Luís Pedro Gomes Correia Diasrepositorium.sdum.uminho.pt › bitstream › 1822 › 30217 › 1 ›...
Transcript of Luís Pedro Gomes Correia Diasrepositorium.sdum.uminho.pt › bitstream › 1822 › 30217 › 1 ›...
outubro de 2013
Luís Pedro Gomes Correia Dias
UM
inho
|201
3Lu
ís P
edro
Gom
es C
orre
ia D
ias
Universidade do MinhoInstituto de Educação
O Perfil do Assistente Social em IntervençãoPrecoce: Perspetivas profissionais em modelos colaborativos interdisciplinares etransdisciplinares
O P
erf
il d
o A
ssis
ten
te S
oci
al e
m I
nte
rve
nçã
o P
reco
ce:
Pe
rsp
eti
vas
pro
fiss
ion
ais
em
mo
de
losc
ola
bo
rati
vos
inte
rdis
cip
lina
res
etr
an
sdis
cip
lina
res
Dissertação de Mestrado
Área de Especialização em Intervenção PrecoceMestrado em Educação Especial
Trabalho realizado sob a orientação da
Professora Doutora Ana Maria Serrano
Universidade do MinhoInstituto de Educação
outubro de 2013
Luís Pedro Gomes Correia Dias
O Perfil do Assistente Social em IntervençãoPrecoce: Perspetivas profissionais em modelos colaborativos interdisciplinares etransdisciplinares
iii
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos os profissionais que colaboraram no presente projeto, cedendo voluntariamente
o seu tempo na partilha das suas práticas, muitas vezes abordando questões sensíveis inerentes
à sua realidade de intervenção.
À Professora Doutora Ana Serrano pela orientação e apoio durante todo o percurso de formação e
investigação, sem o qual não teria sido possível a concretização deste estudo.
À APCB – Associação de Paralisia Cerebral de Braga, seus dirigentes e profissionais pelas
aprendizagens diárias e pela disponibilidade e flexibilidade evidenciada em todos os momentos.
À ELI Braga Saudável pela partilha de conhecimentos e experiências.
Aos meus pais e a toda a minha família pelo apoio incondicional sempre demonstrado.
À Joana pelo exemplo de dedicação e por nunca deixar apagar a luz que ilumina a escuridão.
v
RESUMO
A presente dissertação “O perfil do assistente social em Intervenção Precoce: perspetivas
profissionais em modelos colaborativos interdisciplinares e transdisciplinares” pretende analisar
as funções e competências do assistente social em Intervenção Precoce (IP) à luz do modelo
colaborativo de equipa em que se encontra inserido: interdisciplinar ou transdisciplinar.
No contexto português o enquadramento legal da participação dos assistentes sociais em serviços
de IP começou por ser enfatizado através do Despacho Conjunto n.º 891/99 que salientou a
importância da integração do assistente social como membro das equipas multidisciplinares dos
serviços de IP. Esta situação promoveu a integração do assistente social com outros profissionais
em equipas nos serviços de IP, realçando a importância da cultura colaborativa de equipa
subjacente ao conceito de IP.
Segundo os dados da investigação, o paradigma de intervenção recomendado em IP parte da
compreensão do desenvolvimento infantil de uma perspetiva cada vez mais holística, fomentando
a ação dos profissionais de IP com base no modelo de equipa transdisciplinar (Serrano, 2007).
Situação para a qual, os assistentes sociais pela história da sua profissão já apresentavam várias
características que facilitam a integração em serviços de IP (Robertis, 2011; Weber, 2011).
Este estudo tem como objetivo analisar o papel dos assistentes sociais em serviços de IP cuja
intervenção em equipa se baseie em abordagens transdisciplinares e interdisciplinares, de modo
a compreender as competências do assistente social nos serviços de IP, perspetivando o seu
contributo nestas tipologias de modelo de equipa, de modo a identificar eventuais simetrias e
dissemelhanças no perfil do profissional de serviço social de acordo com o modelo de equipa em
que se encontra inserido. O estudo empírico desta investigação incidiu numa abordagem
qualitativa, através da recolha de dados com base no inquérito por entrevista a dois assistentes
sociais, dois psicólogos e dois terapeutas, sendo que em cada grupo profissional um dos
participantes se encontra inserido num serviço de IP a operar com base no modelo transdisciplinar
e outro a operar com base no modelo interdisciplinar.
Os resultados empíricos apresentados demonstram que os contextos influenciam o perfil do
assistente social, sendo que das duas abordagens em IP (transdisciplinar e interdisciplinar)
emergem dois perfis de assistente social.
Palavras-Chave: Serviço Social; Intervenção Precoce; Modelo Transdisciplinar; Modelo
Interdisciplinar.
vii
ABSTRACT
"The profile of the social worker in Early Intervention: Professional perspectives in interdisciplinary
and transdisciplinary collaborative models" is a study that aims to analyze the role and
characteristics of the social worker in Early Intervention (EI) depending on the type collaborative
team (interdisciplinary or transdisciplinary) in which he or she is included.
In the Portuguese legal framework the participation of social workers in EI services was emphasized
by the Despacho Conjunto number 891/99, which stressed the importance of including social
workers as members of multidisciplinary teams of EI services. This fact promoted the integration
of the social worker in teams with other professionals in EI services, underlining the importance of
a collaborative culture of teamwork behind the concept of EI.
According to the research data the recommended practices in EI emphasize the understanding of
child development from a holistic perspective, which promotes the intervention based on the
transdisciplinary model (Serrano, 2007). For this situation social workers already possess, through
the history of their profession, several features that facilitate the integration on EI services (Robertis,
2011; Weber, 2011).
This study aims to analyze the role of social workers in EI services based on interdisciplinary and
transdisciplinary team approaches in order to understand the skills of the social worker in EI
services, presenting their contribution in these team models in order to identify possible
symmetries and dissimilarities in the profile of the social worker according to the team model in
which he or she is integrated. The empirical study of this research focused on a qualitative
approach, collecting data based on interviews with two social workers, two psychologists and two
therapists, and in each professional group one of the participants works in a transdisciplinary team
and the other works in an interdisciplinary service.
The empirical results demonstrate that contexts influence the profile of the social worker and that
from the two approaches in EI (interdisciplinary and transdisciplinary) two profiles emerge for the
social worker.
Key words: Social Work; Early Intervention; Transdisciplinary model; Interdisciplinary model.
ix
ÍNDICE
Agradecimentos ...................................................................................................................... iii
Resumo ................................................................................................................................. v
Abstract ................................................................................................................................ vii
Introdução ............................................................................................................................ 15
Problema de investigação...................................................................................................... 19
Capítulo I – Serviço Social ..................................................................................................... 21
1. Génese e emergência da profissão ...................................................................................... 21
1.1. Das Poor Laws Inglesas ao movimento dos settlements ................................................... 22
1.2. O contributo de Mary Richmond para o Serviço Social ...................................................... 28
1.3. Jane Addams e o Hull House Settlement de Chicago ........................................................ 29
1.4. O Serviço Social em Portugal: dos movimentos higienistas à emergência do Serviço Social
português ............................................................................................................................... 31
1.5. Construção e desenvolvimento da identidade profissional no Serviço Social português ...... 39
2. O Serviço Social na sociedade contemporânea .................................................................... 44
2.1. Definição de Serviço Social .............................................................................................. 44
2.1.1. Críticas e desenvolvimentos da definição ...................................................................... 46
2.1.2. Da definição à prática dos assistentes sociais ............................................................... 47
2.1.3. Abordagem tripartida na prática do Serviço Social contemporâneo ................................ 52
2.2. O perfil do Serviço Social na sociedade contemporânea ................................................... 55
2.3. O perfil do Técnico Superior de Serviço Social vs. O perfil do Assistente Social ................. 59
2.4. Perfil do assistente social para o século XXI ..................................................................... 62
2.5. As funções do assistente social ........................................................................................ 66
2.5.1. Especificidades e tipos de funções reconhecidos pelos profissionais .............................. 66
2.5.1.1. Funções relacionais ................................................................................................... 68
2.5.1.2. Funções de acompanhamento ................................................................................... 68
2.5.1.3. Funções assistenciais ................................................................................................ 69
2.5.1.4. Funções políticas ....................................................................................................... 69
2.5.1.5. Funções técnico-operativas e de reflexão .................................................................... 69
2.5.2. Funções compartilhadas e funções específicas ............................................................. 70
2.5.2.1. Gestão de casos em Serviço Social ............................................................................ 72
Capítulo II – Intervenção Precoce .......................................................................................... 79
x
1. Construção e desenvolvimento das perspetivas atuais sobre Intervenção Precoce ................ 79
1.1. Uma abordagem holística ao desenvolvimento humano.................................................... 80
1.2. Modelo Transacional de Desenvolvimento (Sameroff & Chandler, 1975) ........................... 82
1.3. Modelo de Ecologia do Desenvolvimento Humano (Bronfenbrenner, 1979) ....................... 85
2. A Família no centro da abordagem em Intervenção Precoce ................................................ 87
2.1. Abordagem Centrada na Família ...................................................................................... 87
2.2. Modelo de Apoio Social de Dunst e sua evolução ............................................................. 90
2.3. Práticas Contextualmente Mediadas em Intervenção Precoce ........................................... 93
2.4. Modelo de Desenvolvimento Sistémico em Intervenção Precoce ....................................... 95
2.5. Evolução do enquadramento legal da Intervenção Precoce em Portugal............................ 99
3. Modelos de Prestação de Serviços em Intervenção Precoce .............................................. 102
3.1. Abordagem Multidisciplinar ............................................................................................ 102
3.2. Abordagem Interdisciplinar ............................................................................................ 103
3.3. Abordagem Transdisciplinar ........................................................................................... 103
3.3.1. Avaliação em arena .................................................................................................... 105
3.3.2. Interação contínua e prolongada dos elementos da equipa .......................................... 105
3.3.3. Libertação do papel .................................................................................................... 106
3.4. A figura do mediador de caso ........................................................................................ 107
4. O papel do Assistente Social em Intervenção Precoce ....................................................... 109
4.1. Perspetiva evolutiva da presença do assistente social nos serviços de IP ........................ 110
4.2. Abordagens tradicionais ................................................................................................. 113
4.1.1. Avaliação ecológica .................................................................................................... 115
4.2. Abordagens específicas para a Intervenção Precoce ....................................................... 118
Capítulo III – Metodologia da Investigação ............................................................................ 121
1. Natureza de investigação e opções metodológicas ............................................................. 121
2. Procedimentos de recolha de dados ................................................................................. 121
2.1. Técnicas e instrumentos de recolha de dados ................................................................ 122
2.1.1. Entrevistas ................................................................................................................. 122
2.1.2. Amostra ..................................................................................................................... 123
3. Procedimentos de tratamento de dados ............................................................................ 124
4. Questões éticas de investigação ........................................................................................ 125
5. Limitações metodológicas ................................................................................................. 126
xi
Capítulo IV - Apresentação e Análise dos Dados ................................................................... 127
1. Sistema de categorização dos resultados .......................................................................... 127
2. Modelo de Intervenção do serviço de IP ............................................................................ 132
3. Organização do serviço de IP ............................................................................................ 148
4. O papel do assistente social em IP .................................................................................... 157
5. Perfis do assistente social em IP: abordagens interdisciplinares e transdisciplinares .......... 170
Conclusões......................................................................................................................... 173
Referências Bibliográficas.................................................................................................... 177
Referências Legislativas ...................................................................................................... 186
Anexos ............................................................................................................................... 187
Anexo 1 – Guião de Entrevista ............................................................................................. 189
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro 1 - Serviço Social clássico vs. Serviço Social alternativo (Amaro, 2012, p.104) ............ 38
Quadro 2 - Construções Históricas de Identidade Profissional (adaptado de Santos, 2009) ...... 40
Quadro 3 - Desenvolvimento da intervenção do Serviço Social português (adaptado de Ferreira,
2011) ..................................................................................................................................... 50
Quadro 4 - Novas áreas de intervenção do Serviço Social (adaptado de Amaro, 2012) ............. 64
Quadro 5 - Funções e tarefas dos assistentes sociais (Ander-Egg, 1995b) ................................ 70
Quadro 6 - Princípios da Gestão de Casos e Funções atribuídas ao Gestor de Caso (adaptado de
Almeida, 2013) ...................................................................................................................... 73
Quadro 7 - Princípios para Gestão de Casos em Serviço Social (adaptado de NASW, 2013) ..... 75
Quadro 8 - Princípios Centrados na Família para servir as famílias (Brotherson et al., 2008) .... 88
Quadro 9 - Principais práticas da Abordagem Centrada na Família (Dunst, 1997) .................... 89
Quadro 10 - Diplomas legais no âmbito da educação especial (adaptado de Martins, 2000) .. 100
Quadro 11 - Áreas profissionais generalistas e especialistas nos serviços de Intervenção Precoce
(adaptado de McWilliam, 2010) ............................................................................................ 109
Quadro 12 - Caracterização geral dos participantes ............................................................... 124
Quadro 13 - Indicadores da categoria Modelo de Intervenção do serviço de IP ....................... 129
Quadro 14 - Indicadores da categoria Organização do serviço de IP ....................................... 130
Quadro 15 - Indicadores da categoria O papel do assistente social em IP .............................. 131
Quadro 16 - Abordagem interdisciplinar e transdisciplinar ..................................................... 134
xii
Quadro 17 - Práticas centradas na família ............................................................................. 135
Quadro 18 - Intervenção em contextos .................................................................................. 137
Quadro 19 - Avaliação em IP ................................................................................................. 140
Quadro 20 - Plano de intervenção ......................................................................................... 142
Quadro 21 - Figura do mediador de caso .............................................................................. 144
Quadro 22 - Intervenção baseada na investigação ................................................................. 145
Quadro 23 - Articulação com outros serviços ......................................................................... 147
Quadro 24 - Regulamentos ................................................................................................... 149
Quadro 25 - Procedimentos organizacionais .......................................................................... 151
Quadro 26 - Objetivos de intervenção quantificáveis .............................................................. 154
Quadro 27 - Produtividade e eficiência .................................................................................. 156
Quadro 28 - O assistente social na equipa de IP .................................................................... 158
Quadro 29 - Importância do Serviço Social na IP ................................................................... 160
Quadro 30 - Principais áreas de intervenção ......................................................................... 162
Quadro 31 - Partilha de competências .................................................................................. 164
Quadro 32 - Papel do assistente social na avaliação .............................................................. 165
Quadro 33 - Formação de base para trabalhar em IP ............................................................ 168
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 – Definição de Serviço Social (Hare, 2004) ................................................................ 46
Figura 2 - Correntes de influência no Serviço Social (adaptado de Weber, 2011) ...................... 49
Figura 3 - As três abordagens do Serviço Social (adaptado de Payne, 2006) ............................ 54
Figura 4 - Perfil científico-burocrático: Técnico Superior de Serviço Social (Amaro, 2012, p.127)
.............................................................................................................................................. 60
Figura 5 - Perfil científico-humanista: Assistente Social (Amaro, 2012, p.128) .......................... 60
Figura 6 - Projeto societário do Serviço Social – elementos constitutivos (Amaro, 2012, p.189) 64
Figura 7 - Especificidades do Serviço Social (Amaro, 2012, p.144) .......................................... 67
Figura 8 - Tipos de funções dos assistentes sociais (adaptado de Amaro, 2012) ...................... 68
Figura 9 - O processo de gestão de casos (adaptado de Almeida, 2013) .................................. 78
Figura 10 - Regulações do desenvolvimento através das transações entre o comportamento do
progenitor e da criança (adaptado de Sameroff & Fiese, 2000) ................................................ 83
xiii
Figura 11 - Processo transacional que parte de expectativas de maus relacionamentos por parte
dos progenitores para problemas de comportamento da criança (Sameroff & Fiese, 2000, p.147)
.............................................................................................................................................. 83
Figura 12 - Mesótipo, fenótipo e genótipo como constitutivos mútuos do desenvolvimento individual
(Sameroff, 2009, p.15) ........................................................................................................... 84
Figura 13 - Os 3 Rs da intervenção precoce à luz do modelo transacional (Sameroff & Fiese, 2000,
p.150) .................................................................................................................................... 85
Figura 14 - Modelo da Ecologia do Desenvolvimento Humano (adaptado de Bronfenbrenner, 1979)
.............................................................................................................................................. 86
Figura 15 - Modelo de Apoio Social (adaptado de Dunst, 2000, p.99) ...................................... 91
Figura 16 - Modelo dos Sistemas Familiares (adaptado de Dunst, 2000, p.100) ...................... 92
Figura 17 - Principais componentes de um modelo de intervenção precoce e apoio familiar
integrado baseado na evidência (adaptado de Dunst, 2000, p.101) ......................................... 93
Figura 18 - Componentes principais do modelo das Práticas Contextualmente Mediadas para
fornecer às crianças pequenas oportunidades de aprendizagem baseadas em interesses (Dunst et
al., 2010, p.77) ...................................................................................................................... 94
Figura 19 - Contextos de atividades quotidianas como oportunidades de aprendizagem em meio
natural baseadas nos interesses da criança e fomentadoras de competências (Dunst et al., 2010,
p.83) ...................................................................................................................................... 95
Figura 20 - Os três níveis do Modelo de Desenvolvimento Sistémico, ilustrando as suas inter-
relações e influências recíprocas, incluindo os efeitos dos fatores de stress no sistema (Guralnick
2011, p.8) .............................................................................................................................. 96
Figura 21 - Modelo de Desenvolvimento Sistémico para Intervenção Precoce (adaptado de
Guralnick, 2005) .................................................................................................................... 97
Figura 22 - Aspetos do processo de libertação do papel (adaptado de King et al., 2009) ........ 107
Figura 23 - Genograma Familiar Intergeracional .................................................................... 116
Figura 24 - Ecomapa de uma família ..................................................................................... 118
Figura 25 - Sistema de categorias e subcategorias ................................................................ 128
Figura 26 - Dimensões da intervenção do assistente social (adaptado de Payne, 2006) ......... 167
Figura 27 - Perfil do assistente social transdisciplinar ............................................................ 171
Figura 28 - Perfil do assistente social interdisciplinar ............................................................. 172
15
INTRODUÇÃO
O século XX constituiu-se como o século dos direitos das crianças, tendo esse paradigma
conhecido um desenvolvimento contínuo ao longo desse período. Desde a Convenção de Genebra
de 1924, passando pela Declaração dos Direitos da Criança de 1959, o estatuto da criança na
sociedade foi sofrendo alterações e a sua condição de maior vulnerabilidade foi conhecendo uma
consensualização mais vasta. Em 1989, a Convenção dos Direitos da Criança que veio enfatizar
a criança enquanto sujeito de direitos e não somente como beneficiária da assistência do outro,
que os anteriores tratados haviam suscitado (Almeida & Fernandes, 2010). Focando
especificamente as crianças com atrasos ou alterações de desenvolvimento, o princípio 5º da
Declaração dos Direitos da Criança já salientava que “a criança mental e fisicamente deficiente ou
que sofra de alguma diminuição social, deve beneficiar de tratamento, da educação e dos cuidados
especiais requeridos pela sua particular condição”. Mais tarde, a Convenção dos Direitos da
Criança, no artigo 23º, foi mais a fundo nesta questão salientando que a criança com deficiência
tem direito a condições especiais de cuidados, nomeadamente ao nível da educação e formação,
no sentido do seu desenvolvimento pleno, em condições dignas e decentes, potenciando ao
máximo a sua autonomia, participação e integração social. O mesmo artigo refere que os estados
deverão partilhar entre si conhecimentos que proporcionem o desenvolvimento dos cuidados
prestados a estas crianças, sendo que, sempre que possível, os mesmos sejam proporcionados
de forma gratuita. Portugal, em concordância com a Convenção dos Direitos da Criança, vem
reconhecendo a necessidade da sociedade se debruçar sobre as características especiais das
crianças com deficiência, criando condições para que estas se desenvolvam de forma harmoniosa
e consonante com os seus direitos. É neste enquadramento de direitos fundamentais da criança
que surge a relevância da Intervenção Precoce (IP). Com efeito, a missão da IP é proporcionar
bem-estar e prosperidade às crianças com atraso ou alterações de desenvolvimento e às suas
famílias (Shonkoff & Meisels, 2000).
Do ponto de vista prático, a aplicação destas intenções vai obedecendo a critérios e princípios de
intervenção que se vão transformando no sentido de ir ao encontro dos avanços da investigação
científica na área do desenvolvimento infantil. Pensando esta questão no enquadramento do ponto
4 do artigo 23º da Convenção dos Direitos da Criança, que preconiza a promoção da “(…) troca
de informações pertinentes no domínio dos cuidados preventivos de saúde e do tratamento
médico, psicológico e funcional das crianças deficientes, incluindo a difusão de informações
16
respeitantes aos métodos de reabilitação” verificamos que os serviços de IP vão sentido a
necessidade de evoluírem tecnicamente, de forma a disponibilizar um serviço que respeite os
legítimos direitos das crianças com deficiência, exigindo dos seus profissionais uma constante
atualização, no sentido do reforço de competências e adoção de intervenções cada vez mais
concordantes com os dados evidenciados pela investigação. A investigação dos anos mais
recentes, nomeadamente no âmbito da neurociência, vem salientando aspetos determinantes
como a neuroplasticidade, bem como a ênfase na existência de períodos críticos para o
desenvolvimento em diversas áreas (cognitivo, linguagem e socio-emocional), que vêm aportando
dados determinantes que podem induzir alterações aos serviços que prestam cuidados a bebés e
crianças na primeira infância. Estes dados demonstraram que o cérebro tem a capacidade de
reorganizar as suas estruturas e funções, em resposta a eventos específicos ou perturbações,
através das características genéticas e das experiências precoces vivenciadas pelas crianças com
o meio ambiente a que pertencem. A neuroplasticidade é uma característica que vai diminuindo
de forma abrupta após a primeira infância, pelo que a as experiências precoces constituem a base
das futuras aprendizagens, comportamentos e saúde. A título de exemplo, a investigação
demonstrou que o nível de sinapses ocorrentes no cérebro de um ser humano na área cerebral
relacionada com a linguagem recetiva (área de Broca) conhece o seu pico cerca dos 8 meses de
idade, e vai descendo abruptamente ao longo dos primeiros anos de vida, até que por cerca dos
5 anos de idade já desce ao nível de sinapses de um adulto e assim se manterá no restante tempo
de vida. Desta forma, experiências precoces positivas irão potenciar o seu desenvolvimento, ao
passo que experiências precoces pobres, como negligência, maus-tratos, stress, medo e
ansiedade, irão colocar seriamente em causa o seu futuro (Center on the Developing Child at
Harvard University, 2011; National Scientific Council on the Developing Child, 2005, 2010a,
2010b, 2012; Shonkoff & Phillips, 2000).
Estes novos conhecimentos vieram corroborar e reforçar os dados anteriormente disponibilizados
pela investigação no âmbito das ciências humanas e do comportamento. Autores como Gesell,
Watson, Bowlby, Piaget e Vygostsky já haviam enfatizado a questão da interação das crianças com
os cuidadores primários e o meio envolvente, como um aspeto determinante e central para o seu
desenvolvimento. Nos dias de hoje, o paradigma de intervenção dos serviços de IP centra-se nestes
contributos, realçando a necessidade dos serviços se orientarem no sentido da capacitação, quer
dos cuidadores primários das crianças, quer dos contextos de vida em que se encontram inseridas,
porque são estes que providenciam as experiências e as oportunidades de aprendizagem fulcrais
17
para o desenvolvimento infantil das crianças com atraso ou alterações no seu desenvolvimento
(Bruder, 2010a; Correia & Serrano, 2000; Dunst, 1997, 2000, 2007; Guralnick, 2001, 2011;
McWilliam, 2010; Pimentel, 2005; Serrano, 2007; Shonkoff & Meisels, 2000; Shonkoff & Phillips,
2000; Slee, Campbell & Spears, 2012).
Em Portugal, o desenvolvimento dos serviços de IP vem conhecendo uma história relativamente
recente, com os primeiros projetos a serem desenvolvidos nos anos 80, destacando-se a
implementação do Modelo Portage para pais pela Direção de Serviços de Orientação e Intervenção
Psicológica (DESOIP) e em 1989 o Projeto Integrado de Intervenção Precoce do Distrito de
Coimbra (PIIP). Nos dias de hoje, a legislação portuguesa reconhece a especificidade da IP, com
a primeira publicação a reportar o ano de 1999 com o Despacho Conjunto 891/99, de 19 de
outubro e, posteriormente, a criação em 2009 do Sistema Nacional de Intervenção Precoce na
Infância (SNIPI) com o Decreto-Lei n.º 281/2009, de 6 de outubro, recentemente reforçado
através da Portaria n.º 293/2013, de 26 de setembro, que instituiu o Programa de Apoio e
Qualificação do Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância (PAQSNIPI). Este
investimento na IP atesta a orientação da sociedade para a importância de intervir precocemente
com as crianças em situações de risco e perigo de desenvolvimento, seja por questões biológicas
ou ambientais, no sentido de construir as bases para um projeto social mais próspero para o
futuro.
As alterações paradigmáticas e legislativas trazem mudanças também para a prática e para a
intervenção desenvolvida pelos profissionais de IP, com implicações nas suas técnicas específicas
de intervenção e na estrutura das equipas de IP. Desta forma, o estudo desenvolvido na presente
dissertação foca-se na realidade de dois modelos de intervenção de equipas de IP: o modelo
interdisciplinar e o modelo transdisciplinar. Pelo que os profissionais que colaboram com o estudo
encontram-se inseridos num dos modelos em questão. Pretende-se contribuir com o presente
estudo para a construção do perfil de atribuições e competências do assistente social enquanto
profissional de IP e conhecer a sua forma de atuação em modelos de trabalho de equipa de IP
distintos.
Deste modo, a presente investigação estrutura-se em quatro capítulos, sendo que o capítulo I
“Serviço Social” pretende dar a conhecer o contexto no qual surgiu a profissão de assistente social
até ao desenvolvimento da construção de identidade no contexto português, de modo a possibilitar
uma análise aprofundada sobre as funções e competências do profissional. Através de um
percurso histórico, o assistente social demonstrou competências que se foram transformando à
18
medida que o contexto se alterou. Como tal, é pertinente compreender quais as funções que estão
inerentes ao assistente social, promovendo o questionamento sobre o seu significado em equipas
interdisciplinares e transdisciplinares.
No capítulo II “Intervenção Precoce” propõe-se uma abordagem às teorias que estão subjacentes
à IP. Para tal exploram-se questões relacionadas com o desenvolvimento humano, dando depois
lugar aos modelos de prestação de serviços em IP, de modo a compreender o papel do assistente
social nestes serviços, procurando apresentar as recomendações existentes para a IP, bem como
os papéis previstos na literatura para o assistente social em contextos de IP.
O capítulo III “Metodologia” contextualiza teoricamente as opções e justificações metodológicas
assumidas. Apresenta-se o instrumento de recolha de dados, pormenorizando o processo da sua
elaboração e validação, e caracteriza-se a amostra que serve de base à investigação realizada.
O capítulo IV “Análise e discussão de resultados” contém a apresentação e a respetiva discussão
dos dados surgidos no inquérito por entrevista, que, recorrendo-se à análise de conteúdo, permitiu
explanar o conteúdo significativo obtido através da técnica de recolha de dados. Assim,
problematizam-se, questionam-se e interpretam-se os dados apresentados à luz da
contextualização teórica do presente estudo, contribuindo para o seu esclarecimento.
O presente estudo termina com as Conclusões, onde se apresentam as principais considerações
do estudo, tendo em conta as suas limitações e são apontadas questões para futuros estudos que
incidam nesta temática.
19
PROBLEMA DE INVESTIGAÇÃO
A participação dos assistentes sociais em serviços de IP e as expectativas relativamente ao seu
desempenho vêm sofrendo alterações no decorrer do tempo, sejam motivadas pelos avanços
científicos na área, seja através da legislação emanada pela tutela sobre a matéria. Cada vez mais
a literatura e a legislação portuguesa no âmbito da IP se alinham no mesmo sentido, tendo mesmo
mais recente diploma lavrado sobre o tema (Portaria n.º 293/2013, de 26 de setembro),
sublinhado a pertinência do trabalho transdisciplinar nos serviços de IP. Importa, portanto,
entender em que medida estas alterações paradigmáticas que se têm vindo a sentir no nosso país
impactam no dia-a-dia dos profissionais e no serviço por estes prestado às famílias e às crianças,
com especial incidência para os assistentes sociais.
Se tradicionalmente o assistente social assumiu um papel de retaguarda no apoio à intervenção
direta dos profissionais de IP, a abordagem transdisciplinar prevê que esse papel se reconfigure
no sentido de dar resposta ao desafio da libertação do papel tradicional de assistente social e
assunção do papel de intervencionista precoce (King et al., 2009). A abordagem transdisciplinar
nos serviços de IP é um desafio para toda a equipa de IP passando o assistente social a assumir
o papel de elemento que transfere conhecimentos da sua área e o papel de elemento recetor de
conhecimentos transmitidos pelos colegas de equipa. Na abordagem interdisciplinar, por seu
turno, não se prevê que o assistente social assuma este duplo papel, focando-se no seu papel
especializado em colaboração informada com os restantes elementos da equipa, no sentido de
dar resposta às necessidades de cada família. Neste sentido, surgem como questões a investigar:
• Que competências e saberes específicos do assistente social são aplicáveis aos serviços
de IP?
• Quais as perspetivas dos diferentes profissionais de IP relativamente ao papel do
assistente social nos serviços de IP?
• Existem diferenças nas perspetivas dos profissionais relativamente ao papel do assistente
social em função do modelo de equipa existente nos serviços de IP?
• Quais os saberes específicos que o assistente social pode transferir num modelo de equipa
de IP transdisciplinar?
• Existem diferenças nos papéis do assistente social em função do modelo de equipa de IP
em que se encontra inserido?
• Que potencialidades e limitações perspetivam os profissionais de IP relativamente à
participação do assistente social como prestador de serviços transdisciplinares?
20
A partir destas questões, construíram-se os seguintes objetivos:
• Caracterizar as funções e competências do assistente social nos serviços de IP;
• Estudar as perspetivas dos diferentes profissionais de IP relativamente ao contributo do
assistente social em modelos de equipa interdisciplinares e transdisciplinares;
• Identificar eventuais diferenças nas funções e competências do assistente social em IP,
consoante o modelo de equipa em que se encontre inserido.
O estudo foca-se na realidade de dois modelos de intervenção de equipas de IP, pelo que os
profissionais que colaboram com o estudo encontram-se inseridos num dos modelos em questão:
interdisciplinar ou transdisciplinar.
Com base nos objetivos propostos foi delineado um estudo de natureza qualitativa, optando pelo
inquérito por entrevista a profissionais de IP (n = 6) como técnica de recolha de dados. Foi
desenhado, validado e aplicado um guião de entrevista semiestruturada com o objetivo de
identificar o contexto de intervenção onde se encontra inserido o assistente social nos serviços de
IP, a estrutura organizativa desses serviços e efeitos que essas características poderão induzir nos
profissionais. As entrevistas foram realizadas a profissionais inseridos em serviços de IP, sendo
que utilizou-se um rácio de 50% de profissionais de IP que operam com base no modelo
interdisciplinar e 50% de profissionais de IP que operam com base no modelo transdisciplinar.
Para aproximação das perspetivas genéricas de uma equipa de IP sobre os objetivos do estudo,
foram entrevistados dois assistentes sociais, dois psicólogos e dois terapeutas. As entrevistas
foram tratadas através da análise de conteúdo, de modo a afunilar os dados dos participantes do
estudo.
Pretende-se contribuir com o presente estudo para a construção de uma perspetiva
contemporânea do assistente social enquanto profissional de IP e conhecer a sua forma de
atuação em modelos de trabalho de equipa de IP distintos, dado a escassez de investigação em
Portugal específica neste tema (Martins, 2012; Medeiros, 2012).
21
CAPÍTULO I – SERVIÇO SOCIAL
1. GÉNESE E EMERGÊNCIA DA PROFISSÃO
Profundamente alicerçado na prática, o Serviço Social profissionaliza-se primeiramente em
Inglaterra e nos Estados Unidos da América com a institucionalização da assistência social, a
criação das primeiras escolas e a abertura dos primeiros locais de trabalho para assistentes sociais
nos finais do século XIX e nas primeiras décadas do século XX (Hare, 2004; Martins, 1999;
Soydan, 2012). Esta emergência da profissão surge relacionada com a questão social decorrente
dos fenómenos da industrialização, urbanização, proletarização, emergência das classes médias
e individualização da sociedade, que levaram à emergência da necessidade de intervenção face a
problemas sociais de cariz distinto dos anteriormente existentes. Ainda hoje, volvidos mais de 100
anos, a profissão de Serviço Social continua ser definida de forma pouco consensual, uma vez que
a prática em si implica a afetação de conhecimentos de várias áreas do saber e o seu objeto de
intervenção encontra-se em permanente mudança, quer sejam os indivíduos ou a estrutura social.
Neste vasto referencial teórico multidisciplinar não existe uma linha científica que se destaque
como suporte teórico de base para a profissão que se debruça sobre a relação do sujeito com a
sociedade, intervindo com o objetivo de facilitar a mudança em ambos (Iamamoto, 1999;
Kisnerman, 2001; Santos, 2009; Soydan, 2012).
Apesar da emergência e institucionalização da profissão ter ocorrido no século XIX, outras formas
de ajuda já existiam, mas sem o cariz técnico, específico e reconhecido pela sociedade que o
Serviço Social obteve pela forma como se demarcou da caridade, da filantropia ou da assistência.
Na procura da linha ancestral do Serviço Social moderno, Ander-Egg (1995a) parte do conceito de
caridade, destacando que esta nem sempre foi encarada como um aspeto positivo nas civilizações
da antiguidade clássica. Através da disseminação do Cristianismo, a caridade começou a ser
entendida como a principal virtude cristã e daí a sua difusão como prática social nas sociedades
cristianizadas. O Judaísmo e o Islamismo, também defendem no seu enquadramento moral a
caridade como prática a ser levada desenvolvida pelos seus seguidores. Fora da esfera religiosa,
as manifestações laicas deste interesse pelo bem-estar do próximo aproximam-se mais do conceito
de filantropia. Este conceito foi inicialmente introduzido pela corrente filosófica do Estoicismo no
século IV, tendo posteriormente sido recuperada durante o período do Iluminismo.
Comparativamente com a caridade, que se manifesta mais em ações individualizadas, a filantropia
caracteriza-se por uma intervenção ao nível coletivo.
22
Posteriormente, no século XIX, surgiu a assistência, como uma manifestação do desenvolvimento
da caridade e da filantropia. A assistência incidiu sobre os problemas sociais inerentes ao processo
de industrialização na sociedade ocidental – também denominada de questão social. O nível de
intervenção da assistência é diverso, adaptando-se à realidade de cada situação problema. Para
alguns casos o apoio é individualizado e noutras situações é desencadeada uma resposta coletiva,
sempre com o objetivo de promover a coesão social, combater a pobreza, a exclusão e a
marginalidade. O seu enquadramento normativo pode ser de cariz legislativo, semipúblico ou
desenvolvido por associações particulares. Ao passo que a filantropia e a caridade dependiam em
larga medida da disponibilidade de quem prestava o apoio, a assistência surgiu revestida de
regulamentação que obedecia a critérios previamente estipulados (Ander-Egg, 1995a).
O desenvolvimento da assistência veio dar lugar à assistência social, que para além de se constituir
como uma organização de processos administrativa mais complexa e completa, passou a intervir
em áreas do social mais abrangentes, como é o caso da saúde, da habitação, da educação e das
prestações sociais. Tal como a assistência, a assistência social também podia ser desenvolvida
por organismos públicos e privados. Com o surgimento da Segurança Social, a junção da
assistência social com este novo organismo veio criar o conceito de serviços sociais, como sendo
uma forma plural de englobar todas as formas de apoios sociais disponibilizados aos cidadãos,
quer por entidades públicas, quer por entidades particulares (Ander-Egg, 1995a).
O processo de emergência e institucionalização do Serviço Social foi, consequentemente,
decorrente do desenvolvimento histórico dos problemas sociais e da forma como a sociedade os
perspetivava e procurava dar resposta. No ponto seguinte descreve-se o desenvolvimento dessa
resposta social por parte da sociedade ocidental, com especial relevância para os países anglo-
saxónicos, pioneiros no campo do Serviço Social.
1.1. Das Poor Laws Inglesas ao movimento dos settlements
Em Inglaterra, no início do século XVI e até cerca de 1562, a pobreza tinha como grande foco as
grandes parcelas de territórios destinadas para o pastoreio de gado ovino para a produção de lã.
Esta atividade levou ao deslocamento de parte significativa da população para essas áreas
agrícolas, onde as pessoas procuravam trabalho e abrigo. Ao longo deste período de mais de 200
anos, verificou-se um aumento da população em cerca de 25% nestas áreas rurais, que conjugado
por diversas vagas de fome, levou ao aumento da pobreza em larga escala, tornando-a impossível
de ser contrariada somente através das tradicionais iniciativas de caridade individuais. Assim, no
23
sentido de combater a degradação social e o crescimento exponencial da miséria e da pobreza,
que poderiam levar à revolta e à desobediência social, foram criadas em 1563 as Poor Laws
Inglesas, revistas ainda em 1572, 1576, 1597 e 1601, que se constituíram como uma das
primeiras grandes medidas políticas de ação social (Glicken, 2011).
As primeiras Poor Laws de 1563 realizaram uma divisão dos pobres em duas categorias distintas:
os merecedores de apoios sociais e os não merecedores, que deveriam ser punidos pelo seu
comportamento. Os merecedores eram compostos pela população idosa, pelas crianças, pelas
pessoas doentes e pelas famílias que se encontravam numa situação financeira impeditiva de
alterar a sua condição pelos próprios meios. Os não merecedores eram constituídos pela
população que se dedicava ao furto e ao crime para sustentar a sua vida, pelos migrantes que se
deslocavam pelo país à procura de trabalho e pelos indivíduos que se dedicavam à mendicidade.
A primeira alteração às Poor Laws surge em 1572 com a introdução de uma taxa local de apoio
aos pobres, cujo cariz demonstrava que a responsabilidade de apoiar os pobres pertencia às
comunidades locais, numa crescente filosofia de apoio mútuo e responsabilidade social entre os
cidadãos (Glicken, 2011).
Em 1576 nasce o conceito de workhouse reformulado posteriormente em 1597 e 1601 que se
constituiu como a resposta instituída pelas Poor Laws até 1834. As workhouses inglesas foram
criadas para estimular a criação de uma ética de trabalho nas pessoas mais pobres,
providenciando simultaneamente, comida, abrigo, roupas e cuidados de saúde. No entanto, a
realidade vivenciada nas workhouses era diferente da prevista legalmente, uma vez que as
condições eram bastante precárias. As infraestruturas sanitárias eram rudimentares e o facto de
serem partilhadas por muitas pessoas tornavam-nas um foco de doenças e de mal-estar. A entrada
da worhouse da Birmingham Union era conhecida como a Arcádia das Lágrimas, em alusão à
conotação negativa que as workhouses foram construindo ao longo dos anos. Durante a sua
estadia numa workhouse, o indivíduo assistido e capaz de trabalhar, aprendia novas competências
através do trabalho dentro da workhouse e poderia posteriormente tornar-se um artífice ou outro
profissional capaz de subsistir autonomamente fora da proteção institucional da workhouse. A
saída do internato dependia do parecer das autoridades locais responsáveis por cada workhouse
que tinham poder para definir quando um indivíduo estava capacitado para sair ou não, ou se
seria expulso para uma casa de correção por comportamento inadequado ou não ser merecedor
de ajuda (Glicken, 2011).
24
Depois de 1834 a legislação das Poor Laws Inglesas foi novamente revista, passando a
responsabilidade administrativa de cada workhouse das autoridades locais para toda a
comunidade envolvente, que se podia reunir no sentido de prestar ajuda aos mais carenciados.
No entanto, as condições nas workhouses não melhoraram muito mais com o passar dos anos. A
entrada de um indivíduo nas workhouses só se dava quando este não encontrava outra alternativa
na sociedade. Uma vez entradas nas workhouses as pessoas eram divididas e segregadas por
idade e género, sendo separados casais, mesmo os mais idosos, de forma a impossibilitar a
existência de nascimentos dentro das workhouses. As pessoas que não conseguissem trabalhar
por incapacidade eram mantidas todas juntas durante dia e noite sem qualquer tipo de atividade
recreativa ou de lazer (Glicken, 2011).
Esta realidade vivenciada dentro das workhouses difundiu-se cada vez mais junto da comunidade
intelectual burguesa britânica, tornando-se motivo de apreensão e crítica acérrima às Poor Laws
em vigor, conduzindo à emergência de um tipo de resposta que efetivamente fizesse face às
necessidades da população mais carenciada, numa lógica de capacitação e autonomização dos
indivíduos. Um dos primeiros movimentos organizados da comunidade foi a instituição da Charity
Organization Society (COS) em 1869, que tinha como objetivo coordenar as atividades
desenvolvidas nas diversas organizações de caridade do país. A COS assegurava a autonomia
financeira e administrativa de cada organização que a integrava, servindo essencialmente de ponto
de intercâmbio de conhecimentos na área e divulgação de atividades, tendo também passado a
organizar todo o processo de assistência providenciado. Este elemento organizador trouxe consigo
debate e questionamento relativamente ao tipo e qualidade das práticas desenvolvidas pela
assistência. Deste processo surgiram necessidades de formação de profissionais, a que a COS
procurou dar resposta, nomeadamente através de conferências e trabalhos práticos.
Posteriormente, em 1903 foi criada a London School of Sociology para trabalhadores sociais, cuja
formação era predominantemente de teor sociológico. O diretor desta escola era Charles Stewart
Loch, que cumulativamente era o secretário-geral da COS. A influência e o destaque do trabalho
desenvolvido pela COS fizeram com que esta organização se espalhasse rapidamente pelos outros
países anglo-saxónicos e de tradição protestante (Glicken, 2011; Martins, 1999).
Paralelamente à atividade desenvolvida pelas COS, em 1884 inicia-se o movimento dos
settlements, que também se constituiu como um marco essencial da história do Serviço Social.
Um dos mais notabilizados settlements surgiu na zona leste da cidade de Londres, com o nome
de Toynbee Hall, criado por estudantes de Oxford e Cambridge liderados por Samuel Barnett,
25
jovem padre inglês. O nome Toynbee Hall foi escolhido em homenagem a Arnold Toynbee, uma
figura de relevo em Oxford, que escolhera uma vida humilde e de defesa da aproximação entre
classes sociais, integrando-se em bairros de trabalhadores pobres no distrito londrino de
Whitechapel, cujo exemplo influenciara os criadores do primeiro settlement, nomeadamente
Barnett, que desenvolvia funções aciprestais na igreja de Whitechapel. Barnett caracterizava o
Toynbee Hall como um local privilegiado de contacto entre diferentes classes sociais, onde não
existia um plano ou plataforma predefinida para a intervenção. Os seus membros não tinham
como intenção fazer caridade, mas sim educar pela permeabilidade, ou seja, defendiam que o
principal agente para a mudança era o contacto direto e prolongado entre indivíduos de estratos
socioeconómicos diversos, cuja interação iria conduzir ao desenvolvimento comum (Lengermann
& Niebrugge-Brantley, 2002; Myers, 2011).
Apesar do Serviço Social contemporâneo possuir as suas raízes diretas do movimento dos
settlements, na Europa continental as ideias de desenvolvimento comunitário através de
instituições já haviam surgido antes da criação do Toynbee Hall. De acordo com Weber (2011), o
pedagogo suíço Johann Heinrich Pestalozzi ainda no século XVIII, defendia as mesmas premissas
do movimento dos settlements. Pese embora ser considerado como o pai da pedagogia moderna,
Pestalozzi também se assume como uma referência indireta, mas próxima, para o Serviço Social.
Um exemplo que sustenta esta ideia prende-se na criação em 1769 de uma empresa agrícola –
Neuhof – para crianças desfavorecidas, cujo objetivo visava proporcionar a cada criança os meios
económicos para a sua autonomia, recusando qualquer tipo de assistencialismo, vulgarmente
existente nessa época. Posteriormente, Pestalozzi criaria outra instituição semelhante, mas para
a vertente industrial. Em ambos os casos a experiência seria condenada ao insucesso, uma vez
que após receberem a formação, as crianças eram retiradas das instituições pelos familiares, no
sentido de colocar as crianças ao serviço dos interesses das famílias. Anos mais tarde, Pestalozzi
viria a fundar um instituto de formação de educadoras de infância. Em todo o caso, na sua ação
verifica-se um primazia pelos conceitos de autonomia e liberdade do individuo que envolvem
transversalmente toda a obra de Pestalozzi, bem como uma perspetiva construtivista da realidade,
defendendo que o indivíduo faz as circunstâncias, ao mesmo tempo que estas fazem o indivíduo
e, neste sentido, emerge a sua conceptualização de autonomia, como sendo uma construção feita
pelo ser humano dos seus próprios limites na interação com o outro. Ressalve-se que a
contemporaneidade da abordagem de Pestalozzi com a de Rousseau, Diderot e Haüy fazem com
que se insira na corrente humanista contextualizada com a Declaração dos Direitos do Homem e
26
do Cidadão de 1789. A metodologia educativa de Pestalozzi procurou favorecer a autonomia das
crianças através da aprendizagem da leitura e da escrita, pelo que Weber (2011, p. 25) classifica-
o como sendo “(…) o precursor, não só da pedagogia moderna, da educação e do trabalho social,
mas também do desenvolvimento humano.”. De facto, Brendtro (1990) salienta diversos aspetos
do trabalho desenvolvido por Pestalozzi com crianças institucionalizadas, que para além de se
constituir como um esforço consciente da necessidade de apoiar os mais carenciados, também
se fundamenta em princípios de parceria, responsabilidade e inclusão. As crianças com mais
dificuldades de aprendizagem eram colocadas a trabalhar juntamente com crianças com mais
capacidades, para que trabalhassem em conjunto e se ajudassem mutuamente, transferindo
competências entre elas.
No entanto, a industrialização iniciada no final do século XVIII veio mudar a estrutura social das
sociedades ocidentais, e nesse sentido, o Serviço Social contemporâneo surge associado a essa
mudança de modelo social, pelo que é pouco comum existirem associações diretas entre
Pestalozzi e a emergência e institucionalização do Serviço Social. Por outro lado, o movimento dos
settlements iniciado pelo Toynbee Hall emerge precisamente do efeito negativo deste novo modelo
social para as populações mais fragilizadas, pelo que a literatura traça a linha ancestral do Serviço
Social contemporâneo diretamente a partir da experiência inglesa e norte-americana (Glicken,
2011; Weber, 2011).
A industrialização também trouxe consigo uma realidade social profundamente marcada pela
imigração massiva de europeus para o continente norte-americano, em busca de trabalho e de
melhores condições de vida, fugindo aos danos sociais provocados pela industrialização na
Europa. Nova Iorque era o ponto privilegiado de entrada destes imigrantes, sendo Ellis Island (uma
pequena ilha localizada junto à Estátua da Liberdade) o local de escrutínio individual de cada
imigrante, no sentido de aferir se possuíam alguma doença contagiosa ou incapacidade física e/ou
intelectual que os impossibilitasse de trabalhar. Em caso de não reunirem as condições
necessárias, era vetada a entrada desses indivíduos que teriam de regressar à Europa. Os que
recebiam visto de entrada nos Estados Unidos da América tinham à sua espera uma cidade de
Nova Iorque multicultural e em pleno crescimento económico, em que ao mesmo tempo que a
bolsa de Wall Street se desenvolvia, também a pobreza entrava em escalada. A resposta social
providenciada era garantida por iniciativas privadas de associações e sociedades de socorro
mútuo, das quais se destacam os diversos polos locais da COS norte-americana e por políticas
sociais insuficientes e baseadas no modelo das Poor Laws inglesas. No entanto, a constatação por
27
parte da burguesia nova-iorquina da proliferação de flagelos sociais como a prostituição, a
mendicidade, a escravatura e a pobreza infantil, bem como a fusão de Nova Iorque com a cidade
dormitório de Brooklyn, foco de exclusão social, levou a que a partir de 1890 começassem a surgir
as primeiras ações legislativas modernas sobre a proteção social (Glicken, 2011; Myers, 2011;
Weber, 2011).
No entanto, até ao surgimento da Segurança Social norte-americana em 1935, foi a iniciativa
privada a dar resposta às necessidades sociais das franjas mais desfavorecidas e neste contexto
surgiu em Nova Iorque a primeira escola de Serviço Social norte-americana – Summer School in
Philantropic Work – a 20 de junho de 1898, por iniciativa de Robert W. Forest, presidente da COS
norte-americana e Mary Richmond, fundadora e docente da escola de Nova Iorque. Foi identificado
por Mary Richmond a necessidade de ser criada uma formação de base em que os voluntários de
ação social estudassem todos os aspetos fundamentais comuns nas práticas de Serviço Social,
através de um sistema que combinasse aspetos teóricos com a prática, pelo que os cursos de
verão vieram dar resposta a essa necessidade (Branco, 2010; Kam, 2012; Mouro, 2001; Glicken,
2011).
Podiam-se inscrever no curso de verão diplomados de universidades recomendados pelos seus
formadores, bem como pessoas com trabalho filantrópico relevante realizado. O currículo do curso
de verão compreendia temas relacionados com o apoio domiciliário, a entrevista, apoio à procura
de emprego, cuidados à família afetada pela doença, delinquência juvenil, absentismo laboral, etc.
Os conteúdos expostos aos alunos eram desenvolvidos por profissionais envolvidos no apoio social
e por professores. Posteriormente, em 1904, o curso passa a ter duração anual e os primeiros
alunos assumem um papel importante na formação dos seguintes. A escola passou a ser
denominada de New York School of Philantropy, e ofereceu aos seus alunos uma dupla perspetiva
de aprendizagem, caracterizada, por um lado, pela experiência prática de trabalho junto da
população desenvolvido pela COS e, por outro lado, as investigações sociais, as reformas
legislativas e o surgimento das ciências sociais. É estabelecida uma das principais características
do Serviço Social moderno: a conjugação da realidade empírica da profissão com os dados
provenientes da investigação científica. A Universidade de John Hopkins, sedeada em Baltimore,
foi um parceiro fundamental neste processo, contrapondo o trabalho prático da COS com a
investigação desenvolvida no âmbito das ciências sociais. Os estudantes, orientados pelos
investigadores das ciências sociais, eram enviados para o terreno onde recolhiam dados através
de observação direta. Neste ponto, a investigação já se havia disseminado por toda a costa leste
28
dos Estados Unidos da América com Zilpha Smith na cidade de Boston, Anna Dawes em todo o
estado do Massachussets e Mary Richmond nos estados de Maryland e Pensilvânia a
desenvolverem trabalho de campo apoiadas por Amos Warner que na Universidade de John
Hopkins estabelecia a ligação da prática com a teoria. Desta dinâmica surgiram duas obras
incontornáveis do Serviço Social: American Charities de Amos Warner em 1894 e Friendly Visiting
Among the Poor de Mary Richmond em 1899, que ainda hoje têm uma influência marcada na
prática dos assistentes sociais (Agnew, 2010; Branco, 2010; Kisnerman, 2001; Weber, 2011).
