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setembro 2008 vol. 5 nº 3 Manejo sadio dos solos

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setembro2008vol. 5

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Manejo sadiodos solos

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2 Agriculturas - v. 5 - no 3 - setembro de 2008

ISSN: 1807-491X

edito

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Ev. 5, nº 3

(corresponde ao v. 24, nº 2 da Revista Leisa)

Revista Agriculturas: experiências em agroecologia é umapublicação da AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetosem Agricultura Alternativa –, em parceria com a Funda-ção Ileia - Centre of Information on Low External Input

and Sustainable Agriculture.

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Conselho EditorialEugênio Ferrari

Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata, MG - CTA/ZMJean Marc von der Weid

AS-PTAJosé Antônio Costabeber

Ass. Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica eExtensão Rural – Emater, RS

Marcelino LimaCaatinga/Centro Sabiá, PEMaria Emília Pacheco

Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional Fase, RJMaria José Guazzelli

Centro Ecológico, RSMiguel Ângelo da Silveira

Embrapa Meio AmbientePaulo Petersen

AS-PTARomier Sousa

Grupo de Trabalho em Agroecologia na Amazônia - GTNASílvio Gomes de Almeida

AS-PTA

Equipe ExecutivaEditor Paulo Petersen

Editora convidada para este número Irene Maria CardosoProdução Executiva Adriana Galvão Freire

Pesquisa Adriana Galvão Freire, Paulo Petersen,Irene Maria Cardoso e Edinei de Almeida

Base de dados de subscritores Nádia Maria Miceli de OliveiraCopidesque Rosa L. Peralta

Revisão Gláucia CruzTradução Gabriel Fernandes e Rosa L. Peralta

Foto da capa Francisco NogueiraProjeto gráfico e diagramação I Graficci

Impressão HolográficaTiragem 4.700

A AS-PTA estimula que os leitores circulem livremente os artigos aquipublicados. Sempre que for necessária a reprodução total ou parcial de

algum desses artigos, solicitamos que a Revista Agriculturas: experiênciasem agroecologia seja citada como fonte.

sta edição da revista Agriculturas: experiênciasem agroecologia é dedicada à Dra. Ana MariaPrimavesi, uma das principais referências da

Agroecologia no Brasil e na América Latina. A consistênciateórica de suas contribuições ao desenvolvimento da pers-pectiva ecológica de manejo dos solos foi determinante paraque o enfoque convencional de gestão da fertilidade fossecolocado em xeque ainda nos idos dos anos 70. Partindo doprincípio básico de que não é a quantidade (ou concentra-ção) de nutrientes no solo o fator que determina o bomdesenvolvimento dos cultivos, mas sim o acesso constantedas raízes das plantas a uma quantidade balanceada de nu-trientes, Primavesi demonstrou que o método de fertiliza-ção baseado no aporte de adubos sintéticos é tecnicamentedesnecessário, ambientalmente irresponsável e economica-mente irracional.

Essa idéia original vem sendo aplicada na práticapor meio de manejos técnicos voltados para a manutenção desolos biologicamente ativos, que asseguram boas colheitascom baixos custos financeiros e ecológicos, mesmo em ambi-entes agrícolas convencionalmente considerados de baixa fer-tilidade. Em essência, esses manejos buscam reproduzir nosagroecossistemas as condições estruturais e funcionais res-ponsáveis pela manutenção a longo prazo da capacidade deprodução biológica dos ecossistemas naturais. Entre essascondições, três se destacam: 1) a maximização da produção euso de biomassa no sistema por meio dos policultivos, dasrotações de culturas, das práticas agroflorestais e da integraçãoagricultura-pecuária; 2) a manutenção do solo permanente-mente protegido com cobertura viva ou morta; e 3) o preparodo terreno para o plantio com o mínimo revolvimento do solo.

Nesse momento em que a civilização industrial sedepara com grandes impasses, os ensinamentos de Primavesimereceriam ter lugar de destaque na elaboração de estratégiasalternativas para o desenvolvimento agrícola. De fato, estamosdiante do desafio de assegurar o abastecimento alimentar dacrescente população mundial no contexto dos aumentos verti-ginosos e irreversíveis dos preços do petróleo e da degradaçãosem precedentes dos ecossistemas agrícolas resultante do em-prego em larga escala de métodos ambientalmente predatóriosque vêm sendo subsidiados há décadas exatamente pelos baixospreços do petróleo. Trata-se de medida urgente, portanto, subs-tituir o padrão tecnológico hegemônico que fez da agriculturauma atividade estruturalmente dependente de energia fóssil poroutro que se reproduza com base nos ciclos naturais e na energiasolar captada pela fotossíntese. A chave principal para essa mu-dança está no solo, já que é nele onde a luz solar, os nutrientes ea água, recursos abióticos do ecossistema, se integram paragerar vida. A expressão manejo sadio do solo realça justamenteo fato de que na Agroecologia o solo é considerado um organis-mo vivo que interage dinamicamente com a biodiversidade parareproduzir a vida.

Além de tomarem conhecimento de possibilida-des e especificidades do manejo sadio dos solos em diferen-tes ecossistemas, os(as) leitores(as) desta edição sãobrindados(as) com um artigo elaborado pela própria Dra.Primavesi especialmente para a revista Agriculturas.

O editor

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sum

ário

Publicações pág. 41

Editor convidado Irene Maria Cardoso pág. 4

Agroecologia em Rede pág. 42

Artigos

Páginas na internet pág. 43

Agroecologia e manejo do solo pág. 7Ana Maria Primavesi

pág. 7

Terra Forte pág. 11Edivânia Maria G. Duarte, Irene Maria Cardoso e Claudenir Fávero

pág. 11

Revendo o conceito de fertilidade: conversão ecológica do pág. 16sistema de manejo dos solos na região do ContestadoPaulo Petersen e Edinei de Almeida

pág.16

Essa terra dá mais legume: construindo a pág. 24qualidade do solo no Sertão Central do CearáTeógenes Senna de Oliveira e Ana Leônia de Araújo

pág. 24

Conservando a fertilidade do solo em sistemas biointensivos pág. 30Fernando Funes-Monzote, Alberto Hernández, Rasiel Bello eAurelio Álvarez

pág. 30

Falando de ciência do solo com os agricultores pág. 35Pablo Tittonell, Michael Misiko e Isaac Ekise

pág. 35

Dra. Ana Maria Primavesi: a professora de todos nós pág. 39Manoel Baltasar Baptista da Costa

pág. 39

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O solo viveE

sta edição da Revista Agriculturas enfoca o tema do uso e do manejo dos solos.Já em seu título, Manejo sadio do solo, chama a atenção para o fato de que osolo tem saúde e que, portanto, deve ser tratado como um organismo vivo. Combase nessa afirmação podemos refletir sobre o que é solo.

Na chamada de artigos para esta edição, os editores da revista diziam: “Ao realizar a interfaceentre a litosfera e a biosfera, os solos são o ambiente onde processos biogeoquímicos transformam água,nutrientes e radiação solar em vida.” A litosfera é composta pelas rochas que estão abaixo dos solos e quelhes dão origem. A biosfera é formada pelos organismos que vivem no solo e acima dele. São todos, diretaou indiretamente, originados a partir de processos do solo que transformam elementos simples (água,nutrientes e energia) em vida.

Um viajante que atravesse o Brasil de ponta a ponta terá a oportunidade de conhecer paisagensmuito diferentes. Essas diferenças vêm exatamente do fato de que os processos geradores de vida produzi-ram em cada lugar um equilíbrio particular entre os solos, o clima e os organismos. Os grandes ecossistemasbrasileiros, ou biomas, são a expressão desses equilíbrios. A Amazônia, a Mata Atlântica, a Caatinga, oCerrado, os Pampas, o Pantanal, as restingas e os mangues, cada um tem seu clima, seu relevo, suavegetação e, como não poderia deixar de ser, o seu solo com características próprias. Por isso, não podemosfalar em solo no geral, mas sim em solos (no plural), dentro do contexto dos ecossistemas em que ocorrem.Eles são geradores de vida e são gerados pela vida. Por essa razão, o manejo dos solos deve ser sadio.

Em meio a tanta diversidade do território brasileiro, seria então possível pensarmos em algu-mas generalizações a respeito dos solos? Podemos sim. Entretanto, como em toda generalização, semprecometemos injustiças. Mas vamos tentar. É comum escutarmos ou lermos que os solos brasileiros sãopobres, ruins e velhos. Por que todos esses adjetivos negativos? De fato, os solos brasileiros, em geral, sãovelhos (os caatingueiros não vão concordar, mas lembrem-se de que não é possível generalizar semcometer injustiças). São solos que já sofreram muito com a ação das chuvas e do sol e muitos nutrientesque vieram originalmente das rochas que os formaram já foram lavados (lixiviados) e levados para o mar.Afinal, vivemos em um país tropical, onde não nos falta sol e chuva. Justamente por isso é que dizemosque somos “abençoados por Deus”.

Mas aí ficou esquisito: como o mesmo Deus, que nos abençoa com chuva e sol, faz o nossosolo ficar pobre e ruim? Algo está errado (conosco ou com Deus?).

Vamos pensar. É o mesmo sol que aquece os nossos solos e são as mesmas chuvas que os lavamque fazem com que eles se tornem profundos e bem estruturados, facilitando a entrada de água e ocrescimento de raízes. Um clima que faz com que as partículas do solo esquentem e esfriem o tempo todofacilita muito a formação dos torrões. Esse clima também favorece a formação de substâncias como osóxidos de ferro que ajudam a agregar o solo. Além disso, ele possibilita o desenvolvimento de plantas,animais e microrganismos durante boa parte do ano. Ao morrerem ou derrubarem folhas e frutos, essesorganismos se decomporão, formando a matéria orgânica dos solos que também é um elemento essencialpara a formação dos torrões. Como podemos ver, algo de bom começou a aparecer em nossos solos: elessão profundos e possuem excelente estrutura física. Se não fosse por essas características, como pode-ríamos explicar a existência das ricas vegetações nas várias regiões do país?

Onde está então a alegada pobreza dos solos? Talvez na cabeça daqueles que os encaramcomo um mero suporte físico para o (mono)cultivo de algumas poucas espécies de plantas. Para esses, emgeral, a qualidade do solo é avaliada por meio de uma análise química a partir da qual é calculada aquantidade de adubação necessária para enriquecê-lo. Essas análises estimam a disponibilidade de quatronutrientes demandados pelas plantas (fósforo, potássio, cálcio e magnésio), além dos teores de alumínio(um elemento tóxico para as plantas), de matéria orgânica e do pH do solo.

Como se vê, é uma forma de avaliar o solo que não o encara como um organismo dinâmico.Além de só identificar a presença desses nutrientes, as análises são feitas com amostras de solocoletadas somente até os primeiros 20 centímetros. Mas por que só considerar quatro nutrientescomo indispensáveis quando a ciência do solo aponta que são pelo menos 15 e alguns autores, comoa Dra. Primavesi, afirmam que eles chegam a 45? Por que as amostras dos solos analisados sãocoletadas somente até os 20 centímetros se os nossos solos são profundos? Alega-se que é porquea maior quantidade das raízes das plantas cultivadas está concentrada até essa profundidade.

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Explica-se dessa forma o porquê da conclusão largamente aceita de que os nossos solos sãopobres. Certamente, ao avaliá-los fora do contexto ambiental em que ocorrem, essa conclusão nãopoderia ser diferente. Mas, com essa maneira de avaliar, deixamos de valorizar aquilo que os nossosecossistemas têm de favorável para o desenvolvimento das plantas: muita chuva (quase sempre), muitosol e solos que permitem o crescimento de raízes até grandes profundidades.

Pois bem, mudamos o enfoque da questão. Em vez de seguirmos lamentando a pobrezaquímica dos solos, valorizamos aquilo que temos em abundância: radiação solar e água. Com essesrecursos disponíveis muitos organismos (plantas nativas, microrganismos, animais do solo, etc) podemse desenvolver bem e mobilizar grandes quantidades de nutrientes que estão nos solos, mas não sãoidentificados nas análises químicas porque elas são calibradas para extrair apenas os nutrientes que umaplanta cultivada conseguiria absorver. Portanto, os nutrientes estão lá, mas não nas quantidades e nemno local que as plantas cultivadas necessitam.

Um manejo sadio é aquele que estimula que os organismos do solo se desenvolvam todo otempo. Por isso, é importante que sejam plantadas diversas espécies vegetais adaptadas que servirão paracobrir o solo, protegendo-o do sol intenso e da força das gotas de chuvas, e que possuam sistemasradiculares que irão explorar volumes diferentes do solo. Junto com as raízes dessas plantas se desenvolverãomicrorganismos, como os fungos micorrízicos, que as ajudarão a aumentar o volume do solo exploradoem busca do fósforo e outros nutrientes. Trabalhando juntos, plantas e organismos do solo absorvemquantidades grandes e diversificadas de nutrientes. Quando morrem, ou derrubam folhas e frutos, devol-vem esses nutrientes principalmente nos primeiros 20 centímetros, possibilitando uma nutrição equili-brada para as plantas cultivadas. Derrubamos assim a crença da dependência dos primeiros 20 centíme-tros dos nossos solos para desenvolver nossa agricultura.

Tudo se passa como um ciclo de vida: os nutrientes presentes até grandes profundidades sãoabsorvidos por plantas adaptadas e organismos do solo. Esses nutrientes voltam à superfície incorpora-dos na matéria orgânica, que cobrirá e protegerá o solo das chuvas e do sol e que alimentará organismosdo solo. Esses organismos atuam na decomposição da matéria orgânica, liberando os nutrientes nelacontidos para serem absorvidos pelas plantas e por outros organismos que se desenvolverão junto às suasraízes. Nesse processo de decomposição da matéria orgânica, substâncias que ajudarão na formação dostorrões serão produzidas, criando boas condições para a infiltração da água e o desenvolvimento de raízesem profundidade. Ou seja: trata-se de um ciclo em que vida gera mais vida.

Como colocar esses princípios em prática para fazermos um manejo sadio dos solos? Nestaedição, a professora Ana Maria Primavesi detalha as diferenças entre o manejo químico (convencional) eo manejo agroecológico do solo. Em seu artigo Agroecologia e manejo do solo (pág. 7), apresenta cincoprincípios fundamentais para o manejo sadio: solos vivos e agregados (bem estruturados); biodiversidade;proteção do solo contra o aquecimento excessivo, o impacto da chuva e o vento permanente; bomdesenvolvimento das raízes; e a auto-confiança do agricultor. Primavesi é um ícone da agricultura ecoló-gica brasileira que escreveu, em 1979, a primeira versão do livro clássico Manejo ecológico do solo. Outroexpoente da Agroecologia brasileira, o professor Manoel Baltasar, em seu texto Dra. Ana Maria Primavesi:a professora de todos nós (pág. 39), apresenta a importância do legado de Primavesi e o significado deseu livro.

Na elaboração desta edição buscamos artigos que descrevessem experiências que comungamcom os princípios apontados por Primavesi e que indicassem alguns caminhos de como “na prática se faza teoria”. Conseguimos textos que relatam iniciativas em dois biomas brasileiros: Mata Atlântica eCaatinga. Embora desenvolvidas em ecossistemas muito distintos entre si e igualmente complexos, asexperiências adotam soluções de manejo que incorporaram essencialmente os princípios elencados porPrimavesi. Como já alertavam os editores da revista na chamada de artigos para esta edição: “Nossaspráticas de manejo ecológico dos solos podem diferir em função dos contextos socioecológicos em quesão conduzidas, mas elas devem ter em comum o objetivo central de criar condições adequadas à promo-ção e à manutenção de alta diversidade biológica dos organismos que neles vivem.”

Da Mata Atlântica vieram duas experiências, uma dos mares de morros de Minas Gerais e outrada região da mata de araucárias, no sul do Paraná e norte de Santa Catarina. Os agricultores agroecológicosde Minas, organizados em sindicatos de trabalhadores rurais e associações e trabalhando em parceria como Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM) e a Universidade Federal de Viçosa(UFV), experimentaram com sucesso sistemas agroflorestais com café. Entre os pés de café plantaramabacate, ingá, fedegoso, banana e outras plantas. Com esse procedimento produziram, além do café,alimentos para a família, para a venda e para os seres acima do solo (abelhas, por exemplo) e abaixo dele(micorrizas, por exemplo). Protegeram o solo e ainda seqüestraram carbono, uma vez que o carbono queestava no ar agora está preso nas árvores e na matéria orgânica do solo, ajudando assim (mesmo que um

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pouquinho) a amenizar os problemas do clima, tão falados atualmente. A UFV vêm contribuindo paraestudar as mudanças na qualidade dos solos e alguns resultados de suas pesquisas são apresentados noartigo Terra forte, na página 11.

O artigo Revendo o conceito de fertilidade: conversão ecológica do sistema de manejo dossolos na região do Contestado (pág. 16) critica o enfoque reducionista da ciência do solo que norteou odesenvolvimento dos métodos de fertilização baseados nos adubos químicos. Seus autores apontam quea solução para reverter essa lógica não está na simples substituição dos insumos agroquímicos por outrosde origem orgânica ou natural. Afirmam que o manejo dos solos deve privilegiar um conjunto de práticasque promovam o restabelecimento de funções ecológicas essenciais à reprodução da fertilidade doagroecossistema como um todo. Realçam também que essa concepção de gestão integrada da fertilidadeexige o emprego de enfoques metodológicos participativos para a construção e a socialização de conhe-cimentos sobre os processos ecológicos que ocorrem nos solos e que orientam o seu manejo sadio. Essaé a concepção de trabalho adotada pela AS-PTA ao assessorar e estimular a formação das redes deagricultores-experimentadores na região do Contestado, território que abrange municípios do Centro-Sul do Paraná e do Planalto Norte de Santa Catarina.

A experiência desenvolvida na Caatinga também demonstra a importância da diversificaçãodos sistemas produtivos para produzir mais matéria orgânica e melhor aproveitar os potenciais do solo.Como na Caatinga chove menos do que no restante do país, seus solos em geral são mais ricos emnutrientes. Portanto, para manejarmos de forma sadia os solos desse bioma é necessário protegê-los,estimular o crescimento de organismos e das raízes, assim como favorecer as condições para a manuten-ção de torrões firmes e macios, para que a água das chuvas infiltre com facilidade e seja mantida no soloo maior tempo possível. Como mostram os agricultores organizados em sindicatos de trabalhadores ruraise associações da agricultura familiar que trabalham em parceria com o Esplar – Centro de Pesquisa eAssessoria e com a Universidade Federal do Ceará (UFC), a solução para o manejo sadio dos solos dosalgodoais passou pelo consorciamento do algodão com várias culturas (inclusive árvores). “Esta terra dámais legume” é a constatação de um deles sobre o solo manejado de forma agroecológica e o título doartigo que descreve a experiência na página 24.

O caminho da diversificação produtiva e do manejo dos recursos locais com o objetivo dedinamizar a vida no solo foi também trilhado em ambientes distantes dos nossos. De Cuba, vem o artigoConservando a fertilidade do solo em sistemas biointensivos (pág. 30). Segundo seus autores, a preserva-ção da agrobiodiversidade, o uso eficiente da água, da energia e dos recursos disponíveis, bem como oequilíbrio adequado de nutrientes e da vida no solo, garantem a sustentabilidade dos sistemas agrícolas.A diversificação da atividade agrícola, inclusive por meio da integração com a criação animal, propicia oaproveitamento dos recursos naturais disponíveis de maneira eficiente e tem se mostrado uma estratégiaeficaz para a obtenção de um manejo apropriado dos nutrientes e da fertilidade dos solos.

Além de apresentarem princípios técnicos comuns, as experiências citadas deixam claro que aspráticas de manejo sadio dos solos devem ser desenvolvidas junto com as comunidades rurais, de formaque cientistas e agricultores compreendam melhor como os processos ecológicos que potencializam avida no solo funcionam na prática. Construir estratégias com os agricultores, valorizar seus saberes econtribuir para sua ampliação é uma forma de melhorar a sua auto-estima (como sugerido por Primavesi)e ao mesmo tempo de ampliar e valorizar os saberes acadêmicos. Junto com os agricultores devemosconstruir o diagnóstico dos problemas relacionados ao manejo dos solos para experimentar e avaliarsoluções com base em indicadores úteis para todos os envolvidos. Para que isso ocorra torna-se necessá-rio o emprego de metodologias que facilitem a comunicação e o diálogo entre agricultores, cientistas etécnicos. O artigo Falando de ciência do solo com os agricultores (pág. 35) traz uma contribuição nessesentido. Ao relatar uma experiência desenvolvida no Quênia, um país africano, apresenta a forma adotadapelos pesquisadores para construir com a comunidade uma compreensão compartilhada sobre conceitosimportantes relacionados à fertilidade dos solos. Enfatiza que uma boa comunicação é condição essencialpara que esse compartilhamento de percepções e conhecimentos seja alcançado. Como mostra a experi-ência, às vezes é necessário utilizar analogias, parábolas, paródias, ajustar o vocabulário para que ossegredos da natureza sejam desvendados com a ajuda de todos.

Enfim, segundo Amauri, agricultor agroecológico de Espera Feliz (Zona da Mata de MinasGerais), o grande segredo da natureza é trabalhar em mutirão. Que mutirão? Faça um esforço de reflexão,anote em um caderninho todos os seres que fazem parte da cadeia da vida e depois confira sua listinhalendo o texto do Amauri publicado na seção Agroecologia em Rede.

Irene Maria CardosoProfessora do Departamento de Solos da Universidade Federal de Viçosa

[email protected]

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tualmente, exis-tem três formasprincipais de se

manejar o solo agrícola: o manejoconvencional (ou químico), o orgâ-nico por substituição de insumos eo agroecológico.

Agroecologiae manejo do solo

Ana Maria Primavesi

A

O manejo convencional (ou químico)

No sistema de manejo convencional, o solo éconsiderado somente como suporte físico para as plantas.Esse sistema foi disseminado em todos os continentes e sebaseia no emprego de pacotes químicos destinados a nutriras plantas cultivadas. A verdade, porém, é que são manejosque matam os solos, ao utilizarem as seguintes práticas:

• A calagem corretiva, que provoca a rápida decompo-sição da matéria orgânica do solo.

• A aração profunda, que areja o solo favorecendo odesenvolvimento dos organismos que decompõem amatéria orgânica. Após quatro horas da aração, umagrossa nuvem de gás carbônico paira sobre o solo. Emseguida, ela é dissipada na atmosfera, aumentando oefeito estufa.

• A adubação nitrogenada, que, por aportar grande quanti-dade de nitrogênio ao solo, favorece igualmente a decom-posição acelerada da matéria orgânica. Isso acontece por-que a relação entre os teores de carbono e nitrogênio (C/N) nos restos vegetais do solo é reduzida – passando de45/1 para 15/1, por exemplo –, possibilitando que osmicrorganismos consumam inclusive a porção da matériaorgânica com alta relação C/N e, portanto, com maiorresistência à decomposição biológica (como as ligninas,muito presentes em palhadas de gramíneas).

Solo vivo: objetivo do manejo sadio

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Com a redução dos teores de matéria orgânicado solo, a maior parte da vida microbiana não sobrevive, poisfica sem alimento. Sem a ação da matéria orgânica e dosmicrorganismos, o solo desagrega, compacta e endurece.Assim, sua capacidade de produção fica cada vez mais de-pendente do pacote químico da agricultura convencional.

O manejo convencional provoca ainda osseguintes efeitos negativos sobre a vida do solo:

• Agrotóxicos (inseticidas e fungicidas): como em geralas adubações químicas fornecem apenas cinco dos 45nutrientes de que as plantas necessitam, elas ficamdesnutridas, tornando-se suscetíveis ao ataque de in-setos e microrganismos, especialmente fungos, mastambém bactérias e vírus. O ataque desses organis-mos sobre as plantas cultivadas é uma estratégia danatureza para eliminar as plantas que sofrem deficiên-cias nutricionais e que por isso não conseguem elabo-rar suas substâncias essenciais (como as proteínas, for-madas a partir dos aminoácidos livres). Assim, osagrotóxicos são utilizados para evitar que as chama-das pragas e doenças eliminem as plantas que apresen-tam deficiências nutricionais causadas justamentepelo sistema de manejo da agricultura convencional.

• Herbicidas (mata-mato): são utilizados para manteros solos limpos de plantas nativas que, assim comoos insetos e os microrganismos, são excelentesindicadoras ecológicas, pois evidenciam deficiênciasminerais e condições físicas adversas nos solos, comocompactação, ausência de arejamento, baixapermeabilidade, etc.

• Irrigação intensiva: nos solos mortos e compactados ataxa de infiltração de água das chuvas é muito reduzi-da. Um solo agregado e vivo, por exemplo, apresentataxas de infiltração de 100 até 400 mm/h. Mas essastaxas podem ser reduzidas para 7 a 8 mm/h quando eleé manejado de forma inadequada. Com essas baixastaxas de infiltração, os cultivos sofrem com a falta deágua logo após pequenos períodos sem chuvas e oslençóis freáticos deixam de ser reabastecidos em suaplenitude. Para compensar esse efeito gerado por elamesma, a agricultura convencional preconiza a irriga-ção intensiva, prática que acelera ainda mais os proces-sos que levam à degradação dos solos. Dessa forma,cria-se um círculo vicioso em que a maior demanda porágua doce na agricultura é gerada justamente em re-giões onde esse recurso escasseia cada vez mais emrazão do manejo inapropriado do solo.

• Aquecimento do clima: com o crescente desma-tamento das florestas nativas, especialmente para aimplantação de monoculturas de cana-de-açúcar ede soja, os ventos passam livremente sobre as áreascultivadas, chegando a evaporar o equivalente a 750mm de chuva por ano. Além disso, os solos compac-

tados e mantidos limpos se aquecem muito, junta-mente com a camada de ar sobre eles. Devido aofenômeno da convecção, esse ar quente sobre o solosobe em direção à atmosfera em velocidades tantomaiores quanto mais quente estiver, podendo atin-gir até 400 km/h. Como esse ar quente é impedidode se dissipar para o espaço devido ao efeito estufa,que vem se agravando com o aumento das emissõesde gases, especialmente o gás carbônico, o metano eo óxido nitroso, o nosso Planeta está aquecendo esecando, sendo esta a razão pela qual formam-se acada ano mais de 10 milhões de hectares de desertos.

Para concluir, podemos afirmar que a agricul-tura convencional está diminuindo cada vez mais as possi-bilidades da continuação de vida em nosso Planeta.

A agricultura orgânica porsubstituição de insumos

A agricultura orgânica produz alimentos maissaudáveis do que aqueles produzidos pela agricultura con-vencional. Mas quando ela não é baseada em princípiosecológicos, e sim na mera lógica de substituição de insu-mos, pode ser bastante trabalhosa e exigir muitos sacrifí-cios do agricultor. Nesse caso, sua base é o uso intensivode compostos e estercos que nem sempre têm procedên-cia em sistemas orgânicos de produção. Além disso, suaprodutividade é, em geral, baixa, fazendo com que depen-da de mercados que remunerem com um preço acrescidopara que seja viável economicamente. Por essa razão, tra-ta-se de uma produção de luxo e não acessível a todos.

Do ponto de vista do manejo dos solos, a agri-cultura orgânica por substituição de insumos costumaapresentar as seguintes limitações e equívocos:

• Continua trabalhando em solos mortos, embora apli-que grandes dosagens de compostos orgânicos e es-tercos com base na crença de que esses materiaissempre melhoram o solo e nutrem as plantas.

• Trabalha com arações profundas, revirando o soloaté uma profundidade de 45 cm. Dessa forma, trazpara a superfície as camadas mortas do solo que sedesagregam facilmente sob o impacto da água daschuvas ou da irrigação.

• O material orgânico é enterrado com a suposição deque as raízes se desenvolvem em sua direção em bus-ca de nutrientes. Mas essa suposição está duplamen-te equivocada. Primeiro, porque a função do com-posto e dos estercos não é a de nutrir as plantas dire-tamente, mas sim os organismos do solo. São essesorganismos que mobilizam os nutrientes minerais dosolo para em seguida deixá-los disponíveis para asplantas. Segundo, porque esses materiais deverão sercompletamente decompostos pelos organismos dosolo até se converterem em água, minerais e gás

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carbônico. Quando enterrados, os materiais orgâni-cos são decompostos essencialmente por organismosanaeróbicos por meio de um processo biológico queproduz o gás sulfídrico (SH2) e o metano (CH4), emvez do gás carbônico (CO2). Como ambos os gasessão altamente tóxicos para as raízes das plantas, elasdesviam seu crescimento em direção às camadas su-perficiais do solo que se encontram empobrecidasem nutrientes, resultando numa baixa produtividadedas culturas. Nesse sentido, podemos afirmar queum composto produzido com grande esforço masmal aplicado no solo pode gerar um efeito contrárioao desejado, fazendo com que o agricultor produzamuito menos do que poderia.

• Mal posicionamento da raiz. Uma agricultura limita-da unicamente à lógica da substituição dos insumosquímicos por orgânicos emprega o mesmo procedi-mento de plantio de mudas (de hortaliças, de flores ede árvores) adotado nos sistemas convencionais que,graças à adubação química freqüente e à irrigaçãoconstante, dispensa maiores cuidados nessa opera-ção. Mas, como já mencionado, o cultivo convencio-nal não depende do solo como um organismo vivo.Funciona praticamente como um cultivo hidropônicoao ar livre, no qual o solo exerce apenas a função desuporte físico para as plantas, não sendo reconheci-do como um meio de cultura físico-químico-biológi-co. Não dispondo dos adubos químicos altamentesolúveis da agricultura convencional, qualquer siste-ma orgânico de produção deve se basear na intensainter-relação solo-planta. Nesse sentido, o cuidadocom o desenvolvimento das raízes é essencial para osucesso da agricultura orgânica. Se a muda for bemplantada com sua raiz orientada para baixo, sua ten-dência será a de se desenvolver bem, caso o solo nãoapresente impedimentos físicos e/ou químicos nasubsuperfície. Por outro lado, se a muda for mal im-plantada, a raiz pode se desenvolver lateralmente enão se aprofundar no solo. Esse fato ocorre com fre-qüência quando a muda vai para o campo com a raizmuito comprida e a sua ponta volta-se para cima e sedesenvolve em direção à superfície, explorando pe-queno volume de solo. Nessa condição a planta tam-bém se desenvolve mal e sua produção é muito baixa.

• Manejo inadequado da irrigação. A murcha das plan-tas cultivadas logo após duas a três horas da inter-rupção da irrigação não significa necessariamentefalta de água no solo. Provavelmente as raízes não sedesenvolveram bem por alguma das razões já expos-tas (como solo compactado ou presença de substân-cias tóxicas na subsuperfície), o que faz com que asplantas não absorvam água de camadas mais profun-das no solo. Adicionado a isso, talvez haja um ventoseco permanente sobre a área de cultivo devido àausência de florestas na região, promovendo o rápi-

do ressecamento das camadas superficiais do solo.Nesse sentido, a necessidade de irrigação freqüente,mesmo com solos encharcados, é um sintoma demanejo inadequado do solo e não de um problemaclimático. Manejos simples como a manutenção decobertura morta e a instalação de quebra-ventos po-dem minimizar muito a necessidade de irrigação.

O manejo agroecológico

A Ecologia se refere ao sistema natural de cadalocal, envolvendo o solo, o clima, os seres vivos, bem comoas inter-relações entre esses três componentes. Trabalharecologicamente significa manejar os recursos naturais res-peitando a teia da vida. Sempre que os manejos agrícolassão realizados conforme as características locais do ambi-ente, alterando-as o mínimo possível, o potencial naturaldos solos é aproveitado. Por essa razão, a Agroecologiadepende muito da sabedoria de cada agricultor desenvol-vida a partir de suas experiências e observações locais. Omanejo agroecológico dos solos se baseia em cinco pon-tos fundamentais:

Solos vivos e agregados (bem estruturados)

Um solo vivo pressupõe a presença de variadasformas de organismos interagindo entre si e com os com-ponentes minerais e orgânicos do solo. Essa dinâmica bio-lógica exerce uma função essencial na agregação do solo,de modo a torná-lo grumoso e permeável para o ar e para aágua. Além disso, são esses organismos que mobilizam osnutrientes e os disponibilizam para as plantas.

Sob clima temperado os solos tendem a ser ra-sos e ricos quimicamente. Já os solos sob clima tropicaltendem a ser mais profundos e empobrecidos em elemen-tos minerais. Apesar disso, os ecossistemas tropicais têmuma produtividade biológica 5 a 6 vezes superior aos dosecossistemas temperados. Uma das razões para esse fatose encontra exatamente na diversificada teia da vida exis-tente nos solos tropicais que atua de forma eficiente namobilização dos nutrientes necessários ao desenvolvimen-to das plantas.

Biodiversidade

A manutenção de grande diversidade de plan-tas em uma mesma área é uma estratégia da natureza paraconstruir maiores níveis de estabilidade na produção bio-lógica. Um dos mecanismos naturais que asseguram a di-versidade biológica nos ecossistemas é a secreção de subs-tâncias tóxicas por determinadas espécies de plantas (comoas seringueiras, as castanheiras, o mogno, o pau-brasil)com a função de evitar o nascimento de sua própria se-mente em um raio de até 50 metros. Essa é a razão biológicaque explica o fato de serem encontrados apenas 35 m3 demadeira de lei (8 a 10 árvores) em um hectare de floresta

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amazônica e de os seringueiros terem que caminhar bas-tante entre um pé e outro de seringueira.

Outra razão para a existência dessa diversida-de de vegetação no ecossistema natural é a necessidadede fornecimento de matéria orgânica diversificada que,por sua vez, fomenta o desenvolvimento de variadas for-mas de vida no solo, aumentando assim o leque de nutri-entes mobilizados. Nesse sentido, a produtividade doecossistema depende da manutenção da diversidade ve-getal que fornece as condições necessárias para a diversi-dade biológica nos solos.

É certo, entretanto, que nos ecossistemas agrí-colas a biodiversidade vegetal não pode ser tão grandecomo nos ecossistemas naturais. Mas algumas práticassão importantes para aumentar o nível de biodiversidadeno agroecossistema. Entre elas, destacam-se:• Rotação de, no mínimo, cinco culturas na mesma área.

Essa prática muitas vezes encontra limitações em lo-cais nos quais os mercados não absorvem os produtosdas espécies cultivadas que entram nas rotações.

• Plantio de coquetéis de adubação verde compostospor até cinco ou sete espécies diferentes.

• Rotação entre áreas com lavouras e com pasto.• Manejo do mato mole, mantendo vivas as plantas

nativas que não prejudicam as culturas. Cultivos comoalface, repolho, cebola e outros se desenvolvem mui-to bem (e até melhor) quando associados ao matomole, muitas vezes sem a necessidade de irrigação.

• Policultivos que associam várias espécies (como mi-lho, feijão, mandioca, abóbora, melancia, tomates,etc.) na mesma área e ao mesmo tempo.

Proteção do solo contra o aquecimentoexcessivo, o impacto da chuva e o ventopermanente

Para a proteção contra a insolação direta (aque-cimento excessivo) e o impacto das gotas de chuva, ossolos devem ser cobertos o máximo possível, seja por umacamada de palha, ou mulch, ou por uma vegetação densa.

Com a manutenção de uma cobertura perma-nente, nem que seja com uma camada de palha de doiscentímetros de espessura, a água se infiltra com mais faci-lidade do que nos solos desnudos e compactados. Alémdisso, com o solo descoberto e sem proteção contra osventos, a água que se infiltra é facilmente evaporada. Masse essa evaporação é evitada com a cobertura do solo ecom quebra-ventos, a água do solo pode se conservar aoalcance das raízes mesmo após longo período sem chuvas,propiciando produções significativamente maiores.

Bom desenvolvimento das raízes

Além da manutenção do solo bem estruturadoe sem impedimentos físicos e/ou químicos ao apro-fundamento das raízes, algumas medidas simples podem

ser tomadas para que o sistema radicular das plantas culti-vadas tenha um bom desenvolvimento e explore grandevolume de solo:

a) o uso de um pau pontudo para fazer a covinha de plan-tio, orientando a raiz obrigatoriamente para baixo;

b) a poda da raiz;c) evitar a deficiência de boro, uma vez que a falta desse

micronutriente compromete o desenvolvimento daraiz mesmo quando todas as demais condições sãoadequadas. Isso porque o boro é um nutriente indis-pensável para que substâncias fotossintetizadas se-jam translocadas das folhas para as raízes.

Autoconfiança do agricultor

Nas últimas décadas incutiu-se nos agricultoresa crença de que eles dependem de assistência técnica paramanejar seus solos já que não conseguem interpretar por sisós as análises químicas. Como não foram capacitados parafazer essas análises, passaram a ser condicionados a rece-ber orientações sobre o quê e como fazer. Esse foi o cami-nho pelo qual foram induzidos a adquirir máquinas einsumos químicos, tornando-se assim co-financiadores daindustrialização, ao mesmo tempo em que perderam a auto-confiança em seus conhecimentos adquiridos pela expe-riência e pela observação da natureza.

Já na Agroecologia, o agricultor deixa de per-guntar “O que faço?” e passa a questionar “Por que ocor-re?”. Simplesmente ao reorientar o tipo de pergunta dian-te de um problema técnico em seus cultivos, ele muda asua atitude em relação à forma de praticar a agricultura.Em vez de receber receitas técnicas prontas, passa a obser-var, pensar e experimentar. Com o tempo ele começa aproduzir melhor que a agricultura convencional e ganhaautoconfiança. E é assim que ele se dá conta de que éprodutor de alimentos junto com a natureza que Deus criou,que respeita as leis eternas e que acredita em si mesmo.

Ana Maria Primavesi

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shington: International Water ManagementInstitute/Earthscan, 2007.

