemocraciaseuropeiasassimofizeram,emboratenhamdivergidoem
termos de concepção e escopo dos sistemas universais. Entre os países desenvolvidos,
somenteosEUAapresentamumsistemadesaúdesegmentado,comcoberturapúblicadas
ações e serviços direcionados exclusivamente aos indivíduos em condição de fragilidade
18
econômicaesocial,quedeixadescobertoumexpressivonúmerodeindivíduos–estimado,
em2014,em47milhões– semcapacidade financeirapara contribuir individualmente,de
formaregular,demodoacobriroscustoscrescentesdosplanosdesaúdeaolongodesua
vida.Essesistemaapresentaaltocustorelativamenteaospaísesdecoberturauniversaleé
ineficazdopontodevistadosindicadoresdesaúde.
Aatualizaçãodossistemasuniversaisàsnovascondiçõesdomercadodetrabalhoe
dasaspiraçõessocietais,alémdasnovastecnologiaseformasdeorganizaçãodosserviços,
sãomaneiras contemporânease reaispara limitaros efeitosnegativosdoavançoprivado
(mercantilefinanceiro)nasaúde.
A desmercantilização se apresenta como central para conter esse avanço. Para
aprofundar a discussão que recebeu a denominação geral de mercantilização, faz-se
necessário estudar as duas faces da mesma moeda: o processo de mercantilização e o
processodedesmercantilização.
AreflexãomaisgeralconduzaumdesdobramentoparaoBrasileaumexamedesuas
semelhanças,contrastesedissonâncias.
Para desenvolver os temas tratados por esta tese, referentes ao entendimento da
questãoacimaanunciada,organizamosotextoemtrêscapítulos,alémdestaintroduçãoeda
conclusão.
No capítulo 1, veremos quais foram as transformações nos sistemas de saúde,
particularmente no que se refere ao financiamento e à universalidade do acesso, que se
configuraramdiantedoavançodamercantilizaçãosobreesseespaçonãomercantil,resultado
deummovimentoanteriordedesmercantilização,sofridopelassociedadeseuropeiasdopós-
guerra,queestruturaramumarranjosolidáriodesociedade.Aforçadessearranjo,pormais
quetenhasofridoabalosconsideráveiscomoavançodalógicamercantil,mostraresistência
nadimensãodauniversalidadedoacessoaosserviçosdesaúde.
Paratanto,abordaremosaImportânciadowelfarestatemostrando,brevemente,que,
apartirdofinaldosanos1940,houveaconformaçãodeumarranjoentreEstado,mercadoe
sociedadequeestabeleceuasolidariedadecomovalorsocialeaceitouapresençaativado
Estado para combater as desigualdades criadas pelo capitalismo por meio, entre outras
19
dimensões,deumaestruturadefinanciamentojustoecoletivoquedeuorigemaosestados
debem-estarsocial.
No campo teórico do estudo sobre desenvolvimento comparado, a consagrada
tipologiapropostaporEsping-Andersen(1990)apresentatrêsregimesdebem-estarsocial.
Suas características possibilitam, por um lado, compreender as diferençasmais gerais do
arranjodeacordocomosvalorespredominantesnassociedades.Essetipodeabordagem,
poroutrolado,apresentalimitaçõesqueescondemaspectosdinâmicosdahistóriaconcreta
dospaísesedasmudançasqueos arranjos sofreramdeacordo comopróprio avançoda
sociedade, que é, por sua vez, reflexo dos problemas e soluções enfrentados nas suas
realidadesconcretasdavidadiária.
Emquepesemessaslimitaçõesmetodológicas,Esping-Andersen(1990)seutilizade
um conceito importante e interessante de Polanyi, que é particularmente inspirador para
refletirmos através destas lentes e analisarmos o caso particular que as modificações
estruturais trazem para os sistemas de saúde e seus desdobramentos para a questão do
acessouniversalaosserviçosdesaúdeentendidacomoumadasdimensõesdadesigualdade
edireitossociaisfundamentais.Esteéoconceitodedesmercantilização.
Prosseguimos tratando das tendências recentes dos welfare states, mostrando
brevementequaissãoasnovasfeiçõesdoswelfarestateresultantesdastransformaçõesque
ocapitalismoglobalizadoefinanceiroimpôsaosarranjosconformadosnopós-guerra.Entre
essastendências,estáoavançodapresençaprivadanasestruturaspúblicasecoletivasdo
Estado,nosespaçosnãomercantis,entreelesasaúde,queserá,apartirdoitem1.3,ofoco
denossaanálise.
Adiante, na discussão sobre os sistemas de saúde, seus padrões e estratégias de
financiamentofrenteao“capitalismosanitário”,portantojánocampoespecíficodorecorte
destatese,odossistemasdesaúde,veremosospadrõesdefinanciamentoexistentesnos
sistemasdesaúdeeosarranjospossíveisentreossistemasdesaúdepúblicoseosprivados.
Veremos,também,quaisforamosnovosproblemaseassoluçõesdadaspelossistemasde
saúde configurados no pós-guerra frente ao avanço do setor privado. Entre esses
desdobramentos,estãoauniversalidadeeofinanciamento,queforamexaminadosapartir
20
dasconfiguraçõesatuaisdosmodeloshegemônicosnomundo.Oavançodosetorprivadofoi
umatendênciageraldomovimentoatualdocapitalismo.Portanto,precisamossaberquais
foram as consequências desse avanço para a universalidade dos sistemas de saúde, uma
dimensãodaquestãodadesigualdadesocial.Aindadiscutiremosoaumentodofinanciamento
da saúde por parte dos pacientes, mostrando uma importante consequência da
mercantilizaçãosofridapelossistemasdesaúde.
Por fim, na discussão sobre as transformações recentes dos sistemas de saúde
universais no contexto das relações público-privadas, olharemos mais especificamente a
mercantilizaçãodossistemasdesaúde,mostrandosuasváriasdimensões,alcanceselimites
postosaoseuavançoequetêmrelaçãocomamanutençãoeatéampliaçãodauniversalidade
dossistemasdesaúde.
Entretanto,nãoéissoquevaiacontecernocasodosistemadesaúdenoBrasil.Para
entendermosoporquêdessafracaresistêncianocasobrasileiro,ocapítulo2tratadagênese
dosistemadesaúdebrasileiro.Comovamosaprofundaroestudosobreasrelaçõespúblicoe
privadasnocasobrasileiro,énecessárioapresentarumaperspectivahistórico-institucional
dosistemadesaúde.Éapartirdagênese,dascondiçõesespecíficasbrasileiras–desigualdade,
heterogeneidade –, da etapa do capitalismo, da recomendação da privatização, que
conseguiremoscompreenderqueaorigemdosistemapúblicodesaúdeécontemporâneaàs
críticasaosseusprincípiosnocenáriointernacional.Nagênesedosistemadesaúdepúblico
brasileiro,hádoismovimentossimultâneos:odedesmonteeodeconstruçãodaSeguridade
SocialedoSUS.
OmovimentodeconstruçãodaSeguridadeSocialedoSUSnoBrasilnãosedeuno
período entre a Segunda Guerra Mundial e os anos 1970, idade de ouro do capitalismo
mundial no campo do crescimento econômico, do pleno emprego e dos avanços sociais.
Começouemumterritórioesfacelado,submetidoaojugodoConsensodeWashington,em
ummomento de reforma do sistema de saúde nos países europeus e de privatização na
AméricaLatina.
O capítulo 2 tratará da relação público e privado do sistema de saúde no Brasil.
VeremosaorigemdoSistemaÚnicodeSaúdedentrodosistemadeproteçãosocialbrasileiro
21
decaracterísticameritocrática,cujamarcaorigináriajáapontavaasegmentaçãocomumviés
privatista e outro universalista e que a falta de diálogo entre esses dois vetores de
transformação do sistema, em um determinado momento, imprimiu características
marcantesededifícilsuperaçãoparaasrelaçõespúblico-privadanasaúde.Relembraremos,
àluzdaatualcrisepolítico-econômica,osembatesdaspropostasdeconstruçãodoSistema
ÚnicodeSaúdetravadosnaAssembleiaNacionalConstituinte.Porfim,veremosodesenlace
desseprocesso,queculminoucomaconstituiçãodoSUSnaConstituiçãoFederalde1988,
queotrouxeconsigoemumanovacondição,degarantiadeacessouniversalatodos,com
financiamentopúblico,mascomosmeiosdeproduçãodeserviçosprivadooupúblico.Esse
movimento imprimiu ao SUS uma configuração particular cujas consequências na relação
público-privadarefletemenormesdificuldadesnofinanciamentodosistemapúblico,jáqueo
volume de recursos e de oportunidades de mercado alimentam, também, o complexo
industrialdasaúde,cuja“sede”pelavalorizaçãodeseucapital,dadoocontextomundialde
globalização e financeirização, tornou-o forte para avançar naprivatizaçãodeum sistema
recém-universalizado.
Dentreosdesdobramentosdamercantilizaçãodosserviçosdesaúdeacargodosetor
público, há umoutro processo importante que será apresentadono capítulo 3: a face da
desmercantilização do financiamento do setor privado, sem aumento da capacidade
regulatóriadoEstado,noBrasil.Veremos,pelaóticaprivada,quaisasimplicaçõesdasrelações
público-privadadofinanciamentodasaúde.Veremosque,mesmoosetorprivadosendoem
partefinanciadopublicamente,elemostranãoternenhumcompromissocomoideárioda
ConstituiçãoFederalde1988.
Oobjetivodocapítulo3,portanto,émostrarcomoofinanciamentodoSUSrevelaa
complexidadedosconflitosdistributivosdopaís,analisandoasrelaçõespúblico-privada,tanto
dopontodevistamacroeconômico–pormeiodaquestãodapolíticade incentivos fiscais
parareanimarosetorprivadoemummomentodecriseedapressãopeloacirramentoda
disputa dos recursos das contribuições sociais, entre elas as da saúde, para uso livre do
governo federal–,comodopontodevistamaisespecíficodaáreadasaúde,pormeioda
renúnciadearrecadação.
22
Aoaprofundarosestudossobreoconflitodistributivonaáreadasaúde,revelam-sea
particular desigualdade social brasileira e sua reprodução e perpetuação anacrônicas. O
processodemercantilizaçãodosserviçosdesaúde,assimcomoodedesmercantilizaçãodo
financiamento,nocasobrasileiro,vêmassociados.
RelembraremosohistóricodavulnerabilidadedofinanciamentodoSUS,aslutaspela
garantiaderecursosnocontextodasrelaçõespúblico-privadaeadiscussãodofinanciamento
dopontodevistamacroeconômicoesuasrelaçõescomosetorprivado.Exatamenteemum
momentoemqueagarantiaderecursospúblicoséessencialparacombaterocontextode
desemprego,deadoecimentoemperíodosdecrise,dedesalentoedenovasepidemias,de
dengueoudezika,porexemplo,háumapressãodogastopúblicodesaúdedeumlado.E,do
outrolado,oesforçodogovernofederalparareanimarosetorprivadopormeiodeincentivos
fiscais,desde2014,semexigiracontrapartida,temumefeitopreocupanteeperigososobre
aseguridadesocial.
Tambémdiscutiremos a questão da renúncia de arrecadação e comoela pode ser
especificadaparaasaúde.Veremosqueasempresasrecebemmuitomaisdoqueretribuem,
eessarelação,injusta,mostraopoderderegulaçãoqueosetorpúblicotem(ANS),masnão
outilizaouutilizasuaomissãopara favorecerasegmentaçãodosistemadesaúde,dando
prioridadeaosetorprivado.Porfim,faremosalgumasbrevesconsideraçõessobreosefeitos
econômicospositivosdogastopúblicocomsaúdeeocaráterregressivodogastotributário
comsaúdeassociadoaosplanosdesaúde.Essasconsideraçõesnosaproximamdadimensão
dadesigualdade,queapolíticadesaúdeseriabastanteeficazemcombater.
23
Capítulo 1 – A configuração dos sistemas universais de saúde e arelaçãoentreossistemaspúblicoeprivado
Ocapítulo1pretendesituaratemáticamaisgeraldaqualestateseéparte.Porum
lado,analisaráainserçãodossistemasdesaúdenadiscussãodowelfarestatee,poroutro,
nodebatedaacumulaçãodecapitalapartirdaqualédesenvolvidaaquestãodasrelações
público-privadas,entendidascomoexpressãodessaacumulação.Ocapítulo1estádividido
emquatrosubitensquepretendemenfatizaralgunsaspectosfundamentaisdessadiscussão
equeservirãodenorteparapensarmossobreoobjetivodestatese,queédiscutirocaso
específicodasrelaçõespúblicoeprivadanofinanciamentodosistemadesaúdebrasileiro.
Oitem1.1pretenderetomaraquestãodastipologiasdowelfarestateparamarcara
importânciadosvaloresconstitutivosdessesarranjos–especialmenteauniversalidadeea
solidariedade–etambémparadiscutirumconceitoimportanteparaestatese,queservirá
comoumadimensãodeanáliseparaainterpretaçãodocasobrasileiro:adesmercantilização.
Oitem1.2pretendesublinharaimportânciadoarranjodowelfarestateesuaespecificidade,
avançandonadiscussãosobreasprincipaistendênciasdoswelfarestatesdiantedasrespostas
dadas à crise econômica e reformas. Uma das tendências que ressaltaremos é a
mercantilização. Outro ponto importante que será destacado é o avanço da lógica de
valorizaçãodocapitalqueatingeosespaçosnãomercantis,sobretudoapartirdofinaldos
anos1970,frutodoprocessomaisgeraldanovaetapadocapitalismo,oneoliberalismo.Esse
movimento,discutidonositens1.1e1.2,servirádeponteparachegarmosaolocusescolhido
comofocodestatese:osistemadesaúde.
Assim, no item 1.3, discutiremos como esses movimentos identificados nos itens
anteriores também têm sua expressão nos sistemas de saúde. Vamos analisar, à luz das
relaçõesentreosistemadesaúdepúblicoeosistemadesaúdeprivado,comoseconstituem
ospadrõeseestratégiasdefinanciamento.Outrasquestõesdiscutidassãocomo,frenteao
avançodosmovimentosdocapitalismo,amercantilizaçãoatingiuemodificouossistemasde
saúde,alémdeverificarosentidoeanaturezadessasmudanças.Esseprocessodeavançoda
24
mercantilizaçãoéchamadoporBatifoulier(2015)decapitalismosanitário.Veremos,noitem
1.4, quais são as principais transformações concretas desse movimento nos países com
sistemasuniversais da Europaocidental e se podemosobservar algum tipode resistência
frenteaocapitalismosanitário.
1.1–Aimportânciadowelfarestateedosestudoscomparados
Verifica-se,nospaísesdesenvolvidos,desdeosanos1950atéadécadade1980, a
crescente presença do Estado no campo das políticas públicas, traduzida em sua maior
participaçãonarendaenocrescimentodacargatributáriaedogastopúblico.Essapresença
marcanteviabilizouaintegraçãodasdemandasdocapitalismoedademocracia(MYLES,1984)
e garantiu as rendas do trabalho em situações de risco social grave, entre os quais o
desemprego,bemcomoarendaagregada.
As necessidades de financiamento das políticas universais
destinadasaprovergastosnãoindividualizados(comoosserviçosdesaúde
e educação) requereram, de forma estrutural, o aporte de recursos
tributários ao financiamento do seguro, feito por contribuições sociais
diretas dos trabalhadores. A receita tributária também financiou a
redistribuiçãoassociadaàgarantiadepatamaresmínimosdebem-estar,por
meiodacomplementaçãoderendaaosmaispobres(OIT,1983).Atéosanos
1970,talredistribuiçãofoiapenasumelementoconjunturaldeeconomias
estabilizadas por mais de duas décadas, em condições de crescimento
econômicoedeplenoemprego.(DAINeJANOWITZER,2006,p.17).
A conformação dos arranjos entre Estado, mercado e sociedade, após a Segunda
GuerraMundial,caracterizouoEstadodebem-estarsocial(EBES).
Nocampoteóricodos trabalhossobreodesenvolvimentocomparado,aanálisedo
EBES produziu inúmeros e importantes estudos comparativos e estabeleceu diversas
tipologias. Essas diferenças entre os welfare states e seu agrupamento tipológico,
25
esquematizadas pioneiramente por Titmuss (1974) e, em seguida, por Esping-Andersen
(1990)1,revelamadificuldadeeaslimitaçõesdecotejamentoentreexperiênciascomparadas.
Paratanto,éfeita,aqui,asistematizaçãodefatoresdiferenciais,quepermitemaapropriação
eoentendimentodovastoespectrodesistemasencontradosnarealidade.
Contudo,éimportantesublinharque,apesardareconhecidaimportânciadeautores
docampodeestudoscomparados,comoEsping-Andersen,noesforçodedimensionaruma
tipologiaàsdiferentesexperiências,étambémfundamentalqueolhemosparaarealidade
dospaíses–doBrasil,especificamente,nonossocaso–,considerandooslimitesconcretosda
construçãodastipologias.
Astipologiasmostramasdiferençasentremodelos,apartirdegrandesimplificação,
maséprecisoiralémparainvestigarossistemasdeproteçãosocial,inclusiveosdesaúde,em
suaheterogeneidadeconcreta.
Defato,associedades,emsuasrealidadesconcretas,sãoheterogêneas,eossistemas
deproteçãosocial,pormaisqueprojetemsimilaridadesousejamfatordehomogeneização,
espelhamaprópriasociedade.Então,sabemosque,alémdoslimitesteóricosdastipologias
paratratardessaquestãodeformageral,noperíodomaisrecente,oproblemadoslimitesda
tipologiatemsetornadomaisagudoporqueassociedadesestãocadavezmaisheterogêneas,
assimcomoasdemandas,osriscos,aquestãodotrabalho.Odesenvolvimentodocapitalismo
maisrecentetemproduzidocadavezmaisassimetrias,diferençasedesigualdades.
Estruturalmente, o capitalismo, no seu movimento próprio, produz desigualdade,
assimcomotambémproduzriqueza(MELLO,1992;2009;MELLOeNOVAIS,1998),e istoé
inerente à sua natureza. Contudo, no capitalismo contemporâneo, temos visto uma
radicalização dessas desigualdades, assimetrias e diferenças nos países centrais, que se
tornamaindamaisgravesempaísesperiféricos,comoéocasodoBrasil.
1Titmussjáclassificavaosestadosdebem-estaremmodelodedesempenhoindustrialeperformance,modeloinstitucionalredistributivoemodelo residual debem-estar, referindo-seoprimeiro aomodelobaseadonaestruturadaocupação, osegundoaomodelouniversalistabaseadonoconceitodecidadania,etratandooterceirodeaçõesdecomplementaçãoderenda.“Essatipologiadasmatrizespolítico-ideológicasdaproteçãosocialnomundodesenvolvidoreproduziu-senomarcoconceitual,hojeconsagradoporEsping-Andersen(1990)”(DAINeJANOWITZER,2006,p.17).
26
De todo modo, as tipologias são importantes para mostrar a relação entre as
concepçõesteóricasadotadas,osgrupossociaiscommaiorforçaeaestruturaqueadvém
dessainteração.
Adesmercantilizaçãodotrabalhoedosbenseserviços
Umconceitoimportanteparaestateseéodadesmercantilização.Esping-Andersen
(1991) desenvolve esse conceito de commodification inspirado na análise da origem da
desmercantilizaçãodo trabalhoedoacessoabenseserviços feitaporPolanyi (2012),em
relaçãoaospobres.
OconceitodedesmercantilizaçãoapresentadoporEsping-Andersen(1991)mostrao
grau em que os indivíduos ou as famílias podem manter um padrão de vida aceitável
socialmente,independentementedaparticipaçãodomercado.Segundooautor,apartirdo
momentoemque“osmercadossetornamuniversaisehegemônicos,équeobem-estardos
indivíduos passou a depender inteiramente de relações monetárias” (ESPING-ANDERSEN,
1991,p.102).Ora,essaéasociedadecapitalistaemquehárelaçãocapital-trabalhoedivisão
dotrabalho.
Essa dependência – de os indivíduos serem submetidos a relações monetárias –
representaumaviolência.Ela implicaretirardosindivíduosoacessoa instituições,comoa
família,porexemplo,quegarantiamsua“reproduçãosocial”,ejogá-losnadependênciado
mercado,dosalárioedarenda.Isso,segundoEsping-Andersen,significouamercantilização
daspessoas.
Poroutrolado,ainstituiçãodosdireitossociaisteriasignificadoumabrandamento,
umafrouxamentodo“statusdepuramercadoria”(Ibid.,p.102).Ouseja,ofatodeaprestação
de um serviço ser um direito significa que o indivíduo não depende domercado para se
manter.Portanto,agarantiadosdireitos sociaismodernos (saúde,educaçãoetc.)poderia
libertá-lo,aindaqueparcialmente,dadependênciadavendadesuaforçadetrabalhopara
sobreviver.
27
Esping-Andersen (1991) discute em que medida a existência de programa sociais
garantiriaumadesmercantilizaçãodoindivíduo. Istoé,nãoétodotipodeprogramasocial
queemancipaoindivíduodesuadependênciadomercado.Porexemplo,umprogramade
previdênciaoudeassistênciasocialpodenãogerardesmercantilizaçãoseosistemadeajuda,
emvezdeatrairaparticipaçãodosindivíduos,forçá-losacontinuarnomercado,dadoopouco
benefícioe,principalmente,oestigmasocialquepodeestaraelesassociado.Essefoiocaso
da Lei dos Pobres, do século XIX. Por outro lado, também, há programas de previdência
planejadoscomointuitode“maximizaraatuaçãonomercadodetrabalho”.
Do ponto de vista das relações sociais entre trabalhadores e capitalistas, uma
sociedadealtamentemercantilizadaprejudicaostrabalhadores,dificultandosuamobilização
paraaçõessolidárias.Mesmoentreosprópriostrabalhadores,háaindadivisões.
Adesmercantilizaçãoaparecenaampliaçãodotempolivre,emsuasváriasdimensões,
por exemplo, na retirada dos indivíduos do mercado de trabalho, seja pela inserção de
crianças e jovens nas estruturas de educação formal, seja na inserção nos sistemas
previdenciários.Educaçãoeprevidênciapermitempostergareantecipar,respectivamente,a
entrada e a saída dos indivíduos na vida laboral ativa, permitindo longos períodos de
inatividade. Redução da jornada de trabalho, férias, finais de semana remunerados são
dimensõesdessemovimento.
Poroutrolado,esse“excedentedetrabalho”tomaformaemumconjuntodebense
serviçosintegradosaodesenvolvimentodeesferasnãomercantisintegradasàsestruturasde
bem-estar social. Isso poderia se tornar apenas sobretrabalho. Na lógica mercantil, esse
tempolivrepoderiasetornardesempregoaberto,enquantoque,noarranjodowelfarestate,
transforma-seemcriançanaescola,emidososnosistemaprevidenciárioeemumconjunto
debenseserviçosnãomercantisquearticulamoprocessodedesmercantilizaçãodotrabalho
comapolíticasocial.
Esping-Andersen (1991) discorre também sobre o desenvolvimento dos direitos
desmercantilizadoseestabelecealgumas relações importantesentreomodelodewelfare
state e o “grau” de desmercantilização atingido, ou como um programa social gera
desmercantilização.
28
Ostrêsregimesdewelfarestateeseusconteúdosideológicos
Owelfarestateéumsistemadeestratificação,umaforçaativanoordenamentodas
relações sociais, além de ser ummecanismo que intervém na estrutura de desigualdade.
Esping-Andersen(1991)mostraalgunssistemasalternativosincrustadosnoswelfarestates,
historicamente.Vejamosalgunsdeles.
Oprimeiroéosistemadetradiçãoassistencialista,deajudaaospobres,ouassistência
socialapessoascomprovadamentenecessitadas.Essatradiçãofoiplanejadacompropósito
deestratificação,poispuneeestigmatizaseusbeneficiários,criandodualismosocial.
Osegundoéosistemadetradiçãodaseguridadesocialbismarckiana.Tambémseria
uma formade política de classe comdois resultados de estratificação: um, que consolida
divisões entre os assalariados, pois aplica programas distintos para grupos diferentes em
termos de classe e status (conjunto particular de benefícios e privilégios, que acentua a
posiçãodecadaindivíduonavida);outro,quevinculaaslealdadesdoindivíduodiretamente
àmonarquia ou à autoridade central do Estado. Como exemplo, temos a suplementação
estatal direta às pensões e aposentadorias. Nessa tradição, encontram-se os benefícios
previdenciáriosparaofuncionalismopúblico.
Oterceiroéodetradiçãodossistemasuniversalistas/modelobeveridgiano,segundo
oqualtodososcidadãossãodotadosdedireitossemelhantes,independentementedeclasse
socialouposiçãonomercado/ocupação.Elepretendecultivarasolidariedadeentreasclasses
(solidariedade da nação). Segundo Esping-Andersen (1991), esse modelo pressupõe uma
estruturadeclassehistoricamentepeculiar,“ondeavastamaioriadapopulaçãoéconstituída
de ‘pessoas humildes’ para quem um benefício modesto, embora igualitário, pode ser
considerado adequado” (ESPING-ANDERSEN, 1991, p. 106). Segundo o autor, quando isso
deixadeocorrer,
(...)comoacontecequandoaumentaaprosperidadedaclassetrabalhadorae surgem novas classes médias, o universalismo do benefício uniformepromoveodualismo inadvertidamente, pois osqueestãomelhorde vidavoltam-separaoseguroparticulareparaanegociaçãodebenefíciosextrasparasuplementaramodestaigualdadequejulgamserospadrõeshabituaisdebem-estar.(Ibid.,p.106).
29
Então, segundooautor,nos locaisondeesseprocessoocorreu,noCanadáouGrã
Bretanha, o resultado é que o “espíritomaravilhosamente igualitário do universalismo se
transformaemumdualismosemelhanteaodoestadodeassistênciasocial:ospobrescontam
comoEstado,eosoutros,comomercado.”(ESPING-ANDERSEN,1991,p.106).
Aquestãodoefeitoinadvertidodouniversalismodobenefíciomodesto,que,emum
contexto de aumento da prosperidade, acaba por criar uma dualidade social – isto é, o
enfrentamentododilemadasmudançasnaestruturadeclasse–tambémfoipostaemtodos
osmodeloshistóricosdowelfarestate.
A resposta à prosperidade e ao crescimento da classemédia variou, assim, como
variouoresultadoemtermosdeestratificaçãosocial2.
Natradiçãocorporativistadaseguridadesocialbismarckiana,a“universalização”do
benefíciofoifeitacombaseemumaalteraçãodaclassificaçãodosbenefícios.Porexemplo,
emvezdeosbenefíciosseremclassificadossegundoascontribuições,elespassaramaser
classificados segundo os ganhos. Isso não alterou a estrutura da distinção de status. Essa
tradição,porjáteradiferenciaçãoembutidacomovalor,foimaisadaptávelàexpansãodo
bem-estar.
Já na tradição assistencialista ou no sistema universalista do tipo beveredgiano, a
opção frente ao dilema foi entre o mercado e o Estado, “no sentido de proporcionar
adequaçãoesatisfazerasaspiraçõesdaclassemédia”.(Ibid.,p.107).
Os modelos surgidos dessas opções de respostas foram o modelo típico da Grã-
Bretanha e damaior parte domundo anglo-saxão, isto é, o que preserva no Estado um
universalismo essencialmentemodesto e deixa que omercado reine sobre as crescentes
camadassociaisquedemandambenefíciosprevidenciáriosmaiores.
2Essaquestãoéfundamentalparasepensar,porexemplo,osistemadesaúdenoBrasilepensarcomosedeuacoalizãodasclasses–respostaàprosperidade–equaloefeitosobreosmodelosdesaúdedospaísesqueestavam,ainda,emumestágiodeimplementaçãodosseussistemasdesaúde,comoeraocasodoBrasil.Nessesentido,oBrasilvivia,em2013,porexemplo,ummomentodeterminanteparaadefiniçãodofuturodeseusistemadesaúde, jáquehouveumalargamentodaclassemédia,emtermosderenda,eelaestádiantedeumdilema:SUSouplanosprivados.Dependendodoencaminhamentodaquestão, podemos ter uma adesão dessa classe C ao projeto SUS ou não, isto é, ao desenvolvimento da alternativa domercadodeplanosdesaúde.Aesserespeito,verointeressanteartigodeSalmeBahia,2013.
30
AindasegundoEsping-Andersen(1991),devidoaopoderpolíticodessesgrupos(classe
média),odualismoquesurgenãoéapenasentreEstadoemercado,mastambémentreas
formasdetransferênciasdowelfarestate:3
(...)nestespaíses,umdoscomponentesdogastopúblicocommaioríndicede crescimento é o subsídio para os chamados planos previdenciários“privados”.Eoefeitopolíticotípicoéaerosãodoapoiodaclassemédiaparaoqueécadavezmenosumsistemadetransferênciauniversalistaprovidopelosetorpúblico.(Ibid.,p.107).
E, no modelo dos países nórdicos, já houve uma síntese entre universalismo e
adequaçãoaomercado.Lá,“pormandatooulegislação,oEstadoincorporouasnovasclasses
médiasemumsegundoeluxuosoesquemadeprevidênciarelacionadacomosganhos–que
podeestender-seatodos–alémdaprevidênciamínimaigualitária.”(Ibid.,p.107).
OsexemplosdessemodelosãoaSuéciaeaNoruega.
Ao garantir benefícios correspondentes às expectativas, essa soluçãoreintroduzdesigualdadesnosbenefícios,masbloqueiaomercadodemodoefetivo.Consegue,assim,preservarouniversalismoe,alémdisso,mantémo grau de consenso político necessário para conservar o apoio amplo esolidáriodos impostoselevadosqueessemodelodewelfarestate requer.(Ibid.,p.108).
Esping-Andersen(1991)examinaasvariaçõesinternacionaisdosdireitossociaisede
estratificação dowelfare state e chega a combinações qualitativamente diferentes entre
Estado,mercadoefamília.Asvariaçõesforamagrupadasemtrêstiposderegimes.Vejamos
quaissãoeles.
O primeiro é o regime liberal, que se caracteriza por um baixo grau de
desmercantilização, pois o acesso ao bem-estar se dá fortemente pelo mercado. As
aposentadorias e os planos de saúde são fornecidos por meio do emprego (welfare
ocupacional) e há deduções tributárias apoiando planos privados de pensão e/ou saúde
(welfare fiscal)quecomplementamaseguridadesocialmínimaeprovêmassistênciasocial
limitadaetemporáriaaoscomprovadamentenecessitados(testedemeios).
3EsteseriaocasodosistemadesaúdenoBrasil.
31
Esseregimegeraumaestratificaçãodualnobem-estarpúblicoentreosincluídoseo
restante da população que supre suas necessidades, principalmente no setor privado de
provisão.Os“incluídos”têmumníveldebem-estarresiduale,alémdisso,sãoestigmatizados.
SegundoEsping-Andersen(1991),“oEstado,porsuavez,encorajaomercado,tanto
passiva–aogarantirapenasomínimo–quantoativamente–aosubsidiaresquemasprivados
deprevidência.”(Ibid.,p.108).
Comojádito,oEstadodeveapoiaromercadocomopilardobem-estareterumpapel
residual.Entretanto,maisdoqueisso,eleincentiva,ajudaomercadopormeio,porexemplo,
daconcessãodeisençõestributáriasaempregadoresouaconsumidoresdeplanoseserviços
privados ou pelo apoio ao prover residualmente o bem-estar apenas àqueles que não se
inseremnessesistema,istoé,somenteagruposvulneráveisescolhidoscomofoco(políticas
focalizadas)4.
Osegundoéo regimeconservador-corporativo,quesecaracterizapor:a)umgrau
intermediário de desmercantilização; b) uma estratificação que segmenta ao longo dos
estratosocupacionaisedostatusnoemprego(senioridade,empregopúblicoxprivado);c)
pouca importância do segmento privado de provisão de bem-estar, da assistência social
focalizadaedosserviçossociaispúblicos;ed)umbaixograudedesfamiliarização.
Nesseregime,aseguridadesocialéoprincipalmecanismodeprovisãodebem-estar.
Oacessoaosbenefícios sociais éprincipalmentemonetárioeébaseadono trabalhoena
duraçãodacontribuição,eosbenefíciossãoproporcionaisaosganhospassados(cadaqualao
quecontribui).
Aseguridadeéfinanciadaporcontribuiçõessociaisdetrabalhadoreseempregadores
eégovernadaporfundosdeseguridadesocialcoletivoscompulsóriosenãopelogoverno,
nempelosetorprivado.
Essemodelodeseguridadesocial–osistemadetransferências–ébaseadoemformas
coletivas de solidariedade ocupacional para cobrir riscos sociais, como velhice, doença,
4OsexemplosarquetípicosdesseregimeliberalsãoEstadosUnidos,Canadá,Austrália,ReinoUnidoeNovaZelândia.Éa“famíliaanglo-saxã”.
32
acidente,incapacidade,desempregotemporário.Odesempregoduradouro,noentanto,não
estácoberto.Essemodelodeseguridadesocialassenta-senochefedefamíliamasculino,eos
benefícios se estendem à família e dependentes, desde que haja o contrato formal de
trabalho. Foiessaa formadeuniversalizaçãodessemodelo. SegundoKerstenestzky (2012
apud PALIER, 2010, p. 114), “o universalismo beveredgiano é alcançado por meios
bismarckianos” (com pleno emprego). Apesar de universal, no entanto, a cobertura é
fragmentadaeheterogênea,poisrefleteassegmentaçõesnaforçadetrabalho5.
O terceiro regime é o social-democrata. Nesse regime, há: a) um alto grau de
desmercantilização com direitos sociais abrangentes e generosos que se estenderam às
“novas classesmédias” (ESPING-ANDERSEN,1991, p. 109); b) provisãopúblicade serviços
sociais;c)estratificaçãosocialcomelevadograudeuniversalização,comserviçosiguaispara
todos,transferênciasuniversaisparafamíliaeaposentadoriasepensõesbásicasiguais,com
diferenciação,dentrodosistemapúblico,emfunçãodosganhosdomercado;d)elevadograu
dedesfamiliarização,comapresençamaciçadedomicílioscomdoistrabalhadoreseelevado
empregofemininoedeidosos.
Não há um dualismo entre classe trabalhadora e classemédia, pois trabalhadores
braçaisdesfrutamdedireitosidênticosaosdosempregadoswhite-collarassalariadosoudos
funcionáriospúblicos.
Esse modelo exclui o mercado e, por consequência, constrói uma solidariedade
universalemfavordowelfarestate.Todossebeneficiam,todospagam.
Alémdisso,essemodelotendeacapacitaraindependênciaindividualenãomaximizar
adependênciadafamília6.
Osregimesnãosãopuros,umavezqueospaísestêmcaracterísticasmistas, istoé,
mesclam as diferentes matrizes liberal, conservador-corporativistas e universal em seus
modelosdeseguridadesocialnotangenteaassistênciasocial,previdênciaesaúde.
5OspaísesarquetípicosdessemodelosãoAlemanha,França,Áustria,Itália,BélgicaeHolanda.6OspaísesarquetípicosdessemodelosãoDinamarca,Finlândia,NoruegaeSuécia.
33
1.2–Tendênciasrecentesdoswelfarestatesdospaísesdesenvolvidos
Em condições políticas, econômicas e sociais peculiares, podemos afirmar que a
consolidaçãodowelfarestateseiniciou,emgrandemedida,comoRelatórioBeveridge,de
1942,acriaçãodaseguridadesociale,umpoucomaisadiante,comaDeclaraçãoUniversal
dosDireitosHumanos(ONU,1948),marcandoafasedeourodowelfarestateesuaexpansão
em ritmo e espectro, em um contexto de forte crescimento econômico, pleno emprego,
solidariedadesocial,proteçãosocialpúblicaedemocracia.
Asreferênciaseconômicasdesseperíodoforam,semdúvida,okeynesianismoeaideia
detendênciacíclicadocapitalismo,quealiarameconformaramumarranjopositivoentrea
políticasocialparasustentarepromoverademanda,garantindoarendadostrabalhadores.
A literatura aponta, também, a fase universalista dos Estados de bem-estar social,
nesse mesmo período, que vai de 1945 a 1970, aproximadamente, marcado por grande
expansão,conhecidoporsernãosóperíododosanosdouradosdoestadodebem-estar,mas,
também,porserummomentosingularnahistóriaedemaiorexpansãodogastosocial.
Oestadodobem-estarajudouareconstruçãodospaísesno imediatopós-guerrae
tambémsebeneficioudele.Operíodofoicaracterizadoportaxasdecrescimentoelevadas
(entre7a10%aoano),quaseplenoempregoebaixainflação,frutosdaspolíticaskeynesianas
queviabilizaramfinanceiramenteforteexpansãodosbenefícioseserviçossociaispúblicos,
especialmente educação, saúde e aposentadorias, que representaram cerca de 80% dos
recursossociaispúblicosdispendidosnoperíodoentre1960-1975(KERSTENETZKY,2012,p.
18-19).
Afaseuniversalistacaracterizou-seporumfortecrescimentodoorçamentosociale
generalizou,pormeiodoarranjomontado,oestadodebem-estarparaalémdospobresedas
clientelasdosegurosocial,queforamconseguidasnoperíodoanterioraosAnosDourados.A
classemédiafoicontempladaetornou-seconsumidoradosserviçosuniversaise,aomesmo
tempo,tambémfoibeneficiadapelasoportunidadesdeempregoprofissionalnosetorpúblico
abertasporessedesenvolvimento.Oestadodebem-estartornou-seomaiorempregadorem
34
váriospaíses.ONationalHealthSysteminglês,porexemplo,tornou-seomaiorempregador
daEuropaocidental.Em2015,ocupavacercade1,7milhãodefuncionários,sendoo5omaior
doempregadordomundo,segundorankingdoFórumEconômicoMundial7.
Os trinta anos gloriosos foram responsáveis por uma queda das desigualdades
econômicas e sociais e das taxas de pobreza em todos os países centrais, segundo
Kerstenetzky(2012apudKUZNETS,1955).
Operíodoqueseiniciaapartirde1970marcaumamudançaprofundanoarranjodos
estadosdebem-estarsocial.Muitosautoresafirmamqueháumacrisedoestadodebem-
estarsocial,aopassoqueoutrosapontamparamudançasprofundas,masnãocreememcrise,
comoéocasodeKerstenetzky(2012).Segundoaautora,
(...)seofantasmadacriseestádecertomodoafastado–nosentidodeteremas instituições do welfare state sido absorvidas como um aspectopermanentedoambientesocioeconômicodassociedadescontemporâneas–, é ainda necessário conhecer o impacto das transformações sobre acapacidade de este seguir promovendo redistribuição, e suas instituiçõesseguirempertencendoao“domíniopúblico”.(Ibid.,p.62).
As transformaçõesadvindasdosdois choquesdopetróleodadécadade1970,das
mudançasnasrelaçõesdetrocainternacionaisedofimdosistemadeBrettonWoodsdetaxas
decâmbiofixascontribuíramparaareduçãodaatividadeeconômica,arecessão,oaumento
grandenosníveisdedesemprego.Essequadrogeroudesequilíbriosnasfinançaspúblicasea
proteçãosocialteriaajudadoaaumentarosdéficitsedívidaspúblicas,causandoumacrisede
financiamento (KERSTENETZKY, 2012). Houve também a globalização e mudanças
demográficas,eseusefeitossobreowelfarestateforamcomplexos.
O período que teve início com a década de 1970marcou ummomento de virada
histórica e conformação, consolidação, de um novo arranjo de sociedade que rompeu a
acomodação anterior da contradição entre capital e trabalho, entre capitalismo ewelfare
7Segundoo ranking apresentadonoWordEconomicForum, em2015,osdezmaioresempregadoresdomundo seriam:DepartamentodeDefesadosEUA(3,2milhões),ExércitodeLibertaçãoPopulardaChina(2,3milhões),Walmart(2,1milhões),McDonald’s(1,9milhão),NHS(1,7milhão),ChinaNationalPetroleumCorporation(1,6milhão),StateGridCorporationofChina(energia)(1,5milhão),IndianRailways(1,4milhão),Forçasarmadasindianas(1,3milhão)eaHonHaiPrecisionFactory(Foxconn)(1,2milhão). Disponível em: <https://www.forbes.com/sites/niallmccarthy/2015/06/23/the-worlds-biggest-employers-infographic/#abd546e686b5>.Acessoem:19jun.2017.
35
state,entreindividualismoesolidariedadesocial.Apartirdeentão,vemosaemergênciada
predominânciadocapital financeirobuscandoespaçoparasuavalorizaçãoe,nessabusca,
violenta, destruindo o que for possível para sua expansão, até agora sem limites visíveis,
embora com pequenas resistências. Nessa nova etapa do capitalismo, da financeirização,
houveumadissociaçãoentreodesenvolvimentoeconômicoesocial (VIANA;SILVA;ELIAS,
2007).
Essefatortevemuitosdesdobramentoseconsequências,pois,aospoucos,dissolveu
oeloqueligava,quesoldavaoarranjosocialconstruídonaEradeOurodocapitalismo,que
era a solidariedade social, a preocupação com o bem comum, com a coletividade. Essa
dissolução fez emergir, cada vez commais força, a priorização do interesse individual, da
buscapelodinheiroedavalorizaçãodocapital.Apartirdessascaracterísticaseinteresses,um
novo arranjo de sociedade se configurou e deixou pouco espaço para a lógica da
solidariedade.
A literaturasobreowelfarestate,contudo,afirmaqueessanovaconfiguraçãonão
significouofimdowelfarestate.Kerstenetzky(2012)mostra,porexemplo,queogastosocial
seguiu uma trajetória ascendente, a despeito da crise econômica. O gasto social foi
sustentado, emparte, à custa de uma redução emoutras áreas do gasto público, que se
retraíramnosanos1980e1990.
Aautoraargumentaquenãosepodefalaremcrisedoestadodobem-estar,poishá
expansãoemtodaparte.Oquehouvefoimudançaemdecorrênciadasváriasreformasdos
anos 1980 e 1990. Segundo ela, houve mudança qualitativa, percebida pela diminuição
relativa da função de seguridade social e do aumento relativo dos serviços sociais,
especialmenteosrelacionadosàconciliaçãodavidafamiliarcomotrabalho,porumlado,e,
poroutro,peloavançodepolíticassociaisprivadas,quetensionouademarcaçãoinicialdo
queseriaum“estadodebem-estar”.
Kerstenetzky(2012)mostraqueogastosocialdospaísesdaOCDEcresceuaolongodo
períodoentre1980e2007eaumritmomaiordoqueodocrescimentomédiodoproduto.
ElatambémmostraqueCastles(2004),emumestudocom22países,conseguiurealizaruma
decomposiçãodogastosocialeconstatouumaexpansãocontínuadogastosocialearedução
36
nadispersãoentreospaísesemtodososindicadoresquantitativosconsiderados,oquerevela
uma“convergênciaparacima”.
Há,dessamaneira,umanota“otimista”emrelaçãoaofimdoestadodebem-estar
social.SegundoCastles(2004,p.21,apudKERSTENETZKY,2012,p.72),entre1980a1998,“a
feiçãogeraldosestadosdobem-estarocidentaismudoupouco,comareduçãoemalgumas
áreas sendo compensada pela expansão em outras”. O autor ainda aponta que “a única
alteraçãonotável foi (...) um ligeiro deslocamento geral emdireção à provisãopública de
serviços.”DeacordocomKerstenetzky(2012,p.72),
Aanálisecaptaaindaumainflexãonoritmodecrescimentonoperíodo1980-1998,aspectoobservadotambémporoutrosautores(PIERSON,1998),quecorresponderia ao alcance de certa maturidade e estabilidade. As taxasmédiasescondem,porém,ocatchingupe,finalmente,liderançadospaísesescandinavos, que se estabelece justamente a partir dos anos 1980 e seencontra consolidada ao final dos anos 1990 (CASTLES, 2004). A análisemostra também uma estagnação do gasto público naOCDE (crescimentomédiopositivode0,7%)entre1980e1998–naverdade,umareduçãodesuaparticipaçãoemumprodutoqueemalgunsanosdecresceu,revelandoacrescenteprioridadeconcedidaaobem-estar.
Diantedaevidência,portanto,dequenãohouvecrisenoestadodebem-estarsocial,
há,entretanto,queseconsiderar importantesmudançasdecorridasdoprocessoexplicado
anteriormente. Essas mudanças indicam que o welfare state tradicional, centrado na
seguridade,estariaseadaptandopararesponderaosnovosriscossociais.
Kerstenetzky (2012,p. 79) afirmaque,nesseprocesso, ocorreuum tradeoff entre
“aprofundamento vertical e expansão horizontal das titularidades para atender a uma
clientela crescente e individualizada (uma ‘remercantilização’ relativa), e um aumento na
penetraçãodosetorprivadopublicamenteincentivado(privatização)(...)”.
Algumasdasanálisesmostramqueoswelfarestatesfizeramumaadaptaçãofuncional
amudançasnoambienteeconômico,socialepolítico(desindustrialização,globalização,novas
estruturasdeclasseecomposiçãodasfamílias,mudançasdemográficasenovasrelaçõesde
gênero,alémdemudançasde regimepolítico,democratização, reformasconstitucionaise
novos níveis de mobilização política), trazendo consigo novos riscos sociais e,
consequentemente,novasoportunidadesdedesenvolvimentodowelfarestate.Oswelfare
37
statesseadaptariamaosnovosriscos,trazidoscomprofundasmudanças,semdestruirsua
institucionalidadeeestrutura,masmodificandoasjáexistentesecriandonovas.
Outra vertente de interpretação discorre sobre alterações que teriam ocorrido na
estruturainternadosprogramasdaseguridadesocialemrespostaaoaumentodademanda
com restruturação com significativa perda de titularidade e menos como adaptações
funcionais. Nesse sentido, estaria acontecendo uma remercantilização, privatização e,
também,umaperdadeefetividadequeestaria levandoaumaumentonadesigualdadee
pobreza(KERSTENETZKY,2012).
Aliteraturaaponta“novasrespostas”dadaspeloswelfarestatesaessenovoarranjo
dasociedadequeforamintensificaraspectosdeindividualizaçãodoriscosociale,também,
deavançodopapeldoEstadoemáreasdeatuaçãotradicionalmentefeitapelasfamílias.A
remercantilizaçãodobem-estaréumadessasnovasrespostas(KERSTENETZKY,2012).
Kerstenetzky (2013) chama essas novas respostas de princípio de “ativação”8 e
identificadiferentestiposdeativação.Teríamosuma“ativação”liberal,baseadanoprincípio
doworkfare, no qual a experiência norte-americana dos anos 1990 se insere. A ativação
“bismarckiana tardia” é marcada pelas tentativas de redução da oferta de trabalho para
combaterodesemprego,oudoaumentodascontribuiçõesdaprevidênciapararesolvero
problemafinanceirodaprevidência,oudeprogramasdereinserçãonomercadodetrabalho
paratrabalhadoresqueestãoforadasáreasdeproteçãosocialtradicionais.Porúltimo,háa
“ativação”deinspiraçãoescandinava,marcadaporpolíticasativasdemercadodetrabalho
inseridasemumaestratégiadeinvestimentosocialcompreocupaçãonoempregopúblico,
políticasdeconciliaçãodafamíliacomotrabalhoeeducação9.
8SegundoKerstenetzky(2013,p.4),princípiodeativaçãoé“(...)aênfaseemintervençõesparaintensificaraparticipaçãodapopulaçãoemidadeativanomercadodetrabalho”.9Háumadiferençagrandeentrea“ativação”bismarckiana(empaísescomoAlemanha,Áustria,HolandaeItália)eadospaísesescandinavosemrelaçãoapolíticasvoltadasparaasfamílias,sendoarespostaescandinavamuitomaispreocupadacomaconciliaçãodavida familiareo trabalho,oqueproporcionouocrescimentodoemprego femininoedas taxasdefecundidade.
38
Essas novas respostas e experiências têm apontado para um novo paradigma de
welfarestate,queseriaodoinvestimentosocial,marcandoumanovafasede“evolução”do
welfarestate(VAN,STRALEN,2017;KERSTENETZKY,2012).
AestratégiadoInvestimentoSocial,formuladaporEsping-Andersen(1999)eAnthony
Giddens (1998), propõe a abordagem do investimento social como uma política ativa de
preparação e promoção dos riscos sociais, levando em consideração o “curso de vida do
indivíduo”eseusdiferentesriscosaolongodessepercurso.
A perspectiva do investimento socialmantém a seguridade social como centro da
políticasocialebuscaampliaraparticipaçãodosindivíduos,homensemulheres,pormeiode
políticasativasvoltadasespecialmenteparaeducação(desdeainfância,aolongodetodaa
vidaativado indivíduo),paraaconciliaçãodavida familiarcomotrabalho (osserviçosde
creches,cuidadosexternos, transferênciasmonetáriasdiversas,como licençasparentais)e
paraotrabalho(políticasdequalificação,benefíciosmonetáriosparatrabalhadores,emprego
protegidoparagruposespeciais,segurodesempregocomvaloresaltosedecurtaduração)10.
Segundo a perspectiva do investimento social, a igualdade é vista como condição
fundamentale como resultadoesperado.Tem-seaexpectativa, comaspolíticasativasna
educação,nafamíliaenotrabalho,queasoportunidadesderealizaçãoeaschancesdevida
seequalizemmaise,dessamaneira,hajaefeitospositivoscomodesdobramentoseresultados
desseinvestimentosocialintegradoemonitoradoqueseriaminovação,maiorprodutividade,
maiorcrescimentoeconômicoereceitaspúblicasemenoresdesigualdades.
Em um balanço da avaliação que a literatura faz dessas experiências recentes de
transformações e respostas dadas pelos países europeus, Kerstenestky (2012) chega a
algumasconclusõesinteressantes:
- a participação relativa estatal se retraiu no aspecto da provisão e se dilatou na
dimensãoderegulaçãoe financiamento,especialmentetributário,noquediz respeitoaos
gastostradicionaisdaseguridadesocialesaúde(KERSTENETZKY,2012,p.84);
10Paraumaanálisedetalhadadasdiversaspolíticaseexperiências,verKerstenestky(2012),Hemerjick(2017),HermejickeVyrda(2017).
39
-novasfontesdebem-estar foram“desprivatizadas”ou“desfamilizarizadas”coma
oferta pública de serviços de cuidados e programas de ativação. Houve modificação na
governançaeintroduçãodeprincípiosdemercadonagestãopúblicaedeprincípiosdegestão
públicanaprovisãodeserviçosprivados,eessesmixpúblico-privadosforamindividualmente
compatíveiscomdiminuiçãonadesigualdadedadistribuiçãoderenda.(KERSTENETZKY,2012,
p.85).
Emrelaçãoaopotencialderedistribuiçãodoestadodebem-estarsocial,aautoracita
um estudo deGoudswaard e Caminada (2010, apud KERSTENETZKY, 2012) com dados da
OCDEsobre25paísessobreopotencialredistributivodepolíticasociaispúblicaseprivadas,
constatandoque
(...) políticas sociais privadas têm relação negativa (pequena, porémsignificativa),easpolíticassociaispúblicas,umacorrelaçãopositiva,forteesignificativacomaredistribuição.(...)aescolhadopesorelativodaprovisãopúblicaeprivadadeproteçãosocialafetaoimpactoredistributivodoestadodebem-estarsocial(p.1-2).Acausaprováveléqueprogramasprivadosnãocontêm as medidas de solidariedade em matéria de benefícios que sãotípicasdeprogramaspúblicos(p.3).(GOUDWAARD&CAMINADA,2010,p.1-3apudKERSTENETZKY,2012,p.85).
Emrelaçãoaogasto,oestudotambémapontaconclusõesbastante importantes.O
gastoprivadovemaumentandodesde1985e,emalgunspaíses,elecresceumaisdoqueo
gastopúblico.Emmeadosde2000,osgastosprivadosrepresentavamcercade15%dosgastos
totais.Sãogastosvoluntáriosesevalemdededuçõesfiscais.Asdeduçõesfiscais,emgeral,
têmimpactoregressivo,apesardepoderemser,também,redistributivos.Apesardoaumento
do gasto privado e de ele não passar dos 15%dos gastos totais emmeados de 2000, há
variaçãoentreospaíses.Paraomesmoperíodo,ogastoprivadonaSuéciaeDinamarcaera
de9%,nosEstadosUnidosde40%enoCanadá,Coreia,PaísesBaixos,SuíçaeReinoUnido,
acimade25%(Ibid.,p.86).
Dessamaneira,háevidênciasdeque“adivisãopúblico-privadanaprovisãoimporta
dopontodevistadopotencialredistributivodowelfarestate”(Ibid.,p.86).
Ainda que a propagação e difusão do estado de bem-estar para países
economicamenteemergentesnãosejamobjetodestetrabalho,éimportantemencionarque,
40
nesse período das transformações recentes dos welfare states tradicionais, de crise
econômica e reformas, houve essa propagação e difusão para países economicamente
emergentesemenosdesenvolvidos:ospaísesdolestedaÁsia,dosuldaEuropaedaAmérica
Latina11.
***
Algumasconsideraçõesintermediárias
Diantedadiscussãoapresentada,éfundamentaldestacaralgumasconsiderações.As
tendências recentes mostram que há um aumento da participação privada em todos os
arranjosdewelfarestate.Contudo,oimportanteaconsideraréqueaparticipaçãoprivada
nosarranjosdowelfarestate,porsisó,nãoénecessariamenteumproblema.Oproblemaé
anaturezadasrelaçõesentreopúblicoeprivadoemmudança,decorrentedocontextodo
movimentorecentedocapitalismo.
Eessemovimentotemgeradoumatensãoentreomovimentodedesmercantilização
dotrabalhoedebenseserviços,cujowelfarestaterepresentariaumcontramovimento,até
nosentidopolítico,deretiradadomercado.Viana(2016)tambémreforçaessapercepção“O
espaço da mercadorização dos bens essenciais tem que ser compensado pela
desmercantilizaçãodoacessoeesteéoúnicocaminhoparadiminuirdesigualdades”.
Essemesmomovimentoaconteceemdireçãoaofundopúblico,queétomadopelo
interessedocapitalfinanceiro,enfraquecendooEstadoeaproteçãosocialemsuadimensão
derealizaradesmercantilização.
Noesteiodesseenfraquecimento,ocorreumefeitoamplificadosobreadesigualdade,
pois a natureza das relações público e privada derivadas desse contexto do capitalismo
pretendetirardowelfarestateseuefeitodeamortecedordasdesigualdadese,maisdoque
isso, tomar dele os recursos que possibilitariam aumentar ainda mais o movimento da
desmercantilizaçãoemdireçãoàbuscademaiorigualdade.
11Paraumaanálisedessemovimento,verDraibe(2007).
41
Ofundopúblico12que,naverdade,éo locusdosrecursosquefinanciamaspolítica
sociais(quepodemserdesmercantilizadoras),serviuparasocorrerasinstituiçõesfinanceiras
falidasdurantesascrisesfinanceirasdosúltimosanose,também,paracriarnovosespaçosde
acumulação para o setor financeiro ao tentar expulsar os bens e serviços coletivos,
cristalizadossobosdireitossociais,daesferadesmercantilizadaparaomercado,tornandoos
recursosdaseguridadesocialpotencializadoresdosrendimentosdosrentistas,porumlado,
e,poroutro,refénsdascrises.Omesmoraciocíniovaleparaosfinsparaosquaissãoutilizados
osincentivosfiscaiseisençõesdetributos.
Ofundopúblicoquepoderiaserusadocomoobjetivoderedistribuirrendaeriqueza
edegarantiroacessouniversalaosserviçossociais,porexemplo,acabasendodirecionado
aosinteressesdaacumulaçãoprivada,quecriariqueza,mastambémaconcentra.Aestrutura
tributáriatambémpoderiaseruminstrumentoderedistribuiçãoderendaeriqueza.Porém,
como mostra Piketty (2015), há uma recomposição das desigualdades no mundo
desenvolvido,comumcrescimentolentodarendadamaioriadapopulaçãoeumcrescimento
acentuadodarendadogrupodotopodapirâmide,eissonãosedeveàmeritocracia,masà
questãopatrimonialistaetributária.
A natureza das relações entre o público e privado também se expressa, então, na
disputaentreespaçosnãomercantiscomespaçosdeacumulaçãodecapital.Eossistemasde
saúdeseconfiguraramemumespaçoparaessaacumulaçãodecapital.
12Paraumadiscussãosobreosfundospúblicos,verOliveira(1998)eSalvador(2010).
42
1.3 – Sistemas de saúde, padrões e estratégias de financiamento frente ao“capitalismosanitário”
Omovimentomostradonositensanterioreschegatambémaoespaçonãomercantil
que é a saúde, entendida como um direito social, tornando-a espaço de acumulação de
capital.Oavançodessalógicadevalorizaçãodocapitalmodificaanaturezadasrelaçõesdos
sistemaspúblicoeprivadodesaúde.Aquestãodocuidadocomsaúdepassaaserexaminada
a partir de critérios puramente econômicos, nos quais os homens teriam uma relação
propriamente capitalista com a sua saúde, como se não houvesse a dimensão política,
ideológicaehumanadasrelaçõesentreoshomens,adasrelaçõessociais.Essemovimento
Batifoulier(2015)chamadecapitalismosanitário.Veremos,aseguir,comoseconstituemos
padrões e estratégias de financiamento dos sistemas de saúde e como o avanço da
mercantilizaçãoalterouasrelaçõespúblicaeprivadasnossistemasdesaúde.
Padrõesdefinanciamentonossistemasdesaúde
Apartirdaconcepçãopolíticaeideológicadossistemasdesaúdeesuaperspectiva
individualista e meritocrática, ou coletiva e cidadã, derivam-se diversos sistemas de
financiamento,baseadosemcontribuiçõesdiretasoualternativamentenareceitageraldo
Estado.Poressescritérios,podemosclassificarospaísesemdoisgrupos,baseadosnotipode
financiamento predominante nosmodelos bismarckiano e beveridgiano. Há, também, um
terceirogrupo,formadopelospaísesqueadotammodelosmistos.
No modelo bismarckiano, o principal tipo de financiamento é baseado em
contribuiçõesparasegurosociais.EsteéocasodaAlemanha,Áustria,França,Luxemburgo,
Holanda,Suíça,BélgicaeLiechtenstein.
Nomodelobeveredgiano,oprincipaltipodefinanciamentoderivadeimpostos,como
no caso da Inglaterra, Dinamarca, Finlândia, Noruega, Irlanda e Suécia. Com as reformas
recentes,tambémestãoincluídosnessepadrãodefinanciamentoaGrécia,aEspanha,aItália
ePortugal.
43
Note-seque,emváriospaíses,ofinanciamentoviaimpostostemsidocomplementado
porcontribuiçõesdiretas,quedeterminamdiferençasentreoscidadãos,baseadasemsua
capacidadecontributiva.Deoutrolado,sistemasinicialmentecontributivosdiretospassaram
a utilizar-se da receita geral do Estado, para garantia de mínimos solidários no acesso a
serviços, com base nos avanços de sua dimensão de cidadania. Nesses casos, fala-se em
modelosdetransição,mas,defato,suacaracterizaçãoseassociaaopadrãodefinanciamento
misto.
Para essa combinação, convergem,na atualidade, osmodelos ideais, baseados em
valoreseideologias.Emtodosospaíses,aprincipalformadefinanciamentonãoéexclusiva
e,porisso,aliteraturaafirmaquenãoexistemsistemaspuros.Assim,mesmoempaísesque
dependemsobretudodeimpostosparafinanciarseussistemasdesaúde,épossívelencontrar
elementosdefinanciamentoviacontribuiçõesparasegurossociais.E,porsuavez,empaíses
tipicamentebaseadosemsegurossociais,encontramoselementosdefinanciamentofiscal.
Ossistemassediferenciamtambémemfunçãodosvaloresnosquaisseapoiam.Há
sistemascuja coberturapassoua ser totalpor seruniversalebaseadana residência, com
sistemas mantidos por taxação, e há os sistemas com cobertura compulsória, baseados
principalmentenasatividadesprofissionaisdossegurados,cujosistemaseapoiaemmodelo
desegurosocial.
Nos dois casos, vemos subjacenteo valor da solidariedade. ComoapontamDain e
Janowitzer(2006),
(...) a solidariedade constitui um valor subjacente a todos os sistemas desaúde pública europeus, não importando se são norteados pelauniversalidadedesuaconstrução,combasenoprincípiodaredistribuiçãoentrericosepobres,sadiosedoentes,empregadosedesempregados,jovensevelhos(modelofundadoemtaxação),oupela“mutualidade”entregrupossociaisecategoriasdeempregados(própriodosmodelosdesegurosocial).(Ibid.,p.20).