Desde a sua génese, o Serviço Social assumiu de imediato uma dupla corrente, com Mary
Richmond a destacar-se no Serviço Social individual, através da abordagem caso a caso, e Jane
Addams a destacar-se no Serviço Social de grupos/comunitário (Branco, 2010).
1.2. O contributo de Mary Richmond para o Serviço Social
Presente na fase de emergência do Serviço Social, Mary Richmond assumiu um papel central na
legitimação da profissão nas suas primeiras décadas de existência, cujo contributo ainda hoje se
encontra marcado na intervenção desenvolvida pelos assistentes sociais. A já referida obra
intitulada Friendly Visiting Among the Poor de 1889 divide-se em dez capítulos que se debruçam
sobre as temáticas do apoio à família, apoio domiciliário, a mulher doméstica, a infância, as
despesas e as poupanças familiares, o lazer, a igreja e os visitantes que apoiam as famílias no
seu contexto natural. Apesar de possuir mais de um século de existência, a obra de Richmond
aprofunda questões que se mantêm pertinentes, não só em Serviço Social, mas também na
Intervenção Precoce (IP), como por exemplo, a integração do pai no processo de ajuda face a
questões da vida da família e dos cuidados às crianças, questões escolares, cuidados médicos,
etc. Com a obra What is Social Casework de 1922, Richmond criou a metodologia casework
(Serviço Social de casos), que procura integrar o indivíduo dentro da rede de ligações sociais em
que se encontra inserido, perspetivando-o em diferentes níveis, seja enquanto trabalhador, vizinho
e cidadão, seja enquanto elemento de uma família nuclear. Richmond refere que
independentemente das características das dificuldades sentidas pelo indivíduo, este está inserido
num contexto e deverá ser nesse contexto que os profissionais devem trabalhar desenvolvendo
uma relação de proximidade e de parceria, enfatizando a necessidade de trabalhar tanto com a
pessoa como com o seu contexto de pertença (Agnew, 2010; Branco, 2010; Mouro, 2001;
Kisnerman, 2001; Weber, 2011). Não deixa de ser interessante verificar a aproximação destes
conceitos com as perspetivas ecológicas e sistémicas que levaram ao surgimento de teorias como
29
o Modelo Ecológico do Desenvolvimento Humano de Bronfenbrenner e o Modelo Transacional de
Sameroff e Chandler, ambos surgidos na década de 1970 e que tanto influenciam a IP
contemporânea. Apesar do casework ter sido criado por Richmond, desenvolvimentos posteriores
aportam-nos outras características que o aproximam novamente da IP e das práticas centradas
na família, onde é salientado que no casework o cliente estabelece as suas próprias escolhas,
decidindo a sua própria vida, preferindo não ser forçado ou manipulado pelo profissional,
esperando deste conselhos profissionais e não ordens (Agnew, 2010; Serrano, 2007; Weber,
2011).
Também central para o desenvolvimento da legitimação do Serviço Social enquanto profissão
destaca-se a obra Social Diagnosis, de 1917, também de Mary Richmond que serviu de referência
fundamental para intervenção dos assistentes sociais anglo-saxónicos ao longo de várias décadas,
conferindo um cunho positivista de caráter inequivocamente científico à profissão de Serviço
Social, em linha com a corrente de pensamento então vigente nas ciências sociais (Mouro, 2001;
Weber, 2011).
1.3. Jane Addams e o Hull House Settlement de Chicago
Contemporânea da realidade vivenciada em Nova Iorque, metade da população da cidade de
Chicago em 1900 era constituída por imigrantes, e tal como na realidade nova-iorquina, em
Chicago proliferavam problemas sociais devido à industrialização exponencial aí sentida. A
sociedade encarava os problemas como pobreza, os bairros degradados, delinquência juvenil,
conflitos e violência étnica, racismo e criminalidade, fazendo crescer dentro de alguns núcleos
sociais intelectualizados (juristas, médicos, padres, professores, etc.) movimentos que visassem
combater estes flagelos. O movimento reformador Progressive Era constituiu-se como um
importante impulsionador de medidas legislativas que protegessem as franjas mais carenciadas
da população, e dentro deste movimento encontravam-se várias mulheres diplomadas em ciências
sociais, nomeadamente em Serviço Social. No entanto, as ações sociais iam para além desse
movimento. Chicago caracterizou-se pela abordagem comunitária com que enfrentou os
problemas sociais, tendo surgido na cidade vários social settlements à imagem dos que já existiam
em Londres, com destaque para o Toynbee Hall. Os settlements edificaram-se pela forte influência
do radicalismo e do feminismo, sendo caracterizados por uma população pobre, excluída e
desfavorecida. Dentro do movimento dos settlements de Chicago, o mais conhecido, e
indubitavelmente uma referência para o Serviço Social moderno, foi o Hull House Settlement
30
criado em 1889 por Jane Addams, jovem diplomada em ciências sociais. O Hull House Settlement
inseria-se num bairro construído numa zona pobre da cidade de Chicago, com ruas sujas, escolas
em número insuficiente, desrespeito pela legislação sanitária da época, pouca iluminação pública
nas vias e pavimento muito degradado ou inexistente nas ruelas e caminhos mais pequenos.
Apoiada pela sua colega Ellen Starr, Jane Addams criou o Hull House Settlement que se constituiu
como uma resposta social com serviços sociais como jardim-de-infância, biblioteca, museu do
trabalho, ações de formação, etc., destinados aos imigrantes carenciados que residiam nessa zona
pobre da cidade. É indiscutível o caráter inovador e vanguardista da iniciativa de Addams, em tudo
semelhante às respostas sociais dos dias de hoje, mais de 100 anos volvidos (Agnew, 2010;
Branco, 2010; Weber, 2011).
No entanto, Addams não criou somente a estrutura da resposta social, introduziu também a
premissa de que para dar uma resposta eficaz às necessidades das pessoas, os assistentes sociais
deveriam imergir-se no seio das comunidades pobres, para melhor compreender as suas
dificuldades do dia-a-dia. O facto de Addams ter efetuado a sua formação superior na Europa,
onde teve a oportunidade de trabalhar diretamente no Toynbee Hall de Londres, foi um fator
importante e uma fonte de inspiração para a sua atividade em Chicago no Hull House Settlement.
A intervenção social de Addams não se limitava à formação das classes mais pobres com
conhecimentos e perspetivas provenientes da elite social que aí desenvolvia a intervenção
comunitária. Pelo contrário, Addams encorajava as pessoas a “(…) adquirirem o controlo da sua
própria existência e a desenvolverem o seu próprio percurso (…)”, ideia muito próxima ao conceito
de empowerment tão presente no Serviço Social e na IP, que valoriza e enfatiza as competências
que os indivíduos possuem. O Hull House Settlement tinha como missão “(…) disponibilizar um
centro para uma vida social e de cidadania mais elevadas; instituir e manter projetos educativos e
filantrópicos, estudar e melhorar as condições de vida nos bairros industriais de Chicago.”. Como
exemplo deste princípio, no segundo ano de existência do Hull House Settlement, um operário
inglês criou o Working People’s Social Science Club, que se reuniu semanalmente durante sete
anos, onde se debateram temas como as condições económicas e sociais, por pessoas mais e
menos instruídas. Este grupo emergido dentro do Hull House Settlement era a concretização de
valores centrais para a ideologia de Addams, tais como a liberdade de expressão, a igualdade, a
justiça social e a aceitação da diversidade e pluralidade de ideias (Branco, 2010; Kam, 2012;
Weber, 2011, p. 37).
31
Todo o percurso de Addams é caracterizado pela luta por melhores condições laborais para os
trabalhadores da indústria, pela melhoria da educação, pela resolução dos problemas dos
imigrantes, pela intervenção materno-infantil, pelo combate ao racismo e à delinquência juvenil,
valorizando as pessoas não apenas do ponto de vista material, mas também do ponto de vista
cultural. Um exemplo evidente deste ativismo é o museu do trabalho do Hull House Settlement
que foi buscar toda a riqueza e diversidade cultural dos operários imigrantes da cidade, expondo
uma miríade de profissões e técnicas artesanais de todo o mundo. Outro exemplo foi a aquisição
por parte do Hull House Settlement de terras de cultivo fora da metrópole de Chicago, para que
os imigrantes do sul de Itália, que durante toda a vida cultivaram a terra no seu país, pudessem
aportar toda a sua experiência e conhecimentos no novo país (Weber, 2011).
Todo o ativismo do Hull House Settlement contagiou-se por toda a cidade e em vários bairros
começaram a surgir cada vez mais movimentos de ação social comunitária. Esta riqueza social,
característica do Melting Pot norte-americano, constituiu-se como um pano de fundo para a
realização de diversos inquéritos e investigações sociais que contribuíram para todo o
conhecimento científico que a Escola de Chicago veio trazer para a Sociologia e as ciências sociais
em geral, através de investigadores como Robert Park, Ernest Burgess, Louis Wirth e Nels
Anderson, entre outros (Soydan, 2012; Weber, 2011).
Addams prosseguiu o seu trabalho no Hull House Settlement durante vários anos, no sentido de,
em conjunto com a população que procurava apoiar e capacitar, defender a igualdade, a justiça e
a implementação de reformas sociais, sempre integrados em movimentos ideológicos pacifistas e
feministas. É com as mulheres de Chicago que Addams se tornou na primeira presidente da
Women’s International League for Peace and Freedom, advogando pelos direitos de igualdade
entre homens e mulheres, nomeadamente o direito ao voto. Em 1931 Addams vê reconhecido
internacionalmente todo o seu contributo e pioneirismo na construção do conceito atual de
empowerment, da intervenção comunitária e de grupos, sendo galardoada com o Prémio Nobel
da Paz (Branco, 2010; Weber, 2011).
1.4. O Serviço Social em Portugal: dos movimentos higienistas à emergência do Serviço Social
português
Em Portugal a questão da mortalidade infantil afigurava-se como um problema social central no
século XIX, em que mais de metade das crianças nascidas em Lisboa não atingia os cinco anos
de idade, fruto das parcas condições sanitárias, deficientes sistemas de saneamento e falta de
32
higiene na via pública, que deixavam em crianças em graves situações de carência. A Misericórdia
assistia as crianças abandonadas e as mães pobres, protegendo-as no período do puerpério com
refeições e apoio para não necessitassem de trabalhar para subsistir. Existiam também asilos que
acolhiam crianças abandonadas e proporcionavam instrução primária. Para as crianças filhas de
famílias com mães operárias e empregadas criaram-se as primeiras creches no Porto (1852) e
posteriormente em Lisboa (1875). A resposta social portuguesa mantinha um cunho baseado em
ações de voluntariado, mas com fraca participação por parte da comunidade, levando a um
escasso número de voluntários e a uma resposta ineficaz. Se nos Estados Unidos da América
surgiu em 1898 o primeiro curso de formação de assistentes sociais, em Portugal recorreu-se à
reorganização do curso de enfermagem para dar resposta aos problemas sociais da população. A
formação da enfermagem começou progressivamente a laicizar-se e a especializar-se, tendo
surgido as primeiras enfermeiras-visitadoras com a criação de postos específicos na saúde pública
para essas funções (Martins, 1999; Weber, 2011).
As primeiras respostas vanguardistas em Portugal assemelharam-se ao tipo de resposta
desencadeada nos países francófonos, com um tipo de apoio descentralizado e focado nas
características específicas de cada indivíduo e dos seus contextos de pertença. Neste sentido, tal
como em França, Portugal iniciou o movimento de assistência no domicílio como uma resposta
às carências de condições de salubridade relacionadas com doenças infectocontagiosas, como a
peste e a tuberculose, que afetavam, com especial relevância, as camadas mais pobres da
população. Assim, surgiu o movimento higienista, em que os médicos e as enfermeiras visitantes
destacaram-se pelo apoio desenvolvido junto desta população. Destes movimentos, em Portugal,
destacam-se a Liga Nacional contra a Tuberculose e a Assistência Nacional aos Tuberculosos.
Pese embora este apoio ser um ato de saúde desenvolvido após diagnóstico médico da situação,
a realidade social existente exigia que a intervenção desenvolvida pelas enfermeiras-visitantes não
se circunscrevesse ao aspeto clínico da situação, mas sim uma abordagem mais ampla que fizesse
frente aos problemas sociais encontrados que muitas vezes eram a génese ou consequência da
situação de saúde. Essa abordagem aos problemas sociais encontrados foi fortemente
influenciada pela abordagem do casework de Mary Richmond, cujo livro fora traduzido para a
língua francesa em 1926. Esta obra tornou-se um marco importante para o Serviço Social francês,
uma vez que constituiu o fundamento teórico que permitiu que os profissionais de Serviço Social
se demarcassem das pessoas que desenvolviam ações de caridade, que muitas vezes não tinham
em linha de conta os aspetos relacionados com a autonomização, capacitação e empowerment
33
das populações alvo da sua ação. Richmond dividiu o método do casework em três fases
sucessivas: o inquérito (análise), a apreciação (diagnóstico) e o tratamento (terapêutica), servindo
de estrutura de base para a intervenção dos movimentos higienistas europeus. No entanto,
ressalve-se que a aplicação da metodologia do casework adaptou-se ao modelo europeu, em que
as enfermeiras-visitantes dedicavam-se exclusivamente à componente do tratamento (terapêutica),
cabendo ao médico o inquérito (análise) e a apreciação (diagnóstico) de cada caso. Os fatores
históricos assumiram um peso determinante para que esta abordagem clínica se mantivesse
durante um período mais longo devido à Segunda Guerra Mundial e aos efeitos que este flagelo
trouxe para as populações, nomeadamente as condições sanitárias e de higiene público, visto que
a mortalidade infantil e a tuberculose eram a principal preocupação dos assistentes sociais nessa
fase. No pós-guerra, a influência norte-americana na Europa assumiu um papel cada vez mais
relevante em vários aspetos da sociedade e, no caso do Serviço Social, o casework de Mary
Richmond saiu ainda mais reforçado. As necessidades da população no pós-guerra tornaram ainda
mais premente a utilização da metodologia do casework para fazer face às características
específicas de cada indivíduo, pelo que à medida que os profissionais se empenhavam na
crescente legitimação da profissão, cada vez mais esta se aproximava das questões sociais e da
elaboração e implementação de legislação específica, e ia-se afastando do modelo clínico
anteriormente vigente (Martins, 1999; Robertis, 2011).
O movimento de institucionalização do Serviço Social sucedeu-se um pouco por toda a sociedade
ocidental, em concomitância com o crescente paradigma económico do capitalismo e
desigualdades sociais inerentes a este modelo. Num processo semelhante ao decorrido nos
Estados Unidos, no continente europeu começaram a surgir os primeiros cursos de Serviço Social
em vários países, nomeadamente em Inglaterra e na Alemanha no ano de 1908, em França em
1911, na Bélgica em 1920 e em Espanha em 1932. Destaque-se, também, a realização do Iº
Congresso Internacional de Serviço Social em Milão, no ano de 1925, e da primeira Conferência
Internacional de Serviço Social em Paris, em 1928 (Martins, 1999; Mouro, 2001).
Por seu turno, o surgimento do Serviço Social português foi um fenómeno lento e fortemente
influenciado pelos poderes de ordem social vigentes nos diferentes momentos na sociedade
portuguesa. O primeiro contraste face à realidade norte-americana refere-se ao facto de em
Portugal o processo de industrialização e urbanização ter sido bastante mais lento, o que fez com
que as preocupações da sociedade face às desigualdades entre os indivíduos que a constituem
surgissem somente com mais premência no final do século XIX e princípio do século XX. A resposta
34
social para estas questões até essa fase resumia-se às ações de caridade e beneficência
promovidas pelas Misericórdias portuguesas e algumas organizações particulares, cujas
características impossibilitavam a capacidade de responder adequadamente aos novos desafios
sociais que o modelo de sociedade industrial acarretou (Martins, 1999; Santos, 2008).
O segundo contraste importante comparativamente com a realidade anglo-saxónica residiu na
influência da Igreja Católica na sociedade portuguesa, ao contrário da tradição do Protestantismo
existente em Inglaterra e nos Estados Unidos da América. Esta questão religiosa influenciou em
grande medida a tipologia das respostas sociais acionadas para fazer face aos problemas sociais.
Se nos países anglo-saxónicos a perspetiva laica e positivista era uma importante alavanca para a
institucionalização do Serviço Social baseado nas ciências sociais e na investigação, nos países
católicos a influência social da Igreja junto da população e do poder político era tal, que esse
Serviço Social emancipador e científico encontrava fortes resistências para se implementar. Não
obstante o movimento republicano português ter-se aproximado dos valores anglo-saxónicos de
laicização e liberalismo, a instauração do Estado Novo através do golpe militar de 28 de maio de
1926 veio desviar essa laicização e tornar o Serviço Social português um reforço do poder conjunto
do Estado e da Igreja sobre a população. Após a instauração da ditadura em Portugal foram
reorganizados os serviços de saúde pública, reconhecendo os atrasos que o país apresentava ao
nível da higiene pública, com especial ressalva para a mortalidade infantil. Neste sentido, e para
lhe fazer face, foram criados os Dispensários de Higiene Social e Postos de Proteção à Infância
em Lisboa e no Porto, sendo integradas nestes as visitadoras contra as doenças infeciosas, cuja
formação era da responsabilidade da Direção-Geral de Saúde. Os primeiros cursos realizaram-se
me 1929 e em 1930, tendo a duração de seis meses, com uma estrutura curricular que versava
as áreas da puericultura, higiene (geral, pré-natal e alimentar) e profilaxia de doenças
transmissíveis. Nessa fase surgiu legislação específica que tornou esta atividade de visitadora
como uma nova profissão. Posteriormente, em 1931, surgiram nas faculdades de medicina de
Lisboa, Porto e Coimbra o curso de Enfermeira Visitadora, cuja duração era de um ano letivo, ao
que se somavam seis meses de estágio em dispensários de puericultura e de luta contra a
tuberculose e a sífilis (Martins, 1999, 2009; Mouro, 2001).
Nesta fase, apesar de todos os ensaios de cariz científico provenientes de diversas referências na
área em Portugal, nomeadamente os médicos Pacheco de Miranda, Branca Rumina, Sara Benoliel
e José Lopes Dias, que visavam a estruturação de cursos de Serviço Social à imagem do já
praticado nos Estados Unidos e Inglaterra, o Estado Novo planificou a criação de escolas de Serviço
35
Social em parceria com elementos da Igreja, nomeadamente a congregação portuguesa das
Franciscanas Missionárias de Maria provenientes da congregação-sede de França, mais próximas
do modelo franco-belga de intervenção. Era assegurado que a formação dos primeiros assistentes
sociais portugueses fosse enquadrada na doutrina social da Igreja e nos valores do Estado Novo,
tendo este modelo permanecido vigente durante várias décadas em Portugal. Para o Estado Novo,
a resposta social à questão social deveria ser desenvolvida por voluntários e profissionais de forma
doutrinária no sentido de cimentar os princípios do regime, nomeadamente a caridade, a família
cristã e o nacionalismo, bem como estabelecer o Serviço Social como uma medida de controlo
social de forma a prevenir eventuais manifestações sociais de descontentamento das populações
mais desfavorecidas face à realidade das suas vidas. Para o Estado Novo, o Serviço Social
desenvolvido noutros países, cuja metodologia se denominava por assistência, conduzia
diretamente ao comunismo (Martins, 1999, 2009; Santos, 2009).
Neste contexto, a emergência da profissão de assistente social em Portugal surge decorrente da
primeira escola de Serviço Social surgida em 1935 em Lisboa, através de uma iniciativa da
Condessa de Rilvas após solicitação do Estado, cujas influências filosóficas inerentes ao Estado
Novo estariam presentes na estrutura do curso. A primeira escola portuguesa de Serviço Social foi
denominada de Instituto de Serviço Social de Lisboa. A proposta da Condessa de Rilvas previa a
criação de um curso que atribuísse maiores competências técnicas às enfermeiras visitadoras e
às visitadoras sociais, no sentido de para além da assistência curativa, também a assistência
preventiva ser uma prática das profissionais. Para a Condessa de Rilvas, conjuntamente com o
saber técnico e científico, também os valores morais e espirituais deverão ser aplicados pelos
profissionais, no sentido da renovação moral e progresso da sociedade. A grande força da moral,
para a Condessa de Rilvas era a religião. A primeira escola de Serviço Social portuguesa surge
nesta malha de relações estreitas entre o Estado e a Igreja, em que esta última procurou ver o seu
poder reforçado junto da sociedade (Martins, 1999, 2009).
Em Coimbra, no ano de 1937, é fundada a segunda escola de Serviço Social portuguesa,
denominada de Escola Normal Social “A Saúde”, sendo outro marco importante do
desenvolvimento da educação em Serviço Social portuguesa. A Escola Normal Social também era
marcadamente influenciada pelo regime e pela Igreja na sua estrutura curricular. O seu presidente
era o Professor Bissaya Barreto, que havia proposto a sua criação junto do Estado, e cuja
proximidade pessoal a António de Oliveira Salazar facilitava esse cunho do regime na Escola. Por
outro lado, a primeira diretora da Escola, a francesa Constance Davon, acabou por contribuir para
36
aproximar a formação em Serviço Social da Escola dos valores laicos do que propriamente da
influência dos poderes sociais portugueses, o que não deixa de ser um facto curioso, uma vez que
Constance Davon era uma religiosa francesa da Congregação das Franciscanas Missionárias de
Maria. Davon, nascida em 1897 no seio de uma família de avultada fortuna, teve um percurso
formativo anterior à sua entrada na vida religiosa que lhe permitiu a construção de uma perspetiva
mais abrangente relativamente ao Serviço Social. A sua entrada para a congregação religiosa deu-
se apenas aos 36 anos, pelo que no período anterior da sua vida dedicou-se aos estudos em Paris
e a ações de voluntariado junto de sindicatos católicos do sul de França. A sua nomeação para a
direção da Escola Normal Social deveu-se ao respeito e consensualidade que o seu nome adquirira
junto de Bissaya Barreto, graças ao trabalho que Davon desenvolvera em anos anteriores já em
Portugal na Obra de Proteção à Grávida e à Criança. Apesar de rigorosa relativamente aos
procedimentos inerentes ao funcionamento da Escola (utilização de uniforme, obrigação do
segredo profissional, as faltas, a postura e a comunicação dentro da escola, etc.), a sua visão do
Serviço Social era caracterizada por um vanguardismo que a desviava completamente dos valores
do Estado Novo. Para Davon, o Serviço Social tinha como finalidade a pessoa humana, cujos
direitos são inalienáveis, sendo fundamental o respeito pelos mesmos. Dependente da conceção
do homem e do mundo, o Serviço Social estará ao serviço da humanidade e da justiça social,
facilitando o acesso de todos ao maior desenvolvimento intelectual e moral, para que o façam de
forma participativa, garantindo a sua segurança face à independência dos seus pontos de vista.
Para Davon, o progresso social é uma consequência da justiça social, uma vez que esta reflete o
desenvolvimento e a maturidade das sociedades. A sua perspetiva vanguardista do Serviço Social
irá conduzir à sua destituição do cargo diretivo da Escola Normal Social em 1958, mas o seu saber
foi sendo passado por diversas gerações de assistentes sociais que aí se formaram (Martins, 1999,
2009).
O percurso do Serviço Social ao longo dos anos da ditadura em Portugal foi conhecendo uma
realidade que procurava limitar o desenvolvimento da profissão em Portugal. De entre as estruturas
docentes das escolas de Serviço Social faziam parte professores mais vanguardistas e professores
mais conservadores, bem como alguns pertencentes a quadros de informadores da polícia do
Estado – PIDE/DGS. Apesar deste controlo, as escolas de Serviço Social foram um reduto de
desenvolvimento das ciências sociais e humanas, cujo veto era imposto pelo Estado noutras
instituições universitárias. Na década de 60 deu-se mais um avanço importante na estrutura do
curso, passando a ser reconhecido como curso superior e ter passado a aceitar estudantes do
37
sexo masculino. Também na década de 60, os institutos de Serviço Social iniciaram o seu processo
de desvinculação da Igreja, tendo sido mais um passo rumo à autonomia das forças que
procuraram manipular o Serviço Social em seu benefício. Do ponto de vista do paradigma de
intervenção em Serviço Social, as mudanças no Estado Novo após a saída de Salazar,
nomeadamente a chegada de Marcello Caetano ao poder, possibilitaram a integração das ciências
sociais na estrutura do curso, no sentido de proporcionar aos novos assistentes sociais um
contacto com o Serviço Social moderno que rompeu com a perspetiva clássica do Serviço Social
de casos. Esta nova perspetiva permitiu a emergência mais explícita da dimensão política que
caracteriza a profissão, deixando uma postura de neutralidade face às políticas sociais e
assumindo um posição ativa na criação de políticas que respondam às necessidades das pessoas.
Com a revolução de 25 de abril de 1974, a mudança latente tomou forma e os três institutos de
Serviço Social (Lisboa, Coimbra e Porto) receberam apoio estatal para financiamento das suas
atividades. Manteve-se, também, a luta destes institutos para que a formação em Serviço Social
passasse a ser reconhecida como ensino superior público. No entanto, este desígnio foi vetado
pelo Estado, mantendo-se como estabelecimentos do ensino superior particular até aos dias de
hoje.
Do ponto de vista identitário da profissão, a questão política passou a assumir um papel
estruturante na formação dos assistentes sociais do pós-25 de Abril, que após terminarem o curso
foram encontrar um terreno profissional cujas práticas dos assistentes sociais mais antigos
chocavam com o Serviço Social moderno. Esta dicotomia entre Serviço Social moderno e Serviço
Social clássico criou perspetivas simplistas e estereotipadas entre os novos profissionais, que
classificavam a maioria dos assistentes sociais formados antes do 25 de Abril como
assistencialistas assentes num paradigma funcionalista, ao passo que a abordagem adequada
deveria ser promotora da capacitação dos indivíduos e assente num paradigma estruturalista
(Amaro, 2012; Martins, 1999, 2009; Mouro, 2001; Santos, 2008; Santos, 2009).
Na década de 80 surgiu o desafio do reconhecimento da formação dos institutos de Serviço Social
como atribuidores do grau de licenciatura, que abriria caminho aos seus alunos para almejarem
carreiras superiores na administração pública que anteriormente lhes eram impossibilitadas.
Assim, somente em 1989 e 1990 é que a formação em Serviço Social passou a atribuir o grau de
licenciatura aos seus alunos, tendo sido atribuído em 1991 a todos os assistentes sociais
anteriormente formados também essa equiparação ao seu grau académico. Para Amaro (2012)
esta fase foi o segundo momento agregador da profissão em Portugal, desde a sua
38
institucionalização (primeiro momento para a autora), sendo que nesta fase a corrente de
pensamento do Serviço Social português era marcadamente assente numa visão alternativa face
ao Serviço Social clássico. No quadro 1 a autora apresenta a confrontação existente entre as
perspetivas clássicas e alternativas do Serviço Social, que se assumiram como diametralmente
opostas e que contribuíram para a criação uma visão redutora de muitos profissionais face à visão
clássica, rejeitando a clarificação da sua posição e pertinência para a prática profissional nos
momentos, em que de facto pode ser necessária. Verificou-se pouco ecletismo nos assistentes
sociais, que procuraram situar-se num dos polos, sem que, no entanto, este questionamento
metodológico partisse dos próprios assistentes sociais portugueses, ou seja, o choque
paradigmático surgiu noutros países e foi transferido de imediato para a formação dos novos
profissionais na década de 80, sem que essa necessidade tivesse surgido nos assistentes sociais
que já se encontravam no terreno. O resultado dessa disparidade refletiu-se na fraca aplicabilidade
dos conteúdos teóricos face à realidade vivenciada no terreno, que posteriormente contribuíram
para que entre os profissionais se desse à construção da ideia que a formação em Serviço Social
era insipiente e pouco consistente para as atividades desenvolvidas pelas instituições, contribuindo
para incrementar dúvidas relativas à identidade, ao agir e aos instrumentos e técnicas dos
assistentes sociais, que em muitas situações assumiram posições de subalternidade face a outras
áreas profissionais.
Quadro 1 - Serviço Social clássico vs. Serviço Social alternativo (Amaro, 2012, p.104)
Visão Clássica Visão Alternativa
Finalidade Coesão social Justiça social
Objetivo Regulação Mudança
Objeto Indivíduo Estrutura
Papel Adaptador Emancipador
Assistente Social Agente do bem
Tecnocrata
Agente de mudança
Messiânico
Abordagem metodológica Tripartida: caso, grupo, comunidade Integrada
Foco de intervenção Orientação para a pessoa Orientação política
Desempenho profissional Neutralidade Militantismo
Campo paradigmático Funcionalista/interpretativista Humanista/estruturalista
Função Assistencialismo Empowerment
Resultado Relações de dependência Autodeterminação individual
O desenvolvimento da profissão acabou por permitir a construção de uma perspetiva mais
complexa sobre a realidade, em que devido à variabilidade das situações problemáticas
39
encontradas no terreno, muitas vezes num primeiro momento, o assistente social não dispõe de
outra alternativa que não a função assistencialista ou paliativa, antes de poder estabelecer uma
abordagem de transformação social que autonomize e capacite os indivíduos. As questões
relacionadas com a identidade profissional do Serviço Social são um dos focos principais da
investigação na área em Portugal nos dias de hoje (Amaro, 2012; Santos, 2009).
No presente, após a reorganização do curso inerente ao processo de Bolonha, a sua estrutura
divide-se no 1º ciclo de estudos que corresponde à formação inicial de base e ao grau de
licenciatura, e, posteriormente, o 2º ciclo de estudos conducentes ao grau de mestre, existindo
ainda o 3º ciclo de estudos conducente ao doutoramento em Serviço Social. As questões
epistemológicas do Serviço Social continuam muito latentes nos dias de hoje, em que a
representação que a sociedade atual possui dos assistentes sociais é ainda uma visão clássica,
apesar da formação dos profissionais apontar no sentido oposto. Tal facto poderá dever-se à
inadaptação da visão alternativa do Serviço Social à realidade social portuguesa e das suas
instituições e à escassa produção científica proveniente do terreno que possa contribuir para a
construção de novas abordagens. No entanto, essa conceção assistencialista que a sociedade tem
dos assistentes sociais continua a impactar nos currículos dos cursos de Serviço Social do
presente, que ainda sublinham junto dos alunos a necessidade do assistente social assumir uma
postura de corte radical com a perspetiva assistencialista clássica, contribuindo, em certa forma,
para que os novos profissionais adquiram uma perspetiva redutora e estigmatizadora face ao
Serviço Social (Martins, 1999, 2009; Mouro, 2001; Santos, 2009).
1.5. Construção e desenvolvimento da identidade profissional no Serviço Social português
Toda a conjuntura já apontada relativa à emergência e institucionalização do Serviço Social em
Portugal impactou na construção da identidade profissional dos assistentes sociais ao longo do
período decorrente do surgimento das primeiras escolas de Serviço Social. Numa investigação
relativa à identidade profissional em Serviço Social em Portugal, Santos (2009) sistematizou o
desenvolvimento histórico da identidade profissional em seis momentos, apresentados no quadro
2, procurando identificar em cada momento de identidade profissional o contexto histórico, a forma
de Estado, o tipo de políticas sociais existentes, os objetivos dos profissionais de Serviço Social e
as metodologias de intervenção mais preponderantes.
40
Quadro 2 - Construções Históricas de Identidade Profissional (adaptado de Santos, 2009)
Identidade
Profissional
Época /
Espaço
Temporal
Forma de
Estado
Provisão
Social Políticas
Sociais
Objetivos
Profissionais
Metodologias de
Intervenção
Identidade
Assistencialista
Finais de
anos 20 –
Princípios
anos 30
Estado
Ditatorial
Assistência /
Caridade
Organizada e
Voluntária
Diminuição dos
problemas sociais
na ótica da
retribuição
económica
Indiferenciada
Voluntariado
Beneficência
Identidade
Social-
Harmonizadora
Finais anos
30 - 50
Estado
Ditatorial
Criação do
Instituto de
Assistência à
Família
Sistema
Corporativo
Instauração e
Restauração da
Ordem Social
Inquérito Social
Case-study
Identidade
Promocional
Finais anos
50 até
meados
anos 70
Fim do regime
ditatorial
Primavera
Marcelista
Estado de
Bem-Estar
Políticas Sociais
Distributivas
Promoção Social e
Comunitária
Planeamento e
avaliação
orientadas para a
aliança entre o
desenvolvimento
económico e o
desenvolvimento
social
Identidade
Desenvolvimenti
sta Crítica
Finais anos
70 e anos
80
Estado
Providência
Políticas Sociais
Produtivas
Dois objetivos:
a) Transformação
Social;
b) Mudança Social
O território como
sujeito e não
como objeto.
Diagnóstico e
projetos
comunitários
participados
Identidade
Humanista /
Desenvolvimenti
sta e Identidade
Humanista /
Assistencialista
Anos 80 e
90
Crise Estado
Providência
Políticas Sociais
Ativas
Ação social
contratualizada com
vista à
corresponsabilizaçã
o dos beneficiários
no acesso à
prestação social
Projetos de
desenvolvimento
integrado
Ação casuística e
Intervenção
Familiar
Trabalho em
parceria e
comunitário
Identidade de
Capacitação
Social
Finais anos
90
Crise Estado
Providência
Aparecimento
Workfare
Políticas Sociais
Ativas e
Políticas de
Inserção
Mobilização dos
intervenientes locais
e comunitários.
Integração Social
pelo trabalho.
Capacitação com
vista à autonomia
Contratualização
Técnicas de
Empowerment Trabalho em rede
Planeamento e
Avaliação
41
Neste sentido, a construção da identidade do Serviço Social português iniciou, num primeiro
momento, a partir de uma perspetiva assistencialista de resolução e diminuição dos problemas
sociais das franjas mais fragilizadas da população. Esta intervenção, anterior ao surgimento dos
primeiros cursos de Serviço Social, encontrava-se ainda imersa num contexto onde a beneficência
e o voluntariado eram dominantes (Santos, 2009).
Posteriormente, num segundo momento, imediatamente decorrente do surgimento das primeiras
escolas de Serviço Social em Portugal, verificou-se a instalação de uma identidade profissional
social-harmonizadora. Ou seja, pese embora já se encontrarem dotados de uma base científica
assente no positivismo e com uma metodologia profissional própria baseada no casework de Mary
Richmond e no diagnóstico social, o tipo de intervenção baseava-se na adaptação do indivíduo em
situação de necessidade à estrutura social e não contemplava o inverso, ou seja, uma intervenção
propositiva, em que os assistentes sociais propusessem alterações na estrutura social que
visassem a resolução de situações de injustiça social. Este tipo de intervenção também era
conveniente do ponto de vista do poder político então vigente, composto por um Estado ditatorial
(Santos, 2009).
O terceiro momento da construção da identidade profissional do Serviço Social advém das
alterações sociais e políticas que se começaram a sentir na sociedade portuguesa, permitindo
outro tipo de abertura a novas perspetivas sobre a intervenção social. A chegada de Marcello
Caetano ao poder e o início do fim do obscurantismo em Portugal – momento histórico conhecido
como Primavera Marcelista – trouxe consigo a intenção de criar progressivamente um Estado de
Bem-Estar, que traria consigo novos direitos sociais, desenvolvimento social e uma maior abertura
a novos conhecimentos nas ciências socias e humanas. O Instituto de Assistência à Família (IAF)
já criado em 1945 conheceu um alargamento significativo da sua intervenção após a
implementação dos dois primeiros Planos de Fomento do país, passando a focar-se não só no
apoio a questões estruturais básicas dos indivíduos (água, luz, habitação, saneamento, etc.)
passando a priorizar ao mesmo nível a saúde e a educação, através da criação do Serviço de
Promoção Social e Comunitária, do Serviço de Cooperação Familiar, do Centro de Formação e do
Gabinete de Estudos Sociais. Esta mudança teve um impacto significativo na formação dos novos
assistentes sociais surgindo uma mudança fundamental no objeto de intervenção do Serviço
Social. Assim, passou a contemplar-se uma intervenção que prevê a alteração da estrutura social
e das políticas vigentes no sentido de permitir um desenvolvimento dos indivíduos em situação de
42
exclusão, e não somente uma intervenção que visasse apenas a adaptação dos sujeitos à realidade
social. Emerge nesta fase a identidade promocional no Serviço Social (Santos, 2009).
O quarto momento de definição da identidade do Serviço Social português é denominado por
Santos (2009) de identidade desenvolvimentista crítica. Esta fase, compreendida entre os finais
dos anos 70 e os anos 80, coincidiu com a crise do paradigma positivista nas ciências sociais e
com o surgimento do Estado Providência pela primeira vez em Portugal. Nesta estrutura social, o
Estado assumiu um papel mais dominante na prestação de serviços à população, nomeadamente
nas áreas da saúde, da educação, da habitação e da segurança social. Profundamente
influenciada por uma democracia de tendência esquerdista, a sociedade portuguesa conheceu
uma nova Constituição da República em que esses valores aí se encontravam plasmados. O
impacto nos serviços sociais destas mudanças veio trazer sistema de segurança social unificado
e de acesso igualitário para todos os cidadãos, com enfoque, também, no desenvolvimento do
poder local. O Serviço Social conheceu nesta fase um forte pendor intervencionista na estrutura
social advogando e participando de forma crítica ao sistema social, no sentido da criação de uma
sociedade mais justa e que respondesse às dificuldades dos seus indivíduos. É inequívoca a forte
influência das perspetivas de diversos autores brasileiros de Serviço Social, que advogavam pela
intervenção política de esquerda do Serviço Social procurando apoiar as classes sociais mais
desfavorecidas no sentido de um crescente equilíbrio de poderes entre os diferentes estratos
sociais. Esta influência verificou-se do ponto de vista académico, nos conteúdos a serem
abordados nos cursos de Serviço Social e, também, na criação de novos modelos de intervenção
nas respostas sociais. Surgiu com maior incidência a perspetiva antagónica entre o Serviço Social
clássico e o Serviço Social alternativo, apresentado no quadro 1 no ponto anterior (Amaro, 2012;
Santos, 2009).
Em meados dos anos 80, mais concretamente em 1984, surgiram novas orientações tutelares
sobre a proteção social em Portugal, nomeadamente a Lei de Bases da Segurança Social. Estes
normativos tinham em linha de conta as características específicas das franjas mais fragilizadas
da população portuguesa, cujos principais problemas incidiam na obtenção de condições mínimas
de vida condigna e na obtenção de emprego. Estas carências da população tornaram-na menos
ativa no seu processo de mudança e atiraram-na para uma posição mais passiva na intervenção,
dadas as grandes debilidades. Este facto, bem como a crise de Estado de Providência e a adesão
de Portugal à Comunidade Europeia, também conduziram a que as instituições sociais passassem
a assumir um papel mais normativo e de controlo social, limitando-se a aplicar junto das
43
populações as medidas de apoio social previstas na lei, seja derivado da necessidade de restringir
as despesas nos apoios sociais prestados ou da necessidade de obedecer a normativas europeias,
cuja metodologia de intervenção a nível social apelava à instituição de um modelo de parcerias
sociais e transferência da responsabilidade de proteção social do Estado para o setor privado, para
a sociedade civil e para a família. A regulação social passa a ser ditada pelo mercado, facto que
leva ao surgimento de novos fenómenos de pobreza aos quais o Serviço Social terá de fazer face,
nomeadamente os Programas de Luta Contra a Pobreza, nos quais os novos modelos de
intervenção de influência neoliberal europeia passaram a contemplar a lógica das parcerias como
resposta às fragilidades sociais do país. Os assistentes sociais passaram a assumir no terreno
uma ação de caráter distributivo nos apoios a prestar às populações fragilizadas, cujo recebimento
de apoios implicava a contratualização, competindo-lhes dar algo em troca pelos benefícios sociais
que lhes eram facultados. Competia ao assistente social envolver os destinatários da sua ação em
todo o processo, mantendo o sigilo profissional e a flexibilidade e humanização nos procedimentos,
no sentido de utilizar o contrato para uma crescente responsabilização e emancipação do sujeito,
caso contrário a sua intervenção seria meramente normativa a paliativa, não permitindo a
capacitação dos cidadãos para fazerem face a desafios futuros. Santos (2009) divide este quinto
momento identitário do Serviço Social em três identidades distintas: identidade
humanista/assistencialista (intervenção pontual individual meramente normativa, sem
envolvimento do sujeito, e com vista à resolução de problemas urgentes), identidade
humanista/desenvolvimentista (procura o envolvimento dos destinatários da ação e estabelecer
parcerias com vista ao desenvolvimento comunitário) e identidade humanista/racional
harmonizadora (perspetiva menos clara que procura aliar, quer a perspetiva mais distributiva, quer
uma perspetiva que capacite os sujeitos e os consciencialize e incentive à participação ativa na
sociedade).
Por fim, a partir dos finais dos anos 90 e inícios do século XXI, surge um sexto momento
caracterizado pela continuidade da crise do Estado Providência e em que os cidadãos são cada
vez mais suportados pelo setor privado ao nível de respostas sociais. Surgem neste âmbito o
incentivo à criação de seguros de saúde, planos de poupança-reforma, etc., que visam efetivar a
transferência da responsabilidade social do Estado para a esfera privada. As restantes medidas de
apoio social asseguradas pelo Estado deixaram de obedecer a questões como a justiça social e a
solidariedade a fundo perdido, para obedecerem a critérios de rentabilidade e investimento. Desta
forma, instalou-se um Estado Workfare em que a prestação social surge quando o cidadão exerce
44
um trabalho ou atividade em troca que a sustente. Os incentivos estatais passaram a ser atribuídos
ao setor privado para que este assuma um papel central na resolução de problemas estruturais
da sociedade como o desemprego e o trabalho precário. As medidas de ação social visam a
inserção dos sujeitos excluídos dentro do sistema de mercado característico da sociedade, o que
vai influenciar as práticas e a identidade dos assistentes sociais que têm de intervir dentro deste
enquadramento. Santos (2009) refere que surge nesta fase uma identidade capacitação social no
Serviço Social, cujo papel de capacitar e transformar um sujeito não participativo no sistema e
vulnerável num sujeito autónomo e dotado de cidadania aproxima a sua intervenção dos interesses
da perspetiva de rentabilidade da sociedade capitalista.
2. O SERVIÇO SOCIAL NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
Mary Richmond e Jane Addams criaram à nascença da profissão de Serviço Social o cunho
marcado de uma abordagem multifacetada aos problemas sociais, em que o indivíduo, os grupos
e os meios envolventes eram objeto de intervenção, surgindo uma bifurcação na intervenção do
assistente social: o serviço social de casos e o serviço social comunitário. Essa característica faz
parte do código genético da profissão e da sua definição nos dias de hoje.
Por conseguinte, desde a sua génese o Serviço Social apresenta-se como uma profissão com uma
dupla dimensão. Em primeiro lugar trabalha com os indivíduos, clientes ou utentes de serviços,
procedendo à regulação de bens e serviços que se lhe destinam, fazendo a mediação das medidas
de política social e política do serviço onde os profissionais se inserem. Em segundo lugar utiliza
a informação e investigação sobre as situações sociais com que se confronta em prol da defesa
dos direitos cívicos e sociais dos cidadãos, sem se confinar à adaptação do indivíduo à sociedade,
constituindo-se num agente de reforma social (Martins, 1999).
Neste sentido, antes de se abordar as formas como o Serviço Social se operacionaliza e constrói
a sua identidade na realidade contemporânea, é importante definir o que é o Serviço Social.
2.1. Definição de Serviço Social
Em julho de 2000, na cidade de Monreal, a Federação Internacional dos Assistentes Sociais (FIAS)
procurou encontrar uma definição de Serviço Social aplicável a todos os países onde a profissão
existe e se desenvolve. A definição avançada pela FIAS defende que o Serviço Social é uma
profissão que promove a mudança social, a resolução de problemas nas relações humanas, a
capacitação e a libertação dos indivíduos no sentido do seu bem-estar. Para tal, os profissionais
45
utilizam teorias do comportamento humano e dos sistemas sociais, no sentido de intervir nos
pontos onde os indivíduos interagem com o contexto ambiental de pertença. Os princípios dos
direitos humanos e a justiça social são fundamentais para o Serviço Social (Hare, 2004).
Ressalve-se que o esforço conjunto desenvolvido pelos elementos da FIAS na construção desta
definição procurou descrever o que de facto é o trabalho dos assistentes sociais na sua prática
real, devendo ser encarado como uma proposta de definição permeável à mudança, no sentido
de se adaptar às constantes alterações que a prática for desenvolvendo. Amaro (2012) salienta
que esta definição enfoca com especial ressalva a questão do indivíduo no seu contexto, o que
não deixa de ser interessante na comparação com a IP, que também perspetiva o ser humano,
mais especificamente a criança, a partir do seu contexto, pelo impacto que este tem no seu
desenvolvimento.
A figura 1 demonstra o espetro no qual a profissão de Serviço Social se desenvolve, passando
desde a abordagem individual caso a caso, correspondendo à intervenção ao nível micro, até à
abordagem comunitária ou de grupos, que corresponde a um nível de intervenção macro. Este
enquadramento esquemático tem em consideração a realidade da intervenção do Serviço Social
a nível internacional. O caso da expressão Serviço Social Clínico aplica-se recorrentemente na
realidade norte-americana, no sentido de designar uma especialidade de intervenção que apenas
pode ser desempenhada por um assistente social com qualificações específicas para o efeito. Em
Portugal esta questão não se aplica e a regulamentação para o desempenho das funções de
assistente social circunscreve-se à tutela responsável pelo ensino superior que tem o poder de
homologar os cursos de Serviço Social ministrados no país. Branco (2009) refere que a ausência
de uma ordem profissional ou associação de profissionais no país tem contribuído para a
insuficiente regulamentação profissional na área.
46
Figura 1 – Definição de Serviço Social (Hare, 2004)
2.1.1. CRÍTICAS E DESENVOLVIMENTOS DA DEFINIÇÃO
Weber (2011, p.84) contrapõe a definição apresentada pela FIAS com uma mais antiga do
Conselho da Europa, datada de 1967, que define o Serviço Social com sendo
(…) uma atividade profissional específica que tem, como finalidade, favorecer uma melhor
adaptação recíproca das pessoas, das famílias, dos grupos e do meio social em que vivem,
bem como desenvolver o sentimento de dignidade e de responsabilidade dos indivíduos,
apelando para as capacidades das pessoas, para as relações interpessoais e para os
recursos da coletividade.
Com a apresentação desta definição, o autor pretende destacar a questão da autonomia,
participação ativa e integração social, evocando à responsabilidade e dignidade dos indivíduos. O
autor salienta que o indivíduo é capaz de produzir alterações no meio ambiente no sentido de
torna-lo mais favorável ao seu desenvolvimento enquanto pessoa, sendo que o assistente social
pode assumir um papel de relevo no apoio ao sujeito em processo de mudança, seja ela pessoal
ou contextual. Esta perspetiva do ser humano enquanto agente ativo, responsável, autónomo, livre
47
e digno são valores expressos na Declaração Universal dos Direitos de Homem que, tal como
preconizado pela FIAS são valores nucleares do Serviço Social (Hare, 2004; Weber, 2011).
Mais recentemente, Folgheraiter & Raineri (2012) analisaram de uma perspetiva crítica a definição
proposta pela FIAS, acrescentando diversos aspetos que, no seu entender, não haviam sido
devidamente evidenciados. Os autores desmontaram e desenvolveram as ideias propostas na
definição da FIAS, completando-as e construindo uma definição mais abrangente.
Assim, para os autores, o Serviço Social é um conjunto de diversas profissões sociais,
desenvolvidas dentro ou fora do âmbito de políticas de bem-estar social de um dado território ou
nação. Baseado em todas as ciências sociais, com especial incidência nas de orientação
fenomenológica e humanista, o Serviço Social promove a resolução de problemas,
independentemente da sua origem, através da exploração da dinâmica presente nas relações
humanas. Os princípios da autodeterminação, reciprocidade, bem como a defesa dos direitos
humanos e o combate às injustiças sociais, são fundamenais para profissão do Serviço Social. A
intervenção é desenvolvida nas ligações e interações existentes entre os seres humanos que
partilham dificuldades num dado contexto, utilizando as potencialidades advindas dessas
interações. O Serviço Social promove e acompanha as mudanças sociais desejadas que emergem
como uma reação dos sujeitos face à perceção partilhada de dificuldades, existentes ou potenciais,
da vida social. O Serviço Social incorpora o espírito do empowerment, promovendo a libertação
dos indivíduos ao acreditar no seu poder de iniciativa, para que estes se sintam capazes de
contribuir no sentido da construção do bem-estar comum e, até, ajudar os próprios profissionais
a atingir os objetivos inerentes ao exercício das suas funções (Folgheraiter & Raineri, 2012).
2.1.2. DA DEFINIÇÃO À PRÁTICA DOS ASSISTENTES SOCIAIS
Para Robertis (2011) o assistente social é um profissional que aporta à sua prática saberes e
conhecimentos próprios das ciências sociais, da saúde, do direito e da legislação social. É com
um amplo espetro de conhecimentos que o assistente social organiza a forma como perspetiva a
complexidade global das situações com que se depara no seu campo profissional. Encarar a
realidade em toda a sua complexidade e aplicar essa perspetiva em toda a rede de ligações
subordinadas ao sujeito apoiado pelo assistente social é o objeto de trabalho com que esta
categoria profissional procura responder aos desafios com que se depara. Weber (2011, p. 68)
refere que muitos assistentes sociais se recusam a definir a sua prática pelo objetivo da mesma,
pelo risco de cair em reducionismos que descurariam aspetos importantes que a caracterizam.
48
No entanto, o autor oferece um enquadramento da profissão referindo que esta procura “(…)
favorecer o bem-estar, a autonomia e a participação social dos clientes numa perspetiva de
liberdade, de igualdade e de respeito pelos direitos humanos.”. Existe, portanto, a ideia subjacente
de que o profissional apoia o cliente no sentido da sua crescente autonomização e
autodeterminação, com a noção de que este ajustamento deve ser feito quer pelo sujeito, quer
pelo meio social em que se insere.