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á 14 anos, agricul-tores familiares daZona da Mata de

Minas Gerais vêm aprofundandoseus conhecimentos sobre a gestãotécnica dos seus sistemas de produ-ção, dando ênfase ao manejo sadiodos solos. Seus cafezais, que são suaprincipal fonte de renda, são mane-jados com base em princípios agro-florestais, o que tem permitido a di-versificação produtiva das proprie-dades, bem como o aumento daquantidade e da qualidade dos pro-dutos colhidos. Além disso, as árvo-res incorporadas e manejadas nossistemas produtivos têm prestadoserviços ambientais essenciais, en-tre os quais a melhoria da saúde dossolos.

Um pouco de nossa históriaPara compreender melhor os problemas e as

potencialidades da agricultura familiar do município deAraponga (MG), o Centro de Tecnologias Alternativasda Zona da Mata (CTA-ZM), professores e estudantesdo Departamento de Solos da Universidade Federal deViçosa (DPS/UFV) e o Sindicato de Trabalhadores Ru-rais do município (STR) realizaram, em 1993, o Diagnós-tico Rural Participativo.

O enfraquecimento dos solos foi identificadono diagnóstico como um dos principais problemas dossistemas produtivos e, para que fosse melhor compreen-dido e enfrentado, foi criada a Comissão Terra Forte, com-posta por agricultores, pesquisadores e assessores técni-cos (Cardoso et al., 2001).

Várias propostas técnicas já praticadas na regiãopor alguns agricultores foram apontadas como alternativaspara enfrentar o problema, dentre elas, o uso de cordões decontorno, curvas de nível e o manejo de leguminosas e/ou

Terra ForteEdivânia Maria G. Duarte, Irene Maria Cardoso e

Claudenir Fávero

H de plantas espontâneas como cobertura do solo. Os sis-temas agroflorestais (SAFs), até então pouco conheci-dos pelos agricultores, foram também sugeridos comoprática a ser experimentada.

Nos anos subseqüentes, verificou-se um inten-so processo de implantação e experimentação dos SAFsnas comunidades da região. Até 1997 foram implantadas39 experiências, distribuídas em 25 comunidades de 11municípios, sendo 37 delas em cafezais e duas em áreasde pastagens. A condução e o monitoramento das expe-riências ocorreram de forma participativa, criando as con-dições para que um aprendizado coletivo fosse construídopelo grupo de agricultores-experimentadores, técnicos epesquisadores.

Entre 2004 e 2005, as organizações promoto-ras dessas experiências tomaram a iniciativa de sistematizá-las com o objetivo de reunir e analisar criticamente o co-nhecimento acumulado ao longo dos 10 anos de expe-rimentação, em particular ao identificar as especifi-cidades locais que influenciaram o manejo dos SAFs.Uma das conclusões dessa sistematização foi a neces-sidade de aprofundamento dos conhecimentos associa-dos aos processos ecológicos gerados com a introdu-ção de diferentes espécies arbóreas, em especial a ci-clagem e disponibilização de nutrientes em quantida-des e momentos adequados para a cultura do café. Osagricultores-experimentadores manifestaram grande in-teresse em participar intensamente das pesquisas queforam desde então conduzidas em suas propriedades(Souza, 2006).

Procurando atender ao interesse dos agricul-tores e aproveitando a rica reflexão coletiva propiciadapela sistematização, encontros passaram a ser realizadospara, em conjunto, planejar as pesquisas, coletar materi-ais nas propriedades para análise, apresentar os princípiosdos métodos analíticos adotados, inclusive as análiseslaboratoriais, e discutir sobre os principais resultados en-contrados. Reuniões mensais entre técnicos, pesquisa-dores e estudantes envolvidos são realizadas com o obje-tivo de aprofundar e aprimorar conteúdos e metodologiasde forma a assegurar que os trabalhos sejam conduzidosem coerência com as demandas dos agricultores, das ins-tituições parcerias e com a disponibilidade de recursos.

A seguir, são apresentados alguns resultadosde pesquisas desenvolvidas com o intuito de responder às

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questões apontadas pelos(as) agricultores(as) durante asistematização.

Saúde dos solosPara os agricultores-experimentadores de

SAFs, o manejo sadio do solo não se orienta pelo aportede nutrientes em formas solúveis, de fácil e imediataabsorção pelas raízes das plantas. Um solo sadio signifi-ca muitas coisas ao mesmo tempo: é a garantia de bomfuncionamento do ecossistema com a manutenção daprodutividade das culturas, da qualidade da água, dasaúde de plantas e dos animais. Para isso, é necessárioque os solos sejam manejados de forma a melhorar si-multaneamente suas propriedades físicas, químicas ebiológicas. A sistematização apontou que os SAFs con-tribuíram para melhorar a saúde dos solos, mas de quemaneira e em que medida?

Matéria orgânica do solo e ciclagem denutrientes

Os SAFs propiciam aporte de material orgâni-co ao solo de forma continuada e diversificada. Esse ma-terial orgânico, juntamente com a cobertura vegetal, exer-ce importante papel na proteção dos solos contra a ero-são, na infiltração de água e na reposição dos nutrientesimobilizados na biomassa das plantas.

Para que os nutrientes contidos no materialorgânico sejam liberados para as plantas cultivadas é ne-

cessário que ele seja decomposto. A decomposição é umprocesso biológico dependente de vários fatoresambientais que interferem na composição e na atividadeda comunidade de organismos decompositores, dentreos quais se destacam as condições do solo (temperatura,umidade, pH, arejamento, disponibilidade de nutrientes,especialmente de nitrogênio) e a qualidade e quantidadedo material orgânico a ser decomposto.

Diferentes espécies arbóreas produzem bio-massa com distintas características químicas, exercendo,portanto, funções diversas no agroecossitema. Resíduos(folhas, galhos, frutos, flores) provenientes de algumasespécies se decompõem rapidamente, pois possuem me-nores teores de compostos recalcitrantes (lignina epolifenóis), que são de lenta decomposição pelos micror-ganismos. A decomposição mais rápida dos resíduos pro-move uma liberação igualmente rápida de nutrientes paraas plantas. Já com a decomposição lenta, os resíduos fi-cam mais tempo sobre o solo, protegendo-os da açãodireta das chuvas e do sol. O ideal então é ter um misturade tipos de resíduos, o que é garantido quando se tem umsistema biodiversificado.

Um estudo sobre o assunto procurou identifi-car como algumas espécies árboreas encontradas nosSAFs contribuíram no aporte de material orgânico e denutrientes ao sistema. Espécies que se decompõem rápi-do, como o fedegoso (Senna macranthera), são mais efi-cientes em relação à ciclagem de nutrientes. Já o açoita-cavalo (Luehea grandiflora), o ingá (Inga subnuda) e oabacate (Persea americana) fornecem biomassa de de-composição mais lenta. Em um SAF misto em que se in-troduzam 100 árvores dessas espécies na mesma propor-ção, teríamos o aporte de nutrientes da ordem de 65 kg/ha de nitrogênio (N), 3,3 kg/ha de fósforo (P), 23 kg/hade potássio (K), 38 kg/ha de cálcio (Ca) e 5 kg/ha demagnésio (Mg), além de outros nutrientes importantespara as plantas (Duarte, 2007). Para efeito de compara-ção, seriam necessários cinco sacos de 60 quilos da fór-mula 20-5-20 (NPK) para suprir a mesma quantidade denitrogênio aportada pelas árvores, bem como um saco emeio para atingir a mesma quantidade de potássio e qua-se dois sacos para equivaler o fósforo obtido pela decom-posição de matéria orgânica das árvores.

Estrutura dos solos nos SAFs

A proteção e o aporte contínuo de materialorgânico promovidos pelos SAFs melhoram as caracterís-ticas físicas dos solos. Um dos estudos realizados procu-rou avaliar essa questão ao comparar a estrutura física dosolo sob SAFs com a de solos sob café cultivado a plenosol (em monocultura) e sob matas secundárias. Os resul-tados demonstraram que os solos das áreas com SAFseram mais porosos e mais macios do que os solos a plenosol, características essas que se refletiram também na maiorcapacidade de retenção da umidade nas camadas superfi-

Agricultor risca superficialmente o solo com o “canto”da enxada para verificar a sua dureza

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ciais, onde as raízes do café absorvem mais água e osorganismos do solo estão mais presentes. Essa melhoriada umidade no solo dos SAFs se manifestou inclusive noperíodo seco, aspecto fundamental para a redução doestresse hídrico das plantas cultivadas e para os organis-mos do solo (Aguiar, 2008).

Interações planta-microrganismos

O material orgânico produzido pelos SAFs criaum ambiente adequado para a preservação dos organis-mos do solo e para o desenvolvimento de raízes em dife-rentes profundidades. Dessa forma, são estimuladas asinterações entre organismos benéficos, como, por exem-plo, a associação entre os fungos micorrízicos e asraízes. Dentre os efeitos benéficos das micorrizas, omais conhecido é o aumento do volume de solo explo-rado pelas plantas na absorção de nutrientes, em espe-cial o fósforo. A quantidade de esporos de micorrizaencontrada até os 10 primeiros centímetros do solo foimaior nos cafezais agroflorestais do que nos cafezaiscultivados a pleno sol (Cardoso et al., 2003). Esse dadofoi atribuído ao maior número de raízes encontradasnos SAFs e indica um maior aproveitamento dos nutri-entes em profundidade.

Mais biodiversidade, mais serviços ambientais

A manutenção de vegetação diversificada nosSAFs com espécies arbóreas, arbustivas e herbáceas con-tribui para a recomposição da Mata Atlântica, inclusivepara a proteção de espécies sob risco de extinção, como,por exemplo, o jacarandá caviúna (Dalbergia nigra). Emsete SAFs foram identificadas 61 espécies leguminosasarbóreas e arbustos, enquanto que em dois fragmentosflorestais avaliados foram identificadas 67 espécies, sen-do que 54 delas estavam presentes tanto nas áreas mane-jadas como nas áreas naturais (Fernandes, 2007). Dentreas leguminosas encontradas, muitas se associam com bac-térias fixadoras do nitrogênio atmosférico, sendo por essa

razão importantes na incorporação desse nutriente aosagroecossistemas.

A biodiversidade planejada (por exem-plo, por meio do plantio de árvores)produz bens, como frutas e madeira,mas também estimula a biodiversidadeassociada (por exemplo, maior presen-ça de abelhas), que é responsável porvários serviços ambientais, como poli-nização, melhoria da qualidade do soloe controle de insetos indesejáveis. Elaregula processos-chave no funciona-mento dos agroecossistemas, tais co-mo a decomposição da matéria orgâ-nica, o controle natural de insetos-pra-ga e patógenos e a ciclagem de nutrien-tes, contribuindo em grande parte paraa resiliência (capacidade de suportarestresses ambientais) do sistema. Umexemplo de serviço ambiental em sis-temas agroflorestais em Araponga foio efeito positivo da ação das 9 espéciespolinizadoras identificadas, aumentan-do em 5% a produtividade dos cafe-zais (Ferreira, 2008).

Avaliando a sustentabilidade

As mudanças promovidas pela introdução dosSAFs podem ser avaliadas com base em indicadores desustentabilidade dos agroecossistemas. Juntamente comos(as) agricultores(as) participantes do Programa de For-mação de Agricultores em Sistemas Agroecológicos, con-duzido pelo CTA-ZM, foi desenvolvida uma metodologiapara a construção coletiva desses indicadores. Para tan-to, foi encaminhado um processo em quatro etapas. Ini-cialmente, foram propostos indicadores e estabelecidos

Agricultor aperta o solo na palma da mão para avaliar a suaumidade

Coleta de amostra de solo para análise no laboratório

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Tabela 2. Comparação entre o café produzido a pleno sol (monocultura) e em sistemas agroflorestais e entre os rendi-mentos totais obtidos em cada sistema

Indicadores Pleno sol Agrofloresta

Número de pés de café/ha 2.650 2.050

Produtividade (kg/pé) 0,79 0,62

Custos (R$/ha) 2.300,00 750,00

Rendimentos do café (R$) 1.887,00 1.792,00

Produtos da agrofloresta/ha R$ R$

Mamão - 112,50

Banana - 200,00

Laranja, limão, tangerina - 110,00

Manga, abacate, goiaba, jaca - 135,00

Palmito, figo, pêssego - 144,00

Outras árvores - -

Total de rendimentos 1.887,00 2.493,50

Tabela 1. Indicadores ambientais de sustentabilidade aplicados em agroecossistemas de base agroecológica naZona da Mata (MG) e as técnicas utilizadas para observação/medição

Indicador Técnica

Plantas indicadoras Observação e anotação de espécies ocorrentes no campo.

Matéria orgânica Apanhar com a mão o material orgânico sobre o solo (quanti-dade de material orgânico).

Riscar superficialmente o solo com o canto da enxada (durezado solo).

Apertar o solo na palma da mão (umidade do solo).

Medir a espessura da camada escura (horizonte A do solo).

Análise do solo em laboratório.

Acidez e disponibilidade de nutrientes no solo Análise do solo em laboratório.

os referenciais para a comparação. Em seguida, foram se-lecionados os indicadores e definidas as técnicas de obser-vação/medição e, a partir disso, foi realizada a coleta dedados. Por último, os dados foram avaliados. Todas essasetapas foram realizadas por meio de atividades envolven-do de forma ativa as famílias agricultoras, utilizando meto-dologias participativas, como entrevistas semi-estru-turadas, a confecção de mapas, caminhadas pelas proprie-dades, reuniões comunitárias e encontros.

Os indicadores ambientais referiram-se, direta ouindiretamente, aos atributos do solo (Tabela 1). A observa-ção das plantas espontâneas como indicadoras da qualidadedos solos foi considerada pelos(as) agricultores(as) uma

estratégia prática e de fácil utilização. As técnicas paraverificar a matéria orgânica serviram para quantificar maisprecisamente as mudanças que os(as) agricultores(as) jápercebiam em seus sistemas de produção. Tais técnicastambém são simples e fáceis de serem empregadas. En-tretanto, a percepção geral é de que elas precisam seraprimoradas. Os(as) agricultores(as) consideraram neces-sário aprender a interpretar as análises de solos feitas emlaboratório para que elas possam ser úteis comoindicadoras. Mesmo assim, construiu-se a compreensãode que as análises laboratoriais não devem ser considera-das mais valiosas do que as demais para indicar as mudan-ças que vinham ocorrendo.

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Produção dos cafezaisUma dúvida freqüente no grupo refere-se à pro-

dutividade dos cafezais em sistemas agroflorestais. De for-ma geral, segundo a percepção de muitos agricultores, aprodução de seus cafezais com ou sem sombra não é alte-rada. Entretanto, essa é uma avaliação muito complexade ser realizada, uma vez que a produtividade dos cafezaisdepende de vários fatores como, por exemplo, a idade, abianualidade do café (um ano produz mais e outro me-nos), o número de plantas por hectare, bem como o tipoe a quantidade de adubo utilizado. Por outro lado, o sis-tema agroflorestal depende da quantidade de árvores pre-sentes no sistema, das espécies arbóreas utilizadas e domanejo.

Consideramos, ainda, que do ponto de vista dalógica econômica dos agricultores familiares agroeco-lógicos, o enfoque sobre a produtividade deve ser altera-do: em vez de procurarmos saber quanto produz o cafésombreado em comparação com o café solteiro, devemosverificar quanto produz o conjunto do sistema agroflo-restal e qual o gasto para a sua manutenção. Veja o exem-plo na Tabela 2, quando foram comparados dois sistemasagroflorestais e dois sistemas convencionais (Alvori dosSantos, informações pessoais). O café agroflorestal pro-duziu um pouco menos, mas o gasto foi menor e a produ-ção da área foi diversificada. Conclusão: mesmo sem con-siderar os produtos consumidos pelas famílias, animais do-mésticos e silvestres, o rendimento econômico foi maiorno sistema agroflorestal.

Considerações finais

O manejo da biodiversidade é impor-tante não só para se ter um solo sadio,mas para obter um agroecossistemasaudável e produtivo. Por isso, os SAFsdiversificados apresentam inúmerasvantagens e vêm sendo cada vez maisreconhecidos como método importan-te no manejo sustentável do solo, le-vando ao reencontro do equilíbrio dosagroecossistemas e amenizando asadversidades ambientais e econômicas.

Edivânia Maria G. DuarteDoutoranda no Departamento de Solos da UFV

[email protected] Maria Cardoso

Professora do Departamento de Solos da [email protected]

Claudenir FáveroProfessor da Universidade Federal dos Vales do

Jequitinhonha e [email protected]

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Revendo o conceitode fertilidade:

conversão ecológica dosistema de manejo dos solos

na região do Contestado

D

Paulo Petersen e Edinei de Almeida

Sabemos mais sobre o movimento doscorpos celestes do que sobre o solo sob os nossos pés.

Leonardo da Vinci

iferentes socie-dades no passadoforam capazes de

desenvolver sistemas de uso e mane-jo dos solos agrícolas que as susten-taram por várias e várias geraçõesmesmo sem possuírem conhecimen-tos sobre os complexos ciclos natu-rais que atuam na manutenção da fer-tilidade dos ecossistemas. Só mais re-centemente é que a ecologia dos so-los vem despontando como importan-te ramo das ciências agrárias, abrin-do aos poucos a “tampa da caixa pre-ta” representada pelas complexasinterações solo-planta. Com isso, pas-samos a entender melhor como osorganismos do solo atuam na suaestruturação e contribuem na cicla-gem dos nutrientes, assim como des-cobrimos que as relações de simbioseentre plantas e microrganismos nanatureza é uma regra e não uma ex-ceção (Anderson, 2006).

À medida que a fronteira dos conhecimen-tos nesse campo avança, permitindo que os fundamen-tos ecológicos de práticas tradicionais de cultivo se-jam melhor compreendidos, tornam-se mais evidentesas limitações do enfoque reducionista que domina asciências do solo, em particular os estudos sobre fertili-dade (de Jesus, 1996). Ao privilegiar as propriedadesquímicas dos solos em detrimento de um enfoque maisabrangente que contemple os fenômenos físico-quími-co-biológicos, o conceito de fertilidade largamenteaceito orientou o desenvolvimento dos métodos defertilização baseados nos adubos sintéticos. Segundoessa concepção, a fertilidade estaria diretamente rela-cionada às quantidades totais de nutrientes disponí-veis para as plantas e, sendo assim, o solo agrícolafuncionaria de forma análoga a uma conta bancária emque os nutrientes devem ser sistematicamente deposi-tados para que a fertilidade seja mantida, apesar dasseguidas retiradas por ocasião das colheitas.

Essa forma de compreender a fertilidade nãocorresponde aos fenômenos naturais observados porcamponeses no mundo inteiro e que desde sempre fo-ram fontes de inspiração para o aprimoramento contí-nuo dos métodos de manejo dos solos com base naexperimentação local. Mas foi exatamente essa formade conceber a fertilidade que orientou o desenvolvimen-to da ciência agrícola, em que pese o fato de sua limita-ção ter sido apontada já no final do século XIX pelo paida química agrícola, o cientista alemão Justus von

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Liebig.1 Dessa forma, o desenvolvimento tecnológiconesse campo tomou o rumo da agroquímica, resultandona alta dependência da agricultura à indústria e à energiaderivada do petróleo.

