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148 XII ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.
MARCO TEMPORAL E AS VIOLAÇÕES AOS DIREITOS DOS POVOS
INDÍGENAS: ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE E DA
CONVENCIONALIDADE A PARTIR DA JURISPRUDÊNCIA DA CIDH
TEMPORARY FRAMEWORK AND VIOLATIONS TO THE RIGHTS OF
INDIGENOUS PEOPLES: ANALYSIS OF CONSTITUTIONALITY AND
CONVENTIONALITY FROM THE IACHR'S JURISPRUDENCE
Susanna Schwantes1
Gilberto Starck2
RESUMO
O presente estudo pretende analisar porque o marco temporal para demarcação de terras
indígenas, fixado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do caso Raposa Serra
do Sol, viola direitos dos povos indígenas. Pretende-se demonstrar que a fixação do
marco temporal fere os direitos indígenas e, abordar especificamente as violações ao
direito à vida, tendo como parâmetro as sentenças da Corte Interamericana de Direitos
Humanos sobre direitos possessórios indígenas. O estudo é fruto de pesquisa
bibliográfica e jurisprudencial com o intuito de analisar casos semelhantes de violações
e não reconhecimento de direito à terra tradicional de comunidades indígenas e que se
assemelham ao caso brasileiro. De forma a sustentar a inconstitucionalidade e
incovencionalidade do marco temporal, segundo o qual para que haja reconhecimento
das terras tradicionais, é necessária comprovação de que os índios estavam na posse das
terras quando da promulgação da Constituição de 1988 ou desde que provem o esbulho
renitente. Como será demonstrado, o atual entendimento fere diversos direitos das
comunidades indígenas que podem lhes custar a própria sobrevivência física e cultural.
Palavras-chave: Povos indígenas; Marco temporal; Direito à vida; Constitucionalidade;
Convencionalidade
ABSTRACT
The present study intends to analyze why the temporal framework for demarcation of
indigenous lands, set by the Federal Supreme Court in the Raposa Serra do Sol trial,
violates the rights of indigenous peoples. It is intended to demonstrate that the
establishment of the temporal framework violates indigenous rights and specifically
addresses violations of the right to life, based on the judgments of the Inter-American
Court of Human Rights on indigenous property rights. The study is the result of
bibliographical and jurisprudential research in order to analyze similar cases of
violations and non-recognition of the traditional land rights of indigenous communities,
which resemble the Brazilian case in order to support the unconstitutionality and
1 Professora do Centro Universitário Ritter dos Reis/Uniritter nas disciplinas de Direito Administrativo,
Econômico, núcleo de prática de direito administrativo, núcleo de prática de direito constitucional, núcleo
de mediação e iniciação à prática jurídica. Mestre em Direito Ambiental pela Universidade de Caxias do
Sul – UCS em Direito Ambiental. Currículo Lattes: < http://lattes.cnpq.br/0948455780431123>. E-mail:
[email protected]. 2Aluno do Curso Especialização Direitos Humanos e Políticas Públicas na Universidade do Vale dos
Sinos (Unisinos). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (Canoas/RS).
Pesquisador voluntário do Projeto de Extensão Clínica de Direitos Humanos do Centro Universitário
Ritter dos Reis/Uniritter/Laureate International Universities. Currículo Lattes:
<http://lattes.cnpq.br/7479746882212500>. E-mail: [email protected].
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Marco Temporal e as Violações aos Direitos dos Povos Indígenas: Análise da Constitucionalidade e da
Convencionalidade a Partir da Jurisprudência da CIDH
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.
inconvenience of the temporal framework, according to For recognition of traditional
lands, it is necessary to prove that the Indians were in possession of the lands when the
Constitution of 1988 was promulgated or since they provoke the reluctant snooping. As
will be shown, the current understanding hurts various rights of indigenous
communities that can cost them their own physical and cultural survival.
Keywords: Indian people; Time frame; Right to life; Constitutionality; Conventionality
INTRODUÇÃO
Desde o ‘descobrimento’ do Brasil até os dias atuais os povos indígenas já
sofreram com o processo de colonização, escravização, usados para defender as
fronteiras, foram considerados empecilho ao desenvolvimento do Brasil, passaram por
um processo cruel de eliminação física e cultural.3 Enfim, os povos indígenas já
sofreram inúmeras e variadas violações de direitos humanos em nosso País.
Apesar dos avanços trazidos com a Constituição Federal no campo dos direitos
humanos, os índios continuam sua luta contra um processo de aculturamento e
extermínio de sua cultura e principalmente pelo direito de terem suas terras
reconhecidas. O Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil de 2015, de
autoria Conselho Indigenista Missionário, aponta para um grande número de
assassinatos, conflitos por terra, e pelo avanço na destruição dos direitos indígenas,
principalmente pelo fortalecimento de uma bancada ruralista na Câmara Federal e no
Senado.4
Além disso, recentemente, durante o julgamento do Caso Raposa Serra do Sol5 o
Supremo Tribunal Federal fixou dezoito condições que devem ser consideradas nos
processos de reconhecimento e demarcação de terras indígenas. Entre essas condições
está a fixação de um marco temporal, segundo o qual, para que seja reconhecida como
terra tradicional indígena é necessário demonstrar que os índios estavam na posse da
terra na data da Promulgação da Constituição Federal de 1988 ou que seja prova o
esbulho renitente.
Ocorre que como será demonstrado nessa pesquisa tal entendimento fere
dispositivos constitucionais e documentos internacionais de proteção dos direitos
humanos e dos povos indígenas. Além disso, o posicionamento adotado pela nossa
Corte contraria a mais recente jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos
Humanos.
Trata-se de uma tese que restringe o acesso das comunidades indígenas sob suas
terras e coloca em risco a vida dessas comunidades. A presente pesquisa se dividirá em
quatro pontos.
Primeiramente será mostrado como ocorreu a fixação do marco temporal no
Supremo Tribunal Federal quando do Julgamento da Pet. 3.338.6 Em seguida será
3CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Índios no brasil - História, direitos e cidadania. 1. ed. São Paulo:
Claro Enigma, coleção Agenda brasileira, 2013. p. 11 e ss. 4 BRASIL. Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – 2015. Disponível em: <CIMI:
http://www.cimi.org.br/pub/relatorio2015/relatoriodados2015.pdf>. Acesso em: 23 fev. 2017. 5 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição 3.338-4. Relator (a): Min. Ayres Britto, julgado em
19/03/2009. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=603021&tipo=AC&descricao=Inteiro%20Teo
r%20Pet%20/%203388>. Acesso em 10 jan. 2017. 6 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição 3.338-4. Relator (a): Min. Ayres Britto, julgado em
19/03/2009. Disponível em:
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apresentado o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre
direitos possessórios indígenas a fim de demonstrar que o marco temporal fixado pelo
Supremo não está em consonância com o a jurisprudência de referida Corte. Mostrar-se-
á como o acesso à terra possui correlação com o direito à vida para as comunidades
indígenas haja vista o sentimento que esses povos possuem em relação aos seus
territórios.
No terceiro ponto analisar-se-á as violações aos direitos indígenas tendo como
base dois processos que discutem a anulação dos atos administrativos responsáveis por
duas demarcações de terras tradicionais indígenas já findas, mas que em razão do novo
entendimento, estão sendo objeto de processo de anulação de demarcação, a saber MS
29.0877 e RE 803.462
8, em andamento no STF. Esse tópico tem a intenção de demostrar
que se não bastasse um entendimento que restringe o direito à terra, nos novos
processos há inúmeras violações de ordem processual (direito à diferença, direito à
consulta, direito à autodeterminação).
No quarto e último tópico, será mostrado porque, com base no entendimento da
Corte Interamericana de Direitos Humanos, dos dispositivos constitucionais e dos
documentos internacionais de proteção dos direitos humanos, o marco temporal é
inconstitucional e inconvencional.
O marco temporal viola direitos dos povos indígenas ao não levar em
consideração os modos de vida e de organização próprios dessas comunidades. Além
disso, é dever do Estado, frente aos dispositivos e jurisprudências que serão mostrados,
adotar medidas para reconhecer o direito à terra dos povos indígenas, um problema que
se arrasta desde muito tempo e que merece uma solução que interrompa as sucessivas
violações de direitos que os povos indígenas sofrem em nosso País.
1. A FIXAÇÃO DA TESE DO MARCO TEMPORAL NO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL
Primeiramente, é preciso esclarecer que este tópico não entrará no mérito da
questão decidida no caso Raposa Serra do Sol, tão somente lançara atenção aos trechos
em que a discussão sobre a fixação do marco temporal foi discutida pelo pleno do
Supremo Tribunal Federal e quais os fundamentos adotados pelos Ministros que
votaram a favor da fixação de referido marco.
A Corte, ao analisar o caso Raposa Serra do Sol, fixou entendimento que para
ser considerada terra tradicional indígena é necessário demonstrar que os índios estavam
na posse das terras quando da promulgação da Constituição Federal de 1988 ou que seja
comprovado o esbulho renitente.
Tratava-se de uma ação popular proposta pelo Senador Augusto Affonso
Botelho Neto (PT) juntamente com o Senador Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
(PTB), no ano de 2005, em face da União, com a finalidade de suspender a Portaria
534/2005 e no mérito declará-la inconstitucional. A portaria foi homologada pelo
Decreto Presidencial de 15.4.2005 e demarcou administrativamente a Terra Indígena
<http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=603021&tipo=AC&descricao=Inteiro%20Teo
r%20Pet%20/%203388>. Acesso em 10 jan. 2017. 7 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 29.087. Relator (a): Min. Gilmar Mendes. Disponível em: <
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=3935320>. Acesso em 26
jan. 2017. 8 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 803.462. Relator (a): Min. Teoria Zavascki. Disponível em: <
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4548671>. Acesso em 26
jan. 2017.
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Convencionalidade a Partir da Jurisprudência da CIDH
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Raposa Serra do Sol, em Roraima, determinado a posse das terras aos grupos indígenas
Ingarikó, Makuxi, Patamona, Taurepang e Wapixana.
De acordo com os requerentes, houve vício no processo administrativo uma vez
que não foram ouvidas todas as partes e entidades envolvidas. Ainda, segundo os
requerentes o laudo antropológico apresentado não teria sido assinado por um
profissional. Por fim, alegaram que a demarcação de referida terra afetaria os interesses
econômicos, comerciais e sociais das demais pessoas, não-índios, que habitam a
localidade.9
A Advocacia Geral da União manifestou-se no sentido de que a demarcação da
Terra Indígena Raposa Serra do Sol não lesa patrimônio público e que não há nenhuma
inconstitucionalidade. Em 2009, o Supremo Tribunal Federal julgou parcialmente
procedente a ação e considerou constitucional a demarcação contínua de referida terra
tradicional.
O marco temporal foi apresentado na exposição do então Ministro, Menezes
Direito, conforme a seguir: (...) as terras indígenas são terras ocupadas pelos índios. Não terras que
ocuparam em tempos idos e não mais ocupam; não são terras que ocupavam
até certa data e não ocupam mais. São terras ocupadas pelos índios quando da
promulgação da Constituição de 1988. O marco para a determinação da
ocupação indígena (5/10/1988) decorre do próprio sistema constitucional de
proteção aos direitos dos índios, que não poderia deixar de abranger todas as
terras indígenas existentes quando da promulgação da Constituição, sob pena
de ensejar um desapossamento ilícito dos índios por não-índios após sua
entrada em vigor. 10
O Ministro Menezes propôs como critério constitucional a adoção da teoria do
fato indígena, uma vez que “a aferição do fato indígena em 5 de outubro de 1988
envolve uma escolha que prestigia a segurança jurídica e se esquiva das dificuldades
práticas de uma investigação imemorial da ocupação indígena. ” 11
Nesse mesmo sentido, o Ministro Eros Grau menciona que a teoria do indigenato
não deve mais ser utilizada uma vez que a Constituição reconheceu os direitos
originários sobre as terras tradicionalmente ocupadas quando da sua promulgação em
05.10.1988. No seu entender, a Terra Raposa Serra do Sol deve ser reconhecida como
terra tradicional indígena justamente porque os índios as ocupavam na data da
promulgação de nossa Carta.
É preciso esclarecer que na Constituição de 1988 utilizou-se a tese do indigenato
para assegurar e reafirmar que os índios são os donos “verdadeiros e naturais” das terras
que tradicionalmente ocupam e que ao Estado cabe somente a função de reconhecer.12
9 BRASIL. Conectas Direitos Humanos. Petição 3388 – Raposa Serra do Sol. Disponível em: <
http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/Resumo%20-%20Pet%203388.pdf>. Acesso em: 10 jan.
2017. 10
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição 3.338-4. Relator (a): Min. Ayres Britto, julgado em
19/03/2009. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=603021&tipo=AC&descricao=Inteiro%20Teo
r%20Pet%20/%203388>. Acesso em 10 jan. 2017. 11
Ibidem. 12
SANTANA, Carolina Ribeiro. Direitos territoriais indígenas: o Poder Judiciário contra a
Constituição. Disponível em: <
http://www.enadir2015.sinteseeventos.com.br/arquivo/downloadpublic?q=YToyOntzOjY6InBhcmFtcyI7
czozNDoiYToxOntzOjEwOiJJRF9BUlFVSVZPIjtzOjM6IjE3MiI7fSI7czoxOiJoIjtzOjMyOiJhNGU0Mz
Y1OWZiZjcwYTFiNTcwNWY1MmFlZTI4ZGUyNiI7fQ%3D%3D>. Acesso em 14 mar. 2017.
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O Ministro Celso de Mello afirmou que há proteção constitucional para as terras
indígenas ocupadas há algum tempo quando da data da promulgação da Constituição de
1988. Além disso, menciona que é preciso demonstrar a conjugação com o caráter
econômico, cultural e antropológica.13
Na decisão foram fixados dezoito parâmetros ou condições para que seja
considerada terras indígena tradicional. Entre as quais está a tese do marco temporal,
conforme:
O marco temporal de ocupação. A Constituição Federal trabalhou com data
certa - a data da promulgação dela própria (5 de outubro de 1988) - como
insubstituível referencial para o dado da ocupação de um determinado espaço
geográfico por essa ou aquela etnia aborígene; ou seja, para o
reconhecimento, aos índios, dos direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam. 11.2. O marco da tradicionalidade da ocupação. É
preciso que esse estar coletivamente situado em certo espaço fundiário
também ostente o caráter da perdurabilidade, no sentido anímico e psíquico
de continuidade etnográfica. A tradicionalidade da posse nativa, no entanto,
não se perde onde, ao tempo da promulgação da Lei Maior de 1988, a
reocupação apenas não ocorreu por efeito de renitente esbulho por parte de
não-índios.14
Em 2012, em sede de embargos de declaração na Petição 3.338, sob relatoria do
Ministro Luís Roberto Barroso, o STF manteve a demarcação contínua da Terra
indígena Raposa Serra do Sol e determinou que as condições para o reconhecimento e
demarcação de terras indígenas proferidas em 2009, não possuem efeitos vinculantes em
casos futuros. Como afirma o Ministro Barroso: não produz uma transformação da coisa julgada em ato normativo geral e
abstrato, vinculante para outros eventuais processos que discutam matéria
similar. No atual estado da arte, as decisões do Supremo Tribunal Federal não
possuem, sempre e em todos os casos, caráter vinculante “15
.
Que assinalou também que: a decisão proferida na Pet 3.388/RR tem a forca intelectual e persuasiva de
uma decisão do Supremo Tribunal Federal, mas não e vinculante, em sentido
técnico, para juízes e tribunais, quando do exame de outros processos,
relativos a terras indígenas diversas.16
Ocorre que as condições expostas na decisão da Petição 3384 e reafirmadas no
julgamento dos embargos de declaração estão sendo utilizadas para rediscutir os
processos de demarcações já findos. Como será mostrado, a tese do marco temporal,
vem sendo utilizada para rediscutir demarcações e, mais grave ainda, os novos
processos apresentam diversas violações aos direitos dos indígenas. Se não bastasse a
limitação temporal para o processo de demarcação que restringe o direito à terra, os
13
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição 3.338-4. Relator (a): Min. Ayres Britto, julgado em
19/03/2009. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=603021&tipo=AC&descricao=Inteiro%20Teo
r%20Pet%20/%203388>. Acesso em 10 jan. 2017. 14
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Embargos de Declaração na Petição 3.338-4. Relator (a): Min.
Luís Roberto Barroso, julgado em 23/10/2013. Disponível em: <
http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/Inteiro%20Teor%20do%20Ac%C3%B3rd%C3%A3o%20-
%20PET%203388%20-%20Embargos.pdf>. Acesso em 10 jan. 2017. 15
Ibidem. 16
Ibidem.
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novos processos deixam de observar direitos essenciais como o direito à consulta, o
direito à autodeterminação, direito à diferença.
2. JURISPRUDÊNCIAS DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS SOBRE DIREITOS POSSESSÓRIOS INDÍGENAS: O DIREITO À
VIDA
Neste tópico será apresentado o posicionamento da Corte Interamericana de
Direitos Humanos em julgamentos que tratam de direitos possessórios indígenas e que
mostram o que a CIDH considera como violação aos direitos dos povos indígenas bem
como quais as ações os Estados precisam adotar em relação ao reconhecimento do
direito à terra desses povos.
A intenção é relacionar o entendimento da Corte com o caso brasileiro e
demonstrar que a tese do marco temporal não se coaduna com o ordenamento jurídico
brasileiro e com os vários documentos internacionais e regionais de proteção aos
direitos dos povos indígenas, conforme será mostrado pela análise dos julgados. Assim,
especificamente mostrar-se-á a correlação do direito à terra com o direito à vida quando
se trata de defender o direito dos povos indígenas.