Existe um consenso entre os autores relativamente ao impacto que as ciências sociais têm na
prática do Serviço Social, na figura 2 Weber (2011) apresenta esquematicamente uma súmula de
algumas das diversas correntes de científicas que impactam e constroem o saber do assistente
social. Destacam-se como principais correntes de influência no Serviço Social a pedagogia, a
filosofia, a sociologia, a antropologia, a psicologia, a biologia, a ecologia e a economia (gestão).
Uma vez mais é possível encontrar nesta matriz teórica do Serviço Social aproximações às teorias
que sustentam a IP, nomeadamente, a abordagem ecológica, a abordagem sistémica, a gestão de
casos e o trabalho por objetivos. Destaque-se também que a abordagem construtivista encontra-
se fortemente inserida no contexto contemporâneo do Serviço Social, como uma perspetiva cujas
premissas fundamentais em muito de assemelham à prática dos profissionais. Esta perspetiva
refere que é partilhada “(…) a ideia de que o indivíduo aprende em contacto com o seu meio
ambiente e que o conhecimento que daí emerge deve permitir-lhe fazer escolhas”, no entanto, o
Serviço Social apresenta-se mais orientado para resolução de problemas, autodeterminação e
realização do indivíduo, ao passo que o construtivismo se foca mais numa procura de sentido,
através da reflexividade, autorreferência e autonomia (Weber, p. 70). Pese embora as suas
semelhanças, o construtivismo não é um modelo de Serviço Social precisamente porque à noção
de modelo aporta-se a ideia de objeto de imitação e repetição de procedimentos, ao passo que o
construtivismo visa precisamente o oposto, ou seja, aprender a aprender, com base nos
conhecimentos que se vai construindo com prática e a reflexão sobre a mesma, num processo
ininterrupto que não se fecha em si mesmo.
49
Figura 2 - Correntes de influência no Serviço Social (adaptado de Weber, 2011)
Num estudo realizado em Portugal, Ferreira (2011) estrutura o desenvolvimento da intervenção
do Serviço Social português contemporâneo, desta feita dividindo-o em cinco períodos essenciais:
o primeiro entre 1940 e 1960; o segundo de 1960 a 1980; o terceiro na década de 1980; o quarto
na década de 1990; e o quinto período a partir de 2000. Cada um destes períodos representa
estádios diferentes no desenvolvimento e construção da ação do assistente social. O quadro 3
procura esquematizar este desenvolvimento proposto pelo autor.
50
Quadro 3 - Desenvolvimento da intervenção do Serviço Social português (adaptado de Ferreira,
2011)
Período Contexto Intervenção Profissional
1940-1960 Pós-guerra
Sociedade industrial
Divisão sociotécnica do
trabalho
Assistencialismo
Prevenção de problemas dos indivíduos
Adaptação à ordem social
1960-1980 Emergência da sociedade
capitalista
Rutura com o assistencialismo
Sequenciação de procedimentos: diagnóstico,
tratamento e avaliação
Intervenção na estrutura social
Busca do bem-estar biopsicossocial dos indivíduos
1980-1990 Emergência de
movimentos sociais
Fundação das IPSS
Abordagem relacional
Defesa da distribuição equitativa de recursos
1990-2000 Forte influência do poder
europeu no país
Forte cariz institucional
Promoção da autonomia e participação social dos
indivíduos
A partir de 2000 Incerteza gerada pela
globalização e
neoliberalismo
Crise económica
Parcerias
Criação e dinamização de redes de apoio
De acordo com Ferreira (2011), o primeiro período (1940-1960) surge com a emergência do
Serviço Social nos estados europeus, em particular em Portugal com a criação das primeiras
Escolas de Serviço Social. A realidade social desta fase do século XX acarretava consigo as
consequências imediatas do pós-Guerra, da sociedade industrial e da divisão sociotécnica do
trabalho, que se manifestavam em várias franjas desfavorecidas da população, cujos problemas
sociais compreendiam diversos fatores complexos que careciam de um tratamento profissional
especializado e suportado por um quadro metodológico diverso e sustentado com a investigação
desenvolvida no campo das ciências humanas e sociais. Pese embora este seu caráter científico,
o Serviço Social deste período caracterizou-se por uma forte componente preventiva dos problemas
e assistencialista (menor enfoque na capacitação e autonomização do sujeito para a resolução
ativa num papel central dos seus próprios problemas).
O segundo período (1960-1980) distinguiu-se pelo alargamento da profissão de assistente social
ao género masculino e a um incremento do Serviço Social comunitário, com especial incidência
nas comunidades rurais. Nesta fase é evidenciado o binómio meio-personalidade como objeto de
intervenção da profissão, que para além de se debruçar sobre o sujeito individual, também procura
51
criar mudanças do ponto de vista grupal. A intervenção do assistente social assume uma
caracterização metodológica assente nas fases sequenciais de diagnóstico, tratamento e avaliação
da intervenção. Do ponto de vista macrossocial, na fase final deste período, as alterações
produzidas pela instalação da sociedade capitalista nos anos 80, acarretaram uma rotura com a
perspetiva assistencialista no Serviço Social, passando este a assumir uma perspetiva
intervencionista/estruturalista, que passou conceptualizar o ser humano de um ponto de vista
biopsicossocial integral. Esta nova fase da profissão é marco essencial para a construção da
prática do assistente social nos dias de hoje (Ferreira, 2011).
O terceiro período (a partir de 1980) notabilizou-se em Portugal pelo surgimento de movimentos
sociais importantes, com a fundação das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS).
Baseado no paradigma relacional, o Serviço Social contribuiu para que estes movimentos sociais
se organizassem e se mobilizassem no sentido de combater os efeitos negativos da sociedade
capitalista, através das instituições e das comunidades, numa perspetiva solidária e de
redistribuição equitativa de recursos (Ferreira, 2011).
A partir de 1990 surge o quarto período, em que o Serviço Social passa a integrar-se num contexto
social predominantemente marcado pelo espaço europeu, com uma forte abertura e interação
internacional constante nos níveis sociais, económicos, do emprego e culturais. Questões como a
igualdade de género, grupos e minorias étnicas, desvio social, orientação sexual e não
discriminação, passam a ser objeto de intervenção intensa da profissão. Neste sentido, o Serviço
Social assentou a sua intervenção na relação do Estado com a sociedade, em que as IPSS e as
Organizações Não Governamentais (ONG) assumem-se como instituições promotoras e defensoras
dos direitos humanos. Neste quadro, o profissional passa a construir a sua prática profissional
com base na defesa dos direitos humanos dos indivíduos e das formas coletivas de
desenvolvimento, procurando a autonomia e a participação social destes (Ferreira, 2011).
O quinto período (a partir de 2000) prolonga-se até à atualidade, inserindo o Serviço Social numa
realidade profundamente marcada pelas mudanças económicas e políticas face à globalização e
ao neoliberalismo, em que as privatizações e a terciarização da economia acarretam grandes
dificuldades para a vida dos cidadãos em Portugal, cujas carreiras profissionais historicamente
vinham a assentar no primeiro e segundo setores da economia (agricultura e indústria,
respetivamente). Neste contexto de crise económica e financeira mundial, a intervenção
desenvolvida pelo Serviço Social passa a alicerçar-se numa lógica de parceria e criação de redes
de apoio, que implica a necessidade de voltar a conceptualizar novas formas de emprego,
52
responsabilidade social, modelos de famílias, desenvolvimento comunitário e novas políticas
sociais (Ferreira, 2011).
2.1.3. ABORDAGEM TRIPARTIDA NA PRÁTICA DO SERVIÇO SOCIAL CONTEMPORÂNEO
Tal como é possível verificar pelo desenvolvimento histórico e pela realidade vivenciada nos dias
de hoje, a identidade de cada assistente social é indissociável do contexto temporal, espacial e
situacional em que se encontra. Neste sentido Payne (2006) refere que a intervenção do Serviço
Social contemporâneo divide-se em três dimensões que estruturam as práticas que cada
assistente social assume:
1. Terapêutico;
2. Ordem social;
3. Transformacional.
Assim, uma prática de cariz terapêutico caracteriza-se por uma abordagem em que o Serviço
Social procura encontrar o melhor bem-estar possível para os destinatários da sua ação,
promovendo e facilitando o crescimento pessoal e sentimento de realização pessoal. A intervenção
é efetuada numa reciprocidade constante entre o assistente social e o destinatário da ação que
permite que ambos cresçam durante a relação de ajuda numa espiral de interações e influências
mútuas, em que os destinatários da ação sofrem um processo de maturação nas suas ideias face
ao problema e os assistentes sociais são progressivamente mais capazes de os apoiar à medida
que vão conhecendo mais aprofundadamente a sua realidade. O autor denomina esta influência
mútua como reflexividade. Há medida que os assistentes sociais vão refletindo cada vez mais
sobre os problemas que as pessoas lhes apresentam, vão sendo cada vez mais capazes de dar
retorno à sociedade em geral sobre essas dificuldades e da forma como as pessoas vão
encontrando os seus caminhos de mudança para lhes fazer face. Este crescimento faz aumentar
o conhecimento da intervenção na área, permitindo que estratégias de sucesso possam ser
colocadas ao dispor dos sujeitos noutras situações, com as devidas adaptações a cada situação
específica. Por seu lado, os destinatários da ação ao refletirem sobre os seus problemas e ao
aplicarem estratégias de mudança vão se sentindo cada vez mais capazes e autónomos para
fazerem a sua própria mudança, contribuindo desta forma para a construção de uma prática
fundamentada no empowement (Payne, 2006).
A prática orientada para a ordem social diz respeito a uma abordagem em que os profissionais se
focam primordialmente nos procedimentos e leis de uma dada sociedade para darem resposta às
53
necessidades dos destinatários da ação. Assim, esta abordagem perceciona o destinatário da ação
no sentido de promover que este se adapte à sociedade da qual se encontra excluído, contribuindo
para que um maior número de pessoas se inclua na ordem social vigente. Uma das críticas
apontadas a esta abordagem refere-se ao pouco investimento que é feito pelo assistente social em
refletir acerca de eventuais injustiças que o próprio sistema social possa conter e que possam ser
alvo de mudança, seja através de propostas à tutela ou à mobilização de indivíduos e comunidades
no sentido de em conjunto provocarem alterações à ordem social vigente (Payne, 2006).
Por fim, a abordagem transformacional foca-se essencialmente na análise e estudo da organização
estrutural da sociedade, no sentido de identificar situações em que a ordem social esteja a
provocar direta ou indiretamente fenómenos de exclusão e injustiça social, com impacto negativo
nos indivíduos, famílias e comunidades. Esta abordagem defende um Serviço Social mais
propositivo e político (Payne, 2006).
Não existe, no entanto, um posicionamento estanque por parte de cada assistente social na sua
inclinação para cada uma das três abordagens propostas por Payne (2006). O mais comum é
identificarem-se em cada profissional algumas características de cada uma das abordagens,
podendo existir uma maior inclinação para uma ou mais abordagens. Assim, a título de exemplo,
Payne (2006, p.13) esquematiza através de um triângulo as três abordagens profissionais,
situando vários pontos em que situam quatro assistentes sociais diferentes (A, B, C e D). Na figura
3, é possível verificar que o profissional A enquadra a sua prática através de uma abordagem
mista, em que utiliza simultaneamente e com a mesma predominância a abordagem terapêutica
e a de ordem social, não contemplando qualquer abordagem transformacional na sua prática. Por
outro lado, o profissional B também utiliza preferencialmente duas abordagens, neste caso a
terapêutica e a transformacional, não se focando na de ordem social. O profissional C, ao situar-
se no centro do triângulo, assume na sua prática as três abordagens, sem que nenhuma se
evidencie perante as outras. Por fim, o profissional D orienta a sua prática essencialmente através
de ações transformacionais, preterindo a abordagem terapêutica e de ordem social.
54
Figura 3 - As três abordagens do Serviço Social (adaptado de Payne, 2006)
O posicionamento de cada um dos profissionais esquematizados na figura 3 pode dever-se a
diversos fatores. Os anos de experiência profissional podem influenciar as suas abordagens, uma
vez que um recém-licenciado poderá tender a assumir na sua prática as orientações
institucionalmente previstas e procurará mais a mudança individual e uma menor provocação da
alteração da ordem social. Na figura 3, esse profissional poderá ser o profissional A. O tipo de
serviço em que o assistente social se encontra também interfere na abordagem que o profissional
assume na sua prática. Por exemplo, um assistente social que exerça funções num serviço de
apoio a vítimas de violência doméstica poderá estar mais orientado para uma abordagem
transformacional que vise sensibilizar a sociedade e os organismos tutelares, no sentido de criar
um enquadramento social e jurídico que proteja as vítimas dos agressores, seja através da criação
de respostas sociais de acolhimento temporário ou de apoio jurídico, por exemplo. Também
orientaria a sua abordagem profissional no sentido terapêutico, na intervenção conjunta que faria
diretamente com as vítimas. Na figura 3 este hipotético profissional poderia ser o B. Em suma, o
posicionamento de cada assistente social no modelo proposto por Payne (2006) será sempre
dependente das circunstâncias contextuais e da identidade que cada profissional vai construindo
ao longo do seu percurso profissional. Neste sentido, é possível que ao longo da sua carreira o
profissional vá adotando com maior preponderância determinada abordagem, mas posteriormente
passe a privilegiar outra, consoante o contexto.
55
Esta plasticidade que a prática do Serviço Social foi adquirindo ao longo da história, seja pela
abordagem clássica que esteve na sua génese, seja pela alternativa de maior pendor político a
partir dos anos 70, acabou por contribuir para que o Serviço Social em Portugal se encontre a
atravessar uma crise de identidade constante nos seus profissionais, que em determinadas
situações sentem dificuldade em especificar quais são as características da prática do assistente
social. A própria história curta da investigação em Serviço Social em Portugal também contribui
para esta desfiliação dos profissionais que estão na prática do terreno face aos conteúdos
abordados nas universidades e pela produção dos investigadores. Amaro (2012, pp.164-165)
conceptualizou este fenómeno como obscurantismo identitário no Serviço Social referindo-se “(…)
ao facto de que a quase total ausência de debate interno na profissão sobre a sua história, as
correntes que a atravessam e as respetivas implicações para a prática redundam numa identidade
vaga, imprecisa e, não raras vezes, pouco aprofundada e esclarecida”.
Neste sentido, para que se compreenda o posicionamento dos assistentes sociais na sua prática
e em específico dos profissionais integrados em serviços de IP, é importante que se analise o
contexto social contemporâneo estrutural e que implicações poderão advir para a prática dos
profissionais de Serviço Social. No ponto seguinte será explanado o perfil identitário do assistente
social português na realidade contemporânea.
2.2. O perfil do Serviço Social na sociedade contemporânea
A realidade social encontra-se em constante mutação, em fluxos complexos de acontecimentos
com consequências imprevisíveis na sociedade, do ponto de vista social, económico, político e
axiológico. Esta mutabilidade exige do Serviço Social contemporâneo a capacidade de se reinventar
constantemente. Se por um lado, este facto poderá constituir-se como um obstáculo à
estabilização de intervenções e técnicas profissionais, por outro lado conduz a um maior
desenvolvimento profissional, no sentido de encontrar respostas inovadoras para os problemas
sociais. Em todo o caso, a finalidade do Serviço Social mantém-se, independentemente das
mutações da realidade contemporânea, tendo como uma das suas missivas “(…) a efetivação de
uma justiça social substancial” (Albuquerque, Almeida & Santos, 2013, p.7).
Neste sentido, e para que a sua missão seja salvaguardada, a formação dos profissionais de
Serviço Social deverá capacitá-los no sentido de despertar um pensamento crítico e consistente
sobre a sociedade. Assim será possível manter a renovação metodológica constante no processo
de intervenção, de forma a responder de forma adequada e contextualizada aos desafios surgidos
56
em diferentes realidades sociais. Howe (2009) refere que a capacidade de questionar
permanentemente a realidade que o rodeia é uma mais-valia característica do assistente social,
uma vez que contribuirá para uma prática pensada, justificada e reconhecida. A curiosidade é uma
qualidade que poderá apoiar os assistentes sociais a manterem-se despertos e ativos no âmbito
da sua intervenção.
Tal como analisado no ponto anterior acerca da sua perspetiva histórica, o percurso do Serviço
Social desde a sua génese até aos dias de hoje, é perpassado por um pendor político inequívoco,
que procura salvaguardar a participação justa, responsável e informada de todos os elementos
constituintes da sociedade. Este desafio não é simples, uma vez que a realidade contemporânea
apresenta características complexas, decorrentes de um aprofundar do modelo de sociedade
industrial e capitalista do final do século XIX, e que esteve na origem do Serviço Social. A
contemporaneidade caracteriza-se pela presença global da tecnologia, do mercado liberalizado de
bens materiais e imateriais, na instrumentalização da vida humana em prol da competitividade,
eficácia e eficiência, e de um agravamento das desigualdades, das carências, da subjugação e da
submissão humanas, que deixa para trás um projeto de sociedade humanista para as gerações
vindouras (Albuquerque, Almeida & Santos, 2013; Amaro, 2012).
Amaro (2012, p.21) refere que a organização social atual, a partir da perspetiva do ocidente
europeu, advém do processo decorrente da terceira Revolução Industrial, que assentou numa
sociedade que perspetivava o mundo do ponto de vista de um racionalismo instrumental,
fundamentado por uma base científica. Para a autora, as consequências destas inter-relações
resultaram, entre outros, em quatro fenómenos de transformação social que caracterizam a atual
civilização tecnológica:
1. Uma crescente tendência para transformação da vida e do mundo em informação;
2. Um desempenho económico centrado em torno da informação, em detrimento de fatores
como a terra, o trabalho ou o capital;
3. Um processo de compressão do tempo e do espaço devido à generalização das
tecnologias da comunicação e da informação e da sua aplicação ao processo produtivo;
4. Um aprofundamento das sociedades de consumo de massas.
Amaro (2012, p.22) ressalva ainda que na sociedade contemporânea assiste-se ao fenómeno “(…)
das forças do mercado e da inovação tecnológica prosseguirem desenfreadas em prol do aumento
da competitividade, da produção e da inovação e desligadas de um projeto ético, político e social
para a humanidade – no mundo contemporâneo os meios parecem ter atingido estatuto de fins”.
57
Esta corrosão do contrato social acaba por ser insustentável pelo Estado, uma vez que as suas
consequências proliferam e a única resposta encontrada tem sido o investimento em mais
educação para a utilização das novas ferramentas tecnológicas, no sentido de resolver os
problemas colocados pela própria tecnologia. No entanto, desse processo, novos problemas têm
surgido. Assiste-se, também, a uma desvalorização dos laços interpessoais, que se manifestam
na vida das pessoas através de um desapego e infidelidade à entidade onde se trabalha, aos
colegas, às causas coletivas e ao estabelecimento de redes sociais informais. Ao invés, na
sociedade atual, valoriza-se a mobilidade laboral e o empreendedorismo, contribuindo para que o
ser humano se conceba no sentido de, primeiramente, sobreviver e depois atingir o sucesso, sem
perspetivar o impacto e consequências no todo em que se encontra inserido. A participação política
dos indivíduos conheceu um decréscimo significativo, com a criação de uma ideia de que a ciência,
sendo neutra, substituiria os ideais do bem e da luta pela verdade. As correntes políticas
mobilizadoras do século XX foram substituídas por uma sociedade cristalizada, focalizada na
eficácia, na eficiência e na competitividade. Os seus elementos procuram cada vez mais o
consumo e o individualismo, focando-se em diminuir cada vez mais o espaço e o tempo que os
separam das suas necessidades, que por serem rapidamente satisfeitas, levam a que entrem
numa espiral de novas necessidades, muitas vezes fomentadas pela indústria que explora cada
vez mais as novas tecnologias de informação para proliferação do consumo. A dimensão do ter
assume uma preponderância sobre a dimensão do ser nos indivíduos, tornando-os inoperantes
face a fenómenos de injustiça social, que o atual modelo de sociedade acaba por produzir.
Do ponto de vista civilizacional, e comparando com a realidade da sociedade industrial de onde
emergiu inicialmente o Serviço Social, a contemporaneidade aporta-nos um modelo de sociedade
dependente economicamente da especulação informativa, cujo caminho de desenvolvimento se
pauta pela incerteza. Os avanços tecnológicos e da ciência, ao invés de terem sido aportados no
sentido da erradicação dos fenómenos de degradação do bem-estar dos seres humanos (pobreza,
fome, doença, etc.) foram aplicados no sentido do desenvolvimento do sistema capitalista surgido
da sociedade industrial, transformando-a numa sociedade informacional, caracterizada por uma
grande competitividade, tecnicismo e individualismo. Neste sentido, as diferenças entre ricos e
pobres são cada vez maiores, num contexto em que a sociedade premeia a competência e a
eficiência individual em detrimento da justiça social, da equidade e do bem comum. A título de
exemplo, o somatório de todos rendimentos dos 416 milhões de indivíduos mais pobres do mundo
é menor que o somatório das 500 pessoas mais ricas, sem contabilizar a riqueza herdada por
58
estas. A desigualdade entre ricos e pobres não conhece fronteiras, sendo que mesmo dentro da
população dos países mais ricos, as assimetrias são cada vez maiores, num claro reflexo das
consequências de décadas de meritocracia (Amaro, 2012).
Este contexto constitui um desafio estrutural para o Serviço Social que enquanto profissão também
se vê acossado pelas novas correntes de pensamento contemporâneas. Nos dias de hoje, a
profissão encontra-se fortemente englobada na aplicação de medidas e políticas sociais dos
Estados, levando a que em muitas situações os profissionais sejam meros aplicadores dos
métodos e procedimentos definidos pela estrutura governamental, que burocratizam e
ultrarracionalizam a prática do assistente social, moldando-o à imagem do mundo moderno,
colocando a sua intervenção num abordagem predominantemente fomentadora da ordem social,
para utilizar o termo proposto por Payne (2006). Este fenómeno é definido por Amaro (2012)
como finalismo metodológico, referindo-se ao facto de, cada vez mais, a relação com os sujeitos,
a construção de narrativas e a consciencialização de valores se encontrarem a ser substituídas
pelas técnicas de diagnóstico, pelo planeamento e avaliação da intervenção, priorizando práticas
progressivamente mais focadas na eficiência e eficácia alcançadas e no número de respostas
providenciadas. Dominelli (2004) destaca no âmbito deste finalismo metodológico a aplicação nos
serviços sociais de metodologias que visam garantir a aplicação do gerencialismo, nomeadamente
a certificação de qualidade dos serviços, através da implementação de normas internacionais e
outros sistemas similares. Destas perspetivas eminentemente contemporâneas, surgem
orientações e procedimentos que o profissional deverá seguir na sua prática, que enfatizam
regimes de controlo burocráticos em detrimento do contacto cara-a-cara na relação do assistente
social com o destinatário da sua ação. Desta forma, o profissional passa a ser um mero aplicador
de um fluxo de ações que garantem uma prática que se supõe que seja mais científica e mais
satisfatória para os destinatários da intervenção, ao mesmo tempo que é mais sustentável do
ponto de vista a utilização de recursos. Neste sentido, a aplicação do método é a finalidade da
intervenção do assistente social.
Dominelli (2004) refere que esta visão gerencialista não é a adequada para fazer face à diversidade
das necessidades dos sujeitos, nem tão pouco contribui para um desenvolvimento pleno da
sociedade, tal como prometido pelos seus impulsionadores. Pese embora a visão gerencialista ser
um aspeto central das políticas europeias, o economicismo, a primazia pela eficácia e pela
eficiência conduziram à implementação de serviços sociais orientados para o orçamento dos
projetos ao invés de uma orientação para as necessidades dos destinatários dos serviços. Este
59
facto denota-se essencialmente no estreitar de critérios de elegibilidade que limitam o número de
beneficiários dos serviços, a redução da participação e da escolha nos processos de decisão por
parte dos destinatários, bem como o seu afastamento das questões ligadas com a elaboração da
resposta social e a forma como esta é providenciada pelos serviços. O gerencialismo reforçou nos
serviços sociais uma abordagem centrada nas orientações emanadas pelos patamares superiores
dos serviços, levando a que os profissionais se sintam desiludidos e mergulhados num regime de
intervenção ditatorial e incapaz de se moldar às características individuais dos destinatários das
ações, reduzindo a autonomia dos profissionais e dos processos de intervenção social. Amaro
(2012) ressalva que estas dificuldades identitárias da profissão se refletem nos seus profissionais
para além do nível da intervenção cara-a-cara com os destinatários. Com efeito, também surgem
dificuldades de afirmação ao nível académico e ao nível da organização profissional. Se o
desenvolvimento académico do Serviço Social em Portugal já por si conheceu um surgimento
tardio, junta-se esta indefinição identitária da profissão que conduz uma reduzida contribuição por
parte dos intervenientes da profissão no terreno para o crescimento académico, o que
consequentemente resulta numa das lacunas da área mais apontadas pelos profissionais à
academia: uma ausência de produção científica sobre os temas que interessam para a prática.
Existe uma clara necessidade de estreitar relações entre a teoria e prática no Serviço Social, sendo
que o paradigma gerencialista pouco contribui para que se efetive.
2.3. O perfil do Técnico Superior de Serviço Social vs. O perfil do Assistente Social
Fruto da complexidade em que a profissão de assistente social se encontra embrulhada, surgem,
de acordo com Amaro (2012), dois perfis profissionais que representam a dicotomia existente
entre o paradigma gerencialista e o paradigma humanista: o perfil científico-burocrático de onde
emerge o Técnico Superior de Serviço Social e o perfil científico-humanista característico do
Assistente Social, cujas características se confrontam em diversos aspetos antagónicos, referidos
nas figuras 4 e 5.
60
Figura 4 - Perfil científico-burocrático: Técnico Superior de Serviço Social (Amaro, 2012, p.127)
Figura 5 - Perfil científico-humanista: Assistente Social (Amaro, 2012, p.128)
O perfil científico-burocrático tende a utilizar procedimentos e guias de intervenção devidamente
definidos e testados no sentido de apresentar um desempenho competente. A finalidade da
intervenção tende a prender-se à aplicação desses mesmos procedimentos e ferramentas para
dar resposta às necessidades dos destinatários da ação, daí a entrada no chamado finalismo
Técnico Superior de Serviço Social
Procedimentos e guias: finalismo
metodológico
Neutralidade
Gestão dos casos: eficiência
e eficácia
Adaptação do indivíduo ao establishment
Avaliação dos resultados
"Engenharia social"
Separação teoria‐prática: Pressuposto empiricista
Assistente Social
Reflexividade
Consciência política
Erradicação dos problemas
Trabalho sobre o indivíduo e
sobre a estrutura
Avaliação processual: relacional;
construção de sentidos
"Arte" da intervenção
social
Teoria gerada e desconstruída/ reconstruída na
prática
61
metodológico. A intenção deste tipo de abordagem é dotar a relação de ajuda de neutralidade,
substituindo diretamente uma abordagem mais subjetiva e variável consoante o discernimento e
maturidade ética do assistente social. Por outro lado, o perfil científico-humanista valoriza os
procedimentos e ferramentas técnicas, não no sentido de finalidade de intervenção, mas sim como
possibilidade de incorporar os dados daí recolhidos para análise reflexiva e crítica de cada situação,
e usados somente se necessário (Amaro, 2012).
Do ponto de vista da contribuição da ciência para prática, o perfil científico-burocrático preconiza
uma separação entre teoria e prática, dividindo os atores entre a fatia dos produtores de
conhecimentos (investigadores) e a fatia dos que aplicam esses conhecimentos na prática
(assistentes sociais no terreno). Emerge deste enquadramento a evidence-based practice que
defende a existência de uma investigação orientada para a aferição de procedimentos, que
posteriormente os profissionais no terreno deverão aplicar para fazer dar resposta aos problemas
com que se deparam. Por seu turno, o perfil científico-humanista entrelaça a teoria e a prática,
referindo que é na ação desta última que a teoria recolhe pistas para a interpretação da realidade.
Neste sentido, a relação da teoria e da prática encontra-se em permanente construção e
desconstrução, cabendo ao assistente social refletir sobre a sua prática e não se limitar à aplicação
das normas práticas recomendadas exteriormente para a sua função. Não deixa, no entanto, de
se constatar o facto de parte dos profissionais adotar uma postura meramente normativa e não
reflexiva por imposições de cariz institucional, cujo cumprimento oferece mais segurança e
salvaguarda ao profissional face à estrutura superior hierárquica em que se encontra imiscuído
(Amaro, 2012; Santos, 2009).
Emerge desta conceptualização normativa do papel do Serviço Social a gestão de casos do Técnico
Superior de Serviço Social contra a tentativa de erradicação dos problemas dos casos por parte
do Assistente Social. Para Amaro (2012) a gestão de casos foca-se na eficiência e eficácia da
intervenção, que é avaliada através de indicadores preferencialmente quantitativos face a objetivos
que visam essencialmente a adaptação do indivíduo. Por outro lado, a erradicação de problemas
perspetiva uma intervenção de longo prazo, em que o assistente social e o destinatário da sua
ação fazem uma construção simbólica partilhada que pretende mudar o indivíduo e a estrutura
social de pertença. Neste sentido, a gestão de casos centra-se na obtenção de resultados no final
de um dado processo, ao passo que a irradicação de problemas destaca o processo em si como
o construtor de sentidos e de mudanças para o sujeito.
62
Do ponto de vista político, o perfil científico-burocrático procura assumir uma postura de
neutralidade política, mas que não consegue de facto constituir-se como tal, visto que a
operacionalização normativa de um dado procedimento pressupõe a aceitação do mesmo na
obtenção de um resultado, desejado socialmente pela estrutura, para o destinatário da ação, o
que por conseguinte, busca a estabilização e a conservação de uma ordem social. Esta aplicação
neutra do sistema vigente e da aplicação no terreno das práticas recomendadas pela investigação
atribui ao Técnico Superior de Serviço Social um perfil de engenheiro social. Por outo lado, o
Assistente Social do perfil científico-humanista pressupõe que este seja um artista da intervenção
social, pelo facto de criar conjuntamente com o destinatário da sua ação um percurso de inserção
e de reconstrução do projeto de vida carregado de unicidade e pessoalidade. Destas diferenças de
perfil profissional surge a distinção do termo Técnico Superior de Serviço Social e do termo
Assistente Social. O primeiro utiliza uma prática evidence-based ao passo que o segundo utiliza
uma abordagem relational-based. Tal como referido no ponto anterior na comparação entre o
Serviço Social clássico e o Serviço Social alternativo, a abordagem relational-based pode ser
considerada mais antiga do que a evidence-based sendo esta última mais consentânea com os
desígnios da sociedade contemporânea. O Técnico Superior de Serviço Social tem uma lógica de
intervenção que redunda em resultados estatisticamente mensuráveis e cujas metodologias são
aplicações práticas da investigação científica. O Assistente Social constrói a sua prática através da
relação com o destinatário da ação, aportando toda a bagagem de conhecimento que possui para
esta relação da qual irão emergir as mudanças para o sujeito ou para a estrutura. Nos dias de
hoje, o Técnico Superior de Serviço Social é um profissional mais legitimado socialmente do que
o Assistente Social, porque se adequa às características das instituições e organismos tutelares
contemporâneos, ou seja, mais focados na obtenção de resultados do que propriamente na
complexidade que o processo de obtenção dos mesmos possa constituir. Esta cultura do resultado
que negligencia a relação concorre diretamente com a necessidade de um maior investimento na
relação para a intervenção, numa sociedade que aporta aos seus cidadãos dificuldades e
problemas de cariz cada vez mais complexo, cujas formas de resolução informais se diluem na
desfiliação e disrupção das redes sociais (Amaro, 2012).
2.4. Perfil do assistente social para o século XXI
O percurso que a profissão vem percorrendo nos últimos anos aportou à prática novas
metodologias, contradições e desafios que empurraram a profissão no sentido de um estádio mais
63
avançado de desenvolvimento. O facto da evidence-based practice propor uma perspetiva
normalizadora e redutora da profissão é alvo de reflexão por parte dos profissionais, especialmente
numa era em que as estruturas institucionais e tutelares demonstram ser apologistas desta
abordagem. Os profissionais apontam outro caminho, que respeite a complexidade do fazer
profissional, sem descurar algumas mais-valias que a burocracia também poderá trazer. Emerge
desta reflexão um perfil híbrido que entrelaça características do perfil científico-burocrático e do
perfil científico-humanista que mais do que certezas, coloca novas questões aos profissionais
(Amaro, 2012). A saída desta encruzilhada dependerá de uma mudança paradigmática por parte
dos serviços sociais. Dominelli (2004) lança como desafio para o Serviço Social contemporâneo a
criação de uma nova visão social que mobilize uma cidadania ativa das franjas mais vulneráveis
da população, para que todos contribuam no sentido de uma igualdade na partilha de recursos,
com base no respeito mútuo e consciente da necessidade de preservar os recursos naturais e
sociais do planeta, perspetivando-o como uma herança recebida pelas gerações ancestrais e que
deverá ser entregue às gerações vindouras. Para que tal se realize, são necessários equilíbrios na
distribuição atual de recursos e uma reestruturação na ordem social vigente. A sensibilização para
a ação face a estes fenómenos será uma das várias funções que os assistentes sociais deverão
assumir na sua prática profissional.
Esta perspetiva de Dominelli (2004), aportando-a à luz da tríade de abordagens do Serviço Social
proposta por Payne (2006), remete para a necessidade de emergir em todo o espetro da prática
dos assistentes sociais uma ação com maior pendor transformacional da estrutura social. Este
perfil político do assistente social é identificado na identidade dos profissionais portugueses, quer
no estudo de Santos (2009), quer no de Amaro (2012). Neste seguimento, Amaro (2012, p.189)
esquematiza os princípios inerentes aos assistentes sociais portugueses na sua conceção de um
projeto societário individual ou coletivo. A figura 6 apresenta esses princípios que emergem como
principais pontos de convergência dos profissionais de Serviço Social, e que poderão ser a base
na qual a profissão se possa regular e coletivizar através de, por exemplo, a criação de um Ordem
dos Assistentes Sociais, cujo projeto instituição já se encontra em marcha.
64
Figura 6 - Projeto societário do Serviço Social – elementos constitutivos (Amaro, 2012, p.189)
No seu estudo com profissionais de Serviço Social portugueses, Amaro (2012, p.156) identifica
novas áreas de intervenção instaladas no Serviço Social português contemporâneo do ponto de
vista dos profissionais, bem como novas áreas iminentemente emergentes. No quadro 4 a autora
distingue as áreas já instaladas e as emergentes, designando-as de novas áreas de ponta, mas
referindo que não se encontra estanques, ou seja, algumas das áreas já instaladas pressupõem
novos de desafios para a ação dos profissionais, ao passo que as áreas de ponta podem surgir
interligadas e decorrentes de fenómenos já conhecidos pelos profissionais, ou podem constituir-
se como novas formas de problemas mais clássicos do Serviço Social.
Quadro 4 - Novas áreas de intervenção do Serviço Social (adaptado de Amaro, 2012)
Novas áreas instaladas Novas áreas de ponta
Toxicodependência
Envelhecimento
Imigração
Educação de adultos
Desemprego
Crianças e jovens
Género e conciliação familiar
Precariedade e inemprego
Sobre-endividamento da classe média
Disrupção (desestruturação mental,
delinquência)
Reconstrução da solidariedade e das
afiliações
Consentimento informado
Sustentabilidade do sistema de bem-
estar
Projeto societário do Serviço Social
Justiça Social
Cidadania
Qualidade
Solidariedade
Bem‐estar social
Democracia
Mudança
Equidade
Defesa dos direitos sociais e humanos
Articulação micro e macro
65
Humanização das estruturas
Responsabilidade social das
empresas
Empreendedorismo
Ambiente
Do ponto de vista da intervenção do assistente social na IP, no enquadramento proposto por Amaro
(2012, p.157) a área das crianças e jovens surge como uma das novas áreas já instaladas no
Serviço Social. A autora destaca que apesar de não ser uma área nova para os assistentes sociais,
tem sofrido um incremento substancial “(…) nas últimas décadas, relacionada com a nova
perceção dos riscos e da análise de riscos e, também, com a crescente mediatização de casos
nesta área”. Não também de ser importante referir que para a autora, esta é “(…) uma das áreas
de intervenção em que se têm tornado mais visíveis as novas tendências do trabalho social, como
a evidence-based practice e o gerencialismo”.
Outra das áreas identificadas pela autora, desta feita no campo das novas áreas de ponta, e que
se aproxima bastante da intervenção do Serviço Social em IP, é área do consentimento informado.
Esta área decorre de fenómenos como o avanço tecnológico na área da saúde, que implica que o
assistente social acompanhe os novos desenvolvimentos na área e as suas implicações, no sentido
de colocar esse conhecimento ao dispor das famílias, colocando-as em linguagem acessível e
compreensível, tornando possível que as famílias de crianças com atraso ou alterações de
desenvolvimento possam tomar decisões informadas sobre a sua criança. A título de exemplo, as
constantes descobertas científicas no campo das neurociências podem contribuir para que surjam
novas terapêuticas para a reabilitação neuromotora, que deverão ser ponderadas cuidadosamente
no sentido de perceber se podem ser positivas para o desenvolvimento de uma criança com
alterações a esse nível ou se, pelo contrário, possam trazer consequências negativas a longo prazo
na saúde e bem-estar da criança (Amaro, 2012).
Em todo o caso, tal como se irá abordar em pontos seguintes, a IP não se foca exclusivamente
nos problemas da criança, abarcando todas as problemáticas que afetam o seu sistema familiar
com o qual interage constantemente. Neste sentido, quase todas as áreas apontadas por Amaro
(2012) como instaladas ou emergentes no Serviço Social, poderão fazer parte dos problemas
apresentados pelas famílias de crianças com atraso ou alterações de desenvolvimento. Destas
destaca-se a situação do inemprego, que mais do que o desemprego, consiste na existência de
franjas da população cujo acesso ao emprego se encontra afastado do futuro mais próximo,
66
existindo mesmo a possibilidade de este nunca se vir a efetivar, como é o caso da população
desempregada com mais de 40 anos e os desempregados com níveis de escolaridade superior
que não encontram enquadramento no mercado laboral português.
Outra área de ponta identificada por Amaro (2012) e que é importante destacar no âmbito da IP,
prende-se com a reconstrução da solidariedade e das afiliações. Posteriormente as questões
relacionadas com os modelos teóricos inerentes à IP serão abordados com mais detalhe,
nomeadamente o modelo da ecologia do desenvolvimento humano e o modelo transacional de
desenvolvimento, mas salienta-se desde já o desafio que a contemporaneidade acarreta ao
assistente social na reconstrução dos laços sociais entre os indivíduos, cuja civilização da
modernidade tem vindo a deteriorar e atomizar cada vez mais. No contexto atual, as famílias de
crianças com atraso ou alterações de desenvolvimento encontrarão importantes mais-valias para
o desenvolvimento das suas crianças se a comunidade de pertença for responsiva e a apoie em
situações de necessidade diversa. Esta questão aproxima-se de outro dos modelos teóricos
fundamentais na IP, o modelo de apoio social, que será aprofundando posteriormente
(Bronfenbrenner, 1979; Dunst & Trivette, 2009; Sameroff, 2009; Serrano, 2007).
2.5. As funções do assistente social
Tal como abordado anteriormente, o Serviço Social português tem conhecido um forte
questionamento por parte dos seus profissionais, relativamente à sua identidade e à sua
operacionalização no terreno. A existência de diferentes perspetivas por parte dos profissionais,
em grande parte devido à variabilidade da aplicação prática da profissão e às mudanças sociais
que permanentemente alteram o objeto da ação dos assistentes sociais, dificulta o
estabelecimento de grandes certezas sobre o que é específico às funções destes profissionais.
Esta tensão permanente encontra-se enraizada na profissão e assume-se como uma das suas
principais características (Amaro, 2012; Santos, 2009).
Em todo o caso, existem diversas perspetivas de diferentes autores que procuram situar os
profissionais no sentido da construção de uma identidade comum. Pretende-se nos próximos
pontos descrever algumas dessas perspetivas.
2.5.1. ESPECIFICIDADES E TIPOS DE FUNÇÕES RECONHECIDOS PELOS PROFISSIONAIS
No seu estudo junto de profissionais de Serviço Social que desenvolvem atividades de intervenção,
investigação e decisão política, Amaro (2012) procura encontrar linhas convergentes que
67
permitam definir o campo de intervenção dos assistentes sociais, pese embora a dificuldade em
especificar de forma concreta e demarcada as suas atribuições. Existem alguns pontos
convergentes que permitem esboçar ideias-chave inerentes às suas funções, nomeadamente a
mediação de escala, o acesso e a relação, que se entrecruzam tal como evidenciado na figura 7.
Figura 7 - Especificidades do Serviço Social (Amaro, 2012, p.144)
Para a autora, a mediação de escala diz respeito ao pensamento complexo do assistente social e
na forma como mantém uma perspetiva estrutural e macrossocial dos problemas, para fazer face
às características particulares de cada situação individual. O acesso refere-se à ligação efetuada
pelo assistente social do sujeito com os recursos, a informação e os seus direitos. A componente
da relação prende-se com a ligação estabelecida entre o assistente social e o destinatário da
intervenção e o facto de esta ser o meio através do qual desempenha as suas funções
profissionais. Apesar desta leitura, a incerteza face à especificidade do Serviço Social mantém-se,
pelo que pode-se apontar essa característica como sendo uma fragilidade intrínseca à profissão
(Amaro, 2012).
No seguimento desta procura dos fazeres atribuídos e reconhecidos pelo Serviço Social, Amaro
(2012) propõe uma divisão das funções dos assistentes sociais em cinco tipos: relacionais, de
acompanhamento, assistenciais, políticas e, por fim, técnico-operativas e de reflexão. A figura 8
esquematiza a distribuição proposta pela autora.
Mediação de Escala
AcessoRelação
68
Figura 8 - Tipos de funções dos assistentes sociais (adaptado de Amaro, 2012)
2.5.1.1. FUNÇÕES RELACIONAIS
As funções relacionais compreendem a aplicação de diversas competências indispensáveis aos
assistentes sociais na sua relação com o destinatário da ação, nomeadamente, a capacidade de
escuta ativa, a empatia, a compreensão da perspetiva do outro, bem como a relativização dessas
perspetivas com a estrutura macro e meso social envolvente, no sentido da criação de uma
articulação harmoniosa do sujeito com esse contexto (Amaro, 2012).
2.5.1.2. FUNÇÕES DE ACOMPANHAMENTO
No desempenho das funções de acompanhamento, o assistente social constrói em conjunto com
o destinatário da ação uma narrativa partilhada, que conduza o sujeito para a reconceptualização
do seu projeto de vida. Para tal desígnio é importante a partilha de informação e agilização de
recursos no sentido da capacitação e criação de oportunidades para os destinatários da ação, pelo
que se pode considerar estas funções como tendo um cariz mais pedagógico, informativo, de
advocacia social e de empowerment, procurando criar oportunidades de mudança através da
transformação das fragilidades identificadas (Amaro, 2012).
Relacionais
de Acompanhamento
Assistenciais
Políticas
Técnico‐operativas e reflexivas
69
2.5.1.3. FUNÇÕES ASSISTENCIAIS
As funções assistenciais remetem para a ação mais imediata do assistente social, que visam fazer
face a necessidades básicas de vida e de sobrevivência dos destinatários da ação, sem intenção
direta de capacitar ou promover a autonomização do sujeito através da obrigação de um retorno
deste face à assistência disponibilizada. Amaro (2012) ao longo da sua investigação identificou
que nem sempre os profissionais assumem estas funções como um trabalho de qualidade em
Serviço Social. A autora salienta que é importante que cada vez mais os profissionais assumam
estas funções como inerentes às suas competências, uma vez que as características das
sociedades contemporâneas tendem a atirar os sujeitos para estes patamares de necessidades
mais básicas. Urge, portanto, que os assistentes sociais se assumam como profissionais dotados
de competências para avaliar e distinguir a existência de uma situação de real necessidade básica
e passível de ser assistida, de uma situação em que a assistência não se justifica e possa ser
perniciosa no sentido da autonomia e capacitação dos sujeitos.
2.5.1.4. FUNÇÕES POLÍTICAS
O contacto permanente do assistente social com as necessidades dos destinatários da ação
confere-lhe um posicionamento privilegiado na compreensão dos interesses das franjas mais
vulneráveis da população. Neste sentido, os assistentes sociais assumem um papel relevante na
contribuição para a construção e implementação de políticas sociais e programas de intervenção
que visem promover o desenvolvimento das camadas mais frágeis no sentido da busca de uma
cada vez maior justiça social (Amaro, 2012).
2.5.1.5. FUNÇÕES TÉCNICO-OPERATIVAS E DE REFLEXÃO
Tal como evidenciado na figura 8, Amaro (2012) situa as funções técnico-operativas e de reflexão
no sentido da sua penetração em todas as funções do assistente social anteriormente propostas,
uma vez que são fundamentais para a efetivação de cada uma delas. Neste sentido, esta dimensão
das funções do assistente social diz respeito à forma como o assistente social desempenha todas
as suas funções e o procedimento pelo qual opera e reflete sobre a sua prática. Assim, emergem
várias dimensões do agir do profissional, nomeadamente, o diagnóstico, o planeamento, a
execução, a avaliação, a gestão, a reflexão, a investigação, a sistematização das práticas e a
formação contínua.
70
2.5.2. FUNÇÕES COMPARTILHADAS E FUNÇÕES ESPECÍFICAS
Ander-Egg (1995b) propõe, à partida, uma divisão das funções dos assistentes sociais entre
funções compartilhadas e funções específicas. Para o autor as funções compartilhadas são
aquelas que pressupõem uma participação conjunta com outros profissionais, mas que não são
exclusivas do Serviço Social. Neste tipo de funções podemos incluir a implementação de políticas
sociais, no sentido da realização de benefícios para os cidadãos, em que organismos públicos e
entidades privadas que se disponibilizam na resposta às necessidades individuais e comunitárias,
a distribuição e prestação de bens e serviços com fins de assistência, socorro, prevenção e
reabilitação.
Ainda dentro do âmbito das funções compartilhadas, Ander-Egg (1995b) destaca a função de
educador social e animador-promotor que consiste em impulsionar e gerar ações de
desenvolvimento individual e de grupos, promovendo a participação ativa do indivíduo na resolução
dos seus problemas.
Relativamente às funções específicas do assistente social, Ander-Egg (1995b) refere que podem
ser diversas, mas que preferencialmente se circunscrevem às tarefas cujo desenvolvimento na
prática implica uma preparação específica em Serviço Social. O quadro 5 sintetiza as ideias-chave
sublinhadas pelo autor.
Quadro 5 - Funções e tarefas dos assistentes sociais (Ander-Egg, 1995b)
Função/Tarefa Descrição
Consultor, assessor,
orientador, conselheiro
Apoiar indivíduos, grupos, organizações a satisfazer as necessidades
básicas; orientar os indivíduos na organização das suas atividades; ajudar a
utilizar serviços existentes na resolução de problemas
Prestador de serviços Oferta de serviços de apoio e ajuda a pessoas em estado de dependência,
emergência e de marginalização; e prestação de serviços sociais específicos
Informador – Agente de
reencaminhamento
Informar e canalizar quando necessário cursos institucionais disponíveis
relacionados com os problemas sociais e direitos sociais; facilitar informação
sobre outros serviços, recursos externos e ou fortes alternativas de ajuda
possíveis de recorrer
Gestor e mediador entre
recursos e necessidades
Relaciona o indivíduo, família, grupo, ou organização com as instituições que
prestam os serviços; e procura efetivamente a obtenção dos serviços e
recursos das instituições mais indicada as suas necessidades
71
Investigador Realiza investigações aplicadas e analisa dados para diagnosticar as
necessidades e problemas sociais; promove a realização de investigações
em que os indivíduos estudem os seus próprios problemas e encontrem
resolução para os mesmos; analisa os recursos e necessidades dos serviços
sociais e dos programas de ação social em geral
Planificador Planificar atividades operativas, propondo objetivos e metas estabelecidas;
elaborar projetos específicos; proceder à formulação de estratégias de
utilização mais racional dos recursos e descentralização das atividades
Realizador Proceder à realização de programas ou projetos em parceria com outros
profissionais, envolvidos na implementação de políticas sociais; atividades e
tarefas programadas num projeto específico; realização de uma atividade
própria e concreta do Serviço Social
Avaliador Controla e avalia em função da continuidade de um serviço as atividades
próprias, as atividades e funcionamento da instituição onde trabalha;
proceder à avaliação do seguimento do programa e avalia o processo; e
avalia a eficácia e a eficiência do programa
Reformador das
instituições - Ativista
social
Avaliar as carências qualitativas e quantitativas dos serviços sociais com a
finalidade de melhorar e reorganizar os mesmos; sugerir reformas na
organização e funcionamento dos serviços sociais para que estes sejam mais
eficazes e úteis aos seus utilizadores
Identificador de
situações-problema
Observa e identifica situações em que os sujeitos individuais ou coletivos se
encontram numa realidade em que os seus direitos mínimos como cidadão
se encontram em risco. Utiliza os recursos disponíveis que possam servir de
auxílio às situações-problema em que estes sujeitos se encontram. Durante
todo o processo de resolução do problema o Assistente Social deverá
assumir uma postura de otimismo de forma a motivar o cliente
Educador social informal Auxiliar os sujeitos no alargamento dos seus conhecimentos, capacidades e
competências para que estes sejam capazes de resolver os seus problemas
sozinhos (empowerment). Desempenha um papel na aceleração da
autonomia dos indivíduos, ou dos grupos, nas suas vidas, promovendo a
participação ativa dos sujeitos no sentido de melhorarem as suas condições
de vida. Sensibiliza as pessoas e as instituições para as mudanças e
evoluções que ocorrem constantemente na sociedade, para que tais
mudanças sejam aceites e que contribuam para o desenvolvimento das
pessoas e das instituições
72
Animador, facilitador,
mobilizador,
consciencializador
Fomentar a participação social de todos os sujeitos individuais ou coletivos.
Promover formas de associativismo e a criação de grupos e organizações,
que dotem a sociedade civil de serviços administrados por ela própria e
capazes de ir ao encontro das necessidades das pessoas, melhorando as
suas condições de vida. São assim estimuladas novas formas e canais de
participação social. O assistente social em conjunto com os indivíduos ou
grupos vai promover o estabelecimento de espíritos críticos e capazes de
identificar as situações de exclusão e de desrespeito pelos direitos humanos.
Este facto vai tornar possível a procura de métodos capazes de suprimir tais
fatores
Mobilizador de Recursos
Humanos
Identifica as potencialidades humanas dos indivíduos, grupos e comunidades
promovendo o seu desempenho em atividades de serviço e cooperação
social. Simultaneamente, facilita a participação das pessoas no estudo,
tomada de decisões e estruturação de ações que permitirão a resolução dos
seus problemas. Procura criar uma tomada de consciência por parte das
pessoas dos seus problemas e necessidades
2.5.2.1. GESTÃO DE CASOS EM SERVIÇO SOCIAL
Com o desenvolvimento da profissão desde o final do século XX e até aos dias de hoje, emerge na
mesma linha evolutiva das funções específicas do assistente social, apontadas por Ander-Egg
(1995b), a gestão de casos. De acordo com Almeida (2013) o termo gestão de casos surgiu em
1993 nos Estados Unidos da América com um forte pendor para a questão do gerencialismo como
forma de garantir padrões de qualidade nos serviços prestados. A sua definição atual apontada
pela Case Management Society of America (CMSA) refere que a gestão de casos é um processo
colaborativo de avaliação, planeamento, facilitação, coordenação de cuidados, avaliação e
advocacia na articulação com serviços que possam ir ao encontro da satisfação das necessidades
de saúde individuais ou familiares, através da comunicação e disponibilização de recursos que
promovam resultados de qualidade de forma mais eficiente e económica. Desta definição emerge
a questão da participação em todas as fases de intervenção do acompanhamento dos indivíduos
ou famílias, enfatizando uma utilização responsável dos recursos disponíveis (CMSA, 2010).
A CMSA (2010) destaca doze princípios subjacentes à gestão de casos e nove funções
relacionadas que os profissionais de saúde deverão assumir, cuja esquematização apresentada
por Almeida (2013) se encontra no quadro 6.
73
Quadro 6 - Princípios da Gestão de Casos e Funções atribuídas ao Gestor de Caso (adaptado de
Almeida, 2013)
Princípios da Gestão de Casos Funções do Gestor
1. Uso de uma abordagem centrada no
cliente e de parceria colaborativa;
2. Se possível, facilitar a autodeterminação e
autonomia de cuidados através de
princípios de advocacy, partilha da tomada
de decisões e educação;
3. Usar uma abordagem compreensiva
holística;
4. Mostrar competência cultural, com
consciência e respeito pela diversidade;
5. Promover a utilização de cuidados
baseados na evidência, de acordo com a
disponibilidade existente;
6. Promover segurança de excelência ao
cliente;
7. Promover a integração da ciência da
mudança comportamental e princípios;
8. Fazer a articulação com recursos da
comunidade;
9. Apoiar o acesso ao sistema de saúde para
um bom acesso aos cuidados, por exemplo
durante as transições;
10. Perseguir a excelência profissional e
manter a competência prática;
11. Promover resultados de qualidade com
medição dos resultados;
12. Apoiar e manter a conformidade com a
legislação existente.
1. Avaliação das necessidades: desenvolver
uma avaliação compreensiva das
necessidades de saúde e psicossociais dos
clientes, incluindo os seus conhecimentos
e dificuldades sobre saúde, desenvolvendo
um plano de gestão de caso em
colaboração com a família do cliente ou
cuidador;
2. Planeamento colaborativo: planear com o
cliente, família ou cuidador, com o
prestador de cuidados de saúde primário
ou outros profissionais de saúde, com a
entidade financiadora e com a
comunidade, no sentido de maximizar a
qualidade e a eficiência de custos dos
resultados atingidos pelos serviços de
saúde;
3. Facilitação da comunicação: facilitar a
comunicação e a coordenação entre os
membros da equipa do serviço de saúde,
envolvendo o cliente nos processos de
tomada de decisão, no sentido de
minimizar a fragmentação de serviços;
4. Educação para a tomada de decisão:
educar o cliente, família ou cuidador, e os
membros da equipa do serviço de saúde
sobre opções de tratamento, recursos da
comunidade, benefícios de seguros de
saúde, preocupações psicossociais, gestão
74
de casos, etc., para que as decisões
possam ser tomadas de forma informada
e atempadamente;
5. Aumento de competências do cliente:
Capacitar e corresponsabilizar o cliente na
resolução de problema através da
exploração de opções existentes de
cuidados de saúde, bem como planos
alternativos, se necessário, para a
obtenção dos resultados desejados;
6. Encorajamento do uso adequado dos
serviços: encorajar o uso apropriado dos
serviços de saúde e garantir a melhoria da
qualidade dos cuidados, mantendo a
eficiência dos custos através de uma
abordagem caso-a-caso;
7. Apoio ao cliente em momentos de
transição: apoiar o cliente numa transição
segura para serviços a outros níveis;
8. Promoção da autorregulação do cliente:
garantir a promoção da autoadvocacia e
autodeterminação do cliente;
9. Advocacia social: Advogar quer pelo
cliente, quer pela entidade que financia o
serviço prestado, facilitando resultados
positivos para o cliente, para a equipa do
serviço de saúde e para a entidade
financiadora. No entanto, em situação de
conflito, as necessidades do cliente serão
sempre as prioritárias.
75
Os princípios e funções apresentadas aplicam-se, genericamente, a todos os profissionais de
saúde envolvidos na prestação de cuidados a pessoas em situação de doença, suas famílias e
cuidadores. No entanto, existem algumas especificidades no âmbito da gestão de casos apontadas
para o assistente social. Para National Association of Social Workers (NASW, 2013) a gestão de
casos em Serviço Social envolve doze princípios pelos quais os assistentes sociais deverão orientar
a sua prática, e que se encontram dispostos no quadro 7.
Quadro 7 - Princípios para Gestão de Casos em Serviço Social (adaptado de NASW, 2013)
Princípios Descrição
1. Ética e valores O gestor de caso deve adotar e promover a ética
e os valores inerentes à profissão de assistente
social, utilizando o código de ética da classe
profissional como um guião para tomada de
decisões éticas em situações de gestão de casos
2. Qualificações O gestor de caso deve possuir as qualificações
mínimas exigidas na lei para exercer funções de
assistente social e deverá possuir as
competências e a experiência profissional
necessárias para a prática de gestão de casos em
Serviço Social
3. Conhecimento O gestor de caso deve adquirir e manter
conhecimentos atualizados sobre teorias, práticas
com base na evidência, contexto histórico e social,
políticas, investigação e métodos de avaliação
relevantes para a gestão de casos da população a
quem presta cuidados, devendo usar essa
informação para garantir a qualidade da sua
prática
4. Competências culturais e linguísticas O gestor de caso deve fornecer e facilitar o acesso
dos clientes a serviços culturalmente e
linguisticamente apropriados às suas
características
5. Avaliação O gestor de caso deverá envolver os clientes e,
quando apropriado, outros elementos dos seus
76
sistemas sociais, num processo contínuo de
recolha de informação e tomada de decisões, no
sentido de facilitar aos clientes a identificação dos
seus objetivos, forças e desafios
6. Planeamento, intervenção e monitorização
de serviços
O gestor de caso em Serviço Social deverá
colaborar com os clientes na planificação,
implementação, monitorização e melhoria do
serviço prestado, promovendo as forças dos
clientes, o seu bem-estar e a obtenção dos
objetivos traçados. A planificação da intervenção
em gestão de casos deverá ser baseada em
avaliações significativas que deverão orientar o
estabelecimento de objetivos específicos,
alcançáveis e mensuráveis
7. Advocacia e liderança O gestor de caso em Serviço Social deverá
defender os direitos, decisões, forças e
necessidades dos clientes e deverão promover o
acesso destes a recursos, apoios e serviços
8. Interdisciplinaridade e colaboração
interorganizacional
O gestor de caso em Serviço Social deverá
promover a colaboração entre colegas e
organizações no sentido de otimizar a prestação
de serviços, facilitando a obtenção de objetivos
dos clientes
9. Avaliação de práticas e melhoria O gestor de caso em Serviço Social deverá
participar em avaliação formais da sua prática, no
sentido de aferir de que forma a sua prática:
promove o bem-estar do cliente; garante a
prestação de serviços apropriados e eficientes;
demonstra competência; e contribui para a
melhoria das práticas
10. Manutenção de registos O gestor de caso em Serviço Social deverá
documentar todas as atividades de gestão de caso
num processo do cliente de forma atempada e
adequada. A informação de Serviço Socia deverá
registada em papel ou eletronicamente, e deverá
77
ser elaborada e protegida, de acordo com as
regulamentações legislativas e organizacionais em
vigor
11. Sustentabilidade da carga de trabalho O gestor de caso em Serviço Social deverá gerir
com responsabilidade a carga de casos que
acompanha, que permita a prestação de um
serviço de qualidade ao nível da planificação,
intervenção e avaliação dos serviços
12. Desenvolvimento profissional e
competências
O gestor de caso em Serviço Social deverá
assumir responsabilidade pessoal pelo seu
desenvolvimento profissional e competências, de
acordo com normativos profissionais vigentes,
bem como garantir que dispõe das qualificações
necessárias para os cargos que desempenha
Almeida (2013) destaca os diversos paradigmas apontados na literatura para a gestão de casos
em Serviço Social. Para a autora, as abordagens paradigmáticas que orientam a gestão de casos
em Serviços Social enfatizam a centralidade dos serviços na pessoa, em que o gestor de caso
envolve o cliente em todos os processos. Reforçam, também, a relação entre o cliente e o
assistente social cujo trabalho desenvolvido entre estes se designa unicamente a apoiar o cliente
a atingir os seus objetivos. Enquadram a pessoa no seu meio ambiente, em que o gestor
compreende a influência mútua do cliente com o seu meio físico e social e que a pessoa não pode
ser compreendida de forma descontextualizada do seu meio. Enfatizam as forças do cliente, no
sentido de uma construção de resiliência face às dificuldades, orientando o crescimento e
desenvolvimento do indivíduo, identificando forças no cliente, mas também nos seus contextos
sociais envolventes. Sublinham a importância do trabalho colaborativo e em equipa, garantindo as
mais-valias da articulação com outros profissionais, quer do Serviço Social, quer de outras áreas
e de outras organizações. Por fim, os paradigmas atuais em gestão de casos também destacam
a intervenção nos níveis sociais micro, meso e macro, em que o gestor de caso procura produzir
mudanças nos indivíduos, famílias, grupos, comunidades, organizações, sistemas e políticas, em
que a advocacia desempenha um papel central.
78
Dentro destas orientações, Almeida (2013) apresenta um processo de funções transversais que
os diversos paradigmas apontados na literatura para a gestão de casos em Serviço Social
enfatizam, e que se encontra esquematizado na figura 9.
Figura 9 - O processo de gestão de casos (adaptado de Almeida, 2013)
A implementação de um modelo de gestão de casos no Serviço Social implica, no entanto, que
determinados aspetos sejam salvaguardados, sob pena de ser uma abordagem ineficaz se forem
descurados. Assim, Almeida (2013) destaca a necessidade em estabelecer do ponto de vista
estratégico objetivos bem definidos, alicerçando-se numa liderança e apoio estratégico que
permitam criar um ambiente de confiança. É importante, também, salvaguardar a existência de
cooperação e mutualismo entre os profissionais e serviços, bem como uma orientação para os
resultados efetivos dos procedimentos e não um finalismo metodológico.
79
CAPÍTULO II – INTERVENÇÃO PRECOCE
1. CONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO DAS PERSPETIVAS ATUAIS SOBRE INTERVENÇÃO PRECOCE
Intervenção Precoce (IP) é entendida como sendo as experiências e as oportunidades
disponibilizadas às crianças em idade pré-escolar pelos seus pais e outros prestadores de cuidados
primários, que têm como objetivo promover a aquisição e utilização de competências
comportamentais por parte das crianças, de forma a modelar e influenciar as suas interações com
pessoas e objetos (Bruder, 2010a; Dunst, 2007). No mesmo sentido, Dunst e Trivette (2009)
definem o conceito de IP conjuntamente com o apoio familiar, definindo-o como sendo a
disponibilização ou mobilização de apoios e recursos às famílias de crianças pequenas,
provenientes de membros da rede social informal e formal da família, que podem direta ou
indiretamente influenciar e melhorar o funcionamento e o comportamento da família e da criança.
Dunst, Raab, Trivette & Swanson (2010, p.75) definem a IP como sendo:
As experiências e as oportunidades do quotidiano que são apresentadas pelos pais e
outros prestadores de cuidados a bebés, criança em idade de creche e crianças em idade
pré-escolar no contexto de atividades de aprendizagem que ocorrem naturalmente no
quotidiano e que pretendem promover a aquisição e o uso, por parte das crianças, de
competências comportamentais que moldem e influenciem as interações pró-sociais com
pessoas e materiais.
A chegada a esta perspetiva sobre a IP decorre de todo um processo histórico de maturação da
investigação desenvolvida em diversas áreas. Subjacente a esse processo construíram-se
determinadas perspetivas que impactaram na construção da definição atual de IP,
nomeadamente, a crença de que o desenvolvimento e o comportamento dos organismos não é
fixado somente pela sua herança genética, sendo estes organismos dotados da capacidade de se
adaptarem ao ambiente de pertença. Nesse sentido, a compreensão do desenvolvimento infantil
é inerente ao seu contexto de pertença e das suas redes sociais. Desta forma, dadas as múltiplas
variáveis inerentes ao desenvolvimento das crianças, a intervenção dos profissionais de IP deverá
suportar-se por uma abordagem interdisciplinar (Shonkoff & Meisels, 2000).
Nos próximos pontos serão abordados os contributos inerentes à construção das perspetivas
contemporâneas sobre a IP, bem como os modelos teóricos que estruturam a área.
80
1.1. Uma abordagem holística ao desenvolvimento humano
O contributo de diversos autores, com destaque para o campo da psicologia, permitiu a construção
de uma perspetivação do desenvolvimento humano enquanto um fenómeno holístico em que os
fatores biológicos dos indivíduos e as características do meio envolvente concorrem
simultaneamente para esse desenvolvimento. Esta característica multifatorial do desenvolvimento
humano aplica-se a todos os seus indivíduos, independentemente de apresentarem alterações de
desenvolvimento ou incapacidade por alterações nas suas funções corporais congénitas ou
decorrentes de quadros patológicos ou traumáticos. Jean Piaget foi um dos grandes percursores
desta perspetiva através da investigação que desenvolveu em torno do desenvolvimento cognitivo
humano. Para Piaget os organismos encontram-se em permanente organização da informação
que recebem do seu ambiente de pertença no sentido de se adaptarem a essa realidade. A este
processo de adaptação Piaget designou de assimilação e acomodação, em que o organismo se
debate constantemente na busca pelo equilíbrio, cujo alcance é vetado pelo próprio ambiente, que
se vai alterando ao mesmo tempo que o próprio indivíduo se adapta. Neste sentido Piaget defendeu
que o ser humano cria um esquema percetivo da realidade composto pela organização de um
conjunto de respostas que se modificam à medida que o sujeito interage com o meio. Esta
esquematização é a base de todo o desenvolvimento cognitivo humano, que para Piaget se
encontra hierarquizado em quatro estádios percorridos por todos os indivíduos de forma
sequenciada, embora em ritmos que podem variar consoante cada indivíduo. A passagem de um
estádio para o imediatamente seguinte e mais complexo, depende da aquisição de todos os
pressupostos do estádio anterior e por conseguinte o alcançar de uma capacidade cognitiva mais
sofisticada. Desta forma, os quatro estádios do desenvolvimento humano são o estádio da
inteligência sensoriomotora (entre os 0 e 2 anos, mas que se divide em seis subestádios:
modificação dos reflexos (0 a 1 mês); reações circulares primárias (1 a 4 meses); funções
circulares secundárias (4 a 8 meses); coordenação de reações secundárias (8 a 12 meses);
aquisição da noção de objeto permanente (12 a 18 meses) e reações circulares terciárias (18 a
24 meses)), o estádio do pensamento pré-operacional (entre o 2 e os 7 anos), o estádio das
operações concretas (entre os 7 e os 11 anos) e o estádio das operações formais (a partir dos 11
anos). O desenvolvimento cognitivo é fruto da experiência que o sujeito vai acumulando com o
ambiente, pelo que a estimulação do envolvimento da criança em experiências que desafiem a
sua organização da realidade irão força-la a adaptar-se às novas exigências e a encontrar soluções
81
e formas de reorganizar a sua compreensão do real. Assim, crianças expostas a um ambiente
progressivamente mais exigente e rico em experiências deste tipo têm mais condições para o
desenvolvimento de competências cognitivas mais complexas do que crianças que se encontrem
inseridas em ambientes que não facilitem estas interações, como o caso das crianças com
deficiência que se encontrem inseridas num ambiente que não se encontre adaptado às suas
características e não seja passível de lhes oferecer experiências significativas (Serrano, 2007;
Shonkoff & Meisels, 2000; Slee, Campbell & Spears, 2012).
Apesar da investigação de Piaget ter sido desenvolvida nos anos 50, os programas de IP que
existiam na época nos Estados Unidos eram ainda focados somente na criança e pouco
promotores do envolvimento dos cuidadores nesse processo. Um autor que trouxe um impacto
significativo para a construção de um pensamento que levou à necessidade de um maior
envolvimento dos cuidadores no processo de aprendizagem das crianças foi o psicólogo Lev
Vygotsky, pelo enfoque que deu à componente cultural no desenvolvimento cognitivo. Vygotsky
salientou a existência de uma maior interligação entre a linguagem e a cognição, ao defender que
o cuidador influenciava a criança em todo o processo de aquisição de competências motoras e
sensoriais. Esta influência advinha das características culturais do meio de pertença, pelo que
uma criança aprende interagindo com o meio, não só pela riqueza do meio, mas também através
do modelo e apoio dado pelos seus cuidadores integrados nessa cultural ambiental. O conceito de
zona de desenvolvimento proximal (ZDP) avançada por Vygotsky enfatiza precisamente a sua
teoria, sendo a ZDP o intervalo que separa o que os indivíduos conseguem aprender sozinhos do
que conseguem aprender com a ajuda de uma pessoa com mais conhecimento. Vygotsky designou
por “andaime” o processo em que um indivíduo maduro encoraja a criança a adquirir uma nova
competência ou a compreender um novo conceito (Serrano, 2007; Slee, Campbell & Spears,
2012).
Piaget e Vygotsky, juntamente com Gesell, Watson e Bowlby, foram alguns dos diversos autores
que contribuíram para uma maior maturação dos programas de IP e para a perspetivação do
desenvolvimento como um processo influenciado pela experiência com o meio, pelo que na década
de 70 já foi possível encontrar um maior enfoque no envolvimento parental, para que em
colaboração com os profissionais encontrassem caminhos eficazes de proporcionar a
aprendizagem das crianças com atraso ou alterações no desenvolvimento. Pese embora o enfoque
dado à parceria com a família, nesta fase os programas de IP ainda colocavam do lado dos
profissionais a priorização dos objetivos de intervenção, enfatizando o seu papel de especialistas
82
sobre o que seria mais adequado para cada criança, em virtude do seu estádio de
desenvolvimento. Para além das reflexões decorrente da intervenção dos primeiros programas de
IP instituídos, destacam-se dois modelos teóricos que contribuíram em grande medida para a atual
definição e abordagem em IP: o Modelo Transacional de Desenvolvimento teorizado por Sameroff
e Chandler, e o Modelo de Ecologia do Desenvolvimento Humano desenvolvido por Bronfenbrenner
(Serrano, 2007; Shonkoff & Meisels, 2000).
1.2. Modelo Transacional de Desenvolvimento (Sameroff & Chandler, 1975)
O Modelo Transacional de Desenvolvimento, desenvolvido por Sameroff e Chandler (1975), trouxe
como grande contributo para a IP a noção da necessidade de intervir não somente com a criança,
mas também com o ambiente e seus intervenientes com quem esta interage, uma vez que estes
são determinantes para o seu desenvolvimento ao longo do tempo. Os autores introduzem a
expressão environtype, ou mesótipo segundo Almeida (2007), para caracterizar a ideia das
especificidades do ambiente de pertença da criança em fatores como a cultura, a família e os pais,
e definem o mesótipo como sendo uma das três variáveis que influenciam o desenvolvimento
infantil, juntamente com o genótipo e o fenótipo. O mesótipo, ao contrário do genótipo e do fenótipo
que são intrínsecos à criança, varia consoante as características culturais dos sistemas sociais em
que a criança se encontra inserida, pelo que os processos de regulação da criança e da
organização da aprendizagem (na linha de pensamento de Piaget e Vygotsky) irão variar consoante
o meio no qual desenvolve interações. Simultaneamente, o modelo introduz um fator inovador às
propostas de Piaget e Vygotsky, ao defender que também a criança, ao estar em interação com
esse mesótipo também irá provocar mudanças neste, moldando-o de acordo com as suas
especificidades. Logo, a criança não é um elemento somente recetor das características do meio,
acabando por ser igualmente influenciadora da construção dessa meio. Neste sentido, uma
intervenção junto dos contextos de pertença da criança que vise proporcionar interações de melhor
qualidade entre a criança e o ambiente apresenta-se como um fator potenciador do
desenvolvimento infantil e, devido à transação constante da criança com o ambiente, o próprio
ambiente e seus intervenientes também saem enriquecidos. Ou seja, é um ciclo ininterrupto de
transações, que há medida que o tempo passa vai capacitando consecutivamente a criança e o
contexto. Na figura 10 é possível constatar as premissas deste modelo, onde esquematicamente
se encontram representadas as interações entre a criança e o seu progenitor, em que os
comportamentos que ambos vão apresentando em diferentes momentos do tempo irão determinar
83
os comportamentos posteriores, num processo de regulação determinada pelas transações
efetuadas entre os comportamentos de ambos os intervenientes (Sameroff, 2009; Sameroff &
Fiese, 2000; Serrano, 2007; Slee, Campbell & Spears, 2012).
Figura 10 - Regulações do desenvolvimento através das transações entre o comportamento do
progenitor e da criança (adaptado de Sameroff & Fiese, 2000)
Ressalve-se que este modelo defende que as regulações evolutivas ocorrem tanto para situações
de interações positivas e de qualidade para um desenvolvimento infantil saudável, como para
interações de um ambiente de risco. A figura 11 apresenta um exemplo de como um ambiente de
risco poderá constituir uma séria ameaça para o desenvolvimento da criança, comprovando a
necessidade de intervir tão precocemente quanto possível nestes contextos de risco, no sentido
de capacitar os seus elementos e prevenir que uma situação como a exemplificada na figura possa
constituir-se.
Figura 11 - Processo transacional que parte de expectativas de maus relacionamentos por parte
dos progenitores para problemas de comportamento da criança (Sameroff & Fiese, 2000, p.147)
84
O Modelo Transacional de Desenvolvimento aportou à IP a noção de que a intervenção deverá ser
realizada com o envolvimento dos cuidadores e não somente com a criança. Ao mesmo tempo,
também introduziu a necessidade de capacitar igualmente a criança e os seus cuidadores, no
sentido de criar condições ambientais propicias ao desenvolvimento infantil e ao aumento das
capacidades da criança. Este modelo perspetiva o desenvolvimento de um ponto de vista sistémico
colocando a criança, a família e os sistemas sociais como unidades independentes em constante
interinfluência mútua, composta por padrões complexos de interação. Esses padrões de interação
são definidos pelo processo de regulação que os indivíduos estabelecem com base nas três
dimensões envolvidas: genótipo, fenótipo e mesótipo, tal como esquematizado na figura 12
(Almeida, 2007; Sameroff, 2009; Sameroff & Fiese, 2000; Serrano, 2007).
Figura 12 - Mesótipo, fenótipo e genótipo como constitutivos mútuos do desenvolvimento
individual (Sameroff, 2009, p.15)
Assim, à luz deste modelo, Sameroff e Fiese (2000) defendem que a intervenção se alinha em
três aspetos fundamentais: remediação, redefinição e reeducação. A remediação refere-se à
alteração do comportamento por parte da criança em relação aos progenitores. A redefinição diz
respeito à mudança inerente à interpretação que os progenitores fazem do comportamento da
criança. Por fim, a reeducação compreende a alteração comportamental dos progenitores face à
criança, decorrente da fase da redefinição. A figura 13 apresenta uma representação esquemática
deste processo que os autores denominaram como sendo os três Rs da intervenção precoce.
85
Figura 13 - Os 3 Rs da intervenção precoce à luz do modelo transacional (Sameroff & Fiese,
2000, p.150)
1.3. Modelo de Ecologia do Desenvolvimento Humano (Bronfenbrenner, 1979)
Em consonância com o Modelo Transacional de Desenvolvimento, também o Modelo da Ecologia
do Desenvolvimento Humano perspetiva o desenvolvimento a partir de uma abordagem sistémica.
O termo ecologia salienta essa mesma perspetiva, enfatizando o conjunto dos sistemas em que o
indivíduo se desenvolve e com os quais estabelece relações permanentes, recíprocas e
mutuamente influenciáveis. Neste sentido, Bronfenbrenner (1979) preconiza que não é possível
compreender o desenvolvimento humano sem ter igualmente em linha de conta os contextos onde
este ocorre. Pegando na terminologia de Piaget, neste modelo o desenvolvimento consiste num
processo ininterrupto de acomodação mútua e progressiva de informação entre o sujeito e o meio
em constante mudança. Desta forma, o autor veio enfatizar a pertinência de avaliar o
desenvolvimento da criança quando esta se encontra nos seus contextos naturais de vida, ao invés
análise clínica ou de laboratório.
Para compreensão desses diferentes contextos de desenvolvimento do ser humano,
Bronfenbrenner (1979) subdividiu esses contextos, hierarquizando-os em quatro níveis se vão
englobando uns aos outros, sendo progressivamente mais complexos quanto maior for a sua
abrangência. Assim, organizando esses níveis do menos complexo para o mais complexo, o autor
denominou-os de microssistema, mesossitema, exossistema e macrossistema. A figura 14
representa esquematicamente essa organização.
86
Figura 14 - Modelo da Ecologia do Desenvolvimento Humano (adaptado de Bronfenbrenner,
1979)
O microssistema diz respeito ao contexto mais próximo onde a criança se encontra inserida,
englobando todas as interações diretas estabelecidas com os cuidadores primários da criança.
Este tipo de interações remete-nos para a questão da zona de desenvolvimento proximal de
Vygotsky, sendo os cuidadores primários da criança os contribuidores diretos para a maximização
do seu potencial de desenvolvimento, nomeadamente através do efeito de “andaime” que podem
representar para a criança (Bronfenbrenner, 1979; Serrano, 2007; Slee, Campbell & Spears,
2012).
O mesossistema compreende as interações entre diversos microssistemas, bem como entre o
exossistema e o microssistema. Este sistema representa as conexões estabelecidas entre o
sistema mais próximo da criança e os restantes sistemas comunitários, sendo tanto mais promotor
do desenvolvimento infantil quanto mais estreitas e de suporte forem essas relações
(Bronfenbrenner, 1979; Serrano, 2007).
87
O exossistema é composto pelos contextos que não envolvem diretamente a criança, mas que
podem ter influência nesta e serem influenciados pela criança. O local de trabalho dos pais, os
vizinhos, a família alargada e os serviços sociais são exemplos de estruturas presentes no
exossistema (Bronfenbrenner, 1979; Serrano, 2007).
O sistema mais complexo e que abrange todos os restantes é o macrossistema. Este sistema diz
respeito às atitudes e ideologias de uma dada cultura ou sociedade, cujo impacto pode fazer-se
sentir nos restantes sistemas através da definição de políticas, legislação e atitudes relativamente
a determinados fenómenos sociais (Bronfenbrenner, 1979; Serrano, 2007).
Ao abarcar o desenvolvimento humano do ponto de vista do modelo ecológico, as intervenções
desenvolvidas no âmbito da IP passaram a ter em linha de conta que as dificuldades sentidas por
uma criança e pela sua família podem ter causalidade múltiplas em aspetos que podem ou não
estar dentro do seu controlo. É importante conceptualizar o sujeito como um produto das relações
existentes entre esta malha de sistemas, no sentido de potencializar as oportunidades que este
pode oferecer para o desenvolvimento e ultrapassagem de dificuldades (Serrano, 2007).
2. A FAMÍLIA NO CENTRO DA ABORDAGEM EM INTERVENÇÃO PRECOCE
Ao longo do tempo, os programas de IP foram contextualizando nas suas intervenções os princípios
teóricos subjacentes aos modelos transacionais e ecológicos, e decorrente dessa abordagem foi-
se cada vez mais perspetivando a família como um elemento chave de todo o processo, sendo
consequentemente fulcral a focalização dos profissionais neste sistema. Assim, emergiu a
necessidade de tornar a família como protagonista central do processo de intervenção, bem como
a necessidade de intervir com esta através de uma abordagem transdisciplinar e de coordenação
de serviços. Um dos modelos teóricos que mais enfatizaram o papel central da família no processo
de IP foi o Modelo dos Sistemas Sociais (Shonkoff & Meisels, 2000).
2.1. Abordagem Centrada na Família
Surgida no início da segunda metade do século XX, a conceptualização do termo Abordagem
Centrada na Família surge associada a uma postura profissional na prestação de serviços de apoio
a famílias de crianças com necessidades especiais com idades compreendidas entre os 0 e os 6
anos. Esta abordagem parte do pressuposto que a família, como principal agente de
desenvolvimento e aprendizagem da criança, deverá ser o foco da intervenção, em que os
profissionais deverão colaborar com esta numa lógica de respeito pelas suas decisões, tempos de
88
tomada das mesmas, orientando os objetivos de intervenção através das competências e pontos
fortes das crianças e das famílias. A família deverá ser encarada como parceira dos profissionais,
sendo envolvida e destacada em todos os momentos da intervenção, uma vez que a família é o
contexto básico da promoção da saúde e bem-estar da criança (Dunst, 1997).
Ao longo do seu desenvolvimento, o conceito de Abordagem Centrada na Família foi sofrendo
aperfeiçoamentos com base na experiência acumulada com a prática da Intervenção Precoce,
tendo Allen & Petr (1996, p.68) definindo-a como uma “(…) prestação de serviços centrados na
família, através das diferentes disciplinas e instituições, que reconhece a importância fulcral da
família na vida dos indivíduos. Orienta-se por um conjunto de escolhas, devidamente informadas
e feitas pela família e foca-se nos pontos fortes das famílias".
Segundo Pereira & Serrano (2010, p. 104) a adoção de uma Abordagem Centrada na Família por
parte dos profissionais:
(…) tem implicações significativas em vários aspetos da intervenção, nomeadamente nos
primeiros contactos com a família, na avaliação, no processo de tomadas de decisão, na
relação família/profissional, e na forma de prestação e de organização dos apoios,
exigindo dos profissionais um processo contínuo de desenvolvimento pessoal e
profissional, durante o qual estes devem clarificar, definir, e refletir sobre um conjunto de
práticas efetivas que se traduzem na forma como escutam as famílias, como as respeitam
e caracterizam, como os serviços e apoios são obtidos/prestados, como as reuniões são
conduzidas, como os diversos profissionais interagem, e como os projetos estão
estruturados.
A aplicação de uma Abordagem Centrada na Família deverá assentar em oito princípios avançados
por Brotherson, Summers, Bruns & Sharp (2008) que se encontram descritos no quadro 8.
Quadro 8 - Princípios Centrados na Família para servir as famílias (Brotherson et al., 2008)
Princípios Centrados na Família para servir as famílias
Princípio 1 - A finalidade preponderante da prestação de ajuda centrada na família é a corresponsabilização da
família que, por sua vez, beneficia o bem-estar e o desenvolvimento da criança.
Princípio 2 - A mútua confiança, respeito, honestidade e uma comunicação aberta caraterizam o relacionamento
família-profissionais.
Princípio 3 - As famílias são participantes ativos em todos os aspetos da tomada de decisões. Eles são os últimos
decisores relativamente à quantidade, tipo de assistência e apoio que procuram.
89
Princípio 4 - O desenvolvimento do trabalho entre famílias e profissionais incide sobre a identificação das
preocupações da família (prioridades, esperanças, necessidades, objetivos ou desejos), dos pontos fortes da família
e dos serviços e apoios que proporcionarão os recursos necessários para satisfazer essas necessidades.
Princípio 5 - São realizados esforços no sentido da construção e uso dos sistemas de apoio comunitários informais
das famílias, em vez de serem apenas valorizados os serviços profissionais e formais.
Princípio 6 - Os profissionais de várias disciplinas colaboram com as famílias no fornecimento dos recursos mais
adequados em função das necessidades das famílias.
Princípio 7 - Os apoios e recursos são flexíveis, individualizados e responsivos às mudanças das necessidades das
famílias.
Princípio 8 - Os profissionais reconhecem e respeitam a cultura, as crenças e as atitudes das famílias no
planeamento e implementação das intervenções.
Dentro da mesma linha orientadora para as práticas de IP, Dunst (1997) também avançou com
uma resenha das principais práticas a serem efetivadas pelos profissionais nos serviços, no sentido
de adotarem uma Abordagem Centrada na Família. O quadro 9 apresenta essas orientações do
autor.
Quadro 9 - Principais práticas da Abordagem Centrada na Família (Dunst, 1997)
Principais práticas da Abordagem Centrada na Família
As famílias e os seus membros são tratados com dignidade e respeito em todas as circunstâncias.
Os profissionais são sensíveis e responsivos à diversidade cultural, étnica e socioeconómica das famílias.
As escolhas e decisões das famílias estão presentes em todos os níveis do envolvimento familiar no processo de
intervenção.
A informação de que as famílias necessitam para realizar escolhas informadas é partilhada com as mesmas, de
um modo completo e não distorcido.
O foco das práticas de intervenção baseia-se nas necessidades, prioridades e desejos identificados pela família.
Os apoios, recursos e serviços são prestados de forma flexível, responsiva e individualizada.
Um grande conjunto de apoios e recursos informais, comunitários e formais é utilizado para alcançar os objetivos
identificados pelas famílias.
As forças e capacidades das famílias e dos seus membros são usadas como recursos para colmatar as
necessidades identificadas pela família e como competências na procura de recursos extrafamiliares.
O relacionamento família-profissionais é caraterizado pela existência de parcerias e colaboração baseadas na
confiança e respeito mútuos.
Os profissionais assumem estilos de prestação de ajuda promotores do aumento de competências e da
corresponsabilização das famílias, que estimulam e aumentam o funcionamento familiar e que influenciam o
fortalecimento das famílias
90
Carl Dunst assumiu um papel determinante na condução de investigação que norteia a intervenção
desenvolvida nos serviços de IP. No ponto seguinte serão explorados alguns contributos do seu
trabalho.
2.2. Modelo de Apoio Social de Dunst e sua evolução
No seguimento dos pressupostos preconizados pelas perspetivas ecológicas e sistémicas do
desenvolvimento infantil, Carl Dunst e seus colaboradores desenvolveram três gerações de
modelos de apoio social para a abordagem em IP. A primeira geração do modelo de Dunst (1985)
introduz os princípios basilares do modelo que foram sendo aprimorados nas gerações
subsequentes. Estes princípios, denominados de princípios do fortalecimento proativo através da
parceria, dividem-se em três dimensões fundamentais: princípio da proatividade, princípio do
fortalecimento e princípio da parceria.
O princípio da proatividade destaca a necessidade da intervenção focar-se nos pontos fortes da
famílias e não nos seus défices. O princípio do fortalecimento salienta que deverá ser
providenciado o acesso total e controlo dos recursos à família, no sentido de reforçar a
corresponsabilidade e capacitação desta. O princípio da parceria enfatiza que as intervenções
deixarão de se centrar no trabalho direto dos profissionais com as crianças, passando a centrar-
se na parceria entre a família e os profissionais, no sentido do fortalecimento do sistema familiar
(Almeida, 2007; Dunst, 2000).
Em todos os princípios do modelo de Dunst encontram-se subjacentes os conceitos de capacitação
e corresponsabilização. Segundo Dunst, Trivette & Deal (1988) a capacitação diz respeito à criação
de oportunidades para todos os elementos da família, no sentido destes demonstrarem e
adquirirem competências que beneficiem o bem-estar da família. Por seu turno, a
corresponsabilização compreende a capacidade da família em satisfazer as suas próprias
necessidades e desejos, incrementando o sentimento de controlo e domínio sobre todos os
aspetos fundamentais do funcionamento da família.
Os pressupostos teóricos e desenvolvimentos da investigação subsequente vieram corroborar a
importância dos princípios avançados por Dunst (1985). Assim, a família passou a ser
perspetivada num papel central de tomada de decisão consciente e auto iniciada. As
consequências dessa abordagem ao longo dos anos após a sua implementação vieram trazer um
maior bem-estar à família, bem como um incremento na sua confiança e um despoletar de
sentimento de auto competência. Os próprios cuidadores começaram a encarar os seus próprios
91
filhos de uma perspetiva mais positiva, encorajadora da interação e dar partilha de aprendizagens
(Almeida, 2007).
Na sua segunda geração, o modelo de Dunst (2000) enfatiza a questão do apoio social na IP,
definindo o Modelo de Apoio Social, que defende que a capacidade do apoio social potenciar o
bem-estar da família. Com estas duas dimensões asseguradas, ambas irão impactar nos estilos
parentais que irão influenciar o comportamento e desenvolvimento da criança. A somar-se ao apoio
social, surgem os fatores de ordem intrafamiliar que afetam todas as dimensões previstas no
modelo. A figura 15 representa esquematicamente o Modelo de Apoio Social. Para o autor o apoio
social consiste em ajudar as famílias em aspetos emocionais, psicológicos, associativos,
informativos, instrumentais ou materiais. Este apoio permite à família receber uma influência
positiva com impacto na sua saúde e bem-estar, facilitando a adaptação aos desafios do quotidiano
numa lógica de desenvolvimento do sistema familiar (Dunst et al., 1988; Dunst, 2000).
Figura 15 - Modelo de Apoio Social (adaptado de Dunst, 2000, p.99)
Neste enquadramento, as recomendações para a prática da IP preconizavam uma intervenção
orientada para modelos de promoção com enfoque nas capacidades das famílias, que
capacitassem os indivíduos no sentido de usarem as suas capacidades para atingirem novos
patamares e consequentemente novas competências. Para tal os pontos fortes e os recursos
disponíveis pelas famílias deveriam ser o ponto de partida para alcançar os objetivos de
intervenção que deveriam ser fiéis às prioridades e necessidades das famílias. Estas componentes
foram organizadas pelo autor, de forma a sublinhar a sua interdependência e envolvência mútua,
tal como é possível verificar na figura 16, naquilo que denominou de modelo dos sistemas
familiares (Dunst, 2000).
92
Figura 16 - Modelo dos Sistemas Familiares (adaptado de Dunst, 2000, p.100)
Mais recentemente, no modelo de terceira geração para a IP, Dunst (2000) introduziu alguns
aperfeiçoamentos aos modelos até então apresentados. Essas alterações vieram enfatizar as
questões relacionadas com as áreas que se intersectavam no modelo anteriormente proposto.
Assim, o autor pretendeu tornar mais explícito que os objetivos da intervenção eram a família e a
criança, dado que surgiram algumas dúvidas nesta matéria, apesar de modelo anterior se
considerar que a expressão família também envolve a criança. Outro objetivo de Dunst foi
incorporar melhorias no modelo que enfatizassem outras influências que o contexto envolvente
traz para a intervenção, tal como é possível constatar na figura 17.
93
Figura 17 - Principais componentes de um modelo de intervenção precoce e apoio familiar
integrado baseado na evidência (adaptado de Dunst, 2000, p.101)
2.3. Práticas Contextualmente Mediadas em Intervenção Precoce
A investigação aponta os benefícios de uma abordagem centrada na família com crianças com
necessidades especiais, salientando que cada família tem as suas competências, que surgem das
capacidades, dos talentos, das possibilidades, dos pontos de vista, dos valores e das expectativas
da família. Uma das responsabilidades do profissional é a de facilitar a disponibilização de meios
através dos quais esses pontos fortes possam ser reconhecidos e utilizados. É com essa
capacitação e responsabilização da família que será possível chegar ao que Dunst, Raab, Trivette
& Swanson (2010) definem como Práticas Contextualmente Mediadas.
Estas práticas encontram-se assentes em quatro princípios que as estruturam. O primeiro princípio
baseia-se na premissa de que no seu quotidiano as crianças dispõem de várias momentos para a
aprendizagem, como tal, essas experiências devem ser utilizadas como fontes de aprendizagem
através de ações culturalmente significativas, que permitam à criança desenvolver competências
comportamentais, funcionais e de adaptação social. O segundo princípio refere que estas
oportunidades de aprendizagem devem ser iniciadas e dirigidas pela própria criança, no sentido
94
de promover que esta tome consciência das suas capacidades de interagir e produzir efeitos no
meio envolvente. O terceiro princípio destaca que o papel dos pais enquanto mediadoras da
aprendizagem das crianças é fundamental, visto que ao mesmo tempo que reforça a confiança e
a competência dos pais, está também a desenvolver o contexto natural do quotidiano. Por fim, o
quarto princípio orienta o profissionais de IP para que estes perspetivem o seu papel como sendo
o de reforçadores da capacidade dos pais para prestarem cuidados, experiências e oportunidades
de aprendizagem à sua criança. A única intervenção direta dos profissionais com a criança deverá
ser somente no sentido de exemplificar e modelar alguns comportamentos para que os pais
possam posteriormente e de forma autónoma desempenharem o mesmo papel com a criança. A
figura 18 representa o esquema das Práticas Contextualmente Mediadas (Dunst et al., 2010).
Figura 18 - Componentes principais do modelo das Práticas Contextualmente Mediadas para
fornecer às crianças pequenas oportunidades de aprendizagem baseadas em interesses (Dunst
et al., 2010, p.77)
No seguimento dos princípios preconizados para Práticas Contextualmente Mediadas surge a
necessidade de contextualizar quais são e onde ocorrem as oportunidades de aprendizagem.
Assim, as oportunidades de aprendizagem que contribuem para o desenvolvimento da criança são
aquelas que ocorrem frequentemente no quotidiano da criança e que despertam o seu interesse
espontâneo. Deste interesse surge a possibilidade de um envolvimento ativo da criança no decorrer
95
dessa atividade, que devidamente enquadrado pode desenvolver novas competências à criança,
levando a que explore livremente e domine a atividade e, por consequência, as competências
envolvidas nessa (Dunst et al., 2010). Para que uma atividade seja quotidiana e
consequentemente influenciadora do desenvolvimento infantil, esta deverá ocorrer regularmente
durante longos períodos de tempo (Bronfenbrenner, 1999). A figura 19 representa
esquematicamente a mais-valia que as atividades presentes nos contextos ambientais das crianças
podem constituir para a aquisição de competências e desenvolvimento infantil.
Figura 19 - Contextos de atividades quotidianas como oportunidades de aprendizagem em meio
natural baseadas nos interesses da criança e fomentadoras de competências (Dunst et al.,
2010, p.83)
2.4. Modelo de Desenvolvimento Sistémico em Intervenção Precoce
No sentido de aproximar a filosofia de intervenção evidenciada pela investigação da prática efetiva
dos serviços de IP, Guralnick (2001, 2005) propôs o Modelo de Desenvolvimento Sistémico em
IP. Este modelo defende a existência de complexos padrões de interações de influências mútuas,
que podem ser protetoras ou de risco para a criança. Estes padrões verificam-se ao nível das
competências sociais e cognitivas da criança, da interação dos pais com a criança e dos recursos
de que a família dispõe (Guralnick, 2011). A figura 20 ilustra a interdependência proposta pelo
autor.
96
Figura 20 - Os três níveis do Modelo de Desenvolvimento Sistémico, ilustrando as suas inter-
relações e influências recíprocas, incluindo os efeitos dos fatores de stress no sistema (Guralnick
2011, p.8)
O nascimento de uma criança com deficiência, ou dificuldades de organização e funcionamento
familiar anteriores a esse nascimento poderão ser alguns dos diversos fatores de stress para uma
família. Estes fatores pode constituir-se como barreiras ao processo de desenvolvimento normal
da criança, coartando-lhe possibilidade de aprendizagem e exposição a padrões de interação
positivos com os seus progenitores. Assim, a intervenção desenvolvida pelos profissionais de IP
deverá procurar uma reorganização do sistema familiar, no sentido em que este se constitua como
um sistema propício e facilitador do desenvolvimento da criança. No entanto, tal como
anteriormente apresentado no modelo de Dunst (2000) acerca do princípio da proatividade, o
enfoque dos profissionais deverá ter em consideração os fatores protetivos que cada sistema
familiar possui. Identificá-los será fundamental para a intervenção, dado que podem contribuir
para a redução do risco de desenvolvimento inerente à condição da criança (Guralnick, 2001,
2005, 2011).
Considerando a necessidade de estreitar princípios teóricos e necessidades concretas da prática
no terreno Guralnick (2005) desenvolveu o Modelo de Desenvolvimento Sistémico para a IP que
consiste num processo de decisões e atividades que os profissionais deverão desenvolver. A figura
21 representa o referido modelo.
97
Figura 21 - Modelo de Desenvolvimento Sistémico para Intervenção Precoce (adaptado de Guralnick, 2005)
98
O modelo inicia-se com o despiste e sinalização de crianças o mais precocemente possível,
sublinhando a necessidade de uma boa articulação entre serviços e a utilização de instrumentos
de despiste eficazes. Posteriormente, as crianças sem critérios de entrada imediata no sistema,
passam para uma fase de vigilância, com o objetivo de monitorizar o seu desenvolvimento e se
necessário iniciar intervenção. As crianças que entram no sistema por se verificar uma situação
de risco de desenvolvimento, iniciam o processo de acompanhamento mais regular do serviço.
Este processo parte da recolha e organização da informação existente relativa à criança e à família,
distinguindo-se depois as crianças e famílias de risco biológico e ambiental, das crianças com
atrasos de desenvolvimento, deficiência ou incapacidade. Posteriormente é levada a cabo uma
avaliação interdisciplinar da criança e da família, ou encaminhamento da família para um
programa de intervenção preventivo para crianças em risco biológico ou ambiental. Guralnick
(2005) enfatiza o momento da avaliação interdisciplinar dado que esta aporta informações
determinantes sobre o desenvolvimento e saúde da criança. Simultaneamente também são
aferidos padrões de funcionamento familiar, o que permite perspetivar a situação de uma
perspetiva mais abrangente. É com estes dados que novamente se realiza uma ponderação da
elegibilidade para a intervenção do serviço de IP. Caso não se verifique essa elegibilidade é mais
uma vez necessário o encaminhamento para serviços de suporte da comunidade.
As crianças e famílias com critérios de elegibilidade passam à fase de intervenção e avaliação dos
fatores de stress existentes no sistema familiar. As primeiras intervenções baseiam-se no âmbito
das informações até aí recolhidas, no entanto o apoio vai-se moldando à medida que a relação
com a família se vai desenvolvendo, com o objetivo de favorecer os padrões de interação familiar
protetores e encontrar respostas para fatores de stress. Estas ações deverão estar sempre inscritas
no plano de intervenção que é realizado com a família, orientado para as suas prioridades e
integrado nas suas rotinas de vida, no sentido da sua maior participação (Guralnick, 2005).
Ao longo da intervenção e no final desta é fundamental monitorizar e avaliar a eficácia das medidas
que se encontram a ser implementadas nos planos de intervenção. Importa identificar
necessidades de reajuste em situações de menor eficácia da intervenção, bem como assegurar a
prestação de serviços de qualidade. Finalmente, o autor salienta a questão dos momentos de
transição pelos quais as famílias passam, seja a saída do hospital para casa, a integração em
contexto educativo ou transição para o primeiro ciclo, etc. O momento da transição deverá ser
devidamente planeado no sentido de minimizar as dificuldades que a família possa sentir e garantir
99
que após a saída do sistema, exista uma continuidade no apoio por outros agentes da comunidade
(Guralnick, 2005).
Guralnick (2001, 2005) salienta que o modelo é flexível às especificidades locais de cada país ou
comunidade, mantendo-se, no entanto, os seus princípios fundamentais. Destaque-se que este
modelo poderá servir como um referencial de orientação para que os serviços de IP se estruturem
cada vez mais no sentido de prestarem práticas e serviços de qualidade às famílias de crianças
com necessidades especiais (Shonkoff, 2010).
2.5. Evolução do enquadramento legal da Intervenção Precoce em Portugal
De acordo com Ruivo & Almeida (2002) a primeira legislação específica para a IP em Portugal
surgiu no ano de 1999 através do Despacho Conjunto 891/99, de 19 de outubro. Até então, a
legislação que enquadrava a IP em Portugal encontrava-se distribuída nos diplomas referentes à
educação especial e à educação pré-escolar. Pese embora essa limitação existente até ao final da
década de 90, os anos 80 foram a década do surgimento da IP em Portugal. Um dos primeiros
programas surgiu em meados da década de 80 com a implementação do Modelo Portage para
pais pela Direção de Serviços de Orientação e Intervenção Psicológica (DESOIP), tutelada pela
Segurança Social. Posteriormente, em 1989 surgiu o Projeto Integrado de Intervenção Precoce do
Distrito de Coimbra (PIIP), cuja intervenção circunscrevia-se à faixa etária dos 0 aos 3 anos, mas
que disponibilizava apoio em contextos domiciliários e educativos onde essas crianças estivessem
inseridas. O PIIP de Coimbra visou integrar na sua prática todos os princípios teóricos subjacentes
às práticas de IP de qualidade, tendo sido posteriormente reconhecido o seu pioneirismo no país.
O conhecimento que este projeto aportou para a IP em Portugal permitiu que servisse de modelo
para a primeira legislação de IP no país e simultaneamente esteve na génese da Associação
Nacional de Intervenção Precoce (ANIP) que visa apoiar o desenvolvimento de boas práticas em
IP no país (Pereira, 2009).
Posteriormente, um grande incremento de programas de apoio específico a crianças com
problemas de desenvolvimento com idades compreendidas entre os 0 e os 6 anos surgiu através
do programa “Ser Criança” em 1995. As influências que levaram à construção do Despacho
Conjunto 891/99, de 19 de outubro, basearam-se na legislação norte-americana para a área,
nomeadamente a Public Law n.º 94-142 de 1975, a Public Law 99-457 de 1986 e o Individuals
with Disabilities Education Act (IDEA) da Public Law 101-476 de 1990, que responsabilizavam de
100
forma integrada os setores da saúde, educação e segurança social para o apoio em IP (Ruivo &
Almeida, 2002).