Ocorteentremodelosderegulaçãodossistemasdesaúdebaseadosemimpostosou
contribuiçõesécadavezmenostangívelnaEuropa,dadaaatualcombinaçãoentreinteresses
eopçõesantesopostas.Asolidariedade,entretanto,estápresenteemtodoseles.
44
Agrandeexceção,naseconomiasdesenvolvidas,éocasonorte-americano,queainda
seapresentacomomodeloresidualeassistencialistadaproteçãosocialedasaúdeenoqual
a atuaçãoestatal é limitada à assistência aospobres e aos idosos.De acordo comDain e
Janowitzer (2006, p. 20), “Florescem, nessas circunstâncias, as soluções individuais ou
vinculadas ao emprego, aumentando a segmentação do espaço da política social,
notadamentenocampodasaúde”.
Nocasoespecíficodasaúde,suamaiorvulnerabilidadenocontextodossistemasde
welfare state decorre do caráter extremo. Assim, dificilmente podem ser deixados
integralmente às soluções individuais e demercado. De fato, “owelfare state criou uma
maneiradesuperarosefeitosdoriscoindividualedaseleçãobaseadanaescolhadosmenores
riscos:tornou-oscoletivos,permitindosuadiluiçãonoconjunto(Ibid.,p.21).
Tornar coletivos os riscos significa assumir seu caráter solidário, garantindo aos
indivíduosoacessoaos serviçosde saúdedeacordocomsuanecessidadeenãocomsua
capacidadedepagamento.Alémdisso,ossistemasdesaúdecoletivoseuniversais,baseados
novalordasolidariedade,têmcomoimportantecaracterísticaseremredistributivos.
A solidariedade, no caso da prestaçãode serviços, não se expressa só noprincípio da redistribuição, mas também no acesso universal a serviçosintegrados e abrangentes. Ademais, há forte correlação entre pobreza edoença,tornandoaseleçãoadversadomercadosegundoalógicadoriscoindividualextremamentequestionáveldopontodevistaéticoesocial.(Ibid.,p.20).
Aamplagamadeaçõeseserviçoseopotencialdecombinaçõespúblico-privadade
variadanaturezatornamosistemadesaúdeeosgastospúblicosaeleassociadosobjetode
cobiçadeiniciativasprivadas,nãoreguladasedificilmentereguláveis,regidascrescentemente
pelalógicadafinanceirizaçãodaeconomia.
Coerentemente,aspolíticasdesaúdesãoafetadasporcampanhasquepreconizamo
estadomínimoeocorteindiscriminadodegastopúblico.Especialmentenospaísesmenos
desenvolvidos, onde os direitos sociais são menos respeitados e as populações mais
vulneráveis,essecorteseconcentranocampo“difuso”daspolíticasuniversais,entreasquais
asaúde.
45
Oselementosantesassinaladospermitemestabelecerummododeaproximaçãoà
análise das relações público-privada, que associa os sistemas de saúde suplementar aos
sistemasdesaúdepúblicos.
Emumplanogeral,aliteraturadestacaquatrofontesprincipaisdefinanciamentodos
sistemasdesaúde:impostos,contribuiçõesparaosegurosocial,subscriçõesvoluntáriasde
seguroprivadoedesembolsodireto(out-of-pocket).Essasfontespodemserclassificadas,por
suavez,emsistemascompulsórios/obrigatórios,comoéocasodosimpostosecontribuições
paraosegurosocial,ouemsistemasvoluntários,comoéocasodassubscriçõesvoluntárias
paraoseguroprivadodesaúdeouosdesembolsosdiretos.
Os sistemas de saúde na região europeia dependem de uma combinação dessas
quatrofontesdefinanciamento.
Paramostrarcomoécomplexoofinanciamento,nãopodemosdesconsiderarque,até
agora, tratamos do financiamento via fontes obrigatórias/compulsórias. No entanto, um
sistemadesaúdecontém,ainda,tiposdefinanciamentovoluntários,ouseja,tambémtêm
arranjos de financiamento com seguros de saúde privados ou desembolso direto (out-of
pocket).
Muitosestudossobreossistemasdesaúderelacionamasfontesdereceitascoma
gestãoeaprovisãodofinanciamentodasaúde,mostrandoacomplexidadedepossibilidades
dessasinterações13.Optamosporaprofundaremetapassucessivasasdistintasdimensõesde
análise aqui sugeridas, utilizando como recurso expositivo a relação entre omercado e a
saúde,quemostraráacapacidadederegulaçãodiretadoEstadosobreosistemadesaúde,
consideradodeformaabrangente.
Sobopontodevistadasrelaçõespúblico-privadanofinanciamentodossistemasde
saúde,vejamosquaissãoasconfiguraçõespossíveisparaainserçãodosistemaprivadono
sistemadesaúdeemgeral.
13Aesserespeito,verDaineJanowitzer,2006.
46
Arranjospossíveisentreoprivadoeopúbliconossistemasdesaúdeemgeral
Ummecanismodefinanciamentocujoobjetivoédistribuiroriscofinanceiroassociado
comavariaçãodosgastoscomcuidadosdesaúdedosindivíduosaolongodotempopormeio
depré-pagamento–quotizaçõesnotempo–eentregruposdefinidosdepessoas(pooling)é
adefiniçãodesegurodesaúdeutilizadapelaOCDEparaumestudosobreossegurosprivados
desaúde(OCDE,2004,p.2).
Porsuavez,hádiferentesnaturezasdoqueaOCDEestáchamandodesegurodesaúde
e,deacordocomametodologiaadotadapelainstituição,quatroforamoscritériosescolhidos
paraclassificá-las:seafontedefinanciamentodoseguroépúblicaouprivada;seoseguro
saúdeéobrigatórioouvoluntário;seossegurosseguemesquemasindividuaisoudegrupo
(coletivos)equaléométododecálculodosprêmiosdosegurodesaúde.
Em que pesem alguns poréns que a sistematização da OCDE traz, como ignorar a
história da construção dos sistemas de saúde dos países, por exemplo, a proposta de
classificaçãoajudaaentenderumapartedascomplexasrelaçõespúblico-privadanossistemas
desaúde:afunçãoqueossegurosprivadosdesaúdedesempenhamemrelaçãoàofertade
serviçospúblicosdesaúde.
Outras dimensões da relação público-privada, que são importantes e não foram
enfrentadaspelaOCDE,sãoasseguintes:anaturezapúblicaouprivadadogestordoseguro
saúde,asformasdegestãopresentesnosistema(arelaçãocontratualdosgestorescomos
prestadoresdeserviços),ascaracterísticasdacompetiçãoecompetitividadedosistemade
saúde(aexistênciadecompetiçãocomercialounãoentreosgestores),aextensãoenatureza
dosubsídiopúblicoedosbenefíciosfiscaisligadosaossegurosdesaúdee,porfim,omarco
regulatóriodosistemadesaúde.
OqueaOCDEchamadesegurodesaúde(healthinsurance)incluiopúblicoeoprivado
e, para distingui-los, temos que ver qual é a principal fonte de financiamento. Assim, os
arranjospúblicossãoaquelesfinanciadosprincipalmenteporrecursosfiscais,comoimpostos
oucontribuiçõessociais(sistemasbeveredgianosebismarckianos).Nessesarranjosestariam,
então, o SistemaNacional de Saúde e o Seguro Social. Todos os demais arranjos que são
predominantemente financiadosporprêmiosprivados sãoconsideradosprivados,ou seja,
47
fazempartedoSistemaPrivadodeSaúde.Porsuavez,oSistemaPrivadodesegurodesaúde
podeaindasermandatórioouvoluntário.
Assim,temosasseguintescategoriasdesegurodesaúde:SistemasNacionaisdeSaúde
ouSeguroSocial,queincluemfinanciamentobaseadosemimpostosecontribuiçõessociais;
eSeguroPrivadodeSaúde,quesãofinanciadosporprêmiosprivadosepodemserdequatro
tipos:i)seguroprivadomandatório,quandooseguroprivadoéobrigatórioporlei;ii)seguro
privadovoluntário(employmentgroup),quandoévinculadoaumacondição,emgeral,dada
peloemprego; iii)seguroprivadocommunity-rated, tambémvoluntário; iv)seguroprivado
risk-rated.
Ossegurosprivadosdesaúdesãoanalisadosnasuarelaçãocomosistemapúblico
dominantenospaíses,istoé,segundoafunçãodoseguroprivadodesaúdenocontextodo
sistemadesaúdeemgeral,bemcomosuarelaçãocomosistemapúblico,queé,quasesem
exceção,oprincipalemtodosospaísesdaOCDE.
Deacordo,então,comafunçãoqueassumemnainteraçãocomosistemadesaúde,
sãoclassificadossegundoduasvariáveis:aelegibilidadeparaosistemapúblicoeacobertura
dos serviçosde saúde.Ou seja, apopulaçãoougruposdessapopulaçãopodemnãoestar
elegíveisparaacoberturadosistemapúblicodesaúdeou,ainda,teremaopçãodeescolher
umseguroprivadodesaúde.Nolimite,seriapossívelquenãoexistisseumsistemapúblicode
saúde e a cobertura para os serviços de saúde se daria totalmente via seguro privadode
saúde. Pelo lado dos serviços cobertos, os seguros privados de saúde podem oferecer
coberturaparaserviçosqueestãoounãocobertospelosistemapúblicodesaúde.
Existem ainda algumas possibilidades de combinações dessas situações: primary
(principalesubstitutivo),duplicado,complementaresuplementar.
Vejamosasdefiniçõesdossegurosprivadosdesaúdesegundosuacobertura(OCDE,
2004,p.2):
Segurodesaúdeprivadobásico/elementar(primary):éosegurodesaúdeprivadoque
representaaúnicaformadeacessoaosserviçosbásicosdesaúde,poisosindivíduosnãotêm
seguropúblicodesaúde. Issopodeacontecerporquenãoexiste segurodesaúdepúblico,
porqueosindivíduosnãosãoelegíveisparaacoberturadoseguropúblicoouporquepode
48
atéhavercoberturadoseguropúblico,masoptarampornãocontrataressacobertura.Nessa
situação,então,poderíamosafirmarque,casooseguroprivadobásicodesaúdesejaaúnica
formadeacesso,eleseráchamadodeprincipal(primary).Seelevierasubstituiracobertura
deumarranjopúblicotalcomoosistemanacionaldesaúdeouumsegurosocial,eleserá
chamadodesubstituto.SegundoaOCDE,issoédiferentedoduplicado,pois,aosubstituir,o
indivíduoestariaisentodecontribuircomosistemapúblico.Entretanto,nofinanciamentoà
labeveridge,nãoépossíveldeixardecontribuir.Todoscontribuem.Issoéclaronocasodo
SUSnoBrasil, por exemplo. Essa situaçãonão vai diferir do esquemaduplicado, que será
explicadoaseguir.Naprática,portanto,nenhumpaíseuropeutemesseesquemadeseguro
primary,jáquetodostêmalgumtipodecoberturapública.
Coberturaduplicada:éoseguroprivadoqueoferececoberturaparaserviçosdesaúde
jágarantidospelosistemapúblicodesaúde.Eleécomercializadoparaoferecerumaopçãoao
setorpúblicoporque,emboraofereçaosmesmosserviços,eledisponibilizaesses serviços
com outros provedores ou até outros níveis de serviços. No entanto, ele não isenta os
indivíduosdecontribuirparaosistemapúblico,ouseja,elenãoéigualaosubstituto,emque
épossívelescolhernãocontribuir.
Coberturacomplementar:éoseguroprivadodesaúdequepagaatotalidadeouuma
proporçãodoscustosdedeterminadosserviçosdesaúdequepodemounãoestarcobertos
pelo sistema público. Seriam os casos de arranjos em que o seguro privado de saúde
reembolsaopagamentodeumdeterminadoserviçoquenãofazpartedopacotebásicodo
planode saúdeouemqueo seguroprivadode saúde complementaopagamentodeum
serviço que é oferecido pelo sistema público ou até do plano de saúde, pormeio do co-
pagamento.
Cobertura suplementar: é o seguro privado de saúde que oferece cobertura para
serviçosdesaúdeadicionaisnãocobertospelosistemapúblicooucobreelementosadicionais
aosserviços.Dependendodopaís,podemestarincluídosserviçosquenãosãocobertospelo
sistema público, tais como atendimentos de luxo, atendimentos eletivos, tratamentos de
longaduração,serviçosdedentistas,medicamentos,reabilitação,medicinaalternativaetc.
ou,ainda,hotelariaeserviçoshospitalaresmaisluxuosos,mesmoquandoasinternações,por
49
exemplo, são cobertas pelo sistema público. Isto é, oferece elementos adicionais e, não
propriamente,osserviços.
Dessamaneira,temosváriaspossibilidadesdearranjosdesegurosprivadosdesaúde.
Podemosverificarqualéoarranjopredominanteemumdeterminadopaísequalotamanho
eleocupa,qualseudesenvolvimento.Entretanto,issodependerádaextensãodacobertura
do sistema público de saúde e da regulação do mercado privado de saúde. Ou seja,
poderíamos,deumaoutramaneira,questionarqualéafunçãoqueosegurodesaúdeprivado
desempenhanosistemadesaúdedeumdeterminadopaís.
De acordo como estudodaOCDE, o segurode saúdeprivadopode ter diferentes
papéis no financiamento de sistemas mistos de saúde, dependendo do que determina a
regulaçãodaatuaçãodessemercado,noqualossegurosprivadostêmpermissãoparaatuar
ou sãoproibidos.Adependerdisso,os segurosprivadosde saúdepoderiamterumpapel
principalouapenasresidualnossistemasdesaúdedeumpaís.
No casodospaísesdaOCDE,poucospermitemao setorprivadoexercerumpapel
principal,eagrandemaioria temumpapel residual.Nospoucospaísesemqueosistema
privadotemumpapelimportante,eleexerceafunçãoprimary,principalousubstituto.Nos
paísescomsistemapúblicodesaúdedecoberturauniversal,ossegurosdesaúdeprivadotêm
função duplicada ou suplementar. E, nos países com seguro de saúde social (também
universal), os seguros privados têm a função complementar. Obviamente, no entanto, na
maioriadospaíses,ossegurosprivadosexercemmaisdeumadessasfunções.
Sãoessesarranjosdecombinaçãoentreopapeldosistemapúblicodesaúdecomo
sistemaprivadoque,emúltimainstância,garantemacoberturauniversaldesaúdeeasua
qualidade.
Deacordocomessainteração,oestudodaOCDE(2004)classificouospaíseslevando
em consideração três estratégias de interação para garantir a cobertura universal para a
população.
Umprimeirogrupodepaísesconseguiucoberturauniversalouquaseuniversalpor
meiodeumSistemaNacionaldesaúdepública.Esteéocasodosseguintespaíses:Finlândia,
Noruega,Dinamarca,SuéciaeIslândia(paísesnórdicos);daFrança,Itália,Espanha,Portugale
50
Grécia (paísesdoMediterrâneo)e, tambémdoCanadá,Austrália,NovaZelândia,Coreiae
JapãoeReinoUnido.
Um segundo grupo de países têm uma cobertura pública básica para grupos
específicosdapopulação,enquantooutrosgruposdapopulaçãotêmaopçãodecomprarum
segurodesaúdeprivadooumesmodenãoternenhumsegurodesaúde:HolandaeEstados
Unidos.
Um terceiro grupo tem garantia de uma cobertura universal que obriga toda a
populaçãoacomprarsegurodesaúdeprivadobásico.ÉocasodaSuíça.
EapenastrêspaísesdaOCDEnãotêmcoberturauniversaldesaúde:EstadosUnidos,
MéxicoeTurquia.
Vejamosnoquadro1,aseguir,quaissãoascoberturasdesegurosprivadosdesaúde
permitidasemalgunspaísesdaOCDE.
51
Quadro1-FunçõespermitidaspeloseguroprivadodesaúdeemalgunspaísesdaOCDE
Países Duplicado Complementar Subistituto/Principal Suplementar
Austrália
Proibido:coberturaparaserviçosnãohospitalaresparaosquaisosbenefíciosdoMedicaresãopagosObrigatório:coberturaparareabilitação;25%decustosdosserviçosprivadoshospitalaresPermitido:taxashospitalares
Proibido:GP/PrincipaletratamentodelongaduraçãoPermitido:todososoutrosserviços
Nãoéaplicável Proibido:cobrirserviçosparaosquaisobenefíciodoMedicareépagoObrigatório:coberturaparareabilitaçãoPermitido:todososoutrosserviçosnãoincluídosnoprogramadebenefíciodoMedicare(dentista,oftalmologista,fisioterapia)
Canadá
Proibido:todososserviçosfinanciadospublicamente(hospitalares,GP/Primary,especialistaedentista)
Proibido:GP/PrimaryeespecialistasPermitido:todososserviçosnãofinanciadospublicamente
Nãoaplicável Permitido:todososserviçosnãofinanciadospublicamente
Alemanha
Permitido,masnãohámercado
Permitido:in/outpatientcare,dentista,medicamentos,reabilitaçãoehomecare
Obrigatório:tratamentolongaduraçãoparapessoascomcoberturaprivadaPermitido:todososserviçoscobertospeloFundodeDoençasparaindivíduoselegíveisqueoptarampelacoberturaprivada
Permitido:todososserviçosquenãosãofinanciadospelosplanosdesaúde(Sickness-fundcoverage)
Irlanda
Obrigatório:todosossegurosprivadosdesaúdedevemcobrirmínimosbenefíciosparahospitaiseespecialistasnasinternações.
Obrigatório:Coberturaobrigatóriadeco-pagamentoparaserviçoshospitalares,incluindoespecialistasenon-medicalcardholders
Proibido:paradentistas,medicamentos,tratamentosdelongaduração,reabilitaçãoehomecarePermitido:seguroprivadopodecobrirGP/Primaryserviceparanon-medicalcardholders
Permitido:serviçosodontológicos,medicinaalternativa,homecareeluxuryservices
Holanda
Proibido:tratamentodelongaduraçãoehomecarePermitido:todososoutrosserviços,masnãohámercado
Proibido:tratamentodelongaduraçãoehomecarePermitido:todososoutrosserviços
Proibido:tratamentodelongaduraçãoehomecareObrigatório:hospitaiseespecialistasPermitido:todososoutrosserviços
Permitido:serviçosodontológicos,medicinaalternativa
PolôniaPermitido:todososserviços
Permitido:medicamentos,tratamentodelongaduraçãoereabilitação
Nãoaplicável Permitido:Todososserviçosquenãosãocobertospelosistemapúblico
PortugalPermitido:todososserviços - Nãoaplicável Permitido:Todosos
serviçosquenãosãocobertospelosistemapúblico
Fonte:OCDE,2004,p.35.Nota:háalgumasvariaçõesnasdiferentesprovínciasdoCanadá.
52
Quadro1-FunçõespermitidaspeloseguroprivadodesaúdeemalgunspaísesdaOCDE(continuação)
Países Duplicado Complementar Substituto/Principal Suplementar
Espanha
Permitido:todososserviços
Permitido:medicamentosProibido:todososoutrosserviços
Permitido:todososserviçosparafuncionáriospúblicosqueoptaramporestarforadosistemapúblico
Permitido:Todososserviçosquenãosãocobertospelosistemapúblico
SuíçaNãoaplicável Proibido:todosos
serviçossobcoberturaobrigatóriadoseguro
Obrigatório:todososserviçosdefinidosnopacotebásicodesegurodesaúde
Permitido:Todososserviçosquenãosãocobertospelacoberturabásica
EUA
Nãoaplicável Permitido:mercadodeMedicareSupplement
Obrigatório:benefíciomínimoemalgunsEstadosPermitido:todososserviços
Permitido:todososserviços
Fonte:OCDE,2004,p.35.Nota:háalgumasvariaçõesnasdiferentesprovínciasdoCanadá.
Os países com sistemas duplicados são Reino Unido, Irlanda, Finlândia, Portugal,
Espanha, Itália e Grécia. Já os com sistemas primary/substitutos são Alemanha, Holanda,
BélgicaeChile.
De maneira geral, podemos perceber como os arranjos são diversos, envolvem a
participaçãopúblicaeprivadae,mesmoassim,garantemacessouniversaleumagamaampla
de serviços de saúde. O quadro 1 evidencia que os sistemas de saúde, em seus arranjos
público-privado, são bem regulados, e essa é uma característica fundamental para a
manutençãodoacessouniversalaosserviçosdesaúde,mesmonospaísesquesofreramas
reformasdosanos1980,1990e2000enacriseatual,comoveremosmaisàfrente.
A questão de fundo é saber até que ponto é possível garantir a universalidadedo
sistemadesaúdefrenteaosnovosmovimentosdocapitalismo.Atéquepontoasrupturas
causadaspelomovimentodocapitalismoatualmodificamasolidariedadedasociedade,vista
pelauniversalidadedosistemadesaúdeepeloaumentodadesigualdade.
Soluçõesdadasàquestãodamercantilizaçãoedamanutençãodauniversalidade
Vejamosasprincipaissoluçõesadotadasporalgunspaísescentraisemseussistemas
desaúdeeemquemedidaconseguiramasseguraroacessoequitativoedequalidadeaos
serviçosdesaúde.
53
Asaúdeéumaáreadeimportânciavitalparaavidahumana,eagarantiadoacesso
aosserviçosdesaúdequandonecessáriopodemesmosignificarumatênuelinhaentreavida,
amorteouapermanentedeficiência(disabillity)emsaúde.
Osetordasaúdetambémtemumaenormeimportânciatantonaatividadeeconômica
quantonageraçãoemanutençãodoemprego.Emmuitospaíses,osistemapúblicodesaúde
éumdosquemaisempregame, também, temumaparticipação importantenaatividade
econômica.Nãoéàtoa,portanto,queestasejaumaáreaigualmentemuitoimportantepara
aacademiaeapolíticapública.
Asaúdetambémocupaumlugarimportantenabatalhapolítica,poisossistemasde
saúdeeaspolíticasdesaúdesãoresultadodalutapolíticapelopoderdegrupodeinteresses
fortes, como o Estado, o mercado – representado por empresas de planos de saúde e
seguradoras, empresários do setor de equipamentosmédicos emedicamentos, donos de
hospitais,clínicaselaboratórios–,osprofissionaisdesaúde–médicoseoutrosprofissionais
dasaúde,enfermeiros,auxiliaresdeenfermagem–eoscidadãos.
Essasbatalhas,comobemapontamosestudosdeGiaimo(1999;2002;2014;2016),
refletemeafetamabuscapelagarantiadoacessoaosserviçosdesaúdecomqualidadeaum
custorazoável,ecadapaísprocuraumarranjopossívelparaconseguirumpoucodeequilíbrio
entre o acesso, a qualidade e o custo razoável. Essa batalha é permanente, parte de um
processodereformaconstantee,obviamente,alutapolíticaeosdesafiosedificuldadesdas
democraciasindustriaisatuaissãocapazesdeinterferirnopêndulodesseequilíbrio14.
Giaimo (2016)mostraque a batalha entreos gruposde interesses (governo, setor
privado e cidadãos) vem se intensificado cada vezmais nas contínuas reformas que vêm
acontecendonossistemasdesaúdenospaísesdesenvolvidoseafronteiraentreopúblicoe
privado–comonãopoderiadeixardesernostemposatuais–tornou-semaisembaçadae
entrelaçada.
Eachcountry’sparticularbalanceofhealthpolicygoalsandpolicychoicesreflect the distinctive politics and relative power of governmentpolicymakers and stakeholders in that country. The health care system ineach of these nations has institutionalized rules and practices and a
14Paraaprofundamentoteórico,verPolanyi(2012).
54
particular settlement among the state, health care providers, payers, andpatients, about their respective roles, powers, and jurisdictions in healthcare. These settlements center onmore concrete questions of financing,provision, and regulationofhealth care. The settlementsalso reflect corevaluesthatunderpinthebroadersocialandpoliticallifeofeachcountryanddeal with fundamental questions of the boundary between public andprivate,thebalancebetweenindividualfreedomandresponsibilityandthecollectivegood,andtheextentofthemarketinsocialprovision.Butthesesettlements are now in a state of flux. Policy solutions to the substantialhealthcareproblemstodayaredisruptingtheselong-standingagreementsand threaten (or promise) to redefine the power, roles, and institutionalarrangementswithineachhealthcaresystem.(GIAIMO,2016,p.3).
Seriadesesupor,comasreformasrecentesdossistemasdesaúde,quehaveriaum
maior avançodo setor privadonos sistemasde saúde e que isso poderia comprometer o
acessouniversal.Contudo,esteesgarçamentoda fronteiranão significou, comoerade se
esperar,umatotalmercantilizaçãodossistemasdesaúdedetodosostiposemodelos.
Contudo,aoinvésda“destruição”dossistemasuniversais,dasolidariedade,doacesso
e qualidade dos sistemas de saúde,Giaimo (2014, 2016) constatou que amercantilização
ocorreu,sim,emtodosospaíses,masdeformanãocontraditóriacomagarantiadoacesso
universale,emalgunscasos,houvemesmoumaumentodauniversalidade.Onovoarranjo
quepermitiuissoéhíbrido,cheiodecontradições,masque,porcaminhostortos,garantiu,
emmeioaoconflito,oacessouniversalaosserviçosdesaúde15.
Giaimo(2014)afirmaque,emtodasassociedadesindustrializadasedemocráticas–
comexceçãodosEUA–,hácoberturauniversalcomfinanciamentobaseadoemcontribuições,
impostosou,ainda,subsídiosaplanosesegurosdesaúdeparacobriraquelesquenãotêm
rendasuficiente.Paraqueissoaconteça,associedadesdevemconfigurarumarranjoemque
osmaisjovens,saudáveisemaisricoscontribuamcomumamaiorparcelaparaqueosmais
velhos, doentes emais pobres possam ter a garantia de tambémestarem cobertos pelos
serviçosdesaúde.
Essearranjosolidáriotemdiferentesgrausdeaceitaçãoemcadapaís.Giaimo(2014)
mostraqueospaíses europeuseoCanadáaceitamumarranjomais solidário.Alémde a
15Emalgunscasos,atéampliaramoacessouniversal,comonaFrança,AlemanhaeReinoUnido,comoveremosnoitem1.4.
55
solidariedadecomovalorestarpresentenessassociedades,essespaísestambémentendem
que a doença pode atingir qualquer um a qualquer tempo e, nesse caso, é grande a
probabilidadedequehajamaiornecessidadedeusodosserviçosdesaúdenessesmomentos
doqueemumoutroqualquer.
Assim,queremgarantiadequeterãoacessoecoberturanomomentoemquemais
precisaremdisso.Outromotivoéque,alémdacoberturauniversalserjustaeequitativa,ela
tambémcontribuiparaaefetividadedocusto,pois,aocobrirtodaapopulação,evitariaque
osproblemasdesaúdede indivíduosqueporventuranãotivessemacessoaosserviçosde
saúde chegassem a evoluir a tal ponto que o tratamento se tornaria muito caro, o que
prejudicaria,nolimite,ocustototaldosistema.
Garantiroacessoaoscuidadosdesaúde,alémdesignificareliminaroudiminuiras
barreiras financeiras aos cuidados de saúde, também significa eliminar ou minimizar as
barreirasgeográficas,porexemplo. Istoé,asseguraroacessofísicotambém.Ésabidoque
áreas distantes, rurais, bairros pobres ou violentos, por exemplo, enfrentam escassez de
médicos, enfermeiros, hospitais e, portanto, os indivíduos podem não ser capazes de
encontrarumprestadordeserviçosdesaúdenomomentoetemponecessários,mesmoque
tenhamrecursosfinanceirosparapagá-los,porexemplo.
Odebatesobreoacessoaosserviçosdesaúdetemcomocentralidadeoconceitode
equidade.Giaimo(2016)afirmaqueaquelesqueentendemoscuidadoscomsaúdecomoum
direitohumanodefinemaequidadecomocoberturauniversal,demodoquetodostenham
direitoeacessoaosserviçosdesaúdenomomentoemqueprecisaremenãosomentese
conseguirempagarporisso.Estessão,nofundo,oprincípioeovalordasolidariedade,eesse
princípio se realizaquandoexisteum financiamentoquedistribui epartilhaos riscos (risk
pooling)16.Senãoforassim,seráinviávelquetodososcidadãosconsigampagarpelosserviços
desaúdedurantetodososmomentosdesuasvidasnasdiferentessituaçõeseestadosdesua
saúde. Laval (2015) também aponta, nessamesma direção, que o coração do sistema de
16Riskpoolingéofatodeosmaissaudáveisericossubsidiaremoscuidadosdesaúdeparaaquelesmaispobresevulneráveis,seja pagando prêmios mais elevados para planos e seguros de saúde, seja pagando contribuições e imposto de rendaprogressivo.
56
solidariedadeéaobrigaçãosocialdepagarasuaquotanosgastosparaalcançaraconstrução
conjuntadeumbemcomumsocial.
Noentanto,háoutravisãoedefiniçãodeequidade.Osplanose segurosdesaúde
privados, com fins lucrativos, definem equidade em termos de equidade atuarial (actual
fairness),istoé,aideiadequeascontribuiçõeseprêmiosparaocontratocomosplanose
segurosdesaúdedevemrefletiroqueéconsumidoouoqueseesperaconsumir.E,nesse
caso,aquelesquesãojovensesaudáveispagamumprêmiomenordoqueosgruposdemais
idadeecomsaúdefrágil(experienceratedpremiuns)(GIAIMO,2016).
Essasterminologiasecálculosquevêmdosetorprivado(instrumentosdegestãodo
setorprivado),quesepreocupacomolucroecustos,vêmcadavezmaisinfluenciandonão
sóossistemasdesaúde,oqueéumreflexodoprocessodemercantilização,mastambéma
literaturaacadêmica,comoconsequênciadesseprocessoqueocorreuevemocorrendo.Há,
também,conceitosecálculosseguindoessamesmalógicaderivadadosetorprivadoeque
revisitam a definição de qualidade na saúde. Pesquisadores e estudiosos têm criado
indicadoresparamediraqualidadedesaúdeemvezdaexpectativadevida(poisvocêpode
viver muito, mas sem qualidade de vida) e outros para avaliar a eficácia comparativa
(comparativeeffectiveness)dostratamentosdesaúde, istoé,verificarsedoistratamentos
diferentes,porexemplo,fornecemresultadosiguaisousimilares,masacustosvariados,e,a
partirdaí,contribuirparadecidiroqueseriamelhoremaiseficienteoferecernosistemade
saúde.
Outradiscussãoésobreofatodeumsistemadesaúdetercoberturauniversalnão
significar,necessariamente,quehajaumsistemaestataldesaúde,quefinancieeoferteos
serviçosdesaúde.Podehaveroutrosarranjosqueincluaminstrumentosdeconcorrênciapara
estimulareficiênciaeinovação,masquegarantamequidadenoacesso.
Nessesentido,háosexemplosdaAlemanhaeHolanda.Lá,oscidadãospodemestar
cobertos por planos e seguros privados de saúde, e aqueles que têm o plano de saúde
vinculados ao emprego podem escolher qual seguradora preferem dentre um rol de
seguradoras sem fins lucrativos. No entanto, em contrapartida, as seguradoras têm que
respeitarregrasrígidasqueasimpedemdediscriminaraclientelacomperfilmaisvulnerável
57
e só escolher os candidatos com perfilmais saudável e que apresentammenos riscos de
saúde,práticaaliás,muitocomumnoBrasil(GIAIMO,2014).
Alémdisso,asseguradorasdevemoferecerumacoberturaadequadadeserviçosde
saúde. Outra prática exigida pelos governos é que os planos de saúde e seguradoras
distribuamentresuaclientelamaissaudávelocustodosmembrosmaisdoentescomoforma
decompensarorisco.Aofazeremessaexigência,estãoincentivandoosplanosdesaúdee
seguradorasacompetiremporclientessegundoummelhorserviço,deofertasdebenefícios
adicionaiseprêmiosmaisbaixosedeadministraçãoeficienteemvezdepermitiremouse
omitirememrelaçãoàseleçãodaclientela.
Giaimo(2014)mostracomoospaísescomsistemasuniversaisutilizarammecanismos
decompetiçãogerida17demodoacontrolaroscustosdosserviçossemsacrificaraqualidade.
NosEUA,porexemplo,opagamentodereembolsoaomédicoincentivaqueesteutilizeou
prescrevaserviçosdealtatecnologiaemuitocaros.Porém,naEuropa,osmédicosrecebem
saláriosmensais,quepodemvariardeacordocomsuaeficiêncianaresolutividadeequalidade
doserviçoprestado, segundoumcronogramaqueénegociadocomosplanosde saúdee
seguradoras e, também, com o governo. A Inglaterra e Alemanha, por exemplo, criaram
instituições depesquisa emeficácia clínica para teremestudos científicos quemostremo
melhortratamentoemtermosdecusto-eficiência.
JáaAlemanharesolveu,emgrandemedida,aquestãodoacessouniversalaosseguros
eaoscuidadosdesaúdepormeiodoSeguroSocialdeSaúde(SocialHealthInsurance–SHI),
umsegurosocialobrigatóriovinculadoaoemprego,comaparticipaçãodeseguradorassem
fins lucrativos.O sistemade saúdealemão figurano topodaclassificaçãodosorganismos
internacionais de saúde, e o gasto total com saúde não chega nem à metade do gasto
americano,porexemplo.Osistemadesaúdealemão,noentanto,vemenfrentandodesafios
importantesdecorrentesdorápidoenvelhecimentodesuapopulaçãoedoslimitesadvindos
doseufinanciamentodiantedeumaconjunturaadversa.
Demaneira geral, seriam três as atuais e importantes questões que precisam ser
contornadas pelos governos, apontadas por Giaimo (2016). Primeiro, como enfrentar a
17Competiçãogeridaéumtermocunhadonadécadade1970,porAlainEnthoven,umeconomistadasaúdeestadunidense.
58
crescentecargadedoençascrônicasadvindasdoenvelhecimentodapopulação,quetambém
écrescente?Segundo,comoatenuarapreocupaçãodosempregadoresdiantedoaumento
dos custos dos seguros de saúde e do trabalho que prejudica a competitividade de seus
produtos na economia global? Terceiro, com aumento do número de desempregados e
aposentados (que já vem acontecendo e com tendência a aumentar devido à crise), as
contribuições baseadas nos salários seriam suficientes para financiar as necessidades de
saúdedapopulaçãono futuroounovas formase fontesde financiamento teriamque ser
pensadas?(GIAIMO,2016).
Desdeoiníciodadécadade1990,todososgovernosalemães,dediferentespartidos
políticos, aprovaram medidas de reformas nos sistemas de saúde vindas de variadas
orientações. As reformas mantiveram a estrutura corporativista da relação entre
fornecedores e fundos dos seguros de saúde, mas alguns pontos foram atualizados para
atendernovasnecessidades.Porexemplo,foidadomaiorpoderdedecisãosobrequestões
relacionadasàcoberturaao“ComitêMistoFederal”(FederalJointCommittee),compostopor
representantes dos principais atores do sistema de saúde: associações de prestadores,
seguradoras,representantesdeusuáriosenonívelfederal.Easassociaçõesdosprestadores
eseguradorascontinuamaadministrarosistemanonívelestadual.
Giaimo (2016) explica que as reformas do sistema de saúde na Alemanha têm
mostradonovoselementosparasistemasde tipocorporativistas,comoa introdução,pelo
governo, da concorrência administrada para as seguradoras com objetivo de promover a
escolhaeeficiência.Aomesmotempo,tambémintroduziraminstrumentosdesalvaguarda
dasolidariedadepormeiodeumesquemaderiscodecompensaçãoentreasseguradoras.
Para garantir uma base financeira sólida para o SHI, no futuro, o governo ampliou os
rendimentossujeitosacontribuiçõesdafolhadepagamento.SegundoGiaimo(2016),então,
houveumaforteecontroladaintervençãoestatalqueacompanhouoprocessodasreformas.
(…)Thedominantvaluesofthesocialmarketeconomystresssolidarityandequitable burden sharing, and are wary of unfettered free-market forcesoperating in the realmof socialwell-being.At the same time, subsidiarity(i.e., delegating decisions to the lowest level possible and privileging themaingroupingsinsociety)valuesandlegitimizestheroleoforganizationstorepresentcivilsocietyinpolitics,theeconomy,andsociallife,andproscribesexcessivegovernment interference.Suchvaluesarebroadlysharedbythe
59
public,themainstreampoliticalparties,andthemajorstakeholdersinhealthpolicy(notjustprovidersandinsurersbutalsolaborunionsandevenmanyemployers). Those who advocate a radical break from long-standing SHIarrangements thus far have been marginal and have been overruled bycountervailingparties,interestgroups,andpublicopinion.(GIAIMO,2016,p.187).
DeseuaprofundadoestudodaSaúdeemtermoscomparados,aautorachegavárias
conclusõesrelevantes.Emprimeirolugar,ospontoscentraisparaquesejapossívelfinanciar
umsistemadesaúdecomacessouniversalequitativoseriam(ouseriamumacombinaçãode):
riskpooling(mutualizaçãodosriscos),contribuiçõesobrigatórias(compulsorycontributions)
eassistênciagovernamentalaosmaispobres.
O risk pooling é essencial para o funcionamento de qualquer tipo de seguro, e os
mercadosdesegurosdesaúdesãomaiseficientesquandopartilhamosriscosassociadoscom
aidade,estadodesaúdeerenda,oquegaranteumacoberturaacessívelparatodos.Apartilha
dosriscosprecisaseramplaediversificadaosuficienteparaqueosmaisjovens,saudáveise
maisricossubvenciemosmaisvelhos,comestadodesaúdemaisfrágil,eosmaispobres.Se
essascondiçõesnãoacontecerem,nãohaverágarantiadequeosquemaisnecessitamdos
serviçosdesaúdeserãocapazdepagá-los.
OestudodeGiaimo(2016)mostraque,nomercadoprivadodeplanosesegurosde
saúde,asempresas,sejamcomousemfinslucrativos,nãoforamcapazesdeadotaropool
riskporvontadeprópria.
Os governos tiveram que intervir e regular essesmercados para assegurar que as
empresas adotassemessa prática.O governo tambémprecisou regular os indivíduos e as
empresas para garantir um adequado risk pooling e para garantir que todas as partes
contribuíssem(osindivíduos,osempregadores,osempregados).Noentanto,senãohouver
aobrigatoriedadedacobertura,porumlado,edacontribuição,poroutro,éprovávelque,em
algummomento,osindivíduosoptempornãopagarenãoteroseguroenemplanodesaúde
e, dessamaneira, prejudicando o sistema como um todo. Porém,mesmo no caso de um
adequadocompartilhamentodoriskpoolingedaobrigatoriedadedacontribuiçãodetodos,
existemmuitoscasosnosquaisosindivíduosnãopodempagarpelosplanos.Nessescasos,os
60
governosdevemsubsidiaracontribuiçãoparagarantiroacesso,especialmenteaosdemenor
renda.
Giaimo (2016) mostra que as reformas da Alemanha e dos EUA apontaram a
necessidadedemutualizaçãodosriscos(riskpooling)edeequidadenacontribuição,exigindo
que todos estejam cobertos por um seguro de saúde, proibindo a seleção de clientela e
oferecendoesquemasdesubsídiosfiscaisparaaquelesquenãopodempagarpeloseguro.
Na Alemanha, por exemplo, foram introduzidos instrumentos para que o governo
possacomplementaroupagarpartedopagamentodosegurodesaúdedoempregadorou
mesmopagarosegurointegralmente,noscasosdedesempregoepobreza.SegundoGiaimo,
“InGermany,thenewindividualmandateroundsoutthelong-standingemployermandate
and local governments subsidize or pay the full insurance contributions for the poor and
unemployed.(Ibid.,p.196).
NaAlemanha, tambémfoi introduzidoumesquemaderisk-adjustment juntamente
cominstrumentosdecompetição.
InGermany,thereisonerisk-adjustmentprogramforallhealthfundsunderSHI,andaseparateprogramforprivateinsurerswhooffercoveragetohigh-riskpersonswhocannotaffordthebasicpremium.Thekeyissueiswhetherthe risk adjustmentmechanisms are sophisticated enough to capture thecostsassociatedwith the careof sickerpatients.GermanyhashadnearlytwentyyearsofexperiencewhiletheUnitedStatesisarelativelatecomer.Still, with all the resources that insurers have devoted to medicalunderwritingandexperiencerating,itseemsplausiblethattheUnitedStateshasamplebrainpowerandactuarialtoolstoputsuchknowledgetouseindesigningsophisticatedrisk-adjustmentsystems.(Ibid.,p.197).
Mesmocomareforma,aindapersistemalgumasdiferençasdeacessoentreaqueles
com seguros privados e aqueles com o seguro social (SHI), embora todos tenham acesso
garantido por um ou outro tipo de seguro. Estudosmostraram que aqueles com seguros
privadostendemaconseguirmaisrapidamenteconsultacomespecialistas,eelassãomais
longasdoqueasdaquelescomsegurosocial (SHI).Alémdisso,os reembolsosmaioresdo
seguroprivadoincentivamosmédicosaofereceressamaiorrapidezetemponasconsultase,
portanto,obterapreferênciadospacientes.
61
Contudo,a tendênciada reforma foiexpandiracoberturadosseguradosemontar
esquemasdereembolsoqueofereçamajudaparaasseguradoras,mesmoquandonecessário
tratar,inclusive,depacientescomdoençascrônicas.
Emsegundolugar,segundoGiaimo(2016),ospapéisdogoverno,mercado,indivíduo
edacomunidadevariamentreasnações.Porém,mesmonospaísescomsistemasuniversais
que, com a reforma, introduzirammecanismos demercado (incentivo à concorrência e à
competição)emseussistemasdesaúde,opapeldogovernofoifundamentalpararegulare
delimitaroslimitesdomercadoe,assim,preservarasolidariedade,rejeitando,portanto,a
visãodequeolivrefuncionamentodomercadodasaúdeconseguiria,porsisó,resolvero
problemadoacessoàsaúde.
The respective roles of the government, the market, the individual, andcommunity vary across nations. But even universal systems that haveembracedcompetitionandchoicerequiregovernment toset limits to themarkettopreservesolidarity.Thisisbecausetheyviewhealthcareasmorethanjustacommodity.Ifhealthcareisacommodityjustlikeanyothergood,thenmarket forces of supply and demand should determine access to it.Countries with universal coverage have decidedly rejected this view.(GIAIMO,2016,p.198).
Emterceirolugar,aautoraconsideracomoinexorávelatendênciaacaminharmosem
direçãoàmedicinabaseadaemevidência(MBEouevidence-basedmedicine)eapesquisade
efetividadedetratamentoecusto(effectivenessresearch).
Umavezqueasociedadeaceitequetodosdevemteracessoacuidadosbásicosde
saúde,hánovasquestõesasediscutir.Dentreelas,definiroquesãocuidadosbásicos,quem
devedecidiraamplitudedessescuidadosecomoproceder.
Os sistemas de saúde dos países decidem sobre os limites inferior e superior da
cobertura.Geralmente,opisomínimoconsistenoacessoaosserviçosdesaúdepreventivos,
curativos,dereabilitaçãoeacessoaosmedicamentospreventivosnecessários.Jáotetovaria,
masemgeralestãoexcluídosostratamentosestéticoseexperimentais.Evidentemente,em
paísesmaisricos,acoberturapodesermaisgenerosa.
Osgovernosestãocadavezmaisestimulandoouobrigandoosprestadoresdeserviços
eseguradorasaadotarinstrumentosdegestãoepesquisaquetragammaiseconomia,rapidez
62
e eficácia para suas burocracias e sistemas. Alguns deles são os registros eletrônicos dos
pacientesedostratamentosparaquesejapossívelmelhoracompanhamentodosdadosdo
pacienteetornemaisviávelacoordenaçãodoscuidadosdesaúde.Tais registrostambém
podemajudarareduziroserrosmédicoseaevitaraduplicaçãodeserviços.Osgovernosestão
estimulandoeatémesmoobrigandoosprestadoresdecuidadosdesaúdeeasseguradorasa
adotaremessasmelhorias.
Também há instrumentos, como sistemas de pagamentos, que relacionam
tratamentoscomresultadosdesaúdeeferramentasparaempreenderpesquisacomparativa
deeficácia,taiscomoaqualidadedosanosdevidaajustados(QALY).
Emquartolugar,Giaimo(2016)reconheceaexistênciadeumesforçoparamelhorara
qualidadedoatendimentonapontadosistemaenacoordenaçãoentreaatençãobásicaeas
especialidades.
AAlemanhaadotanovasformasdereembolsoquerecompensambonsresultadosdos
médicos, por exemplo, e também exige que as seguradoras ofereçam planos de atenção
básica(gatekeeperprimarycareplans),mesmoqueaparticipaçãodospacientessejaoptativa.
Elaestámuitobemposicionadanorankingdasbestpracticesclínicasedecusto-efetividade.
The scope of the corporatist framework extends to all subsectors of thehealth care systemand thedirectives thatemanate from theFJCand thefederalministryofhealtharebindingonallSHIactors.Corporatismoperatesatalllevelsofthehealthcaresystem:intheFJCatnationallevel,inthefeenegotiationsbetweeninsurersandproviderassociationsatstatelevel,andattheleveloftheindividualdoctorwhosefeesandtreatmentdecisionscanbe reviewedby the statemedical association. These institutional linkagescouldthereforefacilitatethediffusionofbestpractices.Butthediffusionofbestpracticesandnewformsofcarewillnotbecomerealityunlessprovidersandinsurersactuallyimplementthemontheground.(Ibid.,p.203).
Finalmente,Giaimoverificaqueagarantiaderecursosfinanceirosparaacobertura
universalexigenovasfontesdefinanciamento,eessadiscussão,porsuavez,tocaempontos
delicadosrelacionadosàredistribuiçãoderenda.
Talaspectoécentralnoqueserefereàstendênciasrecentesdowelfarestateeganha
maior relevância em países periféricos com limitada atenção à questão social, onde a
63
necessidadederecursosfiscaiséaindamaiordoquenospaísescentraisporqueasdemandas
sãocomplexasegrandes.
AOMSsugereque,alémdastradicionaisfontesdefinanciamento,sejamconsideradas
novasfontesderecursos,comoumimpostobaseadonastransaçõesfinanceirasglobaisde
alto risco (tax on high-risk global financial transactions), chamada por alguns de imposto
RobinWood.
Esse imposto serviria para redistribuir recursos dos países ricos (ocidentais) e
instituições financeiras parapaísesmais pobresdaÁfrica,AméricaCentral e Latina eÁsia
(“Global South”), cujos sistemas de saúde estivessem em construção. Poderia também
financiarprogramassociaisedesaúdedospaísesricosqueforamsubmetidosaprogramasde
austeridadedevidoàcrisede2008.
Ajustificativaseapoiaemumaformadecompensaroscidadãosecontribuintesdo
gigantescovolumederecursosquetevequeserutilizadoparasalvarosbancosdacriseque
causou desemprego em massa, recessão, aumento da dívida e corte de gastos sociais,
especialmente,emsaúde.
Comopodemosperceber,adiscussãosobreoaumentodosrecursosfiscaisnospaíses
europeusparasustentaraproteçãosocialestánapautaatual.Evidentemente,anecessidade
derecursosfiscaisparafinanciaraproteçãosocial,comovimos,sempreestevepresenteno
capitalismomaisorganizado.Nascondiçõescontemporâneasdodesenvolvimentocapitalista,
emqueasmudançaseconômicas,demográficas,nasprofundasalteraçõesnomercadode
trabalho,nodesenvolvimentoda inovaçãoe tecnologia impõemàs sociedades,mesmoàs
maishomogêneas,novasnecessidadesrelativasaofinanciamento.Essasnovasnecessidades
(KERSTENETZKY, 2012) exigem crescente presença de recursos fiscais no orçamento do
sistema.Eesseaumentoderecursosfiscaisdirecionadosàsnovasnecessidadesnãoincorre,
necessariamente,emdéficits.
Se,porumlado,hánecessidadederecursosfiscaisparasustentaraproteçãosociale
paraasnovasnecessidadesquesecolocamdiantedasmudançaseconômicas,demográficas,
do mercado de trabalho, inovação, isso significa que, por outro lado, dependendo da
estruturaçãodosistema,esses recursos fiscaispodemserespaçodeapropriaçãodosetor
64
privado, já que o orçamento público, como espaço crescente de recursos, será objeto de
disputa de toda ordem, especialmente em uma conjuntura de crise, com aumento do
desemprego, com redução da atividade do setor privado, diminuição de lucro privado de
algunssetores,porexemplo.
Apesardisso,oquehouvecomocontrapartidaemmuitospaíses,istoé,comosolução
paraoaumentodeaportederecursos,foiumaumentodofinanciamentodasaúdeporparte
dos“pacientes”,oqueéaindamaisdramáticoempaísesperiféricos.
Aumentodofinanciamentodasaúdeporpartedospacientes
Batifoulier(2015)ponderaque,desdeosanos1980,háumaumentodacontribuição
financeira,na formadeco-pagamentoeoutrosmecanismos (ticketmodérateur, forfaitou
franchise),porpartedospacientes(queelecontrapõeaosclientes),comoummododedividir
oscustoscrescentesdesaúde.Éoqueoautorchamademecanismosde“partilhadecustos”.
Batifoulier (2015)mostraque,emtodosospaísesdaEuropa,essemodelodepartilharos
custos de forma a carregarmais o paciente foi crescente, ainda que haja graduações.Na
França,porexemplo,eleémaisbrando.
Alémdisso,outrofenômenoqueBatifoulier(2015)apontaéacrescenteimportância
queoseguroprivadodesaúdevemconquistandonoespaçodossistemasdesaúde.Assim,
aindaqueossistemasdesaúdepúblicostenhamaindamuitaimportância,éinegável,afirma
ele,queossegurosprivadosestãoparticipandocadavezmaisdofinanciamentodocuidado
comsaúde.Embora,éclaro,opapeldoseguroprivadodesaúdetenhadiferentesfunçõesno
sistemadesaúde,deacordocomaconfiguraçãonacionaldosistemanacionaldesaúde,e,
também, do modelo de proteção social e da força de sua regulação, como já vimos
anteriormente.
Batifoulier (2015) mostra que tanto o aumento da participação dos pacientes no
financiamentodosistemadesaúdecomoaexpansãodossegurosprivadosdesaúdedentro
dossistemasdesaúdesãoduasevidênciasdaprivatizaçãodofinanciamentodoscuidados
comsaúde.
65
Essa privatização do financiamento dos cuidados com saúde não se resume
unicamente a uma transferência da cargade recursos públicos para o privado. Batifoulier
(2015)defendequeelatambémrecaisobreserviçosespecíficosealgunstiposdepacientese
que,porisso,ogastopúblicopermanececonstanteduranteoprocessodeprivatização.
[a privatização do financiamento] tem por alvo determinados cuidadosmédicosoudeterminadospacientes:o tratamentode“pequeno” riscodepreferênciaaotratamentohospitalar;apessoasaudáveldepreferênciaaodoentecrônico;odoenteabonadodepreferênciaaomaisdesamparado.Éporissoqueadespesapúblicapodesemanterconstanteduranteoperíododeprivatização.(Ibid.,p.2,traduçãonossa).18
Paraoautor,arelaçãopúblico-privadanagestãofinanceiradoscuidadoscomsaúde
fazpartedadiscussãodoaumentodoscustosparaasfinançaspúblicaseparaosistemade
proteçãosocial,eessaproblemáticarespondeànecessidadedabuscadenovosmercadosdo
capitalismoneoliberal,quetambémchegaàáreadasaúde,querendoexplorá-laparaolucro.
NaFrança,porexemplo,osetordesegurosprivadosestariadeolhoemumpromissor
mercadopotencialde30bilhõesdeeurosporano,comumaperspectiva,queécrescente,de
reduçãooueliminaçãodoreembolsodemedicamentooutratamentomédicoporpartedo
sistema de saúde. Segundo Tabuteau (2013, p. 153 apud BATIFOULIER, 2015, p. 3), esse
déremboursementsignificariaummercadode1,5%doPIB.Jáparaopaciente,aprivatização
dofinanciamentodoscuidadoscomsaúdesignifica,concretamente,dificuldadesdeacesso
aos cuidados, renúncias e filas emum contexto emque as desigualdades são crescentes.
Nessesentido,oautorresumebemaquestão:“Adoençanãoémaisapenasumaprovafísica
emental.Elasetornouumabatalhafinanceira.”(Ibid.,p.3,traduçãonossa)19.
O autor argumenta que a defesa da privatização pelos interesses econômicos
dominantessecontrapõeaosinteressesdospacienteseháumdiscursodateoriaeconômica
ortodoxaquevaiaoencontrodosinteressesdosgruposeconômicosdominantes,compostos
pelasempresasprivadasdeseguro,asindústriasdeequipamentosdesaúdeeamedicinade
18Nooriginal:“[Cetteprivatisationdufinancementdusoindesanté]Elleciblecertainssoinsoucertainspatients:le“petit”risqueplutôtquelesoinhospitalier,lebienportantplutôtquelemaladechronique,lemaladeaiséplutôtqueledémuni.C’estpourquoiladépensepubliquepeutrestersoutenueenpériodedeprivatisation.”19Nooriginal:“Lamaladien’estplusseulementuneépreuvephysiqueetmentale.Elleestdevenueuneépreuvefinancière.”
66
cunholiberal.“Opacientesepercebedespossuídodeseubemmaisprecioso,suasaúde,que
setornouumaenormefontedelucroparaasclínicasprivadas,paraascompanhiasdeseguro
de saúde e para a indústria farmacêutica20." (BATIFOULIER, 2014 apud LECTURES, 2014,
traduçãonossa).
Ateoriaeconômicaortodoxajustificaoseguroprivadodesaúdeapartirdoconceito
deriscomoral(moralhazard)econstituiabasepolíticaquejustificariaaarticulaçãoentreo
financiamentopúblicoeoprivado.
Éoqueoautorchamadecapitalismosanitário(capitalismesanitaire).Ocapitalismo
sanitárioexaminaaquestãodocuidadoàsaúdedentrodoslimitesrestritosdeumateoria
econômica,apartirdecritériosderiscoeseletividadedeclientela,comosenãohouvesseum
conteúdopolíticoideológicoedissociadodasquestõesdemercado.Ocapitalismosanitárioé
abuscadeumalógicaeconômicaefinanceiradesegurosegundoaqualohomemeconômico
temumarelaçãopropriamentecapitalistacomasuasaúde.Portanto,ocapitalismosanitário
buscamercantilizartotalmenteaquestãodasaúde,reduzindo-aaumseguroetratando-apor
umaanálisederiscoeconômico.
Contudo,oresultadodoavançodocapitalismosanitárioé,naverdade,acrescente
desigualdade,quetornacadavezmaisdifíciljustificarumaorganizaçãodofinanciamentodos
cuidados com saúde que afete o bem-estar da população. Além disso, Batifoulier (2015)
argumenta que a eficácia da privatização é questionável quando ela induz o aumento da
despesa pública. O autor defende, também, que a privatização leva à segmentação dos
pacientes.Dessemodo, “o financiamentoprivadodos gastos com saúde torna-se sinal de
respeitabilidade,enquantoofinanciamentopúblicoédefinidocomodeficiente”(Ibid.,p.3,
traduçãonossa)21.
Aprivatização,segundooautor,causaumaumentodosdispêndioscomserviçosde
saúdeporpartedospacientes,devidoàpartilhadecustose,também,aoaumentodecustos
demuitosserviçosdesaúde.Essefatorchegamesmoalimitaroacessoemcertoscasos,por
20Nooriginal:“Lepatientsetrouvedépossédédesonbienleplusprécieux,sesanté,quedevientuneformidablesourcedeprofitpourlecliniqueprivées,lescompagnied´assurancesetl´industriepharmaceutique.”21Nooriginal:“Lefinancementprivédesfraisdesantédevientsignederespectabilitéalorsquelapriseenchargepubliqueestdéfiniepardéfaut”.
67
exemplo,quandoocustoémuitoaltoparaeles.Oautorafirmaqueosmaisafetadossão,em
geral,aquelesmaisvulneráveisecommenorcobertura,jáqueseriamosprimeirosasofrer
osefeitosdasbarreiras financeirasnoacessoaoscuidados.Sãotambémosmaispobrese
maisdoentes.E,muitasvezes,precisamdesembolsarmaisdoseuorçamentoparacuidarde
suasaúdeesacrificaroutrositens,comooconsumodeprodutos,que,porsinal,sãobenéficos
parasuasaúde,porexemplo,alimentos,higiene,moradiaetc.(BATIFOULIER,2015).
Dessamaneira,aprivatização,sejacommecanismosqueincentivemamaiorpresença
desegurosprivados,sejacomaquelesqueincentivemumamaiorcontribuiçãofinanceirado
paciente (co-pagamento), produz efeitos deletérios, como o de adiar o tratamento ou de
incentivarotratamentonohospitaloudetransferirotratamentoparaoseguropúblico.
Qualquerquesejaomecanismo(co-pagamento,franquiaetc.),háumefeitonegativo,
poishaveriaumainduçãoaoaumentodepreçosdosserviçosdesaúdequerecairianosmais
pobresedoentes,levando-seemconsideraçãoqueasdesigualdadesdesaúdetêmumforte
componentedasdesigualdadessociais.Porexemplo,oco-pagamentoéummecanismoque
funcionariacomoumimpostoregressivo,penalizandoosmaisdoentes,nocaso,poisébaixo
paraosserviçosdebaixocustoemuitoaltoparaosserviçosmaiscaros.Dessamaneira,a
estratégiadaprivatização,argumentaBatifoulier(2015),levarianecessariamenteaosacrifício
dajustiçasocial.
Porém,aintroduçãodasbarreirasfinanceirasnoacessoaoscuidadoscomsaúde,que,
comovimos,éfontededesigualdadeparaopaciente,igualmenteseestendeatodotecido
social,poisadesigualdadetambémafetaasaúdedosindivíduos.Eamágestãonocuidado
com os doentes também afeta negativamente as finanças públicas, pois o financiamento
privadodoscuidadoscomsaúdeinduzanovosgastospormeiodemecanismosqueadiamo
cuidadocomsaúdeeativamooportunismodosagentes(BATIFOULIER,2015).
A valorização da privatização encontra um ponto de apoio na segmentação dos
pacientesorganizadapela teoriaeconômica.Estasemprereivindicou,embenefíciodasua
cientificidade,estardesconectadadequestõesmoraisenãocolocarproblemas,anãoserem
termostécnicos.
68
Comoocapitalismodoseguroprivado(capitalismeassurantiel),ateoriaeconômica
buscadividirapopulaçãoemduascategoriasehierarquizá-las:osaltos riscos,quesãoos
riscos maus, mais custosos, e os riscos baixos, que são os riscos bons, menos custosos.
Contudo,ovocabuláriodaeficiênciaoudaotimizaçãomascaraofatodequecertosgrupos
são preferíveis a outros. O seguro privado quer uma clientela de baixo risco, enquanto o
sistema de saúde público se dirige a todos, inclusive e especialmente àqueles que mais
necessitam.Comovimos,Giaimo(2016)tambémreforçaessapercepção.
Essavisãoteóricaparticipadeumaretóricareacionáriaquedenunciaowelfarestate,
alegando que este, ao promover a felicidade de um grupo mais numeroso, produz a
infelicidadedosindivíduos.Eaprivatização,naverdade,acabaresponsabilizandooindivíduo
por sua saúde. Dessa maneira, o público, o coletivo, é dissolvido como valor, e a
responsabilidadeviraindividual.Odiscursoretóricodifundeessemododepensareacabapor
tornaroindivíduopassivo(BAUTIFOULIER,2015).
E,nessascondições,oseguroprivadoouogastodiretodasfamíliascomserviçosde
saúde (out-of-pocket; auto seguro) seriam os meios para esse tipo de cidadania, que
responsabilizaoindivíduoe,comojáfoiapontado,otornapassivo(BAUTIFOULIER,2015).
Essetipodeconcepçãoafetaomodocomoosindivíduosjulgamoseucomportamento
e o dos outros, e o vocabulário normativo adotadopela retórica e pela teoria econômica
ortodoxaéutilizadoparaexplicitaras“fraudes”dosclientes.Essacríticaésemprereativada
emtemposderestriçãoorçamentária.Nessesentido,alutacontraodescontroledasdespesas
de saúde se transforma em uma luta contra a irresponsabilidade do paciente, segundo
Batifoulier(2015).Váriossãoosexemplos:oenganoprestadopeloasseguradoparaobteras
prestações;onomadismomédicoouanecessidadedeopacienteconsultarváriosmédicos
para omesmo episódio de cuidado; a fraude no sentido de paralisação do trabalho ou a
doençainstrumentalizadaparasatisfazerapreferênciapelolazer;o“vício”nomedicamento,
quedesenvolveumconsumoexageradoetc.
