Literatura Na Escola 9º Ano
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Literatura na escola - 9º ano: Contos de Julio Cortázar
Introdução
Esta é a décima terceira de uma série de 16 sequências didáticas que formam
um programa de leitura literária para o Ensino Fundamental II. Veja, ao lado, o
conteúdo completo.
Objetivos
Estimular o gosto pela leitura;
desenvolver a competência leitora;
desenvolver a sensibilidade estética, a imaginação, a criatividade e o senso
crítico;
estabelecer relações entre o lido/vivido ou conhecido (conhecimento de
mundo);
conhecer as características do gênero Conto;
conhecer as características da narrativa fantástica.
Conteúdos
O conto: características do gênero;
Paráfrase, hipótese, análise e interpretação;
Características da narrativa fantástica.
Tempo estimado
Seis aulas
Ano
9º ano
Material necessário
- Livro Todos os fogos o fogo. Julio Cortázar. Ed. Civilização Brasileira,
2009.
Desenvolvimento
1ª aula: Antecipação/Motivação/Sensibilização
Lance a pergunta à classe:
- Você já ouviu falar do escritor Julio Cortázar? Conhece alguma obra que ele
escreveu? Apresente o autor aos alunos.
Julio Cortázar
Filho de pai diplomata, Julio Cortázar nasceu por acaso em Bruxelas, no ano
de 1914. Com quatro anos de idade foi para a Argentina. Com a separação de
seus pais, o escritor foi criado pela mãe, uma tia e uma avó. Adquiriu o título
de professor normal em Letras e iniciou seus estudos na Faculdade de
Filosofia e Letras - tendo que abandoná-la em seguida, por problemas
financeiros. Para poder viver, deu aulas em diversos colégios do interior do
país. Por não concordar com a ditadura vigente na Argentina, mudou-se paraParis em 1951.
Autor de contos considerados como os mais perfeitos no gênero, podemos
citar entre suas obras mais reconhecidas "Bestiário" (1951), "Las armas
secretas" (1959), "Rayuela" (1963), "Todos los fuegos el fuego" (1966),
"Ultimo round" (1969), "Octaedro" (1974), "Pameos y Meopas" (1971),
"Queremos tanto a Glenda (1980) e "Salvo el crepúsculo" - póstumo (1984). O
escritor morreu em Paris, de leucemia, em 1984.
http://www.releituras.com/jcortazar_menu.asp
2ª aula: leitura compartilhada
Leia com os alunos o conto "A Autoestrada do Sul", de Julio Cortázar,
publicado no livro Todos os fogos o fogo, conversando, ao final da leitura,
sobre as possíveis dúvidas e a compreensão do enredo.
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3ª aula: o conto como gênero literário
Peça aos alunos que se reúnam em grupos de quatro e, com base no conto
lido na aula anterior (e em todos os outros do repertório de sua turma), tentem
chegar a uma definição de conto. Em seguida, discuta coletivamente as
hipóteses da turma. Tente chegar a uma definição coletiva.
Julio Cortázar, além de grande contista, teorizou sobre o gênero conto. No
livro Valise de cronópio (ed. Perspectiva, São Paulo, 2006.), Cortázar fala
sobre o gênero em dois momentos: "Alguns aspectos do conto" (p. 135 a 146)
e "Do conto breve e seus arredores" (p. 227 a 238).
É interessante que o professor leia tais ensaios para discutir o conto enquanto
gênero com seus alunos. A seguir, alguns apontamentos de Julio Cortázar:
("Alguns aspectos do conto")
Quase todos os contos que escrevi pertencem ao gênero chamado fantástico
por falta de nome melhor, e se opõem a esse falso realismo que consiste emcrer que todas as coisas podem ser descritas e explicadas... (p.148)
... o conto parte da noção de limite, e, em primeiro lugar, de limite físico, de tal
modo que, na França, quando um conto ultrapassa vinte páginas, toma já o
nome de nouvelle... (p. 151)
...o Romance e o conto se deixam comparar analogicamente com o cinema e
a fotografia, na medida em que um filme é em princípio uma "ordem aberta",
romanesca, enquanto que uma fotografia bem realizada pressupõe uma justalimitação prévia, imposta em parte pelo reduzido campo que a câmara
abrange e pela forma com que o fotógrafo utiliza esteticamente essa limitação.
...o fotógrafo ou o contista sentem necessidade de escolher e limitar uma
imagem ou um acontecimento que sejam significativos, que não só valham por
si mesmos, mas também sejam capazes de atuar no espectador ou no leitor
como uma espécie de abertura, de fermento que projete a inteligência e a
sensibilidade em direção a algo que vai muito além do argumento visual ou
literário contido na foto ou no conto. (p.. 151-152)
...o romance ganha sempre por pontos, enquanto que o conto deve ganhar
por knock-out. (p. 152)
Um conto é ruim quando é escrito sem essa tensão que se deve manifestar
desde as primeiras palavras ou desde as primeiras cenas. (p. 152)
Um conto é significativo quando quebra seus próprios limites com essa
explosão de energia espiritual que ilumina bruscamente algo que vai muito
além da pequena e às vezes miserável história que conta. (p. 153)
...a ideia de significação não pode ter sentido se não a relacionarmos com as
de intensidade e de tensão, que já não se referem apenas ao tema, mas ao
tratamento literário desse tema. (p. 153)
4ª, 5ª e 6ª aulas: análise de "A Autoestrada do Sul"Em aulas expositivas dialogadas, analise o primeiro conto de Todos os fogos
o fogo, obedecendo aos procedimentos de análise literária organizados
abaixo:
1) Paráfrase:
A paráfrase é a primeira parte da análise. Ela corresponde à questão "o que
fala o texto?". É um resumo do enredo, um "contar história com as suas
próprias palavras", por isso deve ser curta e objetiva, deve resumir-se apenas
ao essencial.
Exemplo: Em um domingo à tarde, motoristas que tentavam chegar a Paris
pela Autoestrada do Sul são surpreendidos por um grande engarrafamento.
Ninguém sabe a causa do incrível congestionamento que dura horas, dias,
meses. Durante esse período, os motoristas dos veículos são obrigados a se
organizar como um grupo para conseguir comida, água, agasalhos, cuidar dos
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doentes e até mesmo decidir o que fazer com os mortos. Ao final, o
engarrafamento se desfaz como se fez: sem maiores explicações.
2) Questão norteadora e hipótese interpretativa:
Quando vamos analisar um texto de ficção, temos como objetivo construir
uma interpretação dele ao final da análise. Acontece que, se por um lado a
interpretação é uma consequência do que foi investigado na análise, por outro
é a própria interpretação que norteia a análise toda. Como assim?
Ao analisarmos um conto, estamos buscando elementos para atingir o seu
sentido mais profundo ou, em outras palavras, para interpretá-lo. Ao mesmo
tempo, desde o início temos em mente uma ideia do que o conto significa,
uma hipótese interpretativa ou um elemento que nos deixou intrigados - algo
que parece que a história não responde por si mesma. Por exemplo, sabemos
que não encontraremos o motivo que levou ao incrível congestionamento, mas
por que o engenheiro do Peugeot 404 fica nostálgico da vida engarrafada
quando finalmente o trânsito se põe a andar?
Em uma obra literária de qualidade, há sempre algo a ser respondido pelo
leitor. A interpretação se constrói por um trabalho de leitura do qual participam
ativamente tanto o escritor quanto aquele que o lê. O autor deixa pontos
obscuros, "fios soltos", e cabe ao leitor "desatar os nós", ou seja, formular as
perguntas e criar as respostas. Para responder a essas questões menos
evidentes na leitura do conto, chamadas aqui de "questões norteadoras",
precisamos criar as nossas hipóteses de leitura, nossas hipóteses
interpretativas.
Exemplo de questão norteadora: Por que o engenheiro do Peugeot 404,
quando finalmente se livra do congestionamento, sente falta da vida na
Autoestrada do Sul?
Exemplo de hipótese interpretativa: Talvez isso se explique pelo fato de ele
ter se apaixonado, namorado e engravidado a moça do Dauphine.
3) Análise:
Analisar é "desmontar" o texto, é verificar quais são as partes que o compõe e
como elas se articulam. Cada obra literária tem inúmeros elementos que,
articulados, a constituem. A ideia não é investigar todos - nem seria possível -
mas apenas alguns. Quais? A análise deve construir argumentos que
sustentem a interpretação. É ela que vai conduzir o leitor através do seu
raciocínio.
Não podemos esquecer que, em arte, forma é conteúdo. Por isso, é preciso
ressaltar a contribuição que alguns aspectos formais possam vir a ter na
economia do conto. O que são aspectos formais? São elementos que se
referem menos diretamente a o que está sendo dito e mais ao como está
sendo dito, ao tratamento literário do tema. O tipo de narrador, a
caracterização de algum personagem, o tempo, o espaço e o tipo de discurso
são alguns dos elementos formais que podem ser fundamentais para
desvendar mistérios. Se você observar bem o conto escolhido, não será difícil
perceber algo que, em sua forma, lhe chame a atenção. Por exemplo, o fatode o narrador, apesar de ser em terceira pessoa, saber do engarrafamento
tanto quanto os personagens: apenas um sem número de boatos sobre suas
causas.
Existem inúmeros elementos passíveis de análise em uma boa obra literária.
Se conseguirmos ter uma boa questão (que se refere mais ao conteúdo) e
ainda um olhar atento no que se refere à forma, então já será possível traçar
um caminho seguro pelo qual nossa análise pode seguir. Retomemos isso
depois.
Exemplo resumido de análise: O conto se inicia já em situação: todos estão
parados em um grande congestionamento na Autoestrada do Sul. Aos,
poucos, vamos conhecendo os personagens envolvidos: a "moça do
Dauphine", o "engenheiro do Peugeot 404"... Nenhum personagem é
chamado por seu nome. Temos deles apenas as primeiras impressões que se
pode ter em um congestionamento: "duas freiras do 2HP", um homem pálido
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que dirige um Caravelle etc.
As causas do engarrafamento não são reveladas: o narrador, mesmo em
terceira pessoa, tem dos acontecimentos uma visão tão parcial quanto a de
qualquer um dos personagens envolvidos. É como se o olhar fosse de um
personagem qualquer, constituindo uma narrativa em terceira pessoa com
"cara" de primeira.
Para o professor
Veja o que diz Cortázar sobre seu uso peculiar da 3ª pessoa narrativa no
ensaio "Do conto breve e seus arredores":
...quando escrevo um conto busco instintivamente que ele seja de algum
modo alheio a mim enquanto demiurgo, que se ponha a viver com uma vida
independente, e que o leitor tenha ou possa ter a sensação de que de certo
modo está lendo algo que nasceu por si mesmo... Talvez por isso, nas minhasnarrativas em terceira pessoa, procurei quase sempre não sair de uma
narração stricto sensu, sem essas tomadas de distância que equivalem a um
juízo sobre o que está acontecendo. Parece-me uma vaidade querer intervir
num conto com algo mais que o conto em si. (pp. 229-230)
O tempo do congestionamento, inicialmente contado pela moça do Dauphine
em minutos e horas, passa a ser contado em dias pelo narrador e
personagens. Depois, as únicas referências tornam-se o calor, o frio e umas
árvores à direita que nunca ficam para trás.
Aos poucos, os motoristas são obrigados a travar contato para trocar água,
comida, cobertores, cuidar dos doentes e entreter as crianças. O tempo se
põe a passar de forma quase estática: todos permanecem parados,
preocupados muito mais com a subsistência do que com as causas do incrível
acontecimento. Por conta disso, os grupos de engarrafados se organizam em
uma espécie de comunidade, repartindo os alimentos e cuidando dos doentes.
Ainda assim, continuam a ser chamados pelo nome de seus veículos.
A vida vai entrando em outra lógica, aceita tacitamente pelo narrador e por
todos os personagens. É como se fosse dado que, de agora em diante, suas
vidas fossem se dar ali, na Autoestrada do Sul. Com naturalidade, acatam o
suicídio do homem pálido do Caravelle, o tráfico de mantimentos realizado por
um Ford Mercury e um Porsche, o romance entre o engenheiro do Peugeot
404 e a moça do Dauphine, a gravidez da moça, a morte da velha do ID, a
sucessão do calor pelo frio e novamente pelo calor.
Sem explicação, depois de um tempo indefinido, a trânsito volta a andar e o
grupo se desfaz. O engenheiro fica atordoado com a nova ordem que se
impõe.
5) Interpretação:
A interpretação corresponde à questão "do que fala o texto?". Ela busca o
sentido profundo da obra literária. Quando analisamos, queremos saber o queestá dito através dos silêncios, nas entrelinhas; o que se origina da relação
íntima entre forma e conteúdo. Se na análise desmontamos o texto em partes,
na interpretação temos de reorganizá-lo como um todo, um todo de sentido
capaz de reunir forma e conteúdo. Por isso, é essa a hora de dar resposta às
questões pendentes.
Exemplo resumido de interpretação:
Temos duas questões a responder, separadas, sempre artificialmente, entre
uma questão sobre o conteúdo da narrativa (Por que o engenheiro do Peugeot
404, quando finalmente se livra do congestionamento, sente falta da vida na
Autoestrada do Sul?) e uma questão de forma literária (Por que o narrador,
apesar de ser em terceira pessoa, mantém dos acontecimentos uma visão tão
parcial quanto seus personagens?).
O engenheiro do Peugeot 404 parece realmente ter se apegado a suas novas
circunstâncias de vida na Autoestrada do Sul:
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Nada mais se podia fazer a não ser entregar-se à marcha, adaptar-se
mecanicamente à velocidade dos automóveis em redor, não pensar. (...)
Absurdamente, aferrou-se à ideia de que às nove e meia seriam distribuídos
os alimentos, teria que visitar os doentes, examinar a situação com o Taunus
e o camponês do Ariane; depois viria a noite, seria Dauphine subindo
sigilosamente em seu automóvel, as estrelas ou as nuvens, a vida. Sim, não
era possível que isso tivesse acabado para sempre. (...) ...se corria a oitenta
quilômetros por hora em direção às luzes que cresciam pouco a pouco, sem
que já se soubesse bem para que tanta pressa, por que essa correria na noite
entre automóveis desconhecidos onde ninguém sabia nada sobre os outros,
onde todos olhavam fixamente para a frente, exclusivamente para a frente.
O regresso ao movimento na estrada não significava para ele apenas o
retorno ao lar. Marchando em alta velocidade e olhando exclusivamente para
frente, os personagens do conto regressam a uma ordem na qual,
diferentemente da vida na Autoestrada, já não se olha para quem está aolado, não se sabe nada das pessoas, e todos correm alucinadamente atrás de
algo que não se sabe o que é. Uma ordem tão absurda ou mais do que a
precária comunidade sem tempo e sem pressa que se estabelecera na
Autoestrada do Sul.
Para o professor
Veja o que diz Cortázar sobre a narrativa fantástica no ensaio "Do sentimento
do fantástico" (in: Valise de cronópio. São Paulo, Perspectiva, 2006.):
...A extrema familiaridade com o fantástico vai ainda mais longe; de algum
modo já recebemos isso que ainda não chegou, a porta deixa entrar um
visitante que virá depois de amanhã ou veio ontem. A ordem será sempre
aberta, não tenderá jamais a uma conclusão porque nada conclui nem nada
começa num sistema do qual somente se possuem coordenadas imediatas.
(pp. 177-178)
...o verdadeiramente fantástico não reside tanto nas estreitas circunstâncias
narradas. Mas na sua ressonância de pulsação, de palpitar surpreendente de
um coração alheio ao nosso, de uma ordem que nos pode usar a qualquer
momento para um de seus mosaicos, arrancando-nos da rotina... (p. 179)
Vimos na análise do conto que não cabe indagar pelas razões do incrível
congestionamento. O ponto de vista narrativo, estritamente vinculado ao olhar
dos personagens, reverbera ignorância à maneira kafkiana: nem o engenheiro
do Peugeot 404, nem o narrador, nem muito menos o leitor conhecem ou
conhecerão as causas do fantástico acontecimento. Dessa forma, Julio
Cortázar lança o leitor no terreno da narrativa fantástica, onde subitamente e
sem maiores explicações uma ordem de funcionamento das coisas é
substituída por outra, aceita tacitamente como a ordem do real. Cortázar nos
lembra que a ordem "natural" do funcionamento da vida e da sociedade é
apenas uma ordem entre outras e, sendo assim, muitas outras ordens seriam
possíveis.
A narrativa fantástica aponta para o horizonte da utopia: o mundo, tal como
existe, é mais produto de uma circunstância do que de uma fatalidade; o que
nos lembra sempre de que outros mundos, quiçá melhores e mais justos,
podem vir a substituir esse que conhecemos.
Avaliação
Peça aos alunos que respondam por escrito a duas questões sobre "A
Autoestrada do Sul":
1) Observe que nunca sabemos os nomes dos personagens do conto: todos
são chamados essencialmente pelo nome de seus veículos. Arrisque uma
hipótese interpretativa que explique tal escolha formal.
2) Compare o tempo da vida nas grandes cidades com o tempo
experimentado pelos habitantes da Autoestrada do Sul durante o
congestionamento Para tanto, releia os fragmentos a seguir:
a) Mas o frio começou a ceder, e depois de um período de chuvas e ventos
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que exasperaram os ânimos e aumentaram as dificuldades de abastecimento,
seguiram-se dias frescos e ensolarados em que já era possível sair dos
automóveis, fazer visitas, reatar relações com os grupos vizinhos.
b) Os automóveis corriam em terceira, adiantando-se ou perdendo terreno de
acordo com o ritmo de sua fila, e do lado da Autoestrada viam-se as árvores
fugindo, algumas casas entre a massa de névoa e o anoitecer. (...) De quando
em quando soavam buzinas, os ponteiros dos velocímetros subiam cada vez
mais, algumas filas avançavam a setenta quilômetros, outras a sessenta e
cinco, algumas a sessenta. O 404 havia esperado ainda que o avanço e o
recuo das filas lhe permitissem chegar novamente até o Dauphine, mas cada
minuto o persuadia de que era inútil, de que o grupo se dissolvera
irrevogavelmente...
Literatura na escola - 9º ano: Poemas de Baudelaire
Introdução
Esta é a décima quarta de uma série de 16 sequências didáticas que formam
um programa de leitura literária para o Ensino Fundamental II. Veja, ao lado, o
conteúdo completo.
Objetivos
Estimular o gosto pela leitura;
desenvolver a competência leitora;
desenvolver a sensibilidade estética, a imaginação, a criatividade e o senso
crítico;
estabelecer relações entre o lido/vivido ou conhecido (conhecimento de
mundo);
reconhecer a diferença entre sentido literal e figurado;
aprofundar-se na particularidade da palavra poética;
conhecer algumas características da poética de Baudelaire.
Conteúdos
Eu lírico ou Eu poético;
Modernidade;
Sentido literal e figurado;
Paráfrase, hipótese, análise e interpretação.
Tempo estimado
Seis aulas
Ano
9º ano
Material necessário
Livro As Flores do Mal, Charles Baudelaire. 660 págs, Editora Nova
Fronteira, tel (21) 2131 1183, preço 72 reais
Desenvolvimento
1ª etapa - apresentação: Baudelaire, o poeta do mundo moderno
Em aula expositiva dialogada, apresente aos alunos um pouco da biografia de
Charles Baudelaire
Charles Baudelaire
Paris, França 1821- 1867
Órfão de pai aos seis anos, Charles-Pierre Baudelaire viria a odiar o segundo
marido da mãe, o general Jacques Aupick. Após anos de desavenças com o
padrasto, Baudelaire interrompeu os estudos em Lyon, na França, para fazer
uma viagem à Índia. Na volta, participou da Revolução de 1848.
Após esse período conturbado, passou a frequentar a elite aristocrática.
Envolveu-se com a atriz Marie Daubrun, a cortesã Apollonie Sabatier e a
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também atriz Jeanne Duval, uma mestiça por quem se apaixonou e a quem
dedicou o ciclo de poemas "Vênus Negra".
Em 1847, lançou "La Fanfarlo", seu único romance (trata-se, mais
propriamente, de uma novela autobiográfica). Dez anos depois, quando se
publicaram "As Flores do Mal" ("Les Fleurs du Mal"), todos os envolvidos com
o livro foram processados por obscenidade e blasfêmia. Além de pagarem
multa, viram-se obrigados a retirar seis poemas do volume original - só
publicado na integra em edições póstumas.
Tanto "As Flores do Mal" como "Pequenos Poemas em Prosa" (póstumos,
1869) introduziram elementos novos na linguagem poética, fundindo opostos
existenciais como o sublime e o grotesco.
Entre seus ensaios, destaca-se "O Princípio Poético" (1876), em que fixa as
bases de seu trabalho. Nos diários (também publicados postumamente),
revela-se profético e radical contestador da civilização moderna.
De 1852 a 1865, Baudelaire traduziu os textos do poeta e contista norte-
americano Edgar Allan Poe por quem se entusiasmara já no final da década
de 1840.
Outro Baudelaire, o sifilítico e usuário de drogas, surge em "Os Paraísos
Artificiais, Ópio e Haxixe" (1860), uma especulação sobre plantas
alucinógenas, parcialmente inspirada pelas "Confissões de um Comedor de
Ópio" (1821), do escritor inglês Thomas de Quincey. Há também obras de
cunho intimista e confessional, como "Meu Coração Desnudo".
Dissipou seus bens na boemia e na jogatina parisienses. Mergulhado emdívidas, teve de resignar-se a medidas judiciárias tomadas pelos familiares, e
um tutor foi nomeado para controlar-lhe os gastos.
Seus últimos anos foram obscurecidos por doenças de origem nervosa. Após
uma vida repleta de tribulações, Baudelaire morreu com apenas 46 anos, nos
braços da mãe. Seu talento e seu intelecto só seriam totalmente reconhecidos
depois. No século 20, tornou-se um ícone, influenciando direta e indiretamente
toda a moderna poesia ocidental.
http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u312.jhtm
2ª etapa - Leitura compartilhada do poema "O albatroz"
Leia com os alunos o poema "O albatroz" e garanta a compreensão dovocabulário.
O Albatroz
Às vezes, por prazer, os homens de equipagem
Pegam um albatroz, enorme ave marinha,
Que segue, companheiro indolente de viagem,
O navio que sobre os abismos caminha.
Mal o põem no convés por sobre as pranchas rasas,
Esse senhor do azul, sem jeito e envergonhado,
Deixa doridamente as grandes e alvas asas
Como remos cair e arrastar-se a seu lado.
Que sem graça é o viajor alado sem seu nimbo!
Ave tão bela, como está cômica e feia!
Um o irrita chegando ao seu bico em cachimbo,
Outro põe-se a imitar o enfermo que coxeia!
O poeta é semelhante ao príncipe da altura
Que busca a tempestade e ri da flecha no ar;
Exilado no chão, em meio à corja impura,
As asas de gigante impedem-no de andar.
http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u312.jhtmhttp://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u312.jhtmhttp://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u312.jhtm
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Em seguida, peça aos alunos que formulem por escrito, em grupos de quatro,
uma paráfrase e uma hipótese interpretativa sobre o poema. Para isso,
entregue aos grupos as seguintes questões:
1) O que fala cada um dos poemas? Faça uma "paráfrase" de cada poema, ou
seja, explicite seu conteúdo no nível mais literal possível.
2) Do que falam os poemas? Arrisque uma hipótese interpretativa do sentido
figurado do poema.
Depois que os grupos terminarem, socialize os resultados.
Paráfrase
A paráfrase é a primeira parte da análise. A ela corresponde à resposta da
questão "o que fala o poema?". É uma espécie de explicitação do sentidoliteral do texto, por mais evidente ou estranho que isso possa parecer.
Exemplo: O poema fala sobre um albatroz capturado por marinheiros de um
navio. Impedida de voar, a ave, imponente nos céus, reduz-se a uma figura
desengonçada, cômica e feia, arrastando pelo chão suas enormes asas. O Eu
lírico compara o albatroz ao poeta, que se sobressai no terreno do elevado,
mas move-se mal ao rés-do-chão.
Hipótese interpretativa
Existe uma espécie de paradoxo entre análise e interpretação. Se por um lado
a interpretação é uma consequência do que foi investigado na análise, por
outro é a própria interpretação que norteia a análise toda.
Quando começamos a analisar um poema, estamos buscando elementos para
atingir o seu sentido mais profundo. Ao mesmo tempo, desde o início temos
em mente uma possibilidade de leitura, uma hipótese interpretativa. O que
vamos fazer aqui é torná-la consciente.
Exemplo: A comparação entre o poeta e o albatroz refere-se aos temas da
poesia. O poeta seria capaz de produzir versos belos quando figura temas
elevados, como o amor, a vida ou a natureza. No entanto, posto ao nível da
vida cotidiana, ele seria incapaz de fazer bons versos.
Como pode-se notar, há uma distância entre o sentido literal e o figurado
desse poema. Para verificar se nossa hipótese tem fundamento, é preciso
partir para a análise.
3ª etapa - análise "O albatroz"
Mostre à classe como a compreensão do sentido literal do poema se distancia
da compreensão do sentido figurado. Em seguida, tente tornar claro para a
turma as operações mentais que fazemos para passar de um nível ao outro.Esse é o momento da análise.
Oralmente, pergunte:
a) Em que aspectos poeta e albatroz podem ser comparados?
b) Para o poeta, o que seria buscar as alturas?
c) Por que, uma vez no chão, ele estaria "exilado"
Análise
Analisar é "desmontar" o poema, é verificar de que forma as palavras deixam
a sua acepção corrente e ganham a dimensão de imagem. É investigar a
organização do discurso poético: quais são as partes que o compõem e como
elas se articulam. Cada poema tem inúmeros elementos que, articulados,
geram diferentes significações. A ideia não é investigar todos esses elementos
de forma mecânica, mas somente aqueles que sirvam para verificar a sua
hipótese interpretativa.
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A análise constrói argumentos que sustentam a interpretação. É ela que vai
conduzir o leitor através do seu raciocínio. É como se, lendo a sua hipótese
interpretativa, o leitor dissesse "não entendi" ou "não concordo". Sua análise é
o caminho para convencê-lo.
Se durante o processo de análise perceber que sua hipótese não é central
para a compreensão do "sentido profundo" do poema, demonstre, sempre de
forma argumentativa, a não centralidade da sua tese anterior (hipótese
interpretativa) e formule sua nova hipótese. Com ela formulada, continue a
convencer o leitor dos novos rumos da sua análise. Não há problema nenhum
em trocar de hipótese. Ao contrário, muitas vezes isso é indício de uma leitura
rigorosa.
Não podemos esquecer também que, em arte, forma é conteúdo. Por isso, é
preciso ressaltar a contribuição que alguns aspectos formais possam vir a ter
na economia do poema. "Aspectos formais" são elementos que se referemmenos diretamente ao que foi escrito e mais ao como foi escrito: as rimas, a
divisão em versos, repetições de palavras, refrões, aliterações, assonâncias,
as diferentes figuras de linguagem etc. O que, na forma do poema "o
albatroz", chama mais atenção?
Exemplo resumido: O poema "O albatroz" possui uma estrutura simples: todo
ele se organiza em torno da comparação entre a ave e o poeta. A primeira
estrofe narra o passatempo dos marinheiros de capturar um albatroz para
seguir viagem no navio. A segunda, descreve o quanto a ave é desajeitada
quando em solo firme. Na terceira estrofe o Eu lírico se dirige ao albatroz e
manifesta seu espanto diante da feiúra do bicho quando este anda ao invés de
voar.
Na última estrofe o Eu lírico, ao comparar o "príncipe da altura" ao poeta, abre
para o sentido figurado a leitura das três estrofes anteriores: o poeta, ao rés-
do-chão, é cômico e feio, e aquilo que o eleva aos céus o impede de andar
"em meio à corja impura".
Para compreender "O albatroz" e alguns elementos essenciais da poética de
Baudelaire, é preciso conhecer sua importância para a poesia moderna e seu
lugar na história da literatura ocidental. Por isso, a análise agora dará lugar ao
comentário.
4ª etapa - O comentário
Em alguns poemas, a análise solicita informações externas à obra para
elucidar seu sentido mais profundo. "A partir de agora, [o poema] será
concebido não como um todo autônomo, mas parcela de um todo maior.
Assim como as partes do poema são elementos de um conjunto próprio, o
poema por sua vez é parte de um conjunto formado pelas circunstâncias de
sua composição, o momento histórico, a vida do autor, o gênero literário, as
tendências estéticas de seu tempo, etc. Só encarando-o assim teremos
elementos para avaliar o significado da maneira mais completa possível (queé sempre incompleta, apesar de tudo)", diz Antonio Candido no livroNa sala
de aula: caderno de análise literária.
E, em aula expositiva, explique à turma um pouco sobre a importância de
Baudelaire para a poesia moderna.
Comentário
Exemplo resumido: Charles Baudelaire é considerado o precursor da poesia
moderna. Ele percebeu como ninguém a mudança de sensibilidade inerente à
vida agitada das grandes cidades da era industrial. No mundo moderno, não
há mais lugar para a comoção lírica e o poeta precisa se adaptar aos novos
tempos. Para Baudelaire, o poeta moderno deve abandonar o belo sublimado
da poesia romântica e descer ao rés-do-chão para falar com um leitor cuja
sensibilidade está habituada a vivências de choque. Os leitores dessa nova
realidade têm os sentidos hiperexcitados pelo mundo das mercadorias e estão
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pouco afeitos a efusões líricas. Têm a sensibilidade embotada e a imaginação
reduzida. Por isso, mundo moderno exige uma nova poesia, que encontre
beleza no feio, na lama, na miséria. Baudelaire reivindicou a todos os
aspectos da realidade, inclusive os mais horrendos e grotescos, o direito de
serem figurados na linguagem poética.
5ª etapa - a interpretação
Organize a turma em grupos de quatro e peça que respondam novamente às
questões da terceira aula, mudando o que acharem necessário. Acrescente a
seguinte questão:
Há uma crítica ao poeta figurado no poema? Qual seria ela?
Interpretação
Interpretar significa escolher uma leitura entre outras possíveis. A
interpretação corresponde à resposta da questão "do que fala o poema". Ela éa exposição de seu sentido profundo. É ele que estamos buscando desde o
início. É também agora que vamos refazer de forma sintética o caminho da
primeira hipótese, a "hipótese interpretativa", até a formulação final que
fizemos durante o processo de análise e concluir o trabalho.
Exemplo resumido: Dissemos na hipótese interpretativa que a comparação
entre o poeta e o albatroz referia-se aos temas da poesia. Após a análise ter
lançado mão do comentário, podemos ampliar nossa primeira hipótese:
Ao comparar o poeta ao albatroz, Baudelaire clama uma adaptação dos
poetas a realidade do mundo moderno. É preciso que o poeta abandone os
vôos altos da sublimação romântica e aprenda a andar com os pés no chão,
escolhendo como tema de poesia tudo o que a vida oferecer, incluindo o que
choca por ser feio, fétido, desagradável ou grotesco.
6ª etapa - tudo é matéria para a poesia
Leia com a turma os poemas transcritos abaixo para mostrar como Baudelaire
usou todo tipo de tema como matéria para seus versos.
A mendiga ruiva
Ruiva e branca a aparecer,
Cuja roupa deixar ver
Por seus rasgões a pobrezaComo a beleza,
A mim, poeta sofredor,
Teu corpo de um mal sem cura
Todo manchas de rubor,
Só tem doçura.
E calças (muito mais bela
Que a Rainha da Novela
Com os seus coturnos brancos)
Os teus tamancos.Em vez de molambos, mal
Não te iria a roupa real,
Chegando as ondulações
Até os talões;
Em vez de meia de crivos,
Para os olhos dos lascivos
Um punhal na perna linda
Brilhasse ainda;
E laços mal apertados
Mostrem aos nossos pecados
Os teus seios a brilhar
Como um olhar;
Para seres desnudada
Tu te faças de rogada.
Possam expulsar teus braços
Dedos devassos;
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Pérolas formosas, ou
Poemas do mestre Belleau
Que os galantes na prisão
Sempre te dão,
A chusma dos rimadores
Dedicando-te primores,
Contemplando-te o escarpim
No varandim,
Muito pagem a sonhar
E muito senhor Ronsard
Olhariam com sigilo
Teu fresco asilo!
No leito dos teus delírios
Terás mais beijos que lírios
Tua lei dominará
Mais de um Valois!
- Porém segue a tua lida,Só por sobras de comida
Jogadas por distanciadas
Encruzilhadas;
E só quer teu sonho louco
Joias que valem bem pouco
Que eu nem posso, ó Deus clemente,
Dar de presente.
Nada te orna neste instante,
Perfume, rubim, diamante,Só tua nua magreza!
Minha beleza!
A uma passante
A rua em torno era um frenético alarido.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão suntuosa
Erguendo e sacudindo a barra do vestido.
Pernas de estátua, era-lhe a imagem nobre e fina.
Qual bizarro basbaque, afoito eu lhe bebia
No olhar, céu lívido onde aflora a ventania,
A doçura que envolve e o prazer que assassina.
Que luz... e a noite após! - Efêmera beldade
Cujos olhos me fazem nascer outra vez,
Não mais hei de te ver senão na eternidade?
Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!
Pois de ti já me fui, de mim tu já fugiste,
Tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste!
Uma carniça
Lembra-te, meu amor, do objeto que encontramos
Numa bela manhã radiante:
Na curva de um atalho, entre calhaus e ramos,
Uma carniça repugnante.
As pernas para cima, qual mulher lasciva,
A transpirar miasmas e humores,
Eis que as abria desleixada e repulsiva,
O ventre prenhe de livores.
Ardia o sol naquela pútrida torpeza,
Como a cozê-la em rubra pira
E para ao cêntuplo volver à Natureza
Tudo o que ali ela reunira.
E o céu olhava do alto a esplêndida carcaça
Como uma flor a se entreabrir.
O fedor era tal que sobre a relva escassa
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Chegaste quase a sucumbir.
Zumbiam moscas sobre o ventre e, em alvoroço,
Dali saíam negros bandos
De larvas, a escorrer como um líquido grosso
Por entre esses trapos nefandos.
E tudo isso ia e vinha, ao modo de uma vaga,
Ou esguichava a borbulhar,
Como se o corpo, a estremecer de forma vaga,
Vivesse a se multiplicar.
E esse mundo emitia uma bulha esquisita,
Como vento ou água corrente,
Ou grãos que em rítmica cadência alguém agita
E à joeira deita novamente.
As formas fluíam como um sonho além da vista,
Um frouxo esboço em agonia,
Sobre a tela esquecida, e que conclui o artista
Apenas de memória um dia.Por trás das rochas, irrequieta, uma cadela
Em nós fixava o olho zangado,
Aguardando o momento de reaver àquela
Náusea carniça o seu bocado.
- Pois hás de ser como essa infâmia apodrecida,
Essa medonha corrupção,
Estrela de meus olhos, sol de minha vida,
Tu, meu anjo e minha paixão!
Sim! tal serás um dia, ó deusa da beleza, Após a benção derradeira,
Quando, sob a erva e as florações da natureza,
Tornares afinal à poeira.
Então, querida, dize à carne que se arruína,
Ao verme que te beija o rosto,
Que eu preservei a forma e a substância divina
De meu amor já decomposto!
Avaliação
Divida a classe em grupos de quatro e peça que cada grupo escolha um
poema de As Flores do Mal. Diante do poema escolhido, os grupos devem
responder por escrito às seguintes questões:
1) O que fala cada um dos poemas? Faça uma "paráfrase" de cada poema, ou
seja, explicite seu conteúdo no nível mais literal possível.
2) Do que falam os poemas? Arrisque uma hipótese interpretativa do sentido
figurado do poema.
3) Como cada poema fala? Descreva como as palavras se organizam em
cada um dos poemas para produzir os sentidos que você intuiu na questão 2.
Se for possível, analise posteriormente em classe os poemas trabalhados
pelos grupos.
Literatura na escola - 9º ano: Narrativa de Dyonelio Machado
Introdução
Esta é a décima quinta de uma série de 16 sequências didáticas que formam
um programa de leitura literária para o Ensino Fundamental II. Veja, ao lado, o
conteúdo completo.
Objetivos
Estimular o gosto pela leitura;desenvolver a competência leitora;
desenvolver a sensibilidade estética, a imaginação, a criatividade e o senso
crítico;
estabelecer relações entre o lido/vivido ou conhecido (conhecimento de
mundo);
reconhecer e analisar os elementos da narrativa (narrador e seu ponto de
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vista, tempo);
reconhecer e interpretar o discurso indireto livre.
Conteúdos
Elementos da narrativa: narrador, tempo
discurso indireto livre
Tempo estimado
Nove aulas
Ano
9º ano
Material necessário
- Livro Os Ratos. Dyonelio Machado. São Paulo: Planeta, 2004.
Desenvolvimento
1ª etapa: Antecipação/Motivação/Sensibilização
Lance a pergunta à classe:
Você já ouviu falar do escritor Dyonelio Machado? Conhece alguma obra que
ele publicou? Apresenta a biografia do autor.
Dyonelio Machado
Dyonelio Machado nasceu em Quarai, RS, em 21 de agosto de 1895. Além deescritor, Dyonelio foi médico psiquiatra. Aos 12 anos, já trabalhava no
semanário O Quaraí, no qual teve seus primeiros contatos com a imprensa.
Em 1929 formou-se médico e ingressou na psicanálise, constituindo-se num
dos responsáveis pela sua divulgação no Rio Grande do Sul. Em 1934
traduziu a obra Elementos de Psicanálise, de Eduardo Weiss, livro
fundamental na área. O interesse pela literatura surge por esta época, tendo
seu primeiro livro de contos - Um pobre homem - publicado em 1927. Sua
obra não é vasta, porém é bastante significativa: Os ratos, publicado em 1935,
recebeu o prêmio Machado de Assis, depois veio O louco do Catí (1942),
ambos considerados clássicos da literatura brasileira.
Faleceu em 19 de junho de 1985.
http://www.tirodeletra.com.br/biografia/DyonelioMachado.htm
Explique aos alunos que os dados biográficos interessam-nos só para
conhecer um pouco da vida do autor, quantas obras escreveu, quais prêmios
ganhou, a qual partido político pertencia. Deixe claro que uma análise literária
que leva apenas em consideração a vida do autor tende ao equívoco, já que o
escritor é decisivo só no momento da escritura. Depois de a obra estar pronta,
ela fala por si só. O autor apenas cria, imagina a história, as personagens, o
cenário e cria alguém responsável pelo ato de narrar: o narrador. Sendo
assim, como afirma o contista Dalton Trevisan (Record, 1979), "nada tem a
dizer fora dos livros. Só a obra interessa, o autor não vale o personagem. Oconto é sempre melhor que o contista."
Peça que os alunos respondam oralmente:
A partir do título "Os Ratos", o que você espera da história?
2º, 3º e 4º etapas:
Leitura compartilhada dos capítulos 1 e 2, seguida de troca de impressões
gerais.
Pergunte à classe:
a- Qual é o drama vivido por Naziazeno e sua família?
b- Após o episódio do leiteiro, Naziazeno toma o bonde e segue em direção à
repartição pública, da qual era funcionário. No caminho, trava conversa com
um viajante, sentado ao seu lado. Veja:
http://www.tirodeletra.com.br/biografia/DyonelioMachado.htmhttp://www.tirodeletra.com.br/biografia/DyonelioMachado.htmhttp://www.tirodeletra.com.br/biografia/DyonelioMachado.htm
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" - Que horas serão?
—Sete horas passadas.
—Vou com atraso.
—A que horas você entra?
—Faltando um quarto pras oito."
No bonde, perguntam ao viajante, companheiro de viagem de Naziazeno, o
que ele levava consigo.
O moço responde: " Leite. É o meu almoço".
Naziazeno acha estranho e pensa:" —Como é que um homem pode se
contentar apenas com um vidro de leite ao meio dia?"
- O que a fala do moço gera no íntimo de Naziazeno?
c- Ainda no bonde, Naziazeno escuta os viajantes conversando sobre os
cavalos de corrida. A partir disso, Naziazeno parece sair do momento vivido e,
via memória, é transportado para outro momento. Que momento é esse?
d- O narrador em 3ª pessoa parece conhecer Naziazeno a ponto de
mencionar, logo após o episódio dos cavalos:" Essa história agora lhe causou
um mal-estar". Que mal-estar é esse?
Leia o fragmento a seguir, que servirá de discussão para as questões e, f e g
"Já pôs o pé na calçada do mercado. O "café do Duque" fica na outra esquina.
Toda essa calçada é uma sombra fresca e alegre, cheia de passos, de
vozes.[...] Não enxerga o duque nos lugares habituais...E, entretanto, é a "
hora dele". Vai ficar por ali, pelas portas, alguns minutos.Ele não poderátardar. Nunca deixa de ir a esse café. Só por doença. Naziazeno bem que
sentaria. Quem sabe?...talvez haja um conhecido nalguma mesa...Olha!...lá
no fundo!...o Carvalho ...Mas desvia vivamente a cara, faz que não vê o
Carvalho."
e- O fragmento acima é narrado em qual pessoa? Que efeito de sentido a
escolha desse ponto de vista gera na narrativa?
Professor, insista com o aluno que as formas verbais "pôr" e " enxergar"
indicam ao leitor que se trata de uma 3ª pessoa. Veja: Quem pôs o pé= ele;
Quem não enxerga o duque nos lugares= ele. Sendo assim, quem nos conta a
história é um narrador de fora dela, não um narrador personagem.
Feito isso, lance a seguinte pergunta:
f- No trecho acima, apesar de ser contado por um narrador fora da história,
em 3ª pessoa, é possível conhecer os pensamentos e sentimentos do
personagem principal, Naziazeno?
É o momento de explicar/ retomar com o aluno o discurso indireto livre. Diga a
ele que quando lemos uma narrativa, há um narrador, que é quem conta o
fato. Esse locutor ou narrador pode introduzir outras vozes no texto. Ao modocomo as falas/ vozes são introduzidas na narrativa, damos o nome de
discurso. Ele pode ser classificado em: direto, indireto e indireto livre. Se
considerar necessário, entregue-lhe o quadro abaixo:
Discurso direto Discursoindireto
Discurso indireto livre
Reproduz fiel e
literalmente algodito por alguém.
Exemplo: Nãogosto disso" - disse a meninaem tomzangado.
O narrador,
usando suasprópriaspalavras, contao que foi ditopor outrapessoa.
Exemplo: A
Este tipo de discurso envolve a
combinação de diferentes pontosde vista. O narrador insere"falas- pensamentos" daspersonagens no seu própriodiscurso, dificultando aidentificação precisa de quemseria o responsável pelo que estásendo dito (narrador ou
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menina disseem tomzangado quenão gostavadaquilo
personagem). necessário quese tenha atenção para nãoconfundir a fala do narradorcom a fala do personagem, poisesta surge de repente em meioa fala do narrador.
Exemplo: A meninaperambulava pela sala irritada ezangada. Eu não gosto disso! Eparecia que ninguém a ouvia.
Agora que já explicou os tipos de discurso, pergunte ao aluno:
g- A que tipo de discurso pertence o trecho selecionado?
Fixação: o discurso indireto livre
h- Após o mal-estar, Naziazeno lamenta ter como esposa uma mulher tímida.
Veja:
" Também a sua mulher com os outros é tímida, tímida demais. Fosse a
mulher do amanuense, queria ver se as coisas não marchariam doutro modo.
Ela se encolhe ao primeiro revés[...] Ele precisava dum ser forte a seu lado.
Toda a sua decisão se dilui quando vê junto de si, como nessa manhã, a
mulher atarentar-se, perder-se empalidecer[...] Sentir-se-ia fortificado, ou ao
menos" justificado", se visse a seu lado a mulher do amanuense franzindo a
cara ao leiteiro, pedindo-lhe para repetir o que houvesse dito, perguntando-lhe
o que é que estaria porventura pensando deles. A sua mulher encolhida e
apavorada é uma confissão pública de miséria humilhada, sem dignidade_ da
sua miséria."
Sabemos da lamentação de Naziazeno via narrador ou pela personagem.
Retire fragmentos que comprovem sua resposta.
Após garantir o entendimento dos tipos de discurso, releia o fragmento da
lamentação de Naziazeno sobre a mulher. Diga aos alunos que apesar de a
narrativa não ser em 1ª pessoa, nós, como leitores, conhecemos os
pensamentos e sentimentos de Naziazeno pelo narrador que, empregando o
discurso indireto livre, dá a impressão de a fala, carregada de subjetividade,ser da personagem.
Tarefa: Peça que os alunos leiam os capítulos 3, 4 e 5.
5º etapa: Retome os capítulos lidos em casa. Peça que os alunos
respondam às questões a seguir, por escrito:
a- Qual é o único interesse de Naziazeno?
b- Ao descer do bonde, Naziazeno entra em um café. Via narrador, sabemos
que o fato de ele ter saído do bonde lhe proporciona uma sensação mais
agradável. Leia o fragmento a seguir:
" Sente-se outro, tem coragem, quer lutar. Longe do bonde não tem mais a
‘ morrinha’ daquelas ideias..."
Interprete o fragmento. Por que sair do bonde causa bem-estar em
Naziazeno?
c- Após o café, devido às horas, sente-se obrigado a se dirigir à repartição,
visando por em prática o seu primeiro plano. Que plano é esse?
d- Do momento em que Naziazeno saiu de casa até a sua chegada à
repartição, percebemos o transcorrer das horas, que no romance são bem
marcadas. Veja:
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"- Faltando um quarto pras oito"
"O relógio da Prefeitura marca pouco mais de oito horas."
"- Este relógio ainda está marcando oito e dez"
"Os relógios não andam certos. Mas já há de ser umas oito e vinte ou oito e
meia. Às nove ele se encaminhará pra repartição"
"São oito e meia quase no relógio do café."
"9 horas! Já está arrependido daquela longa ‘ folga’ "
[...]
É importante retomar com o aluno o conceito de tempo narrativo. Predomina
em Os ratos o tempo cronológico, mensurado precisamente pelo relógio.
Chame a atenção do aluno pelas horas bem definidas.
Depois lance a seguinte pergunta. Peça que os alunos respondam oralmente:
a- Por qual motivo há no romance a obsessão pela hora marcada? O que opassar das horas representa para Naziazeno?
Às 9 horas, Naziazeno pretende falar com o diretor, porém antes de o fazê-lo,
fica imaginando o que lhe dizer e o que receberá como resposta. Veja:
"—Doutor, vejo-me outra vez forçado a recorrer..." —Não ! isto é vago, geral.
Deve dizer o fato, o que se passa. "—Doutor, imagine a minha situação, o
meu leiteiro..." —Não ! Não! Trivialidade...uma trivialidade... "—O meu filho,
doutor..." —Outra vez o teu filho, Naziazeno...sempre o teu filho..."
b- Após refletir sobre isso, como se sente Naziazeno? Sua postura é de
alguém diferente do perfil tímido e humilde da mulher?
Tarefa: Peça que os alunos leiam os capítulos 6 a 10.
6º etapa: Retome os capítulos lidos em casa. Depois, inicie uma
conversa sobre acidade.
É na cidade, locus por excelência do consumo, do aumento do nervosismo e
da tensão, do domínio do exterior, das aparências e da indiferença que os
indivíduos estabelecem uma relação com o dinheiro, único meio de
sobrevivência. Em Os ratos, Naziazeno precisa de cinquenta e três mil réis
para pagar a dívida que contraíra com o leiteiro e, por isso, sai pela cidade embusca de dinheiro. A narração segue, ao longo de 24 horas, as andanças
desse funcionário público, movido por uma das mais básicas necessidades —
a garantia de alimento. Ao tentar emprestar o dinheiro, Naziazeno sente a
angústia de estar preso à condição urbana e sob o regime de terror imposto
pelo dinheiro. Em decorrência do estado de tensão do protagonista, tudo ao
seu redor lhe faz lembrar do problema que o atormenta.
Feito os comentários, pergunte aos alunos. Pode ser uma atividade escrita.
a - Como Naziazeno era recebido pelos possíveis credores?
b- Você considera Os Ratos uma crítica à maneira como o dinheiro acabou se
tornando a mola propulsora das relações sociais?
Tarefa: Peça que os alunos leiam os capítulos 10 a 25. Estabeleça um
cronograma de leitura, de modo a deixar para cada dia dois capítulos.
7º etapa: Retome os capítulos lidos em casa.
Peça que, oralmente, os alunos recuperem a saga de Naziazeno. O intuito éfazê-los perceber o sofrimento de um homem fadado à condição urbana: a
máquina inescrupulosa das grades cidades.
Feito isso, peça que respondam por escrito:
Apesar de a trama passar em Porto Alegre, por nenhum momento o narrador
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afirma tratar-se desta cidade. Arrisque uma interpretação: por qual motivo não
foram mencionados detalhes pelos quais pudéssemos reconhecer Porto
Alegre?
8º e 9º etapas- leitura compartilhada dos capítulos 26 a 28
Lance a seguinte pergunta à classe. Pode ser uma atividade escrita:
O desfecho dado à narrativa é garantia de resolução dos problemas de
Naziazeno?
Avaliação
Com o livro em mãos, peça uma atividade escrita e individual.
1- Agora que já conhece a obra, analise o título "Os ratos". Leve em
consideração as suas inferências no início do projeto, o significado do título:suas expectativas para a história se mantiveram ou foram alteradas? Por
quê?
2- O título Os Ratos é uma referência ao drama psicológico de Naziazeno
Barbosa, protagonista da história, depois de ter conseguido o dinheiro para
saldar a dívida com o leiteiro. Naziazeno, meio dormindo, tem o seguinte
pesadelo: os ratos estão roendo o dinheiro que ele deixara à disposição do
leiteiro sobre a mesa da cozinha.
Arrisque uma interpretação: qual o significado do sonho de Naziazeno?
Literatura na escola - 9º ano: Narrativa de Franz Kafka
Introdução
Esta é a última de uma série de 16 sequências didáticas que formam um
programa de leitura literária para o Ensino Fundamental II. Veja, ao lado, o
conteúdo completo.
Objetivos
Estimular o gosto pela leitura;
desenvolver a competência leitora;
desenvolver a sensibilidade estética, a imaginação, a criatividade e o senso
crítico;
estabelecer relações entre o lido/vivido ou conhecido (conhecimento de
mundo);
conhecer as características do gênero Novela;
conhecer as características do narrador kafkiano;conhecer características básicas da narrativa kafkiana.
Conteúdos
A novela: características do gênero;
Ponto de vista narrativo e enredo;
Técnica de inversão;
Alienação.
Tempo estimado
Cinco aulas
Ano
9º ano
Material necessário
- Livro A Metamorfose. Franz Kafka, Tradução de Modesto Carone. 104
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págs., Companhia das Letras, tel. (11) 3707-3500, 25 reais.
Desenvolvimento
1ª etapa: leitura compartilhada e análise - parte I
O início da novela A metamorfose, de Franz Kafka, é tão impactante que vale
a pena começar o trabalho com o texto sem maiores introduções. Leia com os
alunos as primeiras palavras do livro:
Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos,
encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava
deitado sobre suas costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a
cabeça, viu seu ventre abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas, no
topo do qual a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha. Suas
numerosas pernas, lastimavelmente finas em comparação com o volume do
resto do corpo, tremulavam desamparadas diante dos seus olhos.- O que aconteceu comigo? - pensou.
Não era um sonho. (...)
Pergunte à turma, oralmente, para estimular o debate:
- O que aconteceu com Gregor?
- Como assim um "inseto monstruoso"?
- Ele estava sonhando?
- Será que o narrador vai explicar o que aconteceu para Gregor virar um
inseto? Você espera que ele explique?
Continue então a leitura, procurando verificar se o narrador vai explicar o que
aconteceu com Gregor:
Não era um sonho. Seu quarto, um autêntico quarto humano, só que um
pouco pequeno demais, permanecia calmo entre as quatro paredes bem
conhecidas. Sobre a mesa, na qual se espalhava, desempacotado, um
mostruário de tecidos - Samsa era caixeiro-viajante -, pendia a imagem que
ele havia recortado fazia pouco tempo de uma revista ilustrada e colocado
numa bela moldura dourada. Representava uma dama de chapéu de pele e
boá de pele que, sentada em posição ereta, erguia ao encontro do espectador
um pesado regalo também de pele, no qual desaparecia todo o seu antebraço.
Pergunte à turma, oralmente, para estimular o debate:
- O narrador explica as causas da metamorfose?- Nós podemos saber o que aconteceu?
- O que sabemos até agora?
- O que faz o narrador depois que comunica que Gregor virou um inseto
monstruoso?
- Faz sentido a descrição tão detalhada do quarto de Gregor em um momento
tão tenso?
Prossiga a leitura pedindo que os alunos observem agora de que forma o
personagem principal reage à grotesca transformação:
O olhar de Gregor dirigiu-se então para a janela e o tempo turvo - ouviam-se
gotas de chuva batendo no zinco do parapeito - deixou-o inteiramente
melancólico. (...)
- Ah, meu Deus - pensou. - Que profissão cansativa eu escolhi. Entra dia, sai
dia - viajando. A excitação comercial é muito maior que na própria sede da
firma e além disso me é imposta essa canseira de viajar, a preocupação com
a troca de trens, as refeições irregulares e ruins, um convívio humano que
muda sempre, jamais perdura, nunca se torna caloroso. O diabo carregue
tudo isso!
Pergunte à turma, oralmente, para estimular o debate:
- Gregor se preocupa por ter virado um inseto grotesco?
- Você esperava que ele se preocupasse?
- Com o que ele se preocupa?
http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=10757http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=10757http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=10757http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=10757
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Professor,
Há um excelente ensaio sobre A metamorfose, de autoria do tradutor do livro
para o português, disponível na rede: CARONE, Modesto. "O parasita da
família: sobre A metamorfose de Kafka", in: revista Literatura e Sociedade no
10. São Paulo, USP/ FFLCH/ DTLLC, 2007/2008. Disponível em pdf
em http://www.fflch.usp.br/dtllc/ls10.pdf pp. 237 a 243
Segundo esse ensaio, a narrativa kafkiana é fascinante em função do
extraordinário "efeito de choque que desde a primeira fase a novela provoca
na mente do leitor. Pois já nas primeiras linhas do texto se manifesta a colisão
entre a linguagem tipicamente cartorial, de protocolo, e o pressuposto
inverossímil da coisa narrada." (p. 237) .
Kafka usa aqui a técnica da inversão: começa a narrativa pelo clímax. Gregor
acorda transformado num inseto monstruoso sem que nada justifique a
inverossímil metamorfose. Junto a isso, nem o narrador, nem Gregor,parecem essencialmente preocupados com o fato grotesco. O narrador
preocupa-se em descrever minuciosamente o quarto do herói e Gregor
preocupa-se apenas em levantar-se para ir trabalhar.
Peça que os alunos terminem em casa a leitura da parte I do livro, observando
o comportamento de Gregor e do narrador diante da metamorfose.
2ª etapa: leitura compartilhada e análise - parte II
Inicie a aula discutindo a primeira parte do livro com a turma. Para tanto, lance
as seguintes questões:
- Vocês conseguiram saber por que Gregor virou um inseto?
- O narrador sabe?
- Gregor sabe?
- O narrador sabe mais que Gregor?
- Em algum momento eles se preocupam com isso?
Gregor não se choca com sua horrenda metamorfose e continua raciocinando
como se o problema todo se resumisse a levantar-se e ir trabalhar. O
narrador, apesar de ser em terceira pessoa, tem dos acontecimentos um olhar
tão parcial quanto o do herói e parece mais preocupado em descrever com
minúcias realistas tanto o espaço quanto os fatos narrados. Ainda segundo
Modesto Carone, "esse narrador se comporta como uma câmera
cinematográfica na cabeça do protagonista - e nesse caso o relato objetivo,
através do discurso direto e indireto, se entrelaça com a proximidade daquilo
que é experimentado subjetivamente pelo herói. É por esse motivo que, na
descrição dos acontecimentos que evoluem no seio da família Samsa, a
narração não avança muito mais do que Gregor poderia fazer a partir de um
ponto-de-vista rigorosamente pessoal." (p. 238)
Os pensamentos de Gregor giram em torno apenas de suas
responsabilidades: ele maldiz o trabalho, irrita-se com o chefe e com o gerente
e entra em pânico diante da possibilidade de perder o emprego - mas em
nenhum momento se indaga sobre sua grotesca condição. Gregor não sabe -e nem procura saber - o que aconteceu com ele. Então nós, leitores,
recorremos ao narrador - para descobrir que ele também não sabe.
O narrador preocupa-se em apresentar o mundo de Gregor tal como ele é.
Nesse sentido dá tanto peso à metamorfose quanto à descrição detalhada do
quarto. É uma realidade fragmentária e opaca, mas descrita com minúcia
quase científica.
Kafka monta então sua equação de ignorâncias sobre o fato absurdo: Gregor
não sabe, o narrador não sabe - e nós tampouco. E é assim, às cegas, que
devemos suportar a leitura.
Leia com os alunos as primeiras páginas da segunda parte do livro:
Só no crepúsculo Gregor despertou do sono pesado, semelhante a um
desmaio. Mesmo sem ser perturbado, certamente não teria acordado muito
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mais tarde, pois sentia que havia descansado e dormido o suficiente (...)
Tateando desajeitadamente com as antenas que só agora aprendia a
valorizar, se deslocou até a porta para ver o que havia acontecido lá. Seu lado
esquerdo parecia uma única e longa cicatriz, desagradavelmente esticada, e
ele precisava literalmente mancar sobre duas fileiras de pernas. Uma
perninha, aliás, tinha sido gravemente ferida no curso dos acontecimentos da
manhã - era quase um milagre o fato de que só uma fora lesada - e se
arrastava sem vida atrás das outras.
(...)
Na sala de estar, como Gregor podia ver pela fresta da porta, o gás estava
aceso, mas ao passo que nessa hora do dia o pai em geral costumava ler, em
voz alta, o jornal que saía à tarde, para a mãe e às vezes também para a irmã,
agora não se ouvia som algum. Bem, talvez essa leitura, sobre a qual a irmã
sempre falava e escrevia, tivesse caído em desuso nos últimos tempos. Mas
também em volta reinava o silêncio, embora a casa certamente não estivesse
vazia.
- Que vida tranquila a família levava! - disse Gregor a si mesmo e sentiu,
enquanto fitava o escuro diante dele, um grande orgulho por ter podido
proporcionar aos seus pais e à sua irmã uma vida assim, num apartamento
tão bonito.
Pergunte à turma, oralmente, para estimular o debate:
- Gregor pensa como um inseto monstruoso ou como o antigo Gregor?
- Qual era a sua profissão?
- O resto da família trabalhava? Por quê?
- Como eles reagiram ao novo Gregor?
- O herói entende o impacto que causa em seus familiares?
Peça que os alunos leiam em casa a segunda e a terceira parte do livro.
Estabeleça um prazo. Enquanto eles estão lendo, separe uma aula para
explicar o que é uma novela.
3ª etapa: o que é uma novela? A novela como gênero literário
Pergunte, oralmente, à turma:
- Você sabe o que é uma novela?
Afinal, que tipo de relato constitui-se como novela? Em que ela se diferencia
do romance e do conto? Infelizmente não temos uma resposta segura paraesta questão. A fluidez do termo se presta a várias interpretações. Sabe-se
que é uma espécie intermediária entre a longa extensão do romance e a
brevidade nervosa do conto, mas não há coordenadas rígidas para delimitar
as diferenças.
Por funcionar como uma nebulosa espécie intermediária entre dois gêneros
consagrados e fáceis de definir, o termo novela nem sempre é empregado por
professores e críticos. Há certas narrativas, porém, que, pelo seu próprio
volume de páginas, não se enquadram nem como conto nem como romance.Digamos, de maneira mais ou menos arbitrária, que a novela (em edições de
formato e tamanho convencional) gira em torno de trinta a cem páginas.
De resto, a novela ultrapassa o conto pela construção melhor elaborada de
um personagem central e pela relativa ampliação do tempo e do espaço. Mas,
em relação à infinidade de situações registradas por qualquer romance, a
novela apresenta um número pouco significativo de acontecimentos.
Sua ênfase, portanto, recai sobre o personagem, como no gênero romanesco.
Só que neste, o protagonista é construído por uma multiplicidade de eventos,
enquanto na novela o personagem se afirma existencialmente em apenas
uma ou em algumas poucas situações.
Entre os exemplos clássicos de novela figuram - além de O alienista - A morte
de Ivan Ilicht, de Tolstói; Os sete enforcados, de Andreiev; A metamorfose, de
Kafka; Ninguém escreve ao coronel, de Gabriel García Marquez; e A morte e
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a morte de Quincas Berro d’ Água, de Jorge Amado.
http://educaterra.terra.com.br/literatura/temadomes/2003/06/06/000.htm
4ª e 5ª etapas: análise e interpretação - A metamorfose
Depois de a leitura do livro ser concluída pelos alunos, busque, em aula
expositiva dialogada, chegar com eles a uma interpretação da obra de FranzKafka.
Para tanto, lance as seguintes questões:
- O que acontece em cada parte do livro?
- A família, antes, dependia de Gregor?
- E depois, quem dependia de quem?
- Nós descobrimos por que Gregor virou um monstro grotesco?
- É possível construir uma interpretação para a sua metamorfose?
- Você esperava que ele morresse?- Havia outra saída para ele?
A novela A Metamorfose apresenta-se dividida em três partes. Na parte I,
sofremos o impacto da metamorfose de Gregor Samsa num inseto
monstruoso; na II, acompanhamos a existência de Gregor como inseto; na
terceira parte sofremos a angústia de sua impossibilidade de conviver com a
família e consequente morte.
O impacto da primeira parte se dá em função da técnica da inversão e de
percebermos que "o narrador kafkiano, embora fale pelo personagem, só
mostra estar sabendo aquilo que ele realmente sabe, ou seja: nada ou quase
nada." (Modesto Carone, op. cit. pg. 239)
Na parte II ficamos sabendo que Gregor era arrimo de família e trabalhava
como caixeiro-viajante há cinco anos, em função da falência do negócio do
pai. Cabia a Gregor sustentar toda a família e pagar as dívidas paternas.
Nesse sentido, podemos entender a metamorfose do herói "como resultado de
um processo, ou seja: como um momento definido que teria sido precedido
por outros que ficaram aquém da narrativa e por isso não foram tematizados
por ela." (Modesto Carone, op. cit. pg. 241) Gregor era submetido a um
trabalho desumano a fim de sustentar toda uma família parasitária em boas
condições de vida.
Por último, temos o filho transformado em parasita. A família, a princípio,sustenta sua existência subterrânea - mas logo se sente lesada e desfaz-se
do peso morto. "...o que então se percebe é mais uma vez a vigência do
princípio de inversão em que Kafka é um mestre insuperável; pois se antes a
família vivia parasitariamente às custas do trabalho de Gregor e da sua
alienação no mundo dos negócios (que contrasta, na novela, com a utopia do
‘ mundo da música’ ) ele agora é, aos olhos da família ‘ deserdada’ pela
sua metamorfose, apenas um inseto parasita." (Modesto Carone, op. cit. pg.
242).
Cada vez mais abandonado pelos seus, que agora o vêem mais como um
inseto do que como Gregor, o herói perde as forças e morre - fato
comemorado pela família com um passeio no campo. Depois disso, é varrido
da memória pela faxineira da casa.
Avaliação
No youtube, é possível conhecer uma versão em quadrinhos, em português
de Portugal, de António Pacheco, para a obra de Franz Kafka.
Veja o filme com a classe e, em seguida, peça que respondam, em grupos de
três, por escrito:
a) Há narrador na versão de A Metamorfose para os quadrinhos?
b) O ponto de vista apresentado é o mesmo do narrador do livro?
c) E o leitor, sabe da história tão pouco quanto na obra de Kafka?
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d) Você acha que as ilustrações de Peter Kuper tornaram a narrativa mais ou
menos terrível? Explique.