Posteriormente, passados dez anos desde a primeira publicação legislativa sobre IP em Portugal,
surgiu em 2009 o Decreto-Lei n.º 281/2009, de 6 de outubro, que criou o Sistema Nacional de
Intervenção Precoce na Infância (SNIPI). Este sistema visa dar resposta a crianças entre os 0 e os
6 anos de idade que apresentem risco de alterações, ou alterações nas funções e estruturas do
corpo, ou que se encontrem em risco grave de atraso de desenvolvimento (Alves, 2009).
Já no ano de 2013 surgiu a Portaria n.º 293/2013, de 26 de setembro, que visa alargar o
Programa de Apoio e Qualificação do Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância
(PAQSNIPI). Este alargamento consiste na criação de Projetos de Qualificação de Intervenção
Precoce (PQIP) que pretendem de forma multissetorial e integrada, reforçar a rede já existente de
Equipas Locais de Intervenção (ELI) constituídas pelo Decreto-Lei n.º 281/2009, de 6 de outubro,
que criou o SNIPI, e qualificar a intervenção desenvolvida pelo sistema, com base nas
necessidades que a tutela identificou nas ELI.
Martins (2000) apresenta uma resenha histórica dos diplomas legais que conduziram ao atual
enquadramento da IP em Portugal. No quadro 10 apresenta-se essa resenha a que se
acrescentam os dois mais recentes diplomas na área.
Quadro 10 - Diplomas legais no âmbito da educação especial (adaptado de Martins, 2000)
Ano Diploma legal Âmbito da legislação
1986 Lei de Bases do Sistema Educativo
Lei nº 46, de 14 de outubro
Define o âmbito, os objetivos e a organização da
Educação Especial.
1988 Despacho conjunto 36, de 29 de julho Cria as equipas de Educação Especial.
1989 Lei de Bases da Reabilitação
Lei nº 9, de 2 de maio
Regulamenta os aspetos da prevenção, da reabilitação e
da integração das pessoas com deficiência, incidindo o
artigo 9º sobre a Educação Especial
1991 Decreto-Lei nº 319, de 23 de agosto Define medidas de regime da educação especial a aplicar
a alunos com NEE do ensino básico e secundário.
1993 Portaria 611, de 29 de junho Garante a aplicação das medidas previstas no Decreto-lei
319/91 às crianças que frequentam os jardins-de-
infância da rede pública do Ministério da Educação
1994 Despacho conjunto 54, de 30 de agosto É criado um grupo de trabalho interdepartamental, com o
objetivo de definir os princípios e os modelos de
organização de serviços de IP.
101
1995 Portaria nº 1095 de 6 de setembro Define as condições de acesso de frequência de alunos
com NEE que frequentam as associações e as
cooperativas de educação especial sem fins lucrativos.
Referencia e define IP.
1995 Despacho nº 26, de 6 de dezembro Define incentivos financeiros ao desenvolvimento de
projetos integrados de IP. Regulamenta o Programa Ser
Criança, do Ministério da Segurança Social.
1997 Portaria nº 52 de 21, de janeiro (revisão
da Portaria 1095, de 6 de setembro)
Estimula e apoia a articulação entre as associações e as
cooperativas de educação especial, valorizando respostas
integradas e de qualidade, que estas instituições sem fins
lucrativos pretendam desenvolver, nomeadamente ao
nível da IP.
1997 Despacho conjunto nº105, de 1 de julho Cria os serviços de apoio educativo, e refere o papel
importante que as Equipas de Coordenação dos Apoios
Educativos podem ter ao nível da IP.
1997 Portaria nº 1102, de 3 de novembro Organiza projetos locais de IP, articulados com as Equipas
de Apoio Educativo e com Instituições Particulares de
Solidariedade Social, tuteladas pelo Ministério da
Educação.
1999 Despacho conjunto nº 891, de 19 de
outubro
Fornece linhas orientadoras para os serviços de IP para
crianças dos 0 aos 6 anos com NEE ou em risco e suas
famílias.
2001 Decreto-lei nº 6, de 18 de janeiro Aprova a reorganização curricular do ensino básico, e
prevê as medidas especiais de educação dirigidas a
alunos com NEE.
2008 Decreto-lei nº 3, de 7 de janeiro Define os apoios especializados a prestar na educação
pré-escolar e nos ensinos básico e secundário dos
sectores público, particular, cooperativo ou solidário; visa
a adequação do processo educativo às necessidades
educativas especiais dos alunos com deficiências ou com
incapacidades.
2009 Decreto-lei nº 281, de 6 de outubro Cria o Sistema Nacional de Intervenção Precoce e as
Equipas Locais de Intervenção.
2013 Portaria n.º 293, de 26 de setembro Alarga o Programa de Apoio e Qualificação do Sistema
Nacional de Intervenção Precoce na Infância (PAQSNIPI)
102
3. MODELOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EM INTERVENÇÃO PRECOCE
Tal como já abordado ao longo deste trabalho, o apoio prestado às famílias de crianças com
necessidades educativas especiais implica uma mobilização de recursos e profissionais de
diversas áreas, dada a complexidade de fatores que se encontram em jogo no desenvolvimento
infantil, cuja complexidade de compreensão se intensifica quando esse desenvolvimento é atípico.
King, Strachan, Tucker, Duwyn, Desserud e Shillington (2009) defendem a importância do trabalho
em equipa na promoção das interações entre os vários elementos apoiam as famílias. Neste
sentido, defendem uma abordagem baseada na transdisciplinaridade para os serviços de IP, em
que exista delegação de competências entre os profissionais, no sentido de facilitar o processo de
intervenção. Para além do modelo transdisciplinar, também existem referências de serviços de IP
estruturados em modelos multidisciplinares e modelos interdisciplinares (Butt & Caplan, 2010;
McWilliam, 2010).
Num estudo realizado com serviços de IP que prestam apoio no âmbito da Paralisia Cerebral em
Portugal, Maia (2013) salientou que os serviços se encontram organizados de forma a enfatizar o
trabalho em equipa, mas quanto ao modelo de funcionamento da mesma, o consenso não existe
sobre a forma mais adequada de prestar o serviço a esta população. Neste sentido, é importante
perspetivar de que modo a literatura se posiciona sobre esta escolha.
3.1. Abordagem Multidisciplinar
Numa equipa multidisciplinar os seus elementos possuem papéis bem definidos e conduzem
avaliações específicas independentes que levam ao estabelecimento de objetivos de intervenção
específicos de cada disciplina (Butt & Caplan, 2010). Nesta abordagem, a equipa é constituída
por profissionais de diversas áreas disciplinares (enfermagem, serviço social, fisioterapia, terapia
ocupacional, terapia da fala, psicologia, medicina, etc.) que operam de forma independente uns
dos outros, com um mínimo de partilha de informação entre estes (Linder, 1983). No mesmo
sentido, McWilliam (2010) refere que a abordagem multidisciplinar em IP consiste num modelo
de equipa em que existe pouca ou nenhuma comunicação entre os membros que a constituem.
O autor coloca mesmo em questão a possibilidade de se encarar esta abordagem como trabalho
de equipa. O único elo de ligação entre os profissionais prende-se no plano de intervenção da
família, onde se encontram listados os diversos profissionais envolvidos. Esta abordagem aumenta
em larga medida a probabilidade de duplicação de serviços, uma vez que a desarticulação entre
103
os vários profissionais limita a perceção sobre o que já foi desenvolvido com a família e o que
ainda é necessário desenvolver.
3.2. Abordagem Interdisciplinar
As equipas interdisciplinares são constituídas por famílias e profissionais de diversas disciplinas,
sentido de disponibilizarem um serviço abrangente face às necessidades evidenciadas, utilizando
a especificidade de cada disciplina para lhe fazer face. Comparativamente com a abordagem
multidisciplinar, o modelo interdisciplinar pressupõe uma interação entre os elementos da equipa
através de canais formais de comunicação que facilitam a partilha de informação de cada
disciplina e discussão de casos (Fewell, 1983; Peterson, 1987).
Neste tipo de equipa e tal como no modelo multidisciplinar, são diversos os profissionais que
interagem diretamente com a família, mas neste modelo partilham um objetivo comum, existindo
um maior grau de colaboração na construção dos objetivos específicos de cada área disciplinar.
Geralmente cada profissional é responsável pelos objetivos relacionados com a sua área. Nesta
abordagem é exigido aos profissionais uma maior abertura, flexibilidade, colaboração e
comunicação entre as diversas disciplinas no sentido da resolução de conflitos, definição de
prioridades, objetivos de intervenção e papéis que cada elemento deverá assumir, numa perspetiva
concertada. (Butt & Caplan, 2010).
Em contexto da prestação de serviços de saúde, comparativamente com a abordagem
multidisciplinar, a abordagem interdisciplinar é apontada pela investigação como sendo mais
eficiente no aumento da qualidade de vida dos sujeitos, na funcionalidade dos objetivos e no custo
da prestação do serviço (Cifu & Stewart, 1999).
3.3. Abordagem Transdisciplinar
A abordagem transdisciplinar foi introduzida nos Estados Unidos da América na década de 70,
tendo sido os serviços de educação especial os primeiros a adotar esta metodologia de trabalho
de equipa (Rosen, Miller, Pit-ten Cate, Bicchieri, Gordon & Daniele, 1998). Deste modelo face aos
predecessores destaca-se a avaliação integrada e possibilidade dos objetivos de intervenção de
uma dada disciplina poderem ser desenvolvidos por um elemento de outra disciplina (Butt &
Caplan, 2010; Rosen et al., 1998).
Neste modelo existem dois princípios fundamentais que o estruturam. Em primeiro lugar a
perspetivação do desenvolvimento infantil como sendo integrado e interativo. Em segundo lugar,
104
a prestação de cuidados às crianças deverá ser disponibilizado no seu contexto familiar. Dado que
a família se apresenta como o elemento de maior influência no desenvolvimento da criança, esta
é perspetivada como o aspeto central de todo o processo, definindo objetivos e tomando decisões
relativas à sua criança. Todas as decisões relacionadas com a avaliação, a programação da
intervenção, a implementação do plano de intervenção e a avaliação são definidos em consenso
com toda a equipa. Apesar de todos os elementos da equipa partilharem responsabilidades no
desenvolvimento do plano de intervenção, este é desenvolvido pela família e por um dos elementos
da equipa, designado de prestador de cuidados primário, ou mediador de caso (Lyon & Lyon,
1980).
Apesar de existirem semelhanças entre a abordagem interdisciplinar e a abordagem
transdisciplinar, nomeadamente na comunicação permanente em que se encontram, verificam-se
várias diferenças ao nível dos papéis desempenhados pelos elementos, na avaliação e nos valores
subjacentes ao modelo. Verifica-se uma menor rigidez nas fronteiras disciplinares nos membros
das equipas transdisciplinares, em que cada membro encara o sujeito de uma perspetiva holística,
não sendo somente responsabilidade de uma disciplina (Cammack & Eisenberg, 1995; Cartmill,
Soklaridis & Cassidy, 2011; Haig & LeBreck, 2000). A abordagem transdisciplinar enfatiza a
aprendizagem mútua entre os seus elementos, a aplicação prática e educação entre profissionais,
e uma troca flexível de papéis entre os profissionais. Pagliano (1999) refere que na equipa
transdisciplinar os papéis não são fixos, em que as decisões são tomadas pelos profissionais que
colaboram diretamente num nível primário. As fronteiras entre as disciplinas são deliberadamente
atenuadas no sentido de instituir uma abordagem eclética e flexível.
O modelo promove e capacita a criança e a família nos sistemas de suporte do seu contexto
cultural, ao mesmo tempo que estreita os laços de confiança entre os elementos da equipa, que
adotam nas suas práticas as aprendizagens transmitidas pelos colegas de outras disciplinas
(Gordon, Corcoran, Bartley-Daniele, Sklenar, Sutton & Cartwright, 2013). A família é considerada
o elemento central do funcionamento da equipa, sendo considerada um elemento da mesma. Esta
paridade ao nível dos papéis visa reforçar padrões de comunicação e colaboração entre os
elementos da equipa, salvaguardando à família o papel ativo na tomada de decisões, mesmo
quando não existe unanimidade entre as opiniões dos elementos da equipa (Almeida, 2007;
Franco 2007).
Sustentados na literatura existente sobre a temática da abordagem transdisciplinar, King et al.
(2009) propuseram três atributos operacionais fundamentais desta abordagem: a avaliação em
105
arena, a interação contínua e prolongada dos elementos da equipa e, por fim, a libertação do
papel.
3.3.1. AVALIAÇÃO EM ARENA
Segundo King et al. (2009) a avaliação em arena é um momento em que todos os profissionais
das diferentes disciplinas avaliam simultaneamente a criança, podendo utilizar métodos formais
ou informais para a avaliação. Um ou dois dos elementos da equipa assume o papel de facilitador
e interage diretamente com a criança, ao passo que os restantes observam a interação. Os pais
da criança desempenham o papel importante de apoiar os profissionais na avaliação, seja ao
facultarem informação sobre a criança ou a apoiarem o facilitador na interação direta com a
criança. Imediatamente após a avaliação ocorre uma breve discussão entre os presentes, onde
informação é prestada e onde são trocadas impressões. Numa data posterior os elementos
reúnem para analisarem e refletirem sobre os dados recolhidos, podendo a família estar ou não
presente, consoante a sua vontade.
A avaliação deverá organizar-se em cinco qualidades que Bagnato (2007) defende como sendo
recomendadas para a IP, nomeadamente, os profissionais e as famílias colaborarem na
planificação e implementação da avaliação, a avaliação ser individualizada e apropriada à criança
e à sua família, a avaliação fornecer informação útil para a intervenção, os profissionais partilharem
informação de forma respeitosa e útil, e, por fim, os profissionais devem atender ao requisitos
legais e processuais e às diretrizes das práticas recomendadas. É fundamental realçar a questão
da partilha dos dados da avaliação com a família, que deverá reforçar e promover as competências
da família, ao invés de criar sentimentos de culpa.
3.3.2. INTERAÇÃO CONTÍNUA E PROLONGADA DOS ELEMENTOS DA EQUIPA
A possibilidade do membros da equipa contactarem-se frequentemente de forma prolongada
permite quebrar com algumas das dificuldades que os modelos interdisciplinares por vezes
apresentam, nomeadamente no que concerne aos poderes instituídos entre elementos de
determinadas áreas que poderão tender a sobrepor-se sobre os restantes. O intercâmbio de
informação, conhecimentos e competências torna-se facilitado num contexto em que essa troca é
uma condição intrínseca ao serviço de IP onde se encontram inseridos. Esta condição é essencial
para que possa existir a libertação do papel (King et al., 2009).
106
3.3.3. LIBERTAÇÃO DO PAPEL
A libertação do papel é o aspeto mais crucial e relevante da abordagem transdisciplinar. Uma
equipa apenas se torna verdadeiramente transdisciplinar quando os seus elementos se libertam
de utilizar estratégias de intervenção típicas da sua disciplina. Esta situação decorre sempre sobre
a supervisão e suporte dos elementos da equipa das disciplinas em que o profissional começa a
recrutar conhecimento e estratégias para a intervenção (King et al., 2009).
O processo de libertação do papel compreende a partilha de experiências, a valorização das
perspetivas, conhecimentos e competências das outras áreas, e a confiança de largar o papel
específico da sua área durante a intervenção. As famílias também são capazes de adquirir estas
competências para aportá-las às suas rotinas com a criança. A figura 22 representa os diversos
aspetos subjacentes ao processo de libertação do papel, nomeadamente, a extensão do papel, o
enriquecimento do papel, a expansão do papel, a troca de papéis, a libertação do papel e o suporte
do papel. A libertação de papel não consiste num processo sequenciado destas etapas, mas antes
num continuum de experiências e processos. Na fase de expansão do papel, por exemplo, começa
a emergir um vocabulário comum entre os profissionais das diversas disciplinas, acompanhado
de um aporte de conhecimentos teóricos e capacidade de implementação de determinadas
estratégias que possam ir ao encontro da abordagem holística às necessidades das crianças nos
seus contextos de vida (King et al., 2009).
107
Figura 22 - Aspetos do processo de libertação do papel (adaptado de King et al., 2009)
3.4. A figura do mediador de caso
Da abordagem transdisciplinar emerge a figura do mediador de caso como profissional da equipa
que mais próximo se encontra da família. Uma das características desta abordagem diz respeito
ao desafio que é colocado ao mediador de caso devido à exigência que lhe é aportada na
intervenção pelo seu pendor holístico. De forma a construírem uma narrativa transdisciplinar os
profissionais devem, em primeiro lugar, dominar todos os aspetos do processo de libertação do
papel para poderem encarar a complexidades das situações com que se irão deparar. Para além
das competências específicas da sua área e das que recebe dos restantes elementos da equipa,
o mediador de caso também deverá dominar toda uma gama de competências como a capacidade
de empatia, conhecimento das suas próprias limitações, sensibilidade, autenticidade, escuta ativa
e competências de comunicação interpessoal. Necessitam, também, de autoconfiança e de
possuírem uma identidade profissional positiva, permitindo que partilhem com os restantes
108
elementos sem sentirem que estão a ameaçar a sua identidade profissional (Davies, 2007; Foley,
1990; King et al., 2009).
De acordo com McWilliam (2010) o mediador de caso é o profissional da equipa que apoia família
com uma regularidade semanal, sendo apoiado na retaguarda pela restante equipa que poderão
apoiá-lo em momentos específicos de visita conjunta da família. A frequência destas visitas
conjuntas dependerá das características da criança, da família e do mediador de caso atribuído.
De acordo com o autor, a figura do mediador de caso surgiu para dar resposta a quatro aspetos
que se encontravam menos positivos no modelo multidisciplinar. O primeiro aspeto diz respeito
ao facto da figura do mediador de caso enfatizar que as reais intervenções com a criança ocorrem
entre as visitas dos profissionais, ou seja, durante todos os momentos de rotina natural com a
família. O segundo aspeto que a figura do mediador de caso pretende melhorar é o facto de nos
modelos anteriores o desenvolvimento da criança tender a ser perspetivado de forma separada,
com objetivos específicos para a área da motricidade fina, por exemplo, e outros objetivos para a
área da interação social. Com o mediador de caso, o desenvolvimento é sempre encarado de
forma holística e interdependente, pelo que esta divisão não se efetiva. O terceiro aspeto respeita
à disponibilidade de tempo da família. Com a figura do mediador de caso já não aplica a
necessidade da família de se deslocar aos centros de reabilitação para receber apoio de áreas
diferentes, em diferentes momentos, o que implica um grande dispêndio de tempo. O facto do
mediador de caso embutir os objetivos nas rotinas da família e nos contextos de vida através da
capacitação dos intervenientes naturais, vai permitir libertar a família para outras atividades de
bem-estar que não recorrer com frequência a terapias. Por fim, o quarto aspeto salientado por
McWilliam (2010) refere-se aos custos com a IP no modelo multidisciplinar. O autor chama a
atenção para o facto de a permanência numa abordagem multidisciplinar irá aumentar o risco das
fontes de financiamento para os programas de IP irem diminuindo progressivamente ao longo do
tempo.
A figura do mediador de caso aporta diversos benefícios para a IP. De acordo com McWilliam
(2010) a família recebe um suporte forte de uma pessoa, sem a necessidade de estar a contactar
frequentemente com vários profissionais, o serviço prestado é coordenado e não fragmentado, a
família terá apenas de receber uma visita semanal em casa e não diversas visitas, os prestadores
de serviços, em especial os terapeutas, poderão servir mais família, e, por fim, o custo do serviço
de IP é mais reduzido, o que indiretamente beneficia as famílias.
109
4. O PAPEL DO ASSISTENTE SOCIAL EM INTERVENÇÃO PRECOCE
Integrado nas equipas de IP, o assistente social é encarado, segundo McWilliam (2010) como um
profissional generalista, ou seja, é perspetivado com um profissional com formação para ligar com
uma grande variedade de necessidades de desenvolvimento, necessidades comportamentais e da
família, ao passo que os profissionais especialistas são formados para se focarem numa área
específica de todo o espetro do funcionamento da criança. Pese embora a possibilidade dos
profissionais poderem ser encarados quer como generalistas, quer como especialistas, consoante
as características do serviço de IP, McWilliam propõe uma divisão que mais comummente se
encontra nos serviços de IP, demonstrada no quadro 11.
Quadro 11 - Áreas profissionais generalistas e especialistas nos serviços de Intervenção Precoce
(adaptado de McWilliam, 2010)
Generalistas Especialistas
Educação de Infância (geral ou de educação especial)
Psicologia
Desenvolvimento Infantil
Serviço Social
Outras disciplinas orientadas para o desenvolvimento e
comportamento holístico da criança e da família
Terapia Ocupacional
Fisioterapia
Terapia da Fala
O assistente social ao situar-se como um profissional de IP generalista terá, aproximadamente,
75% do seu tempo de trabalho direto com as famílias orientado para mediações de caso suas,
ficando os 25% restantes destinados para apoiar outros colegas da equipa em visitas conjuntas,
quando existir necessidade do apoio específico do assistente social. Por outro lado, um terapeuta
da fala, por exemplo, terá o seu trabalho direto com famílias invertido quando comparado com o
assistente social, passado 25% do tempo com as suas mediações de caso e os restantes 75% a
apoiar os colegas da equipa em visitas conjuntas. Os valores percentuais são uma estimativa, mas
permitirão que os princípios e vantagens da abordagem transdisciplinar em IP se concretizem
(McWilliam, 2010).
Perspetivando o apoio a partir da abordagem multidisciplinar Bruder (2010b, p.119) descreve o
trabalho do assistente social nos serviços de IP como sendo um profissional que “(…) fornece
aconselhamento e encaminha a família para uma variedade alargada de recursos comunitários
(ex.: grupos paroquiais, instituições públicas e privadas, grupos de apoio). Avalia a capacidade da
110
família de gerir/assegurar as necessidades básicas tais como alimentação, vestuário, abrigo e
cuidados médicos, bem como outras necessidades de apoio”. No entanto, a autora refere também
que numa abordagem transdisciplinar, o assistente social, bem como os restantes colegas da
equipa, terão de se libertar desse papel específico e encarar de um ponto de vista transversal
todas as áreas de desenvolvimento da criança e da família.
4.1. Perspetiva evolutiva da presença do assistente social nos serviços de IP
Em Portugal, o enquadramento legal do Serviço Social na IP surgiu primeiramente no artigo 5.º
da Portaria n.º 1102/97 de 3 de Novembro, onde foi aberta a possibilidade da constituição de
equipas técnicas de IP com pessoal técnico de Serviço Social, para projetos educativos
desenvolvidos no âmbito das cooperativas e associações ensino especial sem fins lucrativos. No
entanto, foi somente no Despacho Conjunto n.º 891/99 que se salientou o caráter fundamental
da integração do assistente social como membro das equipas multidisciplinares dos serviços de
IP. No seu ponto número 6, o Despacho Conjunto n.º 891/99 define os três eixos de IP a serem
desenvolvidos pelos serviços, nomeadamente, o envolvimento da família, o trabalho de equipa e
o plano individual de intervenção. No eixo do trabalho de equipa é salientado que os serviços
devem orientar-se no sentido de dar resposta às necessidades das famílias e das crianças com
necessidades especiais, potenciando o seu envolvimento, autonomia e capacitação na tomada de
decisões. Se atentarmos ao enquadramento profissional do assistente social proposto Weber
(2011, p. 68) é possível encontrarmos, desde logo, paralelismos de intervenção, uma vez que
para o autor, o assistente social é um profissional que procura “(…) favorecer o bem-estar, a
autonomia e a participação social dos clientes numa perspetiva de liberdade, de igualdade e de
respeito pelos direitos humanos”. Walsh (2010) também destaca este aspeto da profissão do
assistente social referindo que este, entre outras funções, promove a justiça social e económica
através da capacitação dos indivíduos que se encontrem em situações de opressão ou
vulnerabilidade face a determinadas problemáticas.
Neste sentido, o Despacho Conjunto n.º 891/99 foi ao encontro do reconhecimento da mais-valia
que os profissionais de Serviço Social podem aportar para a IP, prevendo no ponto número 9 a
sua integração na constituição das equipas de intervenção direta de IP, ao mesmo nível de outros
profissionais tradicionalmente ligados à intervenção direta na área, como os terapeutas, os
educadores, os médicos, os psicólogos e os enfermeiros. O facto deste normativo salientar em
especial medida a necessidade da aplicação prática da mudança de um paradigma de práticas
111
centradas na criança para um paradigma de práticas centradas na família, vem, também, explicar
a crescente importância do Serviço Social nas equipas de IP, uma vez que se trata de uma
disciplina centrada na família por definição, que orienta a sua prática em grande medida pelas
teorias do modelo sistémico, do modelo ecológico, da intervenção em rede, teoria da resiliência,
teoria da vinculação, teoria da reabilitação psicossocial e teoria da intervenção em crise, algumas
destas também reconhecidas pela investigação como centrais para os serviços de IP (Correia &
Serrano, 2000; Ferreira, 2011; Walsh, 2010).
Apesar desta reconhecida importância, Azzi-Lessing (2010) refere que o assistente social é um
profissional tradicionalmente pouco presente em contextos de educação de infância, levantando
como possibilidade para essa pouca representatividade o facto de existir pouca informação entre
os profissionais de educação de infância das capacidades que muitos assistentes sociais possuem
para trabalhar com crianças pequenas e com as suas famílias. Outra possibilidade reside no facto
de pouco estágios profissionais de Serviço Social se desenvolverem nestes contextos educativos,
o que também contribui para que os assistentes sociais não tenham presente a compatibilidade
que a sua formação tem com as necessidades destes contextos. A investigação desenvolvida na
área da educação de infância tem sublinhado a necessidade de adotar estratégias que envolvam
mais a comunidade alargada na escola no sentido de obter resultados mais positivos, o que fez
com que estes programas, nomeadamente nos Estados Unidos, começassem a adotar abordagem
que desde muito tempo têm sido centrais para o trabalho dos assistentes sociais, nomeadamente,
a centralização do serviço na família, os apoios serem culturalmente significativos para a criança,
e a intervenção ser baseada nos pontos fortes. Frankel (1997) destaca que o facto dos assistentes
sociais possuírem um conhecimento aprofundado sobre o poder das interações entre os indivíduos
e o ambiente de pertença, bem como as suas competências para intervirem em diversos níveis
dos sistemas sociais, tornam estes profissionais bem preparados para assumirem um papel de
relevo no desenvolvimento e liderança na prestação de serviços de IP.
Pese embora a menor presença em contexto educativos, a presença dos assistentes sociais nos
serviços de IP tem uma história mais extensa. No entanto, o seu papel é frequentemente passado
para segundo plano, servindo como apoio de retaguarda a docentes de educação especial,
terapeutas da fala, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais. Tal facto prende-se, no entender de
Azzi-Lessing (2010), com a ênfase que este serviços sempre colocaram nos aspetos físicos das
deficiências e/ou incapacidades, sendo os problemas de discurso, audição ou neurológicos, mais
visíveis do que as questões sociais e emocionais que podem ameaçar o desenvolvimento ótimo
112
de uma crianças pequenas. Para a autora, o modelo de IP atual, com enfatização da prestação
dos serviços nos ambientes naturais das crianças, capacitando os cuidadores e envolvendo
ativamente as famílias, enquadra-se perfeitamente nos valores e abordagens tradicionais dos
assistentes sociais. Alguns desses papéis são a planificação e coordenação de serviços, educação
parental e aconselhamento a membros da família da criança. Muitas vezes as famílias de crianças
com estas necessidades confrontam-se com dificuldades como arrependimento, problemas
financeiros e preocupações acerca do futuro da criança, sendo que o assistente socia tem a
capacidade de assumir múltiplos papéis que podem ser úteis para apoiar as famílias nestas
situações. Azzi-Lessing (2010) refere que os assistentes sociais podem ter um papel determinante
na sensibilização e informação dos organismos tutelares que definem os apoios prestados pelos
serviços de IP, no sentido de prestarem serviços a crianças afetadas por risco social e emocional
relacionado com a pobreza ou problemas de saúde mental dos progenitores.
Relativamente às situações de risco e perigo das crianças nas suas famílias, o conhecimento e
formação que os assistentes sociais dispõem nessa área e da forma como o sistema de proteção
se encontra organizado poderá ser importante no apoio, suporte e gestão do caso das famílias que
se encontrem nessas condições (Azzi-Lessing, 2010).
Apesar das competências intrínsecas da profissão referidas, por outro lado, Weaver, Keller & Loyek
(2005) sublinham a necessidade de formação específica adicional para os assistentes sociais nas
áreas das necessidades educativas especiais, do atraso de desenvolvimento e da IP. Com este
conhecimento, o assistente social será capaz de identificar sinais de alarme de eventuais atrasos
no desenvolvimento, compreender um espetro vasto de desordens no desenvolvimento, apoiar as
famílias a identificar os pontos fortes e as necessidades da criança e da família, assistir as famílias
na adaptação dos contextos de vida e expetativas dos intervenientes face às características da
criança, e atuarem como mentores no sentido de capacitar a família para defender os interesses
da sua criança.
Pese embora a importância do processo de formação em IP do assistente social, os modelos de
trabalho em equipa nos serviços de IP podem contribuir decisivamente no sentido da capacitação
do profissional para orientar a sua prática de forma a abordar o desenvolvimento da criança de
uma perspetiva holística, através da partilha e transferência de conhecimentos de uma dada área
específica entre os elementos constituintes de uma equipa transdisciplinar (Bruder, 2010; King,
Strachan, Tucker, Duwyn, Desserud & Shillington, 2009).
113
Mais recentemente a Portaria n.º 293/2013, de 26 de setembro, define na alínea b) do ponto 6
da norma IX do Regulamento do Programa de Apoio e Qualificação do Sistema Nacional De
Intervenção Precoce na Infância (PAQSNIPI) que compete especificamente ao assistente social
“(…) assegurar e promover a colaboração com outros serviços e entidades, estudar com os
indivíduos as soluções possíveis dos seus problemas identificando os recursos disponíveis, ajudar
os utentes a resolver adequadamente os seus problemas de adaptação e readaptação social,
fomentando uma decisão responsável”. No entanto, o mesmo normativo salienta também que
dentro do modelo transdisciplinar de trabalho compete genericamente a todos os profissionais da
equipa potenciar as sinergias das famílias, através do estabelecimento dos primeiros contactos
entre a família e o serviço de IP, planificar e desenvolver a avaliação da criança, identificando as
preocupações, prioridades e recursos da família. Compete-lhes também desenvolver objetivos para
alcançar as necessidades da criança e da família, implementar o Plano Individual de Intervenção
Precoce (PIIP), e proceder à avaliação formal e informal do PIIP e do processo do PIIP.
Verifica-se um duplo aporte relativamente às competências que os assistentes sociais deverão
apresentar nos serviços IP, emergindo uma componente de abordagens tradicionais ao Serviço
Social com as quais os profissionais já se encontram bem preparados e uma componente de
abordagens específicas para a IP.
4.2. Abordagens tradicionais
Hepworth, Rooney, R., Rooney, G., Strom-Gottfried & Larsen (2010) destacam que a intervenção
do Serviço Social com famílias provém desde as suas raízes, tal como já abordado no capítulo
anterior, com o trabalho pioneiro de Mary Richmond e da Charity Organization Societies junto das
famílias mais carenciadas da sociedade industrial do início do século XX. Todo esse acumular de
experiência neste tipo de intervenção reforçou a importância de compreender o contexto familiar,
os processos, interações e a sua estrutura, bem como a importância de avaliar os fatores internos
e externos que podem influenciar o seu funcionamento, dado que sendo um sistema social, as
famílias influenciam e são influenciadas por cada um dos seus membros. Cada família possui as
suas regras implícitas, estrutura de poder, formas de comunicação e padrões de negociação e
resolução de conflitos. Hepworth et al. (2010) reforçam também o facto de as famílias serem
influenciadas pelas transações que estabelecem com o contexto social envolvente, bem como
também influenciam esse contexto, numa clara alusão às perspetivas ecológicas do
desenvolvimento abordadas neste capítulo.
114
Independentemente da sua configuração, composição, classe social, raça ou grupo étnico, as
famílias desempenham um papel essencial na satisfação das necessidades dos seus membros
constituintes. Hepworth et al. (2010) salientam que a avaliação das famílias pelo Serviço Social é
cada vez mais desafiadora para os profissionais, dado que os efeitos da globalização no mundo
ocidental têm provocado o surgimento de tipos famílias cada vez mais heterogéneas, pelo que os
assistentes sociais deverão respeitar as diferenças culturais das famílias, nomeadamente no que
respeita aos seus estilos de liderança, hierarquias, processos de tomada de decisão, padrões de
interação e estilos de comunicação, pelo que consequentemente, o contexto familiar poderá ser
um fator determinante no processo de avaliação das famílias.
Do ponto de vista das ações específicas a serem desenvolvidas, o assistente social atua junto das
famílias de uma perspetiva global, procurando satisfazer as necessidades destas, capacitando-as
e potenciando os seus pontos fortes. Para Caparrós (1998) a intervenção do assistente social com
as famílias pode ocorrer em situações de conflito, de disfunção do sistema familiar e em situações
de escassez de recursos para o funcionamento da família. Os assistentes sociais podem
desenvolver serviços diretos e indiretos com as famílias nos serviços de IP, nomeadamente,
realizar visitas domiciliárias para avaliação das condições da habitação, dos padrões de interação
entre os pais e a criança e para prestar orientações específicas à família. Podem também conduzir
uma avaliação de desenvolvimento psicossocial da criança no seu contexto familiar; avaliar e
prestar apoio relacionados com as necessidades básicas da família e com dificuldades de
funcionamento familiar; prestar aconselhamento individual e familiar; investigar alegadas
situações de maus-tratos ou negligência dos cuidados à criança; planificar e implementar serviços
como grupos de apoio mútuo de pais e atividades que promovam a aquisição de competências
sociais para as crianças e para os pais; identificar, mobilizar e ligar as famílias aos recursos
disponíveis; ajudar as famílias no interface com diversos sistemas sociais; facilitar a ligação da
casa com a escola e com a comunidade; avaliar os recursos comunitários existentes e os fatores
que possam contribuir para uma situação de risco; advogar pelos direitos da família no acesso
aos recursos comunitários; fornecer informação e educação a famílias e profissionais; apoiar a
planificação da transição; ser um elemento que facilita o envolvimento da família durante a
avaliação da criança; e procurar apoio de outros profissionais em matérias do interesse da família
(Azzi-Lessing, 2010; Malone, McKinsey, Thyer & Straka, 2000)
Especificamente na intervenção desenvolvida nos contextos educativos, os assistentes sociais têm
desempenhado um papel fundamentalmente consultivo, apoiando docentes e profissionais de
115
apoio educativo e, também, prestando educação parental, frequentemente com grupos de pais. A
presença dos assistentes sociais nestes contextos tem-se revelado especialmente importante na
redução de comportamentos disruptivos, bem como na diminuição da probabilidade das crianças
adotarem comportamentos desafiadores em contexto educativo. Esse apoio tem permitido reduzir
em quase metade a necessidade dos educadores retirarem as crianças de contexto de sala devido
ao seu comportamento (Azzi-Lessing, 2010).
4.1.1. AVALIAÇÃO ECOLÓGICA
Reconhecendo o impacto que as famílias representam para o desenvolvimento social, psicológico
e biológico dos indivíduos, que se constituem como meios primários de socialização e de
transmissão cultural, que irão moldar as atitudes, as crenças, os valores, as características de
personalidade e os padrões de comportamento dos seus membros, os assistentes sociais dispõem
de técnicas especificas que visam avaliar essas dinâmicas ecológicas. O genograma familiar
intergeracional é uma ferramenta que permite compreender melhor o funcionamento familiar, e
consiste numa representação gráfica da árvore genealógica da família, oferecendo uma perspetiva
das partes envolvidas no desenvolvimento familiar, bem como uma sequência cronológica de
eventos significativos. Pode também ser utilizado para a construção de uma interpretação subjetiva
que apontar algumas causas possíveis para as características psicossociais de um sujeito ou para
os padrões de interação da família (Cournoyer, 2011).
Na construção do genograma é utilizado um sistema gráfico que representa indivíduos e
acontecimentos que os afetam ou afetaram. Geralmente os quadrados representam elementos do
género masculino e os círculos elementos do género feminino. As linhas contínuas representam
ligações sólidas entre os elementos, ao passo que as linhas descontínuas representam ligações
mais instáveis. Relações de curta duração podem ser representadas por linhas pontilhadas. As
ligações que descendem de uma relação representam filhos biológicos ou adotivos. Uma
separação de uma relação é representada por uma barra, ao passo que um divórcio é
representado por duas barras que trespassam a relação entre os elementos. Os filhos de uma
relação são dispostos por ordem de nascimento do mais velho para o mais novo, da esquerda
para a direita. Os elementos falecidos são representado por uma cruz sobre o símbolo respetivo
desse elemento. Para além destes princípios básicos, outros símbolos poderão ser adicionados no
sentido de representar acontecimentos relevantes que tenham surgido na família, consoante a
pertinência para o caso em estudo, como por exemplo, um elemento com uma dada doença,
116
envolvido num acidente, que se encontre detido, etc., devendo esta informação ser descriminada
na legenda do genograma, no sentido de permitir uma leitura compreensiva por outro elemento
que não o autor do genograma (Cournoyer, 2011). A figura 23 apresenta um genograma
exemplificativo com algumas das relações expostas.
Figura 23 - Genograma Familiar Intergeracional
Outro instrumento amplamente utilizado na intervenção do Serviço Social com famílias é o
ecomapa desenvolvido por Ann Hartman (Hartman, 1978; Hartman & Laird, 1983). A sua
utilização prende-se com o facto de ser uma ferramenta que disponibiliza uma representação
esquemática das redes sociais de um indivíduo ou família. Para além dessa representação,
também salienta as relações positivas e as relações negativas que a família ou os seus elementos
têm com o mundo exterior, permitindo identificar áreas de conflito e áreas de compatibilidade
entre o sistema familiar e o contexto. Esta perspetiva poderá facilitar a identificação de áreas em
que seja necessário operar uma mudança. Mattaini (1990) enfatiza a complementaridade
existente entre o ecomapa e o genograma.
Num ecomapa os quadrados ou círculos representam os membros de um sistema familiar
primário (um agregado familiar, por exemplo). O sistema familiar primário em estudo deverá ser
representado no centro do esquema, sendo os restantes sistemas representados em torno desse
117
sistema central. Posteriormente é representado através de uma linha a ligação que o sistema
familiar primário em estudo tem com cada um dos sistemas circundantes. Uma linha contínua
representa uma ligação forte e geralmente positiva, uma linha descontínua representa uma ligação
ténue entre os sistemas, uma linha tracejada representa uma ligação conflituosa ou geradora de
stress nos sistemas. Cada linha possui uma ou duas setas nas suas extremidades, representado
o fluxo de energia ou recursos entre os sistemas, podendo um sistema ser somente recetor ou
emissor, ou ser simultaneamente recetor e emissor com outro sistema. No sentido de determinar
o investimento de energia ou recursos que um sistema possa estar a aportar a outro sistema, é
possível colocar os sinais positivo (+), negativo (-) ou de equilíbrio (±), de forma indicar se a relação
se encontra a criar sinergias (+), se está a criar desperdícios ou desmotivação (-), ou se existe um
equilíbrio entre investimento e retorno (±) (Cournoyer, 2011).
Jung (2010) salienta que conversas subsequentes poderão surgir da elaboração do ecomapa com
a família, permitindo aferir como é que as relações da família com outros sistemas foram evoluindo
ao longo do tempo. A construção do ecomapa pode ser feita pelo profissional sem ajuda da família
e de acordo com as suas perceções e conhecimentos sobre o sistema familiar, pode também ser
feito pela própria família com a ajuda do profissional, ou pode ser feito num processo colaborativo
entre família e profissional. A autora sublinha que na IP a elaboração do ecomapa em processo
colaborativo tem trazido vantagens evidentes na identificação de recursos e apoios.
McWilliam (2010) propõe uma sistematização na distribuição dos sistemas circundantes ao
sistema familiar, de forma a tornar mais simples a leitura do ecomapa. Nesta distribuição o autor
propõe que os sistemas circundantes que dizem respeito a relações formais fiquem colocados
acima do sistema familiar, os sistemas circundantes relativos ao emprego dos elementos do
agregado familiar deverão ficar colocados ao lado do sistema central, por fim, os sistemas
circundantes relativos aos profissionais e aos apoios formais que se relacionam com o agregado
deverão ficar por baixo. A figura 24 representa um esquema ilustrativo de um ecomapa de um
sistema familiar com base nos elementos expostos pelos diferentes autores.
118
Figura 24 - Ecomapa de uma família
Para além da avaliação ecológica, outras áreas tradicionais do Serviço Social encontram-se
presentes na IP, nomeadamente, a gestão de casos, educação parental, apoio familiar,
aconselhamento individual e familiar (Mahoney, 2007).
4.2. Abordagens específicas para a Intervenção Precoce
Tendo em conta a abordagem transdisciplinar nos serviços de IP, Malone et al. (2000) salientam
as competências e funções mais específicas que os assistentes sociais devem assumir em serviços
de IP. Na perspetiva dos autores, os assistentes sociais deverão estar familiarizados com a
legislação de IP em vigor que abrange o território onde desenvolvem funções. Devem possuir
conhecimento sobre desenvolvimento infantil típico, bem como desvios do desenvolvimento
esperado e o impacto desses desvios na avaliação da criança. É importante que posteriormente
sejam capazes de traduzir no seu planeamento da intervenção a informação recolhida na avaliação
do desenvolvimento, com base nas preocupações e prioridades da família. Os assistentes sociais
devem compreender a natureza sistémica da família e o impacto da mesma na avaliação das
necessidades, planificação das intervenções, capacitação das famílias e facilitação do
119
envolvimento da família no processo de IP, utilizando os princípios da corresponsabilização e
capacitação. Os profissionais devem produzir conhecimento baseado na sua intervenção, bem
como implementar metodologias de intervenção baseadas no estado da arte da IP e avaliar
empiricamente a aplicabilidade dessas metodologias. Devem fomentar a cooperação entre os pais
e os profissionais, bem como a colaboração e parcerias com outros serviços da comunidade, ou
com outras famílias. A valorização e a sensibilidade para com o conhecimento e metodologias de
outras áreas disciplinares envolvidas é outro aspeto importante a ter em conta. Relativamente ao
processo de transição da criança para contextos educativos pré-escolares ou outros, os assistentes
sociais deverão estar a par dos procedimentos inerentes, bem como promover e apoiar o
envolvimento ativo da família em todo o processo. Os profissionais deverão respeitar e valorizar as
diferenças culturais que cada família apresenta, independentemente de serem semelhantes ou
não ao contexto cultural dos técnicos. É também determinante que os assistentes sociais dominem
os recursos educativos, comunitários e de saúde disponíveis para a família no seu contexto
geográfico e estar disponível para articular com contextos mais afastados da localidade se
necessário.
Para Hobbs (2005), em contexto de uma abordagem transdisciplinar, os assistentes sociais
encontram-se bem posicionados para o trabalho em equipa dado que a sua formação de base e
a sua prática implicam grande colaboração com outros profissionais. Para além da avaliação
ecológica já referida, os assistentes sociais também contribuem no sentido de capacitar as famílias
para apoiarem no contexto natural a sua criança nas necessidades que esta possa manifestar
(Azzi-Lessing, 2010). O apoio emocional às dificuldades que a família possa sentir é outra função
que estes profissionais podem desempenhar em contexto de IP. Destaque-se também a questão
do empowerment no trabalho com as famílias, cuja aplicação na sua intervenção encontra-se
prevista no código de ética dos assistentes sociais norte-americanos, e que em tudo se assemelha
aos princípios da capacitação e corresponsabilização dos modelos de apoio social da IP (Dunst,
2000; Dunst, Trivette & Deal, 1988).
Os assistentes socias dispõe das competências necessárias para, no âmbito da abordagem
transdisciplinar, aportar a toda a equipa a importância de respeitar a diversidade cultural das
famílias, bem como a necessidade de compreender com respeito as características específicas
das minorias desfavorecidas, no sentido de oferecer um serviço de IP responsivo para com as
famílias acompanhadas. Esse tipo de responsividade pode passar pela adaptação da avaliação e
120
da intervenção no sentido de se ajustar ao enquadramento cultural da família e da criança (Azzi-
Lessing, 2010).
121
CAPÍTULO III – METODOLOGIA DA INVESTIGAÇÃO
1. NATUREZA DE INVESTIGAÇÃO E OPÇÕES METODOLÓGICAS
Para a prossecução dos objetivos do estudo, fez-se uma abordagem do tipo qualitativo
interpretativo dos dados recolhidos, salientando os fatores fundamentais que caracterizam as
funções e as competências do assistente social nos serviços de IP, através das perspetivas dos
diferentes profissionais de IP relativamente ao contributo do assistente social em modelos de
equipa interdisciplinares e transdisciplinares, e a possibilidade de existirem diferenças
significativas consoante o modelo de equipa.
De acordo com Almeida & Freire (2008, p.110) a metodologia qualitativa tem uma história mais
antiga do que os métodos quantitativos positivistas. No entanto, nos dias de hoje a sua importância
tem sido cada vez mais reconhecida no âmbito das ciências sociais e humanos, nomeadamente
o contributo da área da fenomenologia para a sua crescente relevância no panorama científico.
Segundo os autores, três dos seus princípios reforçam a sua importância no estudo e compreensão
dos fenómenos e comportamentos sociais, a saber: “(i) a primazia da experiência subjetiva como
fonte do conhecimento; (ii) o estudo do fenómenos a partir da perspetiva do outro ou respeitando
os seus marcos de referência; e (iii) o interesse em se conhecer a forma como as pessoas
experienciam e interpretam o mundo social que também acabam por construir interactivamente”.
No âmbito da investigação em educação, os princípios expostos ganham um destaque significativo
fruto da intenção de analisar as significações dos indivíduos sobre os fenómenos, a forma como
os representam e como constroem essa representação em interação permanente com o meio.
Atualmente, as interpretações dos sujeitos, grupos ou organizações que não são suscetíveis de
observação ou experimentação, encontram um espaço de análise através das metodologias
qualitativas no sentido da busca dos significados gerados pela interação dos intervenientes e da
interpretação destes desse real (Almeida & Freire, 2008; Esteves, 2006).
2. PROCEDIMENTOS DE RECOLHA DE DADOS
Relativamente à recolha de dados, alguns dos métodos utilizados são as entrevistas, o registo
direto, a observação participante, a análise de documentos, etc., sendo que a sua utilização varia
de acordo com as condições espácio-temporais e com o objeto de estudo. No sentido de objetivar
e validar os resultados obtidos por estes métodos, frequentemente recorre-se a métodos de
triangulação e de contrastação subjetiva (Almeida & Freire, 2008). Na investigação qualitativa a
122
informação obtida apresenta uma grande riqueza do ponto de vista descritivo, implicando um
tratamento metodológico complexo. Segundo Bogdan & Biklen (1994) esta abordagem pretende
investigar os fenómenos na sua complexidade e no seu contexto natural, apresentando cinco
características fundamentais: (i) a fonte direta dos dados é o contexto natural, sendo o investigar
o principal elemento na recolha destes; (ii) a investigação é descritiva; (iii) maior interesse dos
investigadores pelo processo de investigação do que pelos resultados finais; (iv) tendência indutiva
de análise de resultados; e (v) interesse do investigador na significação atribuída pelos
participantes às suas experiências.
Fernandes (1991) refere a influência da antropologia e da etnografia nos estudos qualitativos, em
que o investigador interpenetra no ambiente natural objeto da sua investigação, consciente que
sua presença tem um impacto no processo de observação. Atkinson & Hammersley (1994)
destacam na etnografia a enfatização na exploração da natureza dos fenómenos sociais, ao invés
da ênfase na colocação de hipóteses e testagem das mesmas. Verifica-se também uma maior
tendência para o estudo de dados não codificados no momento da recolha, fechando-os em grupos
de categorias de análise. A etnografia também privilegia uma investigação mais reduzida de casos,
podendo mesmo serem casos únicos. A quantificação e tratamento estatístico são relegados para
segundo plano, sem enfatizada a análise interpretativa explícita dos significados e funções da
ações humanas, sob a forma de descrições verbais e explicações.
2.1. Técnicas e instrumentos de recolha de dados
2.1.1. ENTREVISTAS
Como técnica de recolha de dados foi utilizada a entrevista semiestruturada a cada elemento da
equipa. Quivy & Campenhoudt (1995, p.193) referem que este tipo de entrevista não é
inteiramente aberta, mas também não se foca num grande número de perguntas específicas. O
investigador geralmente coloca algumas questões guia que pretendem orientar a recolha da
informação para os objetivos da investigação se necessário e caso o entrevistado não chegue por
si próprio ao objetivo de forma natural. As mais-valias deste tipo de método de recolha de dados
surgem em situações em que seja necessária “(…) a análise do sentido que os atores dão às suas
práticas e aos acontecimentos com os quais se veem confrontados“, nomeadamente da sua
interpretação das suas próprias experiências, bem como em situações de “(…) análise de um
problema específico” como o funcionamento do assistente social num serviço de IP.
123
De acordo com Bell (1993) a flexibilidade é uma das grandes qualidades da entrevista, sendo
possível ao investigador explorar ideias, testar respostas, bem como procurar motivos e
sentimentos. Por outro lado, a morosidade na aplicação e codificação é um dos problemas
apontados pela autora para este método. Relativamente à entrevista semiestruturada, a autora
refere que é importante dar-se liberdade ao entrevistado para que este possa destacar os aspetos
que no seu entender são os mais significativos, exigindo-se ao investigador a habilidade de
conseguir conduzir a entrevista dentro do âmbito do estudo sempre que necessário. Bogdan &
Biklen (1994) referem que os dados recolhidos através da entrevista, permitem ao investigador
desenvolver intuitivamente uma construção das significações que os sujeitos atribuem às suas
vivências.
O guião de entrevista utilizado e previamente elaborado pretendeu dar ao investigador um
enquadramento que permitisse a prossecução dos objetivos da investigação, orientando os
entrevistados sempre que necessário para esses objetivos. Em todo o caso, procurou-se sempre
que o discurso dos entrevistados fosse percorrendo naturalmente as dimensões em estudo,
existindo flexibilidade na ordem das questões colocadas. A duração das entrevistas variou
consoante a quantidade de informação que cada um dos entrevistados dispunha sobre o tema,
tendo tido uma duração entre 30 e 110 minutos.