Essalógicadocapitalprivadonasaúdelevaaumdiscursoquedesqualificaalógicada
solidariedade.Dessamaneira,portanto,trata-sedelegitimaraprivatizaçãodofinanciamento
69
da saúde por uma fragmentação dos direitos sociais, segundo o tipo de paciente e seu
cuidado.
Importante lembrar que, pela ótica do sistema universal e público, a ideia de
solidariedade é aquela que une, solidifica um arranjo da sociedade no qual os indivíduos
dividemosriscosentreosmaisforteseosmaisfracos,entreosdesiguais.Éestaaideiado
coletivo,sejadosistemapúblicooudeumsegurocoletivoassociativo,porexemplo.Todos
pagam,unspagammais,outrospagammenos.
Diantedoquefoiexposto,ficaclaroqueháumacolonizaçãodopúblicopeloprivado.
O capital privado ocupa os espaços públicos para sua valorização e vai transformando
drasticamenteoespaçoocupado,opúblico,mudandoseusentido,seusvalores,destruindoa
solidariedade,queéa“cola”quedáaligadosistemapúblicoecoletivoconstruído.Ocapital
privadoesualógicamodificamcadapedaçodesseespaçoeatémesmoosprópriosindivíduos,
seus valores, seus propósitos e suas relações; as relações sociais, portanto, são
profundamenteafetadas.
Batifoulier(2015),porexemplo,mostracomoalógicadocapitalprivadotransforma
osindivíduosemempresáriosdesimesmo.E,assim,sãoresponsabilizadospelasuaprópria
saúdeepelousocalculadoquefazemdosserviçosdesaúde.
Assim,elemostra,também,queessalógicadocapitalprivadocoloniza,digamosassim,
o sistema público, coletivo e universal de saúde e, com isso, inicia um processo de
transformaçãoradicaldeste,culminandocomadestruiçãodasolidariedade,queuneedá
coesãoaosistemapúblicoeojustifica.
A questão é, portanto, como resistir. Até que ponto é possível resistir e quais
mecanismosderesistênciapodemosutilizarecriarpararesistir?
70
1.4–Transformaçõesrecentesdossistemasdesaúdeuniversaisnocontextodasrelaçõespúblico-privadas
A partir dos 1980, foram implementadas reformas nos sistemas de saúde como
respostasàcriseeconômica,àsmudançasnomercadodetrabalho,àsinovaçõestecnológicas
queincorporaramcustosadicionaisaossistemasdesaúdeeàmudançanoperfildemográfico.
Jansen-Ferreira (2016) mostra que foram criados mecanismos que viabilizaram a
preservação do acesso aos sistemas, porém, ao mesmo tempo, geraram uma paulatina
ampliaçãodalógicaedapresençadeatoresprivados.
Essasmudançastiveramsuasespecificidadesemcadaumdospaíses.Jansen-Ferreira
(2016)analisouoscasosdaFrança,ReinoUnidoeAlemanha.
NoReinoUnido,em1980,nãohaviaumproblemaemrelaçãoàdespesacomsaúde,
queera,aliás,relativamentebaixa,secomparadaaosoutrospaíseseuropeus.Entretanto,do
ladodareceita,omenorcrescimentoeconômicoafetouacapacidadedearrecadaçãogeral
do governo e, também, dos impostos, gerando consequências para o financiamento do
sistemadesaúde,queerafortementebaseadoemrecursosfiscais.
Já os sistemasde saúdedaAlemanhae da França, baseadosno financiamento via
contribuiçõessociais,foramafetadospeloaumentododesempregoepelaflexibilizaçãodas
relaçõestrabalhistas,oqueabalousuaarrecadação.
Alémdisso,haviatambémpressãoparaadiminuiçãodascontribuiçõessociaiscomo
objetivodemelhorarcompetitividadeparaasempresas.
Dessa maneira, frente à baixa arrecadação das contribuições sociais e aumentos
crescentescomaseguridadesocial,osdéficitsnessesetorcomeçaramaservistoscomoum
problematécnico.
Nessesentido,naFrança,porexemplo,houvedéficitnaseguridadesocial,enquanto
que,naAlemanha,asCaixasdeSaúdeeramresponsáveisporgarantirofinanciamentodas
despesasque,casofossenecessário,seriamcobertascomaumentodascontribuiçõessociais.
71
Portanto,diantedemenoresrecursos,asCaixasdeSaúdeaumentaramaparticipaçãodos
parceirossociaisparagarantirofinanciamentodosistemadesaúde.Jansen-Ferreira(2016,p.
115)mostraque,entreoiníciode1970e2012,ataxadecontribuiçãosocialsobreossalários
paraofinanciamentodasaúdequasedobrou,passandode8,2%(emmédia)para15,5%.
NaFrança,osistemadeseguridadesocialapresentoudéficitsemdiversosanos,desde
suacriação,em1945.Contudo,atéadécadade1980,asoluçãofoiaumentaraalíquotade
contribuições sociais e, assim, ampliar a receita. Foi a partir da década de 1990, com a
aprovaçãodaLeideFinanciamentodaSeguridadeSocial(LFSS),queaprioridadepassouaser
ocontrolededespesas.E,mesmocomessemaiorcontrole,emquasetodososanosdesdea
criaçãodaLFSS,houvedéficitnaseguridadesocialemdecorrênciadodéficitnosetordesaúde
(Ibid.,p.115).
Dessemodo,apressãoparaareformadosistemaaumentouconsideravelmente.
A partir dos anos 1990, também por influência das organizações europeias e
internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), Banco Mundial (BM),
OrganizaçãoMundialdoComércio(OMC)eOrganizaçãoparaCooperaçãoeDesenvolvimento
Econômico–(OCDE),houveumapressãomaiorporreformasgeraisetambémnasaúdeque
introduzissemmecanismosdeconcorrênciaeeficiênciadosmercadosedecortedegastos.A
UniãoEuropeiapassouasofreressapressãoparaapoiarreformasnaspolíticasdeempregoe
nas políticas econômicas e sociais com o objetivo de estabilidade fiscal, subordinando a
políticasocialaosobjetivosdapolíticaeconômica.
Aliteraturafazumaperiodizaçãoemrelaçãoàsreformaseaosimpactosnossistemas
desaúdedospaíseseuropeus.
Adécadade1980foimarcadaporadaptaçõesnossistemasdesaúdefrenteàcrise,
contudo, em um contexto de inércia institucional. Sendo assim, Jansen-Ferreira (2016)
caracterizatrêstiposdemedidas:aspolíticasdecontençãodecustos(tetosorçamentáriose
definição de listas de medicamentos cobertos pelos sistemas), a ampliação nas taxas de
contribuição sociais e a implementação de novos mecanismos de co-pagamento. Essas
mudanças,contudo,nãoafetaramascaracterísticasestruturaisdossistemasdesaúde.No
casodoco-pagamento,porexemplo,elejáexistiaempaísescomoFrança,AlemanhaeReino
72
Unido e, alémdisso, o impacto foi absorvido pela criação de isenções (JANSEN-FERREIRA,
2016,p.120).
Nadécadade1990,houvereestruturaçãodossistemasdesaúde,efoidadaprioridade
ao aumento da eficiência dos sistemas; contudo, houve, também, aumento da
regulamentaçãoedocontroleorçamentárioestatal,incluindoaampliaçãonousoderecursos
fiscaisparaofinanciamentodossistemas.Nessesentido,houvemudançasnaestruturade
financiamento,houvemercantilização(comadoçãodemecanismosdemercadoeampliação
daparticipaçãoprivadanossistemas),houvedescentralização,principalmentenaFrançaeno
Reino Unido, que são centralizados desde sua constituição. Então, além do aumento da
participação privada no financiamento e provisão dos serviços, houve, principalmente, a
lógica de gestão privada (new public management) incorporada no setor público,
principalmentenohospitalar(Ibid.,p.120).
Jansen-Ferreira (2016) identifica reformas, na década de 2000, com um duplo
movimento que aprofunda as mudanças estruturais com ampliação da mercantilização e
maiorregulamentaçãodossistemas,mas,também,corrigeaspectosnegativosdealterações
dadécadaanterior,alémdemudançasnocombateaoaltodesempregoeaocrescimento
econômicobaixo.AFrança,porexemplo,ampliouauniversalizaçãodoacessoparagarantiro
acessoaosistemanessecontextodemercantilização.OReinoUnidoexpandiuosrecursos
públicosparagarantiroacessoereduzirasfilasdeespera.Emrespostaàcriseeseusefeitos,
como o desemprego, as reformas dos anos 2000 aprofundaram a mercantilização, mas,
também,garantiramoacesso.
Nos anos 2000, houve ampliação da participação privada e da incorporação de
mecanismosdemercado;houveaumentodaregulamentação,comocontrapartidadamaior
participaçãoprivadanossistemas;ampliaçãodatransformaçãodopacienteemconsumidor
deserviçosdesaúdeeampliaçãodoacessoaossistemas22.
22Paramaioresdetalhessobreasreformasdosanos1980,1990e2000naFrança,ReinoUnidoeAlemanha,vertesedeJansen-Ferreira(2016).
73
Demaneirageral,otrabalhodeJansen-Ferreira(2016)identificaseistendênciasem
relaçãoàsreformasdosanos1980,1990e2000,queestãoresumidasabaixo,comalguns
exemplos.
Aprimeiradelasrefere-seaumaumentodocontroledecustosnosgastoshospitalares
eambulatoriais,especialmentecommedicamentos.
Emrelaçãoaosmedicamentos,noReinoUnido,adotou-seuma“listapositiva”,que
definia quaismedicamentos seriam pagos pelo sistema nacional de saúde. Na França, foi
criadoum“guiadereferências”demedicamentosaseremprescritos.NaAlemanha,houvea
imposiçãodetetoaospreçosdosmedicamentos.E,nostrêspaíses,houveaelevaçãodeco-
pagamentossobreosmedicamentos.
Em relação aos gastos hospitalares, no Reino Unido, houve redução no ritmo de
ampliaçãoderecursosparaosetor:osgastosdesaúdeaumentaram1,5%aoanodadécada
de 1980, mas o gasto no setor hospitalar aumentou somente 0,5% ao ano. Na França e
Alemanha,houve implementaçãodetetosorçamentáriosnosetorhospitalarcombaseno
gastodoanoanterioràimplementação.
Asegundatendênciarefere-seàampliaçãonabasedefinanciamento.
Houve ampliação das taxas de contribuições sociais na Alemanha e na França, na
décadade1980,emdecorrênciadaquedanoritmodearrecadaçãoprovocadapelacrisedos
anos1970.Nadécadade1990,houveaumentodousoderecursosfiscaisparafinanciaros
sistemasdesaúde.Ataxadecontribuiçãosocialdestinadaàsaúde,emrelaçãoaossalários,
aumentou,entre1970e1997,nasseguintesproporções:naAlemanha,de8,2%para13,5%;
naFrança,de15,75%para19,6%(JANSEN-FERREIRA,2016,p.127).
Ogastonosetorsaúde,noentanto,aumentoumaisdoqueoaumentodaarrecadação
das contribuições sociais, e houve, também, redirecionamento de recursos fiscais para o
financiamentodossistemasdesaúde.NaAlemanha,houvedirecionamentodeumaparcela
doimpostosobrecigarrosàsaúdequegerou,entre2004e2008,umamédiade2,34bilhões
deeurosaoano.NaFrança,em1990,ogovernocriouaContribuitionSocialeGénéralisée
(CSG),quesubstituiuparcialmenteascontribuiçõessociais.ACSGincidiasobretrêstiposde
rendas:osrendimentosdotrabalhoeasrendascompensatórias,comosegurodesemprego,
74
seguroinvalidezeprevidência;osrendimentospatrimoniaisedecapital;eosrendimentos
provenientesdeaplicações financeiras.Posteriormente,passoua incidir, também,sobrea
receita de loterias e sobre a venda e gastos com propaganda da indústria farmacêutica.
Quandofoicriada,aCSGerade1,1%;aolongodadécadade1990,ataxaaumentou.Em1993,
foide2,4%;em1995,foide3,4%e,em1996,foipara7,5%,quandosofreumodificaçõese
passouasechamarLeideFinanciamentodaSeguridadeSocial(LFSS),chegandoarepresentar,
em2012,36%detodososrecursosdosetor.
AcriaçãodaCSGnãoaumentouovolumederecursosdestinadosaofinanciamentodo
sistemadesaúde,masalterousuacomposição,commenorparticipaçãodostrabalhadores,
igualparticipaçãodosempregadorese inclusãodos rendimentospatrimoniaisedecapital
provenientesdeaplicaçõesfinanceiras.ACSGgeroumaiorestabilidadederecursosfrenteao
aumentododesempregoemodificouafortecaracterísticabismarckianadofinanciamento
francês ao desvincular a quebra do vínculo da contribuição como trabalho direto, isto é,
desvinculandoofinanciamentoaotrabalhoereforçandoacidadaniacomocritériodeacesso
àsaúde.
NoReinoUnido,cujosistemaéfinanciadopormeioderecursosfiscais,houverestrição
de recursos,oquegerou filasdeespera,principalmenteemrelaçãoacirurgiaseletivas,e
limitou o acesso ao sistema. Com a vitória do Partido Trabalhista, em 1997, houve uma
ampliaçãonoaportederecursosparaasaúde,comaumentode6,6%aoanoparaoNHSa
partirde2000.Oaumentofoiaindamaiordoqueoprevistoe,entre2000e2010,ogasto
públicocomsaúdeaumentoude5%para7,2%doPIB,maiorcrescimentodetodosospaíses
daOCDEnoperíodo(JANSEN-FERREIRA,2016,p.129).
Com a crise de 2007/2008, houve expansão de aporte de recursos também na
AlemanhaeFrança.
NaFrança,houveaumentodasalíquotasdeimpostossobreprodutos,comocigarro
(2011),refrigerante(2012)ecerveja(2013),e,também,aumentodenovasfiscalidadessobre
lucrosegrandessalários.Em2009,foicriadaumanovacontribuiçãosocial(forfaitsocialsur
l’épargnesalariale),que,inicialmente,tinhaincidênciade2%sobreaparticipaçãonoslucros
e, em 2012, chegou a atingir 20%, sendo responsável por 25% do total da receita obtida
75
destinadaàsaúde.E,porfim,em2013,foicriadoumimpostoadicionalsobresaláriosanuais
acima de 150mil euros, com recursos destinados à seguridade social (JANSEN-FERREIRA,
2016,p.130).
NaAlemanha,ogovernotambémampliouatransferênciaderecursosfiscaisparao
sistemadesaúde.Entre2009e2013,foram63,5bilhõesdeeuros,oquerepresenta5%do
totaldofinanciamentodosegurosocialdesaúdealemão.NaAlemanha,ofinanciamentofoi
pautado nas contribuições sociais e assim continuou; contudo, houve algumasmudanças
importantes:acriaçãodoFundoúnicodeFinanciamento,quecentralizavaosrecursosdas
CaixasdeSaúde;oestabelecimentodeumacontribuiçãosocialnacionalde15,5%,massem
aparidadehistórica,quebradaem2004,entreosparceiros sociais. Istoé,osempregados
pagavam8,2%,eosempregadores,7,3%;havendoaeliminaçãopelogovernodolimitepara
acobrançadeumvaloradicionalparaostrabalhadoresfiliados,emcasodedéficitnaCaixa
deSaúde.
Aterceiratendênciaéadescentralizaçãoparcialdagestãoealocaçãoderecursos.No
entanto,noqueserefereaofinanciamento,houve,naverdade,umamaiorcentralização.
Aquartatendênciarefere-seaumaumentonaregulamentação.
Houveumaumentodocontroleestatalsobreosgastosdosetorsaúdeeumaumento
naadoçãodalógicaprivadadeoperaçãonosistemadesaúde.NaFrança,porexemplo,com
aLeidoFinanciamentodaSeguridadeSocial,enaAlemanha,commaiorintervençãoestatal
nas Caixas de Saúde, também houve a criação de agências regulatórias. Segundo Jansen-
Ferreira(2016),essacriaçãosignificouainternalizaçãodalógicadeeficiênciadagestão.
Aquintatendênciaéaexpansãodacobertura.
OacessouniversaldosistemadesaúdedoReinoUnido(NHS)estágarantidoatodos
oscidadãoseéfinanciadomajoritariamenteporrecursosfiscais,numsistemabeveridgiano.
NaAlemanha e França, cujos sistemas de proteção social são predominantemente
bismarckianos e pautados, portanto, na proteção como condição de trabalhador, houve
modificaçõesimportantesnaquestãodoacessoaossistemasdesaúde.
76
Nopós-SegundaGuerraMundial,períododefortecrescimentoeconômicoedequase
plenoemprego,oacessoaos serviçosde saúdeera,naprática,universal, talqualnoNHS
britânico. Aqueles que não tinham acesso via trabalho eram incluídos no sistema via
mecanismos assistenciais. Na Alemanha, havia o seguro-desemprego ou o auxílio-
desempregoe,ainda,emperíodoslongosdedesemprego,haviaaassistênciasocial.Édese
notarque,naAlemanha,em1998,90%dosdesempregadoseram incluídosnosistemade
segurosocialviasegurodesemprego,eorestanteviaassistênciasocial(GIOVANELLA,1998).
NaFrança,oacessodosdesempregadosnosistemadesaúdeaconteciaviacartesanté.Em
1990,cercade300milfrancesesencontravam-senessascondições(JANSEN-FERREIRA,2016).
Coma criseeconômica, apartirdadécadade1970,eoaumentododesemprego,
cresceubastanteocontingentedescobertodeacessoaosistemadesaúdenaAlemanhae
França.Diantedisso,houvemodificaçõesimportantesrelativasàcoberturadosserviçosde
saúde.
NaFrança,foramcriadasaCouvertureMaladieUniverselle(CMU),apartirde2000,e
aCouvertureMaladieUniverselle–Complementaire(CMU-C),em2003.Odebate,noentanto,
começou bem antes, em 1995, com o Plano Juppé, que trouxe a proposta da criação da
AssuranceMaladieUniverselle,istoé,propunhaaintroduçãodemecanismosquegarantissem
a coberturade todosos indivíduos residentes, independentementeda contribuiçãodireta
para o financiamento do sistema. Contudo, a implementação da CMU e CMU-C não
contemplou os estrangeiros residentes na França em situação irregular. No caso deles, o
acesso ocorria fora da seguridade social, via um dispositivo de ajuda médica do Estado
chamadoAideMèdicale de l’État (AME), que, em2013, acolhia 251mil pessoas (JANSEN-
FERREIRA,2016).OfinanciamentodaCMU-C,porsuavez,erafeitoporumataxaincidente
sobreofaturamentodasseguradorasprivadascomplementaresquefoisendomodificadaao
longodosanos2000:em2004,erade1,75%;em2007,de2,5%;em2011estavaem6,27%
(BATIFOULIER,2014).
ComaCMUeaCMU-C,houveampliaçãodoacessoaosistema,oquepermitiuacesso
gratuitoatodapopulaçãoabaixodedeterminadonívelderenda,semreembolso–queéo
modo tradicional de pagamento por parte do paciente –, sendo pago diretamente pela
77
seguridadesocial–conhecidocomotierspayant23.OCMU-Cpermitiuacessosemnecessidade
dearcarcomoco-pagamentooucomopagamentodosegurocomplementar.
Em2005,acoberturafoiaindamaisampliadaparaumaparceladapopulaçãocom
rendamais elevada do que o teto do CMU-C,mas que, contudo, ainda não dispunha de
recursossuficientesparaarcarcomopagamentodeumsegurocomplementar.Foicriadaa
Aideà laComplémentaireSanté (ACS),quefuncionavacomoum“vale”,cujovalormínimo
variavaemfunçãodaidadedapessoa,umavezqueosegurocomplementareramaiscaro
parapessoasmaisvelhas.Em2013,ovalordovaleerade100eurospormêsparamenores
de16anos,200eurosparapessoasentre16e49anos,350eurosparaafaixade50-59anos
e550eurosparaafaixademaisde60anos(BATIFOULIER,2014;JANSEN-FERREIRA,2016).
NaAlemanha,tambémhouvemodificações.Odiagnóstico,em2006,eraque,apesar
dosegurosocialedosmecanismosassistenciais,haviacercade80a300milalemãessem
cobertura de saúde.Dessamaneira, em2007, a adesão a alguma formade seguro, fosse
público ou privado, tornou-se obrigatória para toda a população, o que transformou o
sistema,portanto,emuniversal(JANSEN-FERREIRA,2016,p.137).
Emquepeseaampliaçãodoacessoaossistemasdesaúde,éimportantedestacarque
a cobertura se deunos cuidados essenciais e foi prejudicada em setores nosquais houve
aumentodemecanismosdeco-pagamentoe/oureduçãodaobrigatoriedadedeacessopor
meio do sistema público. Dessamaneira, Jansen-Ferreira (2016, p. 137 apud POULLIER e
SANDIER,2000,p.901)mostraque
(...) a universalidade veio acompanhada de redução na integralidade doacessoaossistemas.Destacam-sequatrosetorescomessadinâmica:acessoamedicamentos(foradoshospitais);tratamentosdentários;oftalmológicos(óculos); e de enfermagem de longa duração (principalmente quedemandamcuidadosemdomicílio).Nessescasos,a reduçãodacoberturapública manteve (ou até mesmo ampliou) o financiamento e a provisãodessesserviçospelosetorprivado:“oespaçodeixadoparaomercadovariainversamente com a importância da cobertura [pública]. (POULLIER eSANDIER,2000,p.901).
23SegundoJansen-Ferreira (2016),háumdebateparlamentardesde2015,naFrança,emquesediscuteaaprovaçãodauniversalizaçãodomecanismodetierspayant,istoé,definanciamentodiretodaseguridadesocialatodososprestadoresdeserviçodesaúdedemodoaextinguirosistemadereembolso.
78
A sexta tendência refere-se à ampliação da presença do setor privado e de
mecanismosdemercado,istoé,aampliaçãodamercantilização.
Nosanos1970e1980,diantedapreocupaçãocomacapacidadedefinanciamento,
tendocomofocoapreservaçãoderecursosparaofinanciamento,houveaampliaçãodetaxas
decontribuiçõessociais(naAlemanhaeFrança)e,também,aexpansãodemecanismosde
co-pagamento,inclusivenocasodeinternaçãohospitalareemoutroscuidadosnãoessenciais
(oftalmológicos e dentários) na França, Alemanha e Reino Unido. Lá também houve a
terceirizaçãodeserviçosnãoclínicosdadécadade1980.
A partir de 1990, houve incentivo da concorrência como mecanismo de alocação
eficientedos recursos, supondo-seque issopreservariaoumesmoampliariao acessoaos
sistemasdesaúde.NaAlemanha,houveaimplementaçãodeconcorrênciaentreasCaixasde
Saúde e, no Reino Unido, houve, além da concorrência, a implementação das parcerias
público-privadas(PPPs)paraofinanciamentodeestruturashospitalares.Conformejávisto
anteriormente,tambémhouveaelevaçãodasparcelasdeco-pagamento,oqueaumentoua
responsabilidade dos pacientes na condição de consumidores de serviços de saúde
(BATIFOULIER;2015).
Jánosanos2000,houveumaprofundamentoaindamaiordaadoçãodemecanismos
demercados.Houveexpansãodaparticipaçãodehospitaisprivadosnaofertadosserviçosvia
privatizaçãodeinstituiçõespúblicasmunicipaisnaAlemanhaenoReinoUnido,econtratação
deinstituiçõesprivadasparaprestaçãodeserviçosjuntoaoNHSnaInglaterra.
Nocasoinglês,houveampliaçãodaconcorrênciaentreosprovedoresdeserviçose,
nofrancês,ampliaçãodaliberdadetarifáriaporpartedosmédicos24.Houvetambém,tanto
naFrançacomonaAlemanhaenoReinoUnido,aadoçãodagestãodemercado(newpublic
management)edopagamentoresultadosnoshospitais(DiagnosisRelatedGroup-DRG).
24 Na França, a Seguridade Social convenciona as tarifas que os profissionais recebempor atendimento de acordo comcontratosentreosmédicoseasCaixasdeSaúde.Em1980,ogovernoamplioualiberdadetarifáriadosmédicosepermitiuque os profissionais que cobravam valores mais elevados também fizessem parte da convenção da Seguridade Social,definindodoistiposdesetores(Setor1e2),comdiferenciaçãodetarifasmaiselevadasparaoSetor2.Comisso,asCaixasdeSaúdepagariamomesmoreembolso(70%dovalordaconsulta)mas,paraospacientesqueescolhessemosmédicosdoSetor2,quecobravamumvalormaior,elesarcariamcomadiferença,oupormeiodopagamentodiretooupeloreembolsoviaseguroscomplementares,quepagamumvalormaior.(JANSEN-FERREIRA,2016).
79
Aintroduçãodessesmecanismosgeroumudançasimportantesnaorganizaçãoena
ofertadosserviçosdesaúdenossistemasdesaúdedaFrança,daAlemanhaedoReinoUnido.
Jansen-Ferreira (2016) mostra que a mercantilização gerou transformações na estrutura
institucionaldossistemasdesaúdenoquedizrespeitoaofinanciamento.
Jansen-Ferreira(2016)criouumaclassificaçãodosmecanismosdemercantilizaçãoa
partirdoestudodasreformasdossistemasdesaúdenessespaíses,agrupando-osemquatro
tipos:i)mercantilizaçãoexplícitadofinanciamento;ii)mercantilizaçãoexplícitadaofertade
serviços de saúde; ii) mercantilização implícita do financiamento; e iv) mercantilização
implícitadaofertadeserviçosdesaúde.
Na mercantilização explícita do financiamento, há maior participação direta de
mecanismosdemercadoedaparticipaçãoprivadanofinanciamentodossistemasdesaúde.
Os exemplos são os aumentos dos desembolsos diretos pelos pacientes, o aumento do
pagamentodemecanismosdeco-pagamentoeacontrataçãodesegurosdesaúdeprivados.
Namercantilização explícita da oferta de serviços, hámaior participação direta de
mecanismos demercado e da participação privada na prestação de serviços, que assume
parte das funções públicas. Os exemplos são a terceirização dos serviços auxiliares nos
hospitais,aprivatizaçãodosserviçosauxiliaresnoshospitais(strictosensu),atransferênciada
gestão de hospitais públicos para instituições privadas, a ampliação da contratação de
instituiçõesprivadasparaassumirpartedaofertadeserviçosefusõeseaquisições.
Namercantilizaçãoimplícitadofinanciamento,hámaiorparticipaçãodemecanismos
de mercado e participação privada no financiamento “interno” dos sistemas, isto é, na
distribuiçãodosrecursos.Osexemplossãoalógicadefinanciamentodaestruturapúblicacom
asparceriaspúblico-privada(PPs)eacriaçãodeconcorrênciaentreasCaixasdeSaúde.
Namercantilizaçãoimplícitadaofertadeserviços,háampliaçãodalógicadeprincípios
privadosnaprestaçãodeserviços.Osexemplos sãoosmecanismosdegestãoprivadaem
instituiçõespúblicas(newpublicmanagement),oaumentodaconcorrênciaentreprestadores
de serviços e a introdução de pagamento por resultado para os prestadores de serviços
(hospitaisemédicos).
80
Dentre os países estudados por Jansen-Ferreira (2016), França, Alemanha e Reino
Unido, houve diferenças de graus de intensidade relativas às quatros formas de
mercantilizaçãoehouveainclusãodasquatroformasdemercantilização.
AAlemanhaéopaísqueapresentouamercantilizaçãoexplícitadeintensidademais
forte, principalmente a relativa à oferta de serviços com prestação de serviços feitas por
instituiçõesprivadase forteprivatizaçãoda redehospitalar.Emrelaçãoao financiamento,
houveampliaçãodaparticipaçãoprivadanogastocomsaúdeemrelaçãoaoPIBeemtermos
percapita.Contudo,aparticipaçãopúblicacontinuoubastantealtaeteve76%departicipação
nogasto.
NoReinoUnido,houvemaiorintensidadedamercantilizaçãoimplícita,principalmente
na oferta de serviços, além de forte incorporação de mecanismos privados, como a
concorrência, o que alterou o sistema ambulatorial e hospitalar. De toda forma, o
financiamento fiscal do NHS não foi modificado, e a oferta de serviços continuou a ser
majoritariamentefeitapelaredehospitalarpública.
AFrançaparecetermaioresespecificidades.Lá,houveincorporaçãodemecanismos
demercado em todo seu sistema de saúde,mas demodomenos intenso que nos casos
alemão e britânico. Houve, por exemplo, a adoção da remuneração hospitalar por
procedimentos(DRG).Masopaísapresentouforteresistênciaàsreformasmercantis.
Cadaumtevesuaespecificidadeeseusgrausdeintensidadediferentesemrelaçãoà
mercantilização,quefoiinequívoca,mas,deformageral,apresentaramumacontradiçãoao
tambémconseguiremaumentarauniversalidadedeseussistemasdesaúde.Jansen-Ferreira
(2016)mostraqueopróprioregimedeacumulaçãofinanceirizadoforçouainclusãodosetor
de saúde como espaço direto de valorização do capital, mas, ao mesmo tempo, os
desdobramentosdacrisesobreeconomia,trazendodesempregoepiorageraldascondições
socioeconômicas,exigiramumaexpansãodauniversalidade,eosagentessociaisexerceram
pressãoparapreservareatémesmoampliaroacessoaossistemasdesaúde.
Os sistemas de saúde dos três países foram afetados pela financeirização de suas
economiascomreformasquemercantilizaramseussistemasdesaúde,masaforçapolíticae
social dos sistemas de saúde, em seus arranjos sólidos, e a forte regulamentação estatal
81
possibilitaram a manutenção da estrutura de financiamento solidária ainda que com
restrições,ehouve,comoseriadesesupor,umacessoaosserviçosdesaúdeamploenão
restrito.
***
Síntesedocapítulo1
Ocapítulo1procuroumostrarqueanaturezadasrelaçõesentreopúblicoeprivado
seexpressanadisputaentreespaçosnãomercantiseespaçosdeacumulaçãodecapital.Os
welfarestatestêmumadimensãodeabrirumespaçonãomercantil.Nessesentido,houve
umanecessidadedequeseavançassemaisnosentidodadesmercantilização.
Ossistemasdesaúdeseconfiguraramcomoumespaçoparaaacumulaçãodecapital,
ao mesmo tempo em que foi necessário que continuassem avançando no sentido da
coberturauniversaledadiminuiçãodasdesigualdades.
Paraisso,houvenecessidadedebuscadefinanciamentomaissocializadoapartirda
estrutura tributária. Contudo, as tendências recentes não apontam nessa direção. Ao
contrário,sãotendênciasdemercantilização,particularmentedocapitalismosanitário.
Emquepeseoavançodamercantilizaçãonossistemasdesaúdedospaíseseuropeus
centrais,éprecisocompreenderotipodearranjoestabelecidoentrealógicapúblicaeprivada
nossistemasdesaúdeeanaturezadarelaçãoqueseestabelece.
A experiência dos países europeus centrais mostra um paradoxo entre a
mercantilizaçãoeauniversalidade.Aampliaçãodauniversalidadesedeudevidoàresistência
dos sistemas frente ao avanço da mercantilização. Ao mesmo tempo, o avanço da
mercantilizaçãofoi,aospoucos,dissolvendoovalordasolidariedade,mashouveresistência
quederivoudaforteregulaçãoqueacaboupreservandooespaçonãomercantilestabelecido.
Veremos,aseguir,comoesseprocessoaconteceunoBrasil.
82
Capítulo2–Aformaçãodosistemadesaúdebrasileirodopontodevista das relações público-privadas: suas marcas originárias, aconstituiçãodoSistemaÚnicodeSaúdeeseussignificados
Nocapítulo2,veremosaorigemdoSistemaÚnicodeSaúde(SUS)dentrodosistema
de proteção social brasileiro de característica meritocrática-particularista, com matizes
corporativistaeclientelista(AURELIANOeDRAIBE,1989).Veremosque,naorigemdosistema
de saúde brasileiro, havia um sistema segmentado, com um perfil privatista e outro
universalista,equeaausênciadecomunicaçãoentreessesdoisvetoresdetransformaçãodo
sistema, em um determinado momento, imprimiu características marcantes e de difícil
superação para as relações público-privadas na saúde. Ele teve início com as caixas de
aposentadoria e pensão e institutos, depois com o INSS, a constituição doMinistério da
Previdência,medicinaprevidenciáriaevemosumageneralizaçãoatéaConstituiçãoFederal
de1988,semperder,contudo,aóticaindividualedameritocracia.
No entanto, paradoxalmente, para cumprir a formação de um sistema público de
saúde,noBrasil,dadasessascaracterísticas,nãofoipossívelprescindirdosetorprivado,já
queeraestequemtinhaarededeprestaçãodeserviçosdesaúde.Assim,houveumanova
condição,comoSUS,definanciamentopúblico,mascomaprestaçãodeserviçospúblicaou
privada,oqueconfigurou,assim,agarantiadeacessouniversalatodos,comfinanciamento
público,massendoosmeiosdeproduçãodeserviçosprivadosoupúblicos.
EssapeculiaridadedarelaçãopúblicoeprivadadosistemadesaúdenoBrasilobrigou
oSUSafazercertostiposdealiançascomosetorprivadoqueultrapassaramoobjetivode
criarumarede,ampliaregarantirparaoSUSumarededeprestação.Acabaram, istosim,
alimentandoocomplexoindustrialdasaúde,cujoanseiopelavalorizaçãodeseucapital,dado
o contexto mundial de globalização e financierização, tornou-o forte para avançar na
privatizaçãodeumsistema recém-universalizado.Obviamente,esseavanço contoucoma
força política dos governos do período pró-mercado, mas, também, com a hercúlea
resistênciadomovimentosanitárioeasforçaspolíticasqueestesconseguirammobilizar.
83
Assim,esseembateéparteestruturantedoprópriosistemaenãohá–enemháa
perspectivadehaver–umasoluçãotalqualnospaísescomsistemasuniversaisdaEuropa
pró-universalização (como vimos no capítulo 1). Aqui, em um país com marcantes
características de fortes desigualdades sociais e heterogeneidades regionais, há, sim, uma
soluçãodeviéssegmentadoedeforteconcorrênciaentreopúblicoeprivadoemdetrimento
dopúblico.
Nãohouve,portanto,capacidadederegulaçãodessesistemae,aomesmotempo,isso
ocorreuemumperíododeglobalizaçãoefinanceirizaçãoquetornouofinanciamentopúblico,
istoé,acapacidadedeextraçãoderecursosdosetorpúblico,maisvulnerávelaataques.
Veremos,então,nestecapítulo2,umabreveretrospectivadecomonasceuosistema
desaúdenoBrasil,reforçandoaideiadequeelejánasceucomofertaprivada,segmentado,
dentroda lógicadosegurosocial,apartirde1930,doprimeiroautoritarismo.Duranteas
décadasde1940e1950,osistemaprivadoseexpandiumuito.Algunsautoresafirmamque
issofoiconsequênciadoprocessodeacumulaçãocapitalistabrasileiro,comamercantilização
dasaúdeedaadoçãodaestratégiadecontratação/compradeserviçosprivadosparaofertar
atendimentomédicoaossegurados(CORDEIRO,1984).Contudo,nogovernomilitar,pós-64,
alógicaprivatizantefoiadotadacomoestratégia,efoicriadoomercadodesaúdenoBrasil,
emumsistemaquejáera,desdeonascimento,segmentado.
Alémdessestraçosestruturantes,marcasorigináriasdosistemadesaúdebrasileiro,
estápresente,também,ocaráterregressivodessesistema,queprivilegiouasclassesmédiae
altaemdetrimentodosmaispobres.Essasmarcasconstituíramumsistemabemdiferente
daquele dos países europeus, por exemplo, que tiveram como traços marcantes a
universalizaçãodoacessoaosserviçosdesaúdeenãoasegmentação,asolidariedadesocial
enãoaregressividadeeexclusão.
VamosaindaanalisarosignificadodoSUSparaosistemadesaúdebrasileiro,verificar
dequemaneiraelerompeuessasmarcasorigináriasdonossosistemaeseeleasmodificou
ounãoasmodificou.
ÉinequívocoqueaConstituiçãoFederalde1988representaummarconahistóriado
sistemadesaúdebrasileiro.Nela,ficouconsagradoodireitoàsaúdeeoacessouniversale
84
gratuitoaosserviçosdesaúdeatodososcidadãos,alémdeterconfiguradoonossosistema
de seguridade social, cujo financiamento garante as bases sobre as quais seria possível a
implementaçãodosistemadesaúdebrasileiro,chamadoSistemaÚnicodeSaúde.
É importante relembrar, também, o processo da Assembleia Nacional Constituinte
(ANC),duranteoqualfoidiscutidoeelaboradooquedepoisficouconsagradonaConstituição
Federal (CF) de 1988 como o Sistema Único de Saúde (SUS). Esse processo merece ser
lembradoe,maisdoque isso,mereceser investigadonovamenteà luzdenossostempos,
principalmenteemummomentoemqueosdireitossociaisconsagradosnaCFde1988estão
sofrendoforteregressãoedesmanche,assimcomoaDemocracia.
As questões instigantes sobre esse processo são várias. Como foi possível, na
sociedadebrasileira,termosumSistemaÚnicodeSaúdenaConstituiçãoFederalde1988?
Como foi possível, da mesma forma, que conseguíssemos construir a seguridade social
brasileirae,principalmente,oorçamentodaseguridadesocial?Issoparanosrestringirmosa
essesdoispontospois,naverdade,asquestõessãomuitas.
Este capítulo, portanto, também tem o intuito de discutir e rever o processo da
AssembleiaNacionalConstituinteeaformaçãodoSUSedoseufinanciamento.
85
2.1–OsantecedentesdoSistemaÚnicodeSaúde
A partir da Proclamação da República e da organização federativa do Brasil,
começaramaserorganizadososserviçosdesaúdepúblicaemescalanacional,centradosnas
campanhas sanitárias. Segundo Noronha e Levcovitz (1994, p. 105), “estas tratavam
essencialmente do combate de epidemias nas áreas urbanas, ao passo que os primeiros
passosdaassistênciamédicanoBrasilestiveramcentradosnapráticaliberalenosurgimento
deinstituiçõesdecunhofilantrópico”.
EssaorientaçãopersistiunoséculoXX,quandoasaçõesdesaneamentoecombatea
epidemiastambémseestenderamdoscentrosurbanosparaasáreasrurais.Seualcancenão
abrangia a assistência médica, posto que os hospitais públicos se restringiam a doenças
mentaiseadoençasterminais.
A criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs), nos anos 1920 e,
posteriormente,dosInstitutosdeAposentadoriasePensões(IAPS),nosanos1930,abrigou
osprimeirossistemasdeproteçãosocialnoBrasil,apoiadosnasolidariedadecorporativae
que,emsuaconcepçãodosriscossociais,consideravamaçõesdeassistênciamédica.
Essa visão de solidariedade restrita, desenvolvida em torno das corporações
profissionais, seguiu vigente durante o período no qual as ações e serviços estavam
organizados,obedecendoumadivisãoentresaúdepública,decaráterpreventivo,emedicina
previdenciária,decarátercurativo,individualeespecializado.Essadicotomiadosistemafoi
determinanteparaodesenhodapolíticadesaúde.
Explica-se assim, pela força da medicina previdenciária, o caráter individual,
corporativo e meritocrático da política de atenção à saúde. “Posteriormente essa
estratificaçãoseagravarádiantedediferentespadrõesdecobertura,emqueseprivilegiavam
segmentosdetrabalhadoresnossetoresprodutivosmaisdinâmicos”(GOUVEIA,2016,p.106),
atendendotantoaosinteressesdaelitedostrabalhadorescomodosprovedoresprivadosde
serviços.
86
Essaspráticasconfiguraramomodeloassistencialprivatista,quepersisteaindahoje,
emfrancadesarmoniacomospreceitosepráticasdoSUS.Naquelemomento,osserviços
públicos atendiam os trabalhadores informais e a populaçãomarginalizada em geral, em
situaçõesessencialmenteemergenciais.
A criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), em plena ditadura,
centralizando os recursos e as ações dos antigos Institutos, consagrou a medicina
previdenciária e as práticas curativas especializadas em detrimento da prevenção e da
promoção da saúde, restritas e desvalorizadas, no interior do Ministério da Saúde, com
projeçãoparaasSecretariasEstaduais.
Nasegundametadedosanos1970,foicriadooMinistériodaPrevidênciaeAssistência
Social,noqualoINPSgeriaadimensãoprevidenciária,oInstitutodeAdministraçãoFinanceira
daPrevidênciaeAssistênciaSocial(IAPAs)administravaosrecursoseoInstitutoNacionalde
AssistênciaMédica e Previdenciária (INAMPS) generalizava amedicina previdenciária para
todosostrabalhadoresassalariadosformais.
Comavitória,àforça,viagolpe,dosmilitares,opaísentrouemumlongoperíodode
violentaditadura,autoritarismocomsupressãodosdireitoscivisepolíticos,principalmentea
partirde1968,comoAtoInstitucionaln.5(AI-5).
OqueaconteceunoBrasil,então,foiaimplementaçãodeumprojetopolíticocujas
característicasemrelaçãoàspolíticassociais, longedosobjetivosdauniversalização,eram
excludenteseforamdirecionadasàscamadasmédiaealtadapopulação.
MelloeNovais(1998)caracterizammuitobemomodeloeasconsequênciasdesua
implementação no pós-64. Posteriormente, Fagnani (2005), na mesma linha anterior,
sintetizou as características estruturais do modelo da “modernização conservadora” nas
políticas sociais, no pós-64: i) o caráter regressivo do financiamento do gasto social; ii) a
centralizaçãodopoderdecisórionoExecutivofederal;iii)aprivatizaçãodoespaçopúblico;e
iv) a fragmentação institucional. Essas características apontadas configurarama estratégia
adotadadeexpansãodebenseserviçose,também,sualimitadacapacidadederedistribuição
derenda.(FAGNANI,2005,p.41).
87
AreformadamedicinaprevidenciáriafoimarcadapelacriaçãodoInstitutoNacional
da Previdência Social (INPS), em 1967. Foram extintos os IAPs, que formavam a base da
política previdenciária entre 1930-1964, e a representação da classe trabalhadora na
administraçãodosIAPsfoisuprimida,portanto,nãotendomaisespaçonanovaconfiguração
centralizada,jáqueogerenciamentodasaçõeserafeitopelatecnocraciafederal.
Apartirdeentão,aaçãodasinstituiçõesestatais(INSP,CEMEeFAS)quecoordenavam
osetorsaúdeassegurouaamplapredominânciadaempresaprivada(CORDEIRO,1984),que
levouàáreadaprestaçãodeserviçoatecnificaçãodoatomédicoeoassalariamentoemlarga
escaladosprofissionaisdamedicina(DONNAGELO,1975).
Além do problema do gasto e segmentação da saúde pública e da medicina
previdenciária, como vimos anteriormente, outros fatores importantes foram o
financiamentodapolíticadesaúdeeseucaráterregressivoeexcludente,alémdaquestãodo
desenvolvimento do capital no setor saúde e da sua relação com a expansão e
desenvolvimentodosistemadesaúde.
Emprimeirolugar,aquestãodofinanciamentoeseucaráterregressivo,jámarcamos,
mas nunca é demais lembrar, foi moldada segundo as opções feitas pelo projeto da
modernizaçãoconservadoramilitarenãofoiexclusivodapolíticadesaúde,masdetodasas
políticassociais.
EssaquestãoficoumaisclaracomaReformaTributáriade1966ecomacriação,em
1977,doSistemaNacionaldePrevidênciaeAssistênciaSocial(SINPAS)25.
AsfontesdefinanciamentoeramformadaspeloFundodaPrevidênciaeAssistência
Social (FPAS),por contribuiçõesdaUniãoeporoutras receitas.Do totalde recursos,90%
derivaramdaí.
25Valelembrar,também,quehouveumacentralizaçãodoprocessodecisório,comasupressãodosdireitoscivisepolíticos,com prevalência do poder executivo sobre os outros; repressão à participação da sociedade civil e entidades derepresentaçãosocial.Houve, inclusive,acriaçãodeagênciasburocráticas federaisquepassarama implementareagerirpolíticassetoriaisnacionaiseacontrolarfundosfinanceiros.Nocasodasaúde,alémdacriaçãodoSINPAS,houveacriação,em1974,doMinistériodaPrevidênciaeAssistênciaSocial(MPAS).NoâmbitodoSIMPAS,tivemosacriaçãodoINAMPS.Atéentão, erao INPSqueprestavaaassistênciamédicaprevidenciária.Depois, ela ficou restrita à gestãodosbenefíciosdaprevidênciasocial(FAGNANI,2005,p.20).
88
OFPASeraformadoporcontribuiçõescompulsóriasdasempresaseempregadoresdo
mercado formal urbano, incidentes sobre a folha de salários e com a remuneração dos
empregadosetrabalhadoresautônomos,avulsosedomésticos.AContribuiçãodaUniãoteve
sua participação modificada na década de 1960. Entre 1930 e 1960, o modelo de
financiamentodaprevidênciaerabaseadonomodelo tripartite, segundooqualoEstado,
empregadoresetrabalhadorescontribuíamempartes iguais.Em1960,aaprovaçãodaLei
OrgânicadaPrevidênciaSocial(LOPS)rompeucomosistematripartite,eaContribuiçãoda
Uniãopassouaserdefinidapela“quantiadestinadaa financiaropagamentopessoaleas
despesas da administração geral da previdência social, bem como suprir as deficiências
financeirasverificadas”(FAGNANI,2005,p.10).
Assim,em1960eraestimadoqueacontribuiçãodaUniãoeracercade15%dareceita
total.Nopós-64essaregrafoimantida,masem1977comacriaçãodoSINPASfoialteradae
essaContribuiçãodeveriafinanciarocusteiodasentidadesvinculadasaele:INPS,INAMPS,
IAPAS,DATAPREV,LBAeFUNABEM.
Fagnani(2005,p.10-12)mostracomoeraregressivoofinanciamentocombaseem
quatroindicadores.Oprimeiroeraareduzidaparticipaçãoderecursosfiscais.Acontribuição
daUniãoeraresidualedecrescenteentre1970e1980(era10%em1970-1972ecaiupara
5,2% em 1980). Essa participação, além de residual, contrastava com a experiência
internacional,emqueofinanciamentoerabaseadoemrecursosfiscais.Alémdisso,naprática,
ogovernomilitarnãocumpriaalegislaçãoenãofaziaoaportenecessárioparaocusteioda
máquinaadministrativa.Nãoofezemnenhummomentoquefoinecessário,aliás,segundo
Fagnani.
OsegundoofinanciamentoregressivodoFPAS,quefinanciavacercade90%dototal
do SINPAS e era basicamente arcado com as contribuições dos assalariados do mercado
formal urbano, funcionando como tributo direto, já que a parte dos empregadores era
repassada aos preços dos produtos e, assim, indiretamente, pesava sobre todos os
consumidores(BRAGAePAULA,1981;FAGNANI,2005).
Oterceiroéoconceitodesegurosocial,istoé,oacessoaosbenefíciosdependiada
contribuiçãoindividual,eessaregraexcluíaparcelasignificativadapopulação,principalmente
89
adaárearuraleomercadoinformalurbano.Oacessoàredeprivadadeassistênciamédica,
gerenciadapeloINAMPSefinanciadapeloFPAS,dependiadeointeressadocomprovarque
pagavaocarnêindividualdecontribuiçãodoINPS.
O quarto era a existência de um mecanismo “perverso” que penalizava os
trabalhadoresdemenorrenda.Omecanismoeradadopelafixaçãodeumaalíquota-tetode
10% sobre os salários superiores a 20 salários-mínimos. Com isso, os trabalhadores com
saláriosmaisbaixoseramrelativamentemaispenalizadosqueaquelesquerecebiamsalários
superioresavintemínimos.E,ressalte-se,eramamaioria.
Arenúnciafiscalfoiinstituídanessaépocaetambémmostrouregressividade.
ComareformaadministrativapromovidapeloDecreto-Lei200,em1967,e,sobretudocomasresoluçõesqueseseguiramaoAI-5,em1969,osistemadearrecadaçãodeimpostossemodernizou.FoicriadaaDeclaraçãoAnualdeAjusteenelaencaixadaafórmuladasdeduções.Asdeduçõesdegastoscomsaúdeprivada(naépocatambémdeduçõesgenerosíssimascomgastosem educação privada) se transformaram num dos principais incentivos àexpansãodeummercadodeassistênciamédicanopaís.Seafórmulanãofoiinventada pela ditadura militar, foi, durante ela, aprofundada. (VIANNA,2015,s/p).
Nocasodosubsetorpúblico,dasaúdepública,ofinanciamentoeradependentedo
TesouroNacionaleeradirecionadaumaparcelaínfimaderecursos,residuaismesmo.Fagnani
(2005,p.12-13)mostraqueaparticipaçãodoMSnoOrçamentoGeraldaUniãogirouem
tornode0,9a2,2%.
A assistência médica previdenciária desenvolvida pelo INAMPS era claramente
prioritáriaehegemônica,comojávimos.OsprogramasdoINAMPSforamresponsáveis,em
média,por85%dogastototalemsaúderealizadopelogovernofederalentre1978e1984,
enquantoaparticipaçãorelativadoMinistériodaSaúdenoOrçamentoGeraldaUniãoerade
2,2%(FAGNANI,2005;BRAGAeSILVA,2001).
Porfim,ébomsalientarqueessaexpansãodaredeprivadalucrativa,tantohospitalar,
quanto laboratorial e ambulatorial esteve articulada à compra de serviços da medicina
previdenciária. Esse movimento importante foi a marca da privatização do setor saúde
90
consolidadaapartirdogovernomilitar,queveioasejuntaraoutramarcadonossosistema:
asegmentação,easduastêmumcaráterextremamenteregressivo.
Deve-seterclaroque,sedeumlado,oSUSrepresentaumarupturacomomodelo
anterior, no sentido da universalização, de outro, foi preservado e revigorado o arranjo
privadoanterior,paraossegmentosdemédiasaltasealtasrendas,nuncacompletamente
identificadoscomosistemapúblico.
91
2.2 – Abertura democrática, movimento sanitarista e Assembleia NacionalConstituinte
Emumcontextodeaberturademocrática,osmovimentossociaisestavamativose
organizados, entre eles, omovimento sanitarista, que teve umpapel fundamental para a
constituiçãodoSistemaÚnicodeSaúdeequepodeserrevistopormeiodarecuperaçãodo
debateocorridonaAssembleiaNacionalConstituinte(ANC)26,queaconteceuem1987.
Nos ricos debates da ANC, os direitos sociais tiveram um papel importante,
constituíram-se garantia fundamental do cidadão commuito destaquena Constituição de
1988.Dentreeles,aseguridadesocialrefletiuoconceitoamploàlaBeveridge,seguindoo
modelo universal-redistributivo, ao compreender três sistemas de proteção integrados,
emboraorganizadoscadaqualcomsuasprópriasleiseestruturas:previdênciasocial,saúde
eassistênciasocial.
OEstadotevepapelativonoacessoaosserviçosdeproteção,eodireitoestágarantido
naConstituiçãoFederalde1988,comodireitodesocial,atributodacidadania(FAVARETFILHO
eOLIVEIRA,1990;KERSTENETSKY,2012).Gimenez(2017)aponta,também,queaConstituição
funcionou como elemento homogeneizador da sociedade, pois trazia um arcabouço
institucional com a seguridade social que estruturou uma política social de natureza
redistributiva,capazdecombaterapobrezaedinamizaraseconomiaslocais.
Analisadasobaconjunturade2016,naqualsepercebeumatendênciaàregressão
social,comosdireitosconquistadosnaConstituiçãoFederalde1988sobameaça(BELLUZZO,
2016),umaquestãosecoloca:comofoipossível,naquelaépoca,tamanhoavançodosdireitos
sociaisnaConstituiçãode1988?
NaépocadosdebatesdaANC,muitaseramaslinhasideológicasquecompunhama
coalizãoconstruídanoprocessodeaberturademocrática.Naáreadasaúde,osdebatesse
26MuitointeressanteéodocumentárioAConstituiçãodaCidadania,noqualpodemosrelembraroprocessodaAssembleiaNacionalConstituinte(ANC),em1987,comimagensedepoimentosmuitoelucidativos.Olinkparaacessarodocumentárioé<http://www.senado.leg.br/noticias/especiais/constituicao25anos/a-constituicao-da-cidadania.htm>.
92
davam em torno da proposta apresentada e estruturada pelo Movimento da Reforma
SanitárianahistóricaVIIIConferênciaNacionaldeSaúde.
Foi criada uma Comissão Nacional da Reforma Sanitária (CNRS)27 após a VIII
ConferênciaNacionaldeSaúde,comoobjetivodeelaborarpropostasparaomarcolegaldo
sistemanacionaldesaúdeedisseminaraagendadareforma,cujaideiacentralerasuperara
divisão entre políticas de saúde pública e de medicina curativa individual (BRASIL, 1986;
BRASIL,1986a).
LájáestavamosprincípiosconstitutivosdoSUS,istoé,aideiadauniversalizaçãodo
acesso,daunificaçãodosistemadesaúde,daintegralidadedaatençãoedadescentralização
dagestão.Além,éclaro,daideiadesaúdeentendidacomodireitosocialdecidadania.Era
esperado que esse novo sistema rompesse com o modelo corporativista com vínculo
contributivodosistemaanterioreestatizassearedeassistencial.Essaagenda,diga-se,contou
comamploapoiodosmovimentosprogressistas(FAVARETFILHOeOLIVEIRA,1990).
ApósaVIIIConferênciaNacionaldeSaúdeeaelaboraçãodaComissãoNacionalda
ReformaSanitária,houve,ainda,aPlenáriaNacionaldaSaúde,quecontoucommaisde270
entidades sociais e era um espaço rico e forte de articulação da proposta que seria
encaminhadaàConstituinte.Assim,apropostachegouforte,articuladaecommuitoapoioda
sociedade, reflexo de um processo grande de gestação, discussão e formulação com
participaçãoativadasociedade.
QuandoapropostachegouaoLegislativo,comohaveriadeser,contoucomreaçãode
setoresconservadores,quesealinhavamemtornodocombateàunificação,porentenderem
que, dessa maneira, haveria a estatização do sistema e eles se alinhariam aos hospitais
privadoslucrativos.
Noentanto,osembatesnãosedavamsomenteemtornodesseponto.Outroserama
questão da estatização da rede assistencial; a questão do financiamento; a questão da
27ACNRSfoicriadapelaportariaInterministerialdoMEC/MS/MPASn.02/86.OrelatóriodaCNRSpodeseracessadoatravésdolink<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd05_07.pdf>.
93
formação da seguridade social ou da saúde como uma área separada; a questão dos
medicamentos;dasaúdedotrabalhador,entreoutrostantos.
Sônia Fleury, emdepoimentodado sobreosdebatesem tornodaANCnaáreada
saúde para um estudo que resgata a memória desse movimento (BRASIL, 2006), mostra
claramente os pontos controversos, os grupos de interesse e a articulação em torno das
propostasmaispolêmicas,nopoderLegislativo.
DesdeosimpósiodaCâmaradosDeputados[1979],semprefoiomomentoemquevocêsereconhecia,vocêsabiaaforçaquetinha,coisaquevocênãosabia fora de lá, e lá você começava a perceber os enfrentamentos. OprimeiroenfrentamentoquetivemosfoicomaFBH[FederaçãoBrasileiradeHospitais] e nós não tínhamos noção se nós éramos só um bando demarginaisdeesquerdaousenóstínhamosforçaparalevaraquiloadiante.Alieraolugarondevocêencontravaooutro,oseuopositor,mastambémosseusaliadosqueseidentificavamesabiamotamanhodacorrelaçãodeforçaseoseupoderdentrodaquelaforça.Então,aquelaatuaçãodentrodoCongresso Nacional é privilegiada por causa disso e, também, superavacertas coisas meramente corporativas, como os conselhos regionais, queparticipavamativamentetambémealitranscendiamacoisacorporativaemdireçãoaoprojetomaisabrangente. Foiumaexperiência fantásticanessesentido.(BRASIL,2006,p.92).
Sobreoembateemtornodaestatizaçãodaredeassistencial:
Achoquenós,detodaaesquerda,tínhamosumavisãobastanteingênuadequeseriapossívelumsistemaestatal,quandoabasematerial toda jáeraprivada.Então,eradesconhecerarealidade,anãoserquesenacionalizasse,acabasse com o setor privado, o que seria uma intervenção de umabrutalidadeenorme.Ouseja,quandonósvamosparaomovimentodecriaro sistema único, com a base material privada, tinha que ser através deconvênios.Eessafoiumatensãomuitograndeporquenosdividia.Aquelesmaisàesquerdaachavamquetinhaqueserestataleaíagentecomeçaaperceberqueeraimpossível,queeramelhornegociareincorporarosetordasfilantrópicas.(Ibid.,p.93).
Sobreasaúdedotrabalhador:
E aí eu identifico no deputado Eduardo Jorge a tentativa de colocarmaisclaramente na Constituição Federal os direitos em relação à saúde dotrabalhador,dosquaisnãoentrouquasenada.[...]EumelembrotambémdoRobertoJefferson,queelemesmoseachavaumtrogloditanaquelaépocaenãoagora,eagenteseenfrentandocomeleassimmesmo.Nóséramosmeninos e lá brigando com ele, realmente era violenta a coisa, o setor
94
privadofortementerepresentadopelaFBHeoRobertoJeffersontentandoreduziropapeldoSistemaÚnicodeSaúde.(BRASIL,2006,p.93).
Sobreosmedicamentos:
Foi impressionante porque a gente sentia essa questão da correlação deforças.Naáreademedicamentos,nósnãoconseguimosavançarnada.Todosos grupos que participavam da Plenária eram favoráveis a incluir maiorcontrole, a questão dos genéricos, e eu me lembro que o relator daConstituição retirou o item sobre os medicamentos, alegando que haviarecebido um telegrama da Abifarma e considerou que isso não tinhaimportância. Ou seja, esses que eram os mais poderosos sequer nós osenfrentávamos. Foi quando a gente percebeu que a FBH não era tãopoderosa,poisseestavamalitendoquebrigarcomagentedavaparamedirforças,porqueeraumsetorquedependiadoEstado.Aquelesqueestavamali, como nossos supostos inimigos, eram os que precisavam do próprioEstado e nós podíamosmedir força com eles. Os outros nem apareciam,mandavamtelegramaoufaziamolobbydelessequernosenfrentando–osgrandespoderososdaáreademedicamentos,saúdedotrabalhador–tudoissonósperdemos.(Ibid.,p.94).
Sobreofinanciamento:
Apartedefinanciamentotambémfoiumatensãoporquenósqueríamosorecursodefinidoparaaáreadesaúdeeacabamoscolocandoalgumacoisanasdisposiçõestransitórias.EssaeraaposiçãofechadadaáreadesaúdeeaíoenfrentamentofoicomoJoséSerraetodaaáreatributária,quediziaqueeraimpossívelvinculartodasasreceitas,poisnãosedariamargemnenhumaparaogestoreparaogoverno.Eelenosimpediu,passousóavinculaçãodaeducaçãoporqueesseeraummovimentoquejátinhaforçasocialsuficiente.Nósperdemosessatambém.Foramasáreasqueagenteperdeumais,osgrandes pontos de tensão com forças que estavam além da nossacapacidade.(Ibid.,p.94).
Gouveia(2016)sintetizaosposicionamentoseosembatesemtornodedoisgruposde
posições.
(...)deumlado,osgruposquetinhamrelaçãoorgânicacomosetorprivadodefendiam a manutenção do modelo pluralista, de inspiração neoliberal,baseadonacompradeserviçosprivadospeloaparelhodaPrevidênciaSocial,casoemqueMinistérioeSecretariasdeSaúdepermaneceriamlimitadosàpromoçãodeações coletivasde saúde.Nessa linha, havia aindapropostaalternativa de adoção de modelo concorrencial, a cargo exclusivo dainiciativaprivada,paraaatençãoàpopulaçãourbanaeinseridanomercadoformaldetrabalho.AoEstadocaberia,alémdasaçõesdesaúdepública,a
95
atenção àqueles quenãopudessemassegurar, por questãode receita ouescala,alucratividadequeatraiaorganizaçãoempresarial,hipóteseemqueseinseriamosgruposnãoorganizadoseapopulaçãoruraloudebaixarenda(RodriguezNeto,2003;Costa,1996;Pereira,1996).
De outro estavam os que defendiam a ideia da unificação do sistema desaúde com acesso universal e equânime a todo cidadão. Rodriguez Neto(2003) identificaospontos cardeaisdessaproposta: (i) conceitode saúdeparaalémdaassistênciamédica,ao incluirseusdeterminantessociais; (ii)direitouniversaleigualitárioàsaúde;(iii)responsabilidadedoEstadosobreosistemadesaúde;(iv)naturezapúblicadasaçõeseserviçosdesaúde;(v)subordinaçãodosetorprivadoàsnormasdeumúnicosistema,comdiretrizde estatização progressiva (vi) organização dos serviços em rede única,regionalizada e hierarquizada; e (vii) proibição da destinação de recursospúblicos à iniciativa privada, bem como de participação do capitalestrangeiro.Acrescente-seaissoocontrolesocialdaspolíticasdesaúdepelaparticipação popular para sintetizar a pauta do movimento da ReformaSanitária.(GOUVEIA,2016,p.30).
Dopontodevistadospartidospolíticos,adiscussãosedavaemtornodetrêsgrandes
grupos,segundoGouveia(2016,p.31apudPEREIRA,1996):ogruporeformista,queincluía
ossetoresdomovimentosanitárioeparlamentaresprogressistasdoPMDB,PSDB,PT,PCB,
PDTePCdoB,aliadosagrupossociaissensíveisàreformasanitária;osetorprivadoprestador
deserviçosparaoEstado,quesealiouasetoresmaisconservadoresdoPMDB,PTB,PDS,PFL
eparlamentaresdoCentrão;eosubsistemaprivadoautônomo,quesealiouaosetorprivado
dependente.
SegundoGouveia(2016,p.34),tambémháconflitodentrodomovimentosindicalna
questãomodelouniversal,poisostrabalhadores,nomomentodaANC, jáseencontravam
abrigadosporformasprivadasdeassistênciaàsaúde,oquedificultouaidentificaçãocomo
projetodemodelouniversal.
A perspectiva corporativista na política de saúde, vinculada à relação detrabalho,traduziu-senaausênciademobilizaçãoeapoioefetivoàReforma.Essaposturacontribuiunãosóparaenfraqueceradefesadaproposta,mas,em outro polo, fortalecer a segmentação de clientelas, em que o SUS sedestinariaàcoberturadapopulaçãomaispobreeseminserçãonomercadodetrabalho.EsseelementoteveconsequênciasdecisivasnaimplantaçãodaReformanosanos1990.(Ibid.,p.34).
No entanto, a despeito das posições contrárias em torno de pontos polêmicos, a
propostadeReformachegouàANC,comaessênciapreservadaeforte.Contudo,naetapa
96
finaldaPlenáriadaConstituinte,comaastutaatuaçãodoCentrão,otextoConstitucionalfoi
aprovadocomalgunspontosquedesvirtuaramapropostadaReformaSanitária,aindaqueos
pontosessenciaistivessemsidopreservados.
Segundo Rodrigues Neto (2003) e Bahia (2008), por exemplo, o que estava em
discussão não era o direito à saúde como atributo da cidadania, pois isso, inclusive,
interessavaaosetorprivado,umavezquehaveriaaumentodademandaparaosetorprivado.
Oproblemaeracomoassegurarodireitoàsaúdeequalpapelainiciativaprivadateria,jáque
haviaadiscussãodeestatizararedeassistencialprivada.Disso,porém,oCentrãonãoabriu
mão.
Assim,navotaçãodotextofinal,foramincorporadasconcessõesemrelaçãoaoprojeto
deReformaSanitárialevadoàANC,principalmenteorelativoaointeresseprivado,quequeria
seudireitodelivreexercíciosobreosserviçosdeassistênciaàsaúde.
Oqueresultoudoconsensofoiapossibilidadedeparticipaçãodoprestadorprivado, por contrato público, namedida dos limites da rede pública ematender à demanda, caso em que teriam preferência as entidadesfilantrópicas.Aalaprogressistaentendeu,naquelemomento,queoregimededireitopúblicodocontratoouconvênio,somadoàvedaçãodadestinaçãoderecursospúblicosaosetorlucrativo,seriaamarrasuficienteparablindaroSUS.
(...) A proposta da estatização progressiva foi um dos poucos temas queaglutinaramtodososrepresentantesdosetorprivadonointuitodebloquearqualquer estratégia nessa direção. Assim, a partir do instante em que acoalizão reformista abriu mão de defender a estatização do sistema desaúde, o debate passou a girar em torno da relação público-privado naprestaçãodosserviços.Paraosetorautônomo,játinhasidoalcançadoseuprincipal objetivo naANC, que era garantir sua existência emparalelo aoEstado.(GOUVEIA,2016,p.35).
Viannaetal.(1999),observaramque
(...)aformaçãodevontadedolegisladorconstituinte,nessascondições,nãoteria como ser frutodeumaaçãohegemônica,masda composiçãoedassoluções de compromisso entre forças díspares, cuja unidade se exerciamelhor sobre temas tópicos do que na formulação de uma concepçãosistemáticaecoerentedeumnovoprojetoparaopaís.(Ibid.,p.39).
97
Promulgada a Constituição Federal de 1988, então, questões cruciais não foram
definidas.Gouveia(2016,p.36)sublinhaquais,algumasdelas,aliás,diretamente ligadasà
questãopúblico-privadaeaofinanciamento,cujasconsequênciasdaindefiniçãoafetamaté
hojeosproblemasdoSUS:
Vê-sequeaConstituiçãonãoconsideroumonopólioestatalosserviçosdesaúde, namedida empodem ser executados “diretamente ou através deterceiros”, pois “a assistência à saúde é livre à iniciativa privada”. Aconcepção de “natureza pública” das ações e serviços de saúde, comoproposto originalmente pelos reformistas, foi atenuada pela expressão“relevânciapública”(art.197e199),oquedescartaoobjetivodeestatizaçãoprogressivadefendidonaVIIIConferência.
A ideia de parceria com a iniciativa privada para a execução dos serviçospúblicosdesaúdetambémseexpressanoTextoConstitucionalpelaprevisãodeque“asinstituiçõesprivadaspoderãoparticipardeformacomplementardoSUS,segundodiretrizesdeste,mediantecontratodedireitopúblicoouconvênio, tendo preferência, mas não exclusividade, as entidadesfilantrópicas”, sendo, contudo, “vedadaadestinaçãode recursospúblicospara auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos”,assim como “a participação direta ou indireta de empresas ou capitaisestrangeirosnaassistênciaàsaúdenoPaís,salvonoscasosprevistosemlei”(§§1ºa3ºdoart.199).
O desenho constitucional formulado para o sistema brasileiro de saúdedeixa, por conseguinte, incorporar alguma dualidade, ao oscilar entreprovisãopúblicaeprivada.Deumlado,volta-separatodososcidadãos,deformagratuita,universaleigualitária,financiadoportodaasociedadeeque,poressa razão,nãoadmite cobrançapontualpelos serviçosde saúde.Deoutro,ofereceolegisladorconstituintesaídaparaomercado,oumelhor,aporta aberta para que os arranjos privados de financiamento da saúdecoabitemcomoSistemaÚnico,comosubsistemaparalelo,dirigidoàquelesque podem ou desejam contratar, individual ou coletivamente, aintermediação dos serviços de saúde pela via do empresariamento damedicina.(Ibid.,p.37).
Ficaclaro,dessamaneira,queamobilizaçãoeaorganizaçãodomovimentosanitário
brasileiro,jánosanos60\70,foramfundamentaisparadarorganicidadeeforçaàproposta
quefoiapresentadaàANC,emumcontextodeaberturademocrática,comforteparticipação
dos movimentos sociais e da sociedade civil, na luta pela garantia dos direitos sociais.
Contudo,emquepeseesseviésdevanguardaeprogressistadapropostadoSUS,osinteresses
dosmercadosprivadoeconservador,preocupadosemgarantirseusprivilégios,manterseus
negócios e ampliá-los em detrimento de uma proposta mais solidária e universalizante,
98
conseguiram alterar a proposta inicial e, como consequência, no texto constitucional foi
permitida a consolidação de uma estrutura dual, segmentada, com concorrência entre o
sistemapúblicodecaráteruniversaleoprivadodesaúde.
Dessamaneira,oSUS,claro,éummarcoimportantenaconquistadosdireitossociais
e seudesenho institucionalémesmoconsideradoumexemplo internacional.Contudo,ao
mesmo tempo, foimantida a característica de segmentação do sistema,marca originária
desdesuacriação,emoutraconfiguração,que,comoveremosnocapítulo3,prejudicamuito
asuaimplementaçãoeseufuncionamento.
99
2.3 – A Constituição Federal de 1988: Orçamento da Seguridade Social e oSistemaÚnicodeSaúde
AConstituiçãoFederalde1988 instituiu,portanto,oSistemaÚnicodeSaúde,SUS.
ComoSUS,emprimeirolugar,todaapolíticanacionaldesaúdepassouaserregidaporum
sistemanoqualexistiaumcomandoúnicoemcadaesferadegoverno.
Segundo,estabeleceu-seoprincípioorganizacionalbásicodadescentralização,istoé,
as ações de saúde passaram a ser co-responsabilidade da União, Estados e Municípios,
cabendoaestasduasúltimasesferasaprimaziadaprestaçãodosserviços,restandoaonível
federaladefiniçãodapolíticanacionaldesaúde,bemcomodesuasnormas,regulamentose
regras gerais. Terceiro, o SUS consolidou o princípio da universalidade na cobertura dos
serviçosdesaúde,bemcomoodasuagratuidade.Porúltimo,seufinanciamentopassoua
ser,também,co-reponsabilidadedaUnião,EstadoseMunicípios.
ParafinanciaroSUS,aConstituiçãopreviurecursosdaSeguridadeSocial,daUnião,
dosEstadoseMunicípios,emboranãotenhagarantidoaseparaçãodefontesespecíficaspara
aSaúde–nemparaaAssistênciaePrevidênciaSocial.
Os recursos da Seguridade Social provinham das fontes que compunham seu
orçamento, a saber: Contribuição Social sobre Folha de Salários dos Empregados,
Empregadores e Trabalhadores Autônomos; Contribuição Social sobre o Faturamento das
Empresas, COFINS; Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das Empresas, CSLL; e
Contribuição Social sobre o Programa de Integração Social, PIS, e Contribuição sobre o
ProgramadeFormaçãodoPatrimôniodoServidorPúblico,PASEP,queintegramoFundode
AmparoaoTrabalhador,FAT.
DapromulgaçãodaConstituiçãoFederalde1988,quelegitimouosprincípiosdoSUS,
atéaaprovaçãodaLeiOrgânicadeSaúde,LOS,em1990,emquesedefiniramasregraspara
sua implementação, viveu-se um período marcado por conflitos de interesses quanto à
definição das diretrizes da LOS. Segundo Levcovitz (1997), após inúmeras audiências no
Congresso Nacional, produziu-se um acordo mínimo, “nos quais estavam traduzidas as
100
aspirações dosmúltiplos grupos de interesses que não afetavamo cerne dos princípios e
diretrizesestabelecidosnaConstituiçãoFederalde1988”(LEVCOVITZ,1997,p.126).Desse
acordo,decorreua votaçãoda LOS– Lei 8.080/90,que sofreuvetospresidenciais, que “a
desfiguraramcompletamente”(Ibid.,p.126).
ALei8.080/90definiaorepasseautomáticodosrecursosapartirdeumtetomínimo
para cada município e considerava os critérios “população, perfil epidemiológico, gasto
proporcionalemserviços,desempenhotécnico/financeiroeeconômicodoperíodoanterior
eplanoquinquenaldeinvestimento”.
O repasse de recursos por meio de convênios foi abolido. Definiram-se, também,
exigênciasparaorecebimentodosrecursosporpartedosGovernosdosEstadoseMunicípios
comoa formaçãodeConselhosdeSaúde, a composiçãodeFundosdeSaúdeePlanosde
Saúde;earealizaçãodeConferências.
Entretanto,aLei8.080/90sofreuinúmerosvetospresidenciais.Issoobrigouque,após
outra negociação, fosse aprovada uma nova lei, a de número 8.142/90, que não definiu,
porém,osmontantesefontesdereceita,tampoucooscritériosefluxosparaorepasseaos
EstadoseMunicípios(LEVCOVITZ,1997).Assim,ofinanciamentodoSUStornou-seoponto
frágilemsuaimplantação.
Paraseterumaideiadoimpactodessasindefinições,bastaobservaroconflitocriado
entreasáreasdaSaúde,PrevidênciaeAssistênciaSocial,quedisputavamrecursos, jáque
todos provinham do mesmo Orçamento da Seguridade Social e não havia definição de
critériosdepartilha.ALeiOrgânicadeterminou,apenas,queadivisãodosrecursosentreas
áreasseriadefinidapelasLeideDiretrizesOrçamentáriaseLeidoOrçamento,acadaano,até
aaprovaçãodaLeidecusteiodaSeguridadeSocial(Lein.8.212/1991).
Em1991,quandoaindanãovigoravaaleidecusteio,definiu-seumpercentualde30%
dosrecursosdoOSSparaasaúde.Apartirde1992,quandojávigoravaaLei8.212/1991,os
recursosdestinadosacadapolíticadeveriamsernegociados.Em1992,foiestabelecido,por
meiodeacordoentreliderançasnoCongresso,queosrecursosdaContribuiçãosobreoLucro
LíquidoseriamdestinadosàáreadaAssistênciaSocial,eosdoFinsocial,àdasaúde.Jáem
1993,aLeideDiretrizesOrçamentáriasfixouque15,5%dosrecursosdaContribuiçãosobrea
101
FolhadeSaláriosseriamalocadosnasaúde.Em1994,ofinanciamentofoivinculadoaoCOFINS
eàCSLL(ContribuiçãoSocialSobreoLucroLíquidodePessoaJurídica)eaempréstimosjunto
aoFundodeAmparoaoTrabalhador,FAT.
Essadificuldadeemchegaraumacordoquantoaoscritériosdepartilhadosrecursos
entreasáreasdaseguridadesocial,porsi só,seriasuficienteparaprovocarproblemasde
financiamento.Nãobastasseisso,houve,porpartedasempresas,oquestionamentojudicial
doFINSOCIALeodepósitodosrecursosemjuízo.Paracontornaraquestão,criou-se,para
substituí-lo,oCOFINS,maisbemenquadradonospreceitosconstitucionais.Em1993,ainda,
a subida do montante dos benefícios previdenciários com os benefícios decorrentes da
regulamentaçãodosnovosdireitosintroduzidospelaConstituiçãode1988drenourecursos
que eram antes destinados aos gastos com saúde. E tudo isso ainda coincidiu com uma
profundacrisefinanceiradosetorpúblico(MELO,1999,p.9-11).
Essa falta de clareza e definição relativa ao financiamento do SUS evidenciam a
instabilidade do volume e a garantia de recursos, bem como de sua suficiência em um
momentochavedeimplementaçãodoprojetouniversalizanteparaoqualeraessencialum
investimento de recursos considerável. A partir disso, continuou a haver propostas e
discussõessobreaquestãodofinanciamentodoSUS,equasetodasprocuravamaumentaro
volumeedarmaiorestabilidadeaosrecursosdoSUS.
Emmeioaessaconjunturadenovaspropostasdefinanciamento,ogovernofederal
apunhaloudevezofinanciamentodaseguridadesocialaodesvincularpartedeseusrecursos,
antes exclusivos da seguridade social, para que o governo federal pudesse usá-los para
qualquerfim,inclusiveparapagamentodejurosdadívida.
AdesvinculaçãodasreceitasdaUniãocapturou20%daarrecadaçãode impostose
contribuiçõesdaUnião,semincluirosFundosdeParticipaçãoedacontribuiçãosobreafolha
desalários.InicialmentechamadadeFundoSocialdeEmergência,vigorounosanosde1994
e 1995. Entre 1996 e 1999, foi postergada e teve seu nome alterado para Fundo de
EstabilizaçãoFiscal.Essaestratégiasetornoupermanentee,desde1999,ficousobonomede
DesvinculaçãoGeraldaUnião(DRU).Em8desetembrode2016,foipromulgadaaEmenda
Constitucional93(EC93),queprorrogaaDRUaté2023eelevaadesvinculaçãode20para
102
30%dasreceitasobtidascomtaxas,contribuiçõessociaisedeintervençãosobreodomínio
econômico(Cide).
***
Síntesedocapítulo2
Nocapítulo2,vimosaorigemdosistemadesaúdebrasileiro,dentrodaproteçãosocial
brasileira, cujas características seguem o padrão meritocrático-particularista commatizes
corporativistas e clientelistas. O sistema de saúde brasileiro nasceu segmentado,
apresentandoumadimensãoprivatistaeoutrauniversalista.Paracumprira funçãodeum
sistema público de saúde, o sistema precisou contar com a participação privada para
conseguirampliaraofertadeserviçosdesaúde,emboraseu financiamento fossepúblico.
Então,nasuaexpansãonadécadade1970,ocarátersegmentadosereforçouaindamais.
Essaorigemmarcadapeladubiedadedefunçõesentreopúblicoeosegmentoprivado
foimarcantenomomentodaconsolidaçãodoSUSeacabouporalimentarocarátermercantil
dosetorprivadosemqueessesetorfosseintegradoesubmetidoaosobjetivosdeumsistema
desaúdeúnicoedeacessouniversal.
Outra característica importante é momento histórico em que o SUS se
institucionalizou. Em 1988, o mundo desenvolvido vivia o avanço do neoliberalismo, da
globalização e da financeirização. Assim, em um momento em que a tendência era a
privatização,oequilíbrio fiscal,adiminuiçãodopapeldoEstado,nomundoe inclusivena
AméricaLatina,oBrasilseviunacontramãodessemovimentoeaprovouaConstituiçãode
1988,oqueconfigurouumsistemadeproteçãosocialamploemseusdireitossociais.E,nela,
oSUSgarantiuodireitoàsaúde,comumfinanciamentobaseadoemcontribuiçõessociaise
impostos.
Isso foi possível devido ao processo de redemocratização do país, saindo de uma
ditaduraquesilenciouosmovimentossociaiseatoreseque,naquelemomento,fervilhavam.
SuaforçafoifundamentalparaexplicaresseavançoconquistadonaConstituiçãoFederalde
1988.
103
Contudo, aomesmo tempo,no casodo SUS,os interessesdomercadoprivadode
saúdetambémsefizeramrepresentarealteraram,assim,apropostadoSUS,quefoifrutodo
movimentosanitárioque,lideradopelodeputadoUlissesGuimarães,ganhoumaisforçana
política,aosetornar,também,propostadoMDB(PMDB,1982).
Emquepeseesseavanço,a implementaçãodoSUSemplenadécadade1990teve
muitosreveses,principalmentenaquestãodofinanciamento.
O financiamento do SUS é emblemático das contradições dadas pelo avanço do
neoliberalismo, globalização e financeirização de um lado e, de outro, da busca pela
universalidadedoacessoaosserviçosdesaúdedentrodeumsistemacomooSUS.
Assim, o financiamentoda seguridade social, da qual a saúde faz parte, já nasceu,
também, tendoseus recursosdesviadosparaoutros finsde financiamentoque se fizeram
prioritáriosparaumestadoquefoicapturado(oununcadeixoudeser)pelosinteressesde
valorizaçãodocapitalenãoporaquelesinteressescondizentescomoavançodacidadania.
AdesvinculaçãodasreceitasdaUnião(emsuasváriasversões)éumdessesobstáculos
dentro das contradições das quais o financiamento é emblemático. No entanto, esse foi
somenteocomeçodahistóriadosubfinanciamentocrônicodoSUS.
Vejamos,nopróximocapítulo,alutapelagarantiadosrecursosparaofinanciamento
doSUS.
104
Capítulo3-OfinanciamentodoSUSeosconflitosdistributivosnasaúde:as relaçõespúblico-privadasno financiamentodasaúdenoBrasil
Dentreosdesdobramentosdamercantilizaçãodosserviçosdesaúdeacargodosetor
público, há outro processo importante que será desenvolvido neste capítulo 3: a face da
desmercantilização do financiamento do setor privado, sem aumento da capacidade
regulatóriadoEstado,noBrasil.
Assim, neste capítulo, veremos, pela ótica privada, quais são as implicações das
relaçõespúblico-privadasnofinanciamentodasaúde.Mesmoosetorprivadosendoemparte
financiado publicamente, veremos que ele mostra não ter nenhum compromisso com o
ideáriodaConstituiçãoFederalde1988.
O orçamento do SUS, dentro da agenda pública, já é vulnerável, pois, dada sua
magnitude, é vítimada drenagemde recursos para o ajuste fiscal destinados a compor o
superávit primário. Por outro lado, o próprio setor privado se beneficia da capacidade
extrativa do Estado e consegue condições diferenciadas a partir do direcionamento da
renúnciadearrecadação.
Assim,arenúnciadearrecadaçãoafetaoOrçamentodaSeguridadeSocialnosentido
queDain(2016)demonstrou–ecomoveremos–retiraumagrandepartedascontribuições
sociais.Noentanto,ousoqueéfeitodessesrecursospelosetorprivadovaicontraalógicada
universalizaçãocomvaloressolidários,comoveremos,também,paraocasodasaúde.
Oobjetivodocapítulo3,portanto,émostrarcomoofinanciamentodoSUSrevelaa
complexidadedosconflitosdistributivosdopaís,analisarasrelaçõespúblico-privada,tanto
dopontodevistamacroeconômico–pormeiodaquestãodapolíticade incentivos fiscais
parareanimarosetorprivadoemummomentodecriseedapressãopeloacirramentoda
disputa dos recursos das contribuições sociais, entre elas as da saúde, para uso livre do
governo federal– comodopontodevistamaisespecíficodaáreada saúde,pormeioda
renúnciadearrecadação.
105
Aodesenrolaroemaranhadodoconflitodistributivonaáreada saúde, revela-sea
particular desigualdade social brasileira e sua reprodução e perpetuação anacrônica. A
discussãodocapítulo3mostraránãosóoprocessodemercantilizaçãodosserviçosdesaúde
comoodedesmercantilizaçãodofinanciamentoque,nocasobrasileiro,vemassociado.
Noitem3.1,relembraremosohistóricodavulnerabilidadedofinanciamentodoSUSe
as lutas pela garantia de recursos no contexto das relações público-privada. Discutiremos
tambémo financiamentodopontodevistamacroeconômicoe suas relações como setor
privado. Exatamente em um momento em que a garantia de recursos públicos é mais
essencialparacombaterocontextodedesemprego,deadoecimentoemperíodosdecrise,
dedesalentoedenovasepidemias,comodedengueezika,esseselementospressionamo
gasto público de saúde de um lado. E, do outro lado, o esforço do governo federal para
reanimar o setor privado por meio de incentivos fiscais, desde 2014, sem exigir a
contrapartida,temumefeitopreocupanteeperigosoparaaseguridadesocial.
Noitem3.2,discutiremosaquestãodarenúnciadearrecadaçãoecomoelapodeser
especificadaparaasaúde.Veremosqueasempresasrecebemmuitomaisdoqueretribuem,
eessarelação,injusta,mostraopoderderegulaçãoqueosetorpúblicotem(ANS),masnão
outilizaouutilizasuaomissãopara favorecerasegmentaçãodosistemadesaúde,dando
prioridade ao setor privado. Por fim, ainda no item 3.2, veremos brevemente os efeitos
econômicospositivosdogastopúblicocomsaúdeeocaráterregressivodogastotributário
comsaúdeassociadoaosplanosdesaúde.
106
3.1–AvulnerabilidadedofinanciamentodoSUSeas lutaspelagarantiaderecursosnocontextodasrelaçõespúblico-privadas
OSistemaÚnicodeSaúde,conformadodemaneirainéditanoseucaráterdemocrático
naconstruçãodeseuprojetoatésuaconfiguraçãotalcomoaparecenaconstituiçãoFederal
de1988,podeserconsideradoumavançobrutalnasociedadebrasileira,tãoacostumadacom
sua herança estrutural escravista que torna as mudanças na direção do progresso e
desenvolvimentosocial tãomais lentas,complexasedifíceis,quandonãomesmoseguidas
porregressõeseconômicasesociaisrápidas.
Talrelevânciadessapolíticanãoencontraigualexperiêncianomundo,dadapelofato
de ter-se constituído em um momento histórico da etapa do capitalismo financeiro e
neoliberal cuja onda propagava exatamente o contrário do que o proposto pelo SUS: um
estadomínimocomomáximodeapropriaçãoda riquezapelo setorprivado financeirode
todasasformaspossíveis.Nesseperíodo,aliás,aAméricaLatinasedefrontavacomoprocesso
deprivatizaçãoapartirdosanos1970(SOARES,2001).Alémdomomentohistóricodaetapa
docapitalismofinanceiro,outroaspectoquesedestacaéagrandezadeumpaíscomooBrasil,
federativo,heterogêneoeextremamentedesiguale,portanto,otamanhoecomplexidade
queissoimprimenaconstruçãodeumsistemadesaúdeuniversalepúblico.
EssemodelodoSUScarregaemsiumpotencialincrivelmentegrandedecombateàs
iniquidadesporconfigurar-seumarranjodeproteçãosocialquegaranteoacessointegralaos
serviçosdesaúdesemdistinçãoesemrequisitos.ComoapontadoporEspingAndersen(1991)
eGiaimo(2004),emoutrostermos,sistemasdessetipopromovemumadesmercantilização,
istoé,libertamoindivíduo–queseencontrainteiramentesubmetidoarelaçõesmonetárias,
dependentedomercado,doseusalárioerendaparagarantirsua“reproduçãosocial”–dessa
violência,masnãodeoutras28.Este,aliás,seriaumdosfivegiantsaqueBeveridge(1942)se
referia.
28Essadiscussãofoifeitanocapítulo1.
107
Dessemodo,apósessesbrevescomentários,precisamosnosquestionarcomo,diante
de tamanho potencial de combate às iniquidades estruturais, a sociedade e o Estado
brasileiro,emseuconjunto,tratamevêmtratandooprojetoSUS.
Umadasdimensõesdessaquestãoéosubfinanciamentogeraldasaúde.
Paraseterumaideiabastantesimplesedecaráterintrodutório,oBrasil,apesarde
declararterumsistemapúblicouniversal(SUS),temumgastopúblicocomsaúdemenordo
que o gasto do setor privado, incluído aí o gasto direto desembolsado pelas famílias, o
chamadoout-of-pocket.Alémdisso,noconjuntodogastopúblicoeprivado,oBrasilgasta
menosdoquemuitospaíses, inclusivepaísesdaAmérica Latinaque sequer têm sistemas
universais.
Paraseterumadimensãodisso,noBrasil,aparticipaçãodogastopúbliconototaldo
gastocomsaúdenoBrasil,em2014,segundoGHO(2017),foide46%,enquantonaprivada,
essaparticipaçãofoide54%.Amédiadaparticipaçãodogastoprivadonototaldogastocom
saúde nos países europeus, segundo a OCDE (2017), foi de 27% em 2011. Na Argentina,
UruguaieColômbia,paíseslatino-americanoscujossistemasnãosãouniversaiscomoodo
Brasil,tiveram,em2014,aparticipaçãodogastoprivadocomsaúdenototaldogastocom
saúdede45%,29%e25%,respectivamente.NosEstadosUnidos,únicopaísdesenvolvidocujo
sistemanãoéuniversalequecontacomomaiorgastodesaúdedomundo,aparticipação
privadanogastototalfoide51%,em201429.
Diantedetamanhadistorção,precisamos,comosociedade,buscarexplicaçõespara
esse fato. Essas explicações nem sempre são evidentes e, pelo contrário, no exercício de
elucidá-las, deparamo-nos com a complexidade das relações público-privadas, reflexo da
nossasociedadetãoheterogêneaedesigualemtodosossentidosedimensões.
Umadessasdimensõesrefere-se,semdúvida,aofinanciamentodasaúdeedoSUS.
Veremosque,desdeoiníciodoSUS,houveconflitodedisputaporrecursosequedoSUSé
roubada parte dos recursos constitucionalmente garantidos. Afinal, a dimensão do gasto
29DadosdaGlobalHealthObservatoryData(GHO–WHO)(2017)paraoBrasil,Argentina,Uruguai,ColômbiaeparaosdemaispaísesOCDE(2017).Interessanteobservarque,nocasodaArgentina,houveumaumentoconsideráveldaparticipaçãodogastoprivadocomsaúdenogastototalcomsaúdeentre2011e2014,passandode36%para45%,respectivamente.NocasodoUruguai,aocontrário,aparticipaçãonogastoprivadodiminuiubastante,de35%,em2011,para29%,em2014.
108
públicononossopaíségrande,emboranadasuficienteàrealizaçãodoprojetodoSUS,mas,
mesmo assim, considerável. Em 2015, por exemplo, o gasto público com saúde foi de,
aproximadamente,R$232bilhõesdereais,correspondentesa3,9%doPIB.
Quando, então, o setor privado tem amaioria da participação do gasto total com
saúde,aoutraparte,pública,torna-seconcorrente,oquegeramaisconflitopeladisputade
recursos. É, digamos assim, o orçamento público um “espaço fiscal” polpudo, que gera
ganânciaaosolhosdocapitalprivadoporocupá-lo(SALVADOR,2010).
A árdua e necessária luta pela garantia e ampliação do financiamento do SUS se
confunde com a própria luta do capital financeiro que busca sua realização sem valores,
destruindo, inclusiveeprincipalmente,ovalorda solidariedade,e,emúltima instânciado
humanismo,transformando,assim,oacessouniversalaoserviçodesaúde,porexemplo,um
entretantosoutros,algoaserdesmontadocomajustificativadequeoBrasil,nocaso,não
mereceenãopodeterumsistemadessetipo,pois“nãocabenoorçamento”.Quando,na
verdade, pretende-se pegar parte desse orçamento para alimentar o capital financeiro. A
batalha,portanto,édura,comoveremos.
Dessamaneira,ficaevidentequeoSUSgastapoucoemrelaçãoàssuasnecessidades
para se conformar um sistema universal. Essas necessidades não se referem somente ao
financiamento corrente da saúde, mas, também, à urgência de se fazer um “choque de
investimentos”paraqueacoberturadesaúdesetornemaishomogêneaemtodooterritório
nacional,acabandocomosvaziossanitáriosquepersistemdesdesempre,atémesmoantes
doSUS,comovimosnocapítulo2.
Aquestãoterritorialé fundamentale temaextremamenterelevante–emboranão
sejapartedoobjetivodestatese–,poisnãobastateracessonosentidoabstrato.Épreciso
de investimentoparagarantiroacessoaosserviçosdesaúde,expandindoa infraestrutura
físicae criando redes comunicantes. Entretanto,para isso, sãonecessários investimentoe
recursosfinanceiros,eesseobjeto,sim,dizrespeitoaestatese.
Dessaforma,háumsubfinanciamentogeraldasaúdee,aomesmotempo,umnão
financiamentodasnecessidadesdeinvestimento.
109
Outroaspectodaquestãodofinanciamentorefere-seàsrelaçõesdefinanciamento
que derivam da descentralização e do federalismo no SUS e que são importantes para a
relaçãopúblico-privada.Umadelaséaquestãodecomoessafaltadefinanciamentofederal,
derecursosfederais,afetaosgovernosestaduaisemunicipais,sobretudonoquesereferea
gastoscompensatóriosparaatendereenfrentarasdesigualdadeseheterogeneidadesquese
relacionam, principalmente, com a questão de onde estão, ou não, instalados os
equipamentosdeproduçãoeserviçosdesaúde.
OsdadosdoSIOPSmostram,segundoartigodopresidentedoCONASEMSem2011,
AntônioCarlosFigueiredoNardi,porexemplo,queosmunicípiosdegrandeporteederegiões
metropolitanas,sejapelaausênciadogovernoestadualefederal,sejapelapressãosocietal,
jáestãogastandomaisdoqueos15%obrigatóriosemsaúde.Jáosmunicípiosque,emsua
maioria,sãodepequenoporteeindigentesnãoconseguemcompensarafaltaderecursos
federais,poisnãotêmrecursossuficientesparatanto30.
Umdosprocessosquefragilizamosistemaéque,desdeaorigemeacriaçãodoINPS,
nãohavia redepública capazdeatender todaapopulaçãoempregada formalmente. Essa
populaçãopassouaterdireitocomaunificaçãodosInstitutosnoINPS.Apartirdeentão,um
contingente populacional liderado pelos segmentos de trabalhadores da população com
maiorpoderdepressãoemaisaltossaláriosacabavaconfirmandoomovimentonosentido
deestabelecerdiferençasentrepopulaçõeseatende-lasdeformasegmentada.Então,era
simultaneamenteummecanismodealargamentodogrupoatendido,maseratambémum
mecanismodeexclusãodaquelesquenãotinhamcarteiraassinada.
Nessemovimentodealargamentodogrupoatendidoaoqualforamincorporadosos
trabalhadoresformaisemgeral,nãoháumaredeprópriapúblicasuficienteparaatendê-los.
EessasituaçãosetornouaindamaiscomplexanaConstituiçãode1988,quandoelaestendeu
aassistênciamédicaatodaapopulaçãobrasileira.
Essa extensão se deu com uma rede precária e um sistema de financiamento que
nuncafoicapazdeenfrentarasquestõesdeinvestimento,oquesignificaque,porpressão
30Aesserespeito,verartigodopresidentedoCONASEMS,em2011,AntonioCarlosFigueiredoNardi,disponívelnositedoconselho: <http://www.conasems.org.br/e-no-municipio-que-a-saude-acontece-e-e-ele-que-mais-esta-investindo-por-antonio-carlos-figueiredo/>.
110
das populações demais alto poder de renda e reivindicação, a rede de atendimento nas
metrópolesenasregiõesmetropolitanasfoiampliada,masnãoatendeuaheterogeneidade
brasileiranemadesigualdaderegional(FAVERETFILHOeOLIVEIRA,1990).
Por outro lado, esse sistema frágil – e sequer endossado por aqueles que não se
reconheciamnoatendimentopúblico,quenãosesentiamrepresentadospeloatendimento
público–,aliadoàdificuldadeparaconstruirasolidariedadeemumasociedadealtamente
desigual,autoritária,poucodemocráticaehierarquizada,alimentaodesenvolvimentooua
manutençãodasbarreirasentreopúblicoeoprivado(Ibid.).
Se, por um lado, acontece a mercantilização, ocorre, também, por outro, e em
simultâneo, a desmercantilização, isto é, a apropriação de recursos públicos pelo setor
privado,poisosetorprivado,sendoindiretamentefinanciadopelosetorpúblico,entregaao
setor público umaparte dos seus custos (DAIN, 2015;GIAIMO, 2002 e 2014).Nãohá um
processounidirecionaldemercantilização.OgastoindiretodoEstado–asrenúnciasfiscais,
porexemplo–,éumprocessodedesmercantilização.OEstadonãoapoiaosetorprivadosó
privatizando.
Dain (2007) mostra que a prestação de serviços hospitalares com financiamento
público no Brasil opera via empresas privadas lucrativas, entidades beneficentes e
filantrópicasouhospitaisuniversitáriosedeensino(DAIN,2007,p.1859).Segundoaautora,
A distribuição da rede de serviços hospitalares pelo setor privado não éhomogênea em todo o território nacional, apresentando diferençasregionais, estaduais e pormunicípio, e por natureza das intervenções. Sebemsejaverdadequeaorganizaçãomacroemicrorregionaldasredesdeserviços incluiosetorprivado,háumaclaraconcentraçãodaredepúblicanas regiõesNorteeNordeste.Adistribuição tampoucoéhomogêneaporportedehospitais,funções,alémdoqueacoberturaprivadavariapornívelderenda,faixaetária,gênero,portedecidadeetc.(Ibid.,p.1860).
Já há umaquase completa separação das funções de financiamento e provisão de
serviços no SUS e subsiste, no entanto, uma relação de concorrência entre os segmentos
públicoeprivadocomsuperposiçãoentreclientelas.Importante,porisso,umanecessidade
dearticulaçãoentreosdoissetores(Ibid.,p.1858).
111
Financiamentodasaúdeemtemposdeglobalizaçãofinanceira
OSUSfoiimplementadonoBrasilemumperíododeglobalizaçãoefinanceirização.
EmquepesealutadofinanciamentodoSUSpelagarantiadosrecursosorçamentáriosepela
sua tão necessária ampliação para conseguir obedecer aos preceitos constitucionais de
universalidadee integralidadenaofertadosserviços,osistemaprecisa, também,batalhar
contraacobiçadosetorprivadodesaúdequevênosrecursosdoseuorçamentoumafonte
importanteparaaampliaçãoereproduçãodeseucapital,emtemposdeforteconcorrência
e,também,decrisefinanceiranomundo.Háumadisputaentredinheiroeosjuros.Aquestão
do financiamento da saúde é permanentemente acossada pelas finanças globalizadas e,
portanto,pelosjuros,epeloorçamentofiscal.Nofundo,ofinanciamentodapolíticasociale
dasaúdeconvivecomumapermanentepressãodosgastosfinanceiroscontraeles.Pressão
dogastofinanceirocomogastosocial.
Veremoscomoissosedá.
Comovimosnoitem2.3,comamontagemdaseguridadesocialedoSUS,apartirda
ConstituiçãoFederalde1988,aquestãoda implementaçãoedagarantiaesuficiênciapor
recursosorçamentáriostornou-seumabatalhacujossignificadosrefletemváriosaspectosda
peculiar relação público-privada na saúde. Após promulgada a CF 1988, houve uma regra
transitóriadeaplicaçãoderecursosemsaúdepelaUnião,quenãofoirespeitadaduranteo
período de vigência dessa transitorialidade, nos anos 1990. Não podemos nos esquecer,
também,queadécadade90foimarcadaporgravescrisesdefinanciamentodoSUS,semque
umasoluçãodefinitivafosseadotadapelospoderesexecutivoelegislativo.
ApósaimplementaçãodoFundoSocialdeEmergência,em1994,edeessapolíticater
se tornado permanente com a Desvinculação Geral da União (DRU), houve, também, a
questãodairregularidadedosaportesdosrecursosdoOSSparaasaúde.
Diante deste subfinanciamento, em 1996, o então ministro da Saúde Adib Jatene
conseguiu a aprovaçãodaContribuiçãoProvisória sobreMovimentação Financeira, CPMF,
parareforçarofinanciamentodasaúde(LEVCOVITZ,1997),quepassouafuncionarapartirde
1997.
112
Contudo,apesardessasupostanovaeadicionalfonteexclusivaparaofinanciamento
dasaúde,aCPMFnãologrouaumentarosrecursosparaasaúde,pois,aomesmotempo,os
recursosdaCSLLeCOFINSdecresceramsuaimportância.Nãobastasseisso,aCPMFdeixou
deserfonteexclusivadasaúdeapartirde1999atéoseuencerramento,em2007,epassou
afinanciartambémaPrevidênciae,apartirde2001,oFundodeCombateàpobreza(DAIN,
2007).
Gráfico1-MinistériodaSaúde(MS):execuçãodogastototalporfontederecursos,CPMFedemaisfontes(1995-2011)(EmR$bilhõesde2011)
Fonte:Piolaetal.,2013,p.11.
Ouseja,mesmocomacriaçãodaCPMF,duranteseuperíododevigência,nãohouve
garantiademaisrecursosparaasaúde,poisosrecursosdaCPMFforamdesviadosparaoutros
finseoutrasárease,alémdessedesvio,houvetambémsubstituiçãodefontes.Assim,como
jáanunciado,ascontribuiçõessociaisquedeveriamfinanciarasaúdeforamrealocadaspara
outrasáreas.Houve,portanto,substituiçãodefontesedesviossomados.
Texto paraDiscussão1 8 4 6
11
Financiamento Público da Saúde: uma história à procura de rumo
em termos reais, a partir da cobrança da CPMF e da destinação de parcela de sua arrecadação para a saúde.6 Durante o período em que vigorou, entre 1997 e 2007, a CPMF representou em torno de 30% do total dos recursos federais para a saúde (tabela 1).
Apesar da extinção da CPMF em 2007, a participação das contribuições sociais7 no financiamento da saúde tem conseguido se manter no patamar médio de 89%, observado de 2004 a 2011 (tabela 1). A exceção ocorre apenas em 2008, ano em que se pode observar uma forte queda das contribuições em relação a 2007, tanto em termos de sua participação no total quanto em termos reais. Isso pode ser explicado não só pela ausência de recursos da extinta CPMF como pelo fato de a recomposição das fontes de financiamento do MS em 2008 ter sido feita por uma aplicação maior de recursos ordinários (impostos).
6. Inicialmente, a totalidade dos recursos arrecadados com a CPMF era destinada para a saúde. A partir de junho de 1999, a alíquota desse tributo aumentou de 0,20% para 0,38% e previu-se a destinação de parcela de sua arrecadação para a previdência social.
7. As contribuições sociais que financiam a saúde são: i ) Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL); ii ) Contribuição sobre Financiamento da Seguridade Social (Cofins); iii ) CPMF (vigente até o ano de 2007); iv) Contribuição do Plano de Seguridade Social do Servidor (CPSS); e v) Contribuição Patronal do Plano de Seguridade Social do Servidor.
GRÁFICO 1 Ministério da Saúde (MS): execução do gasto total por fonte de recursos, CPMF e demais fontes (1995-2011) (Em R$ bilhões de 2011)
Fontes: Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi)/Sistema Integrado de Dados Orçamentários (Sidor), (Gasto Social Federal-Ipea: 1995 a 2007), e Siga Brasil, 2008 a 2011.
43,5 36,1 31,5
25,2
34,4 31,4 35,3
30,6 31,2 37,0 38,1 38,6
42,5
62,9
69,4 71,5
78,6
-
-
12,2 14,8
9,7 14,2 13,9 19,0
15,0
15,4 15,8
18,4
18,9 0,6
1,1 0,3
-
-
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
70,0
80,0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Demais fontes CPMF
TD_03_Miolo.indd 11 7/5/2013 5:46:36 PM
113
Tabela1-DistribuiçãopercentualdaexecuçãodoMSporfontedefinanciamento(1995a2011)
Fonte:Piolaetal.,2013,p.12.
No final de 2000, finalmente foi aprovada, depois de 7 anos de debates e
reformulações,aEmendaConstitucionaln.29(EC29).Comela,ficouestabelecidoumaporte
mínimoderecursosdastrêsesferasfederativasnofinanciamentodasaçõesedosserviços
públicosdesaúdequedeveriamserimplementadasdemodogradativoaolongodosanos.
Assim, a União, no ano de 2000, deveria assegurar o montante aplicado no ano
anterior,acrescidode,nomínimo,5%.Apartirdeentão,ovalormínimoseriaequivalenteao
doanoanteriorecorrigidopelavariaçãonominaldoPIB.Osestadosemunicípiosdeveriam
aplicar, em2000, opercentualmínimode7%da receita vinculada31.Apartir de2000, os
31Areceitavinculadaéassimdefinida:“Areceitavinculadarefere-seàbasedecálculoparaaplicaçãomínimadosrecursosemsaúde.Abasedecálculodosestadoscompreendeasreceitasdeimpostosestaduais(ICMS,IPVA,ITCMD),asreceitasdetransferênciasdaUnião(FPE,IPI,LeiKandir),oImpostodeRendaRetidonaFonte(IRRF),outrasreceitascorrentes(receitadadívidatributáriadeimpostos,multas, jurosdemoraecorreçãomonetária)eexcluiastransferênciasconstitucionaiselegais amunicípios (ICMS, IPVA e IPI – exportação). A base de cálculo dosmunicípios abrange as receitas de impostosmunicipais(ISS,IPTU,ITBI),asreceitasdetransferênciadaUnião(FPM,ITR,LeiKandir),oImpostodeRendaRetidonaFonte(IRRF),asreceitascorrentes(receitadadívidatributáriadeimpostos,multas,jurosdemoraecorreçãomonetária)”.(FIOCRUZetal.,2012,p.28).
12
Rio
d
e
Ja
ne
ir
o,
ju
lh
o
de
2
01
3
TABELA 1Distribuição percentual da execução do MS por fonte de financiamento (1995-2011)(Em %)
Fonte (Cod./Desc.) 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Recursos ordinários 3,2 0,2 1,0 10,8 15,1 5,3 12,5 10,3 13,1 7,4 4,8 7,1 5,2 20,1 4,4 4,6 2,4
Operações de crédito interna e externa 1,1 0,9 0,5 1,1 1,5 2,7 2,2 1,9 1,1 0,7 0,7 0,4 0,1 0,0 0,0 0,0 0,1
Recursos diretamente arrecadados 2,5 2,5 2,4 2,6 3,5 3,3 5,1 2,7 2,3 2,2 2,4 3,1 3,7 4,0 3,9 4,3 4,0
Títulos de Responsabilidade do Tesouro Nacional 2,7 3,4 2,8 0,2 0,3 0,2 0,3 0,4 0,5 – – – – – – – 0,03
Contribuições sociais 70,5 66,2 72,8 71,8 61,5 80,9 74,9 81,3 82,5 88,3 91,3 88,8 87,1 71,8 90,8 86,0 89,9
CSLL – Pessoa Jurídica 20,2 20,7 19,3 8,0 13,2 12,6 7,0 22,5 27,4 32,3 39,7 40,3 38,7 34,7 49,4 37,6 37,7
Cofins 48,8 42,2 25,6 25,9 26,3 37,1 38,5 18,6 21,1 25,2 19,2 13,5 15,4 34,9 37,1 45,8 52,0
CPMF – – 27,9 37,0 22,0 31,2 28,2 38,4 32,5 29,4 29,3 32,4 30,8 1,0 1,5 0,4 0,0
CPSS 1,5 3,3 – 0,9 – – 1,2 1,9 0,8 0,9 1,2 1,0 0,9 0,2 0,9 0,6 0,2
Contribuição Patronal do Plano de Seguridade Social do Servidor – – – – – – – – 0,01 0,5 1,9 1,6 1,3 1,0 1,9 1,6 0,1
Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza – – – – – – 4,5 2,4 – 0,9 0,3 – 3,0 3,0 – – –
Fundo Social de Emergência 11,7 17,9 19,6 13,3 14,5 – – – – – – – – – – –
Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) – – – – – – – – – – – – – – – 2,2 0,0
Demais fontes 8,3 8,9 0,8 0,3 3,6 7,6 0,6 0,9 0,6 0,5 0,6 0,6 0,8 1,1 0,9 2,9 1,0
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fontes: Siafi/Sidor, (Gasto Social Federal-Ipea: 1995 a 2007), e Siga Brasil, 2008, 2009, 2010 e 2011.
TD
_03_Miolo.indd 12
7/5/2013 5:46:36 PM
114
estados e o Distrito Federal deveriam aplicar, nomínimo, 12% da receita vinculada, e os
municípios,15%.
EmrelaçãoàUnião,aEC29nãoexplicitaqualseriaaorigemdosrecursose,emrelação
à seguridade social, não enfrenta a questãoda disputa por recursos, nemapresenta uma
soluçãoatodaessadisputapelosseusrecursos.
Obviamente,suaaprovaçãodeveserconsideradaumavançonadefiniçãodefontes
de financiamento do SUS e, principalmente, no comprometimento efetivo dos três níveis
federativoscomauniversalizaçãodasaúde;contudo,osconflitossemantiveramindefinidos
e,comoveremos,continuaramacriarobstáculosàaplicaçãodaEC29,mesmoporquesua
regulamentaçãosósedeuem2012(DAIN,2007;MARQUESEMENDES,2012;PIOLAetal.,
2013).
Dain(2007)destacaoutropontoimportantequefoi“perdido”comaEC29:
(...)noplanofederal,aEC29reforçouatendênciaàdefiniçãodesoluçõesespecíficasdefinanciamentodentrodoOSS,alémdedissociaraSaúdedosexpressivosaumentosdareceitadascontribuiçõessociais.AUniãopassouabeneficiar-se do dinamismo dessas contribuições, sem a ele associar aexpansãodegastosuniversaisdaseguridade.(Ibid.,p.1854).
Outro impasse da EC 29, no plano federal, foi o seu texto ter geradouma intensa
disputaentreoMinistériodaSaúdeeoMinistériodaFazendaemrelaçãoàbasedecálculoa
ser utilizada para estimativa domínimo de recursos que seria disponibilizado. Comobem
descrevemMarqueseMendes(2012),oconflitosedavaemrelaçãoà“basemóvel”eà“base
fixa”:
NainterpretaçãodoMS,oano-base,paraefeitodaaplicaçãodoadicionalde5%,seriaode2000,eovalorapuradoparaosdemaisanos,sempreodoanoanterior,ouseja,calculadoanoaano,daíserchamadode“basemóvel”.ParaoMinistério da Fazenda, contudo, o ano-base seria o de 1999, somenteacrescidodasvariaçõesnominaisdoPIBanoaano,denominado“basefixa”.Essadiferençadeinterpretaçãoresultavajánoorçamentode2001,emR$1,19 bilhão, o que permitiria, por exemplo, a duplicação dos recursos doProgramaAgentesComunitáriosemrelaçãoa2000.AAdvocaciaGeraldaUnião(AGU)deuganhodecausaaoministroMalan(Fazenda),quetambémcontavacomoapoiodoMinistériodoPlanejamento–órgãofundamental,com poder de orientação aos vetos presidências à Lei de DiretrizesOrçamentárias (LDO) e à Lei Orçamentária. Tal discussão teveprosseguimento,perpassandoosprimeirosanosdogovernoLula.Somentenametadede2005,oTribunaldeContasdaUnião(TCU),pormeiodeseu
115
Acórdão n. 957/2005, considerou oficialmente a “base móvel” como ométodoapropriadoparaocálculodopisomínimodeaplicaçõesemaçõeseserviçosdesaúde.(MARQUESeMENDES,2012,p.354).
Noplanodosestados,osestudosmostramquehouvemuitaresistênciaedificuldade
naampliaçãodesuaparticipaçãonocusteio.Em2000,osEstadosaplicavam,emgeral,6%de
suareceitanasaúde.NosanosposterioresàEC29,muitosEstadosnãocumpriramaEC29e,
além disso, usaram artifícios contábeis para inflar o gasto com saúde por meio da
contabilização de despesas alheias à saúde e, assim, atingirem suameta. Essas despesas
incluíam itens como “o pagamento de inativos, os gastos com empresas de saneamento,
habitaçãourbana, recursoshídricos,merendaescolar,alimentaçãodepresos,hospitaisde
‘clientelafechada’(comohospitaisdeservidoresestaduais).”(MARQUESEMENDES,2012,p.
355).
Jáparaosmunicípios,o impactodaEC29 foimenordoqueparaosestados,pois,
desde a Constituição de 1988, os municípios vinham aumentando o gasto com recursos
própriosnasaúde.Contudo,algunsmunicípiostambémutilizaramomesmoartifíciocontábil
queosestadosfizeram(MARQUESEMENDES,2012).
MuitossãoosestudossobreoimpactodaEC29nosgastoscomsaúdeesobreolongo
períododeesperaparasuaregulamentação,quesósedeuem2012(MARQUESEMENDES,
2012;PIOLAetal.,2009;2013).
UmdosefeitospositivoscomaaprovaçãodaEC29 foique finalmentehouveuma
estabilidadedasreceitascomavinculação,mesmoqueelasótenhasidoregulamentadaem
2012.Contudo,aestabilizaçãonofinanciamentonãosignificousuficiência.
Alémdisso, a EC 29 tambémestava limitada ao piso constitucional e comelevada
inscriçãodedespesas, como restos apagar, e segundoPiola et al. (2013) apontam, ao se
deduzir os restos a pagar cancelados ao longo dos anos dos respectivos pesos anuais, é
possívelverificarqueomínimoconstitucionalnãofoiefetivamenteaplicadonamaioriados
anosdoperíodode2002a2013.
DaineCastro(2016)mostramqueesselongoperíododeesperadaregulamentação
daEC29tevedoisefeitosnofinanciamentopúblicodasaúdenoBrasil:ogovernofederal
116
gastou menos do que deveria em ASPS (até 2011) e os governos subnacionais foram
aumentandoaparticipaçãonacomposiçãodessegasto.
No gráfico 2, a seguir, podemos ver como cresceu a participação dos governos
subnacionais na composição do gasto público total com saúde, especialmente a dos
municípios.
Gráfico2-ParticipaçãodastrêsesferasdegovernonototaldogastopúblicocomASPS–2002a2015
Fonte:elaboraçãoprópriaapartirdeVieiraeBenevides(2016).
Jáatabela2mostraadiferençaentreogastoefetivoeogastosegundoaEC29.Entre
2000 e 2004, o gasto efetivo superou omínimo regulamentado,mas a simulação para o
períodoentre2000e2013équeasaúdedeixoudereceber,pelocritériodaEC29,cercade
R$8,3bilhões, comexceçãodosanosde2000e2004,quandoogastoefetivo superouo
mínimoregulamentado(DAINeCASTRO,2016).
52,150,1 49,3 48,2 46,7 45,8
43,446,6
44,7 45,3 45,342,5 42,4 43,0
22,624,5 26,0 25,5 26,3 26,9 27,6
25,8 26,9 26,0 25,3 26,8 26,5 26,0
25,3 25,4 24,7 26,3 27,0 27,3 29,0 27,6 28,4 28,8 29,4 30,7 31,1 31,0
-
10,0
20,0
30,0
40,0
50,0
60,0
2 0 0 2 2 0 0 3 2 0 0 4 2 0 0 5 2 0 0 6 2 0 0 7 2 0 0 8 2 0 0 9 2 0 1 0 2 0 1 1 2 0 1 2 2 0 1 3 2 0 1 4 2 0 1 5
DespesaFederalcomASPS DespesaEstadualcomASPS DespesaMunicipalcomASPS
117
Tabela2-SimulaçãodegastoscomASPSnaECn.29semainclusãodaContribuiçãoSocialparaaSaúde,emR$milhõescorrentes–1999-2013
Fonte:DaineCastro,2016,p.140.
Emmarçode2015,comoapoiodogovernofederal,foiaprovadaaPEC358,conhecida
comoPECdoOrçamentoImpositivo,econvertida,então,paraEC86,substituindoocritério
dado pela EC 29. Nela foi introduzido um artigo relativo ao financiamento da saúde que
estabeleceuumaalteraçãonabasedecálculodaaplicaçãodosrecursospelogovernofederal,
quepassoua ser calculadanãomaispelavariaçãonominaldoPIB (EC29),mas, sim,pela
ReceitaCorrenteLíquida(RCL),sendoexecutadadeformaescalonadaemcincoanos.Assim,
paraoprimeiroexercíciofinanceirosubsequenteaodapromulgaçãodaPEC358,abasede
cálculodaaplicaçãodosrecursospelogovernofederalcorresponderiaa13,7%daRCL.Em
cincoanos,subiriaatéchegara15%,queseriam,assim,aplicadosapartirde2020.
DaineCastro(2016)simulamque,setalcritériotivessesidoaplicadodesde2000,em
2013,asaúdeteriarecebidoR$130bilhõesamaisemrecursos,comopodeservistonatabela
3.MuitomaisdoqueocritériodaEC29.
SimulaçãodeGastoscomAçõeseServiçosPúblicosdeSaúdenaEC29semCSS-R$MilhõesCorrentes
AnoGastosEfetivos
comASPSPIBNominal
Var.NominalPIBdoAno
Anterior
Gastosegundoa
EC29(Δ PIB)
D iferençap/
GastoEfetivo
D iferença
Acumulada
1999 18.353 1.065.000 18.353 0 02000 20.351 1.179.482 5,00% 19.271 1.081 1.0812001 22.474 1.302.136 10,75% 22.539 -65 1.0162002 24.737 1.477.822 10,40% 24.883 -146 8702003 27.181 1.699.948 13,49% 28.240 -1.059 -1902004 32.703 1.941.498 15,03% 32.485 219 292005 37.146 2.147.239 14,21% 37.350 -205 -1762006 40.750 2.369.484 10,60% 41.308 -558 -7342007 44.303 2.661.344 10,35% 45.584 -1.280 -2.0142008 48.670 3.032.203 12,32% 51.199 -2.529 -4.5432009 58.270 3.239.404 13,94% 58.333 -63 -4.6062010 61.965 3.770.085 6,83% 62.319 -354 -4.9602011 72.357 4.143.013 16,38% 72.529 -172 -5.1322012 78.211 4.402.537 9,89% 79.703 -1.492 -6.6252013 83.053 4.806.925 6,26% 84.696 -1.642 -8.267
Elaboraçãoprópria.Fontesprimárias:IBGE,STNeRFB.
118
Tabela3-SimulaçãodegastoscomASPSnaPECdoOrçamentoImpositivo(n.358)semainclusãodaContribuiçãoSocialparaaSaúde,emR$milhõescorrentes–1999-2013
Fonte:DaineCastro,2016,p.141.
Vale ressaltar que a proposta contida na PEC do Orçamento Impositivo não foi a
defendidapelosmovimentossociaiseinstituiçõesdesaúde,quepromoveramumacampanha
nacionalafavordapropostachamadaSaúde+1032.
Essa proposta aglutinou os atores que defendiamque a saúde precisava demaior
volumedegastosesebasearamnapropostaPLC01/2003,queobrigavaaUniãoadestinar
10%daReceitaCorrenteBrutaparaosgastoscomASPS.
DaineCastro(2016)simularam,também,que,sefosseutilizadoessecritériodos10%
daRCB,em2013,ogastoefetivodasaúdeseriaaproximadamenteR$121,9bilhões.Além
disso,aosimularqualpercentualdaReceitaCorrenteLíquida(EC86)serianecessárioparase
chegar aos valores estimados se o critério fosse o dos 10% da RCB, os autores (2016)
constataramqueoessenúmerodeveriaser19%enão15%(quesóserá,naverdade,apartir
de2020).
32ASaúde+10 foi lideradapeloCentroBrasileirodeEstudosdeSaúde (Cebes),AssociaçãoBrasileiradeSaúdeColetiva(Abrasco)eoutrasentidadesque,historicamente,participaramdomovimentosanitário,comovimosnocapítulo2.
SimulaçãodeGastoscomAçõeseServiçosPúblicosdeSaúdenaEC29semCSS-R$MilhõesCorrentes
AnoGastosEfetivos
comASPSPIBNominal
Var.NominalPIBdoAno
Anterior
Gastosegundoa
EC29(Δ PIB)
D iferençap/
GastoEfetivo
D iferença
Acumulada
1999 18.353 1.065.000 18.353 0 02000 20.351 1.179.482 5,00% 19.271 1.081 1.0812001 22.474 1.302.136 10,75% 22.539 -65 1.0162002 24.737 1.477.822 10,40% 24.883 -146 8702003 27.181 1.699.948 13,49% 28.240 -1.059 -1902004 32.703 1.941.498 15,03% 32.485 219 292005 37.146 2.147.239 14,21% 37.350 -205 -1762006 40.750 2.369.484 10,60% 41.308 -558 -7342007 44.303 2.661.344 10,35% 45.584 -1.280 -2.0142008 48.670 3.032.203 12,32% 51.199 -2.529 -4.5432009 58.270 3.239.404 13,94% 58.333 -63 -4.6062010 61.965 3.770.085 6,83% 62.319 -354 -4.9602011 72.357 4.143.013 16,38% 72.529 -172 -5.1322012 78.211 4.402.537 9,89% 79.703 -1.492 -6.6252013 83.053 4.806.925 6,26% 84.696 -1.642 -8.267
Elaboraçãoprópria.Fontesprimárias:IBGE,STNeRFB.
AnoGastosEfetivos
comASPSReceitaCorrenteL íquida
daUnião
GastosegundoaPECOrçamentoImpositivo
(15%daRCL)
D iferençap/GastoEfetivo
D iferençaAcumulada
1999 18.353 0 0 0 02000 20.351 145.111 21.767 -1.415 -1.4152001 22.474 167.739 25.161 -2.687 -4.1022002 24.737 201.927 30.289 -5.552 -9.6542003 27.181 224.920 33.738 -6.557 -16.2112004 32.703 264.353 39.653 -6.949 -23.1602005 37.146 303.016 45.452 -8.307 -31.4672006 40.750 344.731 51.710 -10.960 -42.4272007 44.303 386.682 58.002 -13.699 -56.1252008 48.670 428.563 64.284 -15.614 -71.7402009 58.270 437.199 65.580 -7.310 -79.0492010 61.965 499.867 74.980 -13.015 -92.0642011 72.357 558.706 83.806 -11.449 -103.5132012 78.211 616.933 92.540 -14.329 -117.8432013 83.053 656.094 98.414 -15.361 -133.204
Elaboraçãoprópria.Fontesprimárias:IBGE,STNeRFB.
SimulaçãodeGastoscomAçõeseServiçosPúblicosdeSaúdenaPECOrçamentoImpositivosemCSS-R$MilhõesCorrentes
119
Há,ainda,umatristeironia.Comacriseeconômica,aelasticidadedearrecadaçãonão
foifavorável.Dessepontodevista,quandoseconseguiu,finalmente,amudançadaregrado
PIB(EC29)paraaregradaReceitaCorrente(eaEC86nãoteveomesmoteorqueaproposta
daSaúde+10,comovimos),elaacabounãofavorecendomaisosgastoscomASPS–comose
esperava–,dadoomomentodecrisedaeconomia.
Aárduabatalhaderesistêncialideradapelosmovimentossociaisligadosaoprojetodo
SUS,que,comovimosdeixatãoevidenteeescandalosaatrajetóriadosubfinanciamentodo
SUS,sofreuseumaisdurorevésegolpeemdezembrode2016,justamenteemumdosmais
críticos momentos da história do país, quando um governo fraco e ilegítimo tem levado
adiantereformasdecunholiberalmortaisaosdireitossociaisdaConstituiçãode1988,que
nãoforamlegitimadaspelovotonaseleiçõesde2014.
Noroldessasreformas, játivemosoduroajustefiscal logoapósavitóriadeDilma
Roussef,em2014,aaprovaçãodaemendaconstitucional95 (EC95),que ficouconhecida
comoaPECdamorte33,aaprovaçãodaemendaconstitucional93(EC93),queaumentade
20 para 30% a desoneração da DRU, a aprovação da reforma trabalhista, que libera a
terceirização em todas as atividades e a reforma da previdência, que ainda está em
andamento34.
A EC 95 afeta gravemente a saúde, além de todo o setor social. Sua aprovação
representou um duro golpe na Constituição de 1988 por resultar na desvinculação
constitucionaldasaúdeeeducação,agravandoosubfinanciamentodasaúdeuniversal(SUS).
AEC95determinaqueogastocomsaúde,em2017,seráde15%dareceitacorrente
líquidae,apartirdeentão,ogastofederalestarácongeladopor20anos,nopatamarde2017,
sendosomentereajustadopelainflação.Omesmocálculovaleparaaeducação.
33QuandotramitavanaCâmaradosDeputados,eraaPEC241;quandotramitavanoSenado,eraaPEC55.Apósaaprovação,virouemendaconstitucional,aEC95.APEC55foiaprovadaemprimeiroturnopeloSenadoem1dedezembrode2016,emsegundoturno,em13dedezembrode2016,epromulgadaem15dedezembrode2016,pelosenadorRenanCalheiros,doPMDB,passandoasechamarEmendaConstitucional95.OtextodaEC95estánoanexodocapítulo3.34Areformatrabalhistafoiaprovadapelosenadoem12/07/2017.Areformaprevidenciáriaaindaestáemcursoedeveservotadanosegundosemestrede2017.
120
Antesdediscutirmosasconsequênciasimpositivasparaasaúde,contidasnaEC95,
convémfazerumacríticamaisgeral,relacionadaaodiagnósticorelacionadoàpropostado
NovoRegimeFiscal,quesemostraequivocada.
De acordo comHenriqueMeirelles,ministro da Fazenda, na ExposiçãodeMotivos
Interministerial,EMIn.00083/2016MFMPDG,parágrafo4º,sobreoNovoRegimeFiscal,“a
raizdoproblemafiscaldoGovernoFederalestánocrescimentoaceleradodadespesapública
primária”.Maisadiante,noparágrafo8º,elecontinua:
Dentre outros benefícios, a implementação dessa medida: aumentaráprevisibilidade da política macroeconômica e fortalecerá a confiança dosagentes;eliminaráa tendênciadecrescimento realdogastopúblico, semimpedir que se altere a sua composição; e reduzirá o risco-país e, assim,abriráespaçoparareduçãoestruturaldastaxasdejuros.Numaperspectivasocial,aimplementaçãodessamedidaalavancaráacapacidadedaeconomiadegerarempregoserenda,bemcomoestimularáaaplicaçãomaiseficientedosrecursospúblicos.Contribuirá,portanto,paramelhorardaqualidadedevidadoscidadãosecidadãsbrasileiros.(BRASIL,2016)35.
BelluzzoeGalípolo(2016)argumentammuitoapropriadamente,afirmandoqueesta
éamesmapromessaefaláciacontidanajustificativadosuperávitprimárioháquasevinte
anos.Mostramque,deláparacá,
(...) a economia brasileira exibiu, ao longo de 16 anos (1998 a 2013),superávits primários, o que não impediu o salto da dívida bruta do setorpúblico do patamar de 40%, em 1998, para quase 58% do PIB, em 2013,acompanhadadaelevaçãode6%nacargafiscal,tambémmedidaemrelaçãoaoPIB.(Ibid.).
Osautoresmostramaindaque
(...)oBrasilapresentouamaiormédiadesuperávitprimárioentre2007e2015dentreospaísessuperavitários,sugerindoumespaçofiscaldequase2%doPIB,e, aindaassim,exibehojepoucomenosde14%de taxaSelic,comprometendoquase10%doPIBcompagamentoaosdetentoresdadívidapública,querepresentamenosde70%PIB.Nooutroextremo,naGrécia,quetem uma relação dívida/PIB de 170%, a despesa com juros responde poraproximadamente5%doseuPIB.(Ibid.).
35Aíntegradodocumentoencontra-senoanexodocapítulo3destatese.
121
Sendoassim,ajustificativaparaaimplementaçãodonovoregimefiscal,apoiadana
reduçãodosgastosprimários,nãoencontrasuportenaevidênciaempíricanemconsideraos
possíveisefeitosdeumcrescimentodoPIB,daquedadaarrecadação,dosaltosjurossobre
osdesequilíbriosobservados.Portanto,éumafalácia,umargumentocriadoparavendera
ideiadecortenosgastosprimárioscomoutrosobjetivosvelados.
Nocasodasaúde,porexemplo,VieiraeBenevides(2016)mostramqueaparticipação
dasdespesascomASPSnasdespesasprimáriasdaUniãocaiuentre2002e2015,apartirde
2013.Então,nãoforamessesgastosquepressionaramaampliaçãodasdespesasprimárias
alegadanoparágrafo4ºdaPEC241,citadaanteriormente.
Nãobastasseisso,háqueseconsiderarqueexistemoutraspossibilidadespolíticase
econômicasquepoderiamsolucionaroproblemafiscaldeumamaneiramaisprogressista,o
queajudaria,inclusive,acorrigirasdesigualdadesnadistribuiçãodacargatributáriaemvez
daclássicasoluçãodoreceituárioneoliberaldacontençãodogastopúblico.Porexemplo,uma
reformatributáriaqueincluísseacriaçãodeimpostossobreariquezaepatrimônio(grandes
fortunas)demaneiraacorrigirahistóricainjustiçatributáriaqueoneraosmaispobresea
classemédiaque,emúltimainstância,sãoosquesustentamacargatributáriabrasileira.
Belluzzo e Galípolo (2016) criticam a imposição de um limite linear e genérico às
despesasprimárias, tal qual constavanapropostadaPEC241, já aprovada,pois elapode
deterioraraqualidadedogastopúblico.ValeapenalermosaspalavrasdeBelluzzoeGalípolo
(2016):
A abordagem do Orçamento camuflada em uma áurea exclusivamentetécnicaecientíficadelegávelàsburocraciasnãoeleitastransformou-seemferramentapara limitaradisponibilidadedepolíticasquepareçamviáveisparaacomunidade.
O Orçamento é um pilar do Estado Social, expressão da confiança éticaconstruídaa ferroe fogopelos subalternos,que impôso reconhecimentodos direitos do cidadão, a partir do princípio que estabelece que onascimento de um cidadão implica, por parte da sociedade, oreconhecimento de uma dívida. Dívida com sua subsistência, com suadignidade, comsuaeducação, comsuascondiçõesde trabalhoecomsuavelhice.
A imposição de limites cada vez mais restritos às despesas com serviçosessenciais, enquanto juros podem exorbitar livremente, sinaliza
122
simultaneamente credibilidade ao rentismo e temor à população demoratóriaaocontratosocial.(BELLUZZOeGALÍPOLO,2016).
Alémdessacríticamaisgeral,vejamosasconsequênciasdaEC95paraaáreadasaúde.
Dopontodevistalegal,háumefeitomuitonegativo,poisoSUS,comaEC95,deixou
decontarcomavinculaçãoconstitucionaldesuasdespesasàsreceitasdearrecadação,tão
caras,comovimos,nahistóriadaresistênciacontraosubfinanciamentodoSUS.Assim,devido
aotetodegastoedapossibilidade(remota)dedestinaçãoderecursosadicionaisacimada
aplicação domínimo pelo Congresso a cada ano, regredimos a uma situação de disputar
recursoscomoutraspolíticaspúblicas também importantes.Emoutraspalavras,paranão
ultrapassaroteto,sehouverumaumentoderecursosemumaárea,seránecessáriodiminuí-
losemoutra.Eestamostratandodeáreassociaisimportantes.
Nocasodasaúde(eeducação),apesardeovalorrealsercongelado,aEC95garante
o piso. No entanto, para as outras áreas sociais, haverá um encolhimento. Os benefícios
previdenciários,porexemplo,consumirãoumaboaparcelado teto,mesmoquehajauma
reformadaprevidênciaacurtoprazo(gráfico3)(ROSSIeDWECK,2016,p.3).
E as outras áreas, como habitação, assistência social, segurança pública, cultura,
alimentação,ciênciaetecnologia,saneamentobásico,transporte?Paraasaúdeganharmais
recursos,outrapolíticaprecisaráperdê-los.
OutraquestãoquesecolocatemrelaçãocomocrescimentodoPIBedaarrecadação.
ComaEC95,aperdaderecursosparaasaúdeserámenorseaeconomianãocrescerouse
retrair.E,aocontrário,sehouvercrescimentodaeconomiaearrecadaçãonesses20anos,a
saúdeteráperdasecompararmosaocritérioanteriordaEC86,recém-extinto,poishouvea
desvinculação constitucional de suas despesas à receita de arrecadação, conforme já
mencionado.
OutracríticaàEC95équenãoeranecessárioconstitucionalizararegrafiscal,istoé,
nãohavianecessidadedesecriarumaemendaconstitucionalparaamudançadoregimefiscal
proposto pela PEC 241, não fosse a desvinculação das receitas destinadas à saúde e à
educação.ComobemapontamRossieDweck(2016),umestudodoFMImostraquenenhum
123
país do mundo estabeleceu uma regra para gasto público por meio de uma emenda à
Constituição.
Nessa mesma publicação, Rossi e Dweck (2016) mostram que, no caso da saúde,
haveráum“pisodeslizante”, istoé,comotempo,ovalormínimodestinadoàsaúdecairá
tantoemproporçãodasreceitascomodoPIB.Asimulaçãodogastocomsaúdepara2026é
de12%dareceitacorrentelíquidae,em2036,de9,4%(gráfico3).Mesmoqueestejaprevista
apossibilidadedeaumentonogastoparasaúdeacimadomínimo,istosóseriapossívelse
outros gastos fossem reduzidos. Porém, como há um teto que reduz o gasto público em
proporçãodoPIB,haveriaefetivamenteumareduçãodosgastossociais.
Gráfico3-Simulaçãodaaplicaçãomínimaparaogastocomsaúdecomaregrade2016ecomaregraestabelecidapelaPEC55(2017–2036)
Fonte:RossieDweck,2016,p.3.36
36DeacordocomoRossieDweck(2016,p.3),ahipóteseconsideradanasimulaçãoéqueoPIBcresce2,5%aoanonoperíodo,eareceitalíquidaacompanhaocrescimentodoPIB.
IMPACTOS DO NOVO REGIME FISCAL NA SAÚDE E EDUCAÇÃO 3
Cad. Saúde Pública 2016; 32(12):e00194316 | www.ensp.fiocruz.br/csp
Figura 1
Mínimo para gastos com saúde e educação com a regra atual e com a PEC 55 *.
Fonte: elaboração própria.
* A simulação parte da hipótese de que o PIB cresce 2,5% ao ano no período e que a receita líquida acompanha
o crescimento do PIB.
Federal passaria de 19,6% do PIB em 2015, para 15,8% em 2026 e 12% em 2036.
Adicionalmente, os gastos com previdência, hoje em torno de 8% do PIB, devem aumentar
124
Outra projeção (gráfico 4), presente no documento “Austeridade e Retrocesso:
FinançasPúblicasePolíticaFiscalnoBrasil”(FUNDAÇÃO,2016),mostraosgastospúblicosdo
Governo Federal sob a vigência da nova regra aprovada pela PEC 55. Podemos observar
(gráfico4)queogastoprimáriototaldoGovernoFederalatingiria15,8%doPIBem2026e
12%em2036,considerandoque,em2015,foide19,2%.
Gráfico4-Brasil:simulaçãodasdespesaspúblicasem%doPIBcomaECn.95,2015-2036.
Fonte:Fundação,2016,p.48.
Aprojeçãomostradanográfico4deixaevidentesareduçãoenormedogastoprimário
totaldogovernofederaletambémaquedabrutaldosgastoscomsaúdeeeducação.
Nocasodasaúde,asimulaçãoprevêqueogastofederalpassariade4%doPIB,em
2015, para 2,7%, em 2036. Uma queda dramática, sem precedentes. E ainda temos que
considerar a previsão de um crescimento populacional de 10% na população brasileira
duranteoperíododevigênciadaEC95.
E isso é apenas uma simulação, pois é provável que os gastos com previdência
aumentemdevidoàquestãodemográfica,enãopodemossaberqualoefeitoqueissoterá
sobreosgastosdareformadaprevidênciaqueestáprevistaparaservotadaaindaem2017.
Considerandoqueosgastosdaprevidênciaseestabilizassemem8,5%doPIB–umahipótese
4 1
1
Contexto m
ais amplo da reform
a da Previdência e da Seguridade Social
1.4. O aprofundamento da austeridade econômica e o Estado Social No Brasil, as políticas de austeridade têm sido impulsionadas no período recente por duas medidas principais. A primeira é a ampliação da desvinculação de recursos constitucio-nais assegurados ao gasto social. O Congresso Nacional aprovou em 2016 a majoração da Desvinculação de Receitas da União (DRU) de 20% para 30%.
A segunda ação é o chamado Novo Regime Fiscal (Emenda Constitucional 95/2016) que cria, por 20 anos, um teto para o crescimento
das despesas vinculado à inflação, constitucio-nalizando a austeridade sobre o gasto social até 2036. O propósito é reduzir a despesa primária do governo federal de cerca de 20% para 12% do PIB entre 2017 e 2036.
Nesse sentido, convém destacar que como o gasto previdenciário inevitavelmente crescerá em razão da dinâmica demográfica em curso (e mesmo que a atual proposta de reforma seja aprovada), para que o teto seja cumprido, os investimentos e os demais gastos precisarão encolher de 8% para 3% do PIB nos próximos 20 anos, conforme apresentado na Figura 8 (Austeridade e Retrocesso, 2016).
Nesse cenário, segundo estimativas de Rossi e Dwek (2016) haverá forte redução do percentual da receita corrente líquida destinada para Educação (de 18,0% para
FIGURA 8 EC Nº 95/2016: SIMULAÇÃO DAS DESPESAS PÚBLICAS (EM % DO PIB) (2015-2036) BRASIL Fonte: Austeridade e Retrocesso (2016)
0.0%
2.0%
4.0%
6.0%
8.0%
10.0%
12.0%
14.0%
16.0%
18.0%
20.0%
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021
2022
2023
2024
2025
2026
2027
2028
2029
2030
2031
2032
2033
2034
2035
2036
Despesas púb
licas em % do PIB
Anos
Despesa saúde
Despesa Educação
Demais despesas
Benefícios previdenciários
125
quase impossível – e com um crescimento médio de 2,5%, o documento mostra que é
matematicamenteimpossíveloBrasilchegara2036comummaiorníveldegastocomsaúde
eeducaçãoemproporçãoaoPIB.
VieiraeBenevides(2016)mostramumaestimativadaperdaacumuladaderecursos
paraofinanciamentodoSUSentre2017e2036,deacordocomalgunscenáriosdevariação
docrescimentodoPIB.
Osvaloresdatabela4mostramasestimativas,partindodebasesdeaplicaçãomínima,
em2016,de13,2%ede15,0%daRCL.Entretanto,jásabemos,apósaaprovaçãodaEC95,
queabasedeaplicaçãomínimafoide15,0%daRCL.Então,podemosconsiderarsomenteo
segundocenário.
Deacordoatabela,paraocrescimentorealanualdoPIBde,respectivamente,0%,1%
e2%,teremosasseguintesperdasacumuladas:R$49bilhões;R$162bilhõeseR$400bilhões.
Éprecisonotarque,quantomelhorforodesempenhodaeconomia,maiorseráaperdapara
asaúdeemrelaçãoàregradaEC86.
126
Tabela4–EstimativadeimpactodaPEC241paraofinanciamentofederaldoSUS–cenáriosparaoperíodode2017a2036
Fonte:VieiraeBenevides,2016,p.13.
EmumestudodoDIEESE(2016),háoutrasimulação,quemostraasdiferençasanuais
entreasdespesasrealizadascomeducaçãoesaúdeduranteoperíodode2006a2015,eas
mesmasdespesascalculadassearegradaEC95estivessevalendoduranteomesmoperíodo.
Osdadosdatabela5mostramque,valendoaregradaEC95desde2006,osgastoscomsaúde
ecomeducaçãoteriamsidomenores,oqueevidenciaumadisparidadesignificanteentreos
doisgastos(oefetivoeosimulado).
AnoGastosEfetivos
comASPSReceitaCorrenteL íquida
daUnião
GastosegundoaPECOrçamentoImpositivo
(15%daRCL)
D iferençap/GastoEfetivo
D iferençaAcumulada
1999 18.353 0 0 0 02000 20.351 145.111 21.767 -1.415 -1.4152001 22.474 167.739 25.161 -2.687 -4.1022002 24.737 201.927 30.289 -5.552 -9.6542003 27.181 224.920 33.738 -6.557 -16.2112004 32.703 264.353 39.653 -6.949 -23.1602005 37.146 303.016 45.452 -8.307 -31.4672006 40.750 344.731 51.710 -10.960 -42.4272007 44.303 386.682 58.002 -13.699 -56.1252008 48.670 428.563 64.284 -15.614 -71.7402009 58.270 437.199 65.580 -7.310 -79.0492010 61.965 499.867 74.980 -13.015 -92.0642011 72.357 558.706 83.806 -11.449 -103.5132012 78.211 616.933 92.540 -14.329 -117.8432013 83.053 656.094 98.414 -15.361 -133.204
Elaboraçãoprópria.Fontesprimárias:IBGE,STNeRFB.
SimulaçãodeGastoscomAçõeseServiçosPúblicosdeSaúdenaPECOrçamentoImpositivosemCSS-R$MilhõesCorrentes
13
TABELA 1
Estimativa de impacto da PEC 241 para o financiamento federal do SUS - cenários para o período de 2017 a
2036.
4.3. Redução do gasto público per capita com saúde
Em 2013, o IBGE publicou estudo de projeção da população do Brasil por sexo e idade para o
período 2000-2060, mostrando que a população brasileira atingirá o seu ápice em 2042, com
228,4 milhões de habitantes, e passará a partir de então a decrescer.15 Para 2060, a projeção é
de 218,2 milhões. No horizonte da PEC, a população projetada para 2036 é de 226,9 milhões de
habitantes, 10,1% superior à de 2016.
O orçamento deste ano prevê a aplicação de valor equivalente a R$ 519 per capita –
valor que se reduziria em 2017 para R$ 459 (em R$ de 2016) em caso de continuidade da regra
da EC 86 (devido à queda da RCL), e para R$ 446 com a aplicação da regra da PEC 241. O
crescimento populacional no período 2017-2036 provocaria uma redução do gasto público
federal com saúde per capita em caso de aprovação da PEC 241, chegando a R$ 411 em 2036,
em R$ de 2016 (gráfico 4). Já com a manutenção da regra da EC 86, o valor per capita depende
da taxa de crescimento do PIB e acompanhará o crescimento dessa taxa: com crescimento de
0,0%, o valor per capita chegaria em 2036 a R$ 460; com 1,0% ao ano, a R$ 556; com 2,0% ao
ano, a R$ 671, e, com as taxas da projeção atuarial do RGPS, a R$ 822.
15
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Projeção da população do Brasil e das Unidades da Federação.
Disponível em: http://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/. Acesso em: 20 jul. 2016.
R$ bilhões de
2016% do PIB
% da RCL
Valor per capita em R$ de 2016
0,0 % ao ano -205 93,3 1,48 13,4 4111,0 % ao ano -416 93,3 1,22 11,1 4112,0% ao ano -654 93,3 1,01 9,2 411LDO 2017 (*) -999 94,2 0,84 7,6 4150,0 % ao ano 49 106,0 1,68 15,2 4671,0 % ao ano -162 106,0 1,39 12,6 4672,0% ao ano -400 106,0 1,15 10,4 467LDO 2017 (*) -743 107,0 0,95 8,6 472
106,9 1,71 15,5 519
Hipóteses: 1) taxa de crescimento real de PIB de 1,1% em 2017 (Focus/Bacen); 2) IPCA de 5,29% em 2017 e 4,5% entre 2018 e 2036; 3) RCL/PIB constante em 11,02% do PIB (estimativa 2016); 4) RCL de 2016 estimada em R$ 689 bilhões, conforme PLOA 2016 (R$ 759,4 bilhões), com redução de 9,3%, conforme previsão de queda da receita líquida constante do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias da Secretaria de Orçamento Federal/SOF - 3º Bimestre/2016 (tabela 9, página 24); 5) PIB nominal de 2016 estimado em R$ 6.247,9 bilhões, conforme Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias da SOF/MPOG - 3º Bimestre/2016; 6) Aplicação mínima em ASPS de 13,2% e 15% da RCL de 2016.
15,0%
Orçamento 2016*** LDO 2017 - anexo RGPS. Taxa de crescimento real do PIB das projeções atuariais para o RGPS (LDO 2017 - PL 02/2016). A média no período 2017-2036 é de 3,00% ao ano. IPCA de 6,0% em 2017, 5,4% em 2018, 5,0% em 2019 e 3,5% a partir de 2020.
** Valor para empenho previsto na LOA 2016. Foi calculado com base em uma RCL mais alta. O valor final da RCL pode ficar muito mais baixo, resultando em aplicação mínima inferior àquela prevista na LOA.
Limite inicial 2016 conforme PEC 241
Taxa de crescimento anual
do PIB
Perda Acumulada 2017-2036 em relação
à regra da EC 86 (R$ bilhões de 2016)
Valor do Gasto Federal com Saúde
13,2%
127
Tabela5–DespesasrealizadasemEducaçãoeSaúdenoperíodo2002a2015comparadoasimulaçãodasdespesasemEducaçãoeSaúdepelaregradaPEC241–Brasil2002–2015.(Valores
reaisdedezembrode2015(IPCA).Ano-base2002).
Ano
Educação Saúde
Despesasrealizadas(R$bi)
RegraPEC241/16
DiferençaEducação(R$bi)
Despesasrealizadas(R$bi)
RegraPEC241/16
DiferençaEducação(R$bi)
2006 32,8 30,9 2 67,8 59,4 8,4
2007 39,2 30,7 8,5 73,7 59,1 14,5
2008 43,1 30,4 12,7 76,4 58,4 18
2009 53,3 30,7 22,6 84,5 59 25,5
2010 67,1 30,5 36,7 85,6 58,6 27
2011 75,9 30,3 45,6 93,8 58,2 35,6
2012 89,4 30,6 58,8 98,4 58,8 39,6
2013 95,4 30,5 64,9 98,9 58,6 40,3
2014 102,4 30,3 72 102,6 58,4 44,2
2015 90,3 29,6 60,7 94,6 57 37,7
Totalacumulado 688,9 304,5 384,5 876,3 585,5 290,8Fonte:DIEESE,2016,p.10.
Nocasodasaúde,considerando-seoperíodoentre2006e2015,seaEC95jáestivesse
valendo,areduçãodovalordestinadoàáreaseriade33%.Jáemrelaçãoàsdespesascom
educação,areduçãoseriade55%,noperíodo.Emrelaçãoaomontantederecursos,aperda
nasaúde,entre2006e2015,teriasidodeR$290,8bilhões,valorquecorrespondeaquase
120vezesocustodoPrograma“MaisMédicos”,porexemplo.E,nocasodaeducação,teria
sidode384,5bilhõesdereais,conformemostraatabela5.
Éevidentequeessebrutalcortederecursosafetaráaspolíticassociaise,nocasoda
saúde, comprometerá não só os programas como também o tão necessário choque de
investimentosparaatenuarasdesigualdadesdeacessonoBrasil.
Outraquestãoqueosestudosapontaméaquedadogastopercapitaemsaúde.Vieira
eBenevides(2016)comparamcenáriosdegastopercapitacomrecursosfederaisaté2036,
confrontandoavinculaçãovigenteaté2015comavinculaçãodaemenda86,quefoirevogada
pelaEC95.Noscenáriosprospectivos,haveriaumaumentonogastopercapita,comalguma
variação,dependendodocenário(gráfico5).Contudo,diantedamudançaimpostapelaEC95
128
epelaviolentaquedadoPIBem2014,2015e2016,ocenáriodecrescimentodogastoper
capitaestácomprometido.
Gráfico5–ProjeçãodoimpactodaPEC241sobreogastofederalcomsaúdeemcomparaçãocomamanutençãodaregradaEC86–emR$de2016percapita
Fonte:VieiraeBenevides,2016,p.1437.
Nográfico5,ficaclaraareduçãodogastopercapitacomaaplicaçãodaregradaEC
95(PEC241).Ogastopercapitaparaoanode2016previstoeradeR$519,00percapita.Esse
valorpassariaparaR$411,00em2036.Ográficotambémmostraaprevisãofeitanoanode
2016paraoanode2017(anocorrente).EmcasodacontinuidadedaregradaEC86,ovalor
37Ashipótesesdosautoresparaconstruçãodaprojeçãoforam:pisodaPEC241=13,2%daRCLde2016;eRCL2016=R$689bilhões.
14
GRÁFICO 4
Projeção do impacto da PEC 241 sobre o gasto federal com Saúde em comparação com a manutenção da
regra da EC 86 - em R$ de 2016 per capita (Hipóteses: piso da PEC 241 = 13,2% da RCL de 2016; e RCL 2016
= R$ 689 bilhões).
Com a regra da PEC 241, o SUS teria menos recursos por pessoa para fazer frente às
necessidades de promoção, prevenção e recuperação da saúde da população brasileira.
4.4. Desobrigação de os governos alocarem mais recursos em saúde em contextos de crescimento econômico
Outra consequência da desvinculação proposta na PEC é a desobrigação de os governos
alocarem mais recursos no SUS em contextos de crescimento econômico. O que as estimativas
demonstram na tabela 1, mais acima, é que, com a retomada do crescimento do PIB, no cenário
de 2% ao ano, por exemplo, o governo federal não estaria obrigado a alocar R$ 654 bilhões no
SUS. Esses recursos deixariam de ser utilizados para financiar bens e serviços de saúde e
poderiam ser deslocados para outras finalidades como, por exemplo, o pagamento de despesas
financeiras. Esta é uma questão muito relevante, dado que a situação dos serviços de saúde é
uma das principais queixas da população nas pesquisas de opinião sobre a administração
pública.16
4.5. Provável aumento das iniquidades no acesso a bens e serviços de saúde
A redução do financiamento do SUS afetará mais intensamente os grupos sociais mais
vulneráveis. Segundo Barata (2009), em todas as sociedades as situações de risco, os
16
REIS, T. Saúde é o principal problema citado em todas as capitais, aponta Ibope. Disponível em:
http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2016/blog/eleicao-2016-em-numeros/post/saude-e-o-principal-problema-
citado-em-todas-capitais-aponta-ibope.html. Acesso em: 16 set. 2016.
446427
411
519
459
561
671
518
556
459
478460
459
632
822
300
400
500
600
700
800
900
2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030 2031 2032 2033 2034 2035 2036
PEC 241 EC 86 PIB 2,0% a.a.EC 86 PIB 1,0% a.a. EC 86 PIB 0,0% a.a.EC 86 PIB RGPS (média: 3,0% a.a.)
Hipóteses: 1) taxa de crescimento real de PIB de 1,1% em 2017 (Focus/Bacen); para 2018 a 2036, cenários com 0,0%, 1,0%, 2,0% (taxa média anual do crescimento do
PIB entre 2010 e 2015) e da LDO 2016, anexo RGPS (média de 3,00% a.a.); 2) IPCA de 5,29% em 2017 e 4,5% entre 2018 e 2036; 3) RCL/PIB constante em 11,02% do
PIB (previsão 2016); 4) RCL de 2016 estimada em R$ 689 bilhões, conforme PLOA 2016 (R$ 759,4 bilhões), com redução de 9,3%, conforme previsão de queda da receita
líquida constante do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias da Secretaria de Orçamento Federal/SOF - 3º Bimestre de 2016 (tabela 9, página 24); 5) PIB
nominal de 2016 estimado em R$ 6.247,9 bilhões, conforme Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias da SOF/MPOG - 3º Bimestre de 2016; 6) Base para
aplicação mínima em ASPS conforme a PEC 241 de 13,2% da RCL de 2016.
129
para2017seriadeR$459,00.E,em2036,dependendodocrescimentodoPIB,ovalorseria
crescente,diferentementedocenárioatual,comaEC95.
É precisomencionar, também, o efeito federativo que a EC 95 terá, em relação à
saúde,nosgastosdosestadosemunicípios.Comojáfoimencionado,ogastodosestadose
municípios aumentarammuito suaparticipaçãona composiçãodo gasto total com saúde,
desdeaConstituiçãoFederalde1988.Em2000,ambosparticipavamcom48%dototaldo
gastopúblicoemsaúde.Jáem2015,aparticipaçãofoide57%,sendoaparticipaçãomunicipal
aquemaiscresceu,chegando,em2015,a31%dototal.Éprecisosublinharqueambosos
entes federativos, em 2015, superaram o percentual mínimo previsto na EC 29. E a
consequênciaqueaEC95terásobreissoédevastadora,jáqueosestadose,principalmente,
osmunicípiosestãoemumpatamaraltodecomprometimentodosseusgastoscomsaúdee
emummomentomuitodelicadodasfinançassubnacionais,videoquevemacontecendono
estado do Rio de Janeiro e que deverá se repetir com outros importantes estadosmuito
brevemente.E,paraainda ficarmosnaquestão federativa,nãopodemosnosesquecerda
heterogeneidade da situação dos quase 6.000 municípios brasileiros, cuja maioria é
extremamentedependedetransferênciasfederais,queserãocomprometidastantopelaEC
95, por exemplo, por uma possível desvinculação do salário mínimo dos benefícios
previdenciários38.
Comoapontamosestudos sobrea recentee gravemudança trazidapela EC95,o
cenário é desolador para as políticas sociais em geral. E nunca é demais lembrar que as
despesas comos juros da dívida continuamaltas e tratadas comprioridade pelo governo
federal.
Emrelaçãoaospróximosanos,osestudosmostramalgumasquestõesetendências
nefastasparaoSUS.Umadelasrefere-seaondeseriamaplicadososrecursosque,segundoa
hipótese dos defensores do diagnóstico por trás da EC 95, viriam a aumentar com a
desvinculaçãodasreceitascomsaúdeedocrescimentodaarrecadaçãoquepoderiahaver
nesses20anosdecongelamento impostospelaEC95.Ondeseriamaplicados?Parapagar
38 Essa proposta é presente no debate atual, e a hipótese de sua realização não pode ser descartada no atual cenáriobrasileiro.
130
juros? Para pagamento das despesas financeiras? Para onde iriam? (VIEIRA e BENEVIDES,
2016).
Outropontodizrespeitoàconsequênciadareduçãodofinanciamentoparaosgrupos
sociaismaisvulneráveis,jáqueestudosmostramqueasdesigualdadesnoestadodesaúde
estãoassociadasàorganizaçãosocial,oqueespelhaasiniquidadesdasociedade(Ibid.).
A reduçãodo financiamento trarámais dificuldades ao acesso, principalmente nos
estadosmaispobres,quedependemmaisdastransferênciasfederaisparafinanciarasaúde,
poistêmmenospoderarrecadatórioderecursospróprios(Ibid.).
Tambéméprovávelqueaumenteapressãodademandasobreosserviçosdeurgência
eemergênciaeprontoatendimento,quesãoserviçosmaiscaros.Nessesentido,oquefarão
com os programas preventivos? Esses programas, segundo a literatura mundial, são as
melhoresopçõesdeescolhade saúdepública,pois sãomuito importantesemaisbaratos
(Ibid.).
Tambéméprovávelquehajaumaumentodajudicializaçãodasaúde,pois,comuma
maiordemanda,épossívelquemaispessoastentemgarantiroacessopormeioda justiça
(Ibid.).
Ogovernoteminduzidoumapossívelsoluçãoquevainosentidodeaumentaraoferta
via planos privados baratos e de baixa cobertura assistencial, os chamados “planos
populares”. Essa solução, entretanto, continuaria onerando os serviços de alta e média
complexidadeeoacessoamedicamentos.
Como podemos perceber, a batalha pela suficiência de recursos para a saúde é
constanteelenta.DaíquepodermospensarsobreadificuldadedeimplementaroSUS,eesta
ésomenteumadasbatalhas,querefleteadisputaeodesejopelosrecursosdaáreadasaúde,
paraquesejamdirecionadosparaoutrosfins.IssoincluitantoosrecursosdoOSSquantoos
dasaúde.
Ouseja,estamosmuitolongedealcançarumpatamarrazoáveldegastopúblicono
Brasil que seja compatível com um sistema universal e de atendimento integral quando
comparadoaosdecomoutrospaíses.Alémdisso,aparticipaçãodogastoprivadoémuito
131
maior do que a do gasto público e, naquele, há também uma alta participação do gasto
privadodiretodasfamílias(outofpocket).Vejamoscommaisdetalhesofinanciamentoesuas
relaçõescomosistemaprivado.
OFinanciamentoPúblicodaSaúdeesuasrelaçõescomosetorprivado
O gasto com saúde é um dado importante para medir a quantidade de recursos
dispendidoscomsaúde.Nogastototalcomsaúde,estãoincluídostodososgastosrealizados
pelasfamílias(comassistênciamédica,medicamentos,planosdesaúde),pelogoverno(com
o sistema único de saúde) e pelas empresas (planos de saúde, assistência médica,
medicamentos,equipamentos,pesquisasetecnologia,trabalhadoresdasaúde).
Umindicadorbastanteutilizadoparamediraquantidadederecursosetambémpara
compará-lasentreosdiferentespaíseséaparticipaçãodogastototalcomsaúdeemrelação
aoPIB.
Odispêndiocomsaúdetemcrescidobastanteemquasetodosospaísesdomundoe,
inclusive,ataxamédiadecrescimentodosgastoscomsaúdeentre1998e2003superouade
crescimentodaeconomiamundial.SegundoHSIAO(2007apudFIOCRUZetal.,2012,p.171),
a primeira foi de 5,7% e a segunda de 3,6%, nesse período. Para se ter uma ideia, a
participaçãodogastomundialcomsaúdenoPIBmundialerade3%,em1948,e,em2004,
alcançou8,4%,deacordocomaOPAS(2007).
E,comopodemossupor,osgastosdetodosospaísesacompanharamatendênciade
crescimentoaolongodotempo.
Vejamos,nográfico6,aparticipaçãodogastototalcomsaúdenoPIB,em2011,em
algunspaísesselecionados.
ComexceçãodosEUA,deumlado,quetêmomaiorgasto,(17,7%),edepaísescomo
aChina,Índia,RússiaeChile39,deoutro,quetêmumgastoabaixode8%,amaioriadospaíses,
incluindooBrasil,gastoude8a12%doPIBcomsaúde,em2011.
39EtambémpaísesdaAméricaLatina,comoArgentina,VenezuelaeColômbia.
132
Háumaenormediversidadedesituaçõesaoanalisarmososindicadoresdospaísesque
desmentem a conclusão, óbvia para alguns, de que os países já investem uma parcela
consideráveldoPIBemsaúdee,portanto,nãohaveriamaiscondiçõesparaocrescimento
dessaporcentagem.
Gráfico6-GastototalcomsaúdecomopercentagemdoPIB(2011)diversospaíses.
Fonte:Giaimo,2016,p.7.
133
Dado um gasto tão alto com saúde, seria de se supor que as condições de saúde
estivessem melhorando, a desigualdade, diminuindo e que haveria pouca iniquidade no
acessoaosserviçosdesaúde.
Porém,nãoéissooquetemacontecido.Namaioriadospaíses,principalmenteosem
desenvolvimento–masemmuitosdesenvolvidostambém,dentreosquaisosEUA–,para
qualquerdireçãoqueolharmos,adesigualdadeeiniquidadeestarãopresentes,inclusiveno
gasto.
Então, qual seria a explicação para o fato de um alto volume do gasto não
corresponderàmelhoradascondiçõesdesaúdeedoacessoaosserviçosdesaúde?
Pelaóticadacontabilidadedogasto,arespostapodeserencontradaaoanalisarmosa
participaçãopúblicaeprivadadogastocomsaúdeeogastopúblicoeprivadopercapita.
Vejamos,nográfico7,qual foi aparticipaçãopúblicaeprivadanogasto total com
saúdedealgunspaísesselecionados.
Gráfico7-Participaçãodogastopúblicoedogastoprivadonogastototalcomsaúdeempaísesselecionados(2011).
Fonte:elaboraçãoprópria,apartirdeTheWorldHealthStatistic,2014,eGlobalHealthObservatoryData,2014.
134
NaVenezuela,Brasil,Chile,EUAeMéxico,aparticipaçãodogastoprivadocomsaúde
compõemetadeoumaisdogastototalcomsaúde.NocasodoBrasil,ogastopúblicoparticipa
com47%(4,23%doPIB),eoprivado,com53%(4,47%doPIB).
Issosignificaque,nessespaíses,amaiorpartedogastocomsaúdeéresponsabilidade
das famíliasedasempresas;amenor,doEstado40.NocasodoBrasil,eradeseesperaro
contrário,jáquecontamoscomumsistemauniversalpúblico.
Éimportanterelembrarmos,aqui,aquestãodomixpúblicoeprivadodossistemasde
saúde,comovimosnocapítulo1.Ofatodeumpaísterumsistemauniversalnãosignificaque
eleseja100%público.Vimosque,nospaíseseuropeuscomsistemaspúblicos,háumamistura
desituaçõesnaofertadosserviçosdesaúde,inclusivecomaparticipaçãodesegurosdesaúde
privados.Contudo,comonocasodaAlemanha,porexemplo,háumagarantiadeque,seos
indivíduosnãopuderempagarosegurodesaúdeporalgummotivo,ofinanciamentoestará
garantidopeloEstado.Issoquerdizerque,emumsistemauniversal,ofinanciamentopúblico,
emgeral,serásempremuitomaiordoqueaparceladofinanciamentoprivado.Eaparcelado
financiamentoprivadoteráumaparticipaçãomaiordasempresasdoquedasfamílias.
Nesse sentido, chama muito a atenção o fato de o Brasil ser um dos países cuja
participaçãodogastoprivadonacomposiçãodofinanciamentodosistemadesaúdesejaum
dosmaisaltosdomundo,inclusivemaisaltodoqueodosEstadosUnidos,sendoosistema
vigenteaquiouniversal.
Ogastodasfamíliasedasempresascomsaúdeenglobaopagamentodeconsultas,
exames e internações, diretamente das famílias para o médico, laboratório e hospital; o
pagamento das famílias e empresas aos planos e seguros de saúde; a compra de
medicamentos; o gasto com serviços de saúde prestados por enfermeiros, auxiliares de
enfermagem,comcompradeequipamentosmédicospelasempresasefamílias;ogastocom
pesquisadasempresasfarmacêuticasetc.Essesitensdogastoprivadotambémpodemser
divididos em gastos diretos das famílias – os chamados out-of-pocket – ou os gastos das
empresas.
40Comoseriadesesupor,pois, comoveremosnospróximos itens,hágasto indiretodoEstadoviagasto tributário,porexemplo.
135
Todos esses itens de gastos privados têm um peso crescente no orçamento das
famíliase,alémdisso,umaporcentagemdesigual,conformesuasrendas.
Porúltimo,seanalisarmosogastopercapita,ficaclarooquãodistanteestamosdo
patamardegastodospaísescomsistemasuniversaisequantoélongoocaminhoqueteremos
quepercorrer.Natabela6,podemosver,paraoanode2011,que,enquantoogastopúblico
percapitanoBrasilfoideUS$477,00,osdoReinoUnido,AlemanhaeFrança,porexemplo,
foramderespectivamente,US$2.747,0,US$3.315,9,US$3.135,2.Onossoémenor,inclusive,
doquemuitosdenossosvizinhoslatino-americanos,comoUruguai(US$817,8)eArgentina
(US$869,4).
136
Tabela6-Brasilepaísesselecionados–Gastototalcomsaúde,gastopúblicocomsaúde,gastoprivadocomsaúde,gastoprivadoout-of-pocketcomsaúdecomo%doPIB.Gastototalper
capitaegastopúblicopercapita(PPPintUS$).–2011
País
GastoTotal
Saúde%PIB
%GastoPúblico2011
%GastoPrivado2011
Desembolsodiretodasfamílias(outofpocket)%Gastototalcom
saúde
Gastototalpercapita2011(PPPintUS$)
Gastopúblicopercapita2011(PPPintUS$)
Cuba 11,0 95,0 5,0 5,0 459,8 407,0CostaRica 10,0 75,0 25,0 23,0 1.242,6 932,1Brasil 9,0 46,7 53,3 31,0 1.035,2 477,0Uruguai 9,0 65,0 35,0 17,0 1.293,6 817,8Argentina 8,0 67,0 33,0 21,0 1.392,7 869,4Chile 7,0 48,0 52,0 33,0 1.478,3 606,7
Colômbia 7,0 75,0 25,0 16,0 657,0 462,5México 6,0 50,0 50,0 46,0 1.004,1 464,9
Venezuela 5,0 37,0 63,0 61,0 574,5 241,9EUA 17,7 48,0 52,0 11,0 8.467,0 3.954,2
Holanda 11,9 86,0 14,0 6,0 5.117,9 4.388,2França 11,6 77,0 23,0 7,0 4.128,4 3.135,2
Alemanha 11,3 77,0 23,0 12,0 4.473,8 3.315,9Canadá 11,2 70,0 30,0 14,0 4.541,4 3.183,6Suíça 11,0 65,0 35,0 26,0 5.672,9 3.639,9
Dinamarca 10,9 85,0 15,0 13,0 4.456,2 3.886,4Portugal 10,0 65,0 35,0 27,0 2.615,0 1.681,0Noruega 10,0 85,0 15,0 13,0 6.105,9 4.859,2
ReinoUnido 9,4 83,0 17,0 10,0 3.364,3 2.747,0Espanha 9,0 73,0 27,0 21,0 2.984,5 2.237,8Itália 9,0 78,0 22,0 21,0 3.016,8 2.417,4
Finlândia 9,0 75,0 25,0 19,0 3.382,0 2.492,0Suécia 9,0 82,0 18,0 16,0 3.938,0 3131,8Austrália 8,9 68,0 32,0 18,0 3.970,1 2.529,2
MédiaOCDE 9,3 73,0 27,0 - 3.410,0 China 5,0 56,0 44,0 35,0 423,1 241,6
Fonte:elaboraçãoprópria,apartirdeWorldHealthOrganization,2014eWorldHealthOrganization(GHO)2017.
No entanto, para além da análise da suficiência de recursos para a saúde, outras
evidênciasemedidasforamtomadasedeixamclaraqualéaprioridadedosgovernosdaépoca
(incluídosoExecutivoeoLegislativo).Dopontodevistadasrelaçõespúblico-privada,essas
medidasfavorecemosetorprivadoemdetrimentodosetorpúbliconaáreadasaúde,oque
dificulta aindamais a implementação do SUS. Algumas delas são relembradas por Santos
(2015).
Apartirde1998,essapolítica[deEstado]levouàLei9656/98,quepermiteaaquisiçãodeempresasnacionaisdeplanosprivadosporcapitalestrangeiro
137
(casodaAmileIntermédica)eodescumprimentodoressarcimentoaoSUS,previstos na mesma lei, pelos serviços públicos de saúde prestados aosconsumidores de planos privados. Em 1998 e 2000, são criadas asOrganizações Sociais (OS) e Organizações da Sociedade Civil de InteressePúblico (Oscips), entes privados para gerenciar hospitais, ambulatórios elaboratóriospúblicos.Aindaem2000,sãolimitadasdrasticamentepelaLeidaResponsabilidadeFiscal(LRF)ascontrataçõesnabasedoSUS,enquantoa EC-29 determina que somente os estados, Distrito Federal (DF) emunicípios são obrigados a destinar percentagem mínima da suaarrecadação ao SUS (12% para estados e DF e 15% para os municípios).Estavaclaro,aofinaldessadécada,queapolíticadeEstadoquegolpeiaoSUS era nucleada nos Ministérios da Fazenda, da Casa Civil e doPlanejamento, o “núcleo duro” do Poder Executivo, articulado a lobbiespoderosos instalados no Legislativo. Foram a lógica e a estratégiadominantesdedesviarorumodoEstadodeBem-EstarSocialUniversalista,constitucional,nocampodaspolíticaspúblicasparaosdireitossociais,parao rumo do EstadoNeoliberal submisso aomercado. Já́ ficava claro que agrandeinclusãosocialpeloSUSestavanorumodomodelodeatendimentodedemandareprimidaemtodososníveisassistenciais,demodomassivo,permanecendoo“modeloSUS”noníveldosnichosetrincheirasjá́referidos.(SANTOS,2015,p.584).
Como já foimencionadoanteriormente, oque Santos (2015) chamadepolíticade
Estado também impediu,em2004,avitóriadoprojetodeLei1/2003,quemais tarde, foi
retomadonacampanhafeitapelomovimentosanitárioqueficouconhecidacomoSaúde+
10.Santos(2015)continuaaelencarasmedidastomadasduranteadécadade2000:
tambémforamatualizadasasisençõesfiscaiscriadaspelogovernoanteriorsobre contribuições sociais aos hospitais privados, sofisticados, sem finslucrativos mediante serviços especiais encomendados pelo Ministério daSaúde(MS),esefomentafinanciamentobaratoefacilitadoparaampliaçãode hospitais privados e sofisticados de grande porte, bem como para aaquisição e construção de hospitais próprios das empresas de planosprivados, inclusivepeloBancoInteramericanodeDesenvolvimento(BID)eBanco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), dandocontinuidadeaosdurosgolpesdosanos1990contraoSUS.Já́ficavaclaraaestratégiadedestinaraAtençãoBásicadebaixaresolutividadeàpopulaçãomaispobreecomcarátercompensatório.Poroutrolado,simultaneamente,nessamesmadécada,aconjugaçãodosaláriomínimoacimadainflaçãocomo Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada, o boom dascommoditiesetc.levaramàamplainclusãosocialcomentradanomercadode dezenas de milhões de novos consumidores, reativando o mercadointernoeapontandoparaprovávelretomadadodesenvolvimento.(SANTOS,2015,p.584/585).
138
Como vai ficando evidente, está em curso uma transferência de recursos do setor
públicoparaosetorprivadonasaúdequevaicontraoprojetodoSUS,aosprincípiosdoacesso
universaledaequidade,favorecendoumsistemaprivadoqueatuaemparaleloaoSUSeque
concorrecomeleporrecursosfinanceiros,mascujoacessonãoéparatodos,éapenaspara
quemcondiçõesdeterumplanodesaúde.
Contudo,mesmoparaquemtemumplanodesaúde,nãohácoberturaparatodosos
níveisdecomplexidade,somenteparaosserviçosincluídosnoplano.Segundooautor,perto
dos anos 2010, já ficava claro que “a soma dos recursos destinados ao setor privado
complementar (substituto) e os gastos tributários destinados ao mercado dos planos
privados”jáerabemmaiordoque“osvaloresdosrecursosfederaisinicialmenteindicadose
consignadospelaConstituição(...)Istoé,grandeeconomiadegastosfederaiscomosistema
públicodesaúde,valendo-sedaprivatização”(Ibid.,p.585).
Em2013,ogovernoemitiuaMedidaProvisória619,queampliouarenúnciafiscalpara
as empresas de planos privados sobre a Cofins (Contribuição para o Financiamento da
SeguridadeSocial)eparaoPIS(ProgramadeIntegraçãoSocial).
Em2014,foiaprovadaaMedidaProvisória656,que legalizouaaberturadetodaa
estrutura assistencial privada à aquisição pelo capital estrangeiro. Medida, aliás,
inconstitucional,segundoapontamváriosautores(SANTOS,2015).Essaaberturarepresenta
um campo apetitoso ao capital, que, segundo estimativas, representa algo como 55 a 60
milhõesdeconsumidoresdeplanosprivadosdesaúdeefortementesubsidiadosporrecursos
públicos.Issopermiteaconcentraçãoaindamaiordograndecapitalnaáreadasaúde.
Em2014,tambémentrouemtramitaçãonaCâmaradosDeputadosaPEC451/2014,
que obrigou os empregadores a incluir plano privado de saúde em todos os vínculos
empregatícios dos trabalhadores urbanos e rurais, com renúncia fiscal a favor dos
empregadores,que,seaprovada,representariaumdurogolpenoSUS,poisodeixariaemuma
situaçãomarginalizada, tornando-o apenas complementar dentro de um sistema privado.
ComoVianna(1998)jáapontounosanos1990,éoprocessode“americanizaçãoperversa”.
Nãosãopoucososautores(COSTA;BAHIA;SCHEFFER,2013;BAHIA;SCHEFFER2010;
OCKÉ-REIS,2013;SANTOS,2015)quevêmapúblicoapontarqueessaestratégiaemcurso
139
reforça cada vezmais a segmentação da cobertura universal do nosso sistema de saúde.
SegundoSantos(2015),entre25e30%dapopulaçãoconsomemplanosprivadossubsidiados,
(...)compercapitamédioanual“privado”trêsaquatrovezesmaiorqueobaixíssimopercapitapúblico“SUS”paratodaapopulação.Comoesses25a30%utilizamosserviçosemateriaisdoSUSemintensidadecrescente,tantona rotina como pelas ações judiciais individuais, seu per capita público ésomadoaoseupercapita“privado”,resultandonumpercapitaquatroaseisvezesmaiordoqueodos70a75%quenãotêmcondiçõesdecomprarplanoprivado.Asegmentaçãodoacesso,qualidadeeofertaevidencia-setambémnoconjuntodosconsumidores:segmentossociaiscommensalidadeentre80e8.000reais.Exemplomarcantedessasegmentaçãoéopesocrescentedos idosos nos planos privados, compondo mais da metade dosconsumidores: apesar do maior custo assistencial, a estabilidade dosaposentadosresultaemmaioradimplênciacomoplanoprivadodesaúde(representandograndepartedosseusproventos)levandoaocrescimentodeempresaseplanosvoltadosparaosidosos.Éum“filão”demercadoatrativoparaempresas estrangeiras.Ao golpearo SUSperanteo crescimentodosidosos,arealpolíticapúblicadesaúdevem,inclusive,gerandodificuldadeeleitoralnasdisputassindicais:asimplesdefesadoSUSretraiosvotosnasurnas dos aposentados, eleitores de maior peso e sustentabilidade naentidadesindical.Essacobertura“universal”segmentada,construídaem25anos,tripudiaaEquidade,aIntegralidadeeodireitosocial:éoanti-SUS.OEstadoNacional,pelomenosnasaúde,vematuandocomograndeaparelhocriador demercado, dado que delega aomercado uma responsabilidadeconstitucionalrepublicanadoEstado.OsignificadodecadaumdessesgolpesnoSUSeseuencadeamentonos25anosdasuaexistênciaé insofismávelcomograndeindicadordapolíticapúblicaimplícita(real),comlógicavoltadaparaomercado,fragmentaçãoeiniquidade.(Ibid.,p.587).
Ficouclaro,então,queofinanciamentopúblicodasaúdetambémserelacionacom
outrossegmentosdaáreadasaúde,comoopróprioSUS,osplanosesegurosdesaúde,a
assistência a servidorespúblicos eprivados autônomos.O financiamentopúblico a alguns
dessessegmentossedádeumaformanãotãodiretaeconstituiumaquestãoimportanteda
relaçãopúblico-privadanaSaúde.(FIOCRUZetal.,2012,p173).Essasformasindiretassãoas
renúnciasfiscais,comoveremosnoitem3.2.
Vimostambémque,seconsolidarmostodasasfontesdefinanciamentodaatençãoà
saúdenoBrasil,asfontesprivadassuperarãoaspúblicas,eaparticipaçãodogastodiretodas
famílias é bastante elevada, mesmo se excluirmos as despesas com o pagamento de
mensalidadeaplanosdesaúde(DAIN,2007,p.1860).
140
Asformascomoosplanosprivadosdeassistênciaàsaúdeatuamnosistemadesaúde
comprometemsuauniversalidadee,maisdoqueisso,geramdesigualdadessociaisnoacesso
enautilizaçãodeserviçosdesaúde,poiscobremapenasumaparcelaespecíficadapopulação,
em geral demaior renda, inserida nomercado formal de trabalho nas grandes capitais e
regiõesmetropolitanase tambémnosmunicípios commaisde80milhabitantes (Ibid.,p.
1860).
ComoapontaDain(2007),
Amarca da universalização do Sistema de Saúde no Brasil é que ela nãoconfigurou uma relação de complementaridade entre o setor público e osetorprivado,havendo,aocontrário,concorrênciaentreosdoissegmentos,apesardopesodiretoeindiretodosrecursospúblicosaofinanciamentodasaúdesuplementar.(Ibid.,p.1860).
Relaçõespúblico-privadasdopontodevistamacroeconômicoesuasrelaçõescomosetor
privado:incentivosfiscais
Aduradouracriseinternacional,iniciadaem2008,temrepercutidoaqui,noBrasil,e
seusdesdobramentosinternos,juntamentecomosproblemasespecíficosdopaís,têmsido
cadavezmaisfortes.Se,noiníciodosefeitosdacrisemundialnoBrasil,apolíticaeconômica
brasileiraconseguiudiminuirseusefeitosnegativos,pormeiodeincentivosaoinvestimento,
àproduçãoeaoconsumo,comusodemúltiplossubsídios,desoneraçõesfiscaiseampliação
docrédito,comopassardosanos,osbonsresultadosforamperdendofôlegoeseesgotando,
principalmenteapartirde2012.Alémdisso,associam-seàcriseinternacionalosefeitosda
grave crise política e econômica interna brasileira, e vemos o aumento dos níveis de
desemprego,quedadarenda,precarizaçãodosdireitosedosserviçospúblicos.
Dada essa conjuntura, é difícil sustentar a manutenção desse elevado índice de
desoneraçõesesubsídios,queforamdrasticamenteampliadosnosúltimosdoisanos.Assim,
exatamente nesse momento de crise, quando a garantia de recursos públicos seria mais
essencialparacombateressecontextodedesemprego,hápressãodogastopúblicodesaúde.
E, também,houveesforçodogoverno federalpara reanimaro setorprivadopormeiode
incentivosfiscais,desde2014,semexigiracontrapartida,oquetemumefeitopreocupante
eperigososobreaseguridadesocial.
141
Asperspectivasnãosãonadaotimistas.Alémdesseefeitosobreaseguridadesocial,
háaquestãodaDesvinculaçãodasReceitasdaUnião(DRU).
ADRU,acadaano,retiradoOSSummontanteconsiderávelecrescenteemtermos
correntes.Em2010,asreceitasdesvinculadaspelaDRUforamdeR$45,8bilhõese,em2014,
foramquaseR$63,2bilhões.ADRUesvaziaofinanciamentodaseguridadesocialediminuio
superávitdaseguridade,oqueimpedeadiscussãosobreaprioridadeemsuadestinaçãoentre
asáreasqueacompõem,conformemostraatabela7.
Tabela7-ReceitadecontribuiçõessociaisselecionadaseosefeitosdadesvinculaçãopromovidospelaDRU,exercíciosselecionadosde2005,2008,2010e2012a2014[valorescorrentes,R$milhões]
Fonte:ANFIP,2015,p.137.
Essa subtração de recursos não aparece nos relatórios governamentais como uma
transferênciaderecursosdaseguridadesocialparaoorçamentofiscal;elajáaparecedireto
noorçamentofiscal,comosefossedelápordireito.
Recentemente, com o aprofundamento do ajuste fiscal, o governo enviou ao
CongressoaPEC680,de2015,quepretendeprorrogarmaisumavezaDRUpormais8anos,
até2023.Noentanto,apropostanãotratasomentedaprorrogação,mastambémpermitiria
aogovernodesvincular30%enãomaisosatuais20%dasreceitasdecontribuiçõessociais,
contribuiçõesdeintervençãonodomínioeconômico(CIDE),taxas,participaçõesnoresultado
daexploraçãoderecursoshídricoseminerais(royalties).
Seessasregrasjáestivessemválidasparaoanode2014,porexemplo,aoinvésdo
desviodeR$63,2bilhõesdoOrçamentoda SeguridadeSocial paraoOrçamento Fiscal, o
desvio seria de R$ 100 bilhões, quase duas vezesmaior. Dain (2016) lembra que, se não
137
Análise dA seguridAde sociAl em 2014
TABELA 34RECEITA DE CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS SELECIONADAS E OS EFEITOS DA
DESVINCULAÇÃO PROMOVIDOS PELA DRU, EXERCÍCIOS SELECIONADOS DE 2005, 2008, 2010 E 2012 A 2014
Valores correntes, em R$ milhões
2005 2008 2010 2012 2013 2014
Cofins 17.919 24.019 28.005 36.311 39.882 39.183
CSLL 5.246 8.500 9.151 11.463 12.509 12.639
PIS/Pasep 4.417 6.166 8.074 9.548 10.213 10.384
Outras contribuições (1) 6.246 410 630 753 811 955
RECEITAS desvinculadas pela DRU 33.829 39.095 45.860 58.075 63.415 63.161
Fonte: dados da STN. Nota: (1) Até 2007, em Outras contribuições, está incluída a receita da CPMF. Organização: ANFIP e Fundação ANFIP.
Essa subtração de recursos não aparece nos relatórios governa-mentais como uma transferência de recursos da Seguridade Social para o Orçamento Fiscal. É como se esses recursos fossem, por natureza, do Orçamento Fiscal.
Em 2015, o Congresso deverá votar pela renovação ou não dessa desvinculação. Trata-se de um importante momento para discussão das inú-meras tarefas e dos muitos desafios colocados para a Seguridade, sempre postergados pelo argumento de falta de recursos. Nada mais falso diante de dezenas de bilhões subtraídos da seguridade anualmente.
Análise Seguridade 2014.indd 137 10/07/2015 13:05:02
142
houvesseDRU,haveriaquaseumorçamentodoSUS,jáqueovalordesviado,calculadocom
basenanovaproposta,seriaquaseequivalenteaoorçamentodoSUSde2014,quefoideR$
94bilhões,conformemostraatabela8.
Tabela8-EvoluçãodasdespesasdoMScomaçõeseserviçosdesaúdepúblicaemrelaçãoadiversosindicadores,2005,2008,2010,2012a2014.
Fonte:ANFIP,2015,p.113.
Nãoérepetitivosublinharoimportantepapeldaseguridadesocialnofinanciamento
de vários programas relacionados aos direitos sociais conquistados na CF 1988, como os
programasdedistribuiçãodebenefíciosprevidenciários,assistenciais,trabalhistaseoSUS.As
fontesdefinanciamentodaseguridadesocial,comojávimos,sãoascontribuiçõessociais.Elas
tambémfinanciamimportantesprogramas,comooPROUNIeoPRONATEC.Nessesentido,a
políticaderenúnciasquefinanciarampartedosprogramaseprojetosdedesenvolvimento
realizados para conter os problemas econômicos advindos da crise mundial diminui o
financiamentodessesprogramassociais.
No caso das renúncias, desonerações tributárias e incentivos fiscais, esses
instrumentos foram usados largamente para combater a crise, principalmente a partir de
2011,comoobjetivodefinanciardiretaouindiretamenteaeconomia,emprego,exportações
einvestimentos.