De acordo com o art. 4º da Convenção Americana de Direitos Humanos, “toda
pessoa tem direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e,
em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida
arbitrariamente”.17
Com base neste dispositivo da Convenção Americana de Direitos
Humanos, a CIDH, ao analisar o Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa vs.
Paraguai, decidiu que o Estado tem o dever de adotar medidas positivas para proteger
esse direito e não dificultar o acesso ao mesmo.
Considerou que a demora na adoção de medidas internas para o reconhecimento
e demarcação das terras indígenas ocasionam violação do direito à vida uma vez que,
longe de seus territórios, as Comunidades indígenas estão privadas do acesso aos
recursos mínimos para obtenção dos alimentos que lhes garantam a sobrevivência, logo,
ficam expostas à pobreza, à doença e à vulnerabilidade18
Já no caso Mayagna Awas Tingni contra a Nicarágua, a Corte estabeleceu, com
base no art. 4.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que todas as pessoas
têm direito à vida sendo função do Estado garanti-lo por meio de lei. Na compreensão
da Corte Interamericana, ninguém pode ser privado arbitrariamente de sua vida e todas
as pessoas possuem o direito de viver em condições dignas. Trata-se de uma “obrigação
negativa do Estado de não privar seus cidadãos da vida, mas chama atenção para o
dever positivo do Estado de agir e criar as condições necessárias para garantir uma vida
digna a todas as pessoas. ”19
Nesse sentido, cabe ao Estado garantir os meios legais necessários para que os
povos indígenas tenham o seu direito à terra respeitados e consequentemente garanti-los
17
BRASIL. Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Decreto 678/1992. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em: 26 jan. 2017. 18
Corte Interamericana de Direitos Humanos. Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos
Humanos. Disponível em: <https://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/anistia/anexos/2-direitos-
dos-povos-indigenas.pdf>. Acesso em 09 de set. 2015. 19
BRASIL. Conectas Direitos Humanos. Por um novo paradigma de proteção dos direitos dos povos
indígenas: Uma análise crítica dos parâmetros estabelecidos pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos. Disponível em: http://www.conectas.org/pt/acoes/sur/edicao/17/1000196-por-um-novo-
paradigma-de-protecao-dos-direitos-dos-povos-indigenas-uma-analise-critica-dos-parametros-
estabelecidos-pela-corte-interamericana-de-direitos-humanos. Acesso em: 30 jan. 2017.
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o direito à vida, tendo em vista que a sobrevivência dessas comunidades depende dos
territórios, lugar de onde provém os recursos necessários para mantê-los vivos.
No julgamento do caso Mayagna Awas Tingni contra a Nicarágua (2001) ficou
estabelecido que quando as comunidades indígenas estão longe das terras, suas vidas
estão em risco, tendo em vista que afastados de seus territórios não podem desenvolver
suas práticas para o tratamento de doenças o que significa dizer que a saúde da
comunidade está em risco.20
O direito à vida pressupõe que os povos indígenas têm direito de desenvolver
suas vidas sem a interferência de terceiros. No caso Yakye Axa Vs. Paraguai, o Estado
descumpriu o disposto no art. 4º da Convenção Americana ao impedir que esses povos
vivessem de acordo com as visões tradicionais de vida, ao serem retirados da posse de
suas terras ancestrais,21
entregues às privatizações formuladas pelo Estado.22
Esse caso chama a atenção para o direito à diferença e expõe claramente como
ocorrem as violações aos direitos humanos às chamadas “minorias”. De acordo com o
imaginário social, essas são categorias subumanas que não merecem ter suas
particularidades, suas formas de decidir e viver levadas em conta. Por esse motivo, são
expostas às mais diversas violações de direitos humanos. Esse é o discurso que legitima
as atrocidades cometidas, desde muito, aos povos indígenas no Brasil23
, e que em parte
ocorrem ainda pela ausência de políticas eficientes por parte do Estado que garanta uma
vida digna aos povos indígenas.
Outro caso emblemático envolvendo direitos possessórios indígenas, julgado
pela CIDH, é o caso Saramaka Vs. Suriname e que se assemelha muito com o caso
brasileiro. A luta dos povos indígenas reflete uma história de lutas e violências sociais
motivadas pela construção de hidrelétricas e exploração de minério. Trata-se de mais
um caso em que o constitucionalismo interno não reconheceu os vários direitos
assegurados pelos documentos regionais de proteção dos direitos humanos e segue com
o pensamento colonial de desconsideração dos direitos indígenas. Na análise da Corte,
mais uma vez foi reafirmada a necessidade de os Estados respeitar a relação especial
dos povos indígenas com a terra a fim de assegurar a sobrevivência econômica, social e
cultural, pois ambos são inseparáveis. Outro ponto da sentença que merece destaque é o
reconhecimento do dos povos indígenas como sujeito de direitos e obrigações cabendo
ao Estado do Suriname adotar meios administrativos, legislativos e judiciais necessários
para o reconhecimento da personalidade jurídica do povo Saramaka, individual e
coletivamente. 24 O julgamento do caso Yakye Axa vs. Paraguai, traz a Convenção nº 169 da OIT
como fundamentação para defender o direito à vida dos povos indígenas. Segundo o art.
13, os Estados devem
20
PIOVESAN, Flávia. Sistema Interamericano de Direitos Humanos: impacto transformador, diálogos
jurisdicionais e os desafios da reforma. Disponível em: < http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs-
2.2.2/index.php/REDESG/article/view/16282#.VfLs3xFVhHw>. Acesso em: 09 de set. 2015. 21
MELO, Mario. Últimos avanços na justiciabilidade dos direitos indígenas no sistema
interamericano de direitos humanos. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1806-
64452006000100003&script=sci_arttext>. Acesso em 10 de set. 2015. 22
SUR. Revista Internacional de Direitos Humanos / Sur – Rede Universitária de Direitos
Humanos – v.1, n.1, jan.2004 – São Paulo, 2004. p. 67. 23
BRAGATO. Fernanda Frizzo. Cenários de risco e prevenção de violações de direitos humanos.
Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/violacoes-de-direitos-humanos/>. Acesso em: 30 jan.
2017. 24
COSTA OLIVEIRA. Assis da, Sensibilidade jurídica e embate colonial: análise do caso Saramaka
Vs. Suriname. Disponível em: < http://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/3081/2507>. Acesso em 24 fev. 2017.
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Marco Temporal e as Violações aos Direitos dos Povos Indígenas: Análise da Constitucionalidade e da
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respeitar a importância especial que tem para as culturas e valores espirituais
dos povos interessados a sua relação com as terras ou territórios, ou com
ambos, segundo os casos, que eles ocupam ou utilizam de alguma maneira e,
particularmente, os aspectos coletivos dessa relação.25
De acordo com a CIDH o direito à vida envolve duas facetas: não ser privado
arbitrariamente da vida e a garantia por parte do Estado das condições mínimas que
garantam o acesso a uma existência digna. Por essa razão, entendeu a Corte que o
Paraguai violou o dever de proteção da vida de seus membros ao não garantir o direito
da comunidade indígena ao seu território ancestral. Importante destacar o item 128 de
referida sentença
O corpus juris do Direito Internacional dos Direitos Humanos está formado
por um conjunto de instrumentos internacionais de conteúdo e efeitos
jurídicos variados (tratados, convênios, resoluções e declarações). Sua
evolução dinâmica exerceu um impacto positivo no Direito Internacional, no
sentido de afirmar e desenvolver a aptidão deste último para regulamentar as
relações entre os Estados e os seres humanos sob suas respectivas jurisdições.
Portanto, esta Corte deve adotar um critério adequado para considerar a
questão sujeita a exame no âmbito da evolução dos direitos fundamentais da
pessoa humana no Direito Internacional contemporâneo. 26
O trecho da sentença demonstra que no entendimento da CIDH, os Estados que
ratificaram a Convenção Americana de Direitos Humanos precisam adotar, em âmbito
interno, uma jurisdição que respeite os direitos indígenas a fim de que esses grupos
possam ter seus direitos básicos, como o direito de ter suas terras ancestrais,
reconhecidos. Porém, o cenário brasileiro atual demonstra o contrário, como será visto a
seguir.
A Corte chama a atenção para a união de esforços do direito constitucional
interno e o direito internacional na proteção dos direitos humanos. O novo
constitucionalismo que emerge dialoga com as normas internacionais no que o
Professor Jose Luis Bolzan de Morais, chama de ‘fim da geografia’,27
ou seja, é
impossível que no Sec. XXI, os Estados permaneçam com o direito interno ‘fechado’
para a evolução dos direitos humanos em sentido regional e internacional. Com efeito, é
preciso mencionar, também, que a soberania no sentido clássico se encontra defasada
diante dos novos desafios trazidos pela globalização e em termos de Direito não é
diferente: impossível tratar dos problemas internos da mesma forma que antes diante
das novas demandas e dos novos direitos.28
25
BRASIL. Decreto n° 5.051 de 19 de abr. De 2004. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5051.htm>. Acesso em: 09 de set.
de 2015. 26
Corte Interamericana de Direitos Humanos. Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos
Humanos. Disponível em: <https://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/anistia/anexos/2-direitos-
dos-povos-indigenas.pdf>. Acesso em 09 de set. 2015. 27
MORAIS. Jose Luis Bolzan de. Estado e Constituição e o “fim da geografia”. In: Constituição,
sistemas sociais e hermenêutica: anuário do programa de Pós-graduação em Direito da UNISINOS:
mestrado e doutorado/ Org. Lenio Luiz Streck, Leonel Severo Rocha, Wilson Engelmann. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2016. p.59 e ss. 28
BARRETO. Vicente de Paulo. Direitos Humanos, Democracia e Globalização. In: 20 anos de
Constituição: Os Direitos Humanos entre a Norma e a Política. Ogs. Lenio Luiz Streck, Vicente de
Paulo Barreto, Alfredo Santiago Culleton. São Leopoldo: Oikos, 2009. p. 264 – 268.