2.1.2. AMOSTRA
No estudo empírico participaram profissionais que se encontram inseridos em serviços de IP que
operam com base no modelo interdisciplinar ou transdisciplinar. A seleção dos participantes foi
intencional, tendo sido utilizado um rácio de 50% de profissionais de IP que operam com base no
modelo interdisciplinar e 50% de profissionais de IP que operam com base no modelo
transdisciplinar. O total de sujeitos envolvidos na investigação foram seis profissionais de IP, um
assistente social, um psicólogo e um terapeuta da fala que operam com base no modelo
interdisciplinar, e um assistente social, um psicólogo e um terapeuta da fala que operam com
base no modelo transdisciplinar, no sentido de compreender a perspetiva de toda a equipa sobre
os objetivos do estudo.
O quadro 12 apresenta uma caracterização geral dos participantes que pretende definir o género,
o tempo de serviço, a situação profissional (estágio profissional, contrato a termo, prestação de
serviços ou contrato por tempo indeterminado), a formação de base e o tipo de formação
especializada, se aplicável.
124
Quadro 12 - Caracterização geral dos participantes
AS1 AS2 P1 P2 TF1 TF2 Género Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino
Tempo de serviço
6 anos 2 anos 10 anos 9 anos 15 anos 9 anos
Tempo de serviço em IP
6 anos 2 anos 3 anos 2 anos 15 anos 1 ano
Formação de base
Licenciatura em Serviço
Social
Licenciatura em Serviço
Social
Mestrado em
Psicologia
Licenciatura em Psicologia
Licenciatura em Terapia da
Fala
Licenciatura em Terapia
da Fala Formação
especializada
Mestrado em
Educação Especial
com especializaç
ão em Intervenção
Precoce; Especializaç
ão em Direito de Crianças e
Jovens
Frequenta Mestrado em
Educação Especial com especializaçã
o em Intervenção
Precoce
Especialização em
Psicologia Forense;
Especialização em
Psicologia da Educação
Pós-Graduação
em Ciências Médico-legais;
Frequenta Mestrado em
Educação Especial com especializaçã
o em Intervenção
Precoce
Doutoramento em estudos da criança e especialidade em educação especial; Pós-graduação em
educação especial com especialização
em Intervenção
Precoce; Pós-graduação em neuropsicologia clínica; Pós-graduação em tratamento do
neuro desenvolvimento conceito
Bobath
Pós-graduação
em educação especial com especializaçã
o em Intervenção
Precoce; Pós-graduação
em motricidade oro-facial;
Pós-graduação
em disfagias oro-
faringíngeas
Profissão desempenhada no serviço
de IP
Assistente Social
Assistente Social
Psicóloga Psicóloga Terapeuta da
Fala Terapeuta da
Fala
Áreas profissionais do serviço de
IP
Psicologia, Serviço Social,
Fisioterapia, Terapia da
Fala e Terapia
Ocupacional
Psicologia, Serviço Social,
Terapia da Fala,
Educação, Enfermagem e Pediatria
Psicologia, Serviço Social,
Fisioterapia, Terapia da
Fala e Terapia
Ocupacional
Psicologia, Serviço Social,
Terapia da Fala,
Educação, Enfermagem e Pediatria
Psicologia, Serviço Social, Fisioterapia, Terapia da
Fala e Terapia Ocupacional
Psicologia, Serviço Social,
Terapia da Fala,
Educação, Enfermagem e Pediatria
Modelo de equipa do
serviço de IP
Interdisciplinar
Transdisciplinar
Interdisciplinar
Transdisciplinar
Interdisciplinar Transdisciplin
ar
3. PROCEDIMENTOS DE TRATAMENTO DE DADOS
De acordo com Quivy & Campenhoudt (1995), a utilização de entrevistas para a recolha de dados,
pressupõe a utilização da análise de conteúdo para tratamento dos dados, pelo que foi utilizado
125
neste estudo este tipo de análise. A análise de conteúdo apresenta três grandes categorias de
métodos, nomeadamente, as análises temáticas, as análises formais e as análises estruturais. As
análises categoriais, utilizadas neste estudo, pertencem ao método das análises temáticas
(Pacheco, 2006). Dado que a análise tem por base os dados recolhidos em entrevistas, a tipologia
de dados refere-se a dados suscitados pelo investigador (Bardin, 1997; Esteves, 2006).
De acordo com Esteves (2006) a análise de conteúdo consiste num processo de economia e
redução de informação, segundo regras específicas, com o objetivo de aprofundar o conteúdo do
discurso original. Essa redução permite transformar o discurso completo em categorias de
conteúdo, cujo objetivo visa a produção de inferências, interpretações e, eventualmente,
explicações dos fenómenos em análise.
A categorização é consiste na classificação e redução dos dados que foram considerados
pertinentes para o objetivo do estudo, no sentido de reconfigurar os dados para dar resposta às
necessidades de investigação (Bardin, 1994; Esteves, 2006). Neste estudo a categorização foi
efetivada através de um procedimento aberto, ou exploratório, em que as categorias emergiram
essencialmente do material recolhido, num processo indutivo, partindo dos dados empíricos para
a formulação de uma classificação adequada aos mesmos.
As unidades de registo consistem no elemento de significação a codificar para serem atribuídas a
cada categoria. A literatura apresenta dois tipos de unidades de registo, as formais e as semânticas
(Bardin, 1994; Esteves, 2006). Para este estudo optou-se pela escolha de unidades de registo
semânticas, ou temáticas, sendo estas unidades de sentido ou de significado. Procurou-se recortar
da informação recolhida a unidade de registo ideia. As unidades de contexto representam um
segmento mais abrangente do que a unidade de registo, encontrando-se esta última embutida na
unidade de contexto. Dadas as características do estudo realizado, entendeu-se que a unidade de
contexto diz respeito a cada entrevista, pelo que emergem seis unidades de contextos codificadas
por sujeito entrevistado (“AS1”, “AS2”, “P1”, “P2”, “TF1” e “TF2”).
4. QUESTÕES ÉTICAS DE INVESTIGAÇÃO
Foi explicado o objetivo da entrevista a cada um dos entrevistados, tendo sido solicitada
autorização para gravação áudio para posterior transcrição. As transcrições foram enviadas para
os entrevistados procederem à sua revisão, tendo sido posteriormente analisado com base nessa
revisão. Na realização da investigação, e no que diz respeito às questões éticas, foram observados
diversos princípios, nomeadamente ao nível do consentimento informado e a garantia da
126
confidencialidade de cada profissional (Kvale, 1996; Lima & Pacheco, 2006; Quivy &
Campenhoudt, 1995).
5. LIMITAÇÕES METODOLÓGICAS
Inerente à metodologia utilizada para a prossecução do estudo empírico, a abordagem qualitativa,
diversos aspetos relacionados com a subjetividade da interação entre o investigador e os
entrevistados emergem como fatores que limitam o estudo. Em todo o caso, procurou-se através
da orientação recebida pelo entrevistador que estes fatores fossem minimizados, mas ressalve-se
que a reduzida experiência do entrevistador neste tipo de estudos possa ser uma limitação ao
mesmo (Bogdan & Biklen, 1994).
A dimensão da amostra, que se refere a uma parte muito reduzida do universo de todos os
profissionais de IP em Portugal, não permite também tirar conclusões abrangentes sobre os
objetivos do estudo, sendo somente um contributo exploratório para estudo posteriores mais
conclusivos.
Outro aspeto limitativo do estudo prende-se com o facto dos entrevistados saberem de antemão,
por contactos profissionais anteriores, que o entrevistador desempenha profissionalmente funções
como assistente social num serviço de IP, o que poderá ter conduzido a que algumas respostas
fossem influenciadas por esse facto, apesar de se ter procurado sensibilizar para a importância
da menor desejabilidade social possível das respostas.
127
CAPÍTULO IV - APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
O presente capítulo apresenta o resultado obtidos com o estudo, cuja finalidade prende-se com o
perfil, funções e características dos assistentes sociais nos serviços de IP, nas abordagens
interdisciplinares e transdisciplinares, com base nas perspetivas dos diversos profissionais que
constituem a equipas de intervenção dos serviços de IP, sejam eles assistentes sociais, psicólogos,
terapeutas ou outros. Procura-se, igualmente, elencar algumas características dos serviços de IP
contemporâneos, relativamente à sua consonância com as práticas recomendadas para a IP, bem
como nas dimensões relativas à organização do serviço à luz das exigências atuais para a
prestação de serviços sustentáveis e de qualidade.
Primeiramente apresenta-se o sistema de categorias e subcategorias definido para a estruturação
dos registos recolhidos nas entrevistas efetuadas. Posteriormente a apresentação e a análise dos
resultados é dividida em três pontos que representam as categorias que se relacionam com os
objetivos do estudo: Modelo de Intervenção do serviço de IP; Organização do serviço de IP; e o
papel do assistente social em IP.
Ressalve-se que o caráter exploratório do estudo não permite que as tendências apresentadas se
possam aplicar inequivocamente aos serviços de IP do país, representando apenas manifestações
locais e específicas. Em todo o caso, os resultados obtidos poderão ser objeto no futuro de novas
investigações, não apenas no âmbito específico da intervenção do Serviço Social, mas abarcando
a IP de forma mais abrangente, nomeadamente nas questões da organização do serviço e do
trabalho em equipa.
1. SISTEMA DE CATEGORIZAÇÃO DOS RESULTADOS
A análise das entrevistas realizadas com os seis profissionais de IP que constituem a amostra do
presente estudo, permitiu a construção dos sistemas de categorias e subcategorias que estruturam
a análise de conteúdo dos resultados obtidos. Assim, a figura 25 representa o sistema de
categorias utilizadas neste estudo.
128
Figura 25 - Sistema de categorias e subcategorias
Decorrente da categorização apresentada, emergem de cada subcategoria diversos indicadores
que pretendem ajudar a uma melhor compreensão do significado de cada categoria e
subcategoria. Os dados de cada indicador são inferências aproximadas do conteúdo de registo de
cada entrevista. No quadro 13 encontram-se os indicadores relativos à categoria Modelo de
Intervenção do serviço de IP. Esta categoria pretende encontrar características dos serviços de IP
atuais, procurando enfatizar questões relacionadas com as práticas recomendadas para a IP e
encontrar paralelismos e simetrias dos serviços com essas práticas. Dado que os serviços
apresentam desde logo a diferença quanto ao modelo de trabalho de equipa, pretende-se
129
encontrar em que pontos a abordagem transdisciplinar e interdisciplinar converge e quais os
pontos em que existe maior discrepância.
Quadro 13 - Indicadores da categoria Modelo de Intervenção do serviço de IP
Categoria: Modelo de Intervenção do serviço de IP
Subcategorias Indicadores
A - Abordagem interdisciplinar e
transdisciplinar
A1 Equipa interdisciplinar
A2 Equipa caminha no sentido de ser transdisciplinar
A3 Equipa transdisciplinar
A4 Características do serviço enfatizam a necessidade de uma
abordagem interdisciplinar com certas características da
transdisciplinar
B - Práticas centradas na família B1 Serviço procura ser centrado na família, mas nem sempre consegue
B2 Depende de cada profissional da equipa
B3 Família no centro da intervenção do serviço de IP
B4 Abordagem centrada na família mas com o dever de alertar para
certos aspetos do desenvolvimento da criança
C - Intervenção em contextos C1 Intervenção aplicada aos contextos naturais e pontualmente
efetuada nos contextos
C2 Depende de cada profissional da equipa
C3 Intervenção baseada e orientada para as rotinas
C4 Serviço com momentos específicos para intervenção integrada nos
contextos
D - Avaliação em IP D1 Avaliação em arena em contexto artificial
D2 Avaliação em diversos momentos e diversos contextos, sendo que
nem sempre todos os profissionais estão presentes na avaliação em
arena
D3 Avaliação em arena limitada por não ser efetuada no contexto
natural, mas procura ir ao encontro das prioridades da família
D4 Área em que a equipa necessita de evoluir mais
D5 Não integração na avaliação em arena dos dados recolhidos noutros
momentos
D6 Avaliação em arena planificada pela família e pelo mediador de
caso. Presença de todos os elementos da equipa no momento da
avaliação.
E - Plano de intervenção E1 Plano de intervenção elaborado pelos profissionais em parceria com
a família
E2 Pouco funcional e desligado da intervenção
E3 Plano é o guia da intervenção para todos os intervenientes e é
construído com a família
E4 Depende de cada profissional da equipa
F - Figura do mediador de caso F1 Mediador de caso é apenas gestor de informação da família e
monitoriza procedimentos
F2 Mediador caso pouco apoiado pela equipa, assumindo aspetos
críticos da intervenção sem apoio
F3 Mediador de caso é uma ligação privilegiada entre a família e os
profissionais da equipa
130
F4 A escolha do mediador de caso pretende ir ao encontro das
necessidades da família
G- Intervenção baseada na investigação G1 Intervenção tenta ir ao encontro da investigação
G2 Por vezes é baseada na investigação, outras vezes surge do senso
comum e da experiência dos profissionais
G3 Perspetiva de que é fundamental ter um enquadramento teórico
para toda a intervenção
G4 Valorização do apoio da supervisão técnica e da formação em IP
G5 Intervenção no neuro desenvolvimento com base no conceito
Bobath
H - Articulação com outros serviços H1 Articulação frequente com outros serviços por vários profissionais
da equipa
H2 Articulação com serviços desempenhada pelo profissional mais
familiarizado com esses serviços
H3 Fraca articulação com outros serviços. Serviço de IP pouco
reconhecido
A categoria Organização do serviço de IP diz respeito a toda a estrutura que suporta prática
interventiva do serviço. Nesta categoria procura-se identificar em que medida os serviços de IP
estudados se encontram alinhados com as tendências atuais de organização dos serviços de
saúde, de educação e de prestação de apoio sociais. O quadro 14 apresenta os indicadores que
emergiram desta categoria.
Quadro 14 - Indicadores da categoria Organização do serviço de IP
Categoria: Organização do serviço de IP
Subcategorias Indicadores
I - Regulamentos I1 Regulamento interno
I2 Manuais de Departamento
I3 Plano de Atividades
I4 Guia de procedimentos
I5 Regulamentos abertos a melhorias
J – Procedimentos organizacionais J1 Processo de construção do SGQ partilhada com todos os
colaboradores
J2 SGQ levou a um alinhamento geral do serviço
J3 Obrigatoriedade de cumprir procedimentos
J4 SGQ apoia positivamente a prática profissional
J5 Postura do profissional é mais importante do que o sistema
documental
J6 Garante de equidade
J7 Apoia a família e informa-a dos seus direitos
J8 Nem todos participaram na construção dos procedimentos
J9 Necessidade do serviço acompanhar as exigências estruturais com
a qualidade
K - Objetivos de intervenção
quantificáveis
K1 Valorização dos objetivos quantificáveis
K2 Falta de tempo para modificações constantes aos objetivos
K3 Dificuldade em elaborar objetivos quantificáveis
131
L - Produtividade e eficiência L1 Eficiência entendida como uma quantificação da qualidade
L2 Ausência de prestação de contas
L3 Ausência de feedback dos superiores hierárquicos
L4 Importância de haver equilíbrio entre os objetivos de produtividade
e as características da população alvo
L5 Risco de alienação dos profissionais
L6 Falta de tempo
Por fim, a categoria O papel do assistente social em IP debruça-se sobre a questão da intervenção
do assistente social nos serviços de IP, procurando compreender o seu papel enquanto membro
da equipa, enquanto profissional dotado de especificidades, seja nas problemáticas para as quais
é mais solicitado, seja nos momentos de avaliação ou de partilha de competências com a equipa.
Procura-se, também, encontrar indicadores sobre o perfil de profissional de Serviço Social nos
serviços de IP e quais as suas funções e competências. O quadro 15 apresenta os indicadores
relativos a esta categoria.
Quadro 15 - Indicadores da categoria O papel do assistente social em IP
Categoria: O papel do assistente social em IP
Subcategorias Indicadores
M - O assistente social na equipa de IP M1 Intervenção do assistente social dependente das necessidades da
equipa
M2 Dificuldades de articulação entre o assistente social e a equipa
M3 Papel do assistente social é valorizado
M4 Assume um papel igual ao dos outros elementos da equipa:
intervencionista precoce
M5 Desconhecimento sobre o que é o Serviço Social
M6 Contribui para a organização do serviço
M7 Competências específicas enquanto intervencionista precoce
N - Importância do Serviço Social na IP N1 Dificuldade em especificar a importância do Serviço Social
N2 Articulação e potenciação de recursos
N3 Competências relacionais
N4 Competências de acompanhamento
N5 Conhecimento de base sobre apoio social e visão ecológica da
família
N7 Intervenção em momentos de crise
O - Principais áreas de intervenção O1 Transportes
O2 Ajudas técnicas
O3 Apoio às famílias
O4 Consentimento informado
O5 Não discriminação
O6 Articulação de serviços
P - Partilha de competências P1 Ecomapa
P2 Proxémica
P3 Competências não são vistas como uma mais-valia técnica
P4 Formas de intervenção com as famílias
132
P5 Falta de especificidade das técnicas e competências partilhadas
Q - Papel do assistente social na
avaliação
Q1 Quase sempre observador
Q2 Multifacetado
R - Dimensões da intervenção do
assistente social
R1 Terapêutico reflexivo
R2 Ordem social
R3 Transformacional
S - Formação de base para trabalhar
em IP
S1 Insuficiente
S2 Desenvolvimento, práticas centradas na família e
transdisciplinaridade
S3 Especificidades dos contextos moldam o profissional
S4 Suficiente porque compete ao profissional ir procurando mais
formação em diversas áreas
S5 Conhecimento sobre as problemáticas das crianças
S6 Trabalho em equipa
Nos pontos seguintes encontram-se apresentados os registos relativos a cada uma das categorias
em análise. Tal como referido na descrição metodológica, a unidade de registo é a ideia, ao passo
que a unidade de contexto (UC) é a entrevista, sendo a codificação de cada entrevista
correspondente à atribuída na caracterização geral dos participantes.
2. MODELO DE INTERVENÇÃO DO SERVIÇO DE IP
A primeira categoria em análise corresponde ao Modelo de Intervenção do serviço de IP. Nesta
categoria, os entrevistados expressaram as suas perceções relativamente ao modelo de
intervenção subjacente às suas práticas profissionais e às do serviço de IP de pertença,
nomeadamente sobre as práticas desenvolvidas por outros profissionais da equipa. Em primeiro
lugar abordaram-se questões relativas ao modelo de trabalho em equipa, procurando perceber se
as dinâmicas de intervenção se apoiavam numa abordagem transdisciplinar ou interdisciplinar.
Seguidamente questionou-se a perceção dos profissionais relativamente às práticas centradas na
família, e se essas mesmas se encontravam espelhadas no seu trabalho e nos colegas de equipa.
Considerando a importância dos contextos de vida no desenvolvimento infantil, foram colocadas
questões acerca da verificação, ou não, de intervenções nos serviços de IP tendo em conta este
aspeto. Posteriormente explorou-se a questão do momento de avaliação da família e da criança
em IP, e que práticas os profissionais identificavam no seu serviço. Procurou-se, também, entender
em que medida os planos de intervenção se encontravam presentes nos serviços onde os
profissionais em questão desenvolvem a intervenção. Foi também questionada a situação da figura
do mediador de caso, se existe, e se tal se verificasse, qual a sua importância no processo de
133
intervenção. Por fim, procurou-se também levantar a perceção dos profissionais acerca da
presença da investigação científica nas práticas dos serviços de IP onde exercem funções.
Apresentam-se no quadro 16 os registos recolhidos das perceções dos profissionais acerca da
abordagem interdisciplinar ou transdisciplinar do serviço de IP de pertença. Um aspeto
interessante a sublinhar prende-se com a inconsistência dos profissionais em afirmar
inequivocamente a tipologia da abordagem transdisciplinar no serviço de IP, tendo apenas um dos
profissionais, TF2, afirmado taxativamente que utilizava essa abordagem. Os outros dois
profissionais que se situaram na abordagem transdisciplinar, AS2 e P2, sublinharam que a
construção de uma equipa transdisciplinar é um processo que demora o seu tempo a efetivar-se,
e que nos serviços de IP a que pertencem essa construção ainda não se encontra completa. Tal
como referido anteriormente, King et al. (2009) chamam a atenção para a questão da libertação
do papel no processo de construção de uma equipa transdisciplinar, referindo que apenas se
verifica quando os membros da equipa se libertam de abordarem as suas intervenções apenas
com as estratégias de intervenção relativas à sua área específica do saber. É sob a supervisão dos
colegas das outras áreas profissionais que cada elemento da equipa vai começando a aplicar as
estratégias que lhe foram transmitidas pelos colegas. Destaque-se, no entanto, que P2 assume
com maior clareza que a sua equipa se encontra focada numa abordagem transdisciplinar, pese
embora tal ainda não ser um processo concluído, ao passo que AS2 deixa a hipótese da sua equipa
para além da abordagem transdisciplinar também utiliza noutros momentos outras abordagens.
Noutros quadros ir-se-á verificar que esta afirmação se consubstancia por uma fraca coesão no
serviço de IP a que este profissional pertence. Nota de destaque também para a perspetiva de TF1
sobre o serviço de IP a que pertence, onde refere a existência de uma abordagem mesclada, com
uma forte vertente interdisciplinar, mas que em determinados momentos aporta aspetos
tipicamente relacionados com a abordagem transdisciplinar, nomeadamente momentos de menor
necessidade de apoio com tanta frequência por profissionais de áreas especializadas. No entanto,
a contextualização que TF1 se refere para este tipo de abordagem diz respeito a uma abordagem
de IP a crianças com problemas neuromotores, onde sublinha que é pouco razoável expectar que
um profissional sozinho seja capaz de aportar todo o conhecimento necessário para uma
abordagem a esse tipo de problemática. O facto de TF1 ser o profissional com mais experiência
em IP e com nível de formação especializada em IP mais elevada de todos os inquiridos faz
levantar algumas questões relativamente à aceitação do modelo transdisciplinar nos serviços de
IP portugueses, nomeadamente se essa maior experiência poderá implicar maior resistência a
134
novas abordagens ou, por outro lado, se a formação mais especializada em IP faz levantar
questões da sua aplicabilidade a determinado tipo de problemas de desenvolvimento.
Quadro 16 - Abordagem interdisciplinar e transdisciplinar
Categoria: Modelo de Intervenção do serviço de IP
Subcategorias Indicadores Unidades de registo UC
Abordagem
interdisciplinar e
transdisciplinar
Equipa interdisciplinar “O modelo de equipa é interdisciplinar”
“Consideraria interdisciplinar”
“O modelo atualmente é o modelo interdisciplinar,
embora estejamos sempre numa crescente
aproximação para um melhor funcionamento desta
interdisciplinaridade”
AS1
P1
TF1
Equipa caminha no sentido
de ser transdisciplinar
“Idealmente seria o modelo transdisciplinar, há
momentos em que tentamos ir buscar um bocadinho
o trabalho nesse tipo de modelo, mas sabendo
comparar com a prática efetiva é óbvio que não
chegamos lá. Temos uma aproximação em alguns
momentos.”
“Nós tentamos ser o mais transdisciplinar possível,
isso não é uma coisa que acontece de um momento
para o outro. Nenhum de nós tinha experiencia de
trabalho transdisciplinar, portanto estamos a ainda a
construir, mas tentamos que seja o mais
transdisciplinar possível. Ainda não somos totalmente
transdisciplinares mas tentamos caminhar nesse
sentido.”
AS2
P2
Equipa transdisciplinar “Trabalhamos no modelo transdisciplinar” TF2
Características do serviço
enfatizam a necessidade de
uma abordagem
interdisciplinar com certas
características da
transdisciplinar
“Nós entramos aqui num nível de, numa criança com
alteração neuromotora, entramos num nível de
especificidade tal que não é razoável que se assuma
só, portanto um modelo transdisciplinar, ou seja, eu
acho que aqui é um bocadinho uma ponte entre o
trans e o inter. Haverá momentos e haverá situações
em que são momentos trans e ficamos na retaguarda,
mas com uma proximidade muito grande, mas haverá
outros momentos que tenham a ver com aquela
criança que têm de ser inter porque noutro processo
fisiológico da alimentação, da deglutição, existem
timings do processo de crescimento, no processo de
integração sensorial, do processo motor, ou não
entendo de músculos, de pernas, de relação com a
bacia, de coluna, não tenho essa formação e há uma
serie de cuidados que só um elemento com um
acompanhamento frequente é que é possível
estarmos atentos”
TF1
135
O quadro 17 sintetiza as perceções dos profissionais relativamente às práticas centradas na família
nos serviços de IP respetivos. Desta feita, também não se verifica uma consensualidade entre os
profissionais, apontando para abordagens distintas, ou perceções e exigência face ao serviço
diferentes entre os profissionais. AS1 salienta o facto de, apesar da formação sobre práticas
centradas na família, ser generalizada por toda a equipa, tal não significa a sua aplicação em todos
os momentos, referindo que apesar da sensibilização, nem sempre é possível ser centrado na
família. No entanto, não especificou em que momentos se verificava esse desvio. AS2 e P2, por
outro lado, enfatizam a disparidade de abordagens por parte dos diversos profissionais dos
serviços de IP a que pertencem. AS2 possui uma representação da intervenção de alguns dos
seus colegas de equipa naquilo que designa de intervenção tradicional, ou seja, com maior
enfoque na criança, sem auscultação e orientação para as necessidades e prioridades da família.
Essa opção pelo não envolvimento da família no processo de IP revela-se antagónica face aos
pressupostos avançados pela investigação na área da IP, tal como abordado anteriormente neste
trabalho, nomeadamente no facto de o foco das práticas de IP se basearem nas necessidades,
prioridades e desejos identificados pela família (Brotherson et al., 2008; Dunst, 1997). Em
seguimento, P2 refere alguns dos motivos que entende que se encontram por trás desta
abordagem mais tradicional, referindo a formação dos diferentes profissionais que constituem o
serviço de IP e a experiência profissional dos mesmos. P1 e TF2, apesar de se encontrarem em
serviços distintos do ponto de vista da abordagem ser interdisciplinar ou transdisciplinar,
enfatizaram a questão da importância da família em todo o processo de intervenção, colocando-a
no centro de toda a atividade da equipa. TF1 partilha da mesma opinião no enfoque da intervenção
com as famílias, no entanto deixa a nota para a importância do profissional alertar para
determinados aspetos que no seu entender são prioritários para o desenvolvimento da criança,
sublinhando a responsabilidade do especialista em sinalizar algumas questões que possam não
ser evidentes, nem prioritárias para a família, mas que poderão impactar no futuro da criança.
Quadro 17 - Práticas centradas na família
Categoria: Modelo de Intervenção do serviço de IP
Subcategorias Indicadores Unidades de registo UC
Práticas
centradas na
família
Serviço procura ser
centrado na família, mas
nem sempre consegue
“Tivemos formação em práticas centradas na família,
toda a gente da equipa. E aplicamos… na intervenção,
ou tenta-se pelo menos aplicar nas avaliações do
Plano Individual e no dia-a-dia durante a intervenção.
AS1
136
Acho que sim, nem sempre cumpre, mas acho que
sim.”
Depende de cada
profissional da equipa
“Aqui entramos novamente naquela situação em que
depende um bocado do profissional. Nós temos
profissionais que, como eu disse anteriormente,
continuam a trabalhar na linha da intervenção
tradicional”
“Aquela situação de auscultarem as necessidades das
famílias, as prioridades, as preocupações, depende
muito do profissional. Temos profissionais que
conseguem fazer isso, portanto a abordagem que é
feita à família é também muito de conseguir perceber
quais são as prioridades e as preocupações da família
e também temos colegas que dizem que não, em que
o objetivo fica muito direcionado na criança, portanto,
e no trabalho direto com a criança”
“As práticas… estou a falar um bocadinho por mim,
as práticas não são comuns a todos nós. Na minha
opinião por diversos motivos, formação, experiência
profissional anterior dos elementos que constituem a
equipa”
AS2
AS2
P2
Família no centro da
intervenção do serviço de IP
“(…) a família acaba por ser o cerne de todo o
envolvimento das terapias que a criança precisa ou de
outro tipo de intervenção que a criança precisa”
“(…) sabemos e acabamos por trabalhar muito
focados na família, acho que a equipa toda acaba por
ir de encontro ao que a família necessita”
P1
TF2
Abordagem centrada na
família mas com o dever de
alertar para certos aspetos
do desenvolvimento da
criança
“Quando eu falo em especificidade tem a ver com isto,
e ter a ver com o conseguir depois passar estratégias,
passar competências, também sendo essa nossa
responsabilidade de alertar para uma série de
situações que possibilitem realmente àquela criança
depois ter um percurso mais organizado e mais ativo
ao longo da sua vida”
TF1
Relativamente à intervenção nos contextos de vida da criança, o quadro 18 regista as perceções
dos profissionais face ao tema. Genericamente, os serviços de IP alvo do estudo apresentam, no
entender dos profissionais, uma intervenção orientada para o desenvolvimento de competências
nos contextos de pertença da criança. Apesar disso, nem todos os profissionais se encontram em
serviços com disponibilidade total para intervenção nos contextos de vida da criança, procurando,
no entanto, uma aproximação constante a estes, fornecendo estratégias para aplicação por parte
da família nos contextos de vida, tal como referem AS1 e TF1. Por seu turno, TF2 refere que a
intervenção que desenvolve no serviço de IP a que pertence é nos próprios contextos da família,
podendo ser o domicílio, o contexto educativo ou outros selecionados pela família. Destaque-se
137
que AS2 volta a referir assimetrias de intervenção no serviço a que pertence, nomeadamente no
facto de alguns profissionais não utilizarem adequadamente os resultados obtidos pelos
instrumentos de avaliação ecológica da família, fazendo destes meros procedimentos que se
encerram em si mesmos. AS2 e P2 nomeiam um instrumento específico de avaliação da criança
nas rotinas dos seus contextos de vida, a Entrevista Baseada nas Rotinas (EBR). A EBR é uma
entrevista semiestruturada, cuja utilização permite estabelecer uma relação positiva com a família,
obtendo uma descrição rica e detalhada da funcionalidade da criança e da família, bem como uma
lista de objetivos selecionados pelo entrevistado. Por estas caraterísticas, a EBR assume grande
utilidade na elaboração do Plano Individual de Intervenção Precoce (PIIP), uma vez que permite
estabelecer objetivos funcionais, que se baseiam nas rotinas da família, e são significativos para
esta, uma vez que são estabelecidos pela própria. Desta forma, o entrevistado deverá ser sempre
um pai/cuidador ou outro adulto significativo e profundo conhecedor da rotina da criança. Se a
criança for alvo de cuidados por outro indivíduo mais do que 15 horas por semana, essa pessoa
também deverá ser entrevistada. A EBR avalia o envolvimento, a independência e as relações
sociais estabelecidas pela criança nas diferentes rotinas do dia. Avalia, também, a satisfação da
família com as rotinas nas atividades diárias e, quando aplicado no contexto educativo, avalia a
perceção do educador relativamente ao ajuste da criança face ao desempenho esperado para
cada rotina educativa. Neste caso, o seu autor, McWilliam (2010), atribui outra nomenclatura à
entrevista, denominando-a de Escala de Avaliação das Perceções dos Educadores acerca das
Rotinas e do Envolvimento da Criança (EAPERE/SATIRE). Apesar de não fornecer uma cotação do
nível de desenvolvimento da criança, a EBR pode ser utilizada na obtenção de uma descrição
narrativa da funcionalidade da criança em diversos níveis de desenvolvimento, nomeadamente, a
nível cognitivo, motor, adaptativo, comunicacional e nas capacidades de interação social
(McWilliam, 2010).
Quadro 18 - Intervenção em contextos
Categoria: Modelo de Intervenção do serviço de IP
Subcategorias Indicadores Unidades de registo UC
Intervenção em
contextos
Intervenção aplicada aos
contextos naturais e
pontualmente efetuada nos
contextos
“Como os pais levam daqui estratégias terapêuticas e
não só, mas pronto, essencialmente terapêuticas para
utilizarem em casa, são aconselhados a utilizar nas
suas rotinas. A prática que aqui se faz é geralmente
assim, pelo menos é o que eu acho que acontece.
Fazem aqui uma determinada atividade, mas sempre
com o intuito de a mãe e o pai poderem aplicar isso
AS1
138
com a criança na sua rotina, na sua casa, com os seus
brinquedos, com a sua banheira, com a sua cozinha…
daí também nós irmos aos contextos para
aplicarmos.”
Depende de cada
profissional da equipa
“Depende muito do profissional que tivermos em
consideração. Nós utilizamos, mas isso é transversal
a todos os elementos da equipa, toda a gente faz a
aplicação da EBR, mas depois aquilo que acontece é
que temos colegas em que aquilo é um processo
meramente instituído, que está instituído pela equipa,
é um dos processos que se tem que concretizar, mas
aquilo que acontece é apenas realizar essa avaliação,
portanto o levantamento de informação relativa às
rotinas da criança, mas depois não tem impacto na
intervenção.”
AS2
Intervenção baseada e
orientada para as rotinas
“Saber a rotina da criança é saber em que momento
é que nós dizemos assim “ok naquele momento em
que os pais estão a dizer que fazem isto, nós podemos
introduzir este bocadinho” e vamos falar com eles e
vamos discutir “aqui faz sentido fazer isto””.
“E nessa rotina nós podemos descobrir aspetos em
que podemos ajudar a criança e os pais a gerirem
melhor determinadas situações e às vezes vamos
descobrir coisas que são fundamentais para outro tipo
de intervenção”
“Nós passamos a EBR fazemos o levantamento das
rotinas e depois da recolha de informação tentamos
perceber quais das necessidades dos aspetos que a
família referenciou na EBR que podem, se são
necessidades e prioridades para elas e é para serem
trabalhadas mais tarde no PIIP”
“O objetivo é ver o desenvolvimento da criança nas
rotinas do dia-a-dia dela, portanto o facto do nosso tipo
de intervenção ser os locais de intervenção, serem ou
o jardim-de-infância ou no domicílio, ou onde a família
se sentir mais confortável para, acaba por também ir
de encontro um bocadinho a este tipo de intervenção
que é baseada nas rotinas”
P1
P1
P2
TF2
Serviço com momentos
específicos para
intervenção integrada nos
contextos
“Nesta continuidade tentamos, também, na medida
do possível, todo um envolvimento, uma ponte com
os contextos de vida da família para os contextos de
vida da criança e daí temos organizado um sistema
que é como nós chamados os dias de intervenção
integrada”
TF1
No quadro 19 apresentam-se os registos relativos às perceções dos profissionais acerca da
avaliação nos serviços de IP. Neste aspeto AS1 reconhece diversos fatores a melhorar no serviço
a que pertence, com especial enfoque para a ausência de preparação da avaliação com a família,
139
sendo todo o processo levado a cabo pelos profissionais, num contexto artificial e desarticulado
das rotinas da criança. Esta situação colide com um dos cinco princípios apontados por Bagnato
(2007) para as práticas recomendadas na avaliação em IP, nomeadamente no facto de os
profissionais e as famílias deverem colaborar na planificação e implementação da avaliação. TF1
também identifica a questão do contexto de avaliação ser artificial no serviço de IP a que pertence,
mas que independentemente disso é possível avaliar questões específicas do desenvolvimento da
criança. P1 também sublinha a limitação que também sente no seu serviço de IP pelo facto de
este também não pressupor uma avaliação em contexto natural. Por outro lado, TF2 identifica no
serviço de IP a que pertence um forte pendor para a avaliação nos contextos de vida da família,
onde a família assume um papel central em todo o processo, desde a planificação até à sua
implementação. Ressalve-se que todos os profissionais identificam a utilização de um modelo de
avaliação em arena que, tal como referido anteriormente, vai ao encontro do preconizado por King
et al. (2009) para a IP, com uma avaliação simultânea de vários profissionais com a criança, em
estreita parceira com a família. Existe, neste modelo, um elemento que facilita a avaliação ao
interagir com a criança, podendo utilizar modelos formais ou informais de avaliação. P2 refere que
no seu serviço de IP utilizam sempre um modelo formal de avaliação com um instrumento
denominado Schedule of Growing Skills (SGS) II: Escala de Avaliação das Competências no
Desenvolvimento Infantil dos 0 aos 5 anos. A SGS II é um teste normativo de avaliação do
desenvolvimento, dividida em nove áreas de desenvolvimento (postura passiva, postura ativa,
locomoção, manipulação, visão, audição e linguagem, fala e linguagem, interação social,
autonomia) e cognição. Desta forma, a SGS II permite comparar a criança alvo com a norma,
avaliando-a em diferentes momentos, levantando-se quais as áreas fortes e menos fortes da
criança, bem como permite identificar a existência, ou não, de atraso de desenvolvimento em
qualquer uma das áreas. Por outro lado, P2 destaca a pobre relação que o serviço de IP a que
pertence estabelece entre a avaliação em arena e os dados recolhidos na avaliação ecológica da
família, sublinhando que o instrumento formal acaba por ser menos orientador para a prática do
que a avaliação ecológica dos apoios sociais e das rotinas da família. AS1 e P2 partilham da
opinião que a avaliação é o aspeto no qual os seus serviços de IP mais necessitam de evoluir. AS2
evidencia novamente a desarticulação que existe no serviço a que pertence, com avaliações que
excluem profissionais de determinadas áreas, menosprezando a importância de abordar o
desenvolvimento de uma forma holística.
140
Quadro 19 - Avaliação em IP
Categoria: Modelo de Intervenção do serviço de IP
Subcategorias Indicadores Unidades de registo UC
Avaliação em IP Avaliação em arena em
contexto artificial
“Avaliação é feita geralmente em arena, se bem que
nem sempre é feita nas condições ideais. Uma coisa
que tenho a criticar que é uma coisa que não
conseguimos fazer é a preparação da avaliação, que
não é feita com a família, não é a família que escolhe
o sítio, pode escolher o horário e o dia, mas não
escolhe o local, não escolhe os brinquedos… é a
equipa que escolhe”
“Nessa avaliação estão presente, portanto, todos os
elementos com exceção da médica fisiatra e em que
se pretende sobretudo também, depois esmiuçar um
bocadinho algumas características do
desenvolvimento da criança e preocupações mais
evidentes que sejam também sinalizadas pela família
relativamente ao desenvolvimento da criança,
portanto, num contexto que é artificial mas que
permite também analisar e dissecar coisas
específicas do desenvolvimento”
AS1
TF1
Avaliação em diversos
momentos e diversos
contextos, sendo que nem
sempre todos os
profissionais estão
presentes na avaliação em
arena
“A avaliação não ocorre num momento específico (…)
a partir do momento em que há um mediador de caso
ele é que decide quando é que se realiza a avaliação,
não é uma situação que é discutida em equipa (…).
há situações em que exclui essencialmente o Serviço
Social e a Psicologia, dizendo que não vale a pena
porque não são área de interesse, não interessa, a
criança não precisa”
AS2
Avaliação em arena
limitada por não ser
efetuada no contexto
natural, mas procura ir ao
encontro das prioridades da
família
“Há muitas coisas na avaliação da criança que só
vamos conseguir avaliar em situações naturais ou
seja, se mãe diz “ela engasga-se muito a beber
água…” Nós podemos ir buscar um copo de água
para ela beber e nós vermos como é que ela se
engasga. Mas ela pode dizer “ela engasga-se muito a
comer” se a miúda acabou de comer há 10 minutos
não vamos conseguir fazer isso. Temos de ajustar um
bocadinho à rotina da criança e ver qual é a melhor
altura de acordo com as questões que os pais
levantam, será melhor fazer a avaliação”
“Para que essa avaliação seja mais potenciada nós
também tentamos que ela já seja preparada em
função de toda a informação que foi recolhida
anteriormente. De qualquer modo tentamos seguir
um pouco o modelo mais de arena, tendencialmente
de arena, porque muitas vezes há mais do que um
elemento a intervir, mas tentamos que seja assim.”
P1
TF1
141
Área em que a equipa
necessita de evoluir mais
“A avaliação ainda não é totalmente centrada na
família e é nesse aspeto que posso criticar e que
temos de crescer”
“A avaliação, na minha opinião, é uma das áreas que
mais temos de evoluir na equipa”
AS1
P2
Não integração na avaliação
em arena dos dados
recolhidos noutros
momentos
“É quase sempre utilizada a Schedule of Growing Skills (SGS) e acho que aqui nós temos muito que
evoluir, porque é claro que não é só aquele momento
de avaliação que conta, é necessário depois também
integrar a informação que vem da EBR, do ecomapas
e mesmo das conversas informais que temos com a
família, porque muitas vezes recolhemos informação
importante daí. E acho que muitas vezes isso depois
não é integrado, a avaliação é vista só como esse
momento em que se passa a SGS, que é um
instrumento que na minha opinião nem sequer é
muito sensível a muita coisa que é importante”
P2
Avaliação em arena
planificada pela família e
pelo mediador de caso.
Presença de todos os
elementos da equipa no
momento da avaliação
“A avaliação é uma avaliação típica do modelo
transdisciplinar, é uma avaliação em arena. Na prática
o que acontece é que a avaliação ocorre no momento
em que a família achar mais oportuno, no local em
que a família achar mais oportuno e o que acontece é
que a equipa vai mas não tem um contacto direto com
a criança e é o mediador de caso que vai dando
indicações ao cuidador e para estar com a criança
como normalmente nas rotinas diárias”
TF2
No que concerne ao plano de intervenção, o quadro 20 apresenta as perspetivas dos profissionais
sobre o mesmo. Todos os entrevistados referem que o serviço de IP a que pertencem possui um
plano de intervenção para cada família. A sua construção é também, em todos os casos, elaborada
em estreita parceria com a família, pese embora P2 identifique no seu serviço profissionais que
não o fazem com a família. O plano de intervenção é para P1, TF1 e TF2 um elemento agregador
da informação relativa à família, bem como um guia que orienta todos os intervenientes na
prossecução dos objetivos de intervenção. Por outro lado, AS2 e P2 manifestam alguma apreensão
quanto à utilidade do plano de intervenção enquanto guião da intervenção, referindo que este é
frequentemente desligado da prática e pouco funcional para os profissionais e para as famílias,
essencialmente porque consideram que o documento que utilizam nos seus serviços é estruturado
de forma demasiado inflexível, tornando-o extenso e pouco funcional. Verifica-se que nos casos em
que os profissionais não valorizam o instrumento (AS2 e P2), a sua perceção sobre a perspetiva
das famílias sobre o documento também é no sentido da desvalorização do documento,
arquivando-o e consultando somente após solicitação do profissional. Neste sentido, poderia ser
importante para os serviços de IP em causa refletirem sobre a possibilidade de reformularem o
142
plano de intervenção, no sentido de o tornarem uma ferramenta valorizada pelos profissionais e
funcional para a família.
Quadro 20 - Plano de intervenção
Categoria: Modelo de Intervenção do serviço de IP
Subcategorias Indicadores Unidades de registo UC
Plano de
intervenção
Plano de intervenção
elaborado pelos
profissionais em parceria
com a família
“O plano é feito com a família, é primeiro discutido
com base na avaliação a equipa discute ou questiona
os pais sobre aquilo que queriam ver trabalhado.
Entretanto, há um momento em que a equipa discute
o que poderia ser desenvolvido no plano, e depois há
uma reunião com a equipa e a família para elaborar o
plano, que é todo discutido com a família, no entanto
já levamos umas linhas orientadoras, não vamos em
branco para a discussão. Ate porque na avaliação, já
falamos sobre o que observamos e já questionamos
com a família sobre o que quer ver trabalhado”
AS1
Pouco funcional e desligado
da intervenção
“É um instrumento que não se tem revelado muito
funcional, é um instrumento que tem muitas páginas,
que tem muita informação e acaba por não ser um
instrumento considerado interessante para a família
neste próprio processo. Muitas vezes nós
sistematizamos a informação e a família no final diz
que são muitas folhas, imaginemos que temos de
esquematizar um objetivo: “Não se importante de ir
buscar o seu exemplar?” Normalmente eu levo o meu,
e as famílias dizem claramente que não têm pegado
nele, arrumaram aquilo e só pegam quando nós
voltamos a solicitar.”
“(…) a mim o que me parece é que a estrutura do PIIP
não responde muitas vezes, não há… aquele formato
não é o adequado à maioria das famílias”
AS2
P2
Plano é o guia da
intervenção para todos os
intervenientes e é
construído com a família
“O plano individual eu penso que tem que estar tem
que ter as agulhas afinadas, tem que… primeiro é
importante tê-lo, são as linhas guia, é onde os
técnicos, onde os pais, onde a equipa que trabalha
com a criança vai buscar as linhas guia daquilo que
foi definido como objetivos de intervenção. Portanto,
parece-me que é completamente necessário tem um
plano que nos diga aquilo que a gente vai seguir. Este
plano vai dar as orientações a toda a gente, mas
também vai ajudar a que a gente perceba a evolução
que a criança teve.”
“(…) junto da família vão delinear o tal plano com as
linhas principais de orientação para a intervenção com
os objetivos principais. Esse plano não insere tudo
obviamente, mas pretende um guia, e com estratégias
principais também das ações a desenvolver também
ao longo depois do seu tempo de execução”
P1
TF1
143
“ (…) no fundo o PIIP não tem só os objetivos, o PIIP
tem o historial desde o primeiro contacto que temos
com a família, todas as informações importantes,
todas as pessoas que contactam com a criança, os
contextos, o que é que a família tem de acesso
naquele momento, que instituições podem realmente
estar a ajudar ou não”
TF2
Depende de cada
profissional da equipa
“O PIIP é construído teoricamente com a família,
como te disse também varia de família e de técnico
que estamos a falar. Vou reportar-me à minha
experiencia, é feito com a família”
P2
Característico dos serviços de IP transdisciplinar, emerge a figura do mediador de caso (Davies,
2007; Foley, 1990; King et al., 2009). O quadro 21 apresenta a perceções dos profissionais
entrevistados relativamente ao papel do mediador de caso nos serviços de IP onde desempenham
funções. Dessas perceções emergem duas caracterizações de tipos de mediador de caso, numa
em que assume funções semelhantes ao preconizado pelas práticas recomendadas em IP e outro
tipo mais orientado para a gestão de casos. Assim, P2, TF1 e TF2 descrevem o mediador de caso
como um elemento definido pela equipa no sentido de satisfazer as necessidades manifestadas
pela família. AS1 chama a atenção para o facto de o mediador de caso não ser uma figura de
destaque no seu serviço de IP dado que não operam segundo uma abordagem transdisciplinar,
assumindo mais funções de gestão. P1 e TF1 que desenvolvem funções num modelo
interdisciplinar também apresentam algumas características que se assemelham mais à gestão
de casos do que à mediação, uma vez que destacam o papel de agregador de informação e de
gestão de processos do mediador, indo ao encontro do preconizado por Almeida (2013)
relativamente à gestão de casos, nomeadamente nas questões da centralidade dos serviços na
pessoa, da relação entre o cliente e o assistente social, a compreensão da pessoa contextualizada
no seu meio, o enfoque nas forças dos clientes, o trabalho em equipa, e a intervenção nos níveis
micro, meso e macro da sociedade (Vide Capítulo I). P2 apesar de se encontrar mais próxima do
modelo transdisciplinar, em que o mediador de caso assume um papel também próximo da gestão
de casos. A atribuição de mediações de caso ao assistente social depende das necessidades que
família apresenta, ou, no caso de TF2, com constrangimentos relacionados com a gestão da carga
de mediações dos profissionais.
144
Quadro 21 - Figura do mediador de caso
Categoria: Modelo de Intervenção do serviço de IP
Subcategorias Indicadores Unidades de registo UC
Figura do
mediador de caso
Mediador de caso é apenas
gestor de informação da
família e monitoriza
procedimentos
O mediador de caso não é uma figura muito
interveniente na minha opinião, porque nós não
somos transdisciplinares (…) chamamos gestor,
reúne com os pais para fazer o plano individual e
quem assina o plano individual e quem se torna
responsável por verificar as monitorizações, no
entanto não é a figura do mediador comum, ou seja,
o responsável pela família”
AS1
Mediador de caso é uma
ligação privilegiada entre a
família e os profissionais da
equipa
“(…) pais terem uma figura de referência a quem se
dirigir quando precisarem de alguma coisa. Uma coisa
é dirigirem à equipa e qualquer pessoa, não quer dizer
que as pessoas não estejam todas dentro daquilo que
a criança está capaz de fazer, ou que não tenham as
informações todas, mas é diferente ser uma pessoa a
gerir o mesmo processo e os pais terem uma pessoa
de referência que já sabem que sabe tudo, não
precisam de estar a contar a história toda outra vez”
P1
A escolha do mediador de
caso pretende ir ao
encontro das necessidades
da família
“É um elemento privilegiado, muitas vezes é a pessoa
com quem a família está a maior parte do tempo (…)
tirando o momento da avaliação o momento do
acolhimento que pode não ser feito pelo mediador de
caso, o mediador de caso é a ponte entre o resto da
equipa e a família. Ou seja, o mediador de caso reúne
com a família, faz o levantamento de informação, das
necessidades, constrói o PIIP com a família e depois
solicita a intervenção de outros técnicos, para atingir
determinados objetivos, quando obviamente não tem
todas as competências, ou precisa de ajuda em
alguma coisa. Acho que é um modelo adequado, e
que não há grandes alternativas”
“(…) pretende ser aquele profissional que vai fazendo
um bocadinho a ponte com os outros colegas e com
a família e no fundo lembra aquele momento, “vamos
fazer o ponto da situação, como é que estamos
relativamente a estes objetivos, a estas ações””
“Tentamos ver qual é a necessidade que aquela
família tem naquele momento (…) depois depende um
bocadinho da quantidade de mediações de caso que
determinado elemento já tem”
P2
TF1
TF2
Procurou-se perceber em que medida as práticas dos profissionais entrevistados se alinham com
base na investigação desenvolvida na área em IP. O quadro 22 sintetiza as perceções dos
profissionais relativamente a este tema. P1 sublinha que a prática é indissociável da teoria e que
todos os profissionais devem orientar-se pela teoria subjacente à área, bem como investir ao longo
145
de toda a carreira na aquisição de novos conhecimentos e competências. AS1 e P2 referem que
nos serviços de IP a que pertencem existe uma preocupação em ir ao encontro da investigação
preconizada na área, mas que não asseguram que seja assim em todos os momentos e com todos
os profissionais. AS2 já destaca que na sua intervenção não segue somente diretrizes teóricas ou
recomendações da investigação na área, aportando fatores inerentes ao senso comum e à
experiência profissional. Esta posição deste profissional aproxima-se do perfil científico-humanista
apresentado por Amaro (2012), em que o assistente social aplica a “arte” da intervenção social,
baseando-se numa teoria gerada e desconstruída/reconstruída na prática. Da confrontação entre
os perfis profissionais propostos por Amaro (2012), os profissionais entrevistados apresentam um
claro pendor para o perfil científico-burocrático, destacando-se apenas AS2 como profissional
cientifico-humanista. TF1 especifica o seu enquadramento teórico na abordagem em IP, através
do conceito Bobath para o neurodesenvolvimento, que na descrição do profissional também
enfatiza a questão das experiências naturais da criança na aprendizagem sensoriomotora. P2
destaca também a importância que a supervisão profissional assume na construção de práticas
consonantes com as recomendações teóricas da área.
Quadro 22 - Intervenção baseada na investigação
Categoria: Modelo de Intervenção do serviço de IP
Subcategorias Indicadores Unidades de registo UC
Intervenção
baseada na
investigação
Intervenção tenta ir ao
encontro da investigação
“Tendo em conta que já há várias pessoas que
fizeram investigação na Intervenção Precoce e o que
partilharam connosco, não consigo dizer se é muito
baseada, mas sei que é algo baseada na investigação
(…) uma vez que as pessoas das equipas tem feito
uma reciclagem e novas especializações e portanto
vão estando a par e vão passando ao resto da equipa
os conhecimentos adquiridos e tenta-se intervir de
acordo com isso”
“(…) está presente, acho que sim e é utilizada, temos
noção de que, por exemplo., o modelo transdisciplinar
é o que está definido pela investigação como melhor
modelo para IP, portanto isso está. Eu acho que para
alguns elementos da equipa, não digo para todos,
mas para alguns elementos está muito bem definido
que a investigação diz determinada coisa e nós
supostamente devíamos seguir.”
AS1
TF2
Por vezes é baseada na
investigação, outras vezes
surge do senso comum e
“Eu penso que há situações em que poderei
considerar que vai de acordo com a investigação, com
aquilo que existe, por exemplo, há uma situação em
que eu não conheço, eu não tenho informação
AS2
146
da experiência dos
profissionais
relativamente aquela situação, aquele problema,
portanto eu vou-me informar, vou estudar e conforme
a informação que retiro, depois tento aplicar (…) há
situações em que eu acho que vão muito pelo senso
comum (…) não porque haja um conhecimento
científico, e depois há situações em que nós
propomos em que é fruto do que nós achamos que
pode ser o ideal”
Perspetiva de que é
fundamental ter um
enquadramento teórico
para toda a intervenção
“(…) qualquer tipo de avaliação, intervenção tem de
ter uma guarda-chuva teórico (…) se não houver nada
por trás a única coisa que a gente está a fazer com
aquela criança é trabalhar sem objetivos, é trabalhar
por trabalhar (…) Tem que haver investigação por trás,
as pessoas têm que basear-se naquilo que já foi feito,
naquilo que está a ser estudo, sejam coisas mais de
referencia, ou tecnologia de ponta ou seja o que for.
Mas tem que haver um guarda-chuva teórico por trás,
porque senão não estamos a trabalhar, estamos a
fazer uma coisa, pronto, a dar um jeito, como eu
costumo dizer”
P1
Valorização do apoio da
supervisão técnica e da
formação em IP
“(…) alguns elementos da equipa estão a tirar
mestrado em IP e é óbvio que eu acho, embora possa
estar enviesada, penso que trouxe mais-valias para a
equipa. Refletem-se um bocadinho sobre o que é isto
das práticas centradas na família, do respeito pela
família e pela necessidade de colocar a intervenção
naquilo que são as necessidades deles”
P2
Intervenção no neuro
desenvolvimento com base
no conceito Bobath
“Existem varias abordagens do
neurodesenvolvimento, mas nós partimos do principio
que está inerente ao conceito Bobath e que parte do
principio de que a aprendizagem é feita pela
experiencia sensório-motora, pelas vivencias que a
criança tem é que ela vai aprender, portanto nós é
uma luta inglória quando temos um padrão postural,
um padrão de movimento que está alterado em que
ela está a vivencia-lo e dar-lhe informação ao seu
sistema nervoso constantemente, o tentar modifica-lo.
Só conseguimos fazer isso com a junção de vários
saberes, seguindo a iniciativa e a motivação da
criança que está interligado com o seu meio
envolvente, com as interações que tem com a família,
com as interações que tem com o seu contexto
educativo e na qual as motivações e o envolvimento
da família do contexto educativo são absolutamente
determinante”
TF1
A articulação com outros serviços é, tal como visto anteriormente, um fator indissociável ao
trabalho desenvolvido pelos profissionais nos serviços de IP. No quadro 23 os profissionais
147
apresentam as suas perspetivas sobre esta matéria. AS1 e P1 identificam uma articulam frequente
com outros serviços, sendo essa articulação desenvolvida por diversos profissionais dos serviços
de IP a que pertencem. P1 enfatiza a questão da mediação de informação entre profissionais e
famílias, referindo que os profissionais de IP muitas vezes assumem um papel de esclarecimento
e prestação de informação em linguagem mais acessível às famílias. Amaro (2012) na
categorização que apresenta das novas áreas de ponta do Serviço Social destaca a questão
levantada por P1, denominando este tipo de intervenção de consentimento informado para se
referir à necessidade dos profissionais acompanharem os novos desenvolvimentos na área da
saúde e as suas implicações, no sentido de colocar esse conhecimento ao dispor das famílias, em
linguagem acessível, tornando possível que as famílias a tomada de decisões informadas. AS2
salienta que a articulação com os diferentes serviços varia consoante a natureza do serviço em
questão, fazendo com que os profissionais do serviço de IP mais familiarizados com esse serviço
realizem os contactos. Noutro sentido, P2 e TF2, ambos profissionais de serviços
transdisciplinares, ressalvam a fraca articulação que estabelecem com outros profissionais. Essa
pobre articulação não se deve a falta de iniciativa para o estabelecimento do contacto, mas sim a
pouca abertura generalizada dos diversos serviços e organizações da comunidade em
estabelecerem parcerias. Se por um lado os profissionais enfatizam a pouca valorização por parte
da comunidade relativamente aos serviços de IP a que pertencem, por outro lado demonstram
que as redes se encontram obstruídas por motivos de falta de tempo e falta de cultura de trabalho
em rede. Não deixa de ser preocupante a constatação a que estes profissionais chegam, que pode
redundar numa diminuição da qualidade do serviço disponibilizado pelos serviços de IP
transdisciplinares.
Quadro 23 - Articulação com outros serviços
Categoria: Modelo de Intervenção do serviço de IP
Subcategorias Indicadores Unidades de registo UC
Articulação com
outros serviços
Articulação frequente com
outros serviços por vários
profissionais da equipa
“Da parte do Serviço Social fazemos muito, mesmo o
resto da equipa sim, especialmente se a criança
estiver a ter apoio com outros terapeutas, por
exemplo. Com as ELI, com médicos, há essa
articulação. Há sempre com a escola e o Serviço
Social articula também com outros serviços de
segurança social, ou apoio social”
“A articulação com os outros serviços é fundamental
(…) mas tem alguém de referência que lhe diz assim,
o que o médico quis dizer é isto, explicar doutra
AS1
P1
148
maneira, porque muitas vezes a linguagem está lá
cima e é preciso.”
Articulação com serviços
desempenhada pelo
profissional mais
familiarizado com esses
serviços
“Com os outros serviços normalmente é o mediador
de caso que assume a articulação com outros serviços
quando há necessidade até de informar, ou recolher
informação. Normalmente é o mediador de caso que
assume esse serviço com a exceção dos médicos. Se
for com outro colega médico é a coordenadora, se for
um outro serviço normalmente é o mediador de caso”
AS2
Fraca articulação com
outros serviços. Serviço de
IP pouco reconhecido
“Tentamos sim, por exemplo, a articulação com a
CPCJ, as EMAT, há articulação com as escolas, há
articulação às vezes com outros técnicos e
profissionais que acompanham a criança, desde ao
médico de família, o pediatra por acaso acho que não
acontece muito, outros terapeutas, tenta-se que haja
alguma articulação, na minha opinião não existe a
articulação que deveria existir. Por variadíssimos
motivos: falta de tempo, porque nós também não
estamos habituados a trabalhar assim, também existe
alguma resistência, algum comodismo”
“Eu acho que a vontade existe, de coordenar e
articular com os outros serviços. Nós sentimos é ainda
muitas barreiras em relação aos outros serviços, por
desconhecimento, porque é um serviço muito recente
(…) a vontade existe, agora na prática será que nós
conseguimos coordenar com determinados serviços?
Não conseguimos de todo.”
P2
TF2
3. ORGANIZAÇÃO DO SERVIÇO DE IP
Após uma abordagem ao modelo de intervenção desenvolvido pelos serviços de IP de pertença
dos profissionais entrevistados no presente estudo, importa compreender alguns aspetos
operacionais da base de suporte organizacional onde estes profissionais desenvolvem as suas
funções. Assim, procurou-se entender em que medida os regulamentos, os sistemas de gestão do
serviço, a quantificação da intervenção e as preocupações com a produtividade e eficiência se
encontram presentes nos serviços de IP estudados.
No quadro 24 é possível verificar que todos os profissionais inquiridos a existência de regulamentos
internos em todos serviços de IP alvo do presente estudo. AS1 salienta que no serviço
interdisciplinar a que pertence, para além do regulamento interno também existe um manual
específico de cada área profissional existente no serviço. Para além destes documentos, outros
surgem como planos de atividades, no caso de AS2 e TF2, bem como guias de procedimentos
segundo AS2 e P2. TF2 destaca a importância deste tipo de documentos, principalmente para
novos elementos que integram o serviço, permitindo-lhes uma conceptualização mais concreta
149
daquilo que é esperado que desenvolvam. Por outro lado, AS2 refere uma desvalorização do plano
de atividades por parte dos profissionais do serviço de IP, existindo pouco interesse em levar a
cabo as atividades aí preconizadas, bem como uma fraca utilização do mesmo documento para
avaliação do desempenho do serviço. Verifica-se que praticamente em todos os casos, os
regulamentos se encontram abertos a alterações e que os profissionais dos serviços de IP
assumem um papel ativo neste processo.
Quadro 24 - Regulamentos
Categoria: Organização do serviço de IP
Subcategorias Indicadores Unidades de registo UC
Regulamentos Regulamento interno “Sim, tem um regulamento interno”
“Temos regulamento interno que já foi alterado foi
realizado no início da intervenção em 2011, depois no
ano passado sofreu alteração e depois a prática
profissional vai-nos dando uma visibilidade diferente e
portanto houve necessidade de fazer algumas
alterações e foram realizada, sendo que o próprio
regulamento interno também não é levado em
consideração muitas vezes”
“Temos um regulamento interno que já foi alterado”
“Nós temos um regulamento interno que foi definido
pela equipa logo, não sei se de início porque eu não
estava desde o início da formação da equipa, mas é
um documento que existe, que tem as linhas
orientadoras e tudo o que é procedimento. Nós
seguimos um bocadinho, até porque ao entrar um
novo elemento é um documento importante para
quem integra”
AS1
AS2
P2
TF2
Manuais de Departamento “(…) cada área disciplinar tem um manual de
departamento com os procedimentos”
AS1
Plano de Atividades “Também fazemos o plano de atividades que também
é outra situação que independentemente de estar
concretizado ou não também não há… não é um guia,
é simplesmente uma formalidade que é exigida (…)
portanto, quando acabamos um ano letivo temos
atividades que não foram monitorizadas, não houve
um acompanhamento, não houve um guia através do
plano de atividades”
“Temos um plano de atividades que definimos hoje
em dia por ano civil, antes por ano letivo. Hoje é por
ano civil, em que estão muito bem definidas todas as
atividades que a equipa vai levar a cabo durante
supostamente o ano todo. Em que incluímos alguma
formação, alguma atividade que possa ser feita com
as famílias, que tenha a ver mesmo com a questão da
AS2
TF2
150
nossa própria avaliação, avaliação daquilo que nós
fazemos”
Guia de procedimentos “Sim, nós temos um guia de procedimentos, que já
foi, já temos desde logo do início da nossa
intervenção”
“(…) também temos um guião de procedimentos”
AS2
P2
Regulamentos abertos a
melhorias
“(…) há algumas falhas que a gente vai colmatando.
Mas existe um regulamento que está a ser usado
neste momento, que são aqueles procedimentos que
a gente tem de seguir e são aqueles. Mas não é um
regulamento que já esteja fechado, isto é, ainda há
algumas coisas que nós precisamos de ajustar e
alterar porque muitas situações só nos aparecem no
momento, não é? E a gente não os reviu e portanto
ainda está em aberto”
P1
No seguimento a perspetiva sobre os regulamentos do serviço e do papel dos profissionais na sua
sistematização e elaboração, surge a verificação que todos os profissionais inquiridos
apresentavam experiências relativas aos procedimentos organizacionais. No quadro 25 verificam-
se as perspetivas dos profissionais face a esses procedimentos. AS1, TF1 e TF2 destacam o papel
importante que os profissionais assumem na construção dos procedimentos. TF2 enfatiza a
necessidade que os profissionais sentem em estruturar formalmente linhas orientadoras para a
ação que nem sempre existem na legislação. Relativamente ao envolvimento no processo de
construção, TF1 destaca que a implicação dos profissionais neste tipo de construção da
organização é valorizado e permite uma maior identificação dos profissionais com o serviço e com
as ações que lhes são imputadas. Verifica-se, também, uma consensualidade entre os
entrevistados relativamente ao impacto que este tipo de estruturação organizativa aporta para as
suas práticas, em que manifestam uma grande valorização dos procedimentos da organização.
Os principais benefícios apontados referem-se à organização das atividades e funções que os
profissionais devem desempenhar no serviço. P1 destaca ainda que os procedimentos também
são um aspeto valorizado pelas famílias, que veem nesses documentos um guia para saberem o
que esperar do serviço de IP, contribuindo para uma redução da ansiedade face ao futuro da
intervenção. TF1 refere aspetos relacionados com a salvaguarda que esses procedimentos
constituem para a prestação de um serviço de qualidade, verificando-se neste caso a existência
de um sistema de gestão de qualidade (SGQ) no seu serviço, que acaba por garantir alguma
coerência nas práticas. P2, por outro lado, refere que independentemente da existência de
procedimentos, alguns profissionais não procuram uma coerência no serviço prestado por todos
os profissionais da equipa. Em todo o caso, os procedimentos acabam por garantir que
151
determinados aspetos são normalizados e cumpridos graças à sua estruturação formal, mas as
questões relacionadas com a filosofia de intervenção centrada na família são, no entender de P2,
mais dependentes da postura do profissional em si do que do sistema de organização de
procedimentos. Para TF1 a existência deste tipo de gerencialismo nos serviços de IP é inerente às
exigências atuais que são colocadas aos serviços que prestam cuidados no âmbito da saúde e da
educação. No capítulo I foi possível verificar que o surgimento da gestão de casos nestes serviços,
para além de pretender garantir a qualidade do serviço prestado, também tem um claro enfoque
na otimização de recursos e maior eficiência por parte dos profissionais. TF1 relata precisamente
esse tipo de preocupações existentes no serviço de IP a que pertence.
Quadro 25 - Procedimentos organizacionais
Categoria: Organização do serviço de IP
Subcategorias Indicadores Unidades de registo UC
Procedimentos
organizacionais
Processo de construção dos
procedimentos
organizacionais partilhada
com todos os colaboradores
“Foi partilhado. Existia uma forma de agir e no fundo
foi passar essa forma de agir para um regulamento”
“(…) aqui o processo tentou ser o mais participado
possível, com os diferentes setores e eu acho que isso
foi muito positivo e acabou por envolver as pessoas
(…) acho que é uma mais-valia. Quando as pessoas
são implicadas envolvem-se de uma forma diferente,
quando as pessoas percebem o porque de terem de
fazer determinadas coisas”
“Acho que foi algo que a equipa sentiu necessidade
de criar (…) não foi por pressão, foi por iniciativa dos
elementos da equipa que sentiram essa necessidade
porque em termos de legislação e é fácil de ver, ler e
perceber que não há grandes linhas orientadoras em
relação a estes procedimentos, não há barreiras em
relação a algumas coisas”
AS1
TF1
TF2
Procedimentos conduziram
a um alinhamento geral do
serviço
“A dinâmica funcionava, mas depois como há coisas
que, várias equipas faziam coisas de diversas
maneiras, nomeadamente registos. Havia folhas de
registos diferentes utilizadas por equipas diferentes.
Teve-se que uniformizar a forma de trabalhar, o
procedimento, e também os modelos a utilizar”
AS1
Obrigatoriedade de cumprir
procedimentos
“(…) passando a ser obrigatório pela qualidade e pela
certificação, um regulamento e um procedimento, no
fundo o que se fez foi escrever aquilo que era feito e
depois havia alguns pontos que teve-se que alinhar,
porque não estavam definidos”
AS1
Procedimentos apoiam
positivamente a prática
profissional
“Organiza-nos, se tivemos alguma dúvida em como
fazer algum procedimento podemos recorrer aos
guias, aos regulamentos, aos manuais e eu acho que
AS1
152
ajuda muito. Eu acho que é importante ter um guia,
um manual que nos organize”
“São importantes principalmente nos orientam no
modo como nós devemos também gerir o nosso
próprio trabalho (…) ajuda-nos a analisar muita coisa,
aos pais ajuda a orientar e a ter presente, prever o que
é que vai acontecer e isso ajuda muito naquela
ansiedade de quem traz o filho pela primeira vez e não
sabe muito bem o que se vai passar”
“ (…) esta questão dos guias e dos procedimentos e
da maneira como o serviço está estruturado ajuda a
orientar melhor todo o processo, digamos assim.”
“Cria um tronco comum, senão então… já assim é um
bocadinho cada um faz como quer na parte da
intervenção, se tudo o resto cada faz como quer
ninguém se organiza. Organiza um bocado, estrutura
e cria normas”
“(…) temos procedimentos que nos orientam nas
nossas funções (...) fico com a sensação de que
acabaram por ficar mais claras e mais estruturadas
com o procedimento de implementação de um SGQ
no nosso serviço”
“(…) acabam por nos estruturar um bocadinho (…) é
importante que de algum modo haja coerência (…)
ajuda de algum modo a criar, a balizar um bocadinho
a nossa conduta, e ajuda e assegura a que as coisas
funcionem com o mínimo de coerência exigida entre
cada categoria, porque isso é uma preocupação que
realmente também o serviço deve ter, o serviço tem
que ter minimamente”
“(…) para quem começa no serviço de novo é
importante ter uma estrutura para seguir. Quem
depois já tem um bocadinho interiorizado, acaba por
ser importante também para saber para onde é que
vamos”
“Eu acho que facilita no sentido em que todos nós
usamos a mesma forma de trabalho, e não está agora
um a fazer de uma maneira e outro de outra. Está
uniformizado e é bom, porque há outros exemplos de
equipa em que as coisas… cada um faz por si e isso
não é muito positivo”
P1
P1
P2
TF1
TF1
TF2
TF2
Postura do profissional é
mais importante do que o
sistema documental
“Posso fazer mais centrado ou menos centrado na
família, posso ser eu a marcar o horário, posso ser eu
a impor o local, ou posso dar à família essa
possibilidade, e isso vai depender de quem faz,
porque não está definido no regulamento. Eu acho
que são características mais do profissional”
P2
Garante de equidade “(…) dá-me uma sensação de equidade, ou seja,
todos os clientes passam por um procedimento que
nos ajuda também a conhecê-los melhor, não é?
P1
153
Equidade no sentido também dos clientes, todos eles
passarem pelo mesmo processo de avaliação e depois
no final desse processo dizermos assim “ok nós
temos estas necessidades, vamos ver que repostas é
que podemos dar”, mas todos os eles passam pelo
mesmo processo”
Apoia a família e informa-a
dos seus direitos
“(…) também ajuda os pais a saberem onde é que
estão, porque os pais têm acesso ao procedimento,
sabem com o que podem contar, sabem que o
procedimento é este, e é este o procedimento que eles
vão seguir, e se encontrarem alguma falha também
têm o direito de dizer “isto faltou”, podem dizer “tem
isto, não tem, nós ainda não fizemos isto, o próximo
passo é este”
“Mesmo as próprias famílias tendo um guia, não é
guia, mas uma linha orientadora do que vai acontecer
agora e depois e depois, também é importante.”
P1
TF2
Nem todos participaram na
construção dos
procedimentos
Na nossa equipa há alguns grupos dentro da própria
equipa (…) não houve no início grande envolvimento
por parte do resto da equipa nisto, ficando a maior
parte do trabalho a cargo de alguns”
P2
Necessidade do serviço
acompanhar as exigências
estruturais com a qualidade
“(…) há uma preocupação geral digo eu, hoje em todo
o tipo de instituições que sejam ligadas à reabilitação,
à saúde, à educação com as questões da qualidade.
Isso passa a ser também um dos requisitos a ser tido
a ser considerado na, como é que eu ei de dizer, no
reconhecimento da validade daquele apoio à
comunidade digamos assim, e mais diretamente com
estas questões que tem de algum modo a ver com as
parcerias com ministérios”
Por outro lado as questões e as preocupações da
própria instituição com a prestação de um serviço de
maior qualidade em tempos de hoje em que isso é
muito falado e portanto foi por um lado uma
necessidade de algum modo quase que inevitável
pelas questões de acordos (…) mas por outro lado
uma crescente vontade institucional em de algum
modo certificar o serviço enquanto serviço de
qualidade e as mudanças neste serviço remontam já
há longa data”
TF1
TF1
No que concerne à elaboração de objetivos para a intervenção, procurou-se compreender em que
medida estes iam ao encontro das recomendações relativamente à sua especificidade, alcance e
mensurabilidade (NASW, 2013). No quadro 26 registam-se as perspetivas dos profissionais face
a esses objetivos. Os profissionais são unânimes relativamente à pertinência da quantificação dos
objetivos, valorizando o facto deste tipo de objetivos ajudar as famílias a compreender as metas
alcançadas e a perspetivar o sucesso da intervenção, bem como a relevância do trabalho que está
154
a ser desenvolvido pelo serviço de IP com a criança e com a família. Apesar dessa mais-valia
inequívoca para os profissionais, verifica-se que existem algumas dificuldades na elaboração deste
tipo de objetivos e que nem sempre é fácil conseguir que espelhem toda a complexidade da
intervenção que se encontra a ser desenvolvida, bem como todos os processos intrínsecos ao
desenvolvimento da criança que, por falta de tempo, não seriam praticáveis de monitorizar através
de objetivos quantificáveis e específicos. P1 refere que o recurso a percentagens é comummente
utilizado no sentido de conseguir captar o desenvolvimento de algumas áreas cuja quantificação
seja mais complexa.
Quadro 26 - Objetivos de intervenção quantificáveis
Categoria: Organização do serviço de IP
Subcategorias Indicadores Unidades de registo UC
Objetivos de
intervenção
quantificáveis
Valorização dos objetivos
quantificáveis
“Acho que são muito interessantes. É uma coisa
relativamente recente, tem alguns anos e tem-se vindo
a melhorar e desde que temos mais prática em criar
objetivos quantificáveis, tem-se vindo a trabalhar mais
facilmente, as famílias percebem melhor o trabalho
que é feito, também medem em casa ou aqui a
evolução, o desenvolvimento dos filhos, portanto acho
que tem, tem sido muito positivo. Tem evoluído tudo
muito positivamente.”
“Se eu falar dos objetivos que eu elaboro, são
quantificáveis. Tentamos fazer de modo a que haja ali
algum elemento que nos permita decidir e verificar se
ouve ou não sucesso para aquela situação”
“Sim. Muitas vezes isso ajuda (…) Eu acho que o
quantificar ajuda a vermos o quanto evoluiu. Para
depois também podermos analisar o como evoluiu”
“(…) nós temos objetivos que devem cumprir o que as
orientações para poderem ser devidamente avaliados,
têm de ser mensuráveis, têm de algum modo serem
expressos em comportamentos que possam ser
observados e que possam ser quantificados o que
nem sempre é fácil, uma vez que pretendem ser
objetivos com um caracter mais geral, mais orientar,
mas sim nós tentamos sempre, caso contrário depois
não nos conseguimos quantificar, não conseguimos
ver se atingimos ou não. Isso é importante porque de
algum modo ajuda-nos tanto aos profissionais como à
família até a concretizar (…) a definição de objetivos
ajuda-nos muito”
“Mas por outro lado, eu acho que nós precisamos de
ter um guia, não é? Porque trabalhar sem definir os
objetivos… Se calhar é uma forma que nós temos de
AS1
AS2
P1
TF1
TF2
155
mostrar o nosso trabalho e das famílias conseguirem
ver os resultados. Eles estando escritos é muito mais
fácil do que ir sendo falado ao longo da intervenção”
Falta de tempo para
modificações constantes
aos objetivos
“(…) nós não conseguimos estar constantemente a
fazer reformulações aos planos. Isso ia implicar uma
disponibilidade de tempo da nossa parte que não seria
funcional para aquilo que é mais prioritário (...)
delinearmos os tais objetivos com caracter mais geral,
porque depois em termos funcionais não ia ser fácil
estarmos constantemente a ajustar no papel coisas
que constantemente nós ajustamos nos
atendimentos”
TF1
Dificuldade em elaborar
objetivos quantificáveis
“(…) às vezes são mais difíceis de os fazer porque
quantificar coisas é sempre quantificar coisa, não é?
As percentagens ajudam um bocadinho porque é
qualquer coisa entre o 25 e o 50 mas o 25 e 50
podem ser um 25, pode ser uma 35, pode ser uma
45 e um 50. É quantificável de maneira diferente”
“Acho que é muito difícil, acho que uma avaliação
quantitativa das áreas do desenvolvimento para mim
é muito complicado (…) para as famílias é complicado
eles quantificarem isso. Para mim é muito difícil.”
P1
TF2
Se relativamente à quantificação dos objetivos e à estrutura organizacional por processos os
profissionais manifestaram uma valorização dos mesmos, na questão da produtividade e da
eficiência verificam-se perspetivas bastante diferentes, tal como apresentado no quadro 27. AS1
valoriza as preocupações inerentes à eficiência do serviço de IP, encontrando benefícios para a
própria gestão do seu trabalho por parte dos profissionais. AS2 e TF2, por outro, revelam que as
questões sobre a produtividade e a eficiência dos serviços de IP não se verificam nos serviços
onde desempenham funções. AS2 aponta a falta de liderança da equipa, permitindo que os
profissionais operem ser supervisão. TF2 refere que no futuro próximo os serviços de IP terão
forçosamente de prestar contas sobre os recursos vêm sendo utilizados e em que medida
contribuíram para os objetivos que as entidades financiadoras estipularam aquando da celebração
dos contratos de colaboração. Este tipo de desresponsabilização tem, no entender AS2 e P2, a ver
com a desarticulação entre os profissionais dos serviços de IP e a coordenação dos mesmos,
sublinhando que a coordenação dos serviços se descarta da função de gerir os recursos de que
dispõe. Se estes profissionais referem a falta de prestação de conta, num extremo oposto TF1
enfatiza a falta de tempo que por vezes se sente nos serviços de IP para conseguir acudir a todas
as solicitações de maior eficiência, fazendo com que os profissionais se sintam frequentemente
sob pressão. Este fator poderá levar a um incremento do risco de alienação dos profissionais, que
156
poderão questionar sobre a importância das suas funções quando se sentem pressionados e
incapazes de concorrer com as exigências de produtividade e eficiência colocadas pela gestão do
serviço. Neste sentido, P1 destaca a importância de encontrar um equilíbrio e uma razoabilidade
entre exigência de produtividade e flexibilidade, que tenha em linha de conta as características dos
beneficiários dos serviços de IP.
Quadro 27 - Produtividade e eficiência
Categoria: Organização do serviço de IP
Subcategorias Indicadores Unidades de registo UC
Produtividade e
eficiência
Preocupações com a
eficiência são positivas para
o serviço
“(…) a eficiência em termos de tempo, da organização
da própria equipa, da planificação, isso acho que é
importante e acho que é positivo para o serviço de IP”
AS1
Ausência de prestação de
contas
“(…) mas na realidade isso não é operacionalizado e
também não existe um controlo por parte da
coordenadora. Portanto, existe um manual de
procedimentos em termos formais, em termos de
papel mas depois na prática não (…) cada um faz o
que apetece, quando apetece e acho que é um
bocadinho por aí.”
“Eu acho que não é muito positivo, acho que algum
dia isto vai ser posto em causa até por uma questão
de dinheiro, uma questão económica, não é? De saber
o que é que está a ser gasto em IP, alias se nós formos
à investigação sabemos que, por exemplo, nos EUA o
que é gasto em IP. Isso é calculado e depois vê-se o
custo-benefício disso. Acho que nós em Portugal
vamos acabar por chegar a essa fase em que estas
questões de produtividade e da eficiência do nosso
trabalho vão ser postas mais em questão em termos
de legislação”
AS2
TF2
Ausência de feedback dos
superiores hierárquicos
“Nós temos desde logo uma coordenação (…) que
percebe claramente que cada elemento tem a sua
prática profissional e que mesmo ao nível da própria
equipa existem vários modelos de práticas
profissionais. Ela tem consciência disso, o facto de
também não ter formação em IP, também faz com
que ela não consiga manter e definir uma linha
orientadora para todos os elementos.”
“(…) não existe preocupação do coordenador em, por
exemplo, fazer o relatório de atividades, em avaliar,
fazer o plano de atividades, em avaliar o plano de
atividades depois da data, depois de terminar avaliar
o que se conseguiu o que é que não se conseguiu. É
um bocadinho o deixa-se andar e depois essa
AS2
P2
157
avaliação é muito pessoal, não é propriamente uma
prática da equipa.”
Importância de haver
equilíbrio entre os objetivos
de produtividade e as
características da
população alvo
“Eu acho que tem que haver aqui um equilíbrio, tem
que haver uma produtividade, uma dinâmica, uma
proatividade mas também ter em atenção o nível em
que os nossos clientes estão”
P1
Risco de alienação dos
profissionais
“(…) e depois é um pressing muito grande e não sei
às vezes até que ponto é que aquilo que é a base
inerente à nossa categorial profissional e do nosso
apoio tem uma certa tendência a cair porque o nosso
tempo não dá para tudo em detrimento desta gestão
destas prioridades”
TF1
Falta de tempo “A gestão de tempo eu acho que é uma coisa que
todos nós havíamos de ter mais formação, mais
estratégias, porque eu acho que é um drama e isto
associado ao stress que vivemos hoje em dia e a todas
estas pressões por que eu passo não é da nossa
instituição, na minha opinião, é geral e esta avidez
pelas questões da qualidade e hoje em dia nós, esta
sociedade está muito focada nisso”
TF1
4. O PAPEL DO ASSISTENTE SOCIAL EM IP
A presente categoria representa o tema mais específico do presente estudo e para o qual os
objetivos de investigação se encontram alinhados. As categorias anteriores permitiram identificar
o contexto no qual o profissional de Serviço Social desenvolve as suas funções, indo ao encontro
do que a investigação em Serviço Social preconiza como sendo característico à profissão, no que
concerne à plasticidade que a área profissional apresenta face ao contexto onde é desenvolvida,
permitindo que os profissionais se situem em posições distintas no trinómio da abordagem
tripartida apresentada por Payne (2006), ou num perfil mais científico-burocrático ou mais
científico-humanista utilizando a linguagem de Amaro (2012). Neste sentido, procurou-se perceber
qual o papel do assistente social enquanto membro de uma equipa de IP, a importância
perspetivada pelos profissionais relativamente à importância do Serviço Social na IP, as principais
áreas de intervenção do assistente social na IP, quais as competências que o assistente social
transmite aos colegas de equipa, o papel que assume nas avaliações em equipa, o posicionamento
do assistente social à luz da abordagem tripartida de Payne (2006) e a adequabilidade da formação
de base de Serviço Social para desempenhar funções em serviços de IP.
No quadro 28 apresentam-se as perspetivas dos profissionais relativamente ao papel do assistente
social na equipa de IP. AS1 refere que o seu papel na equipa a que pertence depende das
necessidades que a equipa vai apresentado, o que vai ao encontro do anteriormente exposto, em
158
que na equipa interdisciplinar o assistente social assume um papel de consultoria e de apoio de
retaguarda. O mesmo profissional identifica, também, dificuldades em articular com a restante
equipa, salientando que os restantes profissionais procuram pouco feedback relativamente às
intervenções que o assistente social vai desenvolvendo com as famílias. No entanto, AS1 considera
que a equipa de IP valoriza o papel do assistente social, apesar de se envolver pouco nesse papel.
TF1 corrobora a valorização do papel do assistente social na equipa, também esta interdisciplinar,
colocando-o em situação de paridade com os demais elementos. AS2, P2 e TF2 também
perspetivam o assistente social ao mesmo nível de importância dos restantes membros da equipa
de IP, mas neste caso enfatizam que essa igualdade também diz respeito às funções que
desempenham. Este facto surge decorrente do papel de mediador de caso que os elementos das
equipas transdisciplinares assumem, sendo que TF2 refere que, tal como todos os elementos, o
assistente social na equipa de IP, acima de tudo, é um intervencionista precoce. Este perfil de
intervencionista precoce coloca-o na linha da frente na intervenção do serviço de IP, ao contrário
de AS1, que num serviço interdisciplinar assume funções de suporte. Dentro dessas funções de
suporte, P1 destaca o papel desempenhado pelo assistente social na organização do serviço de
IP, enfatizando que é um profissional importante para este tipo de funções. TF2 refere ainda a
necessidade do assistente social em IP dominar aspetos relacionados com o desenvolvimento
infantil.
Quadro 28 - O assistente social na equipa de IP
Categoria: O papel do assistente social em IP
Subcategorias Indicadores Unidades de registo UC
O assistente
social na equipa
de IP
Intervenção do assistente
social dependente das
necessidades da equipa
“Atualmente muito necessário, porque o nosso papel
depende daquilo que as outras pessoas sentem sobre
a nossa necessidade na equipa e acho que neste
momento sentem essa necessidade”
AS1
Dificuldades de articulação
entre o assistente social e a
equipa
“Ainda há algumas situações em que dão ao
assistente social uma determinadas tarefas e se
esquece um bocadinho da equipa interdisciplinar e,
pronto, e nos transformarmos um bocadinho numa
multidisciplinar em que cada um tem as tarefas
muitos definidas (…) Acho que por vezes que ainda
temos essa necessidade de dizer aos outros membros
da equipa que apesar do assistente social sermos nós,
não quer dizer que a pessoa não possa fazer algum
tipo de comentário, ou algum tipo de questão que
tenha a ver com a nossa área”
AS1
Papel do assistente social é
valorizado
“Mas, sinto que o papel do assistente social na equipa
é considerado importante, porque é necessário,
porque é positivo”
AS1
159
“Eu sei que o papel do assistente social na equipa é
um papel muito importante, como é o de todos os
elementos da equipa”
TF1
Assume um papel igual ao
dos outros elementos da
equipa: intervencionista
precoce
“Na nossa equipa o papel do assistente social é igual
a todos os papéis de todos os outros elementos da
equipa. Portanto, temos responsabilidades como
todos os outros”
“(…) somos todos intervencionistas precoces (…) O
papel do assistente social na minha opinião é muito
semelhante ao papel de todos os outros, ou seja, é
um intervencionista precoce, mas depois há ali
determinadas questões para as quais eu acho que o
assistente social tem mais sensibilidade e é um
contributo neste sentido”
“(…) eu vejo o assistente social exatamente como, em
termos de equipa, como outro técnico qualquer, ou
seja, enquanto mediador de caso ele tem de ter o
mesmo tipo de competências que um terapeuta da
fala, que um psicólogo, que o educador e que o
enfermeiro tem, independentemente de ser assistente
social como formação de base, portanto acima de
tudo tem de ser um intervencionista precoce.”
AS2
P2
TF2
Desconhecimento sobre o
que é o Serviço Social
“O que eu acho é que existe um desconhecimento
daquilo que é um assistente social (…) que o papel do
assistente social vai muito mais além do que essas
situações meramente burocráticas e económicas (…)
que a abordagem que é feita por nós, o tipo de
informação que é recolhida, por exemplo no momento
do acolhimento, eu vejo que os colegas que até então
tinham um desconhecimento relativo à profissão do
assistente social depois começam a ser e dizem “por
acaso não me passava pela cabeça perguntar esse
tipo de situações”
AS2
Contribui para a
organização do serviço
“(…) não consigo conceber uma equipa sem um
assistente social (…) para mim o assistente social
estrutura um bocado aquilo que muitas vezes é
preciso fazer”
P1
Competências específicas
enquanto intervencionista
precoce
“Tem de dominar minimamente as áreas do
desenvolvimento, tem que tentar arranjar estratégias
para a criança desenvolver nas rotinas e nos
contextos. Vejo assim, que é o papel de todos nós na
equipa. Depois vejo como consultor”
TF2
O quadro 29 sintetiza os dados recolhidos junto da amostra relativamente à importância atribuída
ao Serviço Social na IP. AS1 refere que sente dificuldades em especificar a importância do Serviço
Social, pese embora lhe tenha reconhecido importância, tal como apresentado no quadro 28. Esta
dificuldade do profissional em causa vai ao encontro do que Amaro (2012) identifica como
160
inespecificidade do que é específico ao Serviço Social, facto que pode estar inerente à sua
plasticidade em função do contexto onde se encontra inserido, mas que leva ao que a autora
define como obscurantismo identitário, que pode resultar numa identidade profissional imprecisa
e, possivelmente, pouco aprofundada e esclarecida. AS2 e P2, por outro, definem com maior
clareza os aspetos onde o papel do assistente social sobressai com maior evidência,
nomeadamente na articulação e potenciação de recursos, fator que no quadro 23 foi evidenciado
como sendo uma das áreas em que os serviços de IP mais dificuldades sentem em
operacionalizar. P2 na sua descrição sobre esta questão aproxima-se à abordagem
transformacional socialista-coletivista proposta por Payne (2006), nomeadamente na capacidade
de criar recursos através da otimização e criação de sinergias entre agentes comunitários. AS2 e
P2 destacam, também, as competências relacionais do assistente social na intervenção com
famílias como presentes nos serviços de IP onde desempenham funções. A descrição destes
profissionais assemelha-se às funções relacionais dos assistentes sociais identificadas por Amaro
(2012), nomeadamente a capacidade de escuta ativa, de empatia, de compreensão do ponto de
vista do outro e o enquadramento dessa informação com os contextos ecológicos existentes na
sociedade. P2 identifica nas funções do assistente social da sua equipa aproximações às funções
de acompanhamento (Amaro, 2012), nomeadamente no reconhecimento de uma maior
capacidade para a passagem de competências para as famílias, na linha da pedagogia,
informação, advocacia social e empowerment. TF1 salienta que o assistente social é um
profissional com uma preparação de base reforçada nas áreas do apoio social e do impacto do
contexto ecológico nas dinâmicas familiares, que a IP também preconiza como determinantes para
o desenvolvimento das crianças (Dunst, 2010; Guralnick, 2011). Por fim, TF2 também salienta a
importância do assistente social em momentos de crise, como por exemplo, situações de violência
familiar, em que a urgência de situações deste tipo poderá encontrar no assistente social da equipa
de IP uma resposta de primeira linha e de recrutamento de outros recursos de apoio, tal como
referido por Azzi-Lessing (2010).
Quadro 29 - Importância do Serviço Social na IP
Categoria: O papel do assistente social em IP
Subcategorias Indicadores Unidades de registo UC
Importância do
Serviço Social na
IP
Dificuldade em especificar a
importância do Serviço
Social
“Isso é difícil… em que situações se sente a
importância do Serviço Social na equipa…”
AS1
161
Articulação e potenciação
de recursos
“(…) ter conhecimento da existência de determinados
recursos. O que é que acontece? Quando as situações
são discutidas em equipa a probabilidade de se
conseguir encontrar ou a oportunidade de se calhar
falarmos com determinado serviço. Isso pode ser uma
mais-valia”
“(…) eu acho que muitas vezes o assistente social tem
mais conhecimento e mais sensibilidade para que
recursos mobilizar para responder às necessidades
daquela família. Eu sinto isso, na nossa equipa. Se há
uma determinada necessidade que é referida pela
família, às vezes eu não sei muito bem que recursos
mobilizar e o assistente social tem mais
conhecimento. E eu não estou a falar do papel x para
entregar na segurança social, estou a pensar na
mobilização de recursos mesmo, “vamos à câmara,
vamos falar com esta pessoa, vamos procurar um
apoio daqui vamos envolver ali”, acho que tem mais
sensibilidade para estas questões, logo é uma mais-
valia para a equipa”
AS2
P2
Competências relacionais “(…) a forma como nós abordamos e a sensibilidade
que nós temos para abordar determinada situação
tem sido uma mais-valia (…) a forma como eu abordei
e a forma como foi abordada com a família de modo
a que ela não se sentisse discriminada e
constrangida”
“(…) tem a ver com a maneira como a pessoas se
relacionam e abordam a situação (…) temos uma
visão que não faz sentir a pessoa como discriminada
e diminuída e se calhar a igualdade que nós
conseguimos estabelecer na relação faz com que as
pessoas também se sintam à vontade e também
partilhem muitas outras coisas que com os outros
colegas não consegue”
“Para além disso depois tem a outra questão que tem
a ver com a sensibilidade para falar com a família”
AS2
AS2
P2
Competências de
acompanhamento
“(…) eu acho que o AS está mais sensibilizado para a
questão da família, da passagem de competências,
mais do que alguns dos outros técnicos”
P2
Conhecimento de base
sobre apoio social e visão
ecológica da família
“Acho que é um profissional que vem com uma
bagagem de base que muitos de nós não temos,
obviamente, com um carater mais da importância do
apoio social, das redes de suporte, de uma visão
muito mais profunda das dinâmicas familiares e do
impacto que determinadas circunstancias, sejam elas
uma alteração de uma necessidade especial que surja
numa criança, seja de outras dinâmicas, do impacto
que isso pode ter na dinâmica e reajuste familiar,
numa visão mais ecológica deste tipo de interpretação
deste tipo de situações”
TF1
162
Intervenção em momentos
de crise
“(…) é assim o que é mais evidente e o que me vem
logo à cabeça é um caso com questões sociais, seja
violência doméstica, sei lá, aquelas questões que são
mais evidentes.”
TF2
Relativamente às áreas de intervenção que surgem com maior incidência nos serviços de IP
abordados neste estudo, o quadro 30 apresenta as áreas identificadas pelos diferentes
profissionais. Assim, o apoio às famílias é a área de intervenção mais incidente, com especial
destaque para os profissionais do modelo interdisciplinar. Este facto poderá ser mais evidente,
dado que este tipo de problemas tendem a ser encaminhados para os assistentes sociais. O apoio
na atribuição de transportes para as terapias e na atribuição de produtos de apoio é outro papel
destacado por AS1 e P1. Por outro lado, os profissionais transdisciplinares revelam outras áreas
de intervenção do assistente social, nomeadamente a questão do consentimento informado e da
não discriminação, que AS2 e P2 referem estar presente em algumas atitudes preconceituosas de
alguns profissionais face às características culturais das famílias. Tal como abordado
anteriormente, Azzi-Lessing (2010) aponta esta questão como uma das funções dos assistentes
sociais, contribuindo com a sensibilização dos elementos da equipa para as questões do respeito
pela diversidade sociocultural das famílias, criando condições para a criação de um serviço de IP
responsivo a todas as famílias. AS2 destaca ainda o papel do assistente social em procurar sempre
compreender toda a dinâmica ecológica de apoio que as famílias dispõem, no sentido de articular
da melhor forma possível os apoios recebidos, diminuindo duplicações dos mesmos serviços que
criam stress dispensável para a família e desperdício de recursos que poderiam ser alocados para
outras necessidades.
Quadro 30 - Principais áreas de intervenção
Categoria: O papel do assistente social em IP
Subcategorias Indicadores Unidades de registo UC
Principais áreas
de intervenção
Transportes “Nos transportes”
“Transportes”
AS1
P1
Ajudas técnicas “(…) na prescrição de produtos de apoio”
“ (…) ajudas técnicas”
AS1
P1
Apoio às famílias “(…) problemas familiares”
“(…) problemas familiares”
“(…) o assistente social está mais sensibilizado para
a questão da família”
“(…) querem contribuir para melhorar a qualidade de
vida da pessoa e da família, o como fazer, e eu acho
que o Serviço Social tem o cerne da sua profissão está
AS1
P1
P2
TF1
163
muito ligado com isto, com uma visão, com uma
dinâmica, com as redes de apoio”
Consentimento informado “(…) a partilha que é feita sobre os serviços permite
que as famílias possam tomar decisões informadas
sobre os serviços, autonomizando-as e fazendo”
AS2
Não discriminação “Temos um papel de sensibilizar para não entrarmos
em juízos de valor sobre os casos. Temos que
perceber que as famílias têm prioridades e nós não
temos de ser os decisores das prioridades deles. O
assistente social também entra muito em situações
em que existe preconceitos, desconstruir um
bocadinho isso, mas tentar o perceber dos motivos
das tomadas de decisões das famílias.”
“(…) vai partilhando algumas técnicas, vai partilhando
algumas formas de estar (…), é natural que durante a
discussão de casos as pessoas nem se apercebem
que estão a fazer, mas há transmissão de
preconceitos, há transmissão de ideias pré-
concebidas”
AS2
P2
Articulação de serviços “(…) foi explicado como é que todo o procedimento
acontece. Temos de perceber o porquê de ela não ter
direito. Ela recebe o RSI? Temos de ver isso (…)
perceber se as famílias estão a ser acompanhadas por
algum serviço”
AS2
A partilha de competências é uma fase inerente ao processo de libertação do papel, típico da
abordagem transdisciplinar, denominada de expansão do papel, em que os profissionais trocam
ideias e informação de forma a aprenderem a observar, julgar e tecer recomendações de outras
disciplinas (King et al., 2009). O quadro 31 apresenta as perspetivas dos profissionais
relativamente à partilha de competências com os restantes profissionais do serviço de IP. AS1
identifica dois instrumentos/técnicas que entende como sendo específicos do Serviço Social, o
ecomapa e a proxémica. O ecomapa, tal como visto anteriormente, é um instrumento que surgiu
com Hartman (1978) decorrente da prática desta autora enquanto assistente social, procurando
esquematizar uma representação das redes sociais de um indivíduo ou de uma família. A
proxémica diz respeito à manipulação da disposição do cenário físico aquando do contacto direto
com a família, no sentido de induzir esse momento de acordo com os objetivos do profissional,
podendo este querer enfatizar o distanciamento, a confrontação, a empatia, o formalismo, etc.
(Weber, 2011). AS1 destaca a proxémica enquanto técnica partilhada com a equipa, a ser aplicada
nos momentos de construção do plano de intervenção com as famílias, que se pretendem que
sejam momentos de partilha e colaboração, pelo que nesse sentido, a disposição do mobiliário
procura induzir esse objetivo. AS2, no entanto, entende que no serviço de IP onde se encontra
164
inserido não existe um reconhecimento por parte dos outros profissionais das suas competências
específicas, atribuindo ao fator sorte o sucesso atingido com algumas famílias. Esta questão volta
a aproximar-se da inespecificidade do que é específico ao assistente social (Amaro, 2012), onde
uma vez mais uma prática mais próxima de um aprofundamento reflexivo e informado poderia
dotar os profissionais de Serviço Social de maior precisão na evidenciação das suas competências
e teorias subjacentes. TF2 explicita de forma mais evidente a sua dificuldade enquanto profissional
de outra área, em conseguir identificar especificamente quais são as competências que recebe do
assistente social da sua equipa, pese embora que reconheça que este lhe transmite competências,
que não consegue denominar ou conceptualizar.
Quadro 31 - Partilha de competências
Categoria: O papel do assistente social em IP
Subcategorias Indicadores Unidades de registo UC
Partilha de
competências
Ecomapa “(…) o ecomapa é uma técnica utilizada pelo Serviço
Social e que já foi utilizada por outros técnicos
também”
AS1
Proxémica “Nós estarmos sentados com a família com uma
mesa no meio é um motivo que cria uma barreira com
a família e se nós queremos uma proximidade não
devemos fazer isso. Isso é uma técnica que
aprendemos no Serviço Social, com certeza se
aprendem noutras formações, mas nós aprendemos
e recordo-me de ter passado essa informação, porque
quando vamos falar com a família, mesmo que seja
para discutir o plano de intervenção, para uma mesa
em que a equipa está atrás da mesa e a família do
outro lado, não há mesma ligação do que quando
estamos todos em cadeiras, numa roda ou numa
mesa redonda, ou em cadeiras sem mesa mesmo em
que estamos todos à mesma altura e sem uma
barreira no meio”
AS1
Competências não são
vistas como uma mais-valia
técnica
“Mesmo quando nós temos um papel de passagem
de competências, eles não consideram isso uma
mais-valia. O assistente social está na equipa porque
está, porque alguém o meteu lá. Acho que o papel do
assistente social é remetido para um plano, não sei
muito bem explicar, as suas contribuições não são
vistas como uma mais-valia técnica. Famílias
partilham coisas comigo que não partilham com as
colegas, e elas não veem isso como uma competência
específica do assistente social, veem como uma
sorte”
AS2
165
Formas de intervenção com
as famílias
“Tenta transmitir mais a necessidade de, por
exemplo, trabalhar em parceria com a família e isso
na discussão de casos já é feito um bocadinho isso:
“Olha porque é que não tentas fazer assim? Já
tentaste ir a casa? Já tentaste, já estiveste atenta a
esta situação? E que recursos é que a família tem para
isto ou para aquilo”
“(…) são partilhadas preocupações e partilhados
modos de atuação que se calhar na abordagem a
determinadas situações poderão ser mais indicados”
P2
TF1
Falta de especificidade das
técnicas e competências
partilhadas
“(…) eu acho que tem muito a ver com o
conhecimento que o assistente social tem da
resolução de determinadas situações que eu por
exemplo. não sei resolver. (…) Eu não consigo
identificar se são técnicas específicas ou não da área
dele, mas eu consigo perceber que há um
determinado conhecimento que ele nos passa dentro
da sua área”
TF2
A avaliação em IP é um momento característico e fulcral no funcionamento dos serviços de IP. O
quadro 32 pretende sintetizar os dados recolhidos junto dos profissionais, relativamente ao papel
desempenhado pelo assistente social nesse momento. Os dados recolhidos demonstram que nos
serviços de IP interdisciplinares o assistente social assume predominantemente o papel de
observador, enfatizando o papel de suporte que este profissional assume neste tipo de serviços,
tal como referido anteriormente. Por seu turno, os profissionais inseridos em contextos
transdisciplinares identificam um papel multifacetado do assistente social no momento de
avaliação, podendo assumir o papel de facilitador aquando das suas avaliações com casos em
que seja o mediador de caso. Uma vez mais a libertação do papel tradicional do assistente social
verifica-se com maior incidência nos serviços de IP orientados por uma abordagem
transdisciplinar.