ASecretariadaReceitaFederaldoBrasil(RFB)mostraqueosvaloresdessasrenúncias,
aprovadasapartirde2010,forammultiplicadosentre2011e2012,passandodeR$10bilhões
paraR$46bilhões.Essesvalores,entretanto,continuaramacrescerfortemente,chegando,
113
Análise dA seguridAde sociAl em 2014
cessário ou importante efetuar gastos acima do mínimo, essa despesa extra não impacta todos os demais exercícios seguintes. Torna-se mais razoável atender a demandas pontuais se as consequências podem ser isoladas a um determinado período.
As mudanças não alteraram as regras que definem a aplicação desses recursos: consideram-se despesas com as ações e programas de saúde públi-ca aquelas realizadas exclusivamente no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, somadas às de custeio e de pessoal ativo do Ministério.
A Tabela 23 apresenta algumas informações que permitem analisar o quantitativo de gastos de 2005 a 2014 sob alguns parâmetros.
TABELA 23
EVOLUÇÃO DAS DESPESAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE COM AÇÕES E SERVIÇOS DE SAÚDE PÚBLICA EM RELAÇÃO A DIVERSOS INDICADORES,
2005, 2008, 2010 E 2012 A 2014
2005 2008 2010 2012 2013 2014
Valores nominais (R$ bilhões) 34,52 50,27 62,33 80,09 85,43 94,24
Valores constantes (R$ bilhões, INPC de dez/2014) 57,01 72,06 80,96 92,45 93,03 97,01
Em relação ao PIB (%) 1,61 1,66 1,60 1,70 1,66 1,71
Em relação às Receitas de contribuições sociais (%) 13,92 14,01 14,12 13,96 13,47 14,17
Em relação às receitas das Contribuições sociais, exceto RGPS (%)
24,75 25,72 27,18 27,58 26,94 29,85
Gasto per capita (R$ de dez/2014, pelo INPC) 309,52 380,04 424,44 476,68 462,76 478,42
Fonte: para as despesas, Siga Brasil; para a população IBGE (população residente, estimativas enviadas ao TCU).Nota: despesas do Ministério da Saúde, desconsiderados o pagamento de inativos, de juros, encargos e amortização de dívidas e transferências de renda às famílias.Organização: ANFIP e Fundação ANFIP.
Os dados apontam para um crescimento das alocações federais em relação a itens como valores nominais e constantes (tendo como base o INPC)14. Observa-se uma tendência de crescimento dos valores per capita atualizados monetariamente. Para o total gasto, a alocação de recursos em saúde pelo governo federal cresceu 70% em valores reais nos últimos
14 A opção pelo INPC está relacionada à escolha de um indexador único para todas as despesas da Seguri-dade e o INPC é o mais apropriado, pois quase 90% das despesas são relativas a benefícios. Ressalte-se que a diferença entre a correção pelo INPC ou pelo IPCA, de janeiro de 2005 a dezembro de 2014, é pequena: 68,38% pelo INPC e 68,26%, pelo IPCA.
Análise Seguridade 2014.indd 113 10/07/2015 13:05:00
143
em2014,amaisdeR$100bilhões.Apenasasnovasrenúnciasrepresentamcercade10%da
arrecadação(ANFIP,2015,p.43).
Se considerarmos os valores totais das renúncias, incluindo as novas, segundo os
cálculosdaRFB,em2012,chegaramaR$182,4bilhões(18,4%daarrecadaçãoe4,2%doPIB)
e,em2014,o totaldas renúnciaschegouaR$253,9bilhões, correspondendoa22,1%da
arrecadaçãoea4,92%doPIB(ANFIP,2015,p.43).Éoquemostraatabela9.
Tabela9-Brasil–Valoresdasnovasrenúnciasfiscaisadotadasapartirde2010,queproduziramefeitosde2012a2014[emR$milhões]
Fonte:ANFIP,2015,p.44.
Ficaevidente,assim,aquantidadederecursosquesãodesviadosdosetorpúblicopara
o setor privado. Deve-se sublinhar que a contrapartida que seria de se esperar e exigir é
mínima, para não dizer nula. Dessamaneira, a questão da equidade fica prejudicada, e a
injustiçaprevalece.
44
Análise dA seguridAde sociAl em 2014
TABELA 3VALORES DAS NOVAS RENÚNCIAS FISCAIS ADOTADAS A PARTIR DE 2010,
QUE PRODUZIRAM EFEITOS DE 2012 A 2014R$ milhões
Desonerações 2012 2013 2014
Folha de Salários 3.703 12.284 21.568
Cide-Combustível 8.461 11.481 12.717
IPI-Total 9.673 11.822 10.796
Cesta Básica 995 6.764 9.331
Simples e MEI 5.740 6.315 7.235
IOF-Crédito PF 2.278 3.595 3.982
ICMS Base de Cálculo PIS/COFINS-Importação 0 715 3.641
Nafta e Álcool 21 1.933 3.552
Planos de Saúde 0 307 1.919
Tributação PLR 0 1.703 1.889
Entidades Beneficentes - Cebas 0 0 1.692
Vale-Cultura 0 441 1.676
INOVAR-Auto 0 1.500 1.662
Depreciação Acelerada BK 0 1.374 1.522
Transporte Coletivo 0 746 1.424
PRONON e PRONAS 0 1.223 1.349
IRPF-Transportadores 0 1.210 1.341
REPNBL-Redes 0 566 1.018
Lucro Presumido 0 0 976
Outros 15.593 14.605 14.756
Soma itens acima 46.464 78.584 104.046
Diferença ano anterior - 32.120 25.462
Total de renúncias 182.410 225.630 253.902
Fonte: RFB, Análise da Arrecadação das Receitas Federais, quadros de apresentação das diversas edições.Organização: ANFIP e Fundação ANFIP.
Pelas mais diversas razões, o financiamento do Estado sempre privile-giou a tributação indireta, ao invés de alcançar a renda e a propriedade. Isto ocorre tanto a nível federal, quanto estadual. Aliás, o ICMS, o tributo com maior arrecadação nacional, não somente é indireto, como também apresen-ta uma concentração desproporcional em serviços públicos, como energia, telefonia, água e saneamento.
Análise Seguridade 2014.indd 44 10/07/2015 13:04:56
144
Embora não caibam aqui considerações macroeconômicas mais profundas, é
interessantemencionarotextodeCarneiro(2017)queanalisaasdesoneraçõesdopontode
vistadapolíticaeconômicae industrial.Apolíticadedesoneração foiduplamentedanosa,
poisnãoresolveuaquestãoinicialaquesepropôs,dopontodevistadapolíticaeconômica,
etambémacentuouaindamaisofinanciamentopúblicosocial,inclusivedaprevidênciasocial
edasaúde.
Nessesentido,apolíticadedesoneraçõestributáriaspromovidaembenefíciodosetor
privado,sejanosentidodefomentarocrescimentoeconômico,aáreaindustrial(reduçãodo
IPIparaautomóveis,desoneraçãodafolhadepagamentosqueafetaaprevidência,redução
noimpostoderendasobreparticipaçãodelucrosedividendos),sejanosentidodecombater
a inflação (desoneração da cesta básica e redução da CIDE-combustíveis), influencia a
capacidadedogovernoemcumprir seus compromissose, também,mostraquehá/houve
espaçofiscalparaarealizaçãodetalpolítica(aindaque,nosanosde2011e2012,apolítica
dedesoneraçõestenhasidoexagerada).
Seistoéverdade,podemospensarqueogoverno,apesardainsuficiênciacrônicade
recursosque já vimospara a saúde, tinhaespaço fiscal ao longodadécadade2000para
aumentarrecursosparaasaúde.
Nessesentido,Dain(2016)apontaqueapolíticadedesoneraçãoafetaindiretamente
ogastocomASPS,poismostraaumentodoespaçofiscaldaUniãoeperdadecapacidadedo
governoemcumprirseuscompromissoscomoSUS.
Entretanto, comoveremosno item3.2,háumoutro tipodedesoneração,queéa
desoneraçãotributárianasaúde,quefavoreceosetorprivadodesaúdepormeiodarenúncia
fiscal, o que contribui para o baixo nível de gasto público em saúde e, também, para a
desigualdadederendaesocial.
145
3.2–Renúnciasfiscaiscomomecanismodetransferênciadosfundospúblicosparaosetorprivadonasaúde
HáumsignificativoestímulofiscalporpartedoEstadobrasileiroquebeneficiadireta
ouindiretamenteosegmentoprivadodeplanosesegurosdesaúdenoBrasil.Noentanto,os
estudosquemostramovolumedessegastoindiretoeseusefeitossobreosetorsaúdesão
recentes,emboraasquestõesligadasaessarelaçãopúblico-privadaapareçamnaliteratura
principalmenteapartirdaconstituiçãodoSUS.
Hámuitadificuldadeparasemedirovolumedogastoindireto,poisosdadossãode
difícilacessooumesmonãoexistem.Osestudosrecentessobreestimativasdessesgastos
têmdadonovaperspectivasobreaimportânciadessaquestão(OCKÉ-REIS,2013;DAINetal.,
2015) ao desnudarem a falta de regulação diante de um contexto de subfinanciamento
público da saúde e avanço do setor privado com concorrência ao sistemapúblico. Assim,
estudosnessaperspectivatornam-secadavezmaisrelevantesenecessários,sobretudoem
sociedadestãodesiguais,comoabrasileira,poispodemjogarluzsobreumaestratégiaque
abrigauma“escolhatrágicaesilenciosaentreosqueterãoacessoaserviçoseosqueserão
maisumavezexcluídos”(DAIN,2007,p.1861).
Naprática,éesteosignificadoquearenúnciadearrecadaçãofeitanaáreadasaúde
temquandonãoconseguimosidentificarclaramentequaissãoossetoreseaçõesbeneficiadas
poressadespesae,portanto,quaissãoasverdadeirasprioridadesdogastopúblico.
Nãohá consensonadefiniçãode renúncia de arrecadaçãoou gasto tributário, e a
análise da bibliografia internacional (DAIN et al., 2015, p. 27-32)mostra divergências nos
métodosdecálculoepráticasdequantificação.
Dentreasdiversasformasquearenúnciapodeassumir,estariam
-Isenções,ouseja,exclusõesderendadabasedeincidênciadetributos;-Deduçõesdequantias,darendabruta,antesdadefiniçãodarendaasertributada;-Deduçõesdecréditos,ouquantias,doimpostodevido;-Reduçõesdealíquotasa favordeumconjuntodecontribuintese/oudeatividades;
146
- Diferimentos tributários, ou seja, a defasagem consentida, a título deincentivo,paraoiníciodospagamentosdosimpostosdevidos.(DAINetal.,2015,p.27).
NoBrasil,asrelaçõesentreopúblicoeoprivadoquepredominamnosistemadesaúde
estãoorganizadas juridicamentedemodoa refletirdeterminadosmodelosdeorganização
doscuidadoseassistênciaàsaúde.“Asdeduçõeseisençõesfiscaiseosrepassesderecursos
públicoscontemplamincentivosàdemandaeàofertadeserviçosdesaúde(sejaaprestação
diretadeserviços,sejaaquela intermediadaporempresasdeplanosesegurosdesaúde)”
(DAINetal.,2015,p.33).
Asdeduçõeseisençõesfiscaisàdemandacontemplamosincentivosaosprestadores
deserviçoseasempresasdeplanosesegurosdesaúde.
Asprincipaisformasdeincentivoàdemandasãoasseguintes:
-adedução fiscalparapessoas jurídicasepessoas físicasdo impostode rendadosgastos com despesasmédicas e contraprestações pecuniárias de planos e segurosprivadosdesaúde;
-osrepassesderecursosorçamentáriosparaaaquisiçãodecoberturasdeplanosesegurosparaservidorespúblicos;
-ofinanciamentodeplanosprivadosdesaúdeparaservidorescivisdaUnião;e
- o financiamento de planos privados de saúde para servidores civis estaduais emunicipais.
Asprincipaisformasdeincentivoàofertasãoosseguintes:
-osincentivosaosprestadoresdeserviçosdesaúde;e
-osincentivosàsempresasdeplanosesegurosdesaúde.
Areformatributáriade1966,ocorridanoperíododitatorial,modificou,entreoutros
pontos,aestruturadoimpostoderenda.ALein.4.357,de16dejulhode1964,facultoupela
primeiravezoabatimentodedespesascom instruçãoemum limitedeaté20%da renda
bruta.
147
Noentanto,foiaLein.4.506,de30denovembrode1964,queextinguiuaincidência
de impostos cedulares sobre os rendimentos líquidos declarados pelas pessoas físicas, e
passouavigoraroimpostodevidoexclusivamentepelatabelaprogressiva.Oartigo9desse
dispositivo legal foi que regulamentou “o abatimento das despesas com hospitalização,
cuidadosmédicosedentárioscobertasporseguros(§3o)epreservouasdeduçõesparaas
despesaspagasdiretamenteaosprestadoresdeserviços(§4o)”(DAINetal.,2015,p.49).
Várias foram as modificações realizadas na legislação que não cabem aqui
detalhamento41.Oimportante,contudo,éque,atualmente,asdespesasmédicaspodemser
deduzidasintegralmentedabasedecálculodoImpostodeRendadaPessoaFísicae,dessa
maneira,ocontribuintepodeincluirtodososgastoscomsaúdeprevistosna legislaçãoem
vigorsemlimitesenãocomonocasodaeducação,porexemplo,queélimitada.
Os itenspermitidospelaReceitaFederal incluemtodosospagamentosefetuadosa
médicosdequalquerespecialidade,dentistas,psicólogos,fisioterapeutas,fonoaudiólogose
terapeutasocupacionais,hospitais,despesascomexameslaboratoriais,transfusãodesangue,
serviçosradiológicos,aparelhosortopédicoseprótesesortopédicasedentárias.Asdespesas
dedutíveis incluem até cirurgia plástica, mesmo com finalidade puramente estética, e
despesas relacionadas ao tratamento físico ou mental do próprio contribuinte e de seus
dependentes.
Dessemodo,arenúnciafiscalbeneficiaindiretamenteosserviçosprivadosdesaúde
em geral e as operadoras de planos e seguros de saúde em particular ao incentivar seu
consumo.
Há, ainda, outromodopelo qual a saúde suplementar se beneficia: quandoo SUS
atende pacientes que são usuários de planos e seguros de saúde. Isso acontece de duas
maneiras.Primeiro,quandoosplanosesegurosdesaúdenãoressarcem42oSUS;segundo,
41Paramaioresdetalhes,consultaranáliseminuciosafeitaporDainetal.(2015,p.47-59).42“OressarcimentofoiinstituídopelaLei9.656,de3dejunhode1998,massuaimplementaçãoencontraresistênciaporpartedasoperadoras.UmadasalegaçõesquetêmsidoutilizadasparanãoressarciroSUSéagarantiaconstitucionaldeacessoaosserviçospúblicosdesaúdeportodososbrasileiros.Oressarcimentotambémenfrentaaresistênciadealgunscríticosqueconsideramqueosvaloresenvolvidoseasdificuldadesparaoressarcimentoefetivonãosuperamoscustosdaestruturanecessáriaparasuacobrança.Quantoaosvaloresenvolvidos,valelembrarquedificuldadesadministrativas,assimcomoafaltadeidentificaçãodousuárionamaioriadosprocedimentosrealizadospeloSUS,impedemaAgênciaNacionaldeSaúdeSuplementar(ANS)deincluirnoressarcimentoosdemaistiposdeatendimento.”(FIOCRUZet.al.,2012,p.175).
148
quando há ressarcimento baseado na Tabela Única Nacional de Equivalência de
Procedimentos (Tunep).SegundoorelatóriodoProjetoSaúdeBrasil2030 (FIOCRUZetal.,
2012),
De acordo com o último Caderno de Informação de Ressarcimento eIntegraçãocomoSUS(ANS,2009),entresetembrode1999ejunhode2006,foram identificados 992.110 atendimentos hospitalares do SUS prestadosaosbeneficiáriosdeplanosesegurosdesaúde.OvalordessesatendimentossuperouR$1,4bilhão.Contudo,quase73%dosatendimentosidentificadostiveramseupedidoderessarcimentoimpugnadopelasoperadoras.Assim,quandodaelaboraçãodoCaderno,apenas473.540atendimentos,novalorde aproximadamente R$ 652milhões, eram passíveis de ressarcimento eapenas 76.675, no valor de R$ 97,3 milhões, haviam sido efetivamenteressarcidos. Os demais valores estavam pendentes de decisõesadministrativasoujudiciais.(Ibid.,p.175).
Renúnciafiscalnasaúde:análisedosdados
EmestudoinéditopublicadopelaANS,Dainetal.(2015)mostramarelaçãoentreos
planosdesaúdeeosbenefíciostributáriosfederais,noâmbitodasrelaçõespúblico-privada.
Pararelembrar,osistemadesaúdebrasileirofuncionapormeiodedoissubsistemas
principais,quetêm,contudo,lógicasdistintas,conformandoumsistemadual.Deumlado,o
SUS,subsistemapúblico,deacessouniversal,queintegraumconjuntodeaçõeseserviçosde
saúdeorganizadospormeiodeumarede regionalizadaehierarquizada,comdiretrizesde
descentralizaçãoadministrativa,atendimentointegraleparticipaçãosocial,comogarantea
ConstituiçãoFederalde1988.Dooutrolado,estáosubsistemaprivado,queoperasegundoa
lógicacapitalistaecujoacessoé feitopelacompradiretadeserviçosoupordeplanosde
saúdeprivados.Arededeestabelecimentosprivadosmantémrelaçõesdecompraevenda
comossubsistemaspúblicoeprivado.Enquantoisso,osubsistemapúblicotambémpresta
atendimentoaseguradosdosubsistemaprivado,comoserviçosdealtacomplexidade,que
sãomaiscaros(SILVA,2007).
Essesubsistemaprivadotambéméchamadodesaúdesuplementar,éformadopor
empresas operadoras de planos de saúde privados com diferentes formatos jurídico-
institucional,quesãoclassificadospelaliteraturapelaformacomosecolocamnomercado,
conformedefiniçãomostradanoquadro2.
149
Quadro2-Modalidadesdeclassificaçãodasempresasoperadorasdeserviçosdeatençãoàsaúde
Modalidades DefiniçãoANSAutogestão “Entidadequeoperaserviçosdeassistênciaàsaúdeou
empresa que se responsabiliza pelo plano privado deassistência à saúde, destinado, exclusivamente, aoferecer cobertura aos empregados ativos de uma oumaisempresas,associadosintegrantesdedeterminadacategoriaprofissional,aposentados,pensionistasouex-empregados, bem como a seus respectivos gruposfamiliaresdefinidos.”
Cooperativasmédicas “OperadoraqueseconstituinaformadeassociaçãodepessoassemfinslucrativosnostermosdaLein.5.764,de16dedezembrode1971,formadapormédicos,equecomercializaouoperaplanosdeassistênciaàsaúde.”
Filantropia “Operadora que se constitui em entidade sem finslucrativosqueoperaplanosdesaúdeequetenhaobtidocertificado de entidade filantrópica junto ao ConselhoNacionaldeAssistênciaSocial(CNAS).”
Medicinadegrupo “Operadora que se constitui em sociedade quecomercializaouoperaplanosdesaúde,excetuando-seas classificadas nas modalidades: administradora,cooperativa médica, autogestão, filantropia eseguradoraespecializadaemsaúde.”
Seguradoraespecializadaemsaúde “Empresaconstituídaemsociedadeseguradoracomfinslucrativosquecomercializasegurosdesaúdeeoferece,obrigatoriamente, reembolso das despesas médico-hospitalares ouodontológicas, ouque comercializa ouopera seguro que preveja a garantia de assistência àsaúde,estandosujeitaaodispostonaLein.10.185,de12defevereirode2001,sendovedadaaoperaçãoemoutrosramosdeseguro.”
Cooperativaodontológica “OperadoraqueseconstituiemassociaçãodepessoassemfinslucrativosnostermosdaLein.5.764,de16dedezembro de 1971, formada por odontólogos, e quecomercializa ou opera planos de assistência à saúdeexclusivamenteodontológicos.”
Odontologiadegrupo “Operadora que se constitui em sociedade quecomercializa ou opera exclusivamente planosodontológicos.”
Administradoradeplanodesaúde “Empresaqueadministraplanosdesaúde,semassumiroriscodecorrentedaoperaçãodessesplanos,equeseprivaderedeprestadoradeserviçodesaúde.”
Fonte:elaboraçãoprópria,apartirdeBRASIL,2009.
150
Osetordesaúdesuplementarestáinseridonosetordeseguros,doqualfazemparte,
também,ossegurospessoais,capitalizaçãoeprevidência,alémdasaúdesuplementar.
O setor de seguros teveum faturamento, no anode 2014, deR$ 326bilhões, um
crescimentode4,82%emrelaçãoa2013eumcrescimentoacumulado,entre2009e2014,
de39%,segundodadosdeDainetal.(2015).
O faturamentodosetordesaúdesuplementar representa,sozinho,39%dareceita
comsegurosnoBrasil,sendoomaisimportanteemtermosdereceita.Em2014,teveuma
receitadeR$127bilhões,eocrescimentodosetordesaúdesuplementarsuperouamédia
dosetorcomoumtodo:cresceu7,83%emrelaçãoa2013,comopodemosvernatabela10e
nográfico8.
Tabela10-ReceitadoSetordeSegurosporSegmento,Brasil,2009–2014[R$bilhõesde2014(IPCA)]
Fonte:Dainetal.,2015,p.69.
69
Renúncia de Arrecadação e Demais Despesas Tributárias no Campo da Saúde Suplementar
69
foi de 7,7%, superando apenas o crescimento dos seguros tradicionais, que cresceram 6,7% em média.
Apesar do crescimento abaixo da média dos seguros, o setor de Saúde Suplementar se destaca pela forte participação na receita desta atividade. Aproximadamente 39% da receita com seguros no país são decorrentes do faturamento dos planos de saúde, como pode ser visto no Gráfi co 14.
Duas modalidades de planos de saúde têm se destacado nos últimos anos em termos de aumento de receita: as seguradoras especializadas em saúde e a odontologia de grupo. Ambas as modalidades cresceram acima de 10% ao ano, em média, de 2009 a 2014, fi cando bem acima da média do grupo (Tabela 3).
Tabela 2 – Receita do Setor de Seguros por Segmento, Brasil, 2009 - 2014 [R$ Bilhões de 2014 (IPCA)]
Segmento 2009 2010 2011 2012 2013 2014Crescimento Acumulado
(%)
Crescimento Médio Anual
(%)
Capitalização 13,60 14,98 16,78 18,75 22,33 21,90 61,1% 10,0%
Saúde Suplementar 87,73 94,68 100,76 107,77 118,09 127,33 45,1% 7,7%
Pessoas – Planos de Risco 20,66 22,34 25,35 27,44 30,41 30,70 48,6% 8,2%
Pessoas – Planos de Acumulação 48,93 55,85 61,18 76,90 75,60 80,60 64,7% 10,5%
Segmentos Tradicionais 47,33 51,28 54,28 57,93 64,43 65,30 38,0% 6,7%
Total 218,24 239,12 258,35 288,79 310,86 325,83 49,3% 8,3%
Var. % – Total – 9,57% 8,04% 11,78% 7,64% 4,82% – –
Var. % – Saúde Suplementar – 7,92% 6,42% 6,96% 9,57% 7,83% – –
Elaboração própria. Fonte primária: Diops/ANS, SES/Susep e IBGE
Gráfi co 1 – Participação dos Segmentos na Receita do Setor de Seguros, Brasil, 2009 - 20014
22%
22%
9%
40%
6%
21%
23%
9%
40%
6%
21%
24%
10%
39%
6%
20%
27%
10%
37%
6%
21%
24%
10%
38%
7%
20%
25%
9%
39%
7%2009 2010 2011 2012 2013 2014
CapitalizaçãoPessoas – Planos de RiscoSegmentos Tradicionais
Saúde SuplementarPessoas – Planos de Acumulação
Elaboração própria. Fonte primária: Diops/ANS, SES/Susep e IBGE
4 O percentual de 39%, apresentado acima, foi obtido a partir de informações extraídas de dois relatórios da CNseg e de dados da ANS (Dados Financeiros – Tabnet). Uma vez que a diferença entre as duas fontes não tem signifi cado estatístico, foram utilizados os dados da ANS (para Saúde Suplementar) combinados com os dados do CNseg (para o demais setores de seguros). Os dados apresentados referem-se exclusivamente à arrecadação.
151
Gráfico8-ParticipaçãodossegmentosnaReceitadoSetordeSeguros,Brasil,2009-2014
Fonte:Dainetal.,2015,p.69.
Dentre as modalidades da saúde suplementar, destacam-se, em termos de
participação na receita do setor como um todo, aMedicina de Grupo e as Cooperativas
Médicas.Em2014,areceitadaMedicinadeGrupofoideR$44bilhões,eadasCooperativas
Médicas, de R$ 35,7 bilhões. Essas duas principais modalidades também apresentaram
crescimentomédioanualde,respectivamente,6,5%e7,2%.
OestudodeDainetal.(2015)mostroutambémqueasduasmodalidadescommaior
crescimentoemtermosdeaumentodereceitaforamasseguradorasespecializadasemsaúde
eaodontologiadegrupo.Ambascrescerammaisque10%aoano,emmédia,entre2009a
2014. A odontologia de grupo, em que pese seu considerável crescimento, tem uma
participaçãode2%nosetor,mesmataxadafilantropia.Entretanto,essamodalidadeteveum
crescimentomuitopequeno (0,8%)emcomparaçãoàmédia geral, comopodemos verna
tabela11.
69
Renúncia de Arrecadação e Demais Despesas Tributárias no Campo da Saúde Suplementar
69
foi de 7,7%, superando apenas o crescimento dos seguros tradicionais, que cresceram 6,7% em média.
Apesar do crescimento abaixo da média dos seguros, o setor de Saúde Suplementar se destaca pela forte participação na receita desta atividade. Aproximadamente 39% da receita com seguros no país são decorrentes do faturamento dos planos de saúde, como pode ser visto no Gráfi co 14.
Duas modalidades de planos de saúde têm se destacado nos últimos anos em termos de aumento de receita: as seguradoras especializadas em saúde e a odontologia de grupo. Ambas as modalidades cresceram acima de 10% ao ano, em média, de 2009 a 2014, fi cando bem acima da média do grupo (Tabela 3).
Tabela 2 – Receita do Setor de Seguros por Segmento, Brasil, 2009 - 2014 [R$ Bilhões de 2014 (IPCA)]
Segmento 2009 2010 2011 2012 2013 2014Crescimento Acumulado
(%)
Crescimento Médio Anual
(%)
Capitalização 13,60 14,98 16,78 18,75 22,33 21,90 61,1% 10,0%
Saúde Suplementar 87,73 94,68 100,76 107,77 118,09 127,33 45,1% 7,7%
Pessoas – Planos de Risco 20,66 22,34 25,35 27,44 30,41 30,70 48,6% 8,2%
Pessoas – Planos de Acumulação 48,93 55,85 61,18 76,90 75,60 80,60 64,7% 10,5%
Segmentos Tradicionais 47,33 51,28 54,28 57,93 64,43 65,30 38,0% 6,7%
Total 218,24 239,12 258,35 288,79 310,86 325,83 49,3% 8,3%
Var. % – Total – 9,57% 8,04% 11,78% 7,64% 4,82% – –
Var. % – Saúde Suplementar – 7,92% 6,42% 6,96% 9,57% 7,83% – –
Elaboração própria. Fonte primária: Diops/ANS, SES/Susep e IBGE
Gráfi co 1 – Participação dos Segmentos na Receita do Setor de Seguros, Brasil, 2009 - 20014
22%
22%
9%
40%
6%
21%
23%
9%
40%
6%
21%
24%
10%
39%
6%
20%
27%
10%
37%
6%
21%
24%
10%
38%
7%
20%
25%
9%
39%
7%2009 2010 2011 2012 2013 2014
CapitalizaçãoPessoas – Planos de RiscoSegmentos Tradicionais
Saúde SuplementarPessoas – Planos de Acumulação
Elaboração própria. Fonte primária: Diops/ANS, SES/Susep e IBGE
4 O percentual de 39%, apresentado acima, foi obtido a partir de informações extraídas de dois relatórios da CNseg e de dados da ANS (Dados Financeiros – Tabnet). Uma vez que a diferença entre as duas fontes não tem signifi cado estatístico, foram utilizados os dados da ANS (para Saúde Suplementar) combinados com os dados do CNseg (para o demais setores de seguros). Os dados apresentados referem-se exclusivamente à arrecadação.
152
Tabela11-Receitadecontraprestaçãonosetordesaúdesuplementarpormodalidade,Brasil,2009–2014R$bilhõesde2014(IPCA)]
Fonte:Dainetal.,2015,p.70.
Seanalisarmosaevoluçãodasmodalidadespelonúmerodebeneficiários,conforme
mostra o gráfico 9, poderemos perceber quehouveum crescimento considerável: se, em
marçode2009,tínhamos52,8milhõesdebeneficiários,emmarçode2015,eram72,2bilhões,
aproximadamente35%dapopulaçãobrasileira.Houvecrescimentodebeneficiáriosemtodas
asmodalidades,comexceçãodafilantropia,queperdeubeneficiáriosnoperíodo.
70
Regime Fiscal dos Estabelecimentos e Empresas de Planos e Seguros Privados de Saúde – Relatório Final
70
Tabela 3 – Receita de Contraprestação no Setor de Saúde Suplementar por Modalidade, Brasil, 2009 - 2014 [R$ Bilhões de 2014 (IPCA)]
Modalidade 2009 2010 2011 2012 2013 2014Crescimento Acumulado
(%)
Crescimento Médio Anual
(%)
Autogestão 10,29 10,88 11,27 12,05 13,18 14,39 39,9% 6,9%
Cooperativa Médica 30,98 33,56 35,78 38,36 40,40 43,93 41,8% 7,2%
Filantropia 2,08 2,28 2,34 2,42 2,44 2,16 3,9% 0,8%
Medicina de Grupo 26,05 27,94 29,06 31,26 33,54 35,67 36,9% 6,5%
Seguradora Especializada em Saúde 16,54 17,89 19,88 21,09 25,86 28,47 72,1% 11,5%
Cooperativa Odontológica 0,54 0,56 0,58 0,61 0,60 0,62 14,8% 2,8%
Odontologia de Grupo 1,25 1,57 1,86 2,00 2,07 2,09 67,4% 10,8%
Total 87,73 94,68 100,76 107,77 118,09 127,33 45,1% 7,7%
Elaboração própria. Fonte primária: Diops/AN S e IBGE.
Apesar da signifi cativa evolução destas modalidades, as cooperativas mé-dicas e as medicinas de grupo ainda são líderes de mercado em volume de receita. Em 2014 elas obtiveram uma receita de, respectivamente, R$ 44 bilhões e R$ 35,7 bilhões. A única modalidade que aparenta ter problemas e se encontra praticamente estável no período em análise é a fi lantropia.
Atualmente, apenas três modalidades respondem por 85% do mercado: cooperativa médica, medicina de grupo e seguradoras especializadas em saúde. Esta última modalidade teve um aumento de participação da ordem de três pontos percentuais entre 2009 e 2014, passando de 19% para 22%. O gráfi co a seguir apresenta a evolução da participação das modalidades dentro dos planos de saúde (Gráfi co 2).
Gráfi co 2 – Participação da Modalidade na Receita do setor de Saúde Suplementar, 2009 - 2014
2%19%
2%19%
2%20%
2%20%
2%22%
2%22%
30% 30% 29% 29% 28% 28%2% 2% 2% 2% 2% 2%
35% 35% 36% 36% 34% 35%
12% 11% 11% 11% 11% 11%2009 2010 2011 2012 2013 2014
AutogestãoFilantropiaSeguradora Especializada em Saúde
Cooperativa MédicaMedicina de GrupoOdontologia
Elaboração própria. Fonte primária: Diops/ANS e IBGE.
153
Gráfico9-Númerodebeneficiáriosnosetordesaúdesuplementarpormodalidade,Brasil,2009-2015
Fonte:Dainetal.,2015,p.71.
Outraanáliseinteressantemostraarelaçãoentreadiferençanaqualidadedeserviço
enacapacidadefinanceiradoindivíduo.Dainetal.(2015)analisaramasreceitaseonúmero
debeneficiáriosdasdezmaioresoperadorasdeplanosdesaúdedoBrasil43.
Em relação à participação na receita total do setor, as dezmaiores operadoras de
planosdesaúdetêm42,3%departicipaçãonareceitatotaldosetor(R$53,86bilhões),sendo
aBradescoSaúdeamaioroperadora,com11%dareceitatotal(R$13,6bilhões).
Emrelaçãoaonúmerodebeneficiários,asdezmaioresoperadorascontamcom39,3%
domercado,númeroinferior,secomparadocomareceita.Nesseranking,aBradescoSaúde
estáemterceirolugarenãoemprimeiro,comonocasodareceita.AempresaOdontoprevé
alíderdorankingemnúmerodebeneficiários,com6,47milhõesdeusuários.
OestudodeDainetal. (2015)mostra tambémaarrecadação tributária federalno
setordesaúdesuplementar44,comomostraatabela12.
43 De acordo com a ANS, o número de operadoras com beneficiários ativos em dezembro de 2014 era de 1.217 (875operadoras médico-hospitalares e 342 operadoras exclusivamente odontológicas). Em junho de 2016, o número deoperadorascombeneficiárioserade1.112(800médico-hospitalarese312exclusivamenteodontológicas).44Oestudousouumaestimativaparaconseguiratingiradesagregaçãonecessáriadosdados,jáqueháfaltadedadospúblicosde arrecadação tributária desagregada por setor. O nível de desagregação setorial fornecido pela Receita Federal é aClassificaçãoNacionaldeAtividadesEconômicas(CNAE),2.2Subclasses,queéosetordeseguroscomoumtodo.Parachegar
71
Renúncia de Arrecadação e Demais Despesas Tributárias no Campo da Saúde Suplementar
71
Outra forma de observar a evolu ção das modalidades dos planos de saúde é através do número de benefi ciários. A tendência de crescimento deste indi-cador é clara: entre março de 2009 e março de 2015 o total de benefi ciários dos planos de saúde passou de 52,8 milhões para 72,2 milhões (aproxima-damente 35% da população brasileira), o que representa um crescimento acumulado de quase 37% e um crescimento médio anual de 5,4%. Com ex-ceção das modalidades de autogestão e de fi lantropia, houve razoável cres-cimento do número de benefi ciários nas demais modalidades (Gráfi co 3).
Gráfi co 3 – Número de Benefi ciários no Setor de Saúde Suplementar por Modalidade, Brasil, 2009 - 2015
mar
-09
ago-
09jan
-10
jun-
10no
v-10
abr-1
1se
t-11
fev-
12ju
l-12
dez-
12m
ai-13
out-1
3m
ar-1
4ag
o-14
jan-1
5
Milh
ões
25
20
15
10
5
0
Autogestão
Cooperativa Médica
Filantropia
Medicina de Grupo
Seguradora Especializada em Saúde
Cooperativa Odontológica
Odontologia de Grupo
Fonte: Diops/ANS.
A odontologia de grupo foi a modalidade de plano que mais cresceu neste quesito, quase dobrando o número de segurados entre 2009 e 2015. Já a modalidade “fi lantropia” perdeu benefi ciários no período em análise, o que se refl etiu no fraco desempenho de receitas mostrado anteriormente.
As dez maiores operadoras de planos de saúde em volume de receita repre-sentaram aproximadamente 42,3% de toda a receita do setor em 2014 (R$ 127,33 bilhões). A maior operadora sob esta ótica é a Bradesco Saúde, que obteve uma receita de R$ 13,66 bilhões. O gráfi co 4 apresenta a participação das empresas no volume de receita.
A mesma comparação pode ser feita pela ótica do número de benefi ciários. Neste caso, as dez primeiras operadoras do ranking, detiveram, em 2014, 39,3% do mercado – resultado inferior ao da receita. Nesta análise, a líder do ranking de receitas passou ao terceiro lugar. A empresa Odontoprev aparece como a operadora com maior número de benefi ciários neste caso, com 6,47 milhões de usuários. O gráfi co 5 apresenta a participação das operadoras no número de segurados.
A relação entre as duas análises – receita e benefi ciários –revela uma razoá-vel distorção entre os líderes de mercado e as demais operadoras. Consi-derando apenas as oito operadoras que fi guram entre as dez melhores nas duas óticas de análise (Bradesco Saúde, Amil, Sul América Saúde, Unimed
154
Tabela12-ArrecadaçãoTributáriaFederalnoSetordeSaúdeSuplementar,Brasil,2008-2014
Fonte:Dainetal.,2015,p.7345.
Osetordesaúdesuplementartemumaparticipaçãobastanterelevantenosetorde
segurosemgeraleéresponsável,sozinho,por40%.Aestimativafeitapeloestudofoiade
queasaúdesuplementararrecadouaoscofresfederais,em2014,cercadeR$10,4bilhõesde
reaisemimpostosecontribuições.
Ocrescimentodaarrecadaçãoentre2008e2014foide48,3%,umcrescimentomédio
anualde6,8%,abaixo,portanto,docrescimentomédioanualdareceitaque,comovimos,foi
de7,7%.Háumaforteoscilaçãonavariaçãodaarrecadaçãodeumanoparaooutro.Nosanos
de2010,2011e2013,areceitadaUniãocresceucomosetor;contudo,nosanosde2009e
2012,essecrescimentofoinegativo.Enquantoisso,ocomportamentodareceitanãofoiassim
volátil.
Oestudomostra, também,queháuma tendênciaclaradeexpansãoda tributação
sobre a média das atividades econômicas, e isso não é verificado no caso da saúde
suplementar,quepareceestagnada(DAINetal.,2015,p.74).Segundoapontamosautores,
esseresultadoéumindíciodeque“aatividadedeplanosdesaúdepodeestararrecadando
aosetordesaúdesuplementar,oestudoobteveaparticipaçãodareceitageradapelosserviçosdeatividadesuplementarefezumaproxyparaestimativadaarrecadação tributária, “aplicando-seaparticipaçãoda saúdesuplementarno totaldareceitadosetoranualmentesobreaarrecadaçãodadivisão65daCNAE”(DAINetal.,2015,p.73).45AparticipaçãodaSaúdeSuplementarnosetordesegurosde2008foiestimada.
73
Renúncia de Arrecadação e Demais Despesas Tributárias no Campo da Saúde Suplementar
73
3.2. Arrecadação tributária federal no setor de Saúde Suplementar
Devido à falta de dados públicos de arrecadação tributária do governo federal com abertura setorial detalhada, foi necessário fazer algumas hi-póteses para se chegar a uma estimativa de recolhimento de impostos do setor de Saúde Suplementar. O nível de desagregação setorial forneci-do pela RFB é a Cnae (Classifi cação Nacional de Atividades Econômicas) 2.2 Subclasses. Neste nível de desagregação, o setor de Saúde Suplemen-tar está compreendido na divisão 65 – “Seguros, Resseguros, Previdência Complementar e Planos de Saúde”. Ou seja, trata-se do setor de seguros como um todo.
A partir da análise inicial do referido setor, foi possível obter a participação da atividade de Saúde Suplementar dentro do setor de seguros no que diz respeito à receita gerada por estes serviços. Este indicador serviu de proxy para estimativa da arrecadação tributária apresentada nesta seção. Em ou-tras palavras, aplicou-se a participação da Saúde Suplementar no total da receita do setor anualmente sobre a arrecadação da divisão 65 da Cnae. A tabela 4 resume os dados.
Tabela 4 – Arrecadação Tributária Federal no Setor de Saúde Suplementar, Brasil, 2008 - 2014
Indicador 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Participação da Saúde Suplementar no Setor de Seguros (% do Total) 40,07% 40,20% 39,60% 39,00% 37,32% 37,99% 39,08%
Arrecadação Estimada – Saúde Suplementar (R$ Bilhões) 5,02 5,20 6,10 7,31 7,63 9,02 10,41
Arrecadação Estimada – Saúde Suplementar (R$ Bilhões de 2014/IPCA) 7,02 6,93 7,74 8,70 8,61 9,59 10,41
Taxa de Crescimento da Arrecadação (%) – -1,33% 11,75% 12,38% -0,97% 11,35% 8,56%
Participação na Arrecadação do Setor de Serviços (% do Total) 1,77% 1,69% 1,63% 1,65% 1,58% 1,67% 1,80%
Participação na Arrecadação de Todos os Setores (% do Total) 1,09% 1,11% 1,07% 1,11% 1,10% 1,10% 1,22%
Elaboração própria. Fonte primária Diops/ANS, SES/Susep, RFB e IBGE.Nota: A participação da Saúde Suplementar no setor de seguros de 2008 foi estimada.
Em 2014, estima-se que a setor de Saúde Suplementar tenha recolhido aproximadamente R$ 10,4 bilhões aos cofres federais em impostos e contri-buições. Entre 2008 e 2014 esta arrecadação cresceu 48,3%, o que representa um crescimento médio anual de 6,8% - resultado um pouco abaixo do cres-cimento médio anual da receita do setor entre 2009 e 2014, que foi de 7,7%. Chama a atenção também a forte oscilação na variação de arrecadação de um ano para outro: enquanto em 2010, 2011 e 2013 a receita da União com o setor cresceu, em termos reais, acima de 10%, nos anos de 2009 e 2012 esse crescimento foi negativo. Tal volatilidade não é corroborada pelo compor-tamento da receita, que teve uma variação muito mais suave e linear.
155
relativamentemenos,vis-à-visamédiadosdemaissetoresdaeconomia”(Ibid.,p.75).Ou,de
outro modo, “a arrecadação pode estar relativamente menor, devido a um aumento da
renúnciafiscalnosetordesaúdesuplementar”(DAINetal.,2015,p.75).
Defato,apesquisaestimaocustoderenúnciafiscalcomosplanosdesaúde,pormeio
daidentificaçãodosgastostributáriosfederaiscomsaúde.
Éimportanteressaltarqueogastotributárioearenúnciafiscaltêmumaimportância
grandenoorçamentopúblicoedevemserentendidoscomogastosefetivos,eseuefeitonas
contaspúblicaséexatamenteigualaodeumadespesadireta.
O gasto tributário é relacionado a algum estímulo que o governo deseja dar a
determinado grupo de agentes econômicos, normalmente grupos que têm poder de
influênciasobreasdecisõesdegoverno.
A pesquisa deDain et al. (2015)mostrou que quasemetade da renúncia fiscal do
governofederaldiretamenterelacionadacomsaúdeéoriundadasdeduçõespordespesas
médicasnoImpostodeRendaPessoaFísica,queétipicamentemaioremfamíliascommaior
poderaquisitivo.
(...)tomandoporbaseaDIRPF2014(ano-calendário2013),60%dovolumede dedução por despesa média foram realizados por indivíduos querecebiammais de dez saláriosmínimos. Porém, esse grupo de indivíduosrepresentouapenas21,7%dosdeclarantesdaqueleano.(Ibid.,p.75).
Em 2014, o governo federal “gastou”, pormeio do gasto tributário, R$ 22 bilhões
apenas com saúde, o que corresponderia a 24%amais de recursosparaoorçamentoda
saúde,casoessesrecursosfossemdirecionadosparaosgastoscomAçõeseServiçosPúblicos
deSaúde(ASPS)em2014.
Atabela13mostraaevoluçãodosgastostributáriosfederaiscomsaúdede2006a
2014. Épossívelobservarqueasdespesasmédicasdo IRPF sãoamaior rubricadentreas
modalidadesderenúncia,representando46,8%dototaldegastostributáriosemsaúde.As
despesasmédicasdo IRPF tambémapresentaramamaior taxadecrescimentoacumulado
entre2006e2014,maisde200%(crescimentoanualmédiode15,1%).
156
Soma-seaissoqueasegundamodalidadequemaiscresceufoiadasdespesascom
assistênciamédica, odontológica e farmacêutica fornecida aos funcionários das empresas
(queentramnacategoriadoImpostodeRendaPessoaJurídica),comumcrescimentomédio
de6,3%aoano.Estas,aliás,representaram19%dototaldosgastostributáriosemsaúde,em
2014.
Valedizerque,de2006para2014,houveumaalteraçãodeposiçãodos itensque
compõemogastotributárioemsaúde.Em2006,osmedicamentoseramosquemaispesavam
nacomposiçãodogastotributárioemsaúde(36,41%),seguidodasdespesasmédicasdoIRPF
(23,58%)edaassistênciamédica,odontológicaefarmacêuticaaempregados(IRPJ)(18,25%).
Foiapartirde2007queopesodasdespesasmédicasdoIRPFaumentousubstancialmentee
passou a ser o mais representativo dentre os outros gastos. Contudo, desde 2006, os
medicamentosforamperdendogradualmentepesonogastotributárioemsaúdetotal,eas
despesascomassistênciamédica,odontológicaefarmacêuticaaosempregadosdoIRPJforam
crescendo,atéinverterem-se,em2013.
157
Tabela13-Gastostributáriosemsaúdepormodalidadedogasto,Brasil,2006–2014[R$milhõesde2014(IPCA)]
Fonte:Dainetal.,2015,p.76.
76
Regime Fiscal dos Estabelecimentos e Empresas de Planos e Seguros Privados de Saúde – Relatório Final
76
Tabe
la 5
– G
asto
s Trib
utár
ios e
m S
aúde
por
Mod
alid
ade d
o G
asto
, Bra
sil, 2
006
- 201
4 [R
$ M
ilhõe
s de 2
014
(IPCA
)]
Funç
ãoM
odali
dade
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
Cres
cimen
to
Acum
ulad
o (%
)
Cres
cimen
to
Méd
io A
nual
(%)
Saúd
e
Des
pesa
s Méd
icas d
o IR
PF3.4
04,39
9.614
,8210
.518,0
99.0
57,49
8.647
,409.1
84,22
9.887
,3110
.120,0
710
.469,7
020
7,5%
15,1%
Ass
ist. M
édica
, Odo
nt. e
Far
m. a
Em
preg
ados
– IR
PJ2.6
35,63
3.105
,933.0
50,50
3.035
,253.3
71,75
3.495
,933.7
77,29
4.304
,104.3
08,74
63,5%
6,3%
Prod
utos
Quí
mico
s e
Farm
acêu
ticos
805,2
41.1
21,25
1.101
,351.0
43,31
977,1
381
0,48
765,1
989
8,55
508,7
8-3
6,8%
-5,6%
Entid
ades
Sem
Fin
s Luc
rativ
os –
A
ssist
ência
Soc
ial2.3
32,47
2.155
,972.4
65,93
2.467
,792.6
76,67
2.687
,803.0
43,19
3.212
,443.2
15,90
37,9%
4,1%
Pron
on –
Pro
gram
a N
acio
nal d
e Ap
oio
à At
ençã
o O
ncol
ógica
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
3,87
72,27
72,59
Pron
as/P
CD –
Pro
gram
a N
acio
nal
de A
poio
à A
tenç
ão d
a Sa
úde
da
Pess
oa co
m0,0
00,0
00,0
00,0
00,0
00,0
02,8
010
,7910
,89-
-
Água
min
eral
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
0,00
14,80
61,53
64,10
--
Med
icam
ento
s5.2
56,97
3.128
,483.2
22,10
3.563
,513.6
09,48
3.446
,483.9
64,01
3.713
,763.7
17,77
-29,3
%-4
,2%
Tota
l14
.434,6
919
.126,4
520
.357,9
619
.167,3
519
.282,4
419
.624,9
121
.458,4
722
.393,5
122
.368,4
755
,0%5,6
%
Elab
oraç
ão p
rópr
ia. F
onte
prim
ária
: RFB
(201
1), R
FB (2
012)
, RFB
(201
3), R
FB(2
014)
, RFB
(201
5) e
IBG
E.
158
Ográfico10 ilustraoquantoo governo federal gasta (oudeixadearrecadar) com
isençõestributáriasnosetorsaúdeeoquantogastacomasASPS.Podemosterumaideiado
quantoogastoefetivofederalcomasASPSpoderiasercomplementadocasonãohouvesse
essevolumedegastostributários.Obviamente,éumaanáliseempotencial,poisnadagarante
que,sehouverumadiminuiçãodessasisençõesfiscais,elasseriam,defato,direcionadaspara
asASPS.Aliás,sepensarmosnodesviodosrecursosdascontribuiçõessociaisquedeveriam
comporoOrçamentodaSeguridadeSocial,essaconjecturasequerdeveserlevantadapelos
atuaispolicymakersdaáreaeconômicadogovernofederal.Muitopelocontrário.
Gráfico10-GastotributárioemSaúdeversusGastoscomASPS,Brasil,2008–2014
Fonte:Dainetal.,2015,p.77.
77
Renúncia de Arrecadação e Demais Despesas Tributárias no Campo da Saúde Suplementar
77
farmacêutica fornecida aos funcionários das empresas. Esta rubrica cresceu, em média, 6,3% ao ano e representa aproximadamente 19% do total dos gastos tributários em saúde.
Quando se compara o total “gasto” pelo governo federal com isenções tri-butárias no setor de saúde com as despesas em saúde pública (ASPS) efeti-vamente executadas podemos notar uma evolução parecida e visualizar o quanto o orçamento da saúde pública poderia se benefi ciar caso não hou-vesse um volume tão expressivo de perda de receita (Gráfi co 7).
Gráfi co 7 – Gasto Tributário em Saúde versus Gasto com ASPS, Brasil, 2008 - 2014
R$ B
ilhõe
s de
2014
(IPC
A)
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
02008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Gasto Tributário em Saúde
ASPS
Linear (Gasto Tributário em Saúde)
Linear (ASPS)
Elaboração própria. Fonte primária: RFB (2011), RFB (2012), RFB (2013), RFB (2014), RFB (2015), IBGE e Siops/Datasus.
A despeito do crescimento das renúncias tributárias na área da saúde, estas, quando comparadas às renúncias das demais funções do setor público, per-deram espaço nos últimos anos, como pode ser visto no gráfi co 8.
De forma mais detalhada, e desagregando informações recentes da Segu-ridade Social, segundo a Secretaria da Receita Federal do Brasil – RFB, os valores das renúncias realizadas a partir de 2010, cresceram, entre 2011 e 2012, de quase R$ 10 bilhões para R$ 46 bilhões. Em 2014, esses valores já superavam R$ 100 bilhões. As novas renúncias representam quase 10% da arrecadação e se somam a um extenso rol de outras renúncias.
A Receita Federal ainda informa que, em 2014, o total das renúncias (vi-gentes anteriormente e as efetivadas a partir de 2010), totalizou R$ 253,9 bilhões, correspondendo a 22,1% da arrecadação e 4,92% do PIB.
A Tabela 6 mostra apenas a renúncia recente, adotando-se os valores apre-sentados pela RFB5.
5 A ANFIP calcula que algumas renúncias, como a desoneração da folha de pagamentos, envolvem cifras ainda maiores. E ressalta que, ainda assim, os valores não refl etem o real signifi cado do conjunto das desonerações. Assim, a Tabela 5 adota para o Simples Nacional uma renúncia de R$ 7,2 bilhões – porque é o impacto recentemente aprovado – mas, para o Regime Geral de Previdência Social - RGPS o efeito total acumulado do Sistema Simples é de 17,7 bilhões.
159
Outroponto, também importantepara refletirmossobreessaquestão,é relativoà
equidadedogasto.Asisençõesfiscaisbeneficiamquemequantos?Eosgastoscomasações
eserviçospúblicosdesaúde?Faremosessaanálisemaisadiante.
Quandocomparamosaevoluçãodogasto tributárioemsaúdecomaevoluçãodas
renúnciasfiscaisemgeral,incluindoasdemaisáreasdosetorpúblico,nósnosdeparamoscom
umdecréscimonessaparticipaçãoapartirde2009,comoépossívelvernográfico11.
Entretanto,há,aí,umaimportanteressalvaasefazer.Houveumfortecrescimento
dasrenúnciasfiscaisaalgunssetoreseconômicos,especialmenteindustriais,comoobjetivo
decombateracriseeconômica.Essecrescimentocoincidiucomoperíododedecréscimoda
participaçãodosetordasaúdenototaldasrenúnciasfiscais.Jávimos,noitemanterior(3.1),
aevoluçãodasrenúnciasfiscaistotaisecomoelascresceramapartirde2009,incluindonovas
renúnciasfiscaisàsjáantesexistentes.Dainetal.(2015)consideramqueasupressãodesses
benefícios,que já foi iniciadaem2015, farácomqueogastotributáriocomsaúdevoltea
aparecercomaexpressividadequesempreteve.
Gráfico11-ParticipaçãodafunçãoSaúdenoTotaldoGastoTributárioFederal,Brasil,2006–2014
Fonte:Dainetal.,2015,p.78.
78
Regime Fiscal dos Estabelecimentos e Empresas de Planos e Seguros Privados de Saúde – Relatório Final
78
Gráfi co 8 – Participação da Função Saúde no Total do Gasto Tributário Federal, Brasil, 2006 - 2014
16%
14%
12%
10%
8%
6%
4%
2%
0%2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Elaboração própria. Fonte primária: RFB (2011), RFB (2012), RFB (2013), RFB (2014) e RFB (2015).
Tabela 6 – Valores das novas Renúncias Fiscais adotadas a partir de 2010, com efeitos de 2012 a 2014 (R$ milhões)
Desonerações 2012 2013 2014Folha de Salários 3703 12.284 21.568Cide-Combustível 8.461 11.481 12.717IPI-Total 9.673 11.822 10.796Cesta Básica 995 6.764 9.331Simples e MEI 5740 6.315 7.235lOF-Crédito PF 2.278 3.595 3.982ICMS Base de Cálculo PIS/Cofi ns-lmportação 0 715 3.041Nafta e Álcool 21 1.933 3.552Planos de Saúde 0 307 1.919Tributação PLR 0 1.703 1.889Entidades Benefi centes - Cebas 0 0 1.692Vale-Cultura 0 441 1.676INOVAR-Auto 0 1 500 1 662Depreciação Acelerada BK 0 1.374 1.522Transporte Coletivo 0 746 1.424PRONON e PRONAS 0 1 223 1 349IRPF-Transportadores 0 1 210 1.341REPNBL-Redes 0 566 1.018Lucro Presumido 0 0 976Outros 15 593 14.605 14.756Soma itens acima 46.464 78.584 104.046Diferença ano anterior – 32.120 25.462Total de renúncias 182.410 225.630 253.902
Fonte: RFB, Análise da Arrecadação das Receitas Federais, quadros de apresentação das diversas edições. Organização: ANFIP e Fundação ANFIP.
160
Comoficouclaraaimportânciadaáreadasaúdenarenúnciafiscaldogovernofederal,
analisaremoscommaisdetalhesoqueocorreemrelaçãoaoIRPF,cujarenúnciachegouaR$
10bilhõesem2014,umadasmodalidadesprincipaisdogastotributáriodasaúde.
AsdeduçõescomdespesasmédicasnoIRPF,comovimos,sãoilimitadasemvalore
amplasemrelaçãoaoescopodeprocedimentoseserviçospermitidos.Natabela14,podemos
verqueadeduçãocomplanosdesaúdenoIRPF,alémdeseroprincipalitemdedespesas
médicasnaDeclaraçãodo ImpostodeRendaPessoaFísica (DIRPF), tambémapresentouo
maiorcrescimentomédioanualentre2008e2014,de9,8%.Podemosobservar,também,que
asdeduçõescomplanosdesaúdeem2014representaram22%detodosospagamentose
doaçõesemsaúdenaDIRPF.
Tabela14-PagamentoseDoaçõesemSaúdenaDIRPFportipo,Brasil,2008–2014.
Fonte:Dainetal.,2015,p.80.
O gráfico 12, de outramaneira, analisa três indicadores: o total de deduções com
saúdenototaldepagamentosedoaçõesnaDIRPF;asdeduçõesexclusivamentecomplanos
de saúdeno total dededuções com saúde; e as deduções exclusivamente complanosde
saúdenototaldepagamentosedoações.Ográfico12mostraque,enquantohouvecerta
estabilidadedototaldededuçõescomsaúdefrenteaototaldepagamentosedoaçõesna
DIRPF,houve crescimentodasdeduçõesexclusivamente complanosde saúdeno totalde
deduçõescomsaúdeenototaldepagamentosedoaçõesnaDIRPF.
80
Regime Fiscal dos Estabelecimentos e Empresas de Planos e Seguros Privados de Saúde – Relatório Final
80
Já se sabe que as despesas médicas na DIRPF são a principal fonte de renún-cia tributária do governo central na área da saúde, tendo superado a casa dos R$ 10 bilhões em 2014. Importa agora identifi car a que se referem estes R$ 10 bilhões. Ou seja, deve-se identifi car que tipo de despesas médicas que compõem esta modalidade de renúncia em saúde. A tabela a seguir apresenta o total de deduções com despesas médicas na DIRPF entre 2008 e 2014 (Tabela 8).
Tabela 8 – Pagamentos e Doações em Saúde na DIRPF por Tipo, Brasil, 2008 - 2014
Tipo de Pagamento 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014Crescimento Acumulado
(%)
Crescimento Médio Anual
(%)
Planos de saúde no Brasil 24,53 26,19 27,79 31,05 36,14 41,62 43,08 75,6% 9,8%
Hospitais, clínicas e laboratórios no Brasil 9,00 8,75 7,87 8,91 10,04 10,79 10,61 17,9% 2,8%
Médicos, dentistas e etc no Brasil 6,69 6,59 7,03 7,67 8,42 8,79 9,20 37,5% 5,4%
Médicos, dentistas e etc no exterior 0,66 0,22 0,05 0,03 0,03 0,03 0,03 -95,4% -40,2%
Hospitais, clínicas e laboratórios no exterior 0,15 0,08 0,06 0,07 0,07 0,09 0,05 -64,6% -15,9%
Pronon/Pronas – – – – 0,01 0,01 0,01 – –
Total 41,03 41,83 42,80 47,72 54,70 61,34 62,75 52,9% 7,3%
Total de Pagamentos e Doações 125,75 129,03 139,62 149,80 171,23 186,99 194,70 54,8% 7,6%
Elaboração própria. Fonte primária: GN-DIRPF/RFB.Nota: Os valores de 2014 foram estimados.
Como é possível observar, os planos de saúde lideram as despesas médi-cas na DIRPF e apresentaram o maior crescimento médio anual entre 2008 e 2014 (9,8%). Com efeito, em 2014 (ano-calendário 2013) os gastos com planos de saúde aparecem em primeiro lugar no ranking de pagamentos e doações, superando os gastos com instrução (educação) e representando aproximadamente 22% de todos os pagamentos e doações daquele ano. O gráfico a seguir apresenta uma forma alternativa de visualizar a impor-tância dos planos de saúde na determinação da renúncia fiscal em saúde (Gráfico 9).
Enquanto o total de deduções com saúde tem um comportamento estável frente ao total de pagamentos e doações na DIRPF (barra verde do gráfi co), as deduções decorrentes exclusivamente dos planos de saúde apresentam crescimento frente ao total de deduções com saúde (barra azul do gráfi co) e frente ao total de pagamento de doações (barra vermelha do gráfi co). Ou seja, sua importância na renúncia fi scal via IRPF não é desprezível: além de representar mais de 1/5 (um quinto) das deduções, apresenta comporta-mento expansivo.
A observação das deduções da DIRPF – que não deve ser confundida com a renúncia – também se torna relevante nesta análise por permitir fazer uma estimativa de quanto seria o gasto tributário exclusivamente oriundo dos planos de saúde. Para isso, bastou aplicar a participação das deduções de
161
Gráfico12-PagamentoseDoaçõesemSaúdenaDIRPFem%doTotal,Brasil,2008–2014
Fonte:Dainetal.,2015,p.81.
Éimportanteressaltarque,atéagora,estávamosutilizando,paraaanálisedogasto
tributárioemsaúde,osdadosdaRFBequenãoerapossível,comeles,desagregaroitemde
despesas médicas do IRPF para conhecermos a participação dos planos de saúde nessas
despesas.Dessamaneira,oestudodeDainetal.(2015)utilizouarelaçãoentreasdeduções
exclusivamentecomplanosdesaúdenototaldasdeduçõesemsaúde–indicadorescriadosa
partirdosdadosdaDIRFP–comouma“taxa”paraestimarquantodogastotributáriocom
despesasmédicasdoIRPFseriamexclusivamentecomosplanosdesaúde.
