Lisboa de hontem, por Julio Machado

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    EMrREH lllTER RI O B i A

    Est Ui'IORIO24 Rua Nova do Almada 2.

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    Do mesmo modo que o prestigio dasvelhas dynastias se altera com as res-tauraes incompletas, assim as cidadesperdem do seu caracter com os concertos e arranjos a que as sujeitam. Porpouco que recordemos atrasados a hque de voltas no tem levado tudo istode ha trinta annos para c

    Aqui viria mais sinceramente, aber-tamente, a me

    a c h o r r a

    Imaginem luzitana imagem classicapor excellcncia, de to incontestarei for-

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    6 LISBOA DE HO:XTE:\1mosura e grandeza para ns que notem podido emelhecer de todo e aindaparece s wzes consenar a mocidadedas coisas immortaes de tal maneira seprende aos nossos sentimentos indepen-dente dos tempos dos meios da civili-sao.

    De tempos a tempos pelas cartas doBra:; Ti:ana escriptas no Porto porJos de Sousa Bandeira sobre informa-es que d aqui lhe mandavam primeiropublicadas no Periodico dos Pobres e1lepois no jornal que tomou por titulo opseudommo do famoso folhetinista dacidaJe eterna, constaYa que a camaramunicipal depois de uma sesso re-nhida a dar mais dois candieiros capital.O correspondente porque ainda no

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    LISBOA DE H O ~ T Mestivessem em uso os chaves jornals-ticos de:

    Parabens illustre camara Registremos este acto do festejado

    vereadorLimitavam-se a fazer a diligencia de

    que o leitor se Cl mpcnetrasse bem deque, para o fim do anuo, com o estabe-lecer a arithmetica que tnhamos maisdez candieiros, era o mesmo que dizerque estaYamos dez Yezes mais esclarecidos do que no anuo antecedente.

    Assim amos constantemente creandonoras luzes, o que no impedia que, nocentro mesmo da cidade, qualquer dasruas de maior transito tiresse apenas noespao de cem metros um candieirito, queservia optimamente para fazer sobresairo horror dos stios menos favorecidos.

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    LISBOA E H O ~ T MPrincipia a ento a moda, que ainda

    dnw, de no se passar Jia sem que osjornaes recebam certo nnuleto de cartasem que d i w r ~ o s leitores assiduos lhesrevelatn achar-se a rua tal 11m estadodeplora,el, nunca ser rarrida a outra,esta precisar calrada, e aquella estarperigosissima. Enchiam colurums os jorHaes com esta e ~ c r i p t gmtuita, aprowitando com a,itlez esse Lenefico man.O presidente tle uma camara, ao entrarno exerccio d aquellas funcres entregrares e recreatiras, deu ortlem paraque se tomasse nota todos os dias nosdircrsos jornaes da capital, de ludo quetiwsse relao com o municpio e comos scrrios rarios que estivessem d e ~baixo de sua gercneia. No fim da semana,quando o digno presidente \iu desfilar

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    USBOA DE HO:'i1'E.M 9na sua presena, marginadas a lapis encarnado pelos seus empregados, as differentes reclamaes, tere occasio deYerificar que a opinio da imprensa sempre respeitarei; c respeitou-a a pontode no pensar mais em a consultar, paraeritar que os agentes do munieipio per-dessem o seu tempo toda a cidadeprecisara concerto

    Um pobre homem que se perdesse denoite por essas ruas barrancosas ia aostombos de aLysmo em aLysmo, escorregando no cascalho, esbammdo nosfrades tle pedra caindo de wntas nosmontes de calia.

    De meia em meia hora encontraYa-seum candieiro, tle luz indecisa e frouxa; so que chegasse para uma pessoa conhe

    ~ r que se haria enganado no caminho:

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    10 LISBOA DE H O X T E ~ IA ladroeira hoje em Lisboa est sendo

    audaz. um progresso que eu noto comestranheza, porque proveniente de ser-mos um paiz pequeno tudo entre nsvae de vagar menos isso diga-se a verdade menos isso; c folgo de poder dardesde j este testemunho de imparcialidade.