Quadro 32 - Papel do assistente social na avaliação
Categoria: O papel do assistente social em IP
Subcategorias Indicadores Unidades de registo UC
Papel do
assistente social
na avaliação
Quase sempre observador “Normalmente, observador é sempre. Raras vezes é
facilitador, a não ser que tenha uma relação muito
próxima com a criança. Já aconteceu mas não é o
comum ser o facilitador”
“(…) observador e registo”
“(…) porque essa avaliação pretende ir mais ao
encontro do desenvolvimento da criança,
AS1
P1
TF1
166
normalmente os facilitadores não são os assistentes
sociais, embora estejam sempre presentes na
avaliação têm mais um papel de observador e de
registo com outros elementos da equipa para depois
juntarmos no apanhado geral da avaliação”
Multifacetado “(…) a avaliação em si é feita em arena, normalmente,
estamos todos juntos, o mediador de caso é quem
interage com a criança”
“Pode assumir vários. Pode ser o facilitador, a pessoa
que interage com a criança e que esta a facilitar no
fundo a avaliação, pode estar no papel de observador,
e sendo o assistente social o mediador de caso está
em toda a recolha de informação, porque a avaliação
não é só o momento da avaliação, passagem da EBR,
o ecomapa, os encontros que tem com a família, as
conversas que tem com a famílias e portanto para
além do papel que toda a gente faz enquanto
mediador de caso que também é recolher a
informação, depois na avaliação pode assumir os
papeis de qualquer um outro técnico”
“Se ele for mediador de caso é facilitador no momento
da avaliação. Se não, assume um papel como
qualquer um de nós, de observação e depois em
discussão com a equipa”
AS2
P2
TF2
A figura 25 representa o posicionamento dos assistentes sociais dos serviços de IP alvo do
presente estudo, relativamente às dimensões da intervenção do assistente social propostas por
Payne (2006). Assim, AS1 situa-se a si próprio entre a abordagem reflexivo-terapêutica e a
abordagem reformista-individual, afastando-se da abordagem socialista-coletivista. AS2, que ao
contrário de AS1, exerce funções num serviço transdisciplinar, situa-se afastado da abordagem
reformista-individual, e mais próximo da abordagem reflexivo-terapêutica, pese embora identifique
na sua prática vários momentos mais próximos da abordagem socialista-coletivista. P1 perspetiva
o assistente social do seu serviço de IP como quase totalmente voltado para uma abordagem
reflexivo-terapêutica, sendo raros os momentos que consegue encontrar aspetos das outras
abordagens. P2 também situa o assistente social do seu serviço de IP próximo da abordagem
reflexivo-terapêutica, mas reconhece que a abordagem socialista-coletivista também se encontra
frequentemente presente. Afasta-se mais, no entanto da abordagem reformista-individual. TF1
situa o assistente social do serviço de IP a que pertence bem mais próximo da abordagem
reformista-individual, com as outras abordagens também presentes, mas com muito menos
incidência. Por fim, TF2 situa o assistente social da sua equipa marcadamente na abordagem
socialista-coletivista, e menos nas restantes. Payne (2006) refere que os profissionais no
167
desenvolvimento das suas carreiras vão passando por pontos diferentes do trinómio das
dimensões da intervenção, sendo que todos os assistentes sociais acabam por apresentar
características de todas as dimensões. No estudo realizado verifica-se que o assistente social nos
serviços de IP se aproxima com mais incidência da abordagem reflexivo-terapêutica, com quatro
profissionais a aproximarem-se mais desta área. Destaque-se também que os profissionais que se
encontram inseridos em modelos de equipa interdisciplinares situaram os seus assistentes sociais
mais aproximados das abordagens reflexivo-terapêutica e reformista-individual, ao passo que os
profissionais inseridos em modelos de equipa transdisciplinares tendem a situar os seus
assistentes sociais mais próximos das abordagens reflexivo-terapêutica e socialista-coletivista, tal
como é possível verifica na figura 26 através das demarcações.
Figura 26 - Dimensões da intervenção do assistente social (adaptado de Payne, 2006)
Por fim, o quadro 33 apresenta os dados recolhidos relativamente às perceções dos profissionais
entrevistados acerca da formação de base do assistente social ser, ou não, suficiente para exercer
funções num serviço de IP. Apenas P1 identificou a formação de base do assistente social como
sendo suficiente, uma vez que para este profissional o desenvolvimento profissional é inerente às
atribuições que a formação de base incute nos profissionais, ou seja, existe uma consciência da
necessidade da busca permanente de formação e informação que seja significativa e que permita
melhorar o desempenho profissional no contexto de intervenção. Os restantes inquiridos
sublinharam a insuficiência da formação de base do assistente social para exercer funções em
168
serviços de IP, indo ao encontro do referido por P1 relativamente à necessidade procurar mais
formação específica em IP. AS1, AS2 e P2 destacam os aspetos relacionados com o
desenvolvimento infantil como uma das áreas nas quais todos o profissionais de IP devem investir
com maior enfoque, dada a necessidade permanente de avaliar o desenvolvimento das crianças.
P2 refere que a abordagem transdisciplinar também exige formação específica na área, para sua
compreensão e posterior aplicação. TF1 reforça a questão de compreender o desenvolvimento
atípico das crianças com as quais desenvolve a intervenção, bem como investir sempre na
formação em trabalho em equipa, cuja implementação de forma colaborativa é condição
fundamental para a prestação de serviços de IP de qualidade. Mahoney & Wiggers (2007) realçam
que uma forma de preparar os assistentes sociais para as competências específicas de
desempenho de funções em IP no modelo transdisciplinar, poderá passar pela inclusão de estágios
curriculares em serviços de IP que adotem este tipo de abordagem, colmatando à partida algumas
das limitações referidas pelos profissionais entrevistados.
Quadro 33 - Formação de base para trabalhar em IP
Categoria: O papel do assistente social em IP
Subcategorias Indicadores Unidades de registo UC
Formação de
base para
trabalhar em IP
Insuficiente “Não, de base não. Não tinha noção nenhuma do que
era trabalhar em Intervenção Precoce se não tivesse
alguma formação.”
“Não, não. O Serviço Social dá-nos uma base muito
geral daquilo que é o Serviço Social em si, agora em
termos de serviços de IP não chega mesmo quase
nada”
“Na minha opinião não é suficiente nem para o
assistente social, nem para o psicólogo nem para
ninguém que integre um serviço de IP com as
características de uma equipa local de intervenção”
AS1
AS2
P2
Desenvolvimento, práticas
centradas na família e
transdisciplinaridade
“Trabalhar com famílias de crianças exige
conhecimento de desenvolvimento, motor, da
linguagem cognitivo, que nós não temos essa,
cognitivo até tive algumas noções, mas
desenvolvimento motor e da linguagem não tive
noções nenhumas e é necessário para se perceber
algumas questões que possam haver ao longo do
desenvolvimento da criança, acho que é essencial (…)
A família não ficou bem esclarecida, porque pode ter
alguma limitação, ou simplesmente não ter apanhado
alguma parte da informação (…) posso ter de explicar
melhor alguma ação proposta por um terapeuta e
tenho de ter um noção do que aquilo significa, por
AS1
169
vezes a linguagem pode não se adequar muito à
capacidade de compreensão ou à linguagem daquela
família”
“(…) nós em Serviço Social podemos ter pequenas
bases sobre desenvolvimento, e quando chegamos a
um serviço de IP temos de ter uma bagagem muito
maior do que aquela que nós temos.”
“Mas esta questão do desenvolvimento, das práticas
centradas na família e do modelo transdisciplinar,
porque é assim eu na minha formação de base nunca
ninguém me tinha falado no modelo transdisciplinar
eu nunca tinha ouvido falar de trabalhar em equipas
transdisciplinares, comecei a ouvir quando integrei
esta equipa e no início não fazia a menor ideia do que
é que era. A formação de base foi uma mais-valia
imagino que para o assistente social tenha sido
idêntico, acho que foi um processo mais ou menos
idêntico”
AS2
P2
Especificidades dos
contextos moldam o
profissional
“O Serviço Social tem especificidades dependendo do
serviço em que está. Até dentro da própria área do
Serviço Social não dá a informação toda para estar
dentro do serviço”
AS2
Suficiente porque compete
ao profissional ir procurando
mais formação em diversas
áreas
“Daquilo que eu vejo, sim (…) mas o que acho, e acho
isto para o assistente social como para as outras
áreas, é que muitas vezes a formação de base dá-nos
uma coisa e depois toda a nossa formação e toda a
nossa experiencia e aquela que nós procuramos e
somos pró-ativos e dinâmicos para a fazer é que vai
criar muitas vezes a capacidade para exercer funções
no serviço (…) eu acho que a formação de base em
todos os cursos nos dá um ponto de partida e depois
o resto vem da nossa responsabilidade, nós
procuramos aquilo que nós precisamos para trabalhar
naquela área”
P1
Conhecimento sobre as
problemáticas das crianças
“(…) depois de cá entrarem devem aprofundar o seu
conhecimento do que é a problemática, do que é o
seu papel como contributo numa equipa a apoiar esta
problemática, esta condição de vida”
TF1
Trabalho em equipa “(…) ir aprofundando também o desenvolvimento de
competências de um trabalho em equipa que todos
nós, e se calhar os assistentes sociais também
tiveram na sua formação, fomos sensibilizados para,
mas outra coisa é irmos desenvolvendo competências
de funcionamento em trabalho em equipa, quer com
colegas de equipa mais direta, seja com outros
colegas que estejam em colegas extra instituição”
TF1
170
5. PERFIS DO ASSISTENTE SOCIAL EM IP: ABORDAGENS INTERDISCIPLINARES E TRANSDISCIPLINARES
O estudo realizado permitiu inferir indicadores de distinção e pontos comuns entre os assistentes
sociais que exercem funções em serviços de IP interdisciplinares e transdisciplinares. Assim,
emergem dois perfis possíveis para os assistentes sociais de serviço em IP: perfil do assistente
social transdisciplinar e o perfil do assistente social interdisciplinar. O perfil do assistente social
transdisciplinar apresentado na figura 27 salienta aspetos relativos aos dados recolhidos junto dos
profissionais que se encontram inseridos neste tipo de modelo de colaboração. Assim, o assistente
social transdisciplinar assume um papel de mediação de casos, desempenhando um papel
multifacetado na avaliação em IP, podendo desempenhar funções de mediador ou de observador.
Esta avaliação ocorre no contexto natural da família. A sua intervenção é baseada nas rotinas da
família, com a qual traça objetivos quantificáveis. Por outro lado, demonstra algumas dificuldades
em operacionalizar o plano de intervenção que se configura como pouco funcional. Os
procedimentos do serviço de IP orientam a sua prática profissional, mas existe pouca supervisão
e uma ausência de prestação de contas superiormente. No âmbito da passagem de competências
para os restantes elementos da equipa destacam-se as competências relacionais e a sensibilização
para a não discriminação para com a diversidade cultural das famílias. Por outro lado, revela
dificuldades na articulação com outros serviços, que não reconhecem a intervenção do serviço de
IP como relevante. No entanto, é o elemento da equipa que evidencia mais capacidades de fazer
face a essa adversidade através da articulação e potencialização de recursos no sentido da criação
de oportunidades para as famílias. A tipologia de intervenção é orientada para uma abordagem
reflexivo-terapêutica e socialista-coletivista.
171
Figura 27 - Perfil do assistente social transdisciplinar
O perfil do assistente social interdisciplinar apresentado na figura 28 revela as perspetivas
apresentadas pelos profissionais que desempenham funções em serviço de IP com esta tipologia
de colaboração de equipa. Desta forma, o assistente social interdisciplinar desempenha o papel
de gestão de casos prestando suporte à intervenção terapêutica da equipa. A avaliação em IP
decorre em contexto artificial e o assistente social assume o papel de observação. O plano de
intervenção é funcional e baseia-se em objetivos quantificáveis que são aplicados e sustentados
nas rotinas da família. Do ponto de vista organizacional necessita de prestar contas relativamente
à eficiência do seu trabalho, o qual é apoiado por procedimentos que guiam o profissional. A
tipologia de intervenção é orientada para uma abordagem reflexivo-terapêutica e reformista-
individual.
172
Figura 28 - Perfil do assistente social interdisciplinar
Considerando os dois perfis apresentados, o assistente social interdisciplinar encontra-se inserido
num contexto de intervenção mais organizado e que progressivamente tenta ir ao encontro das
recomendações da investigação em IP, no que concerne às práticas centradas na família. Por seu
turno, o assistente social transdisciplinar opera num contexto mais desorganizado, em que ainda
se procuram encontrar caminhos para intervenção e planos que contenham informação
significativa para as famílias e para os profissionais. Um dos fatores justificativos destas
dificuldades pode ser, possivelmente, o facto dos profissionais inquiridos apresentarem menos
anos de experiência profissional em IP. No entanto, o assistente social transdisciplinar tem um
papel que se apresenta como mais ativo do que o assistente social interdisciplinar, que
aparentemente surge como figura que secunda os profissionais da primeira linha de intervenção
com a criança e com a família, emergindo apenas quando solicitado ou em situações de urgência.
A transdisciplinaridade é um desafio bem presente para o Serviço Social, exigindo que os
profissionais saiam da sua zona de conforto para abarcar novas áreas de conhecimento, bem
como a necessidade de construir uma relação positiva com todos os elementos da equipa que em
conjunto terão de organizar um serviço de IP que garanta qualidade aos seus clientes.
173
CONCLUSÕES
O trabalho em equipa e colaboração entre profissionais e famílias é um desafio constante que se
apresenta nos serviços de IP. Se numa primeira análise a proposta de colaboração e parceria pode
afigurar-se tentadora e consensual, a prática encerra outros constrangimentos que, tal como o
presente estudo evidencia, nem sempre permitem que os serviços de IP otimizem todos os seus
recursos. Ressaltam imediatamente à vista dos dados recolhidos algumas dificuldades de
colaboração existentes nos serviços de IP, independentemente da abordagem de equipa ser
interdisciplinar ou transdisciplinar. Nos dois perfis de assistente social que emergiram do estudo
o trabalho em equipa conhece diferentes limitações. Por um lado, apresenta-se o assistente social
interdisciplinar que opera num serviço mais estruturado, mas que o remete frequentemente para
um trabalho de retaguarda e de segundo plano, que nem sempre desperta o interesse dos colegas
de equipa em obter retorno da informação da sua intervenção. Por outro lado, o assistente social
transdisciplinar surge com outra roupagem, libertando-se da designação de assistente social e
assumindo o papel de intervencionista precoce, colocando-se numa situação de maior paridade
com os colegas de equipa. No entanto, na equipa transdisciplinar verificam-se maiores problemas
de natureza estrutural e paradigmática que dão azo ao surgimento de fações dentro da própria
equipa, com profissionais mais tradicionalistas e centrados na criança, e outros profissionais que
procuram orientar a sua prática com base em modelos mais próximos das recomendações para
a IP.
Uma possibilidade para encontrar respostas para as dificuldades sentidas poderá residir na criação
de uma visão comum entre todos os profissionais que lhes permitam exercer a sua prática de
forma mais harmoniosa, sendo a Convenção dos Direitos da Criança um documento estrutural ao
qual todos os profissionais devem responder com a sua prática. Assim, e recuperando o exposto
como introdução ao presente estudo, recorde-se o artigo 23º da Convenção, que destaca o
imperativo dos cuidados às crianças com deficiência ser prestado com base na partilha de saberes
entre todos os Estados para que estas crianças possam beneficiar de serviços de reabilitação que
apliquem as recomendações metodológicas provenientes da investigação de ponta. Com efeito, a
orientação dos profissionais para uma prática centrada na família, baseada nos contextos de vida
das famílias e que aproveita as oportunidades de aprendizagem contidas nestes de forma a
potenciar a janela de oportunidades do neurodesenvolvimento na primeira infância, poderá
começar por partir de uma prática centrada nos direitos da criança e, consequentemente, nos
pressupostos da Convenção dos Direitos da Criança.
174
Em todo o caso, as dificuldades sentidas são distintas, se para o caso do assistente social em
contextos transdisciplinares a sensibilização de parte da equipa para as práticas baseadas na
investigação é uma necessidade, o mesmo não se aplica nos serviços interdisciplinares estudados.
Nestes, encontram-se algumas das limitações comummente verificadas ao nível do Serviço Social,
nomeadamente a indefinição identitária e o risco de alienação do profissional. Este risco pode
relacionar-se com a plasticidade do assistente social face à ampla variabilidade de contextos de
intervenção, fazendo com que inespecificidade seja uma especificidade característica da profissão,
que encerra em si aspetos positivos, como por exemplo em assumir o papel de intervencionista
precoce quando inserido em contextos transdisciplinares, mas que também aporta aspetos
negativos, como a aparentemente menor bagagem técnica e teórica que o demarque de forma
clara e positiva de outras áreas profissionais e dê espaço a uma valorização do seu papel enquanto
profissional de primeira linha de intervenção, mesmo em serviços de IP interdisciplinares.
Comparativamente, o perfil do assistente social transdisciplinar assume-se mais questionador e
dinâmico do que o perfil do assistente social interdisciplinar, que se aproxima mais de uma
abordagem de normalização social. Esta situação poderá advir dos profissionais estudados que
operam no âmbito da abordagem transdisciplinar possuírem menos tempo de serviço, quer
enquanto profissionais, quer enquanto profissionais específicos de serviços em IP, do que os
profissionais estudados que se encontram inseridos no modelo interdisciplinar, despertando a
necessidade de uma prática mais ativa do ponto de vista político. Outro fator que poderá contribuir
para esta maior atividade prende-se no ainda pouco reconhecimento por parte da comunidade dos
serviços de IP transdisciplinares, cuja história é bem mais curta do que os serviços de IP
interdisciplinares estudados.
O presente estudo refere que a opção estratégica de um serviço de IP em adotar uma abordagem
transdisciplinar ou interdisciplinar não é uma escolha simples. Alguns aspetos específicos do
desenvolvimento atípico levantam questões sobre a possibilidade de um só profissional ser capaz
de o providenciar serviços de qualidade sozinho numa primeira linha, pese embora com uma
equipa bem próxima de retaguarda, mas que não contacta diretamente com a criança com a
mesma regularidade que o mediador de caso. Dunst, Brookfield & Epstein (1998) e McWilliam
(2010) defendem que na abordagem transdisciplinar é minimizado o impacto negativo de diversos
profissionais utilizarem o tempo disponível da vida normal das famílias exigindo esforços que
induzem a uma menor perceção de apoio recebido, para além dos custos inerentes ao serviço de
IP serem mais reduzidos com um profissional mais privilegiado no apoio à família. Por outro lado,
175
a questão dos timings relacionados com as janelas de oportunidade de desenvolvimento em
determinadas áreas do cérebro decorrentes da neuroplasticidade podem justificar um maior
investimento por parte das famílias na solicitação de apoio especializado de diversas áreas, não
centralizando o apoio num mediador de caso. Esta questão assume-se como um tema bastante
pertinente para estudos posteriores, dado que este estudo denota reticências da parte dos
profissionais em adotarem uma abordagem transdisciplinar, existindo a mesmo a defesa de uma
mistura de abordagens num mesmo serviço de IP consoante os timings de desenvolvimento de
cada criança e a problemática associada.
Neste sentido, a prossecução dos objetivos inicialmente propostos para este estudo permitiram
encontrar uma caracterização de funções dos assistentes sociais em serviços de IP, encontrando
também pontos comuns e divergentes consoante a abordagem de equipa do serviço de IP se
apoiasse num trabalho interdisciplinar ou transdisciplinar. Relativamente às funções, o assistente
social interdisciplinar assume um papel de apoio à restante equipa servindo-se das competências
técnicas e relacionais esperadas de um assistente social no apoio às famílias. Por outro lado, o
assistente social transdisciplinar é considerado como um intervencionista precoce tal como os
restantes elementos da equipa, assumindo um papel de mediação de casos que se afasta mais
da especificidade do Serviço Social, abraçando as questões específicas do desenvolvimento infantil
típico e atípico. Esta maior exigência que os serviços de IP transdisciplinares representam para o
assistente social apontam no sentido de que a formação especializada em IP é um imperativo para
que estes profissionais dominem não só os aspetos do desenvolvimento, mas também as práticas
centradas na família e a abordagem transdisciplinar, que de acordo com os entrevistados, não se
encontram na formação de base.
Espera-se que o presente estudo contribua para o debate em torno da transdisciplinaridade ou
interdisciplinaridade dos serviços de IP através da demonstração do impacto que essa decisão
estratégica vem trazendo para a prática dos profissionais. Especificamente para os assistentes
sociais, espera-se que o estudo contribua para a perceção de que a subalternidade interventiva
relativamente aos profissionais de saúde no trabalho em IP não é uma obrigatoriedade, e que a
emergência do intervencionista precoce demonstra precisamente essa libertação de papéis. Deixa-
se também o desafio aos assistentes sociais interdisciplinares em assumirem também um papel
de intervenção de primeira linha, podendo a gestão de casos proposta por Almeida (2013) e pela
NASW (2013) ser um caminho no sentido dessa maior afirmação profissional, cuja importância
para IP é unanimemente sublinhada por todos os profissionais do estudo.
176
Relativamente às limitações do estudo emerge o fator tempo, dado que o investigador se
encontrava simultaneamente a desempenhar funções profissionais a tempo inteiro. Junte-se,
também, o facto de ter sido necessário durante o ano em que o estudo foi levado a cabo, alterar
o projeto inicial, tendo o presente trabalho sido efetuado em somente meio ano, o que limitou
ainda mais o tempo para aprofundamentos inerentes ao decorrer da investigação. Essas limitações
também levaram a que o tamanho da amostra não pudesse ser mais significativo, ficando em
aberto a possibilidade de, num estudo mais vasto, encontrar outras características dos perfis do
assistente social que não foram aqui apontadas, ou então reforçar com mais sustentação algumas
das conclusões a que este estudo chegou.
177
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Agnew, E. (2010). Civic Professionalism and Social Work. Locus Social, 5, pp. 31.44.
Albuquerque, C., Almeida, H. & Santos, C. (2013). Serviço Social: Mutações e Desafios. Coimbra:
Imprensa da Universidade de Coimbra.
Allen, R. I., & Petr, C. G. (1996). Toward developing standards and measurements for family-
centered practices in family support programs. In Singer, L. & Olson, A. L. (Eds.),
Redefining support: Innovations in public private partnership. (pp. 57-85). Baltimore: Paul
Brookes.
Almeida, A. T. & Fernandes, N. (2010). Intervenção com Crianças, Jovens e Famílias: pensar as
práticas centradas em direitos. In Almeida, A. T. & Fernandes, N. (Orgs.), Intervenção com
Crianças, Jovens e Famílias: estudos e práticas. (pp. 13-26) Coimbra: Almedina.
Almeida, H. N. (2013). Gestão de casos e mediação social: Abordagens, processos e competências
cruzadas na agenda do conhecimento em Serviço Social. In Albuquerque, C., Almeida, H.
& Santos, C. (Orgs.), Serviço Social: Mutações e Desafios. (pp. 15-63) Coimbra: Imprensa
da Universidade de Coimbra.
Almeida, I. C. (2007). Estudos sobre a intervenção precoce em Portugal: Ideias dos especialistas,
dos profissionais e das famílias. Unpublished Doutoramento, Faculdade de Psicologia e
de Ciências da Educação - Universidade do Porto, Porto.
Almeida, L. & Freire, T. (2008). Metodologia da Investigação em Psicologia e Educação. Braga:
Psiquilíbrios Edições.
Alves, M. M. (2009). Intervenção Precoce e Educação Especial: Práticas de Intervenção Centradas
na Família. Viseu: Psicosoma.
Amaro, M. I. (2012). Urgências e Emergências do Serviço Social: Fundamentos da Profissão na
Contemporaneidade. Lisboa: Universidade Católica Editora.
Ander-Egg, E. (1995a). Diccionario del Trabajo Social. Buenos Aires: Lumen.
Ander-Egg, E. (1995b). Introdução ao Trabalho Social. Petrópolis: Editora Vozes.
Atkinson, P. & Hammersley, M. (1994). Ethnography and participant observation. In Denzin, N. K.
& Lincoln, Y. S. (Coord.), Handbook of quality research. (pp. 248-261). Newbury Park:
Sage.
Azzi-Lessing, L. (2010). Growing Together: Expanding Roles for Social Work Practice in Early
Childhood Settings. Social Work, 55(3), 255-263.
178
Bagnato, J. S. (2007). Authentic assessment for early childhood intervention: Best practices. New
York: The Guilford Press.
Bardin, L. (1994). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.
Bell, J. (1993). Como realizar um projeto de investigação. Lisboa: Gradiva.
Block, A. & Block, S. (2002). Strengthening Social Work Approaches Through Advancing Knowledge
of Early Childhood Intervention. Child and Adolescent Social Work Journal, 19(3), pp. 191-
208.
Bogdan, R. & Biklen, S. (1994). Investigação qualitativa em educação – uma introdução à teoria
e aos métodos. Porto: Porto Editora.
Branco, F. (2009). A Profissão de Assistente Social em Portugal. Locus Social, 3, pp. 61-89.
Branco, F. (2010). A «sociatria» em Jane Addams e Mary Richmond. Locus Social, 5, pp. 70-78.
Brendtro, L. (1990). Powerful Pioneers in Residential Group Care: A Look at Our Roots and
Heritage. Child & Youth Quarterly, 19(2), 79-90.
Bronfenbrenner, U. (1979). The Ecology of Human Development: Experiments by Nature and
Design. Cambridge: Harvard University Press.
Bronfenbrenner, U. (1999). Environment in developmental perspective: Theoretical and
operational models. In Friedman, S. L. & Wachs, T. D. (Eds.), Measuring environment
across the life span. Emerging methods and concepts. Washington: American
Psychological Association.
Brotherson, M. J., Summers, J. A., Bruns, D. A., & Sharp, L. M. (2008). Family centered practices:
Working in partnership with families. In Winton, P. J., McCollum, J. A. & Catlett, C. (Eds.),
Practical approaches to early childhood professional development: Evidence, strategies,
and resources. (pp. 53- 80). Washington, DC: Zero to Three.
Bruder, M. B. (2010a). Early Childhood Intervention: A Promise to Children and Families for Their
Future. Council for Exceptional Children, 76(3), pp. 339-355.
Bruder, M. B. (2010b). Coordenação de Serviços de Apoio às Famílias. In McWilliam, R. A. (Org.),
Trabalhar com as Famílias de Crianças com Necessidades Especiais. Porto: Porto Editora.
Butt, L. & Caplan, J. (2010). The rehabilitation team. In Frank, R. G. (Ed.), Handbook of
Rehabilitation Psychology. (pp. 451–457) Washington, D.C.: American Psychological
Association.
Cammack, S., & Eisenberg, M. G. (1995). Key words in physical medicine: A guide to contemporary
usage. New York: Springer Publishing Company.
179
Caparrós, M. J. (1998). Manual de Trabajo Social: Modelos de práctica profesional. Alicante:
Editorial Aguaclara.
Carpenter, B. (2005). Real Prospects for Early Childhood Intervention: Family aspirations and
professional implications. In Carpenter, B. & Egerton, J. (Eds.), Early Childhood
Intervention: International Perspectives, National Initiatives and Regional Practice.
Coventry: West Midlands SEN Regional Partnership.
Cartmill, C., Soklaridis, S. & David Cassidy, J. (2011). Transdisciplinary teamwork: The experience
of clinicians at a functional restoration program. Journal of Occupational Rehabilitation,
21(1), pp.1-8.
Center on the Developing Child at Harvard University (2011). Building the Brain’s “Air Traffic
Control” System: How Early Experiences Shape the Development of Executive Function:
Working Paper No. 11. Consultado em 20/09/2013, disponível em
http://developingchild.harvard.edu/index.php/resources/reports_and_working_papers/
working_papers/wp11/
Cifu, D. X. & Stewart, D. G. (1999). Factors affecting functional outcome after stroke: A critical
review of rehabilitation interventions. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation, 80,
pp.35-39.
CMSA (2010). Standards of Practice for Case Management. Arkansas: Case Management Society
of America. Consultado em 23/09/2013, disponível em
http://www.cmsa.org/portals/0/pdf/memberonly/StandardsOfPractice.pdf
Correia, L. & Serrano, A. (2000). Intervenção Precoce Centrada na Família: Uma Perspetiva
Ecológica de Atendimento. In Correia, L. & Serrano, A. (Orgs.), Envolvimento Parental em
Intervenção Precoce: Das Práticas Centradas na Criança às Práticas Centradas na Família
(pp. 11-32). Porto: Porto Editora.
Cournoyer, B. R. (2011). The Social Work Skills Workbook. Belmont: Brooks/Cole.
Davies, S. (Ed.). (2007). Team around the child: Working together in early childhood education.
Wagga Wagga, New South Wales, Australia: Kurrajong Early Intervention Service.
Dominelli, L. (2004). Social Work: Theory and practice for a changing profession. Cambridge: Polity
Press.
Dunst, C. J. (1997). Conceptual and empirical foundations of family centered practice. In Illback,
R., Cobb, C. & Joseph, H. (Eds.), Integrated services for children and families:
180
Opportunities for psychological practice (pp. 75-91). Washington, DC: American
Psychological Association.
Dunst, C. J. (2000). Revisiting “Rethinking early intervention”. Topics in Early Childhood Special
Education, 20:2, 95-104.
Dunst, C. J. (2007). Early intervention for infants and toddlers with developmental disabilities. In
Odom, S. L., Homer, R. H., Snell, M. & Blacher J. (Eds.), Handbook of developmental
disabilities (pp. 161-180). New York: Guilford Press.
Dunst, C.J., Brookfield, J. & Epstein, J. (1998). Family centered early intervention and child,
parents and family benefits: Final Report. Ashville: Orlena Hawks Puckett Institute.
Dunst, C. J., Raab, M., Trivette, C. M. & Swanson J. (2010). Oportunidades de Aprendizagem para
a Criança no Quotidiano da Comunidade. In McWilliam (Org.), Trabalhar com as Famílias
de Crianças com Necessidades Especiais. Porto: Porto Editora.
Dunst, C. J. & Trivette, C. M. (2009). Capacity-Building Family-Systems Intervention Practices.
Journal of Family Social Work, 12(2), pp. 119-143.
Dunst, C. J., Trivette, C. M., & Deal, A. G. (1988). Enabling and empowering families: Principles
and guidelines for practice. Cambridge, MA: Brookline Books.
Esteves, M. (2006). Análise de conteúdo. In Lima, J. A. & Pacheco, J. A. (Orgs.). Fazer investigação:
Contributos para a elaboração de dissertações e teses. (pp.105-126). Porto: Porto Editora.
Fernandes, D. (1991). Notas sobre os paradigmas de investigação em educação. Noesis, 18,
pp.64-66.
Ferreira, J. (2011). Serviço Social e Modelos de Bem-estar para a Infância: Modus Operandi do
Assistente Social na Promoção da Proteção à Criança e à Família. Lisboa: Quid Juris
Sociedade Editora.
Fewell, R. R. (1983). The team approach to infant education. In Garwood, S. G. & Fewell, R. R.
(Eds.), Educating handicapped infants: Issues in development and intervention (pp. 299-
322). Rockville: Aspen.
Foley, G. M. (1990). Portrait of the arena evaluation: Assessment in the transdisciplinary approach.
In Biggs, E. & Teti, D. (Eds.), Interdisciplinary assessment of infants: A guide for early
intervention professionals (pp. 271–286). Baltimore: Paul H. Brookes.
Folgheraiter, F. & Raineri, M. (2012). A Critical Analysis of the Social Work Definition According to
the Relational Paradigm. International Social Work, 55(4), 473-487.
181
Franco, V. (2007). Dimensões Transdisciplinares do Trabalho em Equipe de Intervenção Precoce.
Interação em Psicologia, 11(1), pp. 113-121.
Frankel, A. (1997). Head Start and Social Work. Families in Society, 78(2), 172-184.
Gallagher, R. J., LaMontagne, M. J., & Johnson, L. J. (1994). Intervenção Precoce: Um Desafio à
Colaboração. In Correia, L. & Serrano, A. (Orgs.), Envolvimento Parental em Intervenção
Precoce: Das Práticas Centradas na Criança às Práticas Centradas na Família (pp. 65-76).
Porto: Porto Editora.
Glicken, M. (2011). Social Work in the 21st Century: An Introduction to Social Welfare, Social Issues
and the Profession. Los Angeles: Sage.
Gordon, R. M., Corcoran, J. R., Bartley-Daniele, P., Sklenar, D., Sutton, P. R. & Cartwright, F.
(2013). A Transdisciplinary Team Approach to Pain Management in Inpatient Health Care
Settings. Pain Management Nursing, pp.1-10.
Guralnick, M. J. (2001). A developmental systems model for early intervention. Infants and Young
Children, 14 (2), pp. 1-18.
Guralnick, M. J. (2005). An overview of the developmental systems model for early intervention. In
Guralnick, M. J. (Ed.) The developmental systems approach to early intervention.
Baltimore: Paul H. Brookes Publishing Cº.
Guralnick, M. J. (2011). Why Early Intervention Works, A System Perspective. Infants & Young
Children, 24(1), 6-28.
Haig, A. J. & LeBreck, D. B. (2000). Measurement of change in rehabilitation team dynamics with
the Team Assessment Profile (TAP). International Journal of Rehabilitation and Health, 2,
pp.71-83.
Hare, I. (2004). Defining Social Work for the 21st Century: The International Federation of Social
Workers’ Revised Definition of Social Work. International Social Work, 47(3), 407-424.
Hartman, A. (1978). Diagrammatic assessment of family relationships. Social Casework, 59, pp.
465–476.
Hartman, A. & Laird, J. (1983). Family-centered social work practice. New York: The Free Press.
Hepworth, D. H., Rooney, R. H., Rooney, G. D., Strom-Gottfried, K. & Larsen, J. A. (2010). Direct
Social Work Practice: Theory and Skills. Belmont: Brooks/Cole.
Hobbs, M. D. (2005). The Social Worker on the Medical Transdisciplinary Team. Journal of Health
Care for the Poor and Underserved, 16, pp. 186-191.
Howe, D. (2009). A Brief Introduction to Social Work Theory. Basingstoke: Palgrave Macmillan.
182
Iamamoto, M. (1999). O Serviço Social na Contemporaneidade: Trabalho e Formação Profissional.
São Paulo: Cortez.
Jung, L. A. (2010). Identificar os apoios às famílias e outros recursos. In McWilliam (Org.),
Trabalhar com as Famílias de Crianças com Necessidades Especiais. Porto: Porto Editora.
Kam, P. K. (2012). Back to the ‘Social’ of Social Work: Reviving the Social Work Profession’s
Contribution to the Promotion of Social Justice. International Social Work, 5, pp. 1-25.
King, G., Strachan, D., Tucker, M., Duwyn, B., Desserud, S. & Shillington, M. (2009). The
Application of a Transdisciplinary Model for Early Intervention Services. Infants & Young
Children, 22(3), pp. 211-223.
Kisnerman, N. (2001). A Cien Años de la Primera Escula de Trabajo Social. In Mouro, H. & Simões,
D. (Coords.), 100 Anos de Serviço Social (pp. 13-22). Coimbra: Quarteto.
Kvale, S. (1996). Interviews: an introduction to qualitative research interviewing. London: Sage.
Lengermann, P. & Niebrugge-Brantley, J. (2002). Back to the Future: Settlement Sociology, 1885-
1930. The American Sociologist, 33, 5-20.
Lima, A. & Pacheco J. (2006). Fazer investigação. Contributos para a elaboração de dissertações
e teses. Porto: Porto Editora.
Linder, T. (1983). Early childhood special education: Program development and administration.
Baltimore: Brookes Publishing.
Lyon, S. & Lyon, G. (1980). Team functioning and staff development: A role release approach to
providing integrated educational services for severely handicapped students. The Journal
of the Association for the Severely Handicapped, 5(3), pp.250-263.
Mahoney, G. (2007). Social Work and Early Intervention. Children & Schools, 29(1), pp. 3-5.
Maia, M. F. (2013). A Intervenção Precoce nas Associações Portuguesas de Paralisia Cerebral:
Perceções das Famílias, dos Profissionais e dos Diretores de Serviço. Unpublished
Doutoramento, Universidade do Minho: Instituto de Educação.
Malone, D. M. McKinsey, P. D., Thyer, B. A. & Straka, E. (2000). Social Work Early Intervention for
Young Children with Developmental Disabilities. Health and Social Work, pp. 1-15.
Martins, A. (1999). Génese, Emergência e Institucionalização do Serviço Social Português. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian.
Martins, A. (2009). 70 Anos de Formação em Serviço Social em Tempos de Ditadura e de
Democracia: Da Escola Normal Social ao Instituto Superior Miguel Torga. Interações, 17,
pp. 21-44.
183
Martins, A. P. L. (2000). O movimento da escola inclusiva. Atitudes dos professores do 1º ciclo do
ensino básico. Unpublished Mestrado, Instituto de Estudos da Criança - Universidade do
Minho, Braga.
Martins, H. (2012). O agir do assistente social nas Equipas de Intervenção Precoce. Unpublished
Mestrado, ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa: Departamento de Ciência Política e
Políticas Públicas.
Mattaini, M. A. (1990). Contextual behavior analysis in the assessment process. Families in
Society: The Journal of Contemporary Human Services, 2, pp. 425–444.
Medeiros, M. C. (2012). O Papel do Técnico de Serviço Social no Programa de Intervenção Precoce
na Infância da Fundação LIGA. Unpublished Mestrado, Universidade Técnica de Lisboa:
Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
McWilliam, R. A. (2010). Routines-Based Early Intervention: Supporting Young Children and Their
Families. Baltimore: Paul H. Brookes Publishing Cº.
Mouro, H. (2001). Serviço Social: Um Século de Existência. In Mouro, H. & Simões, D. (Coords.),
100 Anos de Serviço Social (pp. 23-60). Coimbra: Quarteto.
Myers, J. (2011). A Short History of Child Protection in America. In Myers, J. (Ed.), The APSAC
Handbook on Child Maltreatment (pp. 3-16). Los Angeles: Sage.
NASW (2013). Social Work Case Management. National Association of Social Workers. Consultado
em 23/09/2013, disponível em
http://www.socialworkers.org/practice/naswstandards/casemanagementstandards201
3.pdf
National Scientific Council on the Developing Child (2005). Excessive Stress Disrupts the
Architecture of the Developing Brain: Working Paper No. 3. Consultado em 20/09/2013,
disponível em
http://developingchild.harvard.edu/index.php/resources/reports_and_working_papers/
working_papers/wp3/
National Scientific Council on the Developing Child (2010a). Early Experiences Can Alter Gene
Expression and Affect Long-Term Development: Working Paper No. 10. Consultado em
20/09/2013, disponível em
http://developingchild.harvard.edu/index.php/resources/reports_and_working_papers/
working_papers/wp10/
184
National Scientific Council on the Developing Child (2010b). Persistent Fear and Anxiety Can Affect
Young Children’s Learning and Development: Working Paper No. 9. Consultado em
20/09/2013, disponível em
http://developingchild.harvard.edu/index.php/resources/reports_and_working_papers/
working_papers/wp9/
National Scientific Council on the Developing Child (2012). The Science of Neglect: The Persistent
Absence of Responsive Care Disrupts the Developing Brain: Working Paper 12. Consultado
em 20/09/2013, disponível em
http://developingchild.harvard.edu/index.php/resources/reports_and_working_papers/
working_papers/wp12/
Pacheco, J. A. (2006). Um olhar global sobre o processo de investigação. In Lima, J. A. & Pacheco,
J. A. (Orgs.). Fazer investigação: Contributos para a elaboração de dissertações e teses.
(pp.105-126). Porto: Porto Editora.
Pagliano, P. (1999). Designing the multisensory environment. PMLD–Link 12 (2), pp.2–6.
Payne, M. (2006). What is Professional Social Work? Bristol: Polity Press.
Pereira. A. P. (2009). Práticas centradas na família em intervenção precoce: Um estudo nacional
sobre práticas profissionais. Unpublished Doutoramento, Universidade do Minho: Instituto
de Educação.
Pereira, A. P. & Serrano, A. M. (2010). Intervenção precoce em Portugal: Evidências e
consequências. Inclusão, 10, pp. 101-119.
Peterson, N. (1987). Early intervention for handicapped and at risk children: An introduction to
early childhood special education. Denver: Love.
Pimentel, J. (2005). Intervenção Focada na Família: desejo ou realidade. Lisboa: Secretariado
Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência.
Quivy, R. & Campenhoudt, L. (1995). Manual de Investigação em Ciências Sociais. Lisboa, Gradiva.
Robertis, C. (2011). Metodologia da Intervenção em Trabalho Social. Porto: Porto Editora.
Rosen, C., Miller, A. C., Pit-ten Cate, I. M., Bicchieri, S., Gordon, R. M. & Daniele, R. (1998). Team
approaches to treating children with disabilities: A comparison. Archives of Physical
Medicine and Rehabilitation, 79, pp. 430–434.
Ruivo, J. B. & Almeida, I. C. (2002). Contributos para o estudo das práticas de intervenção precoce
em Portugal. Lisboa: Ministério da Educação.
185
Sameroff, A. (2009). The Transactional Model. In Sameroff, A. (Ed.), The Transactional Model of
Development: How Children and Context Shape Each Other (pp. 3-21). Washington:
American Psychology Association.
Sameroff, A. & Chandler, M. (1975). Reproductive risk and the continuum of caretaking casualty.
In Horowitz, F., Hetherington, M., Scarr-Salapatek, S. & Siegel, G. (Eds.), Review of Child
Development Research (Vol. 4, pp. 187-244). Chicago: University Chicago Press.
Sameroff, A. & Fiese, B. (2000). Transactional regulation: The developmental ecology of early
intervention. In In Shonkoff, J. & Meisels, S. (Eds.), Handbook of Early Childhood
Intervention (pp. 135-159). Cambridge: Cambridge University Press.
Santos, C. C. (2008). Retratos de uma Profissão: A Identidade do Serviço Social. Coimbra:
Quarteto.
Santos, M. I. (2009). O Discurso Histórico sobre o Serviço Social em Portugal. Lisboa: Universidade
Católica Editora.
Serrano, A. (2007). Redes Sociais de Apoio e a Sua Relevância para a Intervenção Precoce. Porto:
Porto Editora.
Shonkoff, J. P. (2010). Building a new biodevelopmental framework to guide the future of early
childhood policy. Child Development, 81 (1), 357-367.
Shonkoff, J. P. & Meisels, S. (2000). Early Childhood Intervention: The Evolution of a Concept. In
Shonkoff, J. P. & Meisels, S. (Eds.), Handbook of Early Childhood Intervention (pp. 3-31).
Cambridge: Cambridge University Press.
Shonkoff, J. P. & Phillips, D. A. (2000). From Neurons to Neighborhoods: The Science of Early
Childhood Development. Washington D.C.: National Academy Press.
Slee, P. T., Campbell, M. & Spears, B. (2012). Child, adolescent and family development.
Cambridge: Cambridge University Press.
Soydan, H. (2012). Understanding Social Work in the History of Ideas. Research on Social Work
Practice, 22(5), pp. 468-480.
Walsh, J. (2010). Theories for Direct Social Work Practice. Belmont: Wadsworth Cengage Learning.
Weaver, C., Keller, D. & Loyek, A. (2005). Children with Disabilities in the Child Welfare System. In
Mallon, G. & Hess, P. (Eds.), Child Welfare for the 21st Century: A Handbook of Practices,
Policies and Programs (pp. 173-184). New York: Columbia University Press.
Weber, P. (2011). Dinâmicas e Práticas do Trabalhador Social. Porto: Porto Editora.
186
REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS
Decreto-lei nº 281/2009, de 6 de outubro – Cria o Sistema Nacional de Intervenção Precoce na
Infância
Despacho conjunto nº 891/99, de 19 de outubro – Fornece linhas orientadoras para os serviços
de IP para crianças dos 0 aos 6 anos com necessidades educativas especiais ou em risco e suas
famílias
Portaria nº 1102/97, de 3 de novembro – Organiza projetos locais de IP, articulados com as
Equipas de Apoio Educativo e com Instituições Particulares de Solidariedade Social, tuteladas pelo
Ministério da Educação
Portaria n.º 293/2013, de 26 de setembro – Alarga o Programa de Apoio e Qualificação do
Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância (PAQSNIPI)
ANEXOS
ANEXO 1 – GUIÃO DE ENTREVISTA
Guião de entrevista
Tema: O papel do assistente social em intervenção precoce (IP), em modelo de equipa interdisciplinar e transdisciplinar.
A aplicar a: seis profissionais de IP a desenvolver funções em serviços de IP
Objetivos gerais da investigação: Caracterizar as funções dos assistentes sociais em serviços de IP;
Estudar as perspetivas dos diferentes profissionais de IP relativamente ao contributo do assistente social em modelos de
equipa interdisciplinares e transdisciplinares;
Identificar eventuais diferenças nos papéis e nas competências do assistente social em IP, consoante o modelo de equipa em
que se encontre inserido
Tema Objetivos específicos Questões Tópicos/observações
A - L
egiti
maç
ão d
a en
trev
ista
Apresentação e saudação;
Informar os entrevistados sobre o tema,
os objectivos da entrevista,
contextualizando-a na investigação
evidenciando a sua importância;
Explicar o processo da entrevista.
Solicitar autorização para a gravação
em áudio;
Confidencialidade das respostas;
Devolução da transcrição;
B -
Car
acte
rizaç
ão g
eral
do/
s
entr
evis
tado
/s
Caracterização do inquirido a nível
pessoal e profissional.
Género;
Quanto tempo de serviço possui?;
Há quanto tempo trabalha em IP?;
Qual a formação académica que possui?
É detentor/a de alguma formação especializada?
Tempo de serviço (anos de trabalho);
situação profissional (estágio
profissional, contrato a termo,
prestação de serviços ou contrato por
tempo indeterminado);
Formação de base
Tipo de formação (pós-graduação,
mestrado, doutoramento) e qual a
formação.
Qual a profissão que desempenha no serviço de IP?
Profissão desempenhada (assistente
social, terapeuta, psicólogo,
educador, enfermeiro, médico, etc.). C
– M
odel
o de
inte
rven
ção
do s
ervi
ço IP
Mobilizar conhecimento prévio;
Identificar as perspetivas dos
profissionais de IP acerca dos modelos
interdisciplinares e transdisciplinares;
Identificar as práticas desenvolvidas
pelos serviços de IP.
A equipa de IP à qual pertence dispõe de que áreas
profissionais?
Qual é o modelo de equipa do serviço de IP em que
desenvolve funções?
Podia descrever em linhas gerais o processo de intervenção
que é desenvolvido no serviço de IP, explicando como se
inicia, como se desenvolve e como acaba?
Que práticas desenvolve o serviço de IP a que pertence
relativamente a cada um dos seguintes aspetos:
Práticas Centradas na Família; Intervenção baseada nas rotinas; Avaliação em IP; Plano de Individual em IP; Figura do Mediador de Caso; Intervenção baseada na investigação; Coordenação/articulação com outros serviços.
Áreas profissionais (serviço social,
terapia da fala, fisioterapia, terapia
ocupacional, psicologia,
enfermagem, educação de infância,
medicina, etc.). Modelo de equipa do serviço de IP
(interdisciplinar ou transdisciplinar);
D –
O
rgan
izaç
ão d
o se
rviç
o de
IP Mobilizar conhecimento prévio;
Compreender a perspetiva e a
participação dos profissionais de IP
O serviço de IP em se encontra inserido possui guias ou
procedimentos de intervenção definidos?
Em caso afirmativo, quais os
documentos (Regulamentos
internos, legislação, manuais de
procedimentos, plano de atividades,
etc).
relativamente à organização do serviço de
IP;
Que tipo de valorização é atribuída pelos
profissionais de IP aos mecanismos de
organização do serviço de IP.
Compreender a perspetiva dos
profissionais de IP face à gestão do
serviço de IP.
Como surgiram esses guias ou procedimentos?
Em que medida os guias ou procedimentos são importantes
para orientar a sua prática em IP?
De que forma os guias ou procedimentos do serviço de IP
vão ao encontro das orientações abordadas na sua formação
académica para os serviços de IP?
Como avalia a pertinência dos guias ou procedimentos do
serviço de IP? Facilitam a intervenção, ou não? Pode
descrever algumas situações facilitadoras e outras que
possam gerar dificuldades?
O serviço de IP em que se encontra inserido prevê a
elaboração de objetivos de intervenção quantificáveis que
posteriormente são avaliados?
Em que medida as preocupações relacionadas com a
eficiência e a produtividade do seu trabalho estão presentes
no seu serviço de IP? Considera essa abordagem positiva
para o serviço de IP?
Responsáveis pela sua
elaboração e motivos para a sua
existência
Em caso afirmativo, solicitar a
perspetiva sobre esse facto
E –
O p
apel
do
assi
sten
te s
ocia
l em
IP Mobilizar conhecimento prévio;
Identificar as perspetivas dos
profissionais de IP sobre as práticas do
assistente social.
Como descreve o papel do assistente social na equipa?
Em que situações da sua experiência enquanto profissional
de IP sente a importância do Serviço Social?
O assistente social partilha técnicas específicas da sua área
com a equipa?
Nos momentos de avaliação das crianças em equipa, que
papel assume o assistente social?
Qual das seguintes opções melhor descreve as funções do
assistente social da equipa?
Solicitar alguns exemplos.
Em caso afirmativo, solicitar
exemplos.
Papel assumido (facilitador,
observador, ausente, etc.).
Abordagem de intervenção
(terapêutico, ordem social,
transformacional)
A - Interage constantemente com os clientes permitindo que ambos cresçam durante a relação de ajuda numa espiral de interações e influências mútuas; B – Foca-se primordialmente nos procedimentos e leis existentes para dar resposta às necessidades dos clientes; C – Analisa e estuda a sociedade no sentido de identificar situações em que a ordem social esteja a provocar direta ou indiretamente fenómenos de exclusão e de injustiça social, com impacto negativo nos clientes, propondo medidas corretivas.
Considera que a sua formação de base é suficiente para o
assistente social exercer funções num serviço de IP?
Em caso negativo, solicitar que
aspetos se encontram em défice e
que formação poderia colmatá-los.
F - F
inal
izaç
ão
da
entr
evis
ta
Agradecer ao entrevistado a sua
disponibilidade e colaboração;
Combinar a forma de facultar a
transcrição.