Dessamaneira,paraoanode2014,porexemplo,quase69%dasdeduçõesemsaúde
na DIRPF foram oriundos dos planos de saúde. Se esse percentual for aplicado no gasto
tributário de R$10,5 bilhões, teremos uma estimativa de que R$ 7,19 bilhões de gasto
tributárioforamexclusivamentecomplanosdesaúde.Éoquefoifeitoparatodososanos,no
gráfico13.
81
Renúncia de Arrecadação e Demais Despesas Tributárias no Campo da Saúde Suplementar
81
planos de saúde com relação ao total de deduções em saúde, sobre o gasto tributário com despesas médicas do IRPF. Para o ano de 2014, por exemplo, quase 69% das deduções de saúde na DIRPF são oriundas dos planos de saúde – percentual este que aplicado aos R$ 10,5 bilhões de gasto tributário com despesas médicas gera uma estimativa de R$ 7,19 bilhões de gasto tri-butário exclusivamente com planos de saúde. O gráfi co a seguir apresenta esta estimativa para todos os anos da série, comparando-o com o total do gasto tributário em saúde (Gráfi co10).
Gráfi co 9 – Pagamentos e Doações em Saúde na DIRPF em % do Total, Brasil, 2008 - 2014
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Planos de Saúde/Total deDeduções em Saúde
Planos de Saúde/Total de Pagamentos e Doações
Total de Deduções em Saúde/Total de Pagamentos e Doações
Linear (Planos de Saúde/Totalde Deduções em Saúde)
Linear (Planos de Saúde/Totalde Pagamentos e Doações)
Linear (Total de Deduções em Saúde/Total de Pagamentos e Doações)
Elaboração própria. Fonte primária: GN-DIRPF/RFB.
Gráfi co 10 – Gasto Tributário em Saúde versus Gasto com ASPS, Brasil, 2008 - 2014
R$ B
ilhõe
s de
2014
(IPC
A)
25
20
15
10
5
02008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Gasto Tributário em Saúde
Gasto Tributário com Planosde Saúde (IRPF)
Linear (Gasto Tributário em Saúde)
Linear (Gasto Tributário comPlanos de Saúde (IRPF))
Elaboração própria. Fonte primária: RFB (2011), RFB (2012), RFB (2013), RFB (2014), RFB (2015), IBGE e GN-DIRPF/RFB.
162
Gráfico13-GastoTributárioemSaúde,versusGastoTributáriocomPlanosdeSaúde,Brasil,2008–2014.(R$bilhõesde2014[IPCA]).
Fonte:Dainetal.,2015,p.81.
Como tendência, observamosum crescimentoda estimativa de renúncia tributária
complanosdesaúde(viaIRPF)emumritmoinferioràrenúnciatotalemsaúde.E,alémdisso,
temosqueconsiderarqueháoutrositensdebenefíciosfiscaisaosetordesaúdesuplementar
quenãoestãocontempladosnessaestimativa,porexemplo:namodalidade“entidadessem
finslucrativos–AssistênciaSocial”,podemestarincluídosbenefíciosaalgunstiposdeplanos
desaúdefilantrópicosoucooperativas.Nãohá,noentanto,informaçõesparaestimarmoso
volumedebenefícios.
Em função dessas várias limitações dos dados, o estudo de Dain et al. (2015)
apresentouumanovapropostametodológicaparacalcularaparticipaçãodosplanosdesaúde
nogastotributárioemsaúde,pormeiodosbalançoscontábeisdasoperadorasdosetorsaúde
cadastradaseativasnaAgênciaNacionaldeSaúde(ANS)edeoutrabasededadosdaANSa
TABNET46.Osautoresapontamque
(...)comumcruzamentodedadosentreasduasbases,épossívelinferirotamanho relativo da tributação em cada segmento dos planos de saúde,facilitandoassimoestabelecimentodeumatipologiaentresegmentos–isto
46EssasinformaçõeseessesdadossãoverificadoseconsolidadospelaANS,queéainstituiçãoreguladoradosetordesaúdesuplementar.Alémdisso,comoasinformaçõesconstamnobalançodasempresas,estãosujeitasaauditoriasexternas,tendo,portanto,credibilidade.
81
Renúncia de Arrecadação e Demais Despesas Tributárias no Campo da Saúde Suplementar
81
planos de saúde com relação ao total de deduções em saúde, sobre o gasto tributário com despesas médicas do IRPF. Para o ano de 2014, por exemplo, quase 69% das deduções de saúde na DIRPF são oriundas dos planos de saúde – percentual este que aplicado aos R$ 10,5 bilhões de gasto tributário com despesas médicas gera uma estimativa de R$ 7,19 bilhões de gasto tri-butário exclusivamente com planos de saúde. O gráfi co a seguir apresenta esta estimativa para todos os anos da série, comparando-o com o total do gasto tributário em saúde (Gráfi co10).
Gráfi co 9 – Pagamentos e Doações em Saúde na DIRPF em % do Total, Brasil, 2008 - 2014
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Planos de Saúde/Total deDeduções em Saúde
Planos de Saúde/Total de Pagamentos e Doações
Total de Deduções em Saúde/Total de Pagamentos e Doações
Linear (Planos de Saúde/Totalde Deduções em Saúde)
Linear (Planos de Saúde/Totalde Pagamentos e Doações)
Linear (Total de Deduções em Saúde/Total de Pagamentos e Doações)
Elaboração própria. Fonte primária: GN-DIRPF/RFB.
Gráfi co 10 – Gasto Tributário em Saúde versus Gasto com ASPS, Brasil, 2008 - 2014
R$ B
ilhõe
s de
2014
(IPC
A)
25
20
15
10
5
02008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Gasto Tributário em Saúde
Gasto Tributário com Planosde Saúde (IRPF)
Linear (Gasto Tributário em Saúde)
Linear (Gasto Tributário comPlanos de Saúde (IRPF))
Elaboração própria. Fonte primária: RFB (2011), RFB (2012), RFB (2013), RFB (2014), RFB (2015), IBGE e GN-DIRPF/RFB.
163
é,torna-seclaroquaisossegmentosquearcamcommaiorônustributárioe–indiretamente–quaissãomaisbeneficiados.(DAINetal.,2015,p.83).
Osresultadosobtidoscomestanovametodologiaestãoapresentadosnatabela15,
paraoanode2014.Combaseneles,foiestimadootamanhodaarrecadaçãotributáriana
receitadosplanosdesaúdepara2014,queestáapresentadanográfico14.
164
Tabela15-ReceitaseDespesascomTributoscomPlanosdeSaúde,porsegmento,Brasil,2014(R$milharescorrentes)
Fonte:Dainetal.,2015,p.84.
Tabe
la 9
– Re
ceita
s e D
espe
sas c
om Tr
ibut
os d
os P
lanos
de S
aúde
por
Segm
ento
, Bra
sil, 2
014
(R$
Milh
ares
Cor
rent
es)
Item
de R
eceit
a/D
espe
saAu
toge
stão
Coop
erat
ivaM
édica
Filan
tropi
aM
edici
na d
e Gr
upo
Segu
rado
ra
Espe
cializ
ada
em Sa
úde
Coop
erat
ivaO
dont
ológ
icaO
dont
olog
ia de
Gru
poAd
min
istra
dora
de
Ben
efíci
osN
ãoId
entifi
cad
oTo
tal
Rece
itas c
om O
pera
ções
de
Assis
tênc
ia a S
aúde
14.24
7.693
,8344
.550.1
01,11
2.025
.727,7
233
.997.3
55,64
27.99
9.738
,5162
5.082
,752.1
69.45
0,46
1.311
.657,1
386
6.574
,2012
7.793
.381,3
5
(-) Tr
ibut
os D
ireto
s de
Oper
açõe
s de A
ssist
ência
a
Saúd
e-1
7.155
,77-7
82.86
8,69
-607
,88-5
87.66
6,53
-127
.680,0
6-1
6.273
,20-9
0.941
,45-1
10.95
8,96
-14.6
42,91
-1.74
8.795
,45
Out
ras R
eceit
as O
pera
ciona
is1.3
33.66
0,31
8.353
.899,4
03.6
33.44
4,12
931.1
94,74
34.32
1,16
94.70
4,71
36.26
5,89
31.11
5,91
129.1
19,90
14.57
7.726
,13
(-) Tr
ibut
os D
ireto
s de O
utra
s At
ivida
des d
e Ass
istên
cia à
Sa
úde
-634
,78-1
31.89
9,86
-687
,19-1
6.991
,760,0
0-4
52,98
-1.29
2,18
-1.26
0,43
0,00
-153
.219,1
7
Rece
itas F
inan
ceira
s2.6
74.21
3,82
1.349
.158,5
315
1.970
,1775
3.327
,381.7
32.37
5,28
15.65
7,86
56.38
8,09
86.57
6,65
36.48
4,29
6.856
.152,0
7
Rece
itas P
atrim
oniai
s12
7.590
,0016
8.691
,5886
.546,5
035
4.425
,8574
4.570
,612.8
47,03
11.63
1,42
140.9
68,77
7.999
,061.6
45.27
0,81
Rece
ita T
otal
18.36
5.367
,4153
.507.0
82,06
5.896
.393,4
435
.431.6
45,32
30.38
3.325
,5172
1.566
,172.1
81.50
2,24
1.458
.099,0
71.0
25.53
4,54
148.9
70.51
5,75
Des
pesa
s com
Enca
rgos
So
ciais
187.9
26,82
594.8
30,40
151.9
92,84
385.9
51,28
130.4
30,78
23.09
5,68
49.44
1,80
30.66
4,39
9.842
,911.5
64.17
6,89
Prev
idên
cia S
ocial
137.3
80,19
438.0
78,54
77.64
4,27
282.9
69,93
82.04
9,83
17.67
8,77
38.56
7,95
23.29
3,09
4.990
,711.1
02.65
3,29
FGTS
39.77
1,63
133.8
91,94
51.55
5,73
101.3
27,05
21.17
4,12
5.116
,7710
.753,2
97.3
71,30
4.823
,5137
5.785
,34
Out
ras D
espe
sas
10.77
4,99
22.85
9,92
22.79
2,84
1.654
,3027
.206,8
230
0,13
120,5
70,0
028
,6885
.738,2
6
Enca
rgos
Soc
iais c
om S
erviç
os
de T
erce
iros
7.626
,4628
.126,1
98,9
791
.093,0
11.0
84,02
920,4
01.4
45,86
231,2
977
,3513
0.613
,55
Des
pesa
s com
Trib
utos
301.3
39,24
284.0
04,57
24.47
5,35
155.2
47,28
129.3
69,57
7.694
,0014
.578,7
33.5
94,22
1.677
,8592
1.980
,82
Impo
stos
282.3
64,34
153.3
68,30
1.249
,2989
.154,6
41.9
05,70
3.985
,544.4
60,93
2.936
,9813
0,36
539.5
56,08
Impo
stos F
eder
ais27
4.738
,1578
.644,5
150
3,97
62.97
3,52
779,5
92.1
98,80
2.462
,9485
7,98
3,92
423.1
63,39
Impo
stos E
stadu
ais20
1,78
1.622
,2628
,4997
2,41
18,38
92,21
263,1
713
,273,6
73.2
15,63
Impo
stos M
unici
pais
7.424
,4173
.101,5
471
6,82
25.20
8,71
1.107
,731.6
94,52
1.734
,822.0
65,73
122,7
711
3.177
,06
Cont
ribui
ções
9.666
,7847
.832,5
911
.050,5
611
.924,3
111
1.016
,041.7
98,10
2.379
,9253
3,42
550,5
919
6.752
,31
PIS/
Pase
p2.7
84,11
3.281
,331.8
48,99
1.026
,6310
3.743
,3730
2,66
25,57
94,15
301,1
311
3.407
,93
Cont
ribui
ção
Sindi
cal
2.298
,044.8
06,95
796,6
02.4
72,32
234,3
417
4,66
1.525
,8691
,7112
0,17
12.52
0,64
Outra
s Con
tribu
ições
4.584
,6239
.744,3
28.4
04,97
8.425
,367.0
38,34
1.320
,7882
8,49
347,5
712
9,29
70.82
3,73
Taxa
de S
aúde
Supl
emen
tar
6.829
,5043
265,1
41.6
10,07
28.32
2,51
14.89
1,45
1.725
,3273
15,45
13.42
817,0
710
4.789
,92
Out
ros T
ribut
os2.4
78,63
39.53
8,53
10.56
5,43
25.84
5,82
1.556
,3818
5,05
422,4
411
0,40
179,5
280
.882,5
1
Des
p. Tr
ibut
os T
otal
496.8
92,52
906.9
61,16
176.4
77,16
632.2
91,57
260.8
84,37
31.71
0,08
65.46
6,40
34.48
9,90
11.59
8,10
2.616
.771,2
5
Elabo
raçã
o pr
ópria
. Fon
te p
rimár
ia: D
emon
stra
ções
Con
tábe
is/AN
S e
ANS
TABN
ET.
165
Ográfico14mostraqueosplanosdesaúdepagaramparaosetorpúblico,namédia,
1,76%desuareceitatotale2,05%desuareceitacomoperaçõesdeassistênciaàsaúde.
Gráfico14-TributaçãodosPlanosdeSaúdeporSegmento,Brasil,2014
Fonte:Dainetal.,2015,p.85.
Em relação à composição dos tributos sobre os planos de saúde, amaior parte é
derivada dos encargos sociais, especialmente previdência social e FGTS, com exceção das
modalidadesde “autogestão”e “seguradoraespecializadaem saúde”.Osencargos sociais
correspondem a 65% da carga tributária do setor de saúde suplementar. Os impostos
participamcom21%,eascontribuições,com7,5%,conformepodemosvernográfico15.
85
Renúncia de Arrecadação e Demais Despesas Tributárias no Campo da Saúde Suplementar
85
assistência à saúde, enquanto as “cooperativas odontológicas” têm a maior tributação com relação à receita total.
Gráfi co 11 – Tributação dos Planos de Saúde por Segmento, Brasil, 2014%
da
Rece
ita
10%9%8%7%6%5%4%3%2%1%0%
Tributos/Rec.Total
Tributos/Rec. Operações Assist. Saúde
Autogestão
Coop. Méd
ica
Medicin
a de G
rupo
Coop. Odontológic
a
Adm. de B
enefí
cios
Filantro
pia
Seg. Es
pecializ
ada e
m Saúde
Odontologia de G
rupo
Não id
entifi
cado
Média
Elaboração própria. Fonte primária: Demonstrações Contábeis/ANS e ANS TABNET.
A maior parte do peso dos tributos sobre os planos de saúde é decorrente dos encargos sociais, especialmente previdência social e FGTS. Apenas dois segmentos não se enquadram nesta característica: “autogestão” e “segura-dora especializada em saúde”, como mostra o gráfi co a seguir (Gráfi co 12).
Considerando todo o setor de Saúde Suplementar, os encargos sociais res-pondem por 65% de sua carga tributária. Os impostos têm participação de 21% e as contribuições 7,5%. No caso do segmento “autogestão”, os impos-tos (federais, primordialmente) têm um peso bem mais relevante (56,8% do total), sendo o restante praticamente todo destinado aos encargos sociais. Já no segmento “seguradora especializada em saúde”, apesar dos encargos sociais ainda responderem pela maior parte da tributação, as contribuições também possuem alto peso (42,5% do total), devido à elevada arrecadação de PIS/Pasep. Em compensação, a arrecadação de impostos é muito baixa.
Um ponto que chama muito a atenção sobre os dados anteriores é a dife-rença deles para a estimativa de arrecadação tributária feita na seção 3.2. Naquele caso, fazendo uma inferência a partir de dados RFB e do setor de seguros, observou-se que a tributação do governo federal representava aproximadamente 8% da receita dos planos de saúde. Aqui esse percentual caiu para 2% e trata de toda a arrecadação tributária e não apenas federal. Reforçando, isso só permite concluir que o dado estimado anteriormen-te não deve ser tomado de forma absoluta e conclusiva, mas apenas para
166
Gráfico15-ComposiçãodaTributaçãodosPlanosdeSaúdeporsegmento,Brasil,2014
Fonte:Dainetal.,2015,p.86.
Podemosobservar,deacordocomosdadosapresentados,orelativobaixopesodos
tributos.OestudodeDainetal.(2015)indicaquepodehaverumarelaçãodiretadobaixo
pesorelativodostributoscomasrenúnciasfiscaispromovidaspelogovernofederal:“Emum
paíscomcargatributáriaelevadaparaseuníveldedesenvolvimentoenoqualatributação
absorveentre15%e20%dareceitadamaiorpartedossetores,uma‘carga’detributosde
aproximadamente2%dareceitachamamuitoaatenção”(Ibid.,p.86).
Oestudomostrouqueostrêssegmentoscommaiorvolumedebenefíciosfiscaissão
justamenteossegmentosquedominamomercadodesaúdesuplementar,ouseja,medicina
degrupo,cooperativamédicaeseguradoraespecializadaemsaúde.
Fica evidente o amplo espaço existente que precisa ser urgentemente objeto de
regulação na área da saúde, principalmente porque “o campo da regulação não impõe,
atualmente, condicionalidades à concessão de renúncia de arrecadação ao setor, em que
pesemimpactossignificativosdestesgastostributáriossobreaofertaedemandadosetor”
(Ibid.,p.8).
86
Regime Fiscal dos Estabelecimentos e Empresas de Planos e Seguros Privados de Saúde – Relatório Final
86
observar o comportamento do indicador ao longo do tempo. Já o dado estimado com esta nova metodologia é mais fi dedigno e é uma proxy mais fi el da realidade. Isso permite afi rmar que a tributação no setor de Saúde Suplementar é relativamente baixa.
Gráfi co 12 – Composição da Tributação dos Planos de Saúde por Segmento, Brasil, 2014
Autogestão
Coop. Méd
ica
Medicin
a de G
rupo
Coop. Odontológic
a
Adm. de B
enefí
cios
Filantro
pia
Seg. Es
pecializ
ada e
m Saúde
Odontologia de G
rupo
Não id
entifi
cado
Média
Outros Tributos
Taxa de Saúde Suplementar
Contribuições (Sociais e Econômicas)
Impostos
Encargos Sociais
Elaboração própria. Fonte primária: Demonstrações Contábeis/ANS e ANS TABNET.
4.2. As limitações na apuração da renúncia fi scal
O relativo baixo peso dos tributos observado a partir das informações con-tábeis das operadoras de planos de saúde nos induz a acreditar que há uma relação direta deste fato com as renúncias fi scais promovidas pelo setor pú-blico, especialmente pela União. Em um país com carga tributária elevada para seu nível de desenvolvimento e no qual a tributação absorve entre 15% e 20% da receita da maior parte dos setores, uma “carga” de tributos de aproximadamente 2% da receita chama muito a atenção.
Os balanços contábeis das empresas não apresentam nenhum indicador aproximado do quanto seria a renúncia de tributos em seu favor. Nem po-deria, uma vez que este tipo de informação é uma estimativa feita exclusi-vamente pela autoridade fi scal, que calcula, aproximadamente, de quanto seria sua arrecadação com e sem o benefício fi scal, para chegar sua diferença (renúncia).
Entretanto, os resultados obtidos até o momento permitem, ao menos, apontar os segmentos que aparentam ter o maior volume de benefícios fi s-cais, que são justamente aqueles três segmentos que dominam o mercado de Saúde Suplementar e têm um ônus tributário inferior à média do setor: “coo-perativa médica”, “medicina de grupo” e “seguradora especializada em saúde”. O grupo de planos “não identifi cado” (não foi possível atribuir a nenhum dos segmentos por falta de informação) também apresenta esta característica.
167
Dimensão da desigualdade: efeitos econômicos do gasto público com saúde o caráter
regressivodogastotributáriocomsaúdeassociadoaosplanosdesaúde
Comovimos,umdosencaminhamentosaoproblemadosubfinanciamentodoSUSdos
diversosgovernosfederaisdesdeosanos1990,emvezdemelhoraroaportedeinvestimentos
e fortalecer a universalização, foi conceder significativos incentivos governamentais à
iniciativaprivada,especialmenteaosplanosdesaúde.
Alémdisso,comotambémsublinhamos,osetorprivadotemumarelaçãohistóricade
interdependênciacomoSUS,umadesuasmarcasoriginárias.
Esses fatores fortalecem distorções importantes no sistema brasileiro, como a
segmentação,jáqueoaumentodogastoprivadoconcorrecomosubfinanciamentodoSUSe
dificultatambémaregulaçãodeumsistemaduplicado,principalmentenaassistênciamédica
demédiacomplexidade(VIANNA,2005;DAINetal.,2015).
Na conjuntura de inversão da tendência de crescimento contínuo a partir de
2014/2015paraumperíododerecessãoquejásefazlongoecheiodeconsequências,entre
elasocrescentedesemprego47,vemosoefeitoqueesteúltimotemcausadoeaindacausará
nonúmerodebeneficiáriosdosplanosdesaúde:dedezembrode2015ajaneirode2017,1,6
milhãodebeneficiáriosquedeixaramdeterplanodesaúde,deacordocomaANS,conforme
aponta o gráfico 16. Tem havido um enorme contingente de trabalhadores que estão
perdendo seus planos de saúde concedidos por seus empregadores que antes, portanto,
integravamosistemaprivado.Ográfico16tambémmostraque,dentretodososbeneficiários
deplanosdesaúde,aquedamaiornonúmerodeplanossedeuentreosbeneficiáriosde
planocoletivoempresarial,tipodecontrataçãodiretamenteligadoaoemprego.Diantedesse
fato,ébemprovávelqueademandasejaredirecionadaaoSUS,que,porsuavez,encontra-
secadavezmaissubfinanciadoe,portanto,semrecursosparaexpandirseusserviços,quiçá
mantê-los48.
47De acordo comGimenez (2017, p. 22), “entredezembrode2014edezembrode2016, 3,2milhõesde trabalhadoresingressaramnaforçadetrabalho(3,3%decrescimento),eapopulaçãoocupadacaiu2,6milhões(-2,8%).Oresultadoobjetivodissofoioincrementode5,8milhõesdedesempregadosemdoisanos.Emdezembrode2014,ataxadedesocupaçãoerade6,5%epassoupara12%aofinalde2016.”48 Em reunião extraordinária em6 de julho de 2017, o ConselhoNacional de Saúde, pela primeira vez em sua história,reprovouascontasdoMinistériodaSaúdeem2016.Ascontasforamreprovadaspor29votosafavordareprovaçãoe8
168
Gráfico16-BeneficiáriosdeplanosdeassistênciamédicaportipodecontrataçãonoBrasil-dez/2000ajan/2017-emmilhões
Fonte:elaboraçãoprópriaapartirdosdadosdaANS.
O fator pró-cíclico, peculiar do sistema de saúde brasileiro, faz-nos pensar no
importante papel que o Sistema Único de Saúde tem e exerce (ou poderia exercer) no
combateàdesigualdadebrasileira.Noentanto,devidoànaturezaepeculiaridadedasrelações
públicoeprivadasdenossosistemadesaúdeedafaltadeprioridadedosgovernosemrelação
ao SUS, o potencial distributivo do gasto público com saúde tem sido abafado, seja para
contráriosaela.OparecerelaboradopelaComissãodoOrçamentoeFinanciamento (COFIN)sobreoRelatórioAnualdeGestão(RAG),de2016,mostraqueoMinistériodaSaúdenãocumpriuaaplicaçãomínimaconstitucionalde15%dasreceitasem2015efoireincidentenosbaixosníveisdeexecuçãoorçamentáriaefinanceiraem19itensdedespesa.Odocumentooficial do parecer da COFIN pode ser acessado no link:<http://www.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/documentos/noticias/rag2016ms_parecer_final_apos-esclarecimentos-spo-e-mesa-juridica_2017_0706_x.pdf>. A entrevista em que o economista Francisco Funcia explica os problemas quelevaram o CNS a reprovar as contas do Ministério da Saúde de 2016 pode ser acessada no link:<http://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/entrevista/o-ministerio-deixou-de-investir-r-692-milhoes-na-saude-dos-brasileiros-no-ano>.Vale registrarqueessadecisão inéditadoCNSmostraa importânciadeseupapelna fiscalizaçãodasdiretrizesconstitucionaisrelativasaofinanciamentodoSUS.Alémdisso,váriositensexpostosnoparecertocamempontosdiscutidosnestateserelativosàquestãodosubfinanciamentodasaúde.Contudo,comoadecisãodoCNSsedeunodia6dejulhode2017,oacessoaoparecerdaCOFINparaconhecimentodosdetalhesmaistécnicosdascontasdoMSnãosedeuemtempoparaquesuaanálisepudesseserincluídaantesdafinalizaçãodestatese.Foipossível,apenas,registrarofatonestanotaderodapé.AnotíciaoriginalsobreareuniãodoCNSpodeseracessadanolink:<http://www.susconecta.org.br/2017/07/cns-reprova-o-relatorio-anual-de-gestao-2016-do-ministerio-da-saude/>).
7,69,3
11,313,7
16,017,8
19,521,3
23,4 24,727,2
28,931,0
32,6 33,4 32,7 31,8 31,5
5,7 6,5 7,1 7,8 8,3 8,7 8,9 9,0 9,0 9,1 9,4 9,6 9,7 9,8 9,8 9,7 9,4 9,4
3,4 4,0 4,5 5,6 6,4 6,6 6,8 6,9 7,1 7,2 6,9 6,6 6,5 6,6 6,8 6,6 6,5 6,5
16,719,8
22,9
27,1
30,733,1
35,237,2
39,541,0
43,545,1
47,249,0 50,0 49,0 47,7 47,4
0
10
20
30
40
50
60
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
dez dez dez dez dez dez dez dez dez dez dez dez dez dez dez dez dez jan
Milhõe
s
Coletivoempresarial Individualoufamiliar coletivoporadesão Total
169
recompensar o efeito regressivo do sistema tributário, seja pela inibição causada pelo
subfinanciamentoefaltadeinvestimentonaáreadasaúdepública.
OsestudosdeAbrahãoetal.(2011)eIpea(2011),porexemplo,procurammostraros
efeitoseconômicosdogastosocial.Emrelaçãoaosefeitoseconômicos,osautoresmostraram
asconsequênciasdocrescimentodogastosocialsobreoPIB.
Ográfico17mostraoresultadoparaocrescimentonoproduto(PIB)apósasimulação
deumincrementonovalordecadatipodegastosocialselecionadode1%doPIB.Ogasto
socialemeducaçãoapresentouomaiormultiplicador:tudoomaisconstante,aogastarR$
1,00emeducaçãopública,oPIBaumentaráemR$1,85peloprocessodemultiplicaçãoda
rendaqueessaatividadepropicia.Ogastoemsaúdetambémsemostroubastanteefetivo:
tudoomaisconstante,aogastarR$1,00emsaúdepública,oPIBaumentaráemR$1,70pelo
processodemultiplicaçãodarendaqueessaatividadepropicia.Dessamaneira,ficaevidente
aimportânciadessapolíticasocialparaocrescimentodoproduto.
Gráfico17–Multiplicadoresdecorrentesdeumaumentode1%doPIBsegundotipodegastosobreoPIB
Fonte:elaboraçãoprópriaapartirdeIpea,2011.
Saúdepública Educaçãopública
ProgramaBolsaFamília
RegimeGeralda
previdênciasocial
Investimentonosetordeconstrução
civil
Jurossobreadívidapública
Exportaçõesde
commoditiesagrícolaseextrativas
MultiplicadorPIB 1,7 1,85 1,4 1,2 1,5 0,7 1,4
0
0,5
1
1,5
2
170
OutroestudodoIpea(2011a),comdesdobramentosfeitosporSilveira(2012)eSilveira
etal.(2013),mostrouopotencialdistributivoedereduçãodasdesigualdadesdogastopúblico
comsaúde,educação,tributaçãoedasoutraspolíticasdeseguridadesocial,paraosanosde
2003a2009,usandoosdadosdaPesquisadeOrçamentoFamiliar(POF)ePesquisaNacional
porAmostradeDomicílios(PNAD).
Um dos achados relevantes foi evidenciar o efeito do que a literatura chama de
benefíciosemespécie(inkind).Silveira(2012)medeosefeitosredistributivosnosdiferentes
estágiosdarenda,desdearendaoriginalatéarendafinal.
Figura1–EstágiosdeRedistribuiçãodeRenda
Fonte:Silveira,2012,p.3649.
AFigura1mostraosseguintesestágiosdaredistribuiçãoderenda:i)rendaoriginalé
arendaqueconsideratodososrendimentosrecebidospelasfamílias(semosbenefícios);ii)
renda inicial é a renda original acrescida dos benefícios e transferências monetárias
(aposentadorias, pensões, auxílios, bolsas, seguro); iii) renda disponível é a renda inicial
descontada do pagamento dos impostos diretos (imposto de renda, contribuições
previdenciárias, IPTU, IPVA e outros); iv) a renda pós tributação, por sua vez, é a renda
disponívelapósaretiradadosimpostosindiretos(ICMS,IPI,PIS,Cofins,Cide,eoutros);ev)
porfim,arendafinalqueéarendapóstributaçãoacrescidadovalormonetáriodosbenefícios
emespécie(saúdeeeducação).
49 Silveira(2012)usaametodologiadeJones(2008).
36
da renda – especialmente o índice de Gini – antes e depois da intervenção
governamental. A figura abaixo apresenta os diferentes estágios de renda,
considerando-se inicialmente a renda auferida no mercado ou privadamente –
transferências inter-domiciliares – denominando-a de renda original. Em verdade
estão contemplados nessa fase aqueles rendimentos auferidos pelos membros das
famílias antes da adição dos benefícios ou da dedução dos impostos. O segundo
estágio refere-se a renda inicial, resultado da adição à renda original dos benefícios
monetários concedidos pelo Estado, sejam de caráter previdenciário, sejam
assistenciais. Essa é a renda que contém todos os rendimentos investigados pela
pesquisa domiciliar, sendo, assim, a renda “publicada”. Em um terceiro estágio,
deduzem-se os impostos sobre a renda, as contribuições previdenciárias e os
impostos sobre patrimônio – imóveis e veículos, chegando-se a renda disponível.
Figura 1 – Estágios de Redistribuição da Renda
renda pós-tributação
renda original
rendainicial
rendadisponível
rendafinal
+previdência e
assitência
−tributos diretos
−tributos indiretos
+saúde e educação
públicas
Elaboração própria com base em JONES (2007)
Nas duas etapas seguintes, a renda pós-tributação e a renda final, resultam, a
primeira, da subtração dos impostos indiretos a segunda da adição à renda pós-
tributação da valoração e alocação da provisão pública em educação e saúde. Vale
sublinhar que a renda pós-tributação e a renda final são tão somente artifícios para a
simulação dos impactos dessas políticas. No caso dos tributos indiretos, por
exemplo, a isenção ou a desoneração deles não implicaria em aumentos na renda
similares ao volume dos benéficos fiscais, e sim alterações na renda real devido às
171
Paracadaumdosestágios,Silveira(2012)analisaoíndicedeGiniem2003eem2009
emostraqueomaiorimpactosobreareduçãodadesigualdaderesultadaevoluçãopositiva
dosgastosemsaúdeeeducação.OíndicedeGiniretrataadinâmicadistributiva–semais
progressiva ou mais regressiva – de cada um desses estágios da renda da família. O
comportamento mostra uma redução da desigualdade até a renda disponível (há
progressividade na distribuição dos benefícios previdenciários e da tributação direta da
renda).Seguindopelosestágios,ocorreumareversãodadistribuiçãonoestágioiv,darenda
pós tributação,emdecorrênciada rendaapósos impostos indiretos,mostrandoocaráter
regressivodatributaçãoindireta.Noúltimoestágio,háreforçodareduçãodadesigualdadee
daprogressividadedistributivadogastocomsaúdeeeducação.Vejamosográfico18.
Gráfico18–ComportamentodoíndicedeGiniedasrendastotais(original,inicial,disponível,pós-tributaçãoefinal)–Brasil–2003e2009
Fonte:Silveiraetal.,2013,p.41.
Essesestudosmostramquearegressividadedosistematributáriobrasileirotemsido
compensadapelaprogressividadedogastosocial,especialmentedosgastoscomeducaçãoe
saúde públicas, e também os gastos previdenciários e assistenciais. Além do efeito
compensatóriodaprogressividadedogastosocial,houvemaioralocaçãodogastosocialnos
estratosderendamaisbaixos,oqueatestasuaprogressividade.
Working Paper 41
more than 5 per cent lower for initial income. This difference remains stable at this level (5 per cent) when considering direct and indirect taxes. The gap expands when comparing the final incomes in 2003 and 2009, incorporating education and public health. Specifically in 2009, the Gini Index of final income is 9.3 per cent lower than in 2003, which is almost double the fall in inequality achieved through social security and assistance policies.
The data make it clear that the progress made from 2003 to 2009 is due to public expenditures, not their funding. This is because, as seen before, after the 5.2 per cent drop in the Gini Index for initial monetary income, which includes the granting of social security and assistance benefits, there was no further significant decline in inequality in the stages of income related to tax incidence between 2003 and 2009. The Gini Index of disposable income and after-tax income in 2009 were, respectively, 5.7 per cent and 5.4 per cent lower than the respective indices in 2003. In fact, taxation preserves the same distributional effect, with a 2.5 per cent drop in the disposable income Gini (i.e. after direct taxation), which is more than offset by growth of over 3.5 per cent in the index that reflects the effect of indirect taxes. And, actually, what was more effective in reducing inequality was universal spending — on public health and education.
FIGURE 13
Behaviour of the Gini Index in the Total, Original, Initial, Disposable and Final Income, Brazil (2002–2003 and 2008–2009)
Source: IBGE-POF (2002–2003 and 2008–2009) microdata.
As a result of the greater progressivity of social security and assistance benefits and the stability of the incidence of direct and indirect taxes, there was a more significant drop in the Gini Index between original income and after-tax income. In 2003, the Gini Index fell by only 1.3 per cent as a result of social security, assistance and taxation; it fell by 4.4 per cent in 2009.
Tables 10 and 11 show information about the structure of the distribution of household income per capita, in each of the income stages in 2003 and 2009, respectively. As indicated, there is a significant change between 2003 and 2009 in the decrease in inequality when moving from original income to initial income — the Gini Index decreases by 5.2 per cent in 2009, compared to 2.3 per cent in 2003.
172
Oautoraindasimulaadistribuiçãodogastopúblicofederalemsaúdenaestruturada
renda monetária familiar per capita, cujos resultados estão apresentados na tabela 16 a
seguir.
Tabela16–Distribuiçãodogastopúblicofederalemsaúde,segundorubricasdegastoepordécimosderenda–2008.
Fonte:Silveira,2012,p.57.
Osgastoscominternaçõeshospitalareseprocedimentosambulatoriaissãolevemente
progressivos. Há destaque para a progressividade dos gastos com saúde pública, isto é,
apresentamumacurvaemUinvertido,ondeosdecisdemaiorrenda(quesãoos8o,9oe10o)
recebemmenorgastopúblicofederaldoqueosdemenorrenda.Seolharmosporitensde
gasto (internações, procedimentos ambulatoriais, bens e serviços universais, servidores
públicos federaisemedicamentos), todosapresentamprogressividade,echamaatençãoa
neutralidadedaprogressividadenoscasosdosbenseserviçosuniversais, istoé,ogastoé
distribuído equanimemente. Chama atenção também que os gastos com medicamentos
acompanham a distribuição na curva do U invertido, mas a participação no gasto com
medicamentosdodécimodecil(maisricos)ébeminferioraodosoutrosdecisdomesmoitem
(medicamentos).
Política Fiscal e Dívida Pública ‒ Fernando Gaiger Silveira
Finanças Públicas ‒ XVII Prêmio Tesouro Nacional ‒ 2012 57
taBEla 6 distriBuição do Gasto púBlico fEdEral Em saúdE,
sEGundo ruBricas dE Gasto E por décimos dE rEnda (2008)
Décimos Total Internações Procedimentos ambulatoriais
Bens e serviços universais
Servidores públicos federais Medicamentos
1º 10,0 12,5 10,5 10,6 11,3 7,6
2º 11,0 13,0 11,8 9,9 11,7 8,2
3º 11,3 11,3 12,0 10,0 11,4 12,1
4º 10,7 11,2 11,1 10,1 11,4 8,5
5º 11,3 11,9 11,5 9,9 11,2 10,7
6º 12,7 14,3 12,7 10,0 11,5 15,7
7º 10,5 9,2 10,4 10,0 10,1 10,1
8º 9,6 7,5 9,4 9,9 9,1 11,0
9º 8,4 6,2 7,6 9,8 7,3 11,3
10º 4,7 3,1 3,1 9,8 4,9 4,9
Fonte: Microdados da Pnad (2008), Datasus e Siops (MS).
4 Impactos distributivos da tributação e do gasto social
4.1 Estágios de renda e mudanças no Índice de Gini
A avaliação dos impactos distributivos do sistema de proteção social, da política tributária e da oferta de serviços públicos de caráter universal – saúde e educação – de mais fácil apreensão é aquela que compara as medidas de concen-tração da renda – especialmente o Índice de Gini – antes e depois da intervenção governamental. Verdade que ela não indica de modo claro a que se deve a mudan-ça no Índice, se à progressividade da política ou se à alterações no ordenamento das famílias. Ou seja, não aponta qual dos dois efeitos predominou.
Os resultados aqui apresentados se referem às mudanças na renda total, ou seja, considerou-se tanto a parcela monetária com a não monetária da renda.22
22 No emprego da renda total apurada pela POF incorre-se, em alguma medida, em dupla contagem, pois parcela dos gastos públicos em saúde e educação é objeto de captação pela POF nos rendimentos (gastos) não monetários. Efetivamente, nos rendimentos não monetários apurados na POF estão contemplados o aluguel estimado para aquelas famílias que residem em imóveis próprios ou cedidos, a produção própria para autoconsumo, a retirada do negócio, as doações recebidas e outros gastos não monetários, abrangendo tão somente bens. Assim, é objeto de investigação na POF,
173
Oestudomostrouqueogastopúblicofederalemsaúdeéprogressivo,pois,deacordo
comoSilveira(2012),
aprogressividadedosgastosemsaúderevela-senofatodequeos40%maispobres da população se apropriam de cerca da metade dos gastos cominternações hospitalares e de 45% das despesas com procedimentosambulatoriaisfrenteaumaparticipaçãodaordemde10%paraos20%maisricos.Nacomposiçãodototaldasdespesas,cabeàmetademaispobrepoucomaisde55%frenteaumaparticipaçãode1/5paraos30%maisricos.(Ibid.,p.56).
Seogastopúblicofederalcomsaúdepúblicasemostrouprogressivo,édesedestacar,
poroutrolado,ocaráteraltamenteregressivodarenúnciafiscaldasaúde,comomostrao
estudodeDainetal.(2015).Nocasodarenúnciafiscaldasaúde,osindivíduosquepodem
realizaradeduçãodosgastoscomsaúdenoimpostoderendasãoasfamíliascommaiorrenda
equetêmmaiorgastocomplanosdesaúdeegastosout-of-pocket.
O estudo de Dain et al. (2015) parte do mesmo princípio de Silveira (2012),
apresentadonaanáliseanterior(gráfico18etabela16),eusaosdadosdeseupróprioestudo
sobrearenúnciafiscalemsaúde,apresentadosnestecapítulo3,anteriormente.Eleavaliaa
relaçãoentreogastopúblicoeogastoprivadoemsaúde,segundoosestratosderenda,com
oobjetivodeavaliaremquemedidaogastopúblicoemsaúdeatenuaanecessidadedegastos
privadosemsaúde.
A tabela 17mostraos valores per capitamensais estimadosdo gastopúblico com
saúde,dogastoprivadocomsaúdeedaestimativadarenúnciafiscal,pordécimosderenda
domiciliar.Osautoresconcluemque
Verifica-se,poroutrolado,apoucaimportânciadogastoprivadofrenteaogasto público nos três primeiros décimos, com as despesas privadasrepresentandoentre14%e23%daestimativadogastopúblico.Nosestratosintermediários–do4ºao7ºdécimos–,aparticipaçãocrescede29%para66%, apontando para a insuficiência do gasto público para reduzir asdespesastributáveis.Nos30%maisricos,opesodogastoprivadosuperaopúblico,que,nos10%maisricos,ogastopúblicotemparticipaçãomarginal.Oimportanteasublinharéqueosdécimosintermediários(4ºao7º),aindaquetenhamgastosprivadosexpressivosemseuorçamento,oquerefleteainsuficiênciadogastopúblico,nãocontamcombenefíciofiscalassociadoaessesgastos,que,comodito,sãofundamentaisnoconsumodeassistênciaasaúdedessaspopulações.(DAINetal.,2015,p.109).
174
Tabela17-Valorespercapitamensaisdaestimativadogastopúblico,dogastoprivadoedaestimativadarenúnciafiscal–R$jan./2009.
Fonte:Dainetal.,2015,p.109.
Assim,ficavisívelqueogastotributárioqueestáassociadoaosplanosdesaúdenão
contribuiparaaequidadenofinanciamentodasaúde.
***
Síntesedocapítulo3
Ocapítulo3tratoudasrelaçõespúblico-privadasnofinanciamentodoSUS,mostrando
as inter-relaçõescomosetordesaúdesuplementare,por fim,chamandoatençãoparao
efeito positivo que o gasto público com saúde tem para a progressividade e combate à
desigualdadesocial.
Vimosqueogastopúblicocomsaúde,noBrasil,émenordoqueogastoprivadocom
saúde,eoBrasiltemumsistemadesaúdepúblicoeuniversal.Em2014,aporcentagemdo
gastopúblicocomsaúdenogastototalcomsaúdefoide46%,enquantoqueaprivadafoide
54%,segundodadosdaGHO/WHO.Amédiadogastoprivadocomsaúdenototaldogasto
comsaúdenospaísesdaOCDEfoide27%em2011.NaArgentina,UruguaieColômbia,países
109
Levantamento de Dados para Subsidiar Estudos de Equidade Relativos às Despesas Tributárias e Gastos com Saúde...
109
insuficiência do gasto público para reduzir as despesas tributáveis. Nos 30% mais ricos o peso do gasto privado supera o público, sendo que nos 10% mais ricos o gasto público tem participação marginal. O importante a sublinhar é que os décimos intermediários (4o ao 7o) ainda que tenham gastos privados expressivos em seu orçamento, o que reflete a insuficiên-cia do gasto público, não contam com benefício fiscal associado a esses gastos, que, como dito, são fundamentais no consumo de assistência a saúde dessas populações.
Tabela 13 – Valores per capita mensais da estimativa do gasto público, do gasto privado e da estimativa da renúncia fi scal – R$ jan./09
DécimosEstimativa do Gasto Público Gasto Privado Renúncia Fiscal
(15%)
2003 2009 2003 2009 2009
1º 27,96 47,88 4,41 6,47
2º 31,27 52,67 5,52 8,54
3º 30,90 54,10 7,22 12,27
4º 34,63 51,23 9,96 15,05
5º 33,08 54,12 13,58 19,70 0,01
6º 36,28 60,80 17,19 29,27 0,05
7º 38,57 50,27 23,13 33,13 0,11
8º 30,93 45,97 30,63 48,02 0,34
9º 25,27 40,24 47,21 72,62 1,25
10º 15,92 22,49 103,62 173,56 6,81
Média 30,48 47,88 26,26 41,87 0,86
Fonte: POFs 2002/03 e 2008/09; PNADS 2003 e 2008; Datasus e Siops.
As estimativas do impacto distributivo da estimativa da renúncia fi scal à pessoa física e do gasto público são apresentadas na tabela 14, com a apre-sentação dos índices de Gini da Despesa Global incorporando tais gastos públicos: o indireto e o direto. Para a estimativa da renúncia fi scal aplicou-se uma alíquota geral aos gastos privados tendo por resultado o valor do gasto tributário. Aplicou-se a alíquota de 15%, próxima da alíquota efetiva dos benefi ciados por essa dedução, valor relativamente elevado frente à alíquo-ta efetiva media do IRPF, dado que a parcela dos declarantes que se bene-fi ciam desse gasto encontram-se em estratos superiores de renda; não se utilizam do desconto simplifi cado e não se encontram nas faixas menores de alíquotas, onde se sobressaem outras deduções, além da contribuição previdenciária.
Fica patente o expressivo efeito distributivo do gasto direto – SUS – com o Gini do Gasto caindo entre 7% ou 4 pontos percentuais, considerando Gini em percentual. Já o gasto indireto tem, groso modo, nenhum efeito, ou melhor, tênue incremento da desigualdade. Vale notar que no caso da renúncia as estimativas são bastante conservadoras, dado que o montante da renúncia é de R$ 2 bilhões, em 2009, frente ao dado administrativo de R$ 9 bilhões, em 2013. Ou seja, esse efeito concentrador marginal é o menor
175
quenãotêmsistemauniversal,aparticipaçãodogastoprivadonototaldogastocomsaúde
foide33%,35%e25%,respectivamente,segundodadosdaGHO/WHO.E,nosEUA,únicopaís
desenvolvidoquenão temsistemadesaúdeuniversal,aparticipaçãodogastoprivadono
totaldogastocomsaúdefoide51%,em2014,segundoaOCDE.
VimostambémqueaparticipaçãodogastopúblicocomsaúdenoPIB,noBrasil,foide
3,9%,em2015,representandoR$232bilhões.Dessetotal,cercade43%sãodaUnião,31%
dosestadose26%dosmunicípios.AparticipaçãodogastototalcomsaúdenoPIBéde8,9%.
Dessamaneira,aparticipaçãodogastoprivadonoPIBéde5%(R$297,4bilhões).
EmrelaçãoaosubfinanciamentocrônicodoSUS,vimosqueteveiníciocomafaltade
regulamentaçãodoscritériosdepartilhadoorçamentodaseguridadesocialeque,apartirde
1994,comacriaçãodofundosocialdeemergência,houveoiníciododesvioderecursosda
seguridade social para outros fins, desvio quepersiste até hoje, comaDesvinculaçãodas
ReceitasdeUnião (DRU),que foideR$63,2bilhõesem2014.Comoaprofundamentodo
ajustefiscalapartirde2015,foipropostaaPEC680,paraprorrogaraDRUaté2023e,ainda,
aumentarovalordadesvinculaçãodosatuais20para30%doorçamentodaseguridadesocial.
APEC680foiaprovadaemsetembrode2016(EC93).Seessaregraestivessevalendoem
2014,ovalordaDRUteriasidodeR$100bilhões,quaseoequivalenteaoorçamentodoSUS
em2014,quefoideR$94bilhões.
Naquestãodosubfinanciamento,tambémfoivistaaevoluçãodasfontesecritérios
devinculaçãodosgastosenvolvendoaCPMF,aEC29,aEC86eaEC95.ACPMFfoicriadaem
1997,e,até1999,suareceitafoiexclusivaparaasaúde.De1999até2007,suareceitafoi
divididaentreasaúde,aprevidênciae,apartirde2001,tambémcomofundodecombateà
pobreza.ACPMFnãogarantiurecursos fixosparaasaúdepois,alémdeseremdesviados,
foramtambémsubstituídosporoutrasfontes.
AEC29,quefoiaprovadanofinalde2000,massomenteregulamentadaem2012,
vinculou o gasto da União ao crescimento do PIB, o que assegurou um teto mínimo de
aplicaçãodareceitavinculadaparaosestados(12%)emunicípios(15%).ComaEC29,houve
certaestabilidadedogasto,maslongedesignificarsuficiênciasderecursos.
176
Em2015,foiaprovadaaEC86quesubstituiuaEC29.AEC86alterouabasedecálculo,
quepassouaservinculadaàreceitacorrentelíquidaenãomaisàvariaçãodoPIB.Abasede
cálculopassariaaser15%dareceitacorrentelíquidaapartirde2020.Estimativasdecálculo
dasreceitasparaasaúde,segundoocritériodaEC29,mostramque,entre2000e2013,a
saúdedeixoudereceberR$8.3bilhões.PelocritériodaEC86,asaúdeteriarecebido,entre
2000e2013,R$130bilhões.Há,nisso,umatristeironiaporque,comoaaprovaçãodaEC86
e amudança de critério para a vinculação da receita corrente líquida ao invés da do PIB
aconteceramemummomentodecriseeconômica,oefeitodaelasticidadedaarrecadação
nãofoifavorável.
Nofinalde2016,foiaprovadaaEC95,queestabeleceuocongelamentodosgastos.
Nocasodogastocomsaúde,determinouqueelesejade15%dareceitacorrentelíquidajá
em2017e,apartirdeentão,ogastofederalserácongeladopor20anos,nopatamarde2017,
sendoajustadopelavariaçãodainflação.Estudosprospectivos(VIEIRAeBENEVIDES,2016)
preveemumcenáriobastantepessimistaparaofuturodosgastosfederaiscomsaúde,oque
agravaráaindamaisosubfinanciamentocrônicodasaúdebrasileira.
Emquepeseosubfinanciamentodasaúde,vimosquehouveaorientaçãodapolítica
econômicaparaumapolíticadedesoneração fiscal apartirde2012,principalmente,para
financiar direta ou indiretamente a economia, emprego, exportações e investimentos. Os
dadosmostraramqueasnovasrenúnciasfiscaispassaramdeR$10bilhões,em2011,paraR$
46bilhões,em2012,echegaramamaisdeR$100bilhõesem2014.Seconsiderarmosototal
detodasasrenúnciasfiscais(enãosóasnovas),ovalortotalfoideR$182,4bilhões,em2012,
eR$253,9bilhõesem2014,oquecorrespondea4,92%doPIB.Eapolíticadedesoneração
nãofoiacompanhadaemmuitoscasosdecontrapartidas,nemteveoefeitoesperadosobre
oempregoeadinamizaçãodaeconomia.
Noqueconcerneàáreadasaúde,apolíticadedesoneraçãoafeta indiretamenteo
gastocomasaçõeseserviçospúblicoscomsaúde(ASPS),poismostraoaumentodoespaço
fiscaldaUniãoeperdadecapacidadedogovernoemcumprirseuscompromissoscomoSUS
(DAIN,2016).
177
Há,contudo,outrotipodedesoneração,queéadesoneraçãotributárianasaúde,que
favoreceosetorprivadodesaúdepormeiodarenúnciafiscalecontribuiparaobaixonível
degastopúblicoemsaúdee,também,paraadesigualdadederendaesocial,comomostrou
adiscussãofeitanoitem3.2.
Vimosqueháumsignificativoestímulofiscalquebeneficiadiretaouindiretamenteo
segmentoprivadodeplanosesegurosdesaúdeequehádificuldadeemmedirovolumedesse
gasto indiretoemfunçãodeosdadosseremdedifícilacessooumesmonãoexistirem.Há
estudosrecentesparatentarmediressesgastos(OCKÉ,2013,DAINetal.,2015),emborao
problemajásejaapontadohábastantetempo.
Vimostambémqueosetordesaúdesuplementar,ousubsistemadesaúdeprivado,é
formadoporempresasoperadorasdeplanosdesaúdeprivadosequeessesetorfazpartedo
setordeseguros,comossegurospessoaisecapitalizaçãoeprevidência.Osetordeseguros
tevefaturamentodeR$326bilhõesem2014,crescimentode4,82%emrelaçãoa2013eum
crescimentoacumuladode39%entre2009e2014(DAINetal.,2015).
Ofaturamentodosetordesaúdesuplementarrepresentou39%dareceitacomseguro
noBrasil;areceita,em2014,foideR$127bilhões;eocrescimento,de7,83%emrelaçãoa
2013.Dentreasmodalidadesdasaúdesuplementar,destacam-se,emtermosdeparticipação
dareceitadosetorcomoumtodo,amedicinadegrupoeascooperativasmédicas.Em2014,
arecitadamedicinadegrupofoideR$44bilhõesedascooperativasmédicas,deR$35,7
bilhões.Onúmerodebeneficiários em2015erade cercade72,2milhões, quase35%da
populaçãobrasileira.Eosetordesaúdesuplementararrecadouaoscofrespúblicosfederais
R$10bilhõesemimpostosecontribuiçõesem2014(DAINetal.,2015).
Quase a metade da renúncia fiscal do governo federal relacionada com saúde é
oriunda das deduções por despesas médicas com imposto de renda (IRPF). Em 2014, o
governo federal “gastou”, via gasto tributário, R$ 22 bilhões apenas com saúde, o que
corresponderiaa24%de recursosamaisparaoorçamentoda saúde casoesses recursos
fossemdirecionadosparagastoscomASPS,em2014.
AsdespesasmédicasdoIRPFsãoamaiorrubricadentreasmodalidadesderenúncia,
representando46,8%dototaldegastostributáriosemsaúde,conformesepodevernatabela
178
13. As despesas com assistência médica, odontológica e farmacêutica fornecidas aos
funcionáriosdasempresas(IRPJ)representaram19%dototaldosgastostributáriosemsaúde,
em2014.AestimativacalculadaporDainetal.(2015)équeogastotributáriocomsaúdefoi
deR$10,5bilhões,em2014,equeR$7,19bilhõesdessetotalsereferemexclusivamentea
planosdesaúde.
Fica evidente, portanto, o amplo espaço existente que precisa ser urgentemente
objetoderegulaçãonaáreadasaúde.
Finalmente,ocapítulo3tratoudeapontaralgunsefeitosdogastopúblicocomsaúde
sobreadesigualdade.Háumfatorpró-cíclico,peculiardosistemadesaúdebrasileiro,quenos
fazpensarno importantepapelqueoSistemaÚnicodeSaúdetemeexerce–oupoderia
exercer–nocombateàdesigualdadebrasileira.Noentanto,devidoànaturezaepeculiaridade
das relações público e privadas de nosso sistema de saúde e da falta de prioridade dos
governosemrelaçãoaoSUS,opotencialdistributivodogastopúblicocomsaúdetemsido
abafado,sejapararecompensaroefeitoregressivodosistematributário,sejapelainibição
causadapelosubfinanciamentoepelafaltadeinvestimentonaáreadasaúdepública.
Ogastoemsaúdemostrou-sebastanteefetivo(IPEA,2011;gráfico17):tudoomais
constante,aogastarR$1,00emsaúdepública,oPIBaumentariaemR$1,70peloprocesso
de multiplicação de renda. Outro estudo (IPEA, 2011a) mostrou que, nos estágios de
redistribuição de renda proposto por Silveira (2012), há um reforço da redução da
desigualdade do gasto com saúde (e educação) no estágio de renda final, no qual são
acrescidosàrendapóstributaçãoosvaloresmonetáriosdosbenefíciosemespécie(saúdee
educação). A regressividade do sistema tributário brasileiro é compensada pela
progressividadedogastosocial,especialmente,osgastoscomsaúdeeeducação,alémdos
previdenciárioseassistenciais.
Entretanto, se o gasto público federal com saúde semostrou progressivo, é de se
destacar,poroutrolado,ocaráteraltamenteregressivodarenúnciafiscaldasaúde,como
mostraoestudodeDainetal.(2015).Nessecaso,osindivíduosquepodemrealizaradedução
dosgastoscomsaúdenoimpostoderendasãoasfamíliascommaiorrendaequetêmmaior
gastocomplanosdesaúdeegastosout-of-pocket.
179
Conclusão
Estatesebuscouentenderanaturezadasrelaçõespúblico-privadasdofinanciamento
do sistema de saúde brasileiro a partir de uma moldura mais ampla do movimento de
transformaçãosofridopelossistemasuniversaisdesaúdedospaísesdaEuropaocidental–os
quederamorigemaowelfarestate–para,dessamaneira,tentarentenderanaturezadas
relaçõespúblico-privadasquetantooriginaramoSUScomoofizeramtrilharumcaminhoque,
embora, traçado pelasmesmas forças que influenciaram os sistemas universais de saúde
dessespaísesdaEuropaocidental,foiporelasafastadodocombateàdesigualdadepormeio
dos efeitos distributivos e progressivos presentes em sua configuração.Nesse percurso, a
naturezadarelaçãopúblico-privadadofinanciamentodosistemadesaúdebrasileirotemsido
fortementeinfluenciadapelaforçaquefezavançaramercantilizaçãoemváriasdimensões.
A saúde torna-se espaço de acumulação e valorização de capital. A lógica de
valorização do capital avança no espaço mercantil do complexo industrial da saúde que
influenciaequetemrelaçõesestreitas,entreoutrasáreas,comossistemasdesaúde.Essa
dimensão,emboraimportanteefundamental,nãofoiobjetodestatese.Contudo–eoque
nosinteressou–,équealógicadevalorizaçãodocapitalavançatambémemumoutroespaço,
configuradoapartirdopós-guerra,emumespaçodesmercantilizado,quefoiconcebidocomo
sistemanacionaldesaúde,criadoapartirdovalordasolidariedade,dacidadaniadosdireitos
sociais e da garantia de acesso universal para todos os cidadãos que pudessem ou não
contribuirparasustentarseufinanciamento.
Portanto, com a invasão dessa lógica de valorização do capital nesse espaço não
mercantil, frutodeumprocessodedesmercantilização,houveumacolonizaçãodopúblico
pelo privado, alterando a natureza das suas relações cujos objetivos serão, portanto,
alterados.Seantesoobjetivoeraaproteçãosocialcomovalorsolidário,agoranãoémais
esteovalorqueomove.Comoreflexo,comovimos,agestãoeosrecursosdofundopúblico
vãosendocapturadospelosinteressesdomercadodesaúdeprivadoefinanceiro.
180
A invasão dessa lógica mercantil nos arranjos dos sistemas de saúde nacionais é
emblemáticadaevoluçãodocapitalismopós-fordista.Umadasdimensõesconcretasdissoé
a mercantilização e seus efeitos sobre a natureza das relações público e privada no
financiamentodossistemasdesaúde.Nessesentido,retomamosnossahipótesedequeos
sistemasdesaúdesãoalvosdacrescentepresençadosetorprivadoporapresentaremmaior
diversidade nas formas de concepção, valores, institucionalidade e financiamento. E, na
análisedasrelaçõespúblico-privadas,noBrasil,mostramosqueosistemaprivadodesaúde
estevepresentedesdeaorigemdoSUS,queessapresençaécadavezmaisforteecrescente
equeelaassumeumanaturezanocasobrasileiroqueprejudicaaplenauniversalidadedo
sistemadesaúdebrasileiro.
Levando em conta esse movimento, algumas reflexões devem ser consideradas a
partirdosdesdobramentosdostemasdiscutidosporestatese.
Umdessesdesdobramentosserefereàmanutençãodogastopúblico,discutidano
capítulo1,edapreservaçãoeaumentodauniversalidadedoacessoaosistemadesaúdenos
paísesdaEuropaocidental,nocontextodeavançodamercantilização.
Eradeseesperarquehouvesseumadiminuiçãodogastocomsaúde,porexemplo,
diantedafortepressãodecortedegastosqueocorreuapartirdadécadade1980.Contudo,
sobaóticadalógicadevalorizaçãodocapital,ogastocomsaúdenãodeveriadiminuir,pois
eleprecisadesseincentivoparasuavalorizaçãoeexpansão.
Nessesentido,háumarelaçãoentreopúblicoeoprivadocujanaturezaassumeuma
direçãocontráriaàdovalordasolidariedadeedobemcoletivo.Elaéinvertida.Assim,por
exemplo, o seguro privado de saúde precisa que o sistema público garanta o acesso aos
serviçosdesaúdeàquelaclientelaqueseencontra,porexemplo,insolventeouquenãopode
arcar com as despesas dos seguros de saúde privados, seja o seguro de saúde de tipo
suplementar,complementarouprincipal.
Nessesentido,apreservaçãoeoaumentodoacessouniversalobservadoporGiaimo,
Kerstenestzky,Jansen-Ferreiraeoutros,porexemplo,mesmoemumcontextodeavançoda
mercantilização,temumaexplicaçãocomplexaecontraditória.Porumlado,Jansen-Ferreira
apontaaquestãodainérciainstitucional.Emumamesmadireção,éoqueprocuramosmarcar
181
emrelaçãoàdesmercantilização,queéumaforçaderesistênciadosespaçosnãomercantis
dadapeloarranjosolidárioconstituídopeloswelfarestates.Noentanto,poroutro lado,a
preservação e aumento do acesso aos sistemas de saúde dos países da Europa ocidental
tambémtêmumadimensãodeexplicaçãodadaporessalógicadocapitalavançandonesse
camponãomercantilecolonizandoesseespaço.Porumaviaescusa,essalógicatambémtem
interessedepreservareaumentaroacessouniversalaosserviçosdesaúde,poisseuobjetivo
éabocanharoslucrospormeiodaconquistadosfundospúblicosquesustentemepreservem
oseucampoprivadodeatuação,alimentando-o.
Essaexplicaçãoparecesermaisforte,donossopontodevista,doqueaoutra,embora
hajaumconvívioentreessesdoismovimentos,queacaba“nublando”ohorizontedeanálise.
Nessemesmosentido,podemosentender,também,omovimentodiscutidonatese
queapontaoesgarçamentodasfronteirasentreopúblicoeoprivado,mostradonadiscussão
sobre as tipologias e formas de financiamento dos modelos de proteção social,
especificamente,nocasodossistemasdesaúde.Quandoolhamosparaospaíses,vemosque
os arranjos de financiamento se tornam menos definidos em relação às características
predominantesoriginalmenteemcasapaís.Ahibridizaçãodasformasdefinanciamentoedas
fronteiras de atuação dos sistemas de saúde público e privado nos tipos de mercados e
serviçosquesãopermitidosaossegurosprivadosdesaúdeatuaremeemcomosedáessa
interaçãoéumexemplodisso.Vimosqueasfronteirasvãosemodificando,confundindo-see
seembaçando.
Aidentificaçãodessasformasearranjosécadavezmaiscomplexa.Noentanto,como
interpretarisso?Ora,esserecorteexplicativosoboqualolhamosaquestão,istoé,anatureza
darelaçãoentreopúblicoeocapitalprivado,tambémnospermiteinterpretaressemix,na
mesma direção: é fruto do avanço da lógica do capital dentro dos sistemas de saúde,
particularmentenoseufinanciamento.
Outro desdobramento discutido foi a forte ampliação dos mecanismos de co-
pagamentoparaalgunstiposdeserviços(quevariamemcadapaís)querecaem,muitasvezes,
sobreospacientes.Essapartilhadecustoscrescentesqueoneraospacientesalivia,poroutro
lado,apressãosobreolucrodossegurosprivadosdesaúdee,dependendodoarranjoeda
182
situação,atenua,também,apressãosobreogastopúblico.Osistemadesaúdeoriginalmente
concebidoeconstruídoparaproteçãodoscidadãos(pacientes)acabousevirandocontraeles,
comoavançodessaformademercantilização.
Contudo,esseavançodalógicadocapitalpareceencontrarumacertaresistêncianos
paíseseuropeuscentrais,cujowelfarestateépioneiro.Eissonãoàtoa.Porqueláháuma
certaresistência?Arespostanãofoiobjetodestatese,maséumaquestãointeressante.
Oponto,noentanto,éseaessaresistêncianãoseriaelaprópriapartedointeresseda
lógica do capital como considerado anteriormente na explicação para a preservação e
aumentodoacessouniversaledamanutençãodogastopúblico.
Dequalquermodo,menosarazão,maisofatoemsi–vemosresistência–interessa-
nos por outromotivo: para interpretarmos a peculiaridade, infelizmente trágica, do caso
brasileiro.Assim,aanálisedosistemadesaúdebrasileiro,desuasrelaçõespúblicoeprivadas
no financiamento, particularmente, é emblemática da não resistência. Ou, em outras
palavras,dafragilidadecomquevemosanãorealizaçãodoprojetoSUSemsuaplenitudee,
atémaisdoqueisso,dafacilidadecomqueseregride,comoéocasodarecenteaprovação
daEC95,quecongelaogastopor20anos.
NoBrasil,aexperiênciadeconstruçãodoSUSsemostraumcasoexcepcionale,de
algumaforma,“milagroso”,comovimos,pois,aconstitucionalizaçãodoSUS,segundoseus
preceitos de universalidade, unicidade e integralidade, com financiamento parte da
seguridadesocial,aconteceemummomentodecrisedessemodelonomundocentral,como
vimosnocapítulo1.Nessecaso,oBrasilconseguiu,digamosassim,serumaresistênciadesse
modelo,quandoeleeraatacadoporpaísescentraiseuropeuse,naAméricaLatina,sofriaa
privatizaçãodeseusespecíficosecaracterísticossistemasdeproteçãosocial.
EssaresistênciatemrelaçãocomofatodeomomentoderedemocratizaçãonoBrasil
tersidocoincidentecomessafasedeavançoneoliberal.Emmeioaoprocessodeaberturae
redemocratizaçãodopaís,aorganizaçãodoSUSéumadasmaisbem-sucedidasexperiências
de política pública no Brasil, junto com a previdência e a assistência social, não por
coincidência, parte da seguridade social e de seu espectro de financiamento. Entretanto,
183
comoafirmouPlíniodeArrudaSampaioapropósitodosignificadodaConstituiçãoFederalde
1988,“foiumailusão"50.
A forte presença do setor privado de saúde brasileiro desde sua origem e a falta
estruturalde investimentoemequipamentosde saúdeparaenfrentaros vazios sanitários
configuraramumadependênciadosetorprivadodesaúdequeocolocoupermanentemente
dentrodoespaçonãomercantilqueéoSUS.Maisdoque isso,a“ilusão"daConstituição
Federal de 1988, por exemplo, está no fato de os interesses privados da saúde terem
conseguido manter seu campo de atuação e até sua expansão de modo a conviver
paralelamenteaoSUS,criandoumespaçodemercadosegmentadoe,porvezes,concorrente
aoSUS.
Osplanosde saúde,porexemplo, aproveitaram-seda fraca regulaçãodomercado
privadodesaúde,porumlado,e,poroutro,foramtambémsendobeneficiadospelarenúncia
dearrecadaçãoegastotributáriocomsaúde,comovimos.
Obtervantagenseincentivosparaodesenvolvimentodeumsetorprivadodeplanos
desaúde,viarenúnciafiscalegastotributáriodasaúde,significa,nocontextodanatureza
peculiar das relações público-privadas brasileiras, prejuízo à consolidação do SUS, já que
ambosconcorremporrecursos,comovimos,nadiscussãodosubfinanciamentodoSUS.
MasesseprejuízoaoavançodoSUSnadireçãodesuauniversalidadeefetivatemum
efeito ainda pior: mitigar o potencial desse sistema em contribuir para o combate às
desigualdadessociais, tão fundamentalnomundoe,especialmente,noBrasil.Oefeitodo
processodedesmercantilizaçãomostra,assim,suaautênticabrasilidade.
50Oex-deputadoPlíniodeArrudaSampaiodeuessadeclaraçãoemdepoimentoparaodocumentárioAConstituiçãodaCidadania. Disponível em: <http://www.senado.leg.br/noticias/especiais/constituicao25anos/a-constituicao-da-cidadania.htm>.Acessoem:13jul.2017.
184
Referênciasbibliográficas
ABRAHÃOetal.EfeitoseconômicosdogastosocialnoBrasil.Perspectivasdapolíticasocial
noBrasil.Brasília:Ipea,2010.
A CONSTITUIÇÃO da cidadania. Documentário. TV Senado. Disponível em:
<http://www.senado.leg.br/noticias/especiais/constituicao25anos/a-constituicao-da-
cidadania.htm>.Acessoem:13jul.2017.
AGÊNCIANacionaldeSaúdeSuplementar(ANS).CadernodeInformaçãodeRessarcimentoe
IntegraçãocomoSUS.RiodeJaneiro:v.5,julhode2009.
ASSOCIAÇÃONACIONALDOSAUDITORESFISCAISDAPREVIDÊNCIASOCIAL(ANFIP).Análise
da Seguridade Social em 2014. Brasília, julho de 2015. Disponível em:
<http://www.anfip.org.br/publicacoes/20150713162859_Analise-da-Seguridade-
Social-2014_13-07-2015_20150710-Anlise-Seguridade-2014-Verso-Final.pdf>. Acesso
em:25set.2016.
AURELIANO, L.;DRAIBE, S.AespecificidadedoWelfareStateBrasileiro. In:DAIN,S. (org)A
Política Social em Tempo de Crise, Economia e Desenvolvimento 3. Brasília:
MPAS/CEPAL,1989.p.86-179.
BAHIA, L.; SCHEFFER, M. Planos e Seguros de Saúde: o que todos deve saber sobre a
assistênciamédicasuplementarnoBrasil.SãoPaulo:UNESP,2010,156p.
BAHIA,Ligia.AscontradiçõesentreoSUSuniversaleastransferênciasderecursospúblicos
paraosplanosesegurosprivadosdesaúde.Ciência&saúdecoletiva,RiodeJaneiro,
v. 13, n. 5, p. 1385-1397, out. 2008. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141381232008000500002
&lng=pt&nrm=iso>.Acessoem:25set.2016.
______.PadrõesemudançasnofinanciamentoeregulaçãodoSistemadeSaúdeBrasileiro:
impactossobreasrelaçõesentreopúblicoeprivado.Saúdesoc.,SãoPaulo,v.14,n.
2, p. 9-30, ago. 2005. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010412902005000200003
&lng=pt&nrm=iso>.Acessoem:25set.2016.
185
BATIFOULIER, Philippe. Aux origines de la privatisation du financement du soin: quand la
théorie de l’aléamoral rencontre le capitalisme sanitaire.Revue de la régulation.
2015.Disponívelem:<http://regulation.revues.org/11196>.Acessoem:13jul.2017.
BELLUZZO,L.G.M.AsegundamortedasDiretasJá.RevistaCartaCapital,Edição898,28de
abril de 2016. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/revista/898/a-
segunda-morte-das-diretas-ja>.Acessoem:25set.2016.
______.AdestituiçãodeumaConstituição.RegiãoeRedes–caminhodauniversalizaçãoda
saúde no Brasil. Disponível em: <http://www.resbr.net.br/a-destituicao-de-uma-
constituicao/>.Acessoem:25set.2016.
BELLUZZO, L. G. M.; GALÍPOLO, G. PEC 241, a moratória do contrato social. Revista
CartaCapital, 16 de setembro de 2016. Disponível em:
<https://www.cartacapital.com.br/revista/918/pec-241-a-moratoria-do-contrato-
social>.Acessoem:13jul.2013.
BEVERIDGE, W. Social Insurance and Allied Services. Report presented to Parliament by
CommandofHisMajesty.Londres:novembrode1942.
BRAGA,J.A.QuestãodaSaúdenoBrasil.UmestudodasPolíticasSociaisemSaúdePúblicae
Medicina Previdenciária no Desenvolvimento Capitalista. 1978, 209 p. Dissertação
(mestrado em Economia e Planejamento Econômico) – Universidade Estadual de
Campinas,InstitutodeEconomia,Campinas,1978.
BRAGA, J. C. S.; PAULA, S. G. Saúde e previdência: estudos de política social. São Paulo:
Hucitec,1ªedição,1981.
BRAGA,J.C.S.;SILVA,P.L.B.Amercantilizaçãoadmissíveleaspolíticaspúblicasinadiáveis:
estruturaedinâmicadosetorsaúdenoBrasil.In:NEGRI,B;GIOVANNI,G.(orgs).Brasil:
radiografiadasaúde.Campinas:Unicamp,IE,2001.
BRASIL.MinistériodaSaúde.Relatórioda8ªConferênciaNacionaldaSaúde.Brasília,DF:
Ministério da Saúde, 1986. Disponível em:
<http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/Relatorios/relatorio_8.pdf>.Acessoem:19
set.2016.
186
______.MinistériodaSaúde.RelatóriodaComissãodeReformaSanitária.RiodeJaneiro:
1986a. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd05_07.pdf>.
Acessoem:19set.2016.
______.MinistériodaSaúde.SecretariadeGestãoEstratégicaeParticipativa.Aconstrução
doSUS:históriasdaReformaSanitáriaedoProcessoParticipativo.Brasília,DF:2006.
______. Ministério da Saúde, Agência Nacional de Saúde. Glossário temático: saúde
suplementar.SérieA.NormaseManuaisTécnicos.Brasília,DF:EditoradoMinistério
daSaúde,2009,84p.
______.MinistériodaFazenda;MinistériodoPlanejamento,DesenvolvimentoeGestão.EMI
83/2016, de 15 de junho de 2016. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/ExpMotiv/EMI/2016/83.htm>.
Acessoem:16jul.2017.
______.Constituição.Emendaconstitucionaln.95,de15dedezembrode2016a.Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm>.
Acessoem:13jul.2017.
COELHO, J.G.L. et al. Reforma sanitária: estratégias políticas para a Constituinte (Mesa-
redondado Seminário daAbrasco). In: FLEURY, S.; Bahia, L.; AMARANTE, P. (orgs).
Saúdeemdebate:fundamentosdareformasanitária.RiodeJaneiro:Cebes,2008,p.
185-198.
CORDEIRO,H.Asempresasmédicas:transformaçõescapitalistasdapráticamédica.Riode
Janeiro:Graal,1984.
______.Financiamentodosetordesaúdepropostaparaatransiçãodemocrática.In:Saúde
emdebate:fundamentosdareformasanitária,n.17,jul.1985.RiodeJaneiro:Cebes,
2008,p.169-172.
COSTA, A. M., BAHIA, L., SCHEFFER, M. Onde foi parar o sonho do SUS?. Le Monde
Diplomatique Brasil, 2 de abril de 2013. Disponível em:
<http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1395>.Acessoem:25set.2016.
187
COSTA,L.S.;BAHIA,L.;GADELHA,C.A.G.(orgs.).Saúde,DesenvolvimentoeInovação,v.01,
1ª.ed.RiodeJaneiro:Cepesc,2015,368p.
______.Saúde,DesenvolvimentoeInovação,v.02.1ª.ed.RiodeJaneiro:Cepesc,2015b,349
p.
COSTA,N.R.Políticaspúblicas,direitoseinteresses:reformasanitáriaeorganizaçãosindical
noBrasil.In:EIBENSCHUTZ,C.(org.).Políticadesaúde:opúblicoeoprivado.Riode
Janeiro:Fiocruz,1996,p.345-362.
DAIN,S.Dodireitosocialàmercadoria.2000.TesedeProfessoraTitular.RiodeJaneiro:UERJ,
InstitutodeMedicinaSocial,2000.
______.OsváriosmundosdofinanciamentodaSaúdenoBrasil:umatentativadeintegração.
Ciênc.saúdecoletiva,RiodeJaneiro,v.12,supl.p.1851-1864,nov.2007.Disponível
em:<http://www.scielo.br/pdf/csc/v12s0/08.pdf>.Acessoem:16jul.2016.
DAIN,S.etal.RegimeFiscaldosEstabelecimentoseEmpresasdePlanoseSegurosPrivados
deSaúde:legislaçãofiscal,mensuraçãodosgastostributários,relaçõescomapolítica
fiscal,impactossobreaequidadeerelaçõescomaregulação.RelatórioFinal.Agência
Nacional de Saúde Suplementar, novembro de 2015. Disponível em:
<https://saudeamanha.fiocruz.br/wp-content/uploads/2016/12/relatorio-final-0-
Regime-Fiscal-Planos-Privados.pdf>.Acessoem:18jun.2017.
DAIN,S.;CASTRO,K.P.AlternativasparaoFinanciamentodaSaúdepelaUnião:espaçofiscal
e oportunidades para as próximas duas décadas. In:GADELHA, P.;NORONHA, J.C.;
DAIN,S.etal. (orgs.).BrasilSaúdeAmanhã:população,economiaegestão.Riode
Janeiro:EditoraFIOCRUZ,2016,p.137-187.
DAIN, S.; JANOWITZER, R. A saúde complementar no contexto dos sistemas de saúde: a
experiênciainternacional.In:BIASOTO,G.;SILVA,P.L.B.;DAIN,S.(orgs.).Regulação
dosetorsaúdenasAméricas:asrelaçõesentreopúblicoeoprivadonumaabordagem
sistêmica. Série técnica desenvolvimento de sistemas e serviços de saúde. Brasília:
OPAS,2006,p.17-70.
188
DIEESE2016–DepartamentoIntersindicaldeestatísticaeestudossocioeconômicos.–Nota
Técnican.16,setembro2016.PECn.241/2016:onovoregimefiscaleseuspossíveis
impactos. Disponível em:
<https://www.dieese.org.br/notatecnica/2016/notaTec161novoRegimeFiscal.pdf>.
Acessoem:04jul.2017.
DONNANGELO,M.C. F.MedicinaeSociedade: omédicoe seumercadode trabalho. São
Paulo:Pioneira,1975.
DRAIBE,S.M.Rumosemetamorfoses–EstadoeindustrializaçãonoBrasil.RiodeJaneiro:
PazeTerra,1985.
______.ApolíticasocialnoperíodoFHCeosistemadeproteçãosocial.TempoSocial–Revista
deSociologiadaUSP,2003,v.15,n.2,p.63-101.
______. As políticas sociais brasileiras: diagnósticos e perspectivas. In: Prioridades e
PerspectivasdePolíticasPúblicasparaaDécadade90.Brasília,IPEA,1990.
______. As políticas sociais do regimemilitar brasileiro. In: SOARES, G; D’ARAÚJO,M. C.
(orgs.).21AnosdeRegimeMilitar.RiodeJaneiro:FGV,1994.
______. EstadodeBem-Estar, desenvolvimentoeconômicoe cidadania: algumas liçõesda
literaturacontemporânea.In:HOCHMANG.(org.).PolíticasPúblicasnoBrasil.Riode
Janeiro:EditoraFiocruz,2007.p.27-64.
ESPING-ANDERSEN,G.(ed.).WhyweneedanewWelfareState?Oxford/New-York:Oxford
UniversityPress,2002.
______.Astrêseconomiaspolíticasdowelfarestate.LuaNova.SãoPaulo,n.24,p.85-116,
set.1991.
______.TheThreeWorldsofWelfare capitalism.New Jersey: PrincetonUniversity Press,
1990.
FAGNANI,E.ProteçãosocialnoBrasil(1964-2002):entreacidadaniaeacaridade.2005.Tese
(DoutoradoemCiênciasEconômicas)–UniversidadeEstadualdeCampinas,Instituto
deEconomia,Campinas,2005.
189
FAUSTO,M.C.R.;VIANA,A.L.Atençãobásicaeproteçãosocial:universalismoxfocalismoe
oespaçonãomercantildaassistência.In:VIANA,A.L.(org.).Proteçãosocial:dilemas
edesafios.SãoPaulo:Hucitec,2005.
FAVERET FILHO, P.; OLIVEIRA, P. J. A. Universalização excludente: reflexões sobre as
tendênciasdosistemadesaúde.PlanejamentoePolíticasPúblicas,n.3,p.136-162,
junho1990.
FLEURY TEIXEIRA, S.; OLIVEIRA, J. A. Jaime. Previdência Social: 60 anos de História da
Previdência no Brasil. Coleção Saúde e Realidade Brasileira. Petrópolis: Ed. Vozes,
1989.
FIOCRUZetal.AsaúdenoBrasilem2030:diretrizesparaaprospecçãoestratégicadosistema
desaúdebrasileiro.RiodeJaneiro:FundaçãoOswaldoCruz,2012.
FUNDAÇÃOFriedrichEbertStiftung(FES)etal.Austeridadeeretrocesso:finançaspúblicase
política fiscal no Brasil. São Paulo: setembro de 2016. Disponível em:
<http://brasildebate.com.br/wp-content/uploads/Austeridade-e-Retrocesso.pdf>.
Acessoem:18jun.2017.
GARCIA, L. P. et al. Gastos das famílias brasileiras com medicamentos segundo a renda
familiar:análisedaPesquisasdeOrçamentosFamiliares2002-2003ede2008-2009.
CadernosdeSaúdePública,v.29,n.8,p.1605-1616,2013.
GARCIA,L.P.;OCKÉ-REIS,C.O.;MAGALHÃES,L.C.G.etal.Gastoscomplanosdesaúdedas
famílias brasileiras: estudo descritivo com dados das Pesquisas de Orçamentos
Familiares2002-2003e2008-2009.Ciência&SaúdeColetiva,v.20,n.5,p.1425-1434,
2015.
GENTILLE DE MELLO, Carlos. Medicina Previdenciária. In: Saúde e Medicina no Brasil:
ContribuiçõesparaumDebate.(org.)ReinaldoGuimarães.SérieSaúdeeSociedade.
RiodeJaneiro:Graal,1970.
GERSCHMAN,S.Ademocraciainconclusa:umestudodareformasanitáriabrasileira.2ªed.
RiodeJaneiro:Fiocruz,2004.
190
GIAIMO,Susan;MANOW,Philip.AdaptingthewelfareState.ThecaseofhealthcareReform
inBritain,Germany,andtheUnitedStates.ComparativePoliticalStudies,v.32,n.8,
December,1999(p.967-1000).SagePublications,Inc.
GIAIMO,Susan.Importingourownbestideasonhealthcare.Fevereirode2014.Disponível
em: <http://www.jsonline.com/news/opinion/importing-our-own-best-ideas-on-
health-care-b99199833z1-244426831.html>.Acessoem:16jul.2016.
______.MarketsandMedicine:ThePoliticsofHealthCareReforminBritain,Germany,and
theUnitedStates.TheUniversityofMichinganPress,2002.
______.ReforminghealthcareintheUnitedStates,Germany,andSouthAfrica:comparative
perspectivesonhealth.PerspectivesinComparativePolitics.PalgraveMacmillanUS,
2016.
GIMENEZ,D.M.PolíticassociaisedesequilíbriosregionaisnoBrasilemtemposdecrise.Texto
paradiscussãon.301.Campinas:IE/UNICAMP,2017.
GOUVEIA,M.T.C.deS.Ateiadodireitoàsaúde:entreopostoeodisposto.2016.Tese
(DoutoradoemSaúdeColetiva)–UniversidadedoEstadodoRiodeJaneiro,Instituto
deMedicinaSocial,RiodeJaneiro,2016.
HEMERIJCK,A.ArevoluçãosilenciosadoparadigmadeinvestimentosocialnaUniãoEuropeia.
In:RODRIGUES,P.H.A.;SANTOS,I.S.(orgs.).PolíticaseriscossociaisnoBrasilena
Europa: convergências e divergências. Rio de Janeiro: Cebes; São Paulo: Hucitec
Editora,2017.p.25-60.
HEMERIJCK, A.; VYDRA, S. Navegando na análise da política de investimento social. In:
RODRIGUES, P.H. A.; SANTOS, I. S. (orgs.).Políticas e riscos sociais noBrasil e na
Europa: convergências e divergências. Rio de Janeiro: Cebes; São Paulo: Hucitec
Editora,2017.p.61-80.
HSIAO,W.Whyisasystemicviewofhealthfinancingnecessary?HealthAffairs,Millwood,v.
26,n.4,p.950-961,2007.
INSTITUDODEPESQUISAECONÔMICAAPLICADA(IPEA).Gastoscomapolíticasocial:alavanca
paraocrescimentocomdistribuiçãoderenda.ComunicadosdoIpea,n.75,p.3-16,
191
2011.
______. Equidade fiscal no Brasil: impactos distributivos da tributação e do gasto social.
ComunicadosdoIpea,n.92,p.3-25,2011a.
JANSEN-FERREIRA,M.Tendênciasecontratendênciasdemercantilização:asreformasdos
sistemasdesaúdealemão,francêsebritânico.2016.Tese(DoutoradoemServiçosde
SaúdePública)–UniversidadedeSãoPaulo,FaculdadedeSaúdePública,SãoPaulo,
2016.
JONES, F. The effects of taxes and benefits on household income, 2006/07. Economic &
Labour Market Review, v. 2, n. 7, p. 37-47, jul. 2008. Disponível em:
<https://www.ons.gov.uk/ons/rel/elmr/economic-and-labour-market-review/no--7--
july-2008/economic---labour-market-review.pdf%23page%3D37&hl=pt-
BR&sa=X&scisig=AAGBfm0rdtqEpLTGyELRTy2AWApvC0uINw&nossl=1&oi=scholarr&
ved=0ahUKEwjZ08ed9bDSAhXHGJAKHW0wDogQgAMIGSgAMAA>. Acesso em: 10
nov.2016.
KERSTENETSKY, C. L. Democracia eWelfare. In:MARTINS, C. B.; LESSA, R.Horizontes das
Ciências Sociais no Brasil (Ciência Política), São Paulo: Anpocs/Editora
Barcarolla/DiscursoEditorial/ICH,2010.
______.OEstadodobem-estarsocialnaidadedarazão.RiodeJaneiro:Campus-Elsevier,
2012.
LAVAL, C. Le malade imaginaire du capitalisme sanitaire. Revue de la régulation. 2015.
Disponívelem:<http://regulation.revues.org/11098>.Acessoem:13jul.2017.
LECTURES revues. Publications reçues 2014. Disponível em:
<https://lectures.revues.org/15649>.Acessoem:13jul.2017.
LEVCOVITZ,Eduardo.TransiçãoxConsolidação:ODilemaEstratégicodaConstruçãodoSUS.
UmEstudosobreasReformasdaPolíticaNacionaldaSaúde–1974/1996.1997.Tese
(DoutoradoemSaúdeColetiva)–UniversidadeEstadualdoRiodeJaneiro,Institutode
MedicinaSocial,RiodeJaneiro,1997.
McCARTHY, Niall. “The World’s Biggest Employers”. Disponível em:
192
<https://www.forbes.com/sites/niallmccarthy/2015/06/23/the-worlds-biggest-
employers-infographic/#6f30477b686b>.Acessoem:12jul.2017.
MARQUES,R.M.;MENDES,A.OsdilemasdofinanciamentodoSUSnointeriordaseguridade
social.EconomiaeSociedade,v.14,n.1(24),p.159-175,jan/jun.2005.
______. A problemática do financiamento da saúde pública brasileira: de 1985 a 2008.
EconomiaeSociedade(UNICAMP.Impresso),v.21,p.345-362,2012.
MÉDICI, A.C. Incentivos governamentais ao setor privado de saúde no Brasil. Revista de
administraçãopública,RiodeJaneiro:FGV,26(2):79-115,abr-jun.1992.
______. Economia e financiamento do setor saúde no Brasil: balanços e perspectivas do
processo de descentralização. In: AdSAUDE-Série Temática. Universidade de São
Paulo.FaculdadedeSaúdePública,1994.
______.Aspectosteóricoseconceituaisdofinanciamentodaspolíticasdesaúde.In:PIOLA,S.
F;VIANNA,S.M.EconomiadaSaúde:conceitoecontribuiçãoparaagestãodasaúde.
3ªedição.Brasília:IPEA,2002,p.23-68.
MELLO,J.M.C.Consequênciasdoneoliberalismo.EconomiaeSociedade,v.1,n.1,p.59-
67,1992.
______.OCapitalismoTardio.SãoPaulo:UNESP,2009.
MELLO,J.M.C.;NOVAIS,F.A.Capitalismotardioesociabilidademoderna.In:SCHWARCZ,L.
História da Vida Privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. São
Paulo:CompanhiadasLetras,1998.
MELO,M.F.G.C.Oprocessorecentededescentralizaçãodapolíticadesaúde:ocasode
Santos. 1999. Dissertação (Mestrado em Economia) – Universidade Estadual de
Campinas,InstitutodeEconomia,Campinas,1999.
MYLES, J. 1984.Old Age in theWelfare State: The Political Economy of Public Pensions.
Boston:LittleBrown,1984.
NARDI, A. C. F. É no município que a saúde acontece e é ele que mais está investindo.
Disponívelem:<http://www.conasems.org.br/e-no-municipio-que-a-saude-acontece-
193
e-e-ele-que-mais-esta-investindo-por-antonio-carlos-figueiredo/>. Acesso em: 13
jul.2017.
NORONHA,J.C.;LECOVITZ,E.AIS-SUDS-SUS:oscaminhosdodireitoàsaúde.In:GUIMARÃES,
R.;TAVARES,R.(orgs.).SaúdeesociedadenoBrasil:anos8,p.73-111.RiodeJaneiro:
Abrasco/IMS/UERJ,1994.
OCDE.TowardsHigh-PerformingHealthSystems.Paris:OCDE,2004.
______. Health expenditure and financing: Health expenditure indicators. OECD Health
Statistics (database). Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1787/data-00349-en>.
Acessoem:09jul.2017.
OCKÉ-REIS, C. O. Mensuração dos Gastos Tributários: o caso dos planos de saúde –
2003/2011.NotatécnicadoIpean.5.Brasília:Ipea,2013.
OGIGANTEmalamado.RevistaVeja,n.172,p.70-80,22dedezembrode1971.Reportagem
especial. Disponível em:
<https://acervo.veja.abril.com.br/index.html#/edition/34383?page=70§ion=1>
Acessoem:9jun.2017.
OIT.Sécuritésociale:quelleméthodedefinancement?Genebra:OIT,1983.
ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DA SAÚDE (OPAS). Health in the Americas 2007.
Washington:Opas,2007.
PAIM, J. et al. O sistema de saúde brasileiro: história, avanços e desafios. The Lancet.
Disponívelem:<http://actbr.org.br/uploads/conteudo/925_brazil1.pdf>.Acessoem:
18jun.2017.
PEREIRA,C.A.PolíticaPúblicacomoCaixadePandora:OrganizaçãodeInteresses,Processo
DecisórioeEfeitosPerversosnaReformaSanitáriaBrasileira-1985-1989.Dados,Rio
de Janeiro, v. 39, n. 3, p. 1996. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-
52581996000300006&lng=en&nrm=iso>.Acessoem:25set.2016.
PIKETTY,T.OcapitalnoséculoXXI.RiodeJaneiro:EditoraIntrínseca,2014.
194
PILATTI,A.AConstituintede1987-1988:progressistas,conservadores,ordemeconômicae
regrasdojogo.RiodeJaneiro:PUC/LumenJuris,2008.
PIOLA, S. F. et al. Gasto tributário e conflito distributivo na saúde. Políticas sociais:
acompanhamentoeanálise,n.17–VinteanosdaConstituiçãoFederal,v.1,cap.3.
Brasília:Ipea,2009.
PIOLA,S.F.etal.FinanciamentoPúblicodaSaúde:umahistóriaàprocuraderumo.Texto
paradiscussãodoIpean.1.846.RiodeJaneiro:Ipea,2013.
PMDB.EsperançaeMudança:umapropostadegovernoparaoBrasil.RevistadoPMDB,Rio
deJaneiro,FundaçãoPedrosoHorta,anoII,n.4,out./nov.1982
POLANYI,K.Agrandetransformação.Asorigensdenossaépoca.RiodeJaneiro:Elsevier,2ª
edição,2012.
POSSAS, Cristina. Saúde e Trabalho. A crise da Previdência Social. 2ª ed. São Paulo:
Ed.Hiucitec,1989.
RODRIGUES,P.H.A.;KORNIS,G.E.M.Universalidadeefocalização,reflexõessobreopós-
neoliberalismonaspolíticassociais.In:CONGRESSOBRASILEIRODECIÊNCIASSOCIAIS
EHUMANASEMSAÚDE,2013.AnaisdoVICongressoBrasileirodeCiênciasSociaise
HumanasemSaúde,RiodeJaneiro:Abrasco,2013.
RODRIGUEZNETOSaúde:promessaselimitesdaConstituição.RiodeJaneiro:Fiocruz,2003.
ROSSI,P.;DWECKE.Impactosdonovoregimefiscalnasaúdeeeducação.CadernosdeSaúde
Pública. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csp/v32n12/1678-4464-csp-32-
12-e00194316.pdf>.Acessoem:18jun.2017.
SALM,C.;BAHIA,L.Tênis,Bermuda,FonenoOuvido...VaiSaúdeeEducaçãoTambém?. In:
BARTELI, Dawid Danilo (org.). A “Nova Classe Média” no Brasil como Conceito e
ProjetoPolítico.1ªed.,p.124-135.RiodeJaneiro:FundaçãoHeinrichBöllStiftung,
2013. Disponível em: <https://br.boell.org/sites/default/files/ncmlivrohbs.pdf>.
Acessoem:18jun.2017.
195
SANTOS, I. S. Evidência sobre omix público-privado em países com cobertura duplicada:
agravamento das iniquidades e da segmentação em sistemas nacionais de saúde.
Ciência&SaúdeColetiva,v.16,n.6,p.2743-2752,2011.
SANTOS,L.OpoderregulamentadordoEstadosobreasaçõeseserviçosdesaúde.In:FLEURY,
S.(org.).Saúdeedemocracia:a lutadoCEBES.SãoPaulo:LemosEditorial,1997.p.
241-279.
SANTOS,N.P.SUSforadorumo:buscadeluzes:acimadoSUS.SaúdeDebate,v.39,n.106,
p. 582-600, jul/set 2015. Rio de Janeiro, Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/sdeb/v39n106/0103-1104-sdeb-39-106-00582.pdf>.
Acessoem:18jun.2017.
SILVA,HudsonPacífico.DimensõesdasaúdenoBrasil:proteçãosocial,inovaçãotecnológica
e acumulação de capital. 2007. Tese (Doutorado em Medicina Preventiva) –
UniversidadedeSãoPaulo,FaculdadedeMedicina,SãoPaulo,2007.
SILVEIRA,F.G.EquidadeFiscal:impactosdistributivosdatributaçãoedogastosocial.Brasília:
Esaf,TN,2012.
SILVEIRA,F.G.etal.FiscalEquity:distributional impactsoftaxationandsocialspending in
Brazil.Brasília:InternationalPolicyCentreforInclusiveGrowth,2013.(WorkingPaper
115).
STRALEN,C.J.Owelfarestateontem,hojeeamanhã.In:RODRIGUES,P.H.A.;SANTOS,I.S.
(orgs.).PolíticaseriscossociaisnoBrasilenaEuropa:convergênciasedivergências.
RiodeJaneiro:Cebes;SãoPaulo:HucitecEditora,2017.p.9-24.
SOARES,L.T.R.AjusteneoliberaledesajustesocialnaAméricaLatina.Campinas:Editora
Vozes,2001.
TEMPORÃO,J.G.OComplexoIndustrialdaSaúde:PúblicoePrivadonaProduçãoeConsumo
de Vacinas no Brasil. 2002.Tese (Doutorado emAdministração e Planejamento em
Saúde)–UniversidadedoRiodeJaneiro,InstitutodeMedicinaSocial,RiodeJaneiro,
2002.
196
______.OmercadoprivadodevacinasnoBrasil:amercantilizaçãonoespaçodaprevenção.
Cad.SaúdePública,RiodeJaneiro,v.19,n.5,p.1323-1339,out,2003.Disponívelem:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
311X2003000500011&lng=en&nrm=iso>.Acessoem:25ago.2015.
TITMUSS,R.M.SocialPolicy:anintroduction.NovaYork:PantheonBooks,1974.
VIANA,A.L.D.A.EntrevistaconcedidaaoObservatóriodeAnálisePolíticaemSaúde(OASP)
em outubro de 2016. Disponível em:
<http://analisepoliticaemsaude.org/oaps/documento/noticias/1477082114580a7c02
384a0.pdf>.Acessoem:26jun.2017.
VIANA,A.L.D.A.etal.Financiamentoestávelesuficienteparagarantirauniversalidade.In:
RegiãoeRedes,2014.CaminhosdaUniversalizaçãodaSaúdenoBrasil(desafiosdo
sistema de saúde brasileiro). Disponível em: <http://www.resbr.net.br/wp-
content/uploads/historico/DesafiosSUS_03.pdf>.Acessoem:25set.2016.
VIANA,A.L.D.A.;SILVA,H.P.;ELIAS,P.E.M.Economiapolíticadasaúde: introduzindoo
debate.DivulgaçãoemSaúdeparaDebate,v.37,p.7-20,2007.
VIANNA, M. L. T. W. A americanização (perversa) da seguridade social. Rio de Janeiro:
Revan/Iuperj-Ucam,1998.
______. Universalismo x focalização e outras controvérsias: espécies em extinção? In:
MELAMED, C.; PIOLA, S.F. (orgs.). Políticas públicas e financiamento federal do
sistemaúnicodesaúde.Brasília/DF:IPEA,p.15-34,2011.
______.AviabilidadedeumSistemaUniversaldeSaúdenoBrasil.Agostode2015.Disponível
em: <http://plataformapoliticasocial.com.br/a-viabilidade-de-um-sistema-universal-
de-saude-no-brasil/>.Acessoem:25set.2016.
VIANNA,S.M.etal.AtençãodealtacomplexidadenoSUS:desigualdadesnoacessoeno
financiamento,v.1.Brasília:fevereiro,2005.
VIEIRA,F.S.;PIOLA,S.F.Restosapagardedespesascomaçõeseserviçospúblicosdesaúde
daUnião:impactosparaofinanciamentofederaldoSistemaÚnicodeSaúdeeparaa
197
elaboraçãodascontasdesaúde.TextoparadiscussãodoIpean.2225.Brasília:Ipea,
2016.
WORLDHealthOrganization(WHO).WorldHealthStatistics(relatório)2014.Disponívelem:
<http://www.who.int/gho/publications/world_health_statistics/2014/en/>. Acesso
em:13jul.2017.
______. Global Health Observatoty (GHO) (database) 2017. Disponível em:
<http://www.who.int/gho/en/>.Acessoem:13jul.2017.
198
Anexos
199
Anexodocapítulo2
A título de ilustração da evolução de nosso sistema de saúde, Paim et al. (2011)
mostram,noquadro3,umasíntesedascaracterísticasprincipaisenvolvidasnoprocessode
formaçãoeorganizaçãodenossosistemadesaúde.
Quadro3-Oprocessohistóricodaorganizaçãodosetordesaúdeeoantecedenteparaosistemabrasileirodecuidadodasaúde
Fonte:PAIMetAl.,2011,p.16-17.
200
Quadro3-Oprocessohistóricodaorganizaçãodosetordesaúdeeoantecedenteparaosistemabrasileirodecuidadodasaúde(continuação)
Fonte:PAIMetal.,2011,p.16-17.
201
Anexosdocapítulo3TextodaEmendaConstitucional95.
PresidênciadaRepública
CasaCivil
SubchefiaparaAssuntosJurídicos
EMENDACONSTITUCIONALNº95,DE15DEDEZEMBRODE2016
Altera o Ato das Disposições ConstitucionaisTransitórias,parainstituiroNovoRegimeFiscal,edáoutrasprovidências.
AsMesasdaCâmaradosDeputadosedoSenadoFederal,nostermosdo§3ºdoart.60daConstituiçãoFederal,promulgamaseguinteEmendaaotextoconstitucional:
Art.1ºOAtodasDisposiçõesConstitucionaisTransitóriaspassaavigoraracrescidodosseguintesarts.106,107,108,109,110,111,112,113e114:
“Art.106.FicainstituídooNovoRegimeFiscalnoâmbitodosOrçamentosFiscaledaSeguridadeSocialdaUnião,que vigorará por vinte exercícios financeiros, nos termos dos arts. 107 a 114 deste Ato das DisposiçõesConstitucionaisTransitórias.”
“Art.107.Ficamestabelecidos,paracadaexercício,limitesindividualizadosparaasdespesasprimárias:
I-doPoderExecutivo;
II-doSupremoTribunalFederal,doSuperiorTribunaldeJustiça,doConselhoNacionaldeJustiça,daJustiçadoTrabalho,daJustiçaFederal,daJustiçaMilitardaUnião,daJustiçaEleitoraledaJustiçadoDistritoFederaleTerritórios,noâmbitodoPoderJudiciário;
III - do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Tribunal de Contas da União, no âmbito do PoderLegislativo;
IV-doMinistérioPúblicodaUniãoedoConselhoNacionaldoMinistérioPúblico;e
V-daDefensoriaPúblicadaUnião.
§1ºCadaumdoslimitesaqueserefereocaputdesteartigoequivalerá:
I-paraoexercíciode2017,àdespesaprimáriapaganoexercíciode2016,incluídososrestosapagarpagosedemaisoperaçõesqueafetamoresultadoprimário,corrigidaem7,2%(seteinteirosedoisdécimosporcento);e
202
II -paraosexercíciosposteriores,aovalordo limitereferenteaoexercício imediatamenteanterior,corrigidopelavariaçãodoÍndiceNacionaldePreçosaoConsumidorAmplo-IPCA,publicadopeloInstitutoBrasileirodeGeografiaeEstatística,oudeoutroíndicequevierasubstituí-lo,paraoperíododedozemesesencerradoemjunhodoexercícioanterioraquesereferealeiorçamentária.
§2ºOslimitesestabelecidosnaformadoincisoIVdocaputdoart.51,doincisoXIIIdocaputdoart.52,do§1ºdoart.99,do§3ºdoart.127edo§3ºdoart.134daConstituiçãoFederalnãopoderãosersuperioresaosestabelecidosnostermosdesteartigo.
§ 3º A mensagem que encaminhar o projeto de lei orçamentária demonstrará os valores máximos deprogramaçãocompatíveiscomoslimitesindividualizadoscalculadosnaformado§1ºdesteartigo,observadosos§§7ºa9ºdesteartigo.
§4ºAsdespesasprimáriasautorizadasnaleiorçamentáriaanualsujeitasaoslimitesdequetrataesteartigonãopoderãoexcederosvaloresmáximosdemonstradosnostermosdo§3ºdesteartigo.
§5ºÉvedadaaaberturadecréditosuplementarouespecialqueamplieomontantetotalautorizadodedespesaprimáriasujeitaaoslimitesdequetrataesteartigo.
§6ºNãoseincluemnabasedecálculoenoslimitesestabelecidosnesteartigo:
I-transferênciasconstitucionaisestabelecidasno§1ºdoart.20,noincisoIIIdoparágrafoúnicodoart.146,no§5ºdoart.153,noart.157,nosincisosIeIIdoart.158,noart.159eno§6ºdoart.212,asdespesasreferentesaoincisoXIVdocaputdoart.21,todosdaConstituiçãoFederal,eascomplementaçõesdequetratamosincisosVeVIIdocaputdoart.60,desteAtodasDisposiçõesConstitucionaisTransitórias;
II-créditosextraordináriosaqueserefereo§3ºdoart.167daConstituiçãoFederal;
III-despesasnãorecorrentesdaJustiçaEleitoralcomarealizaçãodeeleições;e
IV-despesascomaumentodecapitaldeempresasestataisnãodependentes.
§ 7ºNos três primeiros exercícios financeiros da vigência doNovoRegime Fiscal, o Poder Executivo poderácompensarcomreduçãoequivalentenasuadespesaprimária,consoanteosvaloresestabelecidosnoprojetodeleiorçamentáriaencaminhadopeloPoderExecutivonorespectivoexercício,oexcessodedespesasprimáriasemrelaçãoaoslimitesdequetratamosincisosIIaVdocaputdesteartigo.
§8ºAcompensaçãodequetratao§7ºdesteartigonãoexcederáa0,25%(vinteecincocentésimosporcento)dolimitedoPoderExecutivo.
203
Texto da Exposição deMotivos Interministerial (EMI) que acompanha o texto da EmendaConstitucional95.SUBCHEFIADEASSUNTOSPARLAMENTARESEMIn.00083/2016MFMPDGBrasília,15dejunhode2016.ExcelentíssimoSenhorVice-PresidentedaRepública,noexercíciodocargodePresidentedaRepública,1.TemosahonradesubmeteràelevadaconsideraçãodeVossaExcelênciaPropostadeEmendaàConstituiçãoquevisacriaroNovoRegimefiscalnoâmbitodaUnião.Esseinstrumentovisareverter,nohorizontedemédioelongoprazo,oquadrodeagudodesequilíbriofiscalemquenosúltimosanosfoicolocadooGovernoFederal.2.Faz-senecessáriamudançaderumosnascontaspúblicas,paraqueoPaísconsiga,comamaiorbrevidadepossível,restabeleceraconfiançanasustentabilidadedosgastosedadívidapública.Éimportantedestacarque,dadooquadrodeagudodesequilíbriofiscalquesedesenvolveunosúltimosanos,esseinstrumentoéessencialpara recolocar a economia em trajetória de crescimento, com geração de renda e empregos. Corrigir odesequilíbriodascontaspúblicasécondiçãonecessáriapararetiraraeconomiabrasileiradasituaçãocríticaqueVossaExcelênciarecebeuaoassumiraPresidênciadaRepública.3.NoâmbitodaUnião,adeterioraçãodoresultadoprimárionosúltimosanos,queculminarácomageraçãodeum déficit de até R$170 bilhões este ano, somada à assunção de obrigações, determinou aumento semprecedentesdadívidapúblicafederal.Defato,aDívidaBrutadoGovernoGeralpassoude51,7%doPIB,em2013,para67,5%doPIBemabrilde2016easprojeçõesindicamque,senadaforfeitoparaconteressaespiral,o patamarde80%doPIB seráultrapassadonospróximos anos.Note-seque, entre as consequências dessedesarranjofiscal,destacam-seoselevadosprêmiosderisco,aperdadeconfiançadosagenteseconômicoseasaltas taxas de juros, que, por sua vez, deprimem os investimentos e comprometeram a capacidade decrescimentoegeraçãodeempregosdaeconomia.Dessaforma,açõesparadarsustentabilidadeàsdespesaspúblicasnãosãoumfimemsimesmas,masoúnicocaminhoparaarecuperaçãodaconfiança,quesetraduziránavoltadocrescimento.4.AraizdoproblemafiscaldoGovernoFederalestánocrescimentoaceleradodadespesapúblicaprimária.Noperíodo 2008-2015, essa despesa cresceu 51%acimada inflação, enquanto a receita evoluiu apenas 14,5%.Torna-se,portanto,necessárioestabilizarocrescimentodadespesaprimária,comoinstrumentoparaconteraexpansãodadívidapública.EsseéoobjetivodestaPropostadeEmendaàConstituição.5.Oatualquadroconstitucionalelegaltambémfazcomqueadespesapúblicasejaprocíclica,ouseja,adespesatendeacrescerquandoaeconomiacresceevice-versa.Ogoverno,emvezdeatuarcomoestabilizadordasaltasebaixasdocicloeconômico,contribuiparaacentuaravolatilidadedaeconomia:estimulaaeconomiaquandoelajáestácrescendoeéobrigadoafazerajustefiscalquandoelaestáemrecessão.Afacemaisvisíveldesseprocesso são as grandes variações de taxas de juros e de taxas de desemprego, assim como crises fiscaisrecorrentes.Aesserespeito,cabemencionaravinculaçãodovolumederecursosdestinadosasaúdeeeducaçãoaumpercentualdareceita.6.Tambémtemcaráterprocíclicoaestratégiadeusarmetaderesultadosprimárioscomoâncoradapolíticafiscal.Nafasepositivadocicloeconômico,érelativamentefácilobtersuperávitsdevidoaonaturalcrescimentodasreceitas,ouseja,torna-sefactívelconjugarobtençãodesuperávitprimáriocomelevaçãodegastos.Comooinversoocorrenafasenegativadocicloeconômico,acabasendonecessáriofazerajustefiscalemmomentosderecessão.7.Nosúltimosanos,aumentaram-segastospresentesefuturos,emdiversaspolíticaspúblicas,semlevaremcontaasrestriçõesnaturaisimpostaspelacapacidadedecrescimentodaeconomia,ouseja,pelocrescimentodareceita.Éfundamentalparaoequilíbriomacroeconômicoqueadespesapúblicasejageridanumaperspectivaglobal.Nessesentido,qualqueriniciativaqueimpliqueaumentodegastosnãodeveseranalisadaisoladamente,hajavistaqueessaabordagemtendealevaraconclusõesequivocadassobreseusbenefíciosecustos.Defato,nossa experiência ensinou que o processo descentralizado e disperso de criação de novas despesas geroucrescimento acelerado e descontrolado do gasto. Isso posto, faz-se necessário a introdução de limites ao
204
crescimento da despesa global, ao mesmo tempo em que se preservam as prerrogativas dos poderesconstituídos para alocarem os recursos públicos de acordo com as prioridades da população e a legislaçãovigente.8.Comvistasaaprimorarasinstituiçõesfiscaisbrasileiras,propomosacriaçãodeumlimiteparaocrescimentodas despesas primária total do governo central. Dentre outros benefícios, a implementação dessa medida:aumentará previsibilidade da política macroeconômica e fortalecerá a confiança dos agentes; eliminará atendênciadecrescimentorealdogastopúblico,semimpedirquesealtereasuacomposição;ereduziráorisco-país e, assim, abrirá espaço para redução estrutural das taxas de juros. Numa perspectiva social, aimplementaçãodessamedidaalavancaráa capacidadedaeconomiadegerarempregose renda,bemcomoestimularáaaplicaçãomaiseficientedosrecursospúblicos.Contribuirá,portanto,paramelhorardaqualidadedevidadoscidadãosecidadãsbrasileiro.9.ONovo Regime Fiscal, válido paraUnião, terá duração de vinte anos. Esse é o tempo que consideramosnecessário para transformar as instituições fiscais pormeio de reformas que garantamque a dívida públicapermaneçaempatamarseguro.Talregimeconsisteemfixarmetadeexpansãodadespesaprimáriatotal,queterácrescimentorealzeroapartirdoexercíciosubsequenteaodeaprovaçãodestePEC,oquelevaráaumaqueda substancial da despesa primária do governo central como porcentagemdo PIB. Trata-se demudar atrajetóriadogastopúblicofederalque,noperíodo1997-2015apresentoucrescimentomédiode5,8%aoanoacimadainflação.10.Por serdeduraçãopreviamenteestabelecida,oNovoRegimeFiscal será inscritonoAtodasDisposiçõesConstitucionaisTransitórias.Fixa-se,paraoexercíciode2017,limiteequivalenteàdespesarealizadaem2016,corrigidapelainflaçãoobservadaem2016.Apartirdosegundoexercício,olimiteparaadespesaprimáriaseránaturalmenteincorporadoaoprocessodeelaboraçãodaleidediretrizesorçamentáriasedaleiorçamentáriaanual, e consistirá no valor do limite do exercício anterior, corrigido pela inflação do exercício anterior. TalcorreçãoseráfeitapeloÍndiceNacionaldePreçosaoConsumidorAmplo(IPCA).11.OutracaracterísticarelevanteéqueolimiteseráestabelecidoparacadaumdosPodereseparaosórgãoscomautonomiaadministrativaefinanceira.Ouseja,haverálimiteindividualizadoparaoPoderExecutivo,paraoPoderJudiciário,paraoPoderLegislativo(aíincluídooTribunaldeContasdaUnião),paraoMinistérioPúblicodaUnião e para aDefensoria Pública daUnião. Trata-se de garantir a autonomia de cada umdos Poderes,evitando-sequeoExecutivo,sozinho,diteoslimitesdecadaum.Oquesefazéestabelecer,notextodoADCT,olimiteparacadaumdosPodereseórgãosautônomos,paratodooperíododevigênciadoNovoRegimeFiscal,semdaraoExecutivodiscricionariedadenafixaçãodetaislimites.12.Aregradesefixarolimitededespesadeumano,comosendoolimitevigenteparaoanoanterior,corrigidopela inflação,éaparentemente simples.Noentanto,ela contémumadificuldadedeordemprática.A leidediretrizesorçamentáriasealeiorçamentáriaanual,referentesaumdeterminadoexercício,sãoelaboradasaolongodoexercícioanterior,quandoaindanãoseconheceainflaçãodaqueleexercício.Assim,nomomentodeelaboraçãodaleidediretrizesorçamentáriasedaleiorçamentáriaanualnãoseconheceráataxadeinflaçãoquecorrigiráolimitedegastosparaoexercícioseguinte.Parasuperartallimitação,propomosqueolimitedegastos inscrito na LDO e no orçamento seja calculado combase em estimativa de inflação feita pelo PoderExecutivo.Nomêsdejaneirodoexercícioemquevigoraráolimitedegastos,quandojáforconhecidaainflaçãoocorridanoperíodo janeiro-dezembrodoexercícioanterior,ajusta-seo limitededespesadecadaPoderouórgãoparaconsiderarainflaçãodesseperíodo.Taisajustesserãopequenosegraduais,restritosamudançasnoíndicedeinflaçãoacumuladoemdozemeses,eserãofacilmentegerenciáveisdentrodomodeloproposto.13.Paracorrigirojáreferidoproblemadepossuirmosumaestruturadegastosprocíclica,oNovoRegimeFiscalevitaqueolimitesejaestabelecidocomopercentualdareceitaoudoProdutoInternoBruto.Essasduasmétricaspermitiriamumaexpansãomais acelerada do gasto durante osmomentos positivos do ciclo econômico, aomesmotempoemqueexigiriamajustesdrásticosnosmomentosderecessão.Nossoobjetivoégarantirumatrajetóriasuavedogastopúblico,nãoinfluenciadapelasoscilaçõesdocicloeconômico.Tendoemvistaqueareceitacontinuaráaoscilardeformacorrelacionadaaoníveldeatividade,oNovoRegimeFiscalseráanticíclico:uma trajetória real constante para os gastos, associada a uma receita variando com o ciclo, resultarão emmaiores poupanças nosmomentos de expansão emenores superávits emmomentos de recessão. Essa é aessênciadeumregimefiscalanticíclico.
205
14.Ocorre,porém,quenãopoderemosmigrar,deimediato,paraessemodelo.Agravíssimasituaçãofiscaleorisco não desprezível de perda de controle sobre a dívida pública nos obriga a continuar perseguindo, nospróximosanos,omaiorresultadoprimáriopossível.Assim,trabalharemosconciliandoolimitededespesaaquiinstituídocomojáexistentearcabouçoinstitucionaldefixaçãoeperseguiçãodemetasderesultadoprimário,comoprevistono§1ºdoart.4ºdaLeideResponsabilidadeFiscal.15.Utilizaremos,portanto,uminstrumentodegestãodaestabilidadefiscalnocurtoprazo(oresultadoprimário)euminstrumentodemédioelongoprazo(olimitededespesa).Éimportanteressaltarqueamaiorrelevânciadolimitedecrescimentorealzerodadespesanãofinanceiraserájustamentenomomentoemquesairmosdaatualrecessão.Quandoareceitavoltaracrescer,ecomelaaspressõesparagastarmais,contaremoscomumatravaparaogastopúblicoquenospermitiráevitarodesequilíbriofiscalcrônico.16.A conciliaçãodemetasde resultadoprimário com limitededespesanos levouaescolhero conceitodedespesasobreoqualse imporáo limitedegastos.Poderíamostanto limitaradespesaempenhada(ouseja,aquelaqueoEstadosecomprometeuafazer,contratandoobemouserviço)ouadespesapaga(aquelaquegerou efetivo desembolso financeiro), aí incluídos os “restos a pagar” vindos de orçamentos de exercíciosanterioresequesãoefetivamentepagosnoano.Comoésabido,oresultadoprimárioéapuradopeloregimedecaixa(desembolsoefetivoderecursos),oquenoslevaaescolheromesmocritérioparafinsdefixaçãodelimitededespesa.Assim,comomesmocritérioadotadonosdoisprincipais instrumentosdegestãofiscal,teremosmaior transparêncianoacompanhamentodos resultadosobtidosemaior facilidadeparaconsideraroefeitosimultâneodoresultadoprimárioedolimitedegastos.17.Essaescolhanãosefazsemperdas.Olimitesobreadespesaempenhadateriaassuasvantagens.AoimporrestriçãoaoscompromissosqueoEstadopodeassumir,evitaríamosaocorrênciadedespesasrealizadasenãopagas.Adotando-seocritériode“despesaspagas”nãoseafasta,apriori,apossibilidadedocumprimentodolimite por meio de atrasos de pagamentos, o que não constituiria ajuste fiscal legítimo, mas tão somenterepressãofiscal,queempurrariaoproblemaparafrente,semresolvê-lo.18.TallimitaçãolevantaimportantequestãoarespeitodoNovoRegimeFiscal.Elenãoéuminstrumentoqueresolverátodososproblemasdasfinançaspúblicasfederais.Asregrasaquipropostassófuncionarãoseforembemutilizadasporumgovernoimbuídoderesponsabilidadefiscal.Aexperiênciadopassadorecentemostraquenãoháregradecondutafiscalquesejablindadacontraintençõesdistorcidas,masodesenhoinstitucionaldestaPECdificultaránoperíododesuavigênciaoaumentodadespesaprimáriadogovernocentral.19.NossaintençãoéqueoNovoRegimeFiscalsejaumadasváriasferramentasutilizadasparaumagestãosériadoorçamento.Paraevitarqueoslimitessejamcontornadospormeiodorepresamentodegastoseacúmuloderestosapagar,vamosadotarmedidasgerenciaiselegaisadicionais,comoumapolíticaprudentedeempenhodedespesas,limitaçõesàinscriçãodedespesasemrestosapagareregrasmaisrigorosasparacancelamentoautomáticoderestosapagarnãoprocessados(aquelesparaosquaisnãohouveaefetivaprestaçãodoserviçoouentregadobem).20. É preciso, também, conferir flexibilidade ao Novo Regime Fiscal. A meta de crescimento real zero dasdespesas, referenciada na inflação passada, ora considerada importante e atingível, pode não ser a maisadequadadaquialgunsanos.Osucessodaestabilizaçãofiscalpodepermitirque,nofuturo,tenhamosumametaaindamaisambiciosacomo,porexemplo,corrigirolimitepelainflaçãofuturaesperada.Issoteriavantagensdoponto de vista da estabilização econômica, ao colaborar com a política monetária, reduzindo a memóriainflacionáriaecoordenandoexpectativasemtornodametadeinflaçãofutura.Alternativamente,osucessodaestabilizaçãofiscaleaaceleraçãodocrescimentodoPIBpodemviabilizarqueadespesacresçaaumataxaumpoucomaisalta.Paralidarcomessaspossibilidades,aPECprevêqueumalei,deiniciativaexclusivadoPoderExecutivo,proporáqualseráataxadecrescimentodolimitedegastosapartirdodécimoexercíciodevigênciadaregra.21. Um desafio que se precisa enfrentar é que, para sair do viés procíclico da despesa pública, é essencialalterarmosaregradefixaçãodogastomínimoemalgumasáreas.IssoporqueaConstituiçãoestabelecequeasdespesascomsaúdeeeducaçãodevemterumpiso,fixadocomoproporçãodareceitafiscal.Éprecisoalteraresse sistema, justamente para evitar que nos momentos de forte expansão econômica seja obrigatório oaumentodegastosnessasárease,quandodareversãodocicloeconômico,osgastostenhamquedesacelerarbruscamente.Essetipodevinculaçãocriaproblemasfiscaiseéfontedeineficiêncianaaplicaçãoderecursos
206
públicos.Note-sequeestamostratandoaquidelimitemínimodegastos,oquenãoimpedeasociedade,pormeiodeseusrepresentantes,dedefinirdespesamaiselevadaparasaúdeeeducação;desdequeconsistentescomolimitetotaldegastos.22.NocasodeolimitedegastodeumdosPoderesouórgãoautônomoserdesrespeitadoemumexercício,automaticamenteentramemvigorregrasdecontençãodedespesasdepessoaldaquelePoderouórgãoparaoexercícioseguinte.Casoaextrapolaçãodo limiteocorranoâmbitodoPoderExecutivo,aplicam-se,também,vedaçõesàconcessãodenovossubsídiosesubvençõeseconômicas,assimcomoaconcessãodenovosincentivosoubenefíciosdenaturezatributária.23.Relevantenotarascategoriasdedespesaquenãoestarãosubmetidasaolimite.Aprincipaldelaséoconjuntode transferências feitas a estados e municípios por repartição de receitas. A maioria destas já não constaefetivamentecomodespesafederal,esimcomodeduçãodereceita.Outrassãoregistradaspelomesmovalor,tanto na receita quanto na despesa da União. Também se excluem as despesas de caráter eventual ou desazonalidademultianual,taiscomooscréditosextraordináriosparalidarcomsituaçõesatípicas,acapitalizaçãodeempresasestataisnãodependenteseofinanciamentodeprocessoseleitorais.24.Certamentea contençãodo crescimentodogastoprimário, emumaperspectivademédioprazo, abriráespaçoparaareduçãodastaxasdejuros,sejaporqueapolíticamonetárianãoprecisarásertãorestritiva,sejaporque cairá o risco de insolvência do setor público. Jurosmenores terão impacto sobre o déficit nominal(representadopelasomadodéficitprimáriocomasdespesasfinanceiras)esobreatrajetóriadadívidabruta.25.Trata-se,também,demedidademocrática.NãopartirádoPoderExecutivoadeterminaçãodequaisgastoseprogramasdeverãosercontidosnoâmbitodaelaboraçãoorçamentária.OExecutivoestápropondoolimitetotalparacadaPoderouórgãoautônomo,cabendoaoCongressodiscutiresselimite.Umavezaprovadaanovaregra,caberáàsociedade,pormeiodeseusrepresentantesnoparlamento,alocarosrecursosentreosdiversosprogramaspúblicos,respeitadootetodegastos.ValelembrarqueodescontrolefiscalaquechegamosnãoéproblemadeumúnicoPoder,Ministériooupartidopolítico.Éumproblemadopaís!Etodosopaísteráquecolaborarparasolucioná-lo.26.EssassãoasrazõesdarelevânciadapropostadeEmendaConstitucionalquesubmetemosàapreciaçãodeVossaExcelência.
Respeitosamente,
HenriquedeCamposMeirelles DyogoHenriquedeOliveiraMinistrodaFazenda MinistroInterinodoPlanejamento,DesenvolvimentoeGestão