    J d antes tinha mos bastantes ladres,mas eram wrdadeiramente o que se chama em linguagem jornalstica ladroeirafrequente porem pouco importante .Ladres tmidos neophitos inexperien-tes discpulos de um professor que nopodia mecher-se o famoso coxo queestacionava no Terreiro do Pao portada Aula do Commercio.

    Toda a gente conhecia esse coxo; topos os homens que teem hoje quarenta

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    LISBOA DE H O ~ T ~ Ie tantos armos se lembram d elle; Iadra-vaz reformado, caixa dos furtos. ~ n -t.lava os seus delegados para differentesjuntas de considerao, para o jardimt la Alfandega, para o Tivoli, para ostheatros t la Rua dos Condes, de S. Carlos, do Salitre, para a porta das egrejas, e arrecadava depois paternalmenteo fructo d essas diligencias, de umas ve-_zes recompensando logo os gatunos, deoutras encarregando-se laboriosamenteda venda dos objectos e dividindo o produeto com equiuade.

    Fazia bem a muita gente, c sabia dirigir todos com a prudcncia de seus conselhos. Os gatunos ue hoje vo para ogoverno civil, e, no contrntcs de fugirem de l meia hora depois, levam dosquartos da policia alguma roupa que por

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    1: LISBOA DE H O ~ T l ll apanham. Ha Lem pouco que fizeramisto mais uma wz. Se fosse no tempod'elle, wriam corrrem as coisas de outro modo, e elle dir-lhes-a conforme seuanimo generoso Iho dictasse:

    - \o conrm. filhos, dar a perceberao Yulgo que a policia seja ainda maistolla que preraricada. D ahi a concluirmos que ella de todo ridcula, inutile tlespresirel, iria um passo. Saibamosguardar as come1;iencias

    Pela proximidade cm que riria dasaulas, crera amor sciencia; e conwrsa,-a a meudo com os estudantes, quelhe eram em geral affeioados por seumodo jorial e pela liberalidade com queelle lhe emprestara seu pinto de nz emquando. Para imentar, por assim dizer,um freio, que repremisse no decli,-e das

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    LISBOA DE HO: \TEM 13

    extravagancias as paixes jm-enis, acceita\a-lhes os livros em penhor: mas, paraque no perdessem a sde de saber deixava-os ler tarde pelo compendio emrefens, a lio immediata; guardava-o emseguida outra vez, e, de manh, quandono seu dizer, a memoria estava maisfresca, el1e proprio encostanJo o livro muleta e abrindo-o na derida folhaseguia com a vista a liro que o estudante repetia e lha ementlava em ha-vendo erro:

    -Vejamos agora, dizia o coxo, apontando como o ponto do theatro, o queresulta da expresso algebrica da tangente

    E o escol r a dizendo.Era amigo da mocidade e sabia auxi

    liai-a com ideias ss:

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    LISBOA DE H O ~ T E l \

    Quando os meninos forem deputados proponham uma lei que diga : todoaquelle homem que p e ~ o correccional frcondemnado em mais de um anno depriso e que no tempo em que estiverpreso adquirir algum dos conhecimen-tos que passo a mencionar wr diminuda a pena nas propores que voudizendo: Se aprender a le1 dar-se-lhe-ha

    b i ~ n\un mrz de priso; a escrever.outro mez do priso; as quatro e s p e c i e s ~outro mez da priso; guitarra canto egeometria tres rnezes de priso tC Etera.

    Pessoa a quem nas ruas homessemroubado a Lolsa ou o relogio a procu-rar o coxo; um ou outro por conhecermenos os costumes dirigia-se poliriao que no tinha comeniente seno o de

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    urna pequena demora: porque iam emseguida consultar ocoxo a policia c elles.A segurana uos predios e garantia

    dos moradores eram os sapateiros deescada.O sapateiro de escada typo essencialmente completamente portugucz foipor muitos annos a proYidencia dos inquilinos e o confidente dos namorados.O namoro ha trinta annos tinha attingidoem Lisboa propores vastssimas; o sapateiro de escