Livro Verde dos Montados

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Livro Verde dos Montados

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Compilação de artigos sobre o Montado. Edição do ICAAM - 2013.

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  • Livro Verde dos

    Montados

  • Edio:

    Promotores:

  • Ttulo:

    Livro Verde dos Montados

    Coordenadores:

    Teresa Pinto-Correia

    Nuno Ribeiro

    Jos Potes

    Edio:

    ICAAM - Instituto de Cincias Agrrias e Ambientais Mediterrnicas

    Instituto de Cincias Agrrias e Ambientais Mediterrnicas (ICAAM)

    Universidade de vora

    Ncleo da Mitra

    Apartado 94

    7002-774 vora

    2013 Os Autores

    Fotografia de capa Filipe Barroso

    Impresso pela Universidade de vora

    Novembro 2013

  • LIVRO VERDE DOS

    MONTADOS

  • Promotores

    ICAAM Instituto de Cincias Agrrias e Ambientais Mediterrnicas, UE

    UE Universidade de vora

    IPS-ESA Escola Superior Agrria de Santarm

    CBA Centro de Biologia Ambiental, FCUL

    CEABN Centro de Ecologia Aplicada Baeta das Neves, ISA-UTL

    CEF Centro Estudos Florestais, ISA-UTL

    ISA/UTL Instituto Superior de Agronomia da Universidade Tcnica de Lisboa

    CEF/UC Centro de Ecologia Funcional, Universidade de Coimbra

    INIAV Instituto Nacional de Investigao Agrria e Veterinria

    GEOTA Grupo de Estudos de Ordenamento do Territrio e do Ambiente

    ICNF Instituto de Conservao da Natureza e das Florestas

    LPN Liga para a Proteco da Natureza

    APEP Associao Portuguesa de Ecologia da Paisagem

    WWF Mediterrneo Portugal

    QUERCUS Associao Nacional de Conservao da Natureza

    DRAP-Alentejo Direco Regional de Agricultura do Alentejo

    Federao Minha Terra

    APOSOLO Associao Portuguesa de Mobilizao de Conservao do Solo

    SPPF Sociedade Portuguesa de Pastagens e Forragens

    ACHAR Associao Agricultores de Charneca

    APFC Associao Produtores Florestais de Coruche

    ANSUB Associao de Produtores Florestais do Vale do Sado

    CSC Confraria do Sobreiro e da Cortia

    APCOR Associao Portuguesa da Cortia

    Corticeira Amorim

    Companhia das Lezrias

    Grupo Piedade

    ANPPC Associao Nacional de Proprietrios e Produtores de Caa

    ACBM Associao de Criadores de Bovinos Mertolengos

    ACBRA Associao de Criadores de Bovinos da Raa Alentejana

    ACOS Associao Criadores de Ovinos do Sul

    ANCORME Associao Nacional de Criadores de Ovinos de Raa Merina

    ANCPA Associao Nacional de Criadores de Porco Alentejano

    ACPA Associao de Criadores de Porco Alentejano

    APCRS Associao Portuguesa de Criadores da Raa Serpentina

    Departamento do Patrimnio Histrico e Artstico da Diocese de Beja Camara Municipal de Coruche

    Camara Municipal de Portel

  • Autores Alexandra Lauw, CEF -ISA-UTL

    Alfredo Gonalves Ferreira, ICAAM-UE

    Alberto Azevedo Gomes, INIAV

    Ana Cristina Moreira, INIAV

    Ana Fonseca, ICAAM-UE

    Anabela Belo, ICAAM-UE

    Anabela Marisa Azul, CEF-UC

    Antnio Mira, CIBIO-UE

    Antnio Murilhas, ICAAM-UE

    Antnio Cipriano Pinheiro, UE

    Augusta Costa, INIAV

    Carlos Godinho, ICAAM-UE

    Carlos Pinto Gomes, ICAAM-UE

    Carlos Carmona Belo, INIAV

    Carlos Vila-Viosa, UE

    Carolina Varela, INIAV

    Catarina Meireles, UE

    Celeste Santos e Silva, ICAAM-UE

    Conceio Barros, ICNF

    Cristina Branquinho, CBA-FCUL

    Edmundo Sousa, INRB (INIAV)

    Elvira Sales Baptista, ICAAM-UE

    Filomena Nbrega, INIAV

    Guilherme Santos, ICNF

    Helena Bragana, INIAV

    Irene Cadima, INIAV

    Joana Godinho, INIAV

    Joo E. Rabaa, ICAAM-UE

    Joo Santos Pereira, ISA-UTL

    Jorge Capelo, INIAV

    Jos Potes, IPS-ESA

    Jos da Veiga, DRAPAL

    Helena Freitas, UC (CEF)

    Helena Pereira, ISA-UTL

    Isabel Ferraz de Oliveira, ICAAM-UE

    Isabel Videira e Castro, INIAV

    Lourdes Santos, INIAV

    Manuela Branco, ISA-UTL

    Manuel Madeira, ISA-UTL

    Margarida Vaz, ICAAM-UE

    Margarida Santos Reis, CBA-FCUL

    Margarida Tom, ISA-UTL

    Maria Conceio Caldeira, ISA-UTL

    Maria Costa Ferreira, INIAV

    Maria Emlia Silva, UTAD

    Maria Helena Almeida, ISA-UTL

    Maria Paula Simes, ICAAM-UE

    Maria Socorro Rosrio, GPP-MAMAOT

    Miguel Bugalho, CEABN-ISA-UTL

    Miguel Pestana, INIAV

    Nuno Guiomar, ICAAM-UE

    Otilia Correia, CBA-FCUL

    Paula Fareleira, INIAV

    Paulo Godinho-Ferreira, INIAV

    Paulo S Sousa, ICAAM-UE

    Pedro Santos, ICAAM-UE

    Nuno de Almeida Ribeiro, ICAAM-UE

    Rogrio Louro, ICAAM-UE

    Rui Rebelo, BCA-FCUL

    Rui Machado, ICAAM-UE

    Srgio Godinho, ICAAM-UE

    Sofia Knapic, ISA-UTL

    Teresa Pinto Correia, ICAAM-UE

    Teresa Soares David, INIAV

    Vanda Oliveira, CEF-ISA-UTL

  • 8

    ndice 1.Introduo ............................................................................................................... 9

    1.1. O Montado ..................................................................................................... 9

    1.2. Objectivos do Livro Verde........................................................................... 11

    3. A dimenso territorial e cultural do Montado ...................................................... 15

    3.1. Composio da paisagem ............................................................................. 15

    3.2. Valor cultural e patrimnio .......................................................................... 17

    4. A dimenso ambiental ......................................................................................... 18

    4.1. Solo e Clima ................................................................................................ 19

    4.2. gua e Carbono ........................................................................................... 21

    4.3. Biodiversidade ............................................................................................. 22

    4.4. Diversidade gentica e conservao de recursos genticos .......................... 25

    5. Os produtos e a multifuncionalidade do Montado ............................................... 27

    5.1. Cortia ......................................................................................................... 27

    5.2. Madeira ........................................................................................................ 30

    5.3. Produtos pecurios ....................................................................................... 32

    5.4. Apicultura /Mel ............................................................................................ 34

    5.5. Aromticas e medicinais .............................................................................. 35

    5.6. Cogumelos ................................................................................................... 37

    5.7. Caa ............................................................................................................. 39

    5.8. Turismo e lazer ............................................................................................ 40

    5.9. Outros servios do ecossistema ................................................................... 41

    6. Sistemas de gesto sustentvel do Montado ........................................................ 43

    6.1. Estabilidade do sistema ................................................................................ 44

    6.2. Sanidade dos Montados ............................................................................... 46

    6.3. Servios do ecossistema e Certificao ........................................................ 48

    7. A interveno do sector pblico .......................................................................... 50

    7.1. Quadro legislativo actual ............................................................................. 50

    7.2. Eficincia das polticas ................................................................................ 51

    7.3. Monitorizao .............................................................................................. 54

    8. Concluses........................................................................................................... 57

    8.1. As prioridades identificadas ......................................................................... 57

    8.2. Por uma estratgia no contexto europeu ...................................................... 60

  • 9

    1.Introduo

    1 . 1 . O M o n t a d o

    O Montado ocupa actualmente, no Sul de Portugal, mais de um milho

    de hectares, estendendo-se por grande parte do Alentejo e uma rea

    significativa da Beira Baixa interior e da Serra Algarvia. Em Espanha

    ocorre um sistema equivalente, a Dehesa. Num territrio de baixa densidade

    populacional e parcos recursos, o Montado, com todas as actividades

    produtivas e no produtivas que suporta, tem um peso estratgico que urge

    valorizar.

    So vrias as definies de Montado que se encontram na bibliografia.

    Originalmente classificado como um sistema agro-silvo-pastoril, e descrito

    como um sistema multifuncional onde se equilibram e conjugam as

    actividades agrcola, pecuria e florestal, devido ao decrscimo de

    importncia das culturas sob-coberto o Montado tende actualmente a ser

    considerado como um sistema silvo-pastoril. As espcies florestais

    dominantes so o sobreiro (Quercus suber), a azinheira (Quercus

    rotundifolia) e os carvalhos cerquinho (Quercus faginea) e negral (Quercus

    pyrenaica). Estas espcies de quercneas encontram-se em povoamentos

    puros ou mistos, que no caso do sobreiro se associam ao pinheiro manso e

    ao pinheiro bravo.

    A designao Montado pode assim ser utilizada para descrever um

    conjunto heterogneo de sistemas de produo florestal no lenhosa,

    assentes na explorao de quercneas usualmente o sobreiro ou a azinheira

    de modo conjugado com uma utilizao no intensiva do solo sob o

    coberto com propsito agrcola, pecurio ou cinegtico. No seu sentido mais

    lato engloba desde as formaes naturais ou naturalizadas de matagais

    arborizados (sobreirais ou azinhais) at povoamentos arbreos dispersos

    mantidos pela actividade humana e suas prticas culturais (Montados de

    sobro ou azinho), incluindo ainda inmeros povoamentos de transio.

  • 10

    O elevado dinamismo dos Montados, particularmente do sob-coberto,

    revela-se igualmente a nvel temporal, tanto a curto como a longo prazo.

    Esta variabilidade , em parte, fruto da sazonalidade do clima

    mediterrnico, refletindo-se na disponibilidade dos produtos e nos ciclos de

    produo, em particular da explorao da cortia.

    O Montado tem uma aparncia que se aproxima da savana, com rvores

    dispersas e um mosaico de pastagens com diferentes graus de naturalidade,

    mato disperso e por vezes culturas agrcolas no sob-coberto. Esta paisagem

    nica corresponde a um sistema de uso do solo tambm nico, apenas

    comparvel Dehesa no Sul de Espanha. Embora tenha sido utilizada

    noutras regies da Europa ao longo da histria, a integrao das trs

    componentes - florestal, pastoril e agrcola - num sistema nico j h muito

    deixou de ser praticada, devido intensificao e especializao da

    agricultura e floresta.