A atual crise global dos alimentos estampou ainsustentabilidade do padrão produtivo da agricultura in-dustrial, chamando a atenção para a convergência de trêsgrandes dilemas com os quais a humanidade se depara: oprimeiro se refere ao aumento exponencial dos preços dopetróleo e suas implicações diretas sobre os custos dosagroquímicos2; o segundo está ligado aos impactos aindaimprevisíveis das mudanças climáticas sobre a produçãoalimentar; o terceiro é a degradação e a perda em ritmosacelerados da agrobiodiversidade, dos solos e dos recur-sos hídricos em função do emprego de métodos predató-rios de produção agrícola que vêm sendo subsidiados hádécadas pela energia barata do petróleo.

Diante da estreita relação entre esses três dile-mas, qualquer estratégia para enfrentá-los de forma inte-grada deve passar necessariamente pelo desafio de supe-rar a dependência estrutural da agricultura aos insumosindustriais e à energia fóssil sem que com isso ela per-ca sua capacidade de responder às demandas alimen-tares da crescente população mundial. Essa estraté-gia deve se pautar por um conceito renovado de ferti-lidade que permita orientar o desenvolvimento demétodos produtivos que se reproduzam com base naenergia solar (fotossíntese) e na reciclagem biológicade nutrientes e que ao mesmo tempo conservem osrecursos naturais e reduzam drasticamente a emissãode gases de efeito estufa.

A experiência de conversão ecológica de sis-temas de manejo de solos conduzida por grupos deagricultores familiares no Sul do Brasil descrita nesteartigo é rica em ensinamentos úteis ao desenvolvimen-to dessa estratégia.

O contexto regional

O sistema de roça de toco alternado com perío-dos longos de pousio foi o método empregado por gera-ções de agricultores na região do Contestado, territórioque engloba municípios do Planalto Norte de Santa

1 Liebig (1803-1873) exerceu influência determinante na sistematização e difusão daadubação mineral com fertilizantes industrializados. Antes de morrer, porém, reviuseus próprios conceitos e deixou o seguinte epitáfio: “Pequei contra a obra do Cri-ador... queria melhorar o seu trabalho porque acreditava, na minha obsessão, que umelo da assombrosa cadeia de leis que governa e renova constantemente a vida sob asuperfície da terra tinha sido esquecida. Pareceu-me que esse descuido precisava seremendado pelo frágil e insignificante ser humano.”2 Segundo a Fundação Getúlio Vargas, os preços dos fertilizantes acumularam, entrejunho de 2007 e junho de 2008, alta de 83,21 % .

Agricultor-experimentador demonstra a forma de preparação do adubo da independência

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Catarina e do Centro-Sul do Paraná. Entretanto, nos diasde hoje, praticamente não se tem registro desse modelode gestão da fertilidade na paisagem da região. Como emoutras partes do mundo onde esse sistema tradicionalpredominou, ele se inviabilizou tecnicamente com o au-mento da densidade demográfica e a partilha dos estabe-lecimentos familiares pelos processos sucessórios, verifi-cando-se assim a intensificação do uso dos solos e a redu-ção progressiva dos períodos de pousio.

Em contraposição, a agricultura da região as-sistiu nos últimos 40 anos à introdução dos fertilizantesindustriais no bojo de um conjunto integrado de tecno-logias agroquímicas, genéticas e mecânicas. Os chama-dos pacotes tecnológicos da Revolução Verde foram in-corporados inicialmente nas culturas da soja, do milho,da batata inglesa e do fumo, promovendo grandes mu-danças estruturais e funcionais nos agroecossistemas re-gionais. Fomentadas por políticas públicas, essas altera-ções na base técnica conduziram as unidades familiares aníveis crescentes de especialização produtiva em substi-tuição aos antigos sistemas agrosilvipastoris, que articu-lavam policulturas com criatório extensivo e extrativismovegetal, sobretudo o da erva-mate (Ilex paraguariensis).Ao substituir os serviços ambientais da biodiversidaderesponsáveis pela regeneração da fertilidade pelos insumossintéticos, essas mudanças induziram à progressiva su-bordinação das economias familiares aos mercados deinsumos e às cadeias de processamento e distribuição deprodutos (Petersen et al., 2002).

Com áreas de cultivo cada vez menores e de-gradadas pelo emprego de métodos de manejo insusten-tável e submetida ao fenômeno da “tesoura dos preços”com o aumento exponencial dos custos dos insumos e adepreciação do valor dos seus produtos, a agricultura fa-miliar da região ingressou na última década em processoacelerado de empobrecimento e perda de perspectivas.Como resultado, a migração para as cidades, principal-mente entre os jovens, tem se intensificado.

Construindo alternativasA busca por alternativas técnicas e econômicas

para a agricultura familiar da região vem motivando desdeo início da década de 1990 a configuração de redes deinovação agroecológica polarizadas em torno a alguns te-mas mobilizadores, entre eles, o manejo ecológico dossolos. Com assessoria da AS-PTA, atualmente essas redesarticulam grupos de agricultores-experimentadores (A/Es) presentes em 42 comunidades de 16 municípios.

Apesar dos bons resultados técnicos, eco-nômicos e ambientais dos experimentosde manejo ecológico dos solos conduzi-dos pelos vários núcleos comunitários deA/Es, verifica-se ainda uma limitada ir-

radiação regional dos métodos inovado-res. A primeira e principal razão para essefato é o papel que as políticas públicascontinuam a exercer no sentido de indu-zir a agricultura familiar à intensificaçãoprodutiva pela via da agroquímica. Re-cente pesquisa sobre a alocação dos re-cursos do Programa Nacional de Forta-lecimento da Agricultura Familiar(Pronaf) no estado do Paraná, por exem-plo, constatou que 88% dos recursos docrédito foram empregados no custeio daprodução, sobretudo na aquisição deinsumos industriais (Ibase, 2006).

Outro fator limitante para a disseminação dosmétodos ecológicos está relacionado ao fato de que osucesso dos mesmos depende da adoção de um conjuntointegrado de mudanças nos sistemas de cultivo, e não nasimples substituição dos insumos agroquímicos por ou-tros de origem orgânica ou natural.

Frente ao aumento de custos de produção quevem progressivamente reduzindo a rentabilidade da agri-cultura, um número cada vez maior de famílias da regiãovem procurando alternativas técnicas para melhorar a efici-ência econômica de suas lavouras. Um sintoma desse fe-nômeno é a crescente demanda por insumos alternativospor parte de agricultores que mantinham seus sistemastécnicos com base nos pacotes agroquímicos. Ocorre,porém, que a falta de um embasamento teórico quereferencie o emprego dessas práticas faz com que elastendam a ser incorporadas de forma pontual, na lógica dasubstituição de insumos, sendo por isso limitadas na pro-moção das interações ecológicas benéficas ao desempe-nho produtivo e à sanidade das culturas. O pó do basalto,por exemplo, é um insumo que tem sido utilizado por umnúmero expressivo de famílias agricultoras. Entretanto,nas condições locais, sua efetividade agronômica é am-pliada quando sua aplicação se dá de forma associada aomanejo de biomassa, sobretudo de adubos verdes, e aopreparo do solo com o mínimo revolvimento possível. Suafunção no sistema é a de dinamizar processos biológicosnos solos, e não o de fornecer nutrientes diretamentepara as plantas cultivadas (Almeida et al., 2006). O adu-bo da independência, uma adaptação do bokashi3 realiza-da por grupos de A/Es da região e a revalorização do usodas sementes de variedades crioulas são outros exemplosde práticas alternativas aos sistemas convencionais in-corporadas aos sistemas de milhares de famílias agricul-toras na região.

3 Bokashi é um composto orgânico obtido por meio da fermentação de estercos como auxílio de microrganismos nutridos com fontes energéticas, como farelos, grãos,etc. O bokashi vem sendo enriquecido na região com pós de rocha, principalmenteo basalto.

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Construção do conhecimentoagroecológico x transferência detecnologias

A revisão da concepção convencional de ges-tão da fertilidade exige o emprego de enfoques meto-dológicos participativos que possibilitem a construçãocoletiva e a socialização de conhecimentos sobre os fenô-menos naturais que fundamentam os métodos de manejoecológico. Esse desafio implica necessariamente na supe-ração das abordagens difusionistas direcionadas à meratransferência de tecnologias pontuais, ou seja, mais vol-tadas para a capacitação instrumental dos agricultoresdo que para a expansão de seus conhecimentos e de suasmargens de liberdade para inovar.

As redes de agricultores-experimentadores têmcriado ambientes de interação social fecundos para oaprendizado com base na experimentação prática e nointercâmbio de conhecimentos entre agricultores(as) edestes(as) com técnicos(as) assessores(as) e pesquisado-res(as). Além disso, a celebração de parcerias com univer-sidades e centros de pesquisa tem permitido que a quali-dade dos solos nas áreas de experimentação dos agricul-tores seja monitorada com base em indicadores só acessí-veis por métodos analíticos dominados pela academia.4

Os resultados desses monitoramentos têm enriquecidoas análises coletivas realizadas nas redes de A/Es sobre omanejo ecológico dos solos.

Assim, ao associar a experimentação individualou de pequenos grupos comunitários com momentos co-letivos para reflexão crítica sobre os resultados desses ex-perimentos, as redes de A/Es vêm se apropriando de no-vos conhecimentos relacionados à ecologia dos solos. Pormeio dessa permanente vinculação entre a prática e a teo-ria do manejo ecológico, aos poucos a noção convencio-nal de fertilidade é superada e, com ela, a percepção dosolo como um banco onde os nutrientes entram e saem deforma linear.

A transição nos sistemas demanejo dos solos

Como vimos, os métodos ecológicos de ges-tão da fertilidade associam um conjunto de inovações demanejo. Na região do Contestado, as iniciativas mais avan-çadas nesse sentido são encontradas nas áreas de plantiodireto ecológico. Ao suprimir o emprego de herbicidas eda aração – esta última uma estratégia importante dosagricultores para o controle das plantas espontâneas –, oplantio direto ecológico exige um conjunto de medidasde manejo prévias que assegurem condições ambientaispropícias para que seja implantado com sucesso. As rota-

Encontro de agricultores-experimentadores em manejo ecológico dos solos

4 As principais parcerias nesse campo foram realizadas com a Universidade Estadual deLondrina, a Embrapa Agrobiologia, a Pontifícia Universidade Católica do Paraná(PUC-PR), a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina(Epagri) e o Instituto Agronômico do Paraná (Iapar).

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ções de culturas, sobretudo com o pré-cultivo de coque-téis de adubos verdes, a manutenção do solo permanen-temente coberto, a aplicação de pós de rocha (principal-mente o basalto) e do adubo da independência e o em-prego de sementes crioulas estão entre as práticas maisfreqüentes nesse rol de inovações de manejo.

Mais do que o somatório de técnicas inovado-ras, essas mudanças vêm sendo analisadas pelos gruposde A/Es como uma estratégia integrada de transição nomanejo dos solos voltada para o restabelecimento de fun-ções ecológicas essenciais à reprodução da fertilidade.Nesse caso, a fertilidade está associada ao suprimentoconstante e equilibrado de nutrientes, e não às altas con-centrações nos solos de alguns poucos elementos mine-rais considerados essenciais para as plantas cultivadas. Amudança fundamental de uma concepção para outra estáno fato de que se substitui a lógica linear de gestão dafertilidade, centrada nas entradas e saídas de nutrientesdo sistema, por outra que valoriza a ciclagem permanen-te por meio do manejo da biodiversidade funcional.

A incorporação dessa nova concepção de fer-tilidade por parte dos A/Es tem sido essencial para queos mesmos estabeleçam suas próprias estratégias de con-versão técnica dos sistemas de manejo, inclusive adotan-do novos indicadores para monitorar a evolução da quali-dade dos solos. Aquelas famílias que possuem os terrenosmais degradados – em função dos seguidos anos demonoculturas manejadas com o revolvimento dos solos ea sua exposição às chuvas e ao sol e com o emprego inten-sivo de adubos sintéticos e agrotóxicos – têm procuradointroduzir as práticas inovadoras paulatinamente, à me-dida que as funções ecológicas se restabelecem. Nas fa-ses iniciais da transição predomina a lógica da substitui-ção de insumos e não implica grandes alterações nas roti-nas técnicas das famílias. Já as fases mais avançadas exi-gem que mudanças estruturais nos sistemas sejamimplementadas, cobrando maiores níveis de reorganiza-ção do trabalho familiar.

Os fundamentos do manejoecológico

A superação da visão dominante que sustentaque a fertilidade é o reflexo da quantidade total ou daconcentração dos nutrientes no solo se fundamenta emalguns princípios ecológicos estreitamente relacionados àdinâmica biológica dos solos. O primeiro deles, já citado,refere-se ao suprimento constante e equilibrado dos ele-mentos nutritivos proporcionado pela decomposição dabiomassa do sistema. Atuando como reservatórios tem-porários, a matéria orgânica e os organismos do solo libe-ram os nutrientes aos poucos e em proporções balancea-das para as culturas.

O segundo está relacionado à função desem-penhada pelos organismos do solo e pelas raízes de espé-cies espontâneas e de adubos verdes na estruturação dossolos em profundidade, com isso rompendo camadascompactadas, favorecendo a penetração de raízes doscultivos e a infiltração da água das chuvas no perfil.

Agricultores da região que já atingiramestágios mais avançados de transiçãotêm alcançado produções mais regula-res do que as lavouras convencionaispelo fato de seus cultivos sofreremmenos com o estresse hídrico provoca-do pelos cada vez mais freqüentes eprolongados veranicos. No contexto deaumento dos riscos climáticos associ-ados ao aquecimento global, nos pare-ce irracional a continuidade do estímuloao uso intensivo de adubos industriaissabendo-se que as plantas necessitamde água para a absorção de nutrientesdo solo.

O terceiro princípio está ligado ao emprego devariedades crioulas nos sistemas de manejo ecológico.Resultantes de processos co-evolutivos locais, alguns de-les iniciados há séculos por povos indígenas, os genótiposdessas variedades são mais adaptados às condiçõesambientais da região. Ao contrário das variedades e híbri-dos comerciais, desenvolvidos segundo pressões de sele-ção voltadas para a maximização da produtividade físicamediante o emprego de altas doses de fertilizantes sinté-ticos, as variedades crioulas possuem pelo menos duasestratégias importantes para a adaptação às condiçõesambientais locais. A primeira delas é o investimento deenergia para o desenvolvimento do sistema radicular emprofundidade de forma a explorar maior volume de solona busca de nutrientes e água. Condicionadas a absorveros nutrientes próximos ao local de germinação de suas

Análise visual da qualidade dos solos

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sementes, as variedades e híbridos comerciais não alocama mesma energia nesse processo, carreando-a primordial-mente para a formação do produto de interesse econômi-co. A segunda estratégia é a associação com os organis-mos do solo para que a capacidade de absorção de nutri-entes se amplie. Um exemplo, infelizmente ainda poucoestudado, são as associações entre variedades crioulas demilho e fungos micorrízicos: os fungos aumentam signifi-cativamente o volume de solo explorado pelas raízes domilho que, em contrapartida, fornece carboidratos paraos fungos simbiontes. Por serem desenvolvidas em solosadubados quimicamente, as variedades e híbridos comer-ciais não foram condicionados geneticamente a se asso-ciar com organismos dos solos.

Este último princípio destaca o fato de que,sob o enfoque agroecológico, o conceito de fertilidadedeve ser apreendido por uma perspectiva sistêmica queabranja o solo e a sua vegetação (seja ela espontânea ouintroduzida), na medida em que ambos interagem dina-micamente entre si realimentando ciclos de vida por meioda constante troca de nutrientes e energia. Essa pers-pectiva coloca em xeque a noção amplamente aceita nomeio científico de que a região do Contestado possuisolos de baixa aptidão agrícola, já que suas análises quí-micas revelam a existência de limitadas quantidades denutrientes disponíveis para as culturas, além de apre-sentarem elevada acidez e baixa capacidade de trocacatiônica (CTC), fatores limitantes ao desempenho dosfertilizantes industriais.

Realizada pelo prisma reducionista da agro-química, essa avaliação deixa à sombra os potenciais eco-lógicos dos ecossistemas locais que podem ser valoriza-dos na gestão da fertilidade dos agroecossistemas. Ondehá oferta de água o ano inteiro, como nessa região, pode-se compensar a baixa disponibilidade de nutrientes porvolume de solo por uma eficiente ciclagem mediada pelabiodiversidade. Com efeito, tanto as práticas tradicionaisde uso dos solos no passado quanto as iniciativas atuaisde manejo agroecológico questionam a alegada baixa ap-

tidão dos solos, ao evidenciarem, cada uma a seu tempo,o enorme potencial agrícola existente na região.

Desfazendo mitos e apontandocaminhos

Experimentos de manejo ecológico dos solosconduzidos por agricultores da região vêm ano após anoapresentando resultados positivos e motivando um cres-cente número de famílias a se engajarem nas redes de agri-cultores-experimentadores. Quando comparados com ossistemas convencionais de manejo da fertilidade, revelamque o emprego dos fertilizantes químicos é tecnicamentedesnecessário, ambientalmente danoso e economicamen-te extravagante.

Estudo realizado junto a famílias de di-ferentes municípios do Centro-Sul doParaná que atingiram estágios avan-çados da transição nos sistemas de ma-nejo dos solos revelou que as lavourasconduzidas em sistema de plantio di-reto ecológico superaram as médias re-gionais de produtividade de feijão e demilho da agricultura familiar, apesar deeliminarem por completo o emprego deinsumos agroquímicos. Se esses resul-tados fossem generalizados para o con-junto das famílias agricultoras da re-gião, assistiríamos a um aumento daprodução regional de, pelo menos,63.180 toneladas de feijão preto e de108.000 toneladas de milho (Petersenet al., 1999). Esses resultados produti-vos tendem com o tempo a se incre-mentar, à medida que os solos melho-rem sua qualidade com a sucessão deanos sob manejo ecológico. Além dis-so, as quebras de safra pelas flutuaçõesclimáticas tendem a ser mitigadas emfunção da criação de ambientes agrí-colas mais resilientes. Finalmente, ossolos, a água e a agrobiodiversidade sãoconservados. Também do ponto de vis-ta global, teríamos sistemas técnicosambientalmente mais sustentáveis.Além de reter maiores quantidades decarbono e de diminuir as emissões degases de efeito estufa, são sistemasmenos dependentes de insumos exter-nos derivados do petróleo e de outrosrecursos naturais finitos.

Análise do perfil de enraizamento das lavouras

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Para além dos efeitos ambientais benéficos nasescalas local e global, essa menor dependência de insumosindustriais implica em significativa melhoria na rentabili-dade das lavouras. Esse aspecto foi recentemente verifi-cado em avaliações comparativas entre os desempenhoseconômicos de lavouras de milho em fases iniciais de tran-sição agroecológica e de lavouras convencionais. Essasavaliações foram conduzidas pela AS-PTA e pela Epagri,juntamente com o grupo de A/Es da comunidade Colô-nia Escada, município de Irineópolis (SC), que conta atual-mente com 54 membros, a sua maioria constituída poragricultores que vinham até recentemente manejandoseus sistemas produtivos pelos métodos convencionais.

As lavouras de milho monitoradas encontravam-se em diferentes estágios de transição mas, de forma ge-ral, empregaram sementes de variedades crioulas, o pré-cultivo de adubos verdes, fontes de biomassa produzidasna propriedade, principalmente esterco, e o pó de basalto,este último distribuído à lanço antes do semeio dos adu-bos verdes de inverno ou na linha dos cultivos de verão. Aprodutividade média dessas lavouras foi de 5.550 kg/ha eos seus custos de produção foram, em média, de R$ 278,00por hectare (equivalente a 834 quilos de milho). Já ossistemas convencionais alcançaram uma produtividade mé-dia de 10.000 kg/ha e seus custos médios de produçãoforam de R$ 2.479,00 por hectare (correspondente a 7.438quilos de milho).

Os dados colhidos nessas avaliaçõesrealçam o fato de que a rentabilidadedas lavouras em transição ecológica éimensamente superior a dos sistemasconvencionais. Para cada real investi-

do nos sistemas em transição, os agri-cultores recuperaram R$ 7,40, ao pas-so que os sistemas convencionais remu-neram os agricultores com apenas 13centavos para cada real investido (verGráfico 1). Analisando sob outro pris-ma, esses dados revelam que as maio-res produtividades alcançadas nas la-vouras convencionais não são reverti-das em renda para as famílias. Pelocontrário, apesar dos imensos riscoseconômicos a que estão submetidas, ariqueza gerada pelo trabalho dessasfamílias é, em sua maior parte, apro-priada pela cadeia agroindustrial e fi-nanceira do agronegócio.

Ainda há duas considerações conjunturais a se-rem feitas sobre os resultados dessas avaliações: a primeirarefere-se ao fato de que o preço do milho praticado nesteano – R$ 20,00/saco – foi relativamente alto em face dasmédias históricas. Isso significa que o desempenho eco-nômico dos sistemas convencionais tende a piorar com aestabilização desse valor em um patamar abaixo do prati-cado na presente safra. A segunda consideração é que odesempenho econômico das lavouras implantadas nas áreasem transição tende a crescer progressivamente com o au-mento paulatino das produtividades dos cultivos resul-tante da recuperação da fertilidade do ambiente.

Esse tipo de análise conduzida com a rede lo-cal de A/Es tem favorecido reflexões que vinculam o de-sempenho econômico das lavouras aos serviços ambientais

Gráfico 1. Produtividade, receita líquida, custo de produção e rentabilidade de sistemas convencio-nais e em transição agroecológica no Planalto Norte de Santa Catarina (em kg de milho)

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promovidos pela biodiversidade associada aos cultivos.Realça-se assim a relação direta entre a economia e a eco-logia dos agroecossistemas, permitindo que os agriculto-res e agricultoras diretamente envolvidos na inovaçãoagroecológica compreendam e questionem a lógica eco-nômica insustentável do agronegócio, bem como os sub-sídios públicos que sustentam artificialmente a vigênciado modelo técnico hegemônico.

Desafios políticos e científicos

Diante da inflação dos preços dos alimentosnos mercados internacionais, o governo brasileiro tomourecentemente a iniciativa de lançar o programa Mais Ali-mentos, com o objetivo de aumentar a produção nacionalde gêneros alimentícios em 18 milhões de toneladas até2010. Para alcançar essa meta, suas ações se orientam aoincremento da produtividade da agricultura familiar pelavia da disseminação de tecnologias químico-mecânicas.Repetindo erros do passado, esse programa é falho tantono diagnóstico do problema quanto no remédio propostopara enfrentá-lo.

Pelo lado do diagnóstico, se equivoca porqueos principais limitantes ao aumento da produção alimen-tar no Brasil não são de natureza tecnológica. Eles estãoprimordialmente relacionados a fatores políticos e estru-turais que restringem a produção rural de base familiar,entre os quais destacamos a liberalização do mercado in-ternacional de alimentos e seus efeitos perversos sobre aseconomias de base familiar e a grande concentração fun-diária que impede o avanço e a consolidação do campe-sinato, o principal produtor de alimentos no país. Alémdisso, um dos fatores que contribuem para a disparadados preços dos alimentos é a inflação dos custos da pro-dução agrícola resultante dos aumentos vertiginosos eirreversíveis dos preços do petróleo.

Pelo lado da receita adotada pelo programa,nos parece um contra-senso a insistência do uso de recur-sos públicos para viabilizar a disseminação de um modelotecnológico estruturalmente dependente do petróleo exa-tamente no momento em que a humanidade se dá contados dilemas ambientais e energéticos que colocam em ris-co a civilização.

Iniciativas como as que vêm sendo levadas àfrente pela rede de A/Es da região do Contestado apon-tam caminhos inspiradores para a superação do modelotécnico hegemônico por meio da adoção de padrões sus-tentáveis de uso dos solos norteados por um conceito defertilidade diretamente relacionado aos ciclos naturais.Em grande medida, esses caminhos implicam a revalo-rização de práticas tradicionais de uso e manejo dos solosagrícolas que foram sumariamente desqualificadas e ig-noradas pela ciência do solo a partir do momento em quepassou a se orientar seu desenvolvimento pelo reducio-nismo agroquímico.

Só mais recentemente, ao colocar em xeque odogma positivista que domina as ciências agrárias, é que aAgroecologia vem se afirmando como enfoque científicoaberto ao diálogo de saberes, criando assim condições paraque as capacidades de observação e de inovação de agri-cultores e agricultoras sejam valorizadas e desenvolvidas.Quiçá, no futuro, possamos melhor compreender e tirarpartido prático de sofisticadas observações empíricas queinspiram desde um passado remoto o desenvolvimento demétodos agrícolas como, por exemplo, o fato de que mui-to do que ocorre no solo sob os nossos pés está direta-mente relacionado com o movimento dos corpos celestes.

Paulo PetersenDiretor-executivo da AS-PTA

[email protected] de Almeida

Assessor técnico da [email protected]

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24 Agriculturas - v. 5 - no 3 - setembro de 2008

ssa terra dá maislegume”; “A ter-ra daqui tem

mais força”; “tem mais bicho”; “támais fofa”; “pega mais água”. Es-sas são algumas das expressões uti-lizadas por agricultores(as) familia-res do sertão cearense quando per-guntados a respeito das áreas decultivo que vêm conduzindo a par-tir de princípios agroecológicos. Pa-ra chegar até esse ponto, um longocaminho foi percorrido, não só poreles, mas também por todos que vi-veram e vivem essa realidade, nocaso por técnicos(as) do Esplar –Centro de Pesquisa e Assessoria,assim como da Universidade Fede-ral do Ceará (UFC).

Tudo começou em 1989, a partir da observa-ção de um agricultor que constatou a viabilidade da pro-dução de algodão numa época em que todos estavamdesestimulados por conta do intenso ataque do bicudodo algodoeiro1. Essa observação incentivou o início deuma caminhada em busca de alternativas técnicas para aprodução do algodão que tem sido marcada por épocasde grandes expectativas e por outras de frustrações. No

entanto, o acúmulo de conhecimento é a marca principaldesses anos de trabalho conjunto.

A cultura do algodão é uma atividade econô-mica tradicional no estado e no Nordeste brasileiro, masque atualmente vive um momento de crise. Ela sempreesteve associada à agricultura familiar, seja em suas pro-

Essa terra dá mais legume:construindo a qualidade

do solo no SertãoCentral do Ceará

Teógenes Senna de Oliveira e Ana Leônia de Araújo

1 O bicudo do algodoeiro (Anthonomus grandis) é um inseto-praga nativo do Mé-xico. O primeiro relato oficial de sua ocorrência no Brasil data de 1983. (Nota doeditor).

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Algodão consorciado

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Agriculturas - v. 5 - no 3 - setembro de 2008 25

priedades ou em parceria com grandes proprietários (nes-se caso, com o pagamento de 50% do que as famíliascolhiam). Geralmente era integrada à pecuária, já que osrestos de cultivo eram utilizados para o pastejo de ani-mais em períodos de escassez de forragem. Caracteriza-va-se também por ser uma atividade com pouca ou ne-nhuma preocupação conservacionista. Além disso, suacomercialização costumava ser intermediada por grandesproprietários ou por corretores de usinas de beneficia-mento que se apropriavam da maior parte da riqueza ge-rada pelo trabalho dos produtores familiares. Nesse senti-do, pode-se afirmar que se tratava de uma atividade du-plamente extrativista: dos recursos naturais e do traba-lho do pequeno agricultor sertanejo.

O trabalho descrito neste artigo teve por obje-tivo revitalizar a atividade na agricultura familiar, só quedessa vez adotando práticas com outras bases técnicas,de forma a reverter o quadro de degradação ambiental nosemi-árido, bem como alterar as relações com os mercados,assegurando que os produtores familiares se apropriem demaior parcela das riquezas geradas pelo seu trabalho.

A alternativa desenvolvidaUm conjunto de inovações de manejo foi pro-

posto ao longo do tempo visando o convívio com os inse-tos-praga que atacam o algodoeiro e a melhoria da quali-dade dos solos. Entre essas inovações, destacamos: acatação dos botões florais afetados pelo bicudo; o con-trole biológico do curuquerê do algodoeiro e de outraslagartas com o uso de uma vespa parasitóide conhecidacomo Trichogramma2; o emprego de extratos vegetaisno controle de pragas; a adoção de práticas de conserva-ção do solo, como plantio em nível, uso de coberturamorta, aportes de matéria orgânica, formação de cordõesde contenção com restos culturais ou pedras, além danão-utilização do fogo; e o cultivo do algodão em con-sórcio com as culturas do milho, do feijão de corda, dogergelim e de outras espécies que possam ser de interessedo agricultor.

O emprego dessas medidas de manejo permi-tiu uma produção de algodão sem uso de qualquer insumoagroquímico, possibilitando assim que o produto pudes-se ser valorizado em canais de comercialização diferen-ciados. Essa possibilidade se concretizou nos últimos dezanos com a formação de uma cadeia do comércio justo doalgodão, gerando autonomia dos(as) agricultores(as) fa-miliares em relação aos intermediários. Em 2008, essa ca-deia envolveu 245 agricultores(as) dos municípios deTauá, Quixadá, Choro, Canindé, Massapê, Sobral, For-quilha e Santana do Acaraú, obtendo uma produção to-tal de 43 toneladas de algodão em rama, além de envolverempresas, associações e cooperativas, na transformaçãoe comercialização da matéria-prima (Lima, 2008). Os de-mais produtos colhidos no sistema são destinados ao con-sumo das famílias produtoras e à venda local.

Apesar do forte desestímulo anterior com rela-ção à cultura do algodão e da desistência de algunsagricultores(as) que vinham se engajando na experimen-tação do algodão agroecológico, constata-se que a alter-nativa desenvolvida vem fazendo parte da realidade deum número crescente de famílias.

O aprofundamento dosconhecimentos sobre omanejo dos solos

Com a percepção generalizada por parte dosagricultores dos benefícios técnicos gerados pelas práti-cas inovadoras, deu-se início a um conjunto de pesquisasdestinadas a aprofundar os conhecimentos associados aosprocessos ecológicos locais, em particular aqueles relacio-nados à qualidade dos solos. Essas pesquisas deram ori-gem a monografias, dissertações e teses de estudantes daUniversidade Federal do Ceará (UFC) que tomaram comoreferência comparativa o ecossistema natural, no caso acaatinga. Propriedades químicas, físicas e biológicas dosolo foram avaliadas em diferentes épocas e situações demanejo. Pelos resultados obtidos, ficou claro que as áre-as conduzidas pelos(as) agricultores(as) familiares apre-sentavam uma qualidade semelhante à natural e, em al-gumas situações, ainda melhor (Otutumi, 2004; Sousa,2006; Lima et al. 2007).

Embora esses estudos acadêmicos iniciais te-nham aportado conhecimentos importantes para o des-dobramento dos trabalhos, eles foram marcados pela par-ticipação pouco efetiva dos(as) agricultores(as). De for-ma geral, a contribuição deles(as) se resumiu a algumaspoucas observações acerca das condições das áreas emque as pesquisas foram conduzidas. Nesse momento, nãohouve a preocupação de incorporá-los mais ativamenteno processo de pesquisa, nem mesmo procurou-se com-preender quais as suas percepções sobre a melhoria daqualidade dos solos nas áreas manejadas com as inova-ções agroecológicas. Uma participação mais ativa dos(as)agricultores(as) proporcionaria não só a ampliação do co-nhecimento gerado, mas também a possibilidade de seadquirir informações importantes para a elaboração deestratégias de disseminação das práticas inovadoras paraoutras famílias e comunidades.

Tendo constatado essa limitação metodoló-gica, tomou-se a iniciativa de organizar uma oficina paraque a continuidade dos trabalhos fosse planejada com aparticipação efetiva de agricultores(as) que possuem di-ferentes tempos de experiência na prática de manejoagroecológico, técnicos(as) do Esplar e estudantes eprofessores(as) da UFC. Ao serem discutidas as vanta-

2 O Trichogramma spp. é um inseto muito pequeno que parasita ovos de várias espé-cies de lagartas que se tornam pragas na agricultura. É um dos insetos mais utilizadosno mundo para o controle biológico de pragas. (N. do Ed.)

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26 Agriculturas - v. 5 - no 3 - setembro de 2008

gens e desvantagens da adoção ou não das práticas agro-ecológicas, foi possível colher muitas afirmações interes-santes, como as apresentadas no início deste texto.

Desde então, as atividades de pesquisa passa-ram a ser orientadas para melhor explorar essas percep-ções dos(as) agricultores(as), em particular ao estabele-cerem mecanismos para a análise compartilhada das mu-danças ocorridas nas áreas de manejo agroecológico. As-sim, com a participação dos(as) agricultores(as), cons-truiu-se um amplo quadro de indicadores para a avaliaçãodas transformações.

O monitoramento participativo

Os indicadores definidos para a avaliação com-parativa entre as áreas com manejo agroecológico e aque-las manejadas convencionalmente foram: produtivida-de/produção de grãos/fibras, biodiversidade, umidadedo solo, estrutura do solo e, como conseqüência dos an-teriores, a segurança alimentar da família.

Para cada um desses indicadores foi aplicadae/ou construída uma metodologia de avaliação que pu-desse ser empregada pelos(as) próprios(as) agriculto-res(as). A segurança alimentar foi avaliada por meio deum questionário estruturado. Já os demais indicadoresforam monitorados por intermédio de metodologias re-conhecidas na comunidade acadêmica e adaptadas paraserem aplicadas pelos(as) agricultores(as) de acordo comsuas realidades específicas.

Um exemplo é a avaliação da produtividade/produção dos consórcios, um aspecto sempre questiona-do, tanto por agricultores(as) quanto por técnicos(as).Perguntas como: “Vale a pena o consórcio?”, “Ele pro-duz menos ou mais que o cultivo solteiro?”, “É certo queuma área só com uma cultura solteira não produz mais?”.

Para responder a essas perguntas, foiproposta a 24 agricultores(as) de Tauá,Choro, Quixadá e Massapé a condu-ção de áreas com culturas em consór-cio e o plantio das mesmas em mono-cultivo (solteiras). Em cada uma des-sas áreas foram demarcadas quatroparcelas, as quais foram utilizadas paraavaliação de vários parâmetros: cultu-ras envolvidas, arranjo das culturas noconsórcio, espaçamento entre linhase plantas na linha, número de plantas,covas e plantas por cova. Não houvequalquer tipo de interferência na defi-nição desses parâmetros, assim comotodas as demais proposições e toma-das de decisão em relação às áreas fi-caram a cargo dos(as) agricultores(as),como, por exemplo, as práticas cultu-rais (desbastes, capinas, aplicações decaldas naturais, etc.).

Por razões diversas, somente 16 agriculto-res(as) chegaram ao fim dos trabalhos de avaliação, ob-tendo-se mesmo assim os dados necessários para as con-clusões. Comprovou-se que, pelo menos para mais da me-tade deles, a adoção do cultivo consorciado foi melhor.Para chegar a essa conclusão dividimos a produção colhi-da de cada cultura no cultivo consorciado pela produçãoobtida da mesma cultura no cultivo solteiro. Quando osresultados das divisões para cada cultura são somados,tem-se o quanto a área de consórcio foi melhor ou piorque a área de monocultivo. Esse índice expressa a eficiên-cia ou não da área de consórcio e é conhecido tecnica-mente como Unidade de Equivalência da Terra (UET).

Por exemplo, na área cultivada em con-sórcio pela agricultora Maria LiduínaFerreira da Silva, da comunidade Ria-cho do Meio, Choro (CE), foram pro-duzidos 122 kg/ha de milho, 674 kg/ha de feijão e 121 kg/ha de algodãoem rama. Quando ela plantou cadauma dessas culturas em sistema soltei-ro (monocultivo), obteve 1.662 kg/hade milho, 208 kg/ha de feijão e 246 kg/ha de algodão em rama. Para produziro equivalente aos 122 quilos de milhocolhidos em um hectare de consórcioela necessitaria de 0,07 hectares deplantio de milho solteiro. Para ter amesma quantidade de feijão colhidaem um hectare de consócio teria quesemear 3,24 hectares de feijão soltei-ro. Um hectare de algodão consorcia-do produziu o equivalente a 0,49 hec-

Agricultoras do município de Tauá-CE colhendo feijão consorciado com algodão

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Agriculturas - v. 5 - no 3 - setembro de 2008 27

tares de algodão solteiro. Ou seja: paraproduzir o mesmo que Maria Liduínaproduziu em um hectare de consórcioela precisaria ocupar uma área de 3,8hectares (0,07 + 3,24 + 0,49) se asculturas fossem plantadas em mono-cultivo.

Por que isso acontece? No consórcio o espaçodisponível é melhor ocupado pelas plantas cultivadas ecom isso o aproveitamento dos nutrientes, da água e daluz é maior. As diferentes culturas apresentam diferentesraízes, alturas e exigências de nutrientes. As plantas es-pontâneas também têm mais dificuldade de se desenvol-verem pelo fato de o espaço estar mais ocupado com es-pécies do consórcio. Dessa forma, o trabalho com a capi-na diminui muito. Já nos monocultivos o aumento donúmero de plantas por área é limitado, uma vez que todasas plantas são iguais e apresentam exigências semelhan-tes, aumentando muito a concorrência entre elas.

Os dados colhidos por Maria Liduína em suaárea de experimento demonstraram que para ela foi mui-to mais vantajoso plantar em consórcio do que em mono-cultivo. Além de ter colhido mais em um espaço menor,teve menos trabalho para manter a área. Finalmente, sehouvesse algum risco de perda de alguma das culturasplantadas no consórcio por falta de chuvas, por exemplo,outras continuariam a produzir, assegurando alguma ren-da (como aconteceu em alguns casos).

Dados semelhantes aos de Maria Liduína fo-ram obtidos em pelo menos metade das áreas dos(as)agricultores(as). Como o ano de 2007 foi caracterizado

por poucas chuvas, o desenvolvimento das culturas deciclo longo e sensíveis ao déficit hídrico, como o milho,foi muito prejudicado. Já o feijão, com um ciclo de vidamais curto, e o algodão, mais tolerante ao déficit hídrico,tiveram produções mais satisfatórias mesmo com a faltade chuvas.

A valorização dos resultados

Os resultados dos experimentos possi-bilitaram uma discussão mais consis-tente sobre os efeitos das inovações demanejo, uma vez que foram obtidospelos(as) próprios(as) agricultores(as).Podem também ser utilizados em ati-vidades individuais ou em grupo, esti-mulando debates sobre as razões dasmudanças verificadas e as possíveis al-ternativas para a melhoria dos índicesde produtividade. Os arranjos dos con-sórcios, as culturas utilizadas e as con-dições climáticas são algumas das pon-derações dos(as) agricultores(as) parajustificar os seus resultados. Cabe ain-da ressaltar que a possibilidade de in-centivar os(as) agricultores(as) a seremavaliadores e críticos das medidas ino-vadoras e, ainda mais, a utilizarem seusnovos conhecimentos para ajustar suaspráticas visando à melhoria de produ-

Agricultor José Wilson Gomes de Sousa observando a produção de milho consorciado – Quixadá-CE

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28 Agriculturas - v. 5 - no 3 - setembro de 2008

ção das áreas tem sido um fator im-portante para fomentar o debate entreeles. Nessas condições, a disseminaçãodas técnicas se torna muito mais segu-ra e ampla.

Outros indicadores avaliados

Outros indicadores monitorados tambémsuscitaram muitos debates importantes. A retenção deumidade no solo, por exemplo, foi avaliada de forma sim-

ples, a partir da determinação da umidade remanescenteem agregados umedecidos e deixados para secar à sombrapor certo período. O tempo de secagem, o tamanho dosagregados, assim como a determinação da umidade resi-dual foram definidos previamente em laboratório a partirde amostras das áreas dos(as) agricultores(as) participan-tes da pesquisa e da adaptação de métodos para aplica-ção por eles próprios.

A estrutura do solo foi avaliada com o uso degarrafa PET, onde foi colocada uma certa quantidade deagregados (torrões) e água. Após um tempo de agitaçãopré-definido, os agregados que sobraram foram separa-dos do restante com o uso de uma peneira. Quanto maiora quantidade de agregados após a agitação melhor, ouseja, quanto maior a resistência à destruição com água eagitação, melhor estruturado estaria o solo. A estruturatambém foi avaliada pela imersão de agregados em umavasilha de água e análise da dispersão ou não do agregadoapós determinado tempo. Testou-se ainda o uso de umaalavanca do tipo usado em construção, a sua soltura acerta altura e a determinação da penetração no solo, àsemelhança das avaliações utilizando penetrômetros.

A diversidade de animais e vegetais foiavaliada em áreas sob manejo agroeco-lógico e naturais a partir do uso de ar-madilhas (macrofauna, por exemplo),coletas, contagem e observação (depássaros, animais, árvores e arbustos,por exemplo). Todas essas metodo-logias não poderiam ter sido aplicadassem a participação efetiva dos(as)próprios(as) agricultores(as), no casodo município de Choro (CE).

Algumas dificuldadesAlgumas das metodologias implementadas fo-

ram consideradas bastante trabalhosas pelos(as) agri-cultores(as), sendo essas colocações importantes paraa readequação das mesmas.

De forma geral, entretanto, o desenvol-vimento desses trabalhos gerou expec-tativas e impressões positivas, tanto

Visão da distribuição das culturas consorciadas na área doagricultor José Wilson Gomes de Sousa do município deQuixadá-CE

Visite a página eletrônica da

Revista Agriculturas: experiências em agroecologia

www.agriculturas.leisa.info

Coleta de dados na comunidade de Pitombeiras,Canindé-CE

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Agriculturas - v. 5 - no 3 - setembro de 2008 29

entre agricultores(as) quanto entre técni-cos(as), uma vez que propiciou a valori-zação do saber acumulado pelos(as)agricultores(as) ao longo das gerações,bem como a sua integração com o co-nhecimento científico. Assim, percebe-mos que aliar conhecimentos tradicionaise capacitação técnica à crítica de agri-cultores(as) e técnicos(as) é uma estra-tégia valiosa na busca de melhores con-dições de produção de alimentos e naconstrução de autonomia nas comunida-des rurais. É preciso, portanto, evitar exa-geros, como a crença unilateral de queexiste um conhecimento melhor que ou-tro, seja de agricultores(as) ou de pesqui-sadores(as), ou que há uma única fontena busca de soluções. Esse posiciona-mento não contribui para a evolução doconhecimento.

A grande variabilidade dos solos no semi-ári-do cria empecilhos para a transferência de conhecimen-tos entre agricultores(as) e para a condução de traba-lhos técnico-científicos, uma vez que com isso há a ne-cessidade de um número maior de repetições (o que édifícil de ser compreendido por agricultores(as) e poralguns técnicos). Outra dificuldade refere-se à resistên-cia de aceitação de trabalhos dessa natureza na acade-mia, pelo fato de que geralmente não são consideradoscientíficos. Por último, é preciso citar a existência deum preconceito com o semi-árido, muitas vezes consi-derado não-adequado para a agricultura. Modificar essapercepção negativa é fundamental para que suaspotencialidades sejam identificadas e valorizadas numaestratégia de convivência com o ecossistema.

Dos limites aos avanços

O avanço dos trabalhos desse tipo e mesmo aprópria consolidação do enfoque agroecológico são limi-tados em função da ampla disseminação do enfoquereducionista nos sistemas de pesquisa e Ater mais orien-tados à transferência de tecnologias pontuais. A adoçãode práticas isoladas, porém, não vai garantir que essessistemas se tornem sustentáveis e nem promoverá mu-danças significativas na paisagem agrícola. Nesse senti-do, torna-se essencial considerar o agroecossistema comoum todo, e não somente uma área de cultivo isolada,como acontece usualmente. O manejo dos diversos com-ponentes do agroecossistema deve se dar pela busca daeficiência energética, minimizando saídas e proporcionan-do entradas. Tais pressuposições se refletirão na qualida-de do solo e na autonomia e eficiência produtiva do

agroecossistema. Os(as) agricultores(as) fazem parte dis-so e, portanto, têm muito a contribuir.

Teógenes Senna de OliveiraEngenheiro agrônomo e professor associado do

Departamento de Ciências do Solo da [email protected]

Ana Leônia de AraújoEngenheira agrônoma

[email protected]

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30 Agriculturas - v. 5 - no 3 - setembro de 2008

Conservando afertilidade do soloem sistemas biointensivos

Fernando Funes-Monzote, Alberto Hernández,Rasiel Bello e Aurelio Álvarez

elhorar e manter afertilidade dos so-los é uma das pri-

oridades dos sistemas agroeco-lógicos. Juntamente com a preserva-ção da agrobiodiversidade e o uso efi-ciente da água e da energia, o equilí-brio adequado de nutrientes e da vidano solo é um fator necessário para queos sistemas agrícolas sejam sustentá-veis. Além de aproveitar os recursosnaturais disponíveis de maneira efici-ente, a diversificação da atividade agrí-cola, inclusive por meio da integraçãocom a pecuária, tem se mostrado umaestratégia eficaz para a gestão apro-priada da fertilidade dos solos. Pormanterem altos níveis de biodiversi-dade, os sistemas agroecológicos fa-vorecem o uso adequado do solo,otimizando os fluxos de nutrientes e deenergia e exercendo múltiplas funçõesque envolvem objetivos ecológicos,econômicos e sociais (Altieri, 2002).

Um estudo de caso realizado no município deSan Antonio de Los Baños, Havana, Cuba, em propriedadesque integravam a agricultura com a pecuária, demonstrouque é possível intensificar os sistemas produtivos de formasustentável, ou seja, obter rendimentos razoavelmente al-tos sem afetar a capacidade do próprio sistema de conseguiros mesmos resultados no futuro. Isso também significa pro-duzir altos níveis de energia e proteína por unidade de super-

fície cultivada, o que garante a auto-suficiência alimentar dafamília agricultora e influencia positivamente os indicadoresfinanceiros e ecológicos dos sistemas produtivos. As proprie-dades que serviram de objeto de estudo mantiveram ummanejo integrado de alta eficiência durante mais de 70 anos.Este artigo, apresenta resultados do estudo cujo objetivofinal foi o de entender o funcionamento das práticas de ma-nejo que possibilitaram atingir esses resultados e, ao mesmotempo, transmitir os conhecimentos adquiridos a outros pro-dutores da região.

O estudoO estudo foi realizado entre 2000 e 2004 e foi

conduzido em seis etapas, começando pela identificaçãodas práticas de manejo insustentáveis na agricultura da re-gião, a definição de possíveis alternativas inovadoras a essaspráticas, assim como a seleção de propriedades de referênciapara a avaliação de sistemas mais sustentáveis já existentes(etapa 1). Para entender em maior detalhe os sistemas demanejo empregados, foram desenhados mapas de biorecursose infra-estrutura das propriedades selecionadas (etapa 2).Em seguida, foram levantadas as características das proprie-dades e identificados os fatores (pontos críticos) que limita-vam ou favoreciam a sustentabilidade econômica, ecológicae social do sistema (etapa 3). Na etapa 4, foi selecionado umconjunto de indicadores para orientar o monitoramento dasustentabilidade com base no levantamento anual de dados(etapa 5). Finalmente, realizou-se uma análise integrada eparticipativa dos sistemas de produção com o objetvo dealinhar um conjunto de recomendações ténicas para o apri-moramento dos agroecossistemas locais (etapa 6). Um novociclo de diagnóstico, avaliação e elaboração de alter-nativas se iniciou com a identificação de novos pontoscríticos e novos objetivos, em um processo contínuo*.

M

* O método empregado, resultado da integração de várias metodologias de análise ede desenvolvimento de sistemas de produção agrícola, está descrito em detalhe emFunes-Monzote (2008).

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Agriculturas - v. 5 - no 3 - setembro de 2008 31

As propriedades selecionadas

Duas propriedades tradicionais foram selecio-nadas para servir de referência, levando em conta os crité-rios empíricos de extensionistas e de outros atores locais:a primeira, Remédio, de pequena escala (9,4 ha), e a se-gunda, La Sarita, de tamanho médio (47 ha). Ambas aspropriedades alcançam altos níveis de produtividade porárea e apresentam um manejo eficiente dos recursos locaisdisponíveis. Uma característica comum a ambas era o em-prego continuado de esterco nas áreas de cultivo e a rota-ção entre áreas de produção. Remédio dedicava 73% desua área à pecuária, enquanto La Sarita empregava 65%.O restante da área estava destinado a cultivos, sendo acobertura florestal baixa (5% a 6% da área total). Na pro-priedade menor havia um uso mais intensivo da força detrabalho e verificava-se maior nível de diversificação doscultivos e dos animais, enquanto a segunda dedicava-seessencialmente à pecuária bovina (leite e carne), além daprodução agrícola. A Figura 1 apresenta a composição deambos os sistemas de produção.

Agrobiodiversidade,heterogeneidade e complexidade

Os altos níveis de agrobiodiversidade (expressapelo número de espécies manejadas), de heterogeneidade(que considera o número de subsistemas na proprieda-de) e de complexidade (referente ao nível de intercâmbiode energia e nutrientes entre os subsistemas) caracteriza-ram as propriedades estudadas. No momento do estudo,a propriedade Remédio produzia 26 produtos comercia-lizáveis (8 de procedência animal e 8 agrícolas), enquan-to que La Sarita produzia 24 no total (5 e 19, respectiva-mente), incluindo cinco espécies de flores. Ao seremcontabilizadas as espécies de pastos e forragens, as frutífe-ras, as plantas florestais e usadas nas cervas vivas, ouestacas (sem contar a vegetação espontânea e animaissilvestres), chegamos ao total de 38 espécies manejadasna primeira propriedade e 49 na segunda. A essa alta bio-diversidade foram atribuídas, de maneira direta ou indireta,funções ecossistêmicas importantes que contribuem parauma reciclagem dos nutrientes, o que permite incrementar a

*As áreas sombreadasrepresentam áreas ocupadascom agricultura. Cadaparcela foi identificada poruma letra (a, b, c, ...., k).

Relação agricultura/pecuária (em %)

Parcela

27/73

Uso da terra

35/65

Uso da terra

De 2 a 4 anos antesdo estudo

AAAAPAPF---

Durante o estudo

AAPAFFFA---

De 2 a 4 anos antesdo estudo

APAPPPPAAAF

Durante o estudo

PPPPAAAPPPF

abadefghijk

Figura 1. Distribuição espacial do uso da terra nas propriedades estudadas

SistemaIntegrado

A (agricutura), F (produção forrageira), P (pastagem).

Remédio (9.4 ha) La Sarita (47 ha)

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32 Agriculturas - v. 5 - no 3 - setembro de 2008

produtividade e a eficiência da produção. Os valores maisaltos da maioria dos indicadores agroecológicos foram obti-dos na propriedade Remedio, que adotou um sistema demanejo de menor escala e mais dinâmico em termos de rota-ções de cultivo e uso de fertilizantes orgânicos (Figura 2).

Manejo da fertilidade do solo

Ambas as propriedades adotaram práticas si-milares para a gestão dos nutrientes dos solos.

• Os bois, vacas, cavalos, ovelhas e cabras tiveram aces-so às parcelas ocupadas pela rotação pastagem/agri-cultura. Dessa forma, os solos dessas áreas eramestercados diretamente.

• Todo o esterco coletado nos currais e chiqueiros eracompostado para em seguida ser aplicado nas áreasde produção de forragens ou nos campos de cultivoantes da semeadura.

• Para evitar a compactação do solo, a aração era rea-lizada com uso combinado de tratores com bois.

• O emprego de rotações e policultivos permitia com-binar espécies com sistemas radiculares de tamanhosvariados e intercalar leguminosas com espécies maisextrativas de nutrientes dos solos.

• Para a alimentação animal eram aproveitados os re-síduos de cítricos de um centro de coleta próximo,

* Para realizar os cálculos dos índices de Margalef e Shannon, consulte Gliessman (2001), livro editado em português pela Univer-sidade Federal do Rio Grande do Sul. (n. do Ed.)** Em produtos comestíveis.

Figura 2. Análise dos indicadores agroecológicos nas duas propriedades estudadas.

Indicador agroecológico Unidade Melhor valor

Riqueza de espécies Índice Margalef* 7,5Diversidade da produção Índice Shannon* 2,4Índice de reflorestação Índice Shannon* 1,8Produção de leite (sistema) t ha–1 ano–1 1,7Produção de leite (área forrageira) t ha–1 ano–1 2,2Saídas energéticas** GJ ha–1 ano–1 22,8Saídas protéicas ** kg ha–1 ano–1 273,0Intensidade da força de trabalho hr ha–1 dia–1 1,1Insumos energéticos totais GJ ha–1 ano–1 6,1Custo energético (proteína produzida) MJ kg–1 40,0Eficiência energética GJ saída GJ–1 entrada 2,1Uso de fertilizantes orgânicos ton ha–1 ano–1 4,5Matéria orgânica do solo (SOM) % 5,8

Consórcio de milho com amendoim

Foto

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ores

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subprodutos de centros açucareiros e outros alimen-tos concentrados em menor quantidade. Esses insu-mos representaram, indiretamente, importantes fon-tes de nutrientes para o solo.

Os dados das análises dos solos das diferentesparcelas indicaram que os nutrientes reciclados pelos ani-mais e fixados por plantas leguminosas eram suficientes paracompensar a alta evasão de nutrientes dos sistemas uma vezque não foram observados sinais de queda na fertilidade.

A extração contínua de nutrientes e a diminui-ção da matéria orgânica nos solos foram apontadas naetapa 1 do estudo como um dos pontos críticos da pecuá-ria especializada na região. Os pecuaristas especializadosconsideraram também que a acumulação de esterco é umproblema. Seu uso em áreas de produção nas proprieda-des era limitado em função da baixa disponibilidade demão-de-obra.

Outras dificuldades práticas, como a falta deimplementos agrícolas para o preparo do solo e de outrosinsumos, bem como regulamentações sobre o uso da ter-ra, restringiram os cultivos em áreas especializadas empecuária. Entretanto, vale destacar que nas propriedadesestudadas a produção de leite por hectare foi mais de

duas vezes superior que nas propriedadesespecializadas (1,7 t/ha, referente à áreatotal da propriedade, e 2,2 t/ha, se consi-deramos somente a área destinada a pastose forragens), apesar de ter ocupado até35% das terras com cultivos.

Na verdade, constatou-se que a im-plantação de cultivos em áreas decriação de gado significou para ossolos (e para o sistema em geral)um incremento em eficiência e pro-dutividade. Isso foi possível graçasaos excelentes indicadores de soloque ambas as propriedades apresen-taram, sobretudo se levamos emconta a matéria orgânica como in-dicador de altos níveis de vida nosolo.

As reservas de carbono no solona propriedade Remédio foram de 89 t/ha nos seus primeiros 50 cm e 26 t/haentre 50 e 100 cm. A matéria orgânicaexcedeu 5% em todos os subsistemas,exceto naquele em que não houve rota-ção com a pecuária, onde foi de 4,8%,mesmo assim um índice considerado altopara esse tipo de solo. Esses valores apon-tam para uma redução do carbono dosolo de apenas 30% - 40% quando o soloé comparado com a sua condição naturalna região, o que representa uma perda

mínima de carbono em áreas de cultivo (Hernández etal., 2006). Além de contribuírem para a manutençãode níveis médios e altos de fósforo, potássio e de basestrocáveis, essa conservação da matéria orgânica foi mui-to favorável para a preservação da estrutura do solo.

Estratégias para um manejoadequado dos nutrientes

Entre as estratégias definidas pelos participan-tes do projeto, identificamos:• Incrementar a biodiversidade funcional do sistema.• Estabelecer um sistema de rotação de cultivos vi-

sando à manutenção de altos níveis de matéria orgâ-nica no solo.

• Promover estratégias para uma reciclagem de nutri-entes efetiva entre os subsistemas.

• Introduzir plantas leguminosas fixadoras de nitro-gênio atmosférico (anuais e perenes).

• Eliminar a exportação de esterco para evitar a perdade nutrientes do sistema.

Mapa de biorecursos e infraestruturas de La Sarita

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• Realizar a compostagem do esterco combinado comsobras da alimentação animal e resíduos da colheita.

• Utilizar espécies de adubos verdes como parte dossistemas de rotação e policultivos.

• Estabelecer um programa de monitoramento para rea-lizar uma análise dos indicadores da fertilidade do solo.

Considerações finais

Os sistemas integrados estudados podem ser to-mados como referência para implementar um manejo maissustentável do solo na região, assim como podem servir deguia para a conversão ecológica dos sistemas de produção.A metodologia desenvolvida permitiu identificar, a partir daconsulta aos atores locais, os pontos críticos que limitam aprodução agropecuária e o alcance dos objetivos para o de-senvolvimento dos sistemas integrados na região.

Os resultados deste estudo mostramque os sistemas que integram pecuáriae agricultura apresentam condiçõesfavoráveis para um manejo eficientedos recursos naturais, de maneira queé possível obter altos rendimentos como baixo uso de insumos e sem deterio-rar a fertilidade do solo. A inclusão docomponenete animal, combinado comum manejo adequado do esterco e oplantio de forragens que incorporaramaltos níveis de carbono no solo, contri-

buiu para manter a matéria orgânicado solo. Esse tipo de estudo pode apoi-ar processos locais de inovação visan-do ao desenvolvimento de estratégiase tecnologias para o manejo dos solos.

Fernando Funes MonzoteEstación Experimental de Pastos y

Forrajes “Indio Hatuey”, Universidade deMatanzas, Havana, Cuba

[email protected] Hernández

Instituto Nacional de Ciências Agrícolas (Inca),San José de Las Lajas, Havana, Cuba

[email protected] Rasiel Bello

Instituto de Investigaciones Porcinas delMinisterio de la Agricutlura,Punta Brava, Havana, Cuba

[email protected] Álvarez

Instituto de Investigaciones de Pastos y Forrajesdel Ministerio de la Agricultura, Bauta,

Havana, [email protected]

Agradecemos a Héctor, Hilda e família, aBernardo, Bernardito e família, que com paciência e inte-resse participaram deste estudo. Também agradecemos atodas as pessoas do município que colaboraram e partici-param do estudo, em especial a Wilfredo e família, Cari,Molina, Carlos e Camué.

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ral resource management for poor farmers inmarginal environments. Agriculture, Ecosystemsand Environment 93, 2002. p. 1-24.

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FUNES-MONZOTE, F. Farming like we’re hereto stay: The mixed farming alternative forCuba. 2008. Tese (Doutorado) – WageningenUniversity, Holanda.

HERNÁNDEZ, A. et al. Cambios globales de lossuelos Ferralíticos Rojos Lixiviados (Nitisolesródicos éutricos) de la provincia Habana. Cul-tivos Tropicales 27 (2), 2006. p. 41-50.

Mapa de biorecursos e infraestruturas de Remédio

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Agriculturas - v. 5 - no 3 - setembro de 2008 35

Falando de ciênciado solo com os agricultores

PabloTittonell, Michael Misiko e Isaac Ekise

ós pesquisadoresfreqüentementevisitamos proprie-

dades para extrair informações, co-letar medidas e amostras, mas de-pois partimos e muitas vezes não vol-tamos. Publicamos nossos resulta-dos para a comunidade científica, as-sumindo que o produto de nossapesquisa beneficiará os agricultorescom o decorrer do tempo. No en-tanto, os agricultores não costu-mam receber um retorno direto des-ses resultados.

Ao conduzir pesquisas de campo sobre nutrien-tes do solo na região Oeste do Quênia, percebemos queos agricultores apreciam bastante quando repassamos in-formações sobre nossos estudos. Decidimos então orga-nizar uma discussão com eles sobre processos básicos e,assim, ajudá-los a avaliar o uso de tecnologias, ao mesmotempo em que eles nos ajudaram a entender melhor comotomam suas decisões de manejo.

O contexto de nossa pesquisa

A pesquisa foi conduzida em sessenta proprie-dades em Emuhaya, região Oeste do Quênia, e teve comoobjetivo compreender melhor o balanço de nutrientes dosolo para aprimorar as estratégias de manejo integrado dafertilidade do solo (MIFS) (ver Quadro). O solo na pe-quena propriedade da África sub-Saariana tende a apre-sentar grande variação de qualidade. Principalmente emáreas densamente povoadas como o Oeste do Quênia, afertilidade do solo normalmente decai nas propriedades àmedida que se distancia do local de moradia. Esses pa-drões heterogêneos, conhecidos como gradientes de fer-tilidade do solo, resultam parcialmente da variabilidadedo tipo de solos na paisagem. São também conseqüênciadas decisões do agricultor sobre a alocação de fontes denutrientes (como estercos) e sobre onde melhor empre-

gar seu trabalho. Quando as fontes de nutrientes ou amão-de-obra são escassas, os agricultores tendem a con-centrar esses recursos nos campos e cultivos mais próxi-mos de suas moradas. Ao longo do tempo, esse padrão deuso dos recursos leva ao cenário típico observado nas di-ferentes áreas da África sub-Saariana: cultivos bem de-senvolvidos no entorno das casas ou nas aldeias e cultivosfalhados e de baixa produtividade nos terrenos mais dis-tantes. Visivelmente, os gradientes de fertilidade do solodevem ser levados em consideração ao se desenhar estra-tégias de MIFS.

Nossa coleta de dados incluiu o desenho demapas de fluxos de recursos (ver exemplo na Figura 1), ocálculo do balanço de nutrientes combinado à amostragemde solos dos diferentes campos das propriedades e o en-vio para análise em laboratório. Também observamos gran-des variações ao medir a produtividade do milho em dife-rentes áreas das propriedades. Percebemos que os agri-cultores tendiam a concentrar nos quintais os aportes deresíduos orgânicos. Muito freqüentemente, restos cultu-rais são também coletados em outras áreas e trazidos parapilhas de compostagem, onde são misturados com ester-cos para serem aplicados nos quintais antes dos próximosplantios. Em geral, os agricultores usam pouco fertilizan-te mineral, e aqueles que o fazem aplicam menos de 20kg/ha (número notavelmente baixo quando comparadoaos 200 kg/ha que são comuns na agricultura européia).

Os balanços parciais de nutrientes (entradas,como fertilizantes orgânicos e minerais, menos as saídas,com as colheitas e a remoção dos restos culturais) foramnegativos para a maioria dos campos de todos os agricul-tores. Os balanços mais negativos foram os calculadospara os campos próximos e a distâncias medianas das ca-sas. Apesar de essas serem as parcelas que recebem osmaiores aportes de nutrientes, são também as que maisproduzem e que, portanto, mais exportam nutrientes comas colheitas. Já os campos mais distantes, embora rece-bam menores entradas de nutrientes, também são os queapresentam baixa produtividade. Portanto, a retirada denutrientes deles é pequena. Ao longo de um gradiente dafertilidade do solo, as produtividades do milho variaramde quase 4 toneladas por hectare nas áreas próximas àmoradia das famílias para menos de 0,5 tonelada por hec-tare em campos mais distantes.

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O que é o manejo integrado da fertilidade do solo?

Tornando os resultados daspesquisas mais acessíveis

Os agricultores estavam interessados em conhe-cer os resultados das nossas análises, mas entregar nossosrelatórios com tabelas cheias de dados analíticos não fariamuito sentido. Assim, decidimos primeiro discutir com acomunidade alguns conceitos básicos sobre balanço de nu-trientes, disponibilidade dos nutrientes do solo e nutriçãode plantas. Organizamos uma oficina com 15 agricultores eagricultoras na Escola Agrícola de Campo de Emanyonyi,em Emuhaya. Em primeiro lugar, desenhamos em uma car-tolina uma propriedade típica do local. Os agricultores iden-tificaram a existência de gradientes de fertilidade do solo einclusive tinham nomes específicos para cada uma das áreasem suas propriedades, distinguindo-as entre quintais, áreaspróximas e de distância mediana, campos distantes, baixa-das e pastagens. Durante as primeiras visitas às proprieda-des, os agricultores classificaram suas áreas conforme avalia-vam sua fertilidade, usando sinais de +, – ou +/– no mapapara indicar áreas de alta, baixa ou média fertilidade do solo(ver Figura 2). Em seguida, relembramos toda nossa ativida-de de pesquisa em suas propriedades, tendo também emmãos os resultados das análises de solo. Fornecemos valoresde referência para os diferentes indicadores do solo (carbo-no orgânico, nitrogênio total, pH, etc.), correspondendo asolos pobres e férteis da região.

O MIFS é um enfoque de manejo intensivo em conhecimento e não em aportes de insumos. Temcomo objetivo elevar os níveis de produtividade e ao mesmo tempo conservar os recursos naturais. Paraisso, orienta-se para restaurar as reservas de nutrientes do solo, maximizar a reciclagem dos mesmos napropriedade, reduzir suas perdas para o ambiente, além de melhorar a eficiência agronômica dos aportesexternos. O MIFS faz uso tanto do conhecimento local, quanto do científico, e os integra em tecnologiasque permitem o desenvolvimento de sistemas sustentáveis de manejo dos recursos naturais. O diagramaapresenta o enfoque e as tecnologias empregadas.

Diagrama representando fluxos de nutrientesno sistema de produção

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Agriculturas - v. 5 - no 3 - setembro de 2008 37

Analogias úteis

Para tornar a discussão sobre nutrição de plantase indicadores de fertilidade dos solos mais acessível aos agri-cultores, usamos uma analogia simples, tendo como base osalimentos típicos consumidos naquela região. A refeição tí-pica inclui uma porção generosa de ugali (polenta de fubá demilho branco), uma porção um pouco menor de nyama (umpicadinho de carne, cozido ou frito) e uma porção aindamenor de sukuma wikii (repolho ou outro legume cozido).Comparamos os cultivos com o corpo humano, que necessi-ta de alimento para crescer e funcionar. Explicamos que osalimentos para os cultivos compreendem principalmente ni-trogênio (N), fósforo (P) e potássio (K), além de outrosnutrientes em menores proporções. Utilizamos termos lo-cais para cada um dos elementos e associamos N ao ugali, Pao nyama e K ao sukuma wikii. Nesse sentido, uma plantaviçosa e saudável precisa de uma grande quantidade de ugali(N), uma quantidade menor de nyama (P) e algum sukuma(K). Em relação ao potássio (K), por exemplo, esse pressu-posto funciona bastante bem para a realidade de Emuhaya,onde a deficiência do nutriente não é generalizada e apenasem alguns casos foi observada resposta à aplicação de ferti-lizantes potássicos. Explicamos ainda que, além do N, do Pe do K, as plantas precisam de outros macro e micronutrientes,que são para os vegetais o correspondente a sopas, molhos,sal e outros temperos que consumimos em nossas refeições.

Observando os relatórios, alguns dos partici-pantes perguntaram sobre o papel do carbono e do pHdo solo. Seguindo a linha das analogias, indicamos queo carbono do solo representa o prato onde a comida éservida. Assim, a quantidade de comida pode ser farta esuficiente para uma boa produção, mas se o prato forpequeno, pouca comida poderá ser servida (baixa dispo-nibilidade). Já o pH do solo foi comparado ao gosto dosalimentos. Baixo pH indica gosto ruim. Portanto, o ali-mento pode estar disponível, mas a planta não o absor-verá completamente se ele não for apetitoso.

Com base nessas analogias lançamos mão de doisexemplos dos resultados das análises de solo, usando valores

de referência para os solos locais, conforme havia sido forne-cido aos agricultores, junto com os resultados analíticos.Um dos exemplos foi uma amostra de solo com teores relati-vamente altos de potássio e carbono e baixos para nitrogê-nio e fósforo, representada por um desenho de um pratãocheio de sukuma e pouco nyama e ugali. O outro exemploapresentou teores baixos de carbono e nitrogênio, enquan-to que os de potássio eram próximos aos adequados e os defósforo estavam em excesso (o prato não era grande o sufici-ente para comportar todo o nyama). Perto do desenho deum prato com ugali, nyama e sukuma, colocamos gráficosde barras coloridas para representar esses indicadores de solo.Após desenhar os gráficos de barras repetidas vezes ao ladodas refeições, os agricultores acabaram se familiarizando coma representação gráfica, de forma que daí em diante apenasos gráficos foram utilizados. Contudo, continuamos usan-do a analogia, já que os agricultores davam boas risadas decertas imagens, como a de uma pessoa que se alimentavaexclusivamente de ugali e que engordava, mas ficava total-mente improdutiva.

Compreendendo asfontes de nutrientes

Nosso objetivo seguinte foi caracterizar as váriasfontes de nutrientes disponíveis aos agricultores com basenos conteúdos de cada uma. Quando pedimos que fossemlembradas as diferentes fontes de nutrientes que eles conhe-cem, os agricultores mencionaram primeiro os fertilizantesquímicos, depois os estercos e por último a adubação verdee as plantas leguminosas. Alguns dos agricultores aponta-ram que o principal problema em relação aos estercos é suabaixa disponibilidade na propriedade, que restringe a aduba-ção a apenas uma pequena parcela das terras. Já entre osagricultores que não mantinham os animais em currais, oesforço exigido para compostar, carregar e aplicar o aduboorgânico também foi citado como um limitante para o usodos estercos como fertilizante. Poucos agricultores, entre-tanto, pareciam estar cientes de que a qualidade do estercoé influenciada pela dieta dos animais, tema que estimulouvários debates no grupo.

Uma agricultora perguntou por que ela conse-guia maiores produções em certas áreas do que em outras,considerando que aplicava a mesma quantidade e tipo defertilizante em toda a propriedade. Ela também usou a mes-ma variedade de milho em todas as áreas, que foram semeadase capinadas ao mesmo tempo e plantadas no mesmoespaçamento. Além disso, ela não observou diferenças nascaracterísticas visualmente perceptíveis dos solos de sua pro-priedade, como textura, declividade e profundidade. Osdemais agricultores levantaram possibilidades para a varia-ção de produção na propriedade, tais como diferenças nosníveis de incidência de insetos-praga e doenças ou na formade dispor o adubo, talvez em função de ser aplicado por duaspessoas diferentes.

Perfil da paisagem com indicação dos camposde cultivo e suas qualidades

pontos deamostragem de solo

nomes locais para oscampos de cultivo

Rotuba sana: boa fertilidadeRotuba kadiri: média fertilidadeRotuba kidogo: baixa fertilidade

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38 Agriculturas - v. 5 - no 3 - setembro de 2008

Em seguida utilizamos os relatórios com as análi-ses de solo de sua propriedade e fizemos um desenho parailustrar a variabilidade por ela observada, usando novamentea analogia dos alimentos. Com base nesse diagrama, levan-tamos a hipótese de que ela provavelmente aplicou no pas-sado mais fontes de nutrientes em locais perto de sua casa.Ela confirmou. Esse passou a ser um exemplo muito útil, jáque as análises de solo claramente indicavam maiores teoresde N, P e K nas áreas mais próximas das moradias. Portanto,uma quantidade maior de nutrientes presentes no solo, so-mada àquelas aportadas pelos adubos, levou a maiores pro-duções próximo de onde ela morava.

Explicando o balanço de nutrientesA discussão sobre o conceito de balanço de nu-

trientes mostrou-se mais difícil. Começamos comparando-oao fluxo de caixa necessário para gerenciar uma loja: “Sequeremos ter lucro, nosso balanço deve ser positivo, o quesignifica que as receitas devem ser maiores que as despesas.”Explicamos que, embora seja praticamente impossível obterbalanços positivos em todos os campos de uma mesma pro-priedade, podemos ao menos evitar que sejam tão negati-vos. Os solos se degradarão se os balanços de nutrientesforem negativos por muito tempo. Foram também listadosas transferências de nutrientes entre os campos de produ-ção mais distantes e a moradia (alimentos consumidos pelafamília), bem como as saídas de nutrientes da propriedadescom a venda dos produtos. Os agricultores ficaram surpre-sos com a idéia de que os nutrientes são trazidos para osistema quando os animais criados em áreas coletivas sãorecolhidos à noite na propriedade. A discussão acabou comum sentimento geral de que o conceito do balanço de nutri-entes é muito abstrato e confuso para os agricultores: “En-tão, os balanços de nutrientes são mais negativos nas áreasonde conseguimos as melhores produções?!!...”

A ponte entre o conhecimentocientífico e o saber dos agricultores

Ao contrário das tecnologias que dependem pu-ramente de aportes externos, o enfoque do manejo integra-do da fertilidade do solo é intensivo em conhecimento. Demaneira geral, as estratégias de MIFS podem ser desenvolvi-das a partir do que os agricultores conhecem e de suas lógi-

cas. O conhecimento dos agricultores é, em grande me-dida, construído com base em suas experiências anterio-res, e sua capacidade adaptativa lhes permite manejar sis-temas extremamente complexos. Em locais como o Oes-te do Quênia, por exemplo, os agricultores têm conse-guido manter suas famílias em menos de 1 hectare. Ape-sar disso, princípios como estoque de nutrientes, perdasde nutrientes ou eficiência de absorção de nutrientes,que são centrais para o MIFS, são freqüentemente muitoabstratos. Mesmo o conceito de nutrientes é pouco fami-liar para muitos agricultores.

De qualquer forma, nossas discussões com osagricultores mostraram que eles apreciaram o contato dire-to com os pesquisadores, assim como o fato de serem capa-zes de acessar os resultados de suas pesquisas e de discutirassuntos tão complexos quanto a ciclagem de nutrientes.Eles demonstraram interesse em aprender mais a respeitodos processos que interferem na fertilidade dos solos e emparticular sobre como suas opções contribuem para aheterogeneidade dos solos.

A experiência aqui apresentada sugere que asestratégias de MIFS não criarão raízes nas comunidades ru-rais a menos que sejam empregadas práticas paralelas queempoderem os agricultores a fazer suas próprias escolhassobre a adoção e o uso de tecnologias. Especificamente emrelação ao problema da baixa fertilidade dos solos, as estra-tégias para disseminar o MIFS devem ir além das áreas de-monstrativas ou da simples comparação com outrastecnologias. Elas devem enfatizar a importância das discus-sões junto aos agricultores sobre os processos básicos quedeterminam a fertilidade dos solos.

PabloTittonell, Michael Misiko e Isaac EkiseTropical Soil Biology and Fertility Institute of the

International Centre forTropical Agriculture (TSBF CIAT)

[email protected]; [email protected];[email protected]

Pesquisador e agricultor trocando idéias sobre seusconhecimentos sobre solos.

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lo T

itton

el

Referências bibliográficas:MISIKO, M.. Fertile ground? Soil fertility

management and the African smallholder.Holanda, Wageningen University, 2007.

TITTONEL, P. Msimu wa Kupanda – Targetingresources for integrated soil fertility managementwithin diverse systems of East Africa. Holanda,Wageningen University, 2007.

VANLAUWE, B.; TITTONELL, P.; MUKALAMA,J. Within-farm soil fertility gradients affectresponse of maize to fertilizer application inwestern Kenya. Nutrient Cycling inAgroecosystems, 76: 171-182, 2006.

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Agriculturas - v. 5 - no 3 - setembro de 2008 39

Dra. Ana Maria Primavesi:a professora de todos nós

Manoel Baltasar Baptista da Costa

m fins dos anos70, se constituíana Associação

dos Engenheiros Agrônomos do Es-tado de São Paulo – AEASP o Gru-po de Estudos de Agricultura Alter-nativa (GAA), do qual participavamagrônomos, estudantes, físicos, ar-tistas, intelectuais, militantes domovimento ambientalista, dentremuitos outros simpatizantes.