156 XII ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.
Nessa perspectiva Flávia Piovesan menciona que o direito interno precisa
harmonizar o direito interno de acordo com os compromissos assumidos no plano
internacional que possuem a função de alargar o rol de direitos constitucionalmente
previstos. Refere ainda, que o direito internacional pode ser utilizado para sanar lacunas
contidas no direito interno e que, em caso de conflito entre o direito interno e
internacional, deve prevalecer a norma mais benéfica ao ser humano.29
A terra é essencial para vida dos povos indígenas tendo em vista que para esses
povos o sentimento vai além da mera posse e da produção. Somente quando estão em
seus territórios esses povos podem desenvolver sua cultura, os meios para sua
sobrevivência, viver livremente e alcançar as condições dignas necessárias para o
desenvolvimento de suas vidas com dignidade. 30
A terra é o meio necessários para que
os povos indígenas possam se organizar e viver em sociedade em condições de
igualdade, longe da marginalização.31
Para os indígenas a terra significa mais que mera posse ou produção. A terra é o
elemento pelo qual esses povos desenvolvem a vida espiritual, a cultura, a integridade,
de onde retiram a sobrevivência econômica. A terra é um elemento material e espiritual
de que devem gozar e preservar como legado cultural às futuras gerações.32
A luta pela terra é uma luta por reconhecimento dos direitos sociais que desafia
o direito dos grupos econômicos dominantes e carrega consigo a reivindicação desses
povos por uma gama de outros direitos, a exemplo do que ocorreu no México, tais como
não-discriminação, autogoverno e respeito às suas tradições, cultura e dignidade, bem
como pelos direitos à educação, capacitação, necessidades básicas e saúde. No caso
mexicano também houve invocação da Convenção 169 da OIT a fim de invocar a
autonomia dos povos indígenas.33
3. MARCO TEMPORAL E VIOLAÇÕES DE DIREITOS INDÍGENAS
As violações aos direitos indígenas ocorrem no Brasil desde o ‘descobrimento’ a
partir do processo de colonização iniciado pelos portugueses. Desde então, esses povos
sofrem com um intenso aculturamento que ocasiona a perda da sua cultura, os
massacres e as mais variadas violações de direitos. A Constituição de 1988, marco do
processo de reconstrução dos direitos humanos no Brasil, preocupou-se em garantir
direitos aos povos indígenas, entre eles está o direito à terra, talvez o mais importante,
pois transforma-se em vida, saúde, cultura e bem-estar. No entanto, recentemente, a tese
do marco temporal fixada pelo Supremo Tribunal Federal no Caso Raposa Serra do Sol,
restringiu o direito desses povos terem suas terras tradicionais reconhecidas ao afirmar
que,
29
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 13. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. P. 157 – 171. 30
PIOVESAN, Flávia. Sistema Interamericano de Direitos Humanos: impacto transformador, diálogos
jurisdicionais e os desafios da reforma. Disponível em: < http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs-
2.2.2/index.php/REDESG/article/view/16282#.VfLs3xFVhHw>. Acesso em: 09 de set. 2015. 31
FENSTERSEIFER, Tiago; SARLET, Ingo Wolfgang. Direito Constitucional Ambiental: estudos
sobre a Constituição, os Direitos Fundamentais e a Proteção do Ambiente. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011. p. 52. 32
EMAGIS TRF4. Direitos Humanos e Diálogos Jurisdicionais – Flávia Piovesan. Disponível em: <
https://www.youtube.com/watch?v=gH_z5D0mf5M>. Acesso em: 22 fev. 2017. 33
GONÇALVES, Guilherme Leite; SCHACHERREITER, Judith. A luta zapatista pelo direito à terra:
antecedentes, estratégias e dimensões transnacionais. Disponível em: <http://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/21811/15912>. Acesso em: 01 mar. 2017.
157
Marco Temporal e as Violações aos Direitos dos Povos Indígenas: Análise da Constitucionalidade e da
Convencionalidade a Partir da Jurisprudência da CIDH
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.
o direito a uma terra indígena só deve ser reconhecido nos casos em que a
área se encontrava tradicionalmente ocupada na data da promulgação da
Constituição de (05/10/1988), a menos que se prove que os índios tenham
sido impedidos de ocupá-las por “renitente esbulho”, ou seja, porque o grupo
foi expulso à força e comprovadamente tentou retornar à área e foi
impedido.34
Desde então, esse entendimento jurisprudencial vem sendo utilizada em
processos que requerem a anulação de demarcações já concluídas ou em andamento.
Como exemplo pode-se mencionar os casos das terras indígenas Guyraroká e Limão
Verde, ambas no Mato Grosso do Sul, e com processo de anulação em andamento no
Supremo Tribunal Federal.
Não bastasse o marco temporal restringir direitos indígenas, nos novos processos
que pedem a anulação das demarcações já findas, há um rol extenso de violações de
direitos contra os povos indígenas. Os casos MS 29.08735
e RE 803.46236
demonstram
porque o marco temporal é inconstitucional e inconvencional.
De acordo com a análise feita pela Professora Fernanda Frizzo Bragato37
, os
processos que pedem a anulação que têm como base para a discussão a tese do marco
temporal violam diversos dispositivos nacionais e internacionais de direitos humanos,
entre os quais, o direito à autodeterminação, à consulta e à diferença, desdobramentos
do princípio do devido processo legal, como a seguir mostrar-se-á.
Quanto ao direito de autodeterminação é preciso tem em mente que a
participação dessas comunidades é essencial durante o processo. No entanto, nos casos
em andamento os índios não foram admitidos como parte do processo. Dessa forma não
estão a par das decisões que lhes afetam, contrariando o disposto no art. 232 da
Constituição Federal38
, o art. 12 da Convenção 169 da OIT39
, os arts. 3º40
, 4º41
e 40 da
34
BRAGATO. Fernanda Frizzo. Direitos territoriais indígenas e prevenção de atrocidades no Brasil: o
papel do Supremo Tribunal Federal discutido em Amicus Curiae. In: Constituição, sistemas sociais e
hermenêutica: anuário do programa de Pós-graduação em Direito da UNISINOS: mestrado e
doutorado/ orgs. Lenio Luiz Streck, Leonel Severo Rocha, Wilson Engelmann. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2016. p.55. 35
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 29.087. Relator (a): Min. Gilmar Mendes. Disponível em: <
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=3935320>. Acesso em 26
jan. 2017. 36
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 803.462. Relator (a): Min. Teoria Zavascki. Disponível em: <
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4548671>. Acesso em 26
jan. 2017. 37
BRAGATO. Fernanda Frizzo. Direitos territoriais indígenas e prevenção de atrocidades no Brasil: o
papel do Supremo Tribunal Federal discutido em Amicus Curiae. In: Constituição, sistemas sociais e
hermenêutica: anuário do programa de Pós-graduação em Direito da UNISINOS: mestrado e
doutorado/ orgs. Lenio Luiz Streck, Leonel Severo Rocha, Wilson Engelmann. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2016. p.59 - 64. 38
Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em
defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo. 39
Art. 12. Os povos interessados deverão ter proteção contra a violação de seus direitos, e poder iniciar
procedimentos legais, seja pessoalmente, seja mediante os seus organismos representativos, para
assegurar o respeito efetivo desses direitos. Deverão ser adotadas medidas para garantir que os membros
desses povos possam compreender e se fazer compreender em procedimentos legais, facilitando para eles,
se for necessário, intérpretes ou outros meios eficazes. 40
Artigo 3. Os povos indígenas têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito determinam
livremente sua condição política e buscam livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural. 41
Artigo 4. Os povos indígenas, no exercício do seu direito à autodeterminação, têm direito à autonomia
ou ao autogoverno nas questões relacionadas a seus assuntos internos e locais, assim como a disporem
dos meios para financiar suas funções autônomas.
158 XII ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.
Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas da ONU42
, além dos arts. 1º do PIDCP43
,
1º do PIDESC44
.
Da mesma forma há violação do direito à consulta, previsto no art. 6º da
Convenção 169 da OIT45
, uma vez que os novos processos não estão tendo a
participação dos povos indígenas.