    Tratando-se de um sistema ecolgico desenvolvido pelo Homem, o

    Montado foi sendo aperfeioado ao longo do tempo em Portugal, de modo a

    melhorar o aproveitamento e a rentabilizao dos escassos recursos numa

    regio caracterizada por um clima mediterrnico e solos pobres. Para alm

    das suas qualidades intrnsecas, este sistema constitui uma fonte de

    ensinamentos e inspirao sobre modelos de agricultura e floresta

    multifuncionais sustentveis, que hoje se tentam definir e implementar a

    nvel europeu e mundial. Para alm de assegurar mltiplas produes, como

    a cortia e a lenha, a carne de bovinos, ovinos, sunos e caprinos, os

    cogumelos, as ervas aromticas e o mel, o Montado suporta ainda um vasto

    conjunto de outros servios dos ecossistemas, tais como a regulao do

    ciclo da gua, a fixao de carbono, a preveno da eroso, elevada

    biodiversidade, actividades de recreio e lazer, e suporte da identidade local.

    No entanto, verifica-se que a rea de Montado se encontra desde h

    vrios anos em recesso, a densidade das rvores tem vindo a diminuir, a

    taxa de renovo a decrescer, e a mortalidade a aumentar, ameaando o

    equilbrio destes sistemas. As causas para este declnio so vrias e

    complexas, encontrando-se identificadas como fruto de muita investigao

    que poder contribuir para a manuteno dos Montados. Para que este

    conhecimento seja til, torna-se necessrio um enorme esforo de

    integrao que reconhea o Montado como um sistema, com todas as suas

  • 11

    componentes, assegurando a sua sustentabilidade. Esta integrao dever

    estar presente tanto na gesto corrente como nas polticas pblicas e nos

    instrumentos que delas derivam, contrariamente ao que se tem verificado.

    1 . 2 . O b j e c t i v o s d o L i v r o V e r d e

    O Livro Verde dos Montados apresenta diversos objectivos que se

    interligam:

    Em primeiro lugar, o Livro Verde pretende reunir e sistematizar, de uma

    forma simples e acessvel ao pblico, o conhecimento produzido em

    Portugal pelos investigadores e tcnicos de vrias instituies de

    investigao ou de gesto que estudam o Montado. Assume-se como uma

    oportunidade de caracterizar o sistema tendo em conta as suas vrias

    dimenses, identificando as principais ameaas sua preservao assim

    como os caminhos que podem ajudar sua sustentabilidade. No sendo um

    documento cientfico, baseia-se no conhecimento cientfico e pretende

    constituir a base para uma plataforma de organizao, tanto dos

    investigadores como do conhecimento cientfico actualmente produzido em

    Portugal sobre o Montado.

    Em segundo lugar, o Livro Verde dever contribuir para um

    entendimento partilhado do que o Montado, por parte do pblico, de

    tcnicos e de especialistas, conduzindo a uma classificao mais clara do

    que pode ser considerado Montado e de quais os tipos distintos de

    Montados que podem ser identificados.

    Em terceiro lugar, o Livro Verde estabelece as bases para uma estratgia

    coordenada de disponibilizao de informao sobre o sistema Montado,

    visando o seu conhecimento, apreciao e valorizao pela sociedade

    portuguesa no seu conjunto. Deste modo, o Livro Verde poder constituir

    um instrumento congregador e inspirador para a realizao de aces de

    sensibilizao e informao sobre o Montado.

    Em quarto lugar, pretende-se que o Livro Verde contribua para um

    maior reconhecimento e valorizao do Montado como sistema, a nvel do

    desenho das polticas nacionais por parte dos vrios sectores envolvidos.

  • 12

    Finalmente, o Livro Verde constituir um documento parceiro do Livro

    Verde das Dehesas, produzido em Espanha em 2010, de forma a reforar o

    reconhecimento e a devida valorizao destes sistemas silvo-pastoris no

    desenho das estratgias e polticas relevantes pelas instituies europeias.

    Em suma, os autores pretendem que o Livro Verde dos Montados se

    afirme como o primeiro passo para uma efectiva definio e implementao

    de uma estratgia nacional para os Montados.

  • 13

    2. Enquadramento histrico

    A origem dos Montados remonta a um passado muito distante. O

    Homem ter comeado a desbravar o bosque mediterrnico durante a

    Revoluo Neoltica, h cerca de 9000 anos, iniciando a prtica de uma

    agricultura itinerante baseada em queimadas. No sculo VI j se tinham

    expandido as reas destinadas a culturas agrcolas bem como os prados

    criados pelo Homem, acompanhados por uma desmatao selectiva com

    proteco do sobreiro, naquilo que poderamos chamar os primeiros

    Montados. No sculo VII, o Cdigo Visigtico relata um importante

    desenvolvimento da transumncia, com origens pr-histricas, que ter

    atingido o seu auge nos sculos XV-XVII. Neste contexto surgiu o tributo

    de Montadigo ou Montado cobrado a quem trouxesse os animais de

    montaria, ou nos Montes, e daqui derivou a designao de Montado. O

    gado criado antes da Reconquista crist, nos sculos XII e XIII seria ovino,

    caprino e bovino e, posteriormente, suno. A criao de sunos viria a ser

    interrompida em meados do sculo XX devido peste suna africana.

    As rvores foram ao longo do tempo sujeitas a vrias presses: durante

    muito tempo, o fogo constituiu o mtodo de controlo da flora arbustiva para

    a preparao de terras onde se semearia trigo, cevada ou centeio, seguido da

    instalao de pastagens; no sculo XV generalizou-se a utilizao de carvo

    para usos domsticos; nos sculos XV e XVI as rvores foram cortadas para

    fornecer madeira para a construo das naus, caravelas e galees. Em

    diversos perodos a presso humana sobre o Montado foi de tal modo

    significativa que foi necessria a implementao de leis que obrigavam a

    plantar sobreiros e azinheiras ou a deixar rvores novas para o renovo do

    sistema. J no sculo VII o Cdigo Visigtico proibia o abate de sobreiros e

    azinheiras e previa penas para quem causasse danos nos Montados.

    Quanto a outros produtos, o consumo de bolotas mais ou menos

    transformadas remonta Idade do Bronze Final e nunca ter sido

    interrompido at perodos mais recentes. A cortia teve inicialmente uma

    importncia mais reduzida do que a bolota - apesar de no sculo XIV

    Portugal j exportar cortia para o Reino Unido - apenas na segunda metade

  • 14

    do sculo XVII, com a generalizao da utilizao de garrafas de vidro para

    vinho e de rolhas de cortia como vedante, a cortia comea a adquirir a

    importncia econmica que se viria a prolongar at aos nossos dias.

    O Montado atingiu o seu auge, em termos de complementaridade das

    vrias actividades e de equilbrio na gesto, entre o fim do sculo XIX e o

    incio do sculo XX. No entanto, a mecanizao com a intensificao da

    cerealicultura conduziu a uma progressiva destruio do estrato arbreo,

    sobretudo em trs perodos sucessivos: o perodo que se seguiu Lei dos

    Cereais de Elvino de Brito, em 1889, a Campanha do Trigo entre 1929 e

    1938, e finalmente o perodo da Reforma Agrria, entre 1975 e 1979. Desde

    a entrada de Portugal na Comunidade Europeia, em 1986, surgiram novos

    terrenos incultos e reduziu-se a rea dedicada cerealicultura. Em 1992, a

    atribuio de ajudas directas produo, no mbito da reviso da Poltica

    Agrcola Comum (PAC), incluindo um prmio por cabea de gado mais

    elevado no caso dos bovinos, conduziu a uma generalizao da produo de

    bovinos no sob-coberto do Montado, com impactes negativos na

    regenerao do estrato arbreo.

  • 15

    3. A dimenso territorial e

    cultural do Montado

    A estrutura, composio e distribuio dos Montados actuais resultam

    de interaces do Homem sobre o territrio do Sul de Portugal, ao longo do

    tempo. Actualmente distinguem-se vrios tipos de Montado de acordo com

    a sua gnese, tais como: a) desbastes das outras espcies nas formaes

    florestais naturais, conduzindo a povoamentos puros e mistos com rvores

    de diferentes idades; b) florestao por regenerao natural de reas

    anteriormente utilizadas para a agricultura, conduzindo a povoamentos

    puros com rvores da mesma classe de idade, puros e mistos com rvores de

    diferentes idades; c) florestao por regenerao artificial (sementeiras e

    plantaes) da qual resultam povoamentos puros e mistos com rvores da

    mesma idade. Esta diversidade de situaes d origem a um padro de

    distribuio espacial, e portanto de paisagem, extremamente rico e

    complexo.

    3 . 1 . C o m p o s i o d a p a i s a g e m

    A aferio da verdadeira dimenso espacial dos Montados em Portugal

    tem-se revelado um processo complexo. Tal deve-se, por um lado, ao

    prprio conceito de Montado, e por outro, aos diferentes mtodos e critrios

    utilizados para estimar reas ocupadas por sobreiros e/ou azinheiras. No

    obstante, os sucessivos Inventrios Florestais Nacionais (IFN) constituem

    uma informao de nvel nacional fivel. Segundo o relatrio preliminar do

    IFN6 (Fevereiro 2013), o sobreiro e a azinheira ocupam em Portugal uma

    superfcie total de 1.067.954 ha, dos quais 736.755 ha tm como espcie

    dominante o sobreiro e cerca de 331.179 ha, a azinheira. Nestes nmeros

    encontram-se contudo includas, entre outras, as reas de sobreiral e

    azinhal, que constituem reas de floresta mais densa.

  • 16

    Independentemente das diferenas nas estimativas das reas ocupadas,

    unnime entre os investigadores que a densidade do Montado tem vindo a

    diminuir. As reas que correspondem a classes de maior densidade tm

    vindo a perder dominncia, sendo esta perda muito mais evidente e

    alarmante nas reas de azinho. Extensas reas a sul do Tejo que outrora

    apresentavam densidades na ordem das 120 rvores/ha esto hoje

    classificadas com densidades inferiores a 40 rvores/ha. A escassez ou

    mesmo ausncia de regenerao natural nos Montados, que se tem vindo a

    verificar ao longo das ltimas dcadas, inviabiliza o rejuvenescimento e a

    perpetuidade de povoamentos ecologicamente estveis, contribuindo para o

    surgimento de clareiras que vo aumentando progressivamente, at

    passarem a ser parcelas de terra limpa, distintas do Montado. A anlise de

    dados relativos ao perodo entre 1960 e 2006 nos distritos de vora e Beja

    revela um aumento do nmero de parcelas de Montado mas tambm a

    diminuio da sua dimenso mdia, revelando a tendncia para a

    compartimentao das anteriores reas de Montado, contnuas e densas.

    Relativamente ao sobreiro, a mortalidade das rvores reflecte-se numa

    diminuio da densidade do arvoredo de 13% entre 1995 e 2005, em

    povoamentos com densidade inferior a 40 rvores/ha, sobretudo no centro e

    sul do pas. Em 2010 verificou-se que mais de 50% dos povoamentos de

    sobro e azinho apresentavam sintomas de declnio ligeiros (sobreiro-50%;

    azinheira-68%) e entre 4 e 10% sinais acentuados (sobreiro-9%; azinheira-

    4%).

    Importa ainda salientar a grande variabilidade dos Montados: a variao

    espacial das caractersticas biofsicas (geologia, solos, clima etc.),

    biomtricas, de produtividade e capacidade de resilincia das rvores, assim

    como da densidade do povoamento, reflexo das prticas de gesto ao longo

    do tempo, fazem com que se encontrem hoje diferentes tipos de Montado.

    Neste sentido, para alm da cartografia das reas de Montado, importante

    considerar as suas caractersticas intrnsecas e como estas se alteram. A

    existncia de uma carta hierrquica das tipologias de Montado existentes em

    Portugal constituiria, neste contexto, um instrumento de grande utilidade.

  • 17

    3 . 2 . V a l o r c u l t u r a l e p a t r i m n i o

    Em Portugal, a paisagem do Sul est indissociavelmente ligada ao

    Montado. Como se referiu, est-se no entanto perante diferentes padres de

    Montado, num contnuo irregular, em que o tipo, a densidade de rvores e o

    sob-coberto vo variando sem que haja limites bvios, criando no seu

    conjunto uma paisagem nica com um carcter especfico, nunca montona.

    A paisagem de Montado permite experincias diversas e complementares:

    vastido de horizontes mas tambm descoberta, contemplao mas tambm

    proteco, harmonia mas tambm mistrio, diversidade mas sempre

    coerncia. Para alm da Dehesa em Espanha, no h na Europa nenhuma

    outra paisagem que se parea com esta. E mesmo a Dehesa, por ser

    maioritariamente com coberto de azinho e relativamente aberto, menos

    diversificada quando comparada com o Montado. Provavelmente por todas

    estas caractersticas, vrios estudos identificam o Montado como a

    paisagem preferida tanto de portugueses como de estrangeiros que nos

    visitam, para diversas actividades que a sociedade de hoje procura no

    espao rural.

    A paisagem resulta da interaco entre factores naturais e culturais, ao

    longo do tempo, e constitui assim um registo da memria colectiva e um

    poderoso elemento de identificao cultural, comparvel lngua e

    religio. Deste modo a paisagem contribui de forma muito forte, ainda que

    implcita, para o reconhecimento da identidade de uma regio, quer pelos

    que a vivem quer pelos que a consideram do exterior. Para alm disto, ao

    Montado associam-se prticas diversas, tanto relacionadas com uma

    produo mltipla, caracterstica de sistemas silvo-pastoris complexos,

    como com muitas outras actividades tradicionais: caa, apicultura, apanha

    de cogumelos ou actividades que recentemente tm vindo a ganhar

    relevncia, como o pedestrianismo, outros desportos de ar livre ou a

    observao de aves. A multifuncionalidade do Montado e a sua importncia

    em termos de rea no Sul do pas fazem com que uma enorme parte do

    patrimnio intangvel da regio, como a gastronomia, as tradies, o cante,

    o imaginrio, as lendas, se refiram e tenham razes em reas de Montado e

    em particularidades deste sistema. E assim, com a paisagem, tambm a

    identidade da regio Sul do pas passa pelo Montado.

  • 18

    4. A dimenso ambiental

    O Montado um sistema ecolgico complexo onde vrias componentes

    se interligam criando um ambiente especfico a nvel microestacional,

    devido aos efeitos do coberto arbreo tipo savana, entre os quais se

    destacam:

    a) Intercepo da radiao e vapor de gua: as copas isoladas das

    rvores so muito eficientes na utilizao da humidade do ar, que

    condensam e absorvem nas folhas; por vezes precipitam essas gotas de

    orvalho para o solo. A radiao interceptada pelas copas criando no sob-

    coberto microclimas mais amenos do que o clima da regio - menos frios

    durante o Inverno mas principalmente mais frescos e hmidos durante o

    Vero. Estes microclimas so mais favorveis para a vegetao do sob-

    coberto;

    b) Intercepo e redistribuio das precipitaes: durante perodos de

    chuva as copas dispersas das rvores representam obstculos precipitao,

    retendo uma parte que evaporada para a atmosfera. A parte restante atinge

    o solo por gotejo ou escorrimento ao longo do tronco. Quando a

    precipitao vertical, a gua que atinge o solo sob as copas menor do

    que em solo aberto (solo nu ou com vegetao rasteira). Quando a

    precipitao inclinada devido ao vento, h zonas de aumento de

    precipitao nos sectores sob a copa virados ao vento devido acumulao

    de gotejo com incidncia de precipitao inclinada. Nos setores da copa

    opostos direo do vento ocorre a mesma depleo que em precipitao

    vertical. As copas das rvores tm ainda o efeito de reduzir a velocidade das

    gotas de gua, diminuindo os efeitos deletrios do impacto no solo.

    Finalmente, a passagem da gua na copa e no tronco provoca a dissoluo

    dos nutrientes presentes e a sua restituio ao solo, acelerando o ciclo de

    nutrientes e aumentando assim a sua eficincia;

    c) Reduo da velocidade do vento: a distribuio espacial das rvores

    caractersticas destes sistemas muito eficiente na reduo da velocidade

    dos ventos diminuindo assim, especialmente durante os Veres quentes e

  • 19

    secos, o seu efeito dissecador. Esta reduo da velocidade do vento tambm

    protege o sistema das tempestades, aumentando a sua resilincia;

    d) Reduo do contedo em humidade nas camadas superficiais do solo,

    no vero: A reduo de gua nas camadas superficiais do solo deve-se

    aco da evapotranspirao das rvores e condiciona o desenvolvimento dos

    estratos vegetais arbustivo e herbceo;

    e) Ciclo de nutrientes: os sistemas radiculares das rvores, extensos e

    com mltiplas razes pivotantes, conseguem absorver nutrientes a grande

    profundidade que restituem superfcie do solo atravs da mineralizao da

    folhada. Esta aco disponibiliza nutrientes nas camadas superficiais do

    solo;

    f) Incorporao de matria orgnica: o aumento de fertilidade tambm

    acompanhado pela incorporao de matria orgnica nas camadas

    superficiais do solo, aumentando a capacidade de troca catinica e a

    capacidade de reteno de gua e incrementando assim a produtividade.

    Algumas destas interaes constituem caractersticas nicas da

    dimenso ambiental do Montado que merecem particular destaque, tal como

    descrito nos pontos seguintes.

    4 . 1 . S o l o e C l i m a

    O sobreiro, o carvalho cerquinho, o pinheiro bravo e o pinheiro manso

    esto associados s zonas ecolgicas onde se interligam as influncias

    atlntica e mediterrnica, enquanto a azinheira se associa s zonas onde se

    conjugam as influncias mediterrnica e continental da meseta ibrica e o

    carvalho negral s de maior influncia atlntica.

    A grande extenso radicular horizontal e em profundidade constitui um

    dos processos adaptativos destas espcies s condies mediterrnicas,

    permitindo o uso de reservas hdricas disponveis. A reduzida espessura

    efectiva do solo, a baixa capacidade de reteno de gua, a presena de

    calcrio activo, a m drenagem interna e a salinidade so condies

    desfavorveis ao sobreiro. Comparativamente ao sobreiro, a azinheira, o

    carvalho negral, o carvalho cerquinho e o pinheiro bravo parecem ser mais

  • 20

    tolerantes drenagem deficiente e reduzida espessura efectiva, e o

    pinheiro manso mais tolerante baixa capacidade de reteno de gua.

    As comunidades fngicas do solo desempenham um papel crucial nos

    ciclos de nutrientes, na estruturao e proteco do solo e na sanidade dos

    povoamentos florestais, assegurando distintas funes de reciclagem da

    matria orgnica, eliminao de fitoparasitas e favorecimento do

    crescimento e desenvolvimento de diversas espcies vegetais, na medida em

    que lhes permitem obter maiores quantidades de gua e nutrientes

    (principalmente fsforo e azoto) e lhes conferem proteco contra agentes

    patognicos.

    No Montado, o sob-coberto um factor determinante para a

    sustentabilidade e rentabilidade, pela proteco do solo e plntulas e

    reciclagem de nutrientes. Neste ecossistema, a fixao biolgica do azoto

    mediada pelas simbioses entre bactrias (rizbios) e plantas leguminosas

    constitui o principal processo de fornecimento de azoto ao solo embora

    algumas plantas no leguminosas possam obter azoto atravs de outras

    associaes, no simbiticas, com microrganismos fixadores deste

    nutriente. Alm destes, outros microrganismos do solo promotores do

    crescimento vegetal podero ser importantes para a sustentabilidade do

    Montado, melhorando o acesso da planta aos nutrientes atravs do aumento

    da superfcie radicular. As bactrias solubilizadoras de fosfato que actuam

    na mobilizao do fosfato insolvel no solo, tornando-o disponvel para as

    plantas, podero ter tambm um papel de relevo neste ecossistema, cujos

    solos se caracterizam geralmente pela baixa fertilidade.

    As espcies arbreas e herbceas presentes no Montado tm efeitos

    acentuados sobre o regime trmico (reduo da amplitude trmica) e o

    regime hdrico do solo, dilatando o perodo vegetativo. Desempenham ainda

    uma funo determinante na qualidade do solo por intermdio do acrscimo

    da concentrao de matria orgnica e da disponibilidade de nutrientes, em

    consequncia do ciclo do carbono e de nutrientes; neste contexto, como

    sucede com sistemas estruturalmente similares, o Montado apresenta um

    grande potencial de acumulao de carbono na biomassa arbrea, herbcea

    (pratense) e no solo. A esta funo acresce a estabilizao e proteco do

    solo com o consequente aumento de resistncia degradao. Deve ter-se

    em conta que os eventos extremos (menor precipitao anual e temperaturas

  • 21

    elevadas) verificados nos ltimos anos, bem como os cenrios de alterao

    climtica para a regio mediterrnica, potenciam todos os factores de risco

    do Montado.

    4 . 2 . g u a e C a r b o n o

    Entre os servios que os ecossistemas florestais prestam sociedade

    encontra-se o sequestro de carbono, mitigando as emisses de gases com

    efeito de estufa (dixido de carbono) para a atmosfera. Este processo resulta

    de ganhos (atravs da fotossntese) superiores s perdas (respirao de todo

    o ecossistema), acumulando-se o saldo em biomassa vegetal e matria

    orgnica do solo. Montados de sobro saudveis e com razovel coberto

    arbreo podem sequestrar anualmente entre menos de 1 e mais de 3

    toneladas de carbono por hectare. Estes valores esto perto da mdia das

    florestas centro-europeias, embora a variabilidade seja muito elevada. O

    valor do balano de carbono tende a diminuir com o envelhecimento das

    rvores (depois de atingido um mximo).

    A perda de rvores e a degradao das pastagens e do solo conduzem ao

    decrscimo do sequestro de carbono: tanto os fogos como as gradagens

    destinadas preveno dos incndios podem aumentar a eroso e a

    respirao do solo, aumentando as perdas de carbono associadas; o

    decrscimo da vitalidade das rvores em resultado, por exemplo, de pragas

    e doenas, reduz a capacidade de sequestro de carbono. Por outro lado, a

    capacidade fotossinttica limitada em situaes de dfice hdrico quando o

    fecho dos estomas e a reduo da rea foliar inibem a assimilao.

    A explorao da cortia uma actividade compatvel com o sequestro de

    carbono pela floresta. De facto, a proporo de carbono extrado na cortia

    constitui uma percentagem muito pequena (em regra inferior a 10%) do

    total fixado em cada novnio. Como a rvore se mantm intacta, a cortia

    pode ser extrada repetidas vezes sem que isso afecte directamente o stock

    de carbono do Montado.

    As caractersticas do sob-coberto e o tratamento a que sujeito podem

    igualmente influenciar o balano de carbono. Os povoamentos de azinheira,

    com crescimento mais lento, tero, em condies equiparadas, sequestro de

  • 22

    carbono inferior ao dos Montados de sobro (por exemplo, menos de 1

    tonelada de carbono por hectare). No entanto, a interdependncia com os

    sistemas de produo animal trs associado o melhoramento da pastagem,

    com o elevado contributo no sequestro de carbono.

    Acoplado ao balano de carbono do ecossistema est o balano da gua

    visto que, quer a fotossntese, quer a transpirao, dependem da abertura

    dos estomas e da quantidade de folhas. Na regio mediterrnica, as plantas

    sofrem restries hdricas quer sazonalmente Vero quer noutras escalas

    de tempo, como resultado das secas que ocorrem com frequncia. rvores

    como o sobreiro sobrevivem maximizando a captao de gua e

    minimizando as perdas por transpirao. Ultrapassam a seca estival

    explorando as zonas com humidade no perfil do solo com razes que

    crescem, quer em profundidade, quer estendendo o sistema radicular

    lateralmente, muito para alm do limite da projeco das copas. A

    impossibilidade de captar gua do solo em consequncia do prolongamento

    da poca sem chuva ou a reduo da extenso das razes devido a doenas

    ou ao corte (lavouras), pode levar insuficincia hdrica e morte precoce

    de muitas rvores.

    Comparando azinheiras e sobreiros nas mesmas condies ambientais

    verifica-se maior enraizamento em profundidade nas primeiras e, portanto,

    melhor estado hdrico no perodo seco. A vegetao do sob-coberto explora

    nveis de solo mais superficiais tendendo, por isso, a evitar a seca. Por

    exemplo a vegetao herbcea ultrapassa as carncias de gua completando

    o seu ciclo de vida antes da seca estival. Em zonas de solo muito delgado ou

    compactado as diferenas nos padres de enraizamento dos diferentes

    estratos podem no ser to evidentes, pelo que haver menor distino entre

    os estados hdricos dos diferentes tipos de vegetao.

    4 . 3 . B i o d i v e r s i d a d e

    A heterogeneidade espacial e temporal do Montado, invulgar no

    contexto dos ecossistemas europeus de matriz agroflorestal, promove uma

    aprecivel riqueza de nichos ecolgicos. Os diferentes graus de cobertura

    arbrea (frequentemente com rvores de diferentes idades), arbustiva e

  • 23

    herbcea conferem aos Montados uma grande diversidade na estrutura

    vertical e horizontal da vegetao que raramente se encontra noutros

    sistemas florestais portugueses. Ademais, a natureza irregular da paisagem

    dos Montados, onde predominam os gradientes acompanhados de orlas

    difusas ao invs de geometrias rgidas com orlas vincadas, torna cada rea

    de Montado nica e irrepetvel, tal como nicas e irrepetveis so algumas

    das suas comunidades.

    Os Montados esto classificados como habitat de interesse comunitrio

    (habitat 6310 ver ponto 8.1.), nomeadamente quando dominado pelos

    malhadios de Poa bulbosa e Trifolium subterraneum que, juntamente com

    outras formaes herbceas de Agrostis castellanae, Celtica gigantea e/ou

    Brachypodium phoenicoides, representam o habitat prioritrio 6220. Nestes

    mosaicos de pastagens ocorrem endemismos e plantas com estatuto de

    proteco, como Narcissus fernandesii, N. cavanillesii, Armeria pinifolia e

    Centaurea coutinhoi. Em situaes edafo-climticas muito peculiares, o

    coberto arbreo dominado por sobro ou azinho enriquecido por elementos

    remanescentes dos bosques climcicos de matiz ocenica como sejam

    alguns carvalhos marcescentes como Quercus broteroi, Q. pyrenaica, Q.

    marianica e Q. estremadurensis.

    A regenerao natural de sobreiro e azinheira beneficia da existncia de

    formaes arbustivas, podendo em alguns casos ser bastante abundante. Em

    geral, possvel distinguir trs tipos de estrato arbustivo: dois deles formam

    sob-cobertos muito fechados dominados respectivamente por medronheiro

    ou esteva; e o terceiro forma manchas arbustivas mais esparsas constitudas

    essencialmente por tojos, sargao, urzes, silvas, esteva, carqueja e giestas.

    Estas espcies, juntamente com carrascos, zimbros e rosmaninhos, podem

    ainda aparecer associadas aos dois primeiros tipos. Algumas destas espcies

    arbustivas so endemismos portugueses e muitas tm elevado estatuto de

    conservao, podendo constituir habitats prioritrios, como o 4020

    (charnecas hmidas atlnticas temperadas de Erica ciliaris e Erica tetralix).

    Em regra, constata-se que quanto maior a diversidade do sob-coberto mais

    abundante a regenerao natural do sobreiro e mais elevada a sua taxa de

    sobrevivncia.

    Os lquenes do Montado no possuem estatuto de conservao mas so

    afectados pelas condies ambientais atmosfricas, sendo ainda

  • 24

    extremamente sensveis s alteraes climticas. Apesar disso, os lquenes

    epfitos (que se desenvolvem nos troncos e ramos de rvores e arbustos)

    apresentam uma elevada diversidade nos Montados: em sobro, no litoral

    alentejano, foi possvel identificar cerca de 90 espcies e em azinho, numa

    rea 20 vezes menor, registaram-se cerca de 150 espcies.

    Em termos faunsticos, reportando somente aos vertebrados terrestres, os

    Montados exibem uma elevada biodiversidade. Vrios anfbios ibricos

    prosperam nos charcos temporrios dispersos pelas clareiras dos Montados

    ou nas pequenas represas sustentadas pela actividade agrcola extensiva.

    Nestas paisagens ocorrem tambm diversos lacertdeos e ofdios, como por

    exemplo a discreta cobra de capuz (Macroprotodon brevis). Nas aves,

    assiste-se no contexto ibrico a um aumento da riqueza especfica ao longo

    do gradiente norte-sul, sendo os valores mais elevados registados

    justamente em Montados como resultante da sua caracterstica

    heterogeneidade espacial e temporal. Um outro exemplo do elevado valor

    biolgico da paisagem dominada pelo Montado dado pela guia-imperial

    (Aquila adalberti), classificada escala global e em Espanha como Em

    Perigo, e Criticamente em Perigo em Portugal. Este endemismo ibrico

    encontra nas paisagens dominadas por Montados e matagais mediterrnicos

    o seu habitat de ocorrncia e a recolonizao recente do territrio nacional

    por certo uma consequncia do incremento populacional e do aumento da

    rea de distribuio registados em Espanha ao longo das ltimas dcadas,

    resultantes de um exigente e rigoroso plano de conservao.

    Das 71 espcies de mamferos terrestres (voadores e no voadores)

    referidas como presentes em territrio continental, mais de 95% ocorrem

    em Montados, embora a sua ocorrncia possa ter um carcter ocasional,

    fragmentado ou generalizado e com abundncias elevadas. De ocorrncia

    ocasional de referir o lince-Ibrico (Lynx pardinus), espcie que num

    passado histrico foi abundante nos matagais mediterrnicos onde o

    sobreiro e a azinheira se incluam, sendo igualmente observado nos

    povoamentos mantidos pelo Homem. Hoje encontra-se num cenrio de pr-

    extino limitando-se os registos a indivduos dispersantes a partir do

    territrio espanhol e que no se fixam espacialmente. No alheio a este

    facto a situao da sua presa preferencial - o coelho-bravo (Oryctolagus

    cuniculus) - ser uma espcie localmente abundante em muitas zonas de

  • 25

    Montado mas que noutras regrediu significativamente, vtima de patologias

    e sobre-explorao, apresentando hoje flutuaes populacionais

    significativas e nveis de abundncia muito heterogneos.

    4 . 4 . D i v e r s i d a d e g e n t i c a e c o n s e r v a o d e r e c u r s o s

    g e n t i c o s

    A diversidade gentica o resultado de mecanismos complexos que a

    Natureza foi desenvolvendo ao longo da Evoluo. No sobreiro, tal como

    nas outras espcies florestais, a variabilidade gentica crucial para a

    sobrevivncia, adaptao e evoluo. A actividade humana pode contribuir

    para a sua conservao, melhoria ou destruio mas para a conservar ou

    melhorar essencial perceber como gerada, onde se localiza, como se

    manifesta e como se transmite.

    Na natureza, o sobreiro tal como todos os carvalhos, mistura de forma

    dinmica a regenerao por semente e por rebentamento de toias e razes.

    Os mecanismos reprodutivos atravs do plen e das bolotas so a principal

    fonte de criao e transmisso da diversidade gentica. As bolotas so

    sementes muito apreciadas por diversos animais como o gaio (Garrulus

    glandarius), o pombo-torcaz (Columba palumbus) ou o rato-do-campo

    (Apodemus sylvaticus), que assim contribuem para o fluxo gnico e

    recombinao de patrimnios genticos por vezes bastante distantes.

    A variabilidade gentica uma componente essencial da adaptao e

    portanto da sobrevivncia e estabilidade dos ecossistemas florestais face a

    alteraes climticas, pragas e doenas e outros factores. Nas rvores, a

    maior parte das caractersticas adaptativas e de interesse econmico so

    controladas por vrios genes que interagem de forma complexa,

    manifestando-se em diferenas no fentipo, nomeadamente nas

    caractersticas de crescimento e qualidade da cortia e na variabilidade ao

    nvel da fenologia foliar, da florao e da frutificao. Os estudos em curso

    sobre a fenologia mostram uma elevada variabilidade entre rvores num

    dado povoamento, que se reflecte tambm na quantidade de produo de

    plen e bolota. Entre povoamentos esta variabilidade mostra uma forte

    ligao com a fertilidade dos solos.

  • 26

    Os resultados de ensaios instalados em Portugal revelam j diferenas

    importantes relativamente sobrevivncia, crescimento e eficincia do uso

    da gua. Por outro lado, o progresso da gentica molecular tem

    demonstrado a existncia de maior diversidade entre rvores do que entre

    populaes. A nvel de ADN confirma-se a grande variabilidade

    intrapopulacional e um elevado grau de polimorfismo, acima do nvel

    mdio. A este nvel no se detectou ainda uma estruturao da variabilidade

    gentica com base na localizao geogrfica das populaes nem uma

    relao entre o padro da distribuio dessa variabilidade e as modalidades

    de gesto dos Montados. No caso dos marcadores baseados em

    retrotransposes (elementos genticos mveis que alteram o tamanho e a

    organizao do genoma gerando diversidade gentica), os resultados

    indicaram a presena de inseres nos genes ribossomais, o que pode

    conduzir activao ou silenciamento de genes alterando assim a expresso

    fenotpica de algumas caractersticas.

  • 27

    5. Os produtos e a

    multifuncionalidade do

    Montado

    Dada a sua complexidade e interaco constante entre vrias

    componentes, o Montado um sistema por natureza multifuncional. Os

    diversos produtos que resultam da explorao equilibrada do Montado so

    expresso dessa multifuncionalidade. Para alm da produo, o sistema

    garante uma srie de servios dos ecossistemas hoje em dia valorizados pela

    sociedade, relacionados com a dimenso ambiental, cultural e paisagstica

    deste sistema.

    5 . 1 . C o r t i a

    O valor econmico da cortia como produto do Montado

    inquestionvel, assim como o papel que Portugal desempenha no quadro

    mundial da produo e transformao da cortia.

    Portugal o maior produtor de cortia, com cerca de 53% da produo

    mundial, tendo produzido em 2011 aproximadamente 150 mil toneladas

    (igual mdia anual para o perodo 2000-2009). tambm o maior

    transformador da cortia em produtos manufacturados, com grande

    capacidade industrial instalada, com cerca de 600 empresas e 9000

    trabalhadores. Para alm da utilizao da cortia produzida nacionalmente,

    a indstria corticeira portuguesa importa cerca de 60 mil toneladas de

    cortia, provenientes maioritariamente de Espanha. Segundo o Instituto

    Nacional de Estatstica, em 2011, o valor de vendas da indstria da cortia

    foi de 952 milhes de euros, dos quais 72% correspondem a exportaes.

    Em 2012, a exportao total de produtos de cortia foi de 1132 milhes de

    euros (dos quais 69% para a EU), correspondendo a 268 mil toneladas.

  • 28

    As rolhas de cortia natural tm grande importncia relativa nas

    exportaes de cortia, representando cerca de 40% do valor total; as rolhas

    de cortia aglomerada representam 15%. A indstria dos vinhos o maior

    cliente de produtos de cortia, seguindo-se a construo civil que consome

    diferentes tipos de aglomerados para revestimento e isolamento.

    O valor gerado pelas exportaes portuguesas de cortia substancial,

    representando aproximadamente 0,7% do PIB, 2,2% do valor das

    exportaes totais portuguesas e cerca de 30% do total das exportaes

    portuguesas de produtos florestais.

    Nem sempre se verificou esta dominncia econmica da cortia como

    produto do Montado e a importncia relativa da produo portuguesa. De

    facto, a cortia como matria-prima para manufacturas s adquiriu um

    carcter industrial no sc. XIX, muito centrada na regio da Catalunha, e em

    Portugal s foram instaladas grandes unidades fabris a partir dos finais

    desse sculo. Ao longo do sc. XX ocorreu uma valorizao crescente da

    produo e transformao de cortia, embora Portugal tivesse um papel

    maioritariamente exportador de matria-prima bruta e preparada em

    prancha. S na segunda metade desse sculo e, principalmente no ltimo

    quartil, que se desenvolveu a transformao industrial para produtos

    acabados da totalidade da matria-prima, com uma forte modernizao

    industrial, inovao tecnolgica e afirmao internacional.

    A importncia determinante da cortia para o Montado um factor

    essencial para a sustentabilidade do sistema, demonstrado pela comparao

    com a evoluo do Montado de azinho. Como consequncia, a cortia deve

    ser encarada como uma matria-prima industrial e a gesto florestal do

    Montado deve ser feita tendo em conta esse objectivo e as suas

    condicionantes. Nesse sentido importante a existncia de uma estreita

    ligao entre produtores e indstrias de cortia na compreenso das

    respectivas especificidades e requisitos, o que se tem vindo a observar de

    forma crescente. O papel das Associaes de Produtores Florestais foi

    decisivo para disseminar aos produtores este conhecimento, assim como

    tambm o da APCOR (Associao Portuguesa de Cortia) na divulgao da

    indstria e produtos.

    O valor da cortia para a indstria depende principalmente de dois

    aspectos: a) o calibre das pranchas, que est relacionado com o crescimento

  • 29

    anual da cortia; e b) a qualidade da cortia, que inclui a porosidade dada

    pelos canais lenticulares e defeitos biticos ou abiticos.

    O crescimento da cortia o resultado da actividade de um cmbio, o

    felognio, num processo meristemtico algo semelhante ao que ocorre com

    o cmbio que forma o lenho. Deste modo, os factores que o afectam sero

    determinados, por um lado por factores genticos e por outro pela condio

    fisiolgica da rvore e pelas condies do solo e clima. Diversos estudos

    mostraram j estes efeitos: a diversidade gentica no crescimento

    evidente, encontrando-se variabilidade entre rvores no mesmo

    povoamento, e entre valores mdios em diferentes locais. Um exemplo

    divulgado de valores de crescimento anual da cortia (espessura do anel)

    mostra uma mdia de 3,5 mm (para 8 anos completos de crescimento),

    variando entre diferentes locais de 2,1 mm a 4,6 mm.

    Sabe-se tambm que a disponibilidade de gua e, portanto, da

    precipitao so importantes para o crescimento da cortia, assim como o

    tipo de solo, que pode provocar variaes no crescimento da cortia at

    25%. Sobreiros com cortias com calibres elevados so frequentemente

    provenientes de solos ricos em fosfatos, ferro, zinco, mangans, carbono

    orgnico, azoto total e matria orgnica. A optimizao do estado do solo

    em nutrientes, por exemplo atravs de fertilizao, pode assim favorecer o

    crescimento do sobreiro e da cortia.

    A produtividade do sobreiro bastante varivel, tendo sido registados

    valores de peso da prancha de cortia por unidade de rea descortiada, para

    um ciclo de produo de 9 anos em diferentes locais, de em mdia 8,6

    kg/m2, variando entre 8,5 kg/m

    2 e 10,5 kg/m

    2. A produtividade por hectare

    depender tambm, como bvio, da densidade do povoamento e da

    dimenso das rvores, ou seja, da rea total descortiada.

    Quanto qualidade da cortia, determinada pelo nmero e dimenso dos

    canais lenticulares, ou seja, pela designada porosidade da cortia, encontra-

    se uma forte variabilidade entre rvores atribuda a factores genticos. De

    todos os parmetros caracterizadores da cortia, a porosidade parece ser o

    que apresenta maior variao entre rvores no mesmo local. No se

    demonstrou at agora relao significativa entre a porosidade da cortia e o

    seu crescimento. No entanto, a presena de micro-nutrientes (por exemplo

    mangans) no solo pode estar relacionada com a qualidade da cortia

  • 30

    (coeficiente de porosidade e nmero de poros por cm2), enquanto cortias

    com porosidade elevada se encontram em sobreiros em solos com elevado

    teor em cobre, magnsio, boro, capacidade de troca catinica, soma das

    bases de troca, e a espessura do horizonte superficial e total.

    Importa referir tambm que outros factores influenciam a qualidade da

    cortia, nomeadamente defeitos como a cobrilha, a formiga ou a mancha

    amarela, associados sanidade do povoamento. O verde, cujas causas de

    ocorrncia no so conhecidas, quando detectado na prancha tem hoje

    resoluo no tratamento industrial.

    A importncia econmica da cortia para o Montado mostra a

    necessidade de uma gesto subercola adequada, que tenha em conta

    critrios de produtividade, qualidade e requisitos da indstria, assim como

    os diferentes critrios de sustentabilidade do sistema. O papel da cortia

    para a economia do Montado constitui tambm uma vulnerabilidade, que

    importa acautelar.

    5 . 2 . M a d e i r a

    A madeira de sobreiro foi muito valorizada no passado, principalmente

    na era dos Descobrimentos, em poca de construo naval e necessidade de

    madeira, tal como referido no ponto 2. A madeira de sobreiro, assim como a

    de azinho e de outros carvalhos, muito densa, resistente compresso, ao

    impacto e ao atrito, e suficientemente durvel, pelo que era adequada para

    peas estruturais das embarcaes.

    Mais recentemente a explorao da madeira de sobreiro diminuiu,

    principalmente em resultado da crescente valorizao da cortia e das

    restries legais ao abate de sobreiros. A madeira disponvel corresponde

    apenas a dois tipos: a) ramos provenientes de podas depois de se ter retirado

    a cortia virgem por falquejamento, e b) troncos e ramos provenientes de

    abates sanitrios ou em fim de explorao. Em qualquer destes casos, a

    madeira apresenta caractersticas pouco adequadas para um uso como

    madeira slida e, consequentemente, foi, e , utilizada para fins energticos,

    para o que tem ptima qualidade dado o seu bom poder calorfico e

    comportamento em combusto.

  • 31

    Uma evoluo semelhante ocorreu com a madeira de azinho e de outros

    carvalhos, nomeadamente o carvalho portugus (Quercus faginea). Alguns

    factores tcnicos limitaram a utilizao destas madeiras de carvalhos

    endgenos e dificultaram a adaptao tecnolgica s suas caractersticas,

    pelo pouco conhecimento existente sobre as suas caractersticas,

    propriedades e comportamento.

    O reconhecimento do potencial da madeira de sobreiro como um

    elemento de diversificao actual forma de gesto dos Montados, e

    complementando a produo de cortia, fez surgir o interesse no seu estudo

    para um potencial desenvolvimento de novos produtos tendo a madeira de

    sobreiro como material nobre. Com esta perspectiva decorreu nos ltimos

    anos investigao que estuda a madeira de sobreiro do ponto de vista da sua

    anatomia, densidade e propriedades fsico-mecnicas, assim como da sua

    converso industrial e teste de potenciais produtos. O crescimento radial da

    madeira do sobreiro pode ser aprecivel: por exemplo 3,9 mm por ano,

    atingindo 4,2 mm nos primeiros 30 anos, fortemente determinado pela

    precipitao acumulada durante os meses anteriores ao incio do perodo de

    crescimento. O descortiamento provoca uma diminuio do crescimento

    radial da madeira, por exemplo de cerca de 20% nos dois anos seguintes

    extrao da cortia. A madeira de sobreiro tem valores de densidade entre

    0,86 g/cm3 e 0,98 g/cm

    3, sendo considerada muito densa quando comparada

    com outras folhosas e superior a outros carvalhos, como o carvalho roble

    (Quercus robur) e o carvalho americano (Quercus rubra). Esta uma

    caracterstica favorvel pois a densidade constitui um indicador de

    qualidade tecnolgica e de valorizao comercial, estando relacionada com

    propriedades de resistncia mecnica e de uso. A madeira de sobreiro

    moderadamente dura, tem um ptimo comportamento ao desgaste, poucos

    empenos com variaes de humidade ambiental e boa estabilidade em

    contacto com gua lquida. Por estes motivos, a madeira de sobreiro

    apresenta uma boa aptido como material nobre para revestimentos. Por

    outro lado, a esttica particular da madeira, determinada pelas suas

    caractersticas anatmicas e variedade de padres, confere-lhe um grande

    impacto visual e distingue-a de outras espcies. Deste modo, a madeira de

    sobreiro tem um carcter esttico muito apelativo para a potencial produo

    de produtos de maior valor acrescentado.

  • 32

    A viabilidade tecnolgica da madeira de sobreiro para revestimentos e

    marcenaria permite considerar a sua introduo no mercado europeu como

    espcie madeireira para usos nobres, em alternativa a outros carvalhos ou

    espcies tropicais. Tal contribui para consubstanciar uma estratgia de

    diversificao da utilizao do sobreiro, incluindo a explorao da rvore

    para madeira, integrando-a no sistema de explorao subercola actualmente

    praticado, ou seja, sem entrar em competio com a produo sustentada de

    cortia. A maior incidncia ser assim em material proveniente de

    desbastes.

    5 . 3 . P r o d u t o s p e c u r i o s

    Os sistemas de produo animal integrados na explorao do Montado

    so caractersticos e distintivos. Uma grande parte dos produtos deles

    resultantes tem reconhecimento de garantia certificada, podendo estar sob

    Denominao de Origem Protegida (DOP). A diferenciao advm-lhes do

    esquema alimentar que caracteriza a produo pecuria extensiva praticada

    nas exploraes de Montado e que imprime qualidades organolticas

    distintivas. Actualmente, a diversidade de produtos dominada pela oferta

    de carne e seus derivados. A pecuria extensiva suportava em 2010 mais de

    metade da produo nacional de bovinos (65%) e de ovinos (56%). Tem um

    baixo nvel de investimento e de aplicao dos desenvolvimentos

    tecnolgicos, baseando-se no pastoreio extensivo de pastagem permanente,

    com baixos encabeamentos. Como referncia, nas medidas agro-

    ambientais de apoio ao pastoreio extensivo em Montado de Azinho, um dos

    requisitos manter o nvel de encabeamento entre 0,15 e 1 Cabea Normal

    /ha para ruminantes e porcos em regime de montanheira (Despacho

    normativo n. 8/2010).

    A sustentabilidade deste sistema silvo-pastoril assenta na existncia de

    pastagens constitudas por plantas pratenses anuais de ressementeira natural

    e a sua perenidade ou permanncia est directamente relacionada com o

    banco de sementes existente no solo, que garante em cada outonada o incio

    do ciclo anual de produo da pastagem. A relao entre o nmero de

    animais presentes nas exploraes e a quantidade e qualidade da pastagem

  • 33

    mais equilibrada na Primavera. No resto do ano deficitria, e no sendo

    prtica corrente a reduo do efectivo animal, as exploraes recorrem

    produo e conservao de forragens ou aquisio de outros recursos

    alimentares externos. Entre 1999 e 2009 verificou-se uma tendncia para o

    aumento (21,4%) da rea coberta com pastagem permanente e para o

    decrscimo das culturas forrageiras (14,3%) no Alentejo.

    Tambm nestes ltimos 20 anos, a pecuria extensiva em Montado

    sofreu alteraes importantes. O aumento de reas vedadas e o subsdio

    vaca aleitante, entre outros factores, promoveu o aumento consistente da

    populao de bovinos, sendo esta actualmente a espcie zootcnica

    dominante, com base em raas autctones (Mertolenga, Alentejana e Preta)

    mas tambm exticas, destacando-se a Limousine, sendo frequentes os

    cruzamentos.

    O sistema de gesto do pastoreio que mais frequentemente suporta a

    produo pecuria extensiva o pastoreio intermitente, rodando os animais

    pelas vrias folhas individualizadas por vedaes. Em folhas de grande

    dimenso pode existir pastoreio contnuo, sendo frequente vrias folhas

    funcionarem como uma nica pastagem ao deixar as porteiras abertas. A

    ocupao das folhas varivel de ano para ano, no obedecendo a um

    esquema predefinido, mas baseando-se na anlise da pastagem,

    subjectivamente apreciada pelo responsvel de explorao. Por isso, e pela

    irregularidade caracterstica do clima mediterrnico, a utilizao da

    pastagem pode ser muito varivel de ano para ano. Em regra as folhas so

    pastadas pelo menos uma vez por cada estao do ano, com excepo do

    ano de instalao, quando se pretende garantir a produo de semente. Em

    pocas de diminuio da quantidade/qualidade de pastagem, o que

    corresponde ao perodo desde o fim do Vero at Primavera seguinte, por

    vezes durante quase metade do ano, os efectivos pecurios em pastoreio so

    suplementados com forragem conservada. Esta forragem pode ser

    comprada, como o caso da palha, mas frequentemente produzida na

    prpria explorao, em folhas semeadas para o efeito, sendo a consociao

    mais frequente a de aveia e vcia.

    A produo extensiva de ovinos tambm feita em pastoreio contnuo

    de efectivos numerosos (rebanhos de 300 a 500 ovelhas), sendo as raas

    mais frequentes a Merino Branco, pura ou amerinizada com Ile-de-France e

  • 34

    Lacaune, e ainda Merino Preto e Campania. A carne a produo

    principal, sendo geralmente os animais desmamados a idades

    compreendidas entre os 3-4 meses e 20 a 30kg de peso vivo. A produo de

    leite em extensivo est praticamente reduzida aos sistemas de produo

    caprina e confinada s regies serranas, onde funcionam como

    controladores do mato. A anterior produo de queijo de leite de ovelha (p.

    ex. Queijo de vora DOP) diminuiu drasticamente com a evoluo dos

    factores de produo, tornando os 0,5 litros de leite/dia da ovelha merina

    insuficientes para que esta produo seja vivel. No entanto, mantm-se a

    produo de queijo de cabra, nomeadamente das raas Serpentina ou

    Charnequeira, de aptido mista carne/leite. Quanto explorao da l, no

    obstante a sua qualidade, a produo no actualmente rentvel devido aos

    baixos preos praticados no mercado mundial. O pastoreio com sunos

    normalmente restringido ao perodo de montanheira, que corresponde ao

    crescimento de pastagem no Outono (incio do ciclo anual), e produo de

    lande e bolota, de Outubro a Fevereiro. Os sunos dominam nas zonas onde

    a azinheira est presente sendo frequentemente utilizados em regime de

    engorda em montanheira. Muitas destas engordas funcionam com animais

    provenientes de Espanha e que para l voltam, sendo assim de difcil

    contabilizao em qualquer tipo de dados sobre efectivos nas exploraes.

    5 . 4 . A p i c u l t u r a / M e l

    A diversidade de cobertura arbrea no Montado permite o

    desenvolvimento de estratos herbceos e arbustivos dominados por plantas

    da flora mediterrnica com grande expresso de espcies angiosprmicas de

    polinizao por insectos, particularmente abelhas. Todas estas plantas so

    visitadas por abelhas para recolha de nctar e/ou plen. Algumas espcies,

    dada a sua dominncia nestes ecossistemas e a elevada produo de nctar,

    so particularmente importantes na produo de mis de elevado valor

    comercial, classificados pela sua origem floral. Neste contexto, de referir

    em particular o mel de rosmaninho, reconhecido internacionalmente pela

    sua qualidade. Numa amostragem polnica de mis realizada na regio do

    Alto e Baixo Alentejo verificou-se que o Montado representava cerca de

  • 35

    35% do total das formaes usadas pelas abelhas, seguido pelas pastagens

    com cerca de 20%, tambm elas associadas a estes ecossistemas. No estrato

    arbreo dos montados, os sobreiros e as azinheiras distinguem-se pela oferta

    de plen e de meladas, produtos aucarados resultantes da actividade

    alimentar dos afdeos e cochonilhas.

    O declnio mundial das populaes de abelhas, tambm atribudo

    intensificao agrcola, e em particular ao uso de pesticidas, tem gerado

    grandes preocupaes ambientais. Neste contexto, os Montados, mantidos

    livres da aplicao de biocidas, podem desempenhar um papel ecolgico

    importante, fornecendo habitat protector e fonte de alimento para as

    abelhas. Deste modo, o valor econmico da apicultura nos Montados pode

    resultar tanto directamente de produtos apcolas, como mel e plen, como,

    indirectamente, assegurando a polinizao eficaz dos ecossistemas

    agrcolas. A importncia dos Montados para o sector apcola reflecte-se no

    nmero de apicultores e de apirios instalados nas regies onde estes

    ecossistemas so dominantes. No Alentejo e Algarve, regies onde a

    apicultura assume maior desenvolvimento, caracterizando-se pela

    profissionalizao de 10% dos apicultores, estes possuem em mdia cerca

    de 400 colnias em regime transumante. Desenvolvem actividade apcola

    cerca de 2500 apicultores, que exploram cerca de 10.000 apirios, com

    efectivos apcolas que atingem as 170.000 colnias (cerca de 35% do

    efectivo apcola nacional) e com produes unitrias de cerca de 30 kg de

    mel por colnia. O valor deste produto especial associado a tipos de mel

    monoflorais (como o mel de rosmaninho, de tomilho ou de orgo), a

    Denominaes de Origem Protegida ou a Modo de Produo Biolgico,

    atinge valores superiores a 20 milhes de euros. Qualquer dos tipos de mel

    produzidos no Montado tem junto dos consumidores uma imagem forte

    como alimento de grande riqueza e pureza.