Com o objetivo de buscar alternativas para omodelo agrícola dominante, o grupo se pautava pela crí-tica ao padrão tecnológico da Revolução Verde, que jánaquele momento, decorridas menos de duas décadas desua implementação no país, provocara sérios efeitos nega-tivos. Estudos comprovavam, entre outros dados alarman-

tes, elevados teores de resíduos de agrotóxicos (organo-clorados) no leite materno; acentuada degradação do solo(para cada quilo de soja exportada se perdiam dez quilos desolo com a erosão); e a destruição irreversível dos recursosnaturais (solo, flora e água) com a expansão da fronteiraagrícola e a mecanização intensiva.

Constatávamos dessa forma o grande equívo-co de o país adotar um padrão tecnológico capital-inten-sivo desenvolvido para atender aos interesses do comple-xo industrial petro-químico-mecânico que, com o fim daSegunda Guerra Mundial, ficara ocioso em função da per-da do mercado dos artefatos militares.

No entanto, naquela época praticamenteinexistia no Brasil a preocupação com a busca de alterna-tivas que pudessem minimizar ou superar os impactos eco-lógicos e sociais, até esse momento pouco diagnostica-dos, produzidos pelo padrão tecnológico em rápida ex-pansão. Diante desse contexto, o modelo técnico da Re-volução Verde era fomentado pelo Estado brasileiro semresistências organizadas por parte da sociedade civil.

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40 Agriculturas - v. 5 - no 3 - setembro de 2008

As informações que inicialmente subsidiavamo GAA vinham na maioria das vezes do exterior, onde seexpandiam os movimentos de agricultura alternativa: agri-cultura biológica na França; agricultura orgânica na In-glaterra e nos EUA; agricultura biodinâmica na Alema-nha e Suíça; agricultura natural no Japão; assim como aspráticas das comunidades rurais surgidas no bojo de mo-vimentos de contracultura.

Foi nesse contexto, por intermédio de DedBourbonnais, que tivemos o primeiro contato com a Dou-tora Ana Maria Primavesi. Ela havia se mudado recente-mente para São Paulo após ter se aposentado da Univer-sidade Federal de Santa Maria (RS), onde lecionara desdeque chegara ao Brasil procedente da Áustria.

Com sua simplicidade, competência e partici-pação ativa, a Dra. Primavesi rapidamente ganhou o res-peito e a admiração de todos que tiveram o imenso privi-légio de conviver por muitos anos com ela. Portadora deconceitos até então desconhecidos na orientação da pro-blemática do manejo e da conservação dos solos brasilei-ros, ela introduziu enfoques inovadores para abordar apedologia a partir de uma perspectiva ecológica. Até en-tão, o manejo da fertilidade dos solos era abordado deforma reducionista e compartimentada e centrava-se ba-sicamente nas práticas de mobilização intensiva do solo eno emprego de adubos sintéticos com elevada concen-tração e solubilidade de nutrientes, sobretudo o NPK (ni-

trogênio, fósforo e potássio). A Dra. Primavesi criticavaessa orientação restrita, dada a importância dosmicroelementos na eficiência produtiva e na sanidade ve-getal. Assinalava os prós e os contras das distintas formase fontes de nutrientes, sua eficiência e aproveitamentopelas plantas, sua ciclagem no ambiente, seus impactossobre a biologia do solo. Ao tratar desse assunto, alertavapara o fato de que a fertilidade do solo não poderia sercompreendida apenas por suas características químicas,já que é intrinsecamente ligada a fenômenos que tambémse relacionam às propriedades físicas e biológicas. Numaépoca em que a importância da dinâmica biológica dossolos era em larga medida ignorada pela pedologia con-vencional, ela enfatizou a relevância da biocenose1 na efi-ciência produtiva dos sistemas agrícolas nos trópicos ba-seados no manejo e na reciclagem da biomassa.

Do ponto de vista edáfico, a Dra. Primavesiapontava para as complexas relações entre o solo, a plantae o clima, sendo este último o determinante principal dascaracterísticas distróficas e de acidez que predominam nossolos tropicais. Com isso, chamava a atenção para a distin-ção entre as características climáticas das regiões mais friase as dos trópicos e subtrópicos, estes últimos marcadospor chuvas torrenciais com elevada energia cinética e umacelerado intemperismo resultante da maior disponibilida-de de energia térmica, radiante e hídrica durante boa partedo ano. Diante dessa constatação, sua principal orienta-ção é que o manejo dos solos tropicais se baseie em proces-sos vegetativos, e não nas práticas mecânicas.

Outra contribuição no plano conceitual deenorme importância veio do fato de ela ter alertado deque na natureza não existem ervas daninhas, mas sim plan-tas adventícias e invasoras que devem ser percebidas comoindicadores ecológicos de grande utilidade para a com-preensão do estado das qualidades físicas, químicas e bi-ológicas dos solos.

Em 1979, o GAA/AEASP teve a honra de pro-mover o lançamento de seu livro Manejo ecológico dosolo: a agricultura em regiões tropicais, obra-prima dapedologia brasileira que viria revolucionar os conceitosaté então dominantes no Brasil e na América Latina.

Decorridas mais de três décadas da expansãodo Movimento de Agricultura Alternativa, que evoluiupara o movimento da Agroecologia, podemos sem riscoafirmar que muito desse avanço foi possível graças às con-tribuições da Dra. Ana Maria Primavesi.

Manoel Baltasar Baptista da CostaProfessor de Agroecologia

Universidade Federal de São Carlos (Campus de Araras)[email protected]

1 Biocenose: relação de vida comum de organismos que vivem em um mesmo ambi-ente (nota do Editor).

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Agriculturas - v. 5 - no 3 - setembro de 2008 41

UPHOFF, N. et al.(Ed.). Biologicalapproaches tosustainable soilsystems.

CRC Taylor & Francis, BocaRaton, EEUU, 2006. 764 p.

É preciso insistir na importância central do solo, de seusagentes e processos para a vida sobre a Terra. Uphoff eseus colaboradores fazem isso de forma quase enciclopé-dica em uma obra com 50 artigos distribuídos em mais de750 páginas. Os autores ressaltam a complexidade dosestudos relacionados aos processos biológicos nos solos,muitas vezes ambígüos e sempre mais difíceis de avaliardo que os fenômenos físicos e químicos.

Por seu conteúdo atualizado, possivelmente este livronão poderia ter sido escrito há mais de dez anos. Foramgrandes os avanços no conhecimento sobre a vida no solonesse período, embora as universidades e as escolas téc-nicas continuem formando segundo uma perspectiva ci-entífica que esteriliza e desinfecta as amostras de solopara poder estudá-las sem interferências de contaminantes.

Após uma introdução que apresenta um panorama geraldo manejo dos solos em diferentes ecorregiões do plane-ta, a segunda parte enfoca os agentes e processos do solo,

Publicações

abordando temas como a energia no solo, as micorrizas, arizosfera, os fitohormônios, a alelopatia e a comunicaçãoentre a parte aérea e as raízes das plantas.

Na terceira parte, a mais extensa e com uma clara ênfasena agricultura dos trópicos, há capítulos dedicados a exem-plos práticos vindos de 28 países em que abrangem práti-cas de manejo integrado da fertilidade dos solos, manejoconservacionista, adubação verde, vermicompostagem,agrofloresta, plantio direto, sistemas intensivos de pro-dução de arroz, policulturas, etc…

Independente da origem geográfica da experiência, mui-tos temas são de grande relevância para o desenvolvi-mento de agroecossistemas mais sustentáveis. Algunsassuntos complementares são abordados na parte IV,como a revegetação de solos inertes, a produção comu-nitária de agentes de controle biológico e de biofertili-zantes.

Ao apresentar uma sólida compreensão científica sobrepráticas e fundamentos do manejo sadio dos solos, estapublicação está destinada a virar obra referencial para pes-quisadores, educadores e estudantes. Além disso, forne-ce informações e exemplos importantes para servir de guiapara a elaboração de materiais pedagógicos orientados aum público mais amplo.

Adaptação de resenha elaborada porRoberto Ugás – Universidade Nacional Agrária

La Molina (UNALM), Lima

Agriculturas na rede

A página eletrônica da Revista Agriculturas: experiên-cias em agroecologia disponibiliza em formato PDF to-das as edições anteriores. Os artigos poderão ser facil-mente encontrados por meio de um sistema de buscaamigável por título, por autor ou por palavras-chave. Os

usuários poderão também acessar as edições regionais eglobal das revistas Leisa publicadas em seus respectivosidiomas. Os interessados em receber trimestralmente aversão impressa da revista poderão se cadastrar na maladireta de subscritores por meio da página eletrônica

Acesse: www.agriculturas.leisa.info

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Agroecologia em Rede

os dois não passavam de dois malucos. A jovem ficouconfusa: “Não pode ser mentira! Eles pareciam falarde coração. Como podem ter me enganado?”

O tempo passou e a moça ficava ansiosapor uma nova oportunidade de visitar aquele sítioonde se sentiu tão bem. Bem que alguns colegas ti-nham duvidado ou se sentiram desconstruídos em suasverdades: “Onde já se viu, produzir sem adubos quí-micos ou orgânicos e ter plantações bonitas e saudá-veis?” Mas alguma coisa dentro de Soraia dizia queaquele casal estava sendo sincero. “Mas e a reposiçãode matéria orgânica?” Se bem que não capinavam,não havia erosão e tinham várias árvores e outras plan-tas em um belo consórcio com o cafezal. Ela se con-vencia da experiência, o problema era o tal mutirãoque pessoas de confiança afirmavam não existir.

Quando surgiu outra visita, Soraia mais quedepressa se inscreveu para tirar a história a limpo jun-tamente com seus colegas. E lá foram visitar a belapropriedade, onde foram recebidos com um saborosocafé da manhã e o carinho da família, que comunicava

Em um sítio moravam um senhor e sua es-posa (sr. Timóteo e dona Filomena) que trabalhavamem harmonia em sua propriedade que, cá pra nós, an-dava sempre bem cuidada. Jardins floridos, plantasmedicinais e outras plantas espalhadas pelos caminhosda roça. O tempo passava e todos os anos eram boascolheitas e fartura por todos os lados. Os vizinhosficavam se perguntando que mistério tinham aquelesdois. Vira e mexe tinha gente visitando a bonita pro-priedade e o casal com muito gosto recebia a todos econtava como cuidavam da terra e de tudo por ali.Sempre alguém perguntava: “O que faz esta proprie-dade ficar tão bonita e produtiva?” Eles sempre res-pondiam: “O segredo é o mutirão.”

Uma jovem estudante (Soraia) ficou pen-sando: “Parece que esse negócio de mutirão funcionamesmo”, e acabou comentando com alguém que mo-rava próximo da propriedade de Timóteo e Filomenasobre o trabalho de mutirão realizado naquele lugar.Soraia ficou surpresa com o relato dos vizinhos queafirmavam que ali não acontecia mutirão algum e que

O segredo é o mutirão

Foto

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Amauri e sua família

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com o coração. Soraia se coçava para fazer a perguntae desvendar o mistério do mutirão. A turma andoupor todo sítio e Timóteo explicava calmamente comotrabalhavam suas práticas agroecológicas.

Chegando à varanda, antes do almoço, reu-niram-se para uma amistosa conversa esclarecendo asdúvidas, que não eram poucas. Logo Soraia perguntoude forma educada: “Me desculpe, seu Timóteo, euvim aqui outra vez e o senhor disse que o segredo é omutirão. Tive a oportunidade de conversar com seusvizinhos e eles disseram nunca terem visto mutirão emsua propriedade.” Ele respirou profundamente e comserenidade respondeu: “É, minha filha, estou perce-bendo que vocês são inteligentes, mas prestam maisatenção no que ouvem e não percebem o que está nafrente dos seus olhos ou ao alcance dos olhos da alma,onde sentimos e sorvemos a beleza contida no misté-rio inefável das coisas ocultas na simplicidade que,para ver e sentir, temos que desfazer da nossa ditainteligência e nos vestir da sabedoria que mora nosseres simples e serenos.” Fez-se uma pausa. “Eu eFilomena trabalhamos em mutirão. Sempre trabalhamcom a gente uma multidão de seres, incansáveis com-panheiros: a amiga terra, o irmão sol, o singelo e afe-tuoso vento, a companheira chuva, as amigas formi-gas, o riso suave das micorrizas, que contêm glomalina

que absorve e tece tão magnífica rede, as bactérias, abeleza dos fungos, os líquens... Não esquecendo oencantamento dos colibris, a magia das borboletas, otrabalho incansável das abelhas, os tatus abrindo suasgalerias. Uma legião de microrganismos, companhei-ros do constante mutirão da vida, seres de luz, que atodo instante fertilizam e harmonizam o solo, resso-ando um solo que faz tocar a sinfonia da vida, entoan-do a música das esperas que embala a dança de Gaia.Por isso, digo e afirmo: o segredo é o mutirão. E quemnão tem olhos para reconhecer estes seres como com-panheiros de um grande mutirão está condenado aviver e trabalhar sozinho. Eu e Filomena somos ape-nas mais dois a compor essa complexa conexão, estarede solidária, pois, como disse o poeta, ‘Somos tãocheios de coisas, mas não nos damos conta de quesomos uma coisa só’. Somos apenas parte do todonesta honesta relação harmônica e sempre estamosredescobrindo o encantamento da vida, aprendendocom todos os seres a beleza da vida, em mutirão, ondena troca todos ganham.” Soraia e os outros enxuga-ram os olhos marejados e tiveram certeza de que oúnico caminho possível é o mutirão e de que trabalharcom Agroecologia é fortalecer a diversidade da vida.

Amauri Adolfo da Silva agricultor agroecológico de Espera Feliz-MG

Páginas na Internet

Nessa página do Serviço Nacional de Conservação dos RecursosNaturais do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos(correspondente ao nosso Ministério da Agricultura), encontra-mos excelentes fontes de informação para subsidiar o ensino so-bre biologia dos solos aplicada a ecossistemas agrícolas. Além deoferecer vasto conjunto de textos, imagens e outros materiaisdidáticos reunidos na coleção notas técnicas sobre biologia dosolo, a página disponibiliza para download o livro The soil biologyprimer, um excepcional suporte pedagógico para o ensino damatéria. O material está disponível unicamente em inglês.

www.soils.usda.gov/sqi/concepts/soil_biology/biology.html

Soil and Health Library (Biblioteca do solo e da saúde)

Essa página disponibiliza em formato eletrônico umavasta coleção de livros-texto clássicos relacionados àagricultura sustentável (agricultura holística na defini-ção dos gestores da página). A maioria das publica-ções pode ser baixada diretamente da página sem cus-tos. Cópias dos livros da biblioteca que não estãodigitalizados podem ser solicitadas por email medianteo pagamento de uma pequena taxa.

http://www.soilandhealth.org

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Divulgue suas experiências nas revistas Leisa

Convidamos pessoas e organizações do campo agroecológico brasileiro a divulgarem suas experiências na RevistaAgriculturas: experiências em agroecologia (edição brasileira da Leisa Global), na Leisa Latino-americana (editadano Peru) e na Leisa Global (editada na Holanda).

Chamada para v.6, n.1 (março de 2009)

No decorrer da história, as comunidadesrurais sempre buscaram transformar seus sistemasagrícolas de forma a adaptá-los às mudanças ambien-tais, econômicas ou sociais que as colocavam em ris-co. A falha nesses mecanismos de adaptação signifi-cou para muitas civilizações agrícolas do passado ainauguração de longos períodos de crise ou mesmo ocompleto colapso.

Atualmente existe um amplo consenso cien-tífico de que atravessamos um momento de mudan-ças climáticas globais que afetarão os padrões de chu-va e elevarão as temperaturas médias em todo o pla-neta. O fenômeno vem sendo apresentado como amaior ameaça para a humanidade e não há dúvidas deque serão as populações mais empobrecidas, sobretu-do as rurais, as que mais sofrerão os seus efeitos casomedidas efetivas de prevenção e de adaptação nãosejam implantadas.

Em algumas regiões as mudanças no climapoderão intensificar processos de degradação ambientale repercutir negativamente sobre a produção alimentar.Ironicamente, a agricultura é uma das atividades quemais contribui para o aquecimento global. O desma-tamento para a abertura de novas fronteiras agrícolas ea agricultura baseada nos padrões técnicos da Revolu-ção Verde fazem com que grandes quantidades de car-bono sejam lançadas na atmosfera. Além disso, a pro-dução dos insumos essenciais para a agricultura indus-trial emite grandes volumes de gases de efeito estufa.

Nesse contexto de impasse da civilizaçãoindustrial, o enfoque agroecológico pode exercer papeldeterminante como guia orientador de processos deadaptação dos sistemas agrícolas com vistas à redu-

ção das iminentes ameaças das mudanças climáticas glo-bais. Isso por duas razões principais. Em primeiro lugar,porque fornece diretrizes para o desenvolvimento deagroecossistemas que possuem maior capacidade de fixare reter carbono atmosférico e que economizam ao extremoinsumos e energia derivados de recursos fósseis e finitos.Experiências de sistemas agroecológicos nos vários biomasbrasileiros podem ser sistematizadas à luz dessa perspec-tiva de análise, sobretudo quando são comparadas com ossistemas convencionais existentes numa mesma região.O segundo motivo é porque a diversidade produtiva dossistemas agroecológicos lhes conferem importantes me-canismos para a convivência com as variações do climaque tenderão a se tornar mais acentuadas e imprevisíveis.De fato, já são inúmeras as evidências de que famílias ecomunidades que mantêm seus sistemas produtivos fun-damentados nos princípios da Agroecologia têm conse-guido conviver melhor com as incertezas e com os extre-mos climáticos – representados pelo excesso de chuvas, desecas, de ventos, de frio e de calor, quando são compara-das com seus vizinhos convencionais.

Como as mudanças no clima vêm sendo per-cebidas nas comunidades rurais? Como elas vêm lidandocom os aumentos da incerteza climática e dos estressesambientais? Que estratégias de adaptação já podem servisualizadas? Questões como essas estarão no centro deatenção da edição V.6, N.1 da revista Agriculturas quepublicará artigos que retratam experiências demonstrati-vas das possíveis contribuições da Agroecologia para amitigação das mudanças climáticas e de seus efeitos.

Data-limite para envio de artigos:15 de fevereiro de 2009

Instruções para elaboração de artigosOs artigos deverão descrever e analisar experiências con-cretas, procurando extrair ensinamentos que sirvam de ins-piração para grupos envolvidos com a promoção daAgroecologia. Os artigos devem ter até seis laudas de 2.100toques (30 linhas x 70 toques por linha). Os textos devem

vir acompanhados de duas ou três ilustrações (fotos, dese-nhos, gráficos), com a indicação dos seus autores e respec-tivas legendas. Os(as) autores(as) devem informar dadospara facilitar o contato de pessoas interessadas na experi-ência. Envie para [email protected].

Acesse: www.agriculturas.leisa.info

Agricultura no contexto das mudanças climáticas globais