É preciso mencionar o sentido de território para essas comunidades que vai
muito além do sentimento de posse. Para os índios o território é vida, é onde podem
expressar sua cultura e seu modo de vida. Privar os indígenas de viver em seus
territórios sem um processo justo é, sem dúvida, uma grave violação de direitos
humanos.
De acordo com a análise da professora Fernanda Bragatto, há violação do direito
à diferença dos povos indígenas na medida em que quando trata-se de provar o esbulho
renitente, não se está levando em conta as particularidades do modo de vida dessas
comunidades. 46
Contrariando o disposto no o art. 231 da Constituição Federal47
, o art.
5º da Convenção 16948
e o art. 34 da Declaração das Nações Unidas49
.
42
Artigo 40. Os povos indígenas têm direito a procedimentos justos e equitativos para a solução de
controvérsias com os Estados ou outras partes e a uma decisão rápida sobre essas controvérsias, assim
como a recursos eficazes contra toda violação de seus direitos individuais e coletivos. Essas decisões
tomarão devidamente em consideração os costumes, as tradições, as normas e os sistemas jurídicos dos
povos indígenas interessados e as normas internacionais de direitos humanos. 43
Artigo1º. Todos os povos têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam
livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e
cultural. 44
Artigo 1º. Todos os povos têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam
livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e
cultural.
45
Artigo 6º. 1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão: a) consultar os
povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições
representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-
los diretamente; b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar
livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na
adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza
responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes; c) estabelecer os meios para o
pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os
recursos necessários para esse fim. 2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser
efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo
e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas. 46
BRAGATO. Fernanda Frizzo. Direitos territoriais indígenas e prevenção de atrocidades no Brasil: o
papel do Supremo Tribunal Federal discutido em Amicus Curiae. In: Constituição, sistemas sociais e
hermenêutica: anuário do programa de Pós-graduação em Direito da UNISINOS: mestrado e
doutorado/ orgs. Lenio Luiz Streck, Leonel Severo Rocha, Wilson Engelmann. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2016. p.62 - 64. 47
Artigo 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições,
e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,
proteger e fazer respeitar todos os seus bens (...). 48
Artigo 5º. Ao se aplicar as disposições da presente Convenção: a) deverão ser reconhecidos e
protegidos os valores e práticas sociais, culturais religiosos e espirituais próprios dos povos mencionados
e dever-se-á levar na devida consideração a natureza dos problemas que lhes sejam apresentados, tanto
coletiva como individualmente; b) deverá ser respeitada a integridade dos valores, práticas e instituições
desses povos; c) deverão ser adotadas, com a participação e cooperação dos povos interessados, medidas
voltadas a aliviar as dificuldades que esses povos experimentam ao enfrentarem novas condições de vida
e de trabalho. 49
Artigo 34. Os povos indígenas têm o direito de promover, desenvolver e manter suas estruturas
institucionais e seus próprios costumes, espiritualidade, tradições, procedimentos, práticas e, quando
159
Marco Temporal e as Violações aos Direitos dos Povos Indígenas: Análise da Constitucionalidade e da
Convencionalidade a Partir da Jurisprudência da CIDH
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.
No MS 29.087 e RE 803.462 o STF considerou que não há o que se falar em
terra tradicional uma vez que a última ocupação por indígenas ocorreu em 1950 (Limão
Verde) e 1980 (Guyraroká). No entanto, é preciso esclarecer que os índios expulsos
continuaram a trabalhar como peões nas fazendas da região, uma forma de resistência,
apesar de terem sido impedidos de ocupar a terra. De acordo com os laudos
antropológicos apresentados nesses dois processos, apesar de não estarem na posse das
terras os índios nunca as abandonaram. É preciso frisar também que os anos anteriores à
Constituição de 1988 vigia o Código Civil de 1916 e o Estatuto do Índio, segundo os
quais os índios eram relativamente incapazes e dependiam de representação por parte do
Estado.50
É questionável a atuação do Estado num momento em que já está provado que
graves violações a direitos foram cometidas, inclusive, a expulsão de índios de suas
terras, justamente por quem tinha o dever de protegê-los.
O fato é que nesses processos há de se levar em conta esse histórico para que
seja provado que os índios encontraram uma forma própria de resistir e que precisa ser
levada em conta nos processos atuais. Trata-se de discriminação indireta, uma norma ou
ato aparentemente neutro que na verdade discrimina51
em razão da condição cultural,
social, econômica, social e restringe o direito de indivíduos ou grupos que não se
alinham aos padrões dominantes52
.
Ainda sobre as violações dos direitos dos índios cometidos durante o período
ditatorial, o relatório da Comissão da Verdade denuncia que no período de 1940 a 1988,
o Estado foi responsável por inúmeras omissões e violência contra os povos indígenas.
Durante a Era Vargas o Governo apoiou a chamada expansão do centro-oeste brasileiro
através da invasão e titulação das terras indígenas. De acordo os dados apresentados
pela Comissão da Verdade, eram comuns relatórios fraudulentos atestando a
inexistência de índios em parcelas de terras que foram tomadas das comunidades
tradicionais com o aval do Estado em desfavor desses povos.53
O Relatório ainda chama a atenção para a subordinação da FUNAI ao Ministério
do Desenvolvimento que resultou em omissões, falhas, violações aos direitos dos povos
indígenas em nome do chamado desenvolvimento nacional e dos interesses do INCRA e
do regime militar. Muitas comunidades foram totalmente eliminadas durante o período
da ditadura militar pela repressão imposta pelo Estado aos povos indígenas. Muitos
existam, costumes ou sistema jurídicos, em conformidade com as normas internacionais de direitos
humanos. 50
BRAGATO. Fernanda Frizzo. Direitos territoriais indígenas e prevenção de atrocidades no Brasil: o
papel do Supremo Tribunal Federal discutido em Amicus Curiae. In: Constituição, sistemas sociais e
hermenêutica: anuário do programa de Pós-graduação em Direito da UNISINOS: mestrado e
doutorado/ orgs. Lenio Luiz Streck, Leonel Severo Rocha, Wilson Engelmann. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2016. p.62 - 64. 51
RIOS, Roger Raupp. Direito da antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. 52
ADAMATTI. Bianka. BRAGATO. Fernanda Frizzo. Igualdade, não discriminação e direitos
humanos. São legítimos os tratamentos diferenciados? Disponível em: <
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/509929/001032257.pdf?sequence=1>. Acesso em:
21 fev. 2016. 53
BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Violações de direitos dos povos indígenas. Disponível em:
< http://www.cnv.gov.br/images/pdf/relatorio/Volume%202%20-%20Texto%205.pdf>. Acesso em: 21
fev. 2016.
160 XII ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.
povos foram expulsos de suas terras para instalação de agroindústrias, exploração de
minerais, madeira, etc.54
Importante mencionar, que nesse período entrou em vigor o Estatuto do Índio
que, conforme redação do art. 2055
, permitia que os índios fossem retirados de suas
terras em nome do desenvolvimento nacional, por via de decreto presidencial.
Os índios eram vistos como uma ameaça para a segurança nacional e à nação.
Enfim, esses são somente alguns pontos levantados e contidos no extenso Relatório da
Comissão da Verdade sobre as violações aos povos indígenas durante o período militar,
mas que já servem para demonstrar o quão graves foram e continuam sendo as
omissões/ações do Estado brasileiro quando se trata de reconhecimento e proteção dos
territórios indígenas.
Agora, o Supremo ao invés de ser portador da segurança dos direitos
possessórios indígenas, cria um entendimento que viola totalmente a Constituição e
documentos internacionais de direitos humanos em nome de entre outras razões a
dificuldade de se estabelecer uma retrospectiva imemorial sobre as terras indígenas.
Pois bem, como visto o Relatório da Comissão da Verdade apontou para graves fraudes
nos atos praticados pelo Estado e que precisam ser levados em conta. Principalmente,
nesses novos processos que questionam demarcações já findas sobre o argumento que o
marco temporal não foi observado ou a comprovação de renitente esbulho.
Como já mencionado, trata-se de sucessivas violações de direitos praticadas pelo
Estado e pelo Judiciário que desde há tempo contribuem para a difícil situação atual de
muitas comunidades indígenas no Brasil.
Na lição de José Afonso da Silva, para quem o direito dos indígenas à terra é
imemorial, fundada no fato de terem sido eles os primeiros donos,
a Constituição de 1988 é o último elo do reconhecimento jurídico-
constitucional dessa continuidade histórica dos direitos originários dos índios
sobre as suas terras e assim, não é o marco temporal desses direitos, como
estabeleceu o acórdão na Pet. 3.388 (...) A Constituição de 1988 é importante
na continuidade desse reconhecimento constitucional, mas não é marco, e
deslocar esse marco para ela é fazer um corte na continuidade da proteção
constitucional dos direitos indígenas, deixando ao desamparo milhares de
54
BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Violações de direitos dos povos indígenas. Disponível em:
< http://www.cnv.gov.br/images/pdf/relatorio/Volume%202%20-%20Texto%205.pdf>. Acesso em: 21
fev. 2016. 55
Artigo 20. Em caráter excepcional e por qualquer dos motivos adiante enumerados, poderá a União
intervir, se não houver solução alternativa, em área indígena, determinada a providência por decreto do
Presidente da República. 1º A intervenção poderá ser decretada: a) para pôr termo à luta entre grupos
tribais; b) para combater graves surtos epidêmicos, que possam acarretar o extermínio da comunidade
indígena, ou qualquer mal que ponha em risco a integridade do silvícola ou do grupo tribal; c) por
imposição da segurança nacional; d) para a realização de obras públicas que interessem ao
desenvolvimento nacional; e) para reprimir a turbação ou esbulho em larga escala; f) para a exploração de
riquezas do subsolo de relevante interesse para a segurança e o desenvolvimento nacional. 2º A
intervenção executar-se-á nas condições estipuladas no decreto e sempre por meios suasórios, dela
podendo resultar, segundo a gravidade do fato, uma ou algumas das medidas seguintes: a) contenção de
hostilidades, evitando-se o emprego de força contra os índios; b) deslocamento temporário de grupos
tribais de uma para outra área; c) remoção de grupos tribais de uma para outra área. 3º. somente caberá a
remoção de grupo tribal quando de todo impossível ou desaconselhável a sua permanência na área sob
intervenção, destinando-se à comunidade indígena removida área equivalente à anterior, inclusive quanto
às condições ecológicas. 4º A comunidade indígena removida será integralmente ressarcida dos prejuízos
decorrentes da remoção. 5º O ato de intervenção terá a assistência direta do órgão federal que exercita a
tutela do índio. BRASIL. Lei 6.001 de 19 de dezembro de 1973. Estatuto do Índio. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6001.htm>. Acesso em: 21 fev. 2017.
161
Marco Temporal e as Violações aos Direitos dos Povos Indígenas: Análise da Constitucionalidade e da
Convencionalidade a Partir da Jurisprudência da CIDH
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.
índios e suas comunidades, o que no fundo, é um desrespeito às próprias
regras e princípios constitucionais que dão proteção aos direitos indígenas.56
Segue o autor dizendo que se há marco temporal a ser estabelecido esse deve ser
a data da promulgação da Constituição de 1934 (16.07.1934), uma vez que foi a
primeira vez que os direitos dos povos indígenas foram protegidos constitucionalmente
em nosso ordenamento jurídico.57
O marco temporal viola a dignidade dos povos indígenas ao suprimir ou anular o
direito desses povos à autodeterminação da própria vida, do direito um mínimo
invulnerável58
, das condições existências mínimas para uma vida saudável, do direito de
participação ativa, do direito de não ser somente um objeto no processo, mas um sujeito
de direito que precisa ser ouvido59
sob pena de o processo tornar-se arbitrário e injusto.
Nesse aspecto também é preciso atentar-se também para qual sentido ou valor
possui a dignidade da pessoa humana nas relações em que o Estado é parte. Conforme
foi mostrado, a ideia do marco temporal fundamentou-se numa das premissas de que é
impossível vislumbrar uma memória da posse das terras tradicionais pelos índios e que
por essa razão é necessário fixar um marco. Pois bem, como visto durante a vigência do
Estatuto do Índio e da ditadura militar, o Estado era responsável pela tutela dos
indígenas, considerados parcialmente capazes e, no entanto, foi o responsável pelas
mais graves violações, omissões, crueldades contra os povos indígenas. Por essa razão e
tratando-se de salvaguardar a dignidade dos índios, e preciso questionar também qual a
posição do Estado em relação ao seu dever de proteger a dignidade dos atores sociais
numa relação tensional em que este é parte da relação como e o caso do marco
temporal.60
O momento atual demonstra que a luta do índio pelo direito às suas terras
tradicionais permanece contra os mesmos “inimigos” que no passado foram
responsáveis pela quase destruição total de seu povo e cultura - a indústria, o
agronegócio, a extração de minerais e madeira - com o mesmo discurso em nome do
desenvolvimento que confronta índios e não-índios.
4. ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE E CONVENCIONALIDADE DO
MARCO TEMPORAL
Nesse tópico analisar-se-á porque o marco temporal para a demarcação de terras
tradicionais indígenas é inconstitucional e inconvencional tendo em vista que tal
entendimento não se coaduna com os dispositivos constitucionais e os vários
documentos internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil.
56
SILVA, José Afonso da. Parecer sobre Marco Temporal e Renitente Esbulho. São Paulo, 2016.
Disponível em: < https://mobilizacaonacionalindigena.files.wordpress.com/2016/05/parecer-josc3a9-
afonso-marco-temporal_.pdf>. Acesso em 21 fev. 2017. 57
Ibidem. 58
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1.º a 5.º
da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 7. ed. São Paulo: Atlas,
2006, p. 48. 59
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 62. 60
STRELHOW. Thyeles Moratti Precilio Borcarte. Cadernos de Teologia Publica. A Constituição da
Dignidade Humana: aportes uma discussão pós-metafisica. Disponível em:
<http://www.ihu.unisinos.br/images/stories/cadernos/teopublica/119_cadernosteologiapublica.pdf>.
Acesso em: 21 fev. 2017.
162 XII ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.
Além disso, como foi exposto, também não se alinha à jurisprudência da Corte
Interamericana de Direitos Humanos sobre direitos possessórios indígenas.
Conforme leciona o professor Dirley da Cunha Junior “a Constituição reconhece
aos índios a sua organização social, os seus costumes, línguas, crenças e tradições, e os
direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Além disso, “os
índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para são parte legítimas
para ingressas em juízo em defesa de seus direitos e interesses”.61
São terras tradicionais indígenas, conforme definição de Alexandre de Moraes:
as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas
atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos
ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução
física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.62
Como bem explicam Carlos Morés e Theo Morés, ao analisar o direito agrário
pelo viés do direito dos povos indígenas, a terra possui condição de provedora de vida
desses habitantes ao mesmo tempo que tem o poder de melhorar as condições de vida,
realizar direitos humanos e diminuir as desigualdades. Ainda de acordo com os autores,
é preciso ter em mente que se trata de garantir o direito de comunidades que não se
importam com as regras de mercado e que não veem na terra a mera produção, mas,
“um fundamento de vida”. Por isso, tão importante o respeito pelos costumes e tradições
dessas comunidades.63
Nesse sentido, José Afonso da Silva menciona que “a questão da terra se
transforma no ponto central dos direitos constitucionais dos índios, pois, para eles, ela
tem um valor de sobrevivência física e cultural”. Ainda segundo o autor, as quatro
condições elencadas no art. 231 para que seja considerada como terras tradicionalmente
ocupadas não podem devem ser interpretadas “segundo a visão civilizada, a visão de
modo de produção capitalista ou socialista, a visão do bem-estar do nosso gosto, mas
segundo o modo de ser deles, da cultura deles”.64
A posição do autor vai ao encontro com todo o exposto nesta pesquisa no
sentido de que as comunidades indígenas precisam das terras para sobreviver e viver
dignamente. Por esse motivo não há como sustentar uma tese que dificulta, em muitos
casos impede, que essas comunidades tenham o seu direito à terra respeitado. E mais, de
acordo José Afonso da Silva, terras tradicionalmente ocupadas não possui ligação ou
circunstância temporal, “mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as
terras e ao modo tradicional de produção, enfim, ao modo de como eles se relacionam
com a terra”.65
Por essa razão equivocada e inconstitucional a tese do marco temporal lançada
pelo Supremo Tribunal Federal de que para ser considerada terra tradicional indígena
precisa comprovar a posse dos índios quando da Promulgação da Constituição Federal
(05 de outubro de 1988), ou, seja provado o renitente esbulho.
Ainda sobre o art. 231, Tércio Sampaio menciona que
61
CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 6 ed. Bahia: JusPodivm. 2012. p.
1340 – 1342. 62
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 827. 63
MORÉS, Carlos; MORÉS, Theo. Direito Agrário e Igualdade Étnico-Racial. In: PIOVESAN, Flávia;
SOUZA, Douglas Martins de. (Orgs.). Ordem Jurídica e Igualdade Étnico-Racial. 1 ed. São Paulo:
LUMEN JURIS, 2006. p. 171 – 174. 64
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros,
199. p. 825. – 826. 65
Ibidem.
163
Marco Temporal e as Violações aos Direitos dos Povos Indígenas: Análise da Constitucionalidade e da
Convencionalidade a Partir da Jurisprudência da CIDH
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.
Tais direitos são originários. Não se trata de direitos adquiridos, pois não
pressupõem uma incorporação ao patrimônio (econômico e moral), embora,
ressalvadas as peculiaridades constitucionais, devam ser tratados em
harmonia com esses.66
Para o autor, as terras são tradicionais tem relação com o sentido de modo
tradicional, referindo-se à ocupação tradicional, de acordo com a tradição.67
Ademais, conforme apontado anteriormente, a Constituição de 1988 estabelece
a pluralidade cultural no nosso País, de forma que aos indígenas é garantido o direito de
viver de acordo com a cultura e formas de organização nas suas terras tradicionais.
Como já mencionado aqui nas palavras de Afonso da Silva, são terras tradicionais toda
terra em sua posse necessária à sua reprodução física e cultural, uma vez que “trata-se
de comunidades culturais, ligadas à raça (fator biológico), mas também a valores
(crenças, costumes, língua, tradições). ”68
Dessa forma, a Constituição rompe com o nexo civilista de posse e reconhece ao
índio toda a “extensão de terras necessárias ao resguardo cultural e à manutenção de
práticas econômicas e religiosas de cada povo”.69
Por esse motivo a necessidade de
realização de meios demarcatórios adequados e “equivocada e violadora dos preceitos
constitucionais a imposição do marco temporal”70
que fixa a posse em 05 de outubro de
1988 como data para reconhecimento das terras tradicionais indígenas.
Ainda, outros aspectos que reforçam a inconstitucionalidade do marco temporal
são a “existência do esbulho e a titulação a particulares (nula e extinta, a partir da
CF/88) e depois pela ininterrupta ocupação anímica, psíquica e de perdurabilidade para
além da habitação”71
conforme previsão do art. 231, § 6º, de que títulos anteriores são
nulos e extinto uma vez que a posse é originária.
Tendo em vista tudo o que foi mencionado até aqui, as graves violações aos
direitos indígenas, o posicionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, é
razoável afirmar que o marco temporal para demarcação de terras indígenas é
inconstitucional porque viola dispositivos constitucionais que protegem os direitos dos
povos indígenas, ao interpretá-los de maneira a suprimir o direito à terra dessas
comunidades.
Além disso é ato jurídico incompatível com os princípios constitucionalmente
assegurados72
. Como visto, o marco temporal é inconvencional porque viola artigos da
Convenção Americana de Direitos Humanos, da OIT, do PIDESC e do PIDCP.
66
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. A demarcação de terras indígenas e seu fundamento
constitucional. Disponível em: <
file:///C:/Users/Usu%C3%A1rio/Downloads/hermeneuticaconstitucional_luizdefreitas.pdf >. Acesso em:
07 mar. 2017. 67
Ibidem. 68
Ibidem. 69
CUPSINSKI, Adelar. GUEDES, Irís Pereira. LIEBGOTT, Roberto Antônio. PEREIRA, Alessandra
Farias. SANTOS, Rafael Modesto dos. Terra tradicionalmente ocupada, direito originário e a
Inconstitucionalidade do marco temporal ante a proeminência do art. 231 e 232 da constituição de
1988. Disponível em: < http://cimi.org.br/pub/Assessoria-Juridica/Terra-tradicionalmente-ocupada-
direito-originario-e-a-inconstitucionalidade-marco-temporal.pdf>. Acesso em 26 jan. 2017. 70
Ibidem. 71
Ibidem. 72
PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial contra omissões legislativas: ação direta de
constitucionalidade por omissão e mandado de injunção. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 76.
164 XII ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.
Sobre o controle de convencionalidade é preciso mencionar que desde 2009,
quando o Supremo discutiu a possibilidade de prisão civil por dívida, prevista na
Constituição e proibida conforme art. 7ª da Convenção Americana de Direitos
Humanos, ratificada pelo Brasil, o ordenamento jurídico brasileiro passou a abrigar dois
controles materiais para as leis e atos internos: o controle de constitucionalidade e o
controle de convencionalidade.
Após o longo debate sobre a hierarquia dos tratados e convenções de direitos
humanos no ordenamento jurídico interno73
, ficou estabelecido que em nosso
ordenamento jurídico passa a existir duas hierarquias para os tratados e convenções de
direitos humanos: a supralegal (art. 5º, § 2º) e constitucional (art. 5º, § 3º)74
.
Divergências à parte, o que cabe ressaltar depois de tal julgamento é que, os direitos
tutelados nos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, se
equiparados às emendas ou com status supralegal, são desde então, parâmetros de
compatibilidade para leis e atos internos, haja vista a superioridade normativa destes75
uma vez que o direito interno e o direito internacional formam um sistema dependente
entre si e simultaneamente válidos de proteção aos direitos humanos.76
Dessa forma, as leis e atos internos devem passar pelo crivo do controle de
convencionalidade, que na definição de Mazzuoli, significa
adaptar ou conformar os atos ou leis internas aos compromissos
internacionais assumidos pelo Estado, que criam para este deveres no plano
internacional com reflexos práticos no plano do seu direito interno.77
Como mostrou-se, o entendimento do Supremo Tribunal Federal que fixou o
marco temporal para a demarcação de terras indígenas, dificulta, impede, restringe, o
direito dos povos tradicionais indígenas de terem suas terras reconhecidas. Ademais, tal
interpretação contraria o direito interno e o direito internacional dos direitos humanos,
através dos variados compromissos assumidos pelo Estado brasileiro no plano do direito
internacional. Assim, se está diante de um caso de inconstitucionalidade e
inconvencionalidade de ato interno que precisa ser revisto pela nossa Suprema Corte.
O controle de convencionalidade pode ser classificado como provisório ou
preliminar, quando realizado internamente, ou, o controle de matriz internacional,
73
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 349.703-1. Recorrente: Banco Itaú S/A.
Recorrido: Armando Luiz Segabinazzi. Relator: Min. Carlos Britto. Distrito Federal, 03 dez. 2008.
Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=595406>. Acesso
em: 02 mar. 2017. 74
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 87.585-8. Impetrante: Alberto de Ribamar Ramos
Costa. Relator: Min. Marco Aurélio. Distrito Federal, 03 dez. 2008. Disponível
em:<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=597891>. Acesso em: 02 mar.
2017. 75
SARLET, Ingo Wolfgang. Notas sobre as relações entre a Constituição Federal de 1988 e os tratados
internacionais de direitos humanos na perspectiva do assim chamado controle de convencionalidade. In:
MARINONI, Luiz Guilherme. MAZZUOLI, Valério de Oliveira (coords.), Controle de
convencionalidade: um panorama latino-americano: Brasil, Argentina, Chile, México, Peru, Uruguai.
Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 111. 76
Revista de Direito Internacional / Centro Universitário de Brasília, Programa de Mestrado em Direito
do UniCEUB. - Vol.8, no. 2 (jul. /dez. 2011) - Brasília: UniCEUB, 2011. p. 50. 77
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Teoria Geral do controle de convencionalidade no direito brasileiro.
In: MARINONI, Luiz Guilherme. MAZZUOLI, Valério de Oliveira (coords.), Controle de
convencionalidade: um panorama latino-americano: Brasil, Argentina, Chile, México, Peru, Uruguai.
Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 32.
165
Marco Temporal e as Violações aos Direitos dos Povos Indígenas: Análise da Constitucionalidade e da
Convencionalidade a Partir da Jurisprudência da CIDH
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.
chamado de autêntico ou definitivo.78
Nesse último caso quando a matéria é levada à
jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos79
como ocorreu com a Lei de
Anistia brasileira.
Se a discussão do marco temporal for levada ao plano internacional será uma
ótima via para correção, haja vista o vasto entendimento da Corte Interamericana de
Direitos Humanos quanto aos direitos possessórios indígenas no sentido de ampliar,
proteger e garantir o acesso aos direitos indígenas às suas terras ancestrais.
No caso do marco temporal, o controle de convencionalidade cabe à Corte
Interamericana de Direitos Humanos uma vez que o ato interno partiu do Supremo
Tribunal Federal, última instância judiciária nacional e quem deveria ter controlado a
convencionalidade do ato jurídico interno primariamente. A Corte Interamericana
assume assim, seu papel complementar de controlar a convencionalidade.80
Como bem explica André de Carvalho Ramos, qualquer ato que desrespeitar
direitos humanos no Brasil pode passar, além do controle de constitucionalidade no
STF, pelo crivo do controle internacional de convencionalidade (art. 7º ADCT)81
. Nesse
caso, na Corte Interamericana de Direitos Humanos que é guardiã da Convenção
Americana de Direitos Humanos e tratados e convenções relacionados. De acordo com
o autor, “todo ato interno (não importa a natureza ou origem) deve obediência aos dois
crivos. Caso não supere um deles (por violar Direitos Humanos), deve o Estado envidar
todos os esforços para cessar a conduta ilícita e reparar os danos causados”.82
A respeito da possibilidade de o marco temporal, como ato do Poder Judiciário,
passar pelo crivo do controle de convencionalidade na Corte Interamericana de Direitos
Humanos, escreve Ramos:
para o Direito Internacional, o ato judicial é um fato a ser analisado como
qualquer outro. A responsabilização internacional por violação de direitos
humanos pela conduta do Poder Judiciário pode ocorrer em duas hipóteses:
quando a decisão judicial é tardia ou inexistente (no caso da ausência de
remédio judicial) ou quando a decisão judicial é tida, no seu mérito, como
violadora de direito protegido.83
Como já mencionado aqui, a Lei de Anistia é um exemplo de controle pela
CIDH, ao passo que a decisão da Corte vai em sentido contrário ao pensamento adotado
pelo Supremo Tribunal Federal. Aguarda-se por uma nova manifestação do Supremo
frente a decisão advinda do plano internacional que considerou a Lei de Anistia
78
RAMOS. André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. 4. ed. São
Paulo: Saraiva. 2014. p. 294. 79
GUERRA. Sidney. O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e o controle de
convencionalidade. São Paulo: Atlas. 2013. p. 179. 80
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 3. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2013 p. 186 – 187. 81
Art. 7º. O Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos.
Disponível em:< http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp?item=2125>. Acesso em 08 mar.
2017. 82
RAMOS, André de Carvalho. Pluralidade das ordens jurídicas: uma nova perspectiva
na relação entre o Direito Internacional e o Direito Constitucional. Disponível
em:<http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67955/70563>. Acesso em 08 mar. 2017. 83
RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade Internacional Do Estado Por
Violação De Direitos Humanos. Disponível
em:<http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/663/843> Acesso em: 08 mar. 2017.
166 XII ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.
inconvencional tendo em vista que no controle de convencionalidade o tratado ou
convenção é sempre a norma de parâmetro superior.84
Conforme foi exposto no ponto 3 da presente pesquisa, a Corte Interamericana
emitiu várias sentenças no sentido de que os Estados-membros precisam adotar medidas
compatíveis com os modos de vida e de organização política e cultural dos povos
indígenas. Ainda, que os Estados precisam adotar medidas no sentido de dar chances
para que sejam reconhecidas as terras tradicionais a fim de salvaguardar o direito à vida
dos povos indígenas.
Por essa razão, é razoável afirmar que se a decisão do Supremo que fixou a tese
do marco temporal não se coaduna com o que a Corte Interamericana entendimento da
CIDH uma vez que dificulta o acesso dos índios ao seu direito fundamental à terra. E
mais, a tese possibilita a reabertura de processo que discutem demarcações já findas,
sem observar o direito ao devido processo legal, conforme detalhadamente explicado no
item 4.
Como resume Bragatto,
a Suprema Corte Constitucional viola diversos dispositivos constitucionais e
convencionais, por, fundamentalmente, penalizar as comunidades
tradicionais pela própria incapacidade estatal em garantir o acesso à justiça
no passado recente e por, sistematicamente, prestar jurisdição que nega o
direito ao devido processo legal.85
É preciso recordar que para as comunidades indígenas a terra possui um
sentimento muito maior que o sentimento de posse. A sobrevivência desses povos
depende do reconhecimento do direito à terra.86
Sem dúvida, há um lapso entre a
declaração formal dos direitos indígenas e a efetiva proteção que precisa ser resolvida
que, como foi mostrado aqui, embasou interesses econômicos e foi responsável pelas
mais variadas violações de direitos dos povos indígenas, ocasionadas muitas vezes pelo
caráter dúbio de integração e respeito às peculiaridades dessas comunidades.87
Da mesma forma é preciso atentar-se à função que o Judiciário possui no
reconhecimento das terras tradicionais indígenas, como visto as condicionantes
utilizadas no julgamento Raposa Serra do Sol estão sendo utilizadas em inúmeros
processos a fim de reanalisar processos demarcatórios tendo como base principalmente
a tese do marco temporal. Porém como mostrado aqui, é preciso que o Judiciário leve
em consideração as outras formas de resistência utilizadas pelos povos indígenas, a
capacidade civil desses povos e a diferenciação em termos de ações possessória entre a
propriedade privada e os territórios indígenas.88
84
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 357 – 362. 85
BRAGATO. Fernanda Frizzo. Direitos territoriais indígenas e prevenção de atrocidades no Brasil: o
papel do Supremo Tribunal Federal discutido em Amicus Curiae. In: Constituição, sistemas sociais e
hermenêutica: anuário do programa de Pós-graduação em Direito da UNISINOS: mestrado e
doutorado/ orgs. Lenio Luiz Streck, Leonel Severo Rocha, Wilson Engelmann. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2016. p. 64. 86
PERUZZO. Pedro Pulzatto. Direitos Humanos, povos indígenas e interculturalidade. Dissertação de
Mestrado em Direito - USP. 2011. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2140/tde-
19062012-093518/pt-br.php >. Acesso em 08 mar. 2017. 87
FREITAS, Rodrigo Bastos de. Direitos dos Índios e Constituição: os princípios da autonomia e da
tutela-proteção. Dissertação de Mestrado em Direito Público - UFBA – 2007. Disponível em:
<http://www.repositorio.ufba.br:8080/ri/bitstream/ri/9173/1/RODRIGO%20BASTOS%20DE%20FREIT
AS%20-%20disserta%C3%A7%C3%A3o.pdf>. Acesso em: 07 mar. 2017. 88
DUPRAT, Deborah. Terras indígenas e o Judiciário. Disponível em: <
http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/documentos-e-
publicacoes/artigos/docs_artigos/terras_indigenas_e_o_judiciario.pdf >. Acesso em: 17 mar. 2017.
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Marco Temporal e as Violações aos Direitos dos Povos Indígenas: Análise da Constitucionalidade e da
Convencionalidade a Partir da Jurisprudência da CIDH
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.
A interpretação do Supremo Tribunal Federal sobre a política indigenista voltada
à concepção territorial está em desacordo com os princípios e dispositivos
constitucionais89
e convencionais. Por essa razão, e baseado em tudo o que aqui foi
exposto, não se pode sustentar uma tese que impede/limita o direito fundamental à terra
de comunidades que necessitam dos seus territórios para sobreviver física e
culturalmente.
CONCLUSÃO
A tese do marco temporal precisa ser revista uma vez que viola dispositivos
constitucionais e convencionais de direitos humanos tendo em vista que o Supremo
Tribunal Federal adota uma tese que dificulta, quase impede, que muitas comunidades
indígenas tenham o direito à terra garantido.
As condicionantes expostas no caso Raposa Serra do Sol, apesar de frisado no
referido acórdão que não possuem efeitos vinculantes, estão sendo utilizadas nos novos
processos demarcatórios e são base de argumento nos que já foram encerrados. Como
visto, nos novos processos há uma série de violações aos direitos indígenas
principalmente do princípio do devido processo legal.
A Constituição de 1988 é um marco da reconstrução dos direitos humanos do
Brasil e reconheceu a teoria do indigenato para o reconhecimento das terras tradicionais
indígenas. Por essa razão, não há como sustentar a existência de um entendimento que,
ao invés de garantir e facilitar o acesso das comunidades tradicionais, faz justamente o
inverso.
Da mesma forma, o poder judiciário precisa analisar a questão dos direitos
indígenas de maneira especial haja vista que se trata de uma cultura totalmente
diferente. Num país multicultural como o Brasil não há como decidir questões tão
complexas como o direito originário dos povos indígenas sobre o solo que
originariamente era seu, sob um ponto de vista que segue desprestigiando o direito à
diferença.
Não há dúvida que o assunto exige atenção por parte do poder judiciário, haja
vista os inúmeros e cada vez mais frequentes conflitos entre índios e não índios em
disputas por terras. No entanto, não reconhecer que exigir posse quando da promulgação
da CF/88 ou esbulho renitente, justamente depois de um período em que nosso país
estava sob o regime ditatorial e que contribuiu para o agravamento da situação indígena,
é dificultar ou quase anular as chances de os povos indígenas continuarem sob suas
terras e cultivar sem hábitos.
Por essa razão, não há como sustentar uma tese que desrespeita a Constituição
Federal, os inúmeros tratados internacionais de direitos humanos e além disso, a
jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Conforme demonstrado, a Constituição de 1988 não fixou uma data para
reconhecimento das terras tradicionais indígenas, apenas determinou que cabe ao Estado
reconhecer as terras tradicionais como pertencentes aos povos indígenas.
Tendo em vista que o posicionamento foi fixado pela Suprema Corte
Constitucional Brasileira, resta que o entendimento seja revisto pela Corte
89
SANTANA, Carolina Ribeiro. Direitos territoriais indígenas: o Poder Judiciário contra a
Constituição. Disponível em: <
http://www.enadir2015.sinteseeventos.com.br/arquivo/downloadpublic?q=YToyOntzOjY6InBhcmFtcyI7
czozNDoiYToxOntzOjEwOiJJRF9BUlFVSVZPIjtzOjM6IjE3MiI7fSI7czoxOiJoIjtzOjMyOiJhNGU0Mz
Y1OWZiZjcwYTFiNTcwNWY1MmFlZTI4ZGUyNiI7fQ%3D%3D>. Acesso em 14 mar. 2017.
168 XII ANUÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL
Anuário Brasileiro de Direito Internacional, ISSN 1980-9484, vol.2, n.23, jul. de 2017.
Interamericana de Direitos Humanos no sentido de proteger e ampliar os direitos
possessórios indígenas à luz do seu sólido entendimento, conforme foi mostrado aqui.
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