    5 . 5 . A r o m t i c a s e m e d i c i n a i s

    Em termos de diversidade vegetal, os montados apresentam uma elevada

    riqueza florstica, com particular abundncia de plantas aromticas,

    medicinais ou de uso culinrio. Das mais de uma centena de aromticas que

  • 36

    se podem encontrar nos Montados, destacam-se as pertencentes famlia

    Lamiaceae, as Labiadas, com cerca de 20 espcies entre as quais se incluem

    a nveda (Calamintha nepeta), o clinopdio (Satureja vulgaris), o alecrim

    (Rosmarinus officinalis), o rosmaninho (Lavandula luisieri, L. sampaioana,

    L. sampaioana subsp. lusitanica e L. viridis), os orgos (Origanum vulgare

    subsp. virens e O. macrostachyum ) e os tomilhos (Thymus mastichina, T.

    capitellatus, T. villosus subsp. lusitanicus) e famlia Asteraceae, as

    Compostas, como a macela (Chamaemelum nobile) e as perptuas

    (Helichrysum stoechas, H. serotinum subsp. picardii). Salienta-se ainda a

    presena de mais de duas centenas de plantas com propriedades medicinais,

    pertencentes a algumas dezenas de famlias botnicas, muitas das quais

    ligadas cultura local e utilizadas na medicina tradicional, onde se incluem

    o funcho (Foeniculum vulgare), o hiperico (Hypericum perforatum, H.

    perfoliatum), a malva (Malva spp.), a arruda (Ruta montana e R.

    chalepensis), o fel-da-terra (Centaurium erythraea), a murta (Myrtus

    communis), a esteva (Cistus ladanifer), a aroeira (Pistacia lentiscus) e o

    medronheiro (Arbutus unedo). A diversidade aumenta em Montados com

    presena de linhas de gua, podendo-se acrescentar ao elenco o poejo

    (Mentha pulegium), o mentrasto (Mentha suaveolens) e a hortel-da-ribeira

    (Mentha cervina). Destaca-se, ainda, a presena de algumas plantas com

    interesse alimentar, sobretudo de espargos silvestres (Asparagus aphyllus,

    A. acutifolius e A. albus), que continuam a ser muito recolhidos pela

    populao local.

    As aromticas so plantas bem adaptadas secura estival caracterstica

    do clima mediterrnico, dado que as suas folhas aumentam a produo de

    leos essenciais, geralmente compostos terpnicos, para proteco contra a

    secura estival. Estes leos aromticos podem igualmente funcionar como

    inibidores da germinao e desenvolvimento de outras plantas que com elas

    possam competir e tambm como dissuasores da ingesto por herbvoros na

    medida em que diminuem a palatabilidade.

    Apesar de bem adaptadas ao clima mediterrnico e s condies dos

    sistemas de Montado, algumas destas plantas esto actualmente em declnio

    ou so mesmo raras, como o caso do calafito (Hypericum tomentosum),

    em reas caracterizadas por eroso e desertificao crescentes, devido

    presso humana, quer atravs do abandono, quer da intensificao do uso do

  • 37

    solo e da mecanizao. Por se considerar que, na generalidade, o seu valor

    comercial reduzido, comparativamente com o dos principais produtos do

    Montado, muitas destas plantas esto subutilizadas. Contudo, o real valor

    comercial de algumas destas plantas e o seu potencial para um uso mais

    diversificado negligenciado. A promoo da sua utilizao, tal como se

    tem vindo a verificar para a murta em vrios pases mediterrnicos, pode

    contribuir para a biodiversidade e gerar rendimentos, contribuindo para a

    valorizao do Montado. As plantas aromticas caractersticas do montado

    podem ainda desempenhar um papel importante como indicadoras do estado

    de conservao do ecossistema, funcionando como um instrumento para a

    sua monitorizao.

    5 . 6 . C o g u m e l o s

    Os cogumelos correspondem frutificao de determinados fungos

    superiores (cogumelo quando a frutificao surge acima do solo, trufa

    quando a frutificao ocorre no solo), a maioria pertencente s divises

    Ascomycota e Basidiomycota. O Montado, com a sua abundncia de nichos

    ecolgicos patenteia elevada diversidade micolgica resultante da

    multiplicidade de usos associada sua explorao extensiva. Frutificam nas

    reas naturalmente ocupadas pelo sobreiro e/ou azinheira mais de 800

    espcies de cogumelos e trufas, maioritariamente no Outono e Primavera.

    Em Portugal, contam-se dezenas de cogumelos com elevado valor no

    mercado internacional, por exemplo Agaricus campestris (agrico),

    Auricularia auricula-judae (orelha-de-judas), Amanita caesarea (laranjinha,

    amanita-de-csar ou rei), Amanita ponderosa (silarca ou tortulho), vrias

    espcies de Boletus (ex. Boletus aereus, B. aestivalis e B. edulis; tortulhos),

    Cantharellus cibarius (rapazinhos), Craterellus cornucopoides (trompeta-

    da-morte), Coprinus commatus (coprino), Ganoderma lucidum (reishi),

    Lepista nuda (p-azul), Macrolepiota procera (pcara, fradinho ou

    tortulho), Pleurotus ostreatus (repolga), Trametes versicolor (rabo-de-per),

    e as tberas Terfezia arenaria, T.fanfani e T. leptoderma.

    A produo de cogumelos silvestres constitui uma opo de

    investimento em crescimento na Europa e no Mundo. Nesta perspectiva, a

  • 38

    produo de cogumelos e trufas do Montado poder proporcionar

    importantes fluxos de exportao e elevado retorno econmico para os

    produtores florestais, a par da actividade de explorao que j se desenvolve

    no ecossistema. Ao valor dos cogumelos, tradicionalmente associado s

    caractersticas organolpticas e propriedades nutritivas e medicinais, acresce

    o reconhecimento crescente enquanto alimento funcional, pela presena de

    biomolculas capazes de estimular ou suprimir o sistema imunitrio (com

    actividade antioxidante, antimicrobiana, antibitica, antifngica e

    antitumoral).

    Os recursos no-lenhosos assumem importncia crescente nos modelos

    de gesto multifuncional, nos domnios ecolgicos, econmicos, sociais e

    ambientais. No entanto, em Portugal os cogumelos constituem um recurso

    natural pouco explorado e uma fonte de rendimento quase exclusivamente

    associada s famlias de apanhadores/colectores. A falta de conhecimento

    poder estar na base desta situao, pelo que importa informar os

    proprietrios e gestores florestais sobre o valor dos recursos micolgicos e

    as prticas de gesto que favorecem a co-produo de cogumelos silvestres.

    Por outro lado, os cogumelos abrangem uma ampla diversidade de

    fungos reconhecidos pelos seus atributos funcionais, em especial a sua

    actividade saprbia (degradam a matria orgnica morta, principalmente de

    origem vegetal), e a simbiose que estabelecem com as razes das plantas

    (micorrizas). Os fungos micorrzicos assumem papel crtico na nutrio

    mineral das suas plantas hospedeiras e nos processos biogeoqumicos do

    solo. No Montado, a presena dos estratos herbceo, arbustivo e arbreo

    contribui para manter uma elevada diversidade de fungos micorrzicos com

    possveis implicaes na defesa do ecossistema contra agentes biticos e

    abiticos.

    A proteco e a conservao do patrimnio micolgico do Montado

    carecem de a) legislao adequada sobre as regras de produo e

    comercializao de cogumelos silvestres, incluindo as normas para os

    critrios de modelos de produo sustentvel; b) conhecimento cientfico

    sobre os atributos funcionais de espcies especficas no contexto biolgico e

    ecolgico; c) programas de divulgao sobre a importncia da diversidade

    dos fungos para a produtividade, a sustentabilidade e a sade do

    ecossistema; iv) centros de recepo e triagem de cogumelos.

  • 39

    5 . 7 . C a a

    De acordo com os princpios gerais da actual lei da caa (Lei n173/99),

    a explorao dos recursos cinegticos deve fazer-se ordenadamente em todo

    o pas, no respeito pelos valores da conservao, contribuindo para o

    desenvolvimento do mundo rural e constituindo um factor de riqueza

    nacional. Actualmente, segundo nmeros oficiais, as receitas geradas pelo

    sector da caa em Portugal ultrapassam os 360 milhes de euros anuais,

    tendo as rendas cinegticas expresso significativa na economia de muitas

    empresas silvo-pastoris. Embora o nmero de caadores licenciados tenha

    diminudo ao longo da ltima dcada (225.338 caadores em 2000/2001 e

    140.661 em 2010/2011), os resultados de explorao cinegtica ao longo do

    mesmo perodo e para a generalidade das espcies sedentrias,

    exceptuando-se o coelho-bravo, apontam para um aumento da

    produtividade na 4 Regio Cinegtica, que engloba a grande maioria da

    rea de Montado em Portugal.

    Nos ltimos 20 anos, os registos efectuados revelam uma diminuio

    acentuada das produtividades mdias anuais (expressas em nmero de

    indivduos cobrados por 100 ha), tanto de coelho-bravo (Oryctolagus

    cuniculus), como de lebre (Lepus granatensis), perdiz-vermelha (Alectoris

    rufa) e veado (Cervus elaphus). A quebra verificada na produtividade do

    coelho-bravo poder explicar-se parcialmente por epizootias de mixomatose

    e doena hemorrgica viral. O crescimento observado para as outras

    espcies dever traduzir um maior investimento feito na melhoria da gesto

    dos habitats e das populaes cinegticas sedentrias. Ainda assim,

    globalmente as produtividades continuam a ser relativamente reduzidas face

    s conseguidas quando se aumenta o investimento feito na melhoria da

    capacidade de suporte do meio. Apenas num nmero muito diminuto de

    zonas de caa foram registadas produtividades que revelam um exagerado

    grau de artificializao da explorao cinegtica, tornando-a dificilmente

    compatvel com outras produes tradicionais do Montado e com a

    conservao da biodiversidade, (javali (Sus scrofa) (mximo registado -

    21/100 ha) e veado (mximo registado - 34/100 ha)). Maioritariamente, a

    explorao cinegtica em Montados de azinho e sobro tem um carcter

    extensivo sendo compatvel com outras produes e servios do

  • 40

    ecossistema, podendo em muitos casos concorrer para a classificao dos

    Montados como sistemas de elevado valor natural.

    A gesto dos habitats para as espcies cinegticas frequentemente

    favorece tambm espcies ameaadas, contribuindo para objectivos de

    conservao da biodiversidade. O rendimento gerado pela cinegtica,

    muitas vezes em reas de agricultura marginal, pode ser um complemento

    importante rendibilidade da explorao silvo-pastoril. no entanto

    fundamental que a explorao cinegtica siga, tal como outras actividades

    produtivas do montado, princpios de sustentabilidade.

    5 . 8 . T u r i s m o e l a z e r

    O turismo um dos sectores mais importantes da economia portuguesa.

    Em 2012, a contribuio total do sector Turismo e Viagens para o PIB foi

    de 15,9%. Destas, as actividades relacionadas com lazer so de longe as

    mais significativas (87,3%). O turismo relacionado com o Montado tem que

    ser visto no contexto alargado da regio do Alentejo e parte do Algarve.

    Ambas oferecem uma tradio rica em cultura, histria, arqueologia e,

    claro, actividades ligadas natureza. Destas, as principais so a observao

    de aves e o pedestrianismo. Estas actividades atraem muitos turistas

    estrangeiros e ainda poucos nacionais, embora o seu nmero esteja a

    aumentar. Inquritos realizados na regio do Alentejo desde 2008 mostram

    que, de todos os tipos de paisagem, o Montado surge sempre classificado

    como o preferido para actividades de recreio e lazer, tanto por estrangeiros

    como nacionais. Por outro lado, para o turismo ligado a desporto, o

    Montado tem tambm um interesse elevado. No caso do golf, o desenho dos

    campos procura a integrao na paisagem existente, e para o utilizador, a

    envolvente de Montado altamente apreciada e contribui para a sensao de

    naturalidade. O jogador de golf tem normalmente um elevado poder de

    compra, e este assim um tipo de turismo que pode trazer rendimentos

    significativos para a regio, embora a instalao de campos de golf levante

    vrias questes sobretudo de impacto ambiental. Outro desporto que se

    relaciona com o Montado naturalmente a caa, com grande tradio no

    Alentejo.

  • 41

    O turismo de sade outro sector que tem um enorme potencial,

    particularmente tendo em conta o envelhecimento da populao europeia.

    Com a sua tranquilidade e clima, a regio do Alentejo est particularmente

    apta para este tipo de turismo, que poder ser muito mais explorado uma

    vez que a envolvncia do Montado oferece a qualidade paisagstica

    adequada.

    A procura do Montado para actividades tursticas e o reconhecimento da

    sua contribuio importante para a cultura e identidade portuguesas,

    resultou numa complexidade crescente de usos e utilizadores. A longo

    prazo, o desafio ser a procura de formas de integrao das novas funes

    nas funes tradicionais, e de assegurar que a viabilidade dos ecossistemas

    no afectada, mas sim que o sistema se torna mais resiliente atravs da

    multiplicidade de usos.

    5 . 9 . O u t r o s s e r v i o s d o e c o s s i s t e m a

    Os servios dos ecossistemas so os benefcios que a sociedade retira

    dos ecossistemas. Consideram-se normalmente vrias categorias: a) o

    fornecimento de bens, como alimentos, fibras e gua; b) os servios de

    regulao, por exemplo do clima, das cheias, das doenas e da qualidade da

    gua e do ar; c) os servios de suporte, como a formao do solo, os ciclos

    biogeoqumicos, ou a produo primria dos ecossistemas, os quais

    asseguram a estrutura necessria prestao dos restantes servios; e por

    ltimo d) os servios culturais, relacionados com experincias estticas,

    espirituais ou recreativas. Quando geridos de forma sustentada, e tal como

    se depreende do exposto no ponto 4., os Montados desempenham um

    importante papel na conservao da biodiversidade bem como na

    conservao dos servios indirectos do ecossistema. Entre estes podem

    nomear-se a preveno da eroso do solo, recuperao dos solos, a

    preveno de incndios florestais, o armazenamento de carbono a longo

    termo, ou a regulao do ciclo da gua e a proteco de bacias

    hidrogrficas. Por outro lado, os Montados asseguram ainda servios

    culturais, ligados ao usufruto que dele podem fazer vrios tipos de

    utilizadores, tal como exposto no ponto 3. A questo que se coloca

  • 42

    frequentemente a de como identificar e quantificar estes servios dos

    ecossistemas, de forma a fundamentar decises de gesto. A prestao de

    servios dos ecossistemas pode hoje em dia ser reconhecida atravs de um

    processo de certificao, de relevncia crescente para a gesto equilibrada

    do Montado, tal como se explica no ponto 6.3.

  • 43

    6. Sistemas de gesto

    sustentvel do Montado

    A sustentabilidade um conceito muito geral, que assenta em trs

    pilares: o biolgico, o econmico e o social. Sendo todos igualmente

    importantes e fundamentais, se algum for posto em causa o sistema deixa de

    ser sustentvel. A ttulo de exemplo, se o sistema no gerar emprego

    conduzir desertificao humana, e se no gerar rendimento suficiente

    para sustentar os que nele intervm, mais cedo ou mais tarde, ser

    abandonado.

    Presentemente, os Montados so entendidos como sistemas de produo

    multifuncionais, isto , sistemas que no processo de produo da madeira,

    da cortia ou dos frutos do origem a outros bens e servios, que a

    sociedade passou a apreciar (biodiversidade, sequestro de carbono, caa,

    proteco ambiental, e muitos outros). Para muitos destes bens e servios

    ainda no h mercado. Assim, o modo como a sociedade vier a tomar

    conscincia e a valorizar esses bens e servios, muitos deles verdadeiras

    externalidades, pode determinar a quantidade e qualidade produzidas e,

    consequentemente, a sustentabilidade dos ecossistemas.

    Embora sendo muitos os bens e servios gerados pelos Montados, na

    realidade, os agricultores continuam fundamentalmente dependentes do

    rendimento da produo de cortia e da produo animal. No caso do

    Montado de azinho o rendimento provm quase exclusivamente da

    produo animal.

    Apesar de nem toda a rea de Montado ter por finalidade a produo de

    cortia ou fruto, tem de se considerar que num plano de reflorestao uma

    parte, por vezes a mais significativa, tem fins fundamentalmente

    econmicos. Assim, convm analisar a rentabilidade dos sistemas de

    produo propostos para saber se so ou no aliciantes para o investimento

    privado. Por outro lado, as exigncias legislativas, no que concerne aos

    cuidados a prestar floresta e aos sistemas extensivos de produo animal,

  • 44

    devem depender no s da sua rentabilidade, mas tambm do que

    representa, em termos de rendimento empresarial, a parte proveniente de

    cada sector de actividade.

    6 . 1 . E s t a b i l i d a d e d o s i s t e m a

    O Montado um sistema de produo silvo-pastoril, por vezes ainda

    agro-silvo-pastoril, mas que tem nas rvores uma componente determinante

    para o seu equilbrio, uma vez que sem rvores no h Montado e que uma

    vez destrudas, a sua substituio pode ser difcil e s possvel a longo

    prazo. A componente agrcola e a componente animal, onde se inclui a

    gesto das pastagens naturais ou artificiais, tm que estar em equilbrio com

    a componente arbrea. A sustentabilidade do sistema Montado requer o

    conhecimento preciso da resilincia da componente florestal em todas as

    combinaes de solo, clima e topografia no sentido de ajustar a componente

    agro-pecuria ao longo das estaes do ano. O regime de regenerao deve

    ser adequado s taxas de mortalidade, de forma a permitir a manuteno do

    grau de coberto contnuo. Um grau de coberto contnuo, varivel de acordo

    com o potencial biofsico, fundamental para a maximizao dos efeitos

    ecolgicos, permitindo uma produo sustentada de protena, hidratos de

    carbono, ao mesmo tempo que potencia os servios de ecossistema, atravs

    da eficincia dos ciclos de gua, carbono e nutrientes e do funcionamento

    do ecossistema.

    Mesmo quando a regenerao natural abundante necessrio que seja

    considerada na gesto, atravs de mudanas peridicas do parque pecurio,

    e da definio de reas de pastagem e forragem, para que a instalao das

    novas plantas tenha sucesso. essencial a seleco, para cada Montado, de

    um modelo de silvicultura que garanta a sua sustentabilidade. O modelo de

    silvicultura deve considerar a estrutura pretendida (regular, irregular ou por

    andares), a percentagem de coberto desejada (tendo em conta os restantes

    objectivos, nomeadamente o gado ou a caa), assim como o mtodo de

    regenerao do povoamento (relacionado com a estrutura seleccionada). A

    seleco da estrutura pretendida deve ter em conta a presente estrutura do

    Montado. Devem estar previstas no modelo de silvicultura todas as

  • 45

    intervenes a realizar. O modelo de silvicultura deve ser revisto

    periodicamente e ajustado de acordo com a evoluo do povoamento. Por

    exemplo, o surgimento de mortalidade no esperada dever levar ao

    favorecimento da regenerao.

    Quanto componente pecuria, e para utilizar da forma mais eficiente

    os mltiplos recursos disponveis, espcies pecurias diferentes podem e

    devem coexistir, atravs da gesto adequada do pastoreio. Este pode ser

    pastoreio misto e contnuo ou intermitente, sobre um afolhamento

    apropriado (parcelas ou folhas) peridico, rodando os animais por vrias

    cercas ou folhas, tal como referido acima. Nestas circunstncias as diversas

    espcies pecurias circulam pelas folhas da explorao, dando a primazia

    aos grandes ruminantes, seguidos pelos pequenos ruminantes e por fim os

    monogstricos, mas efectuando, pelo menos, um pastoreio por cada estao

    do ano. Predomina a dualidade pequeno e grande ruminante, com os

    caprinos a restringir-se s zonas serranas, e no caso dos monogstricos, com

    os sunos a dominarem nas zonas onde a azinheira est presente e,

    consequentemente, com a montanheira (perodo de alimentao do porco

    baseado na bolota) fazendo parte do esquema alimentar, j que a bolota

    mais apetecvel que a lande (fruto do sobreiro). As raas autctones tm

    sempre vantagem relativamente a raas exticas, no s na

    especializao/seleco natural para o aproveitamento mais eficiente dos

    diversificados recursos alimentares, como tambm da incorporao das

    reservas do prprio animal nas pocas de suplementao.

    Apesar da sua importncia, tem-se assistido nas ltimas dcadas a uma

    degradao do Montado, e portanto a uma ameaa sua perpetuidade. Este

    facto deve-se particularmente baixa regenerao dos povoamentos,

    decorrentes da combinao de esquemas de mobilizao do solo

    combinados com a pastorcia, e a fenmenos cclicos de mortalidade.

    Assim, tm-se acentuado os sinais de sublotao por perda de rvores no

    substitudas, o que indica que se est a evoluir no sentido da perda de uma

    parte da referida reserva estratgica de recursos regionais (rvores, carbono,

    matria orgnica, solo, biodiversidade, etc.). Estudos recentes mostram que

    a perda de rvores est muito mais ligada ao impacto dos sistemas de

    controlo de vegetao dos estratos herbceo e arbustivo com mobilizao do

    solo, que afectam principalmente solos com limitaes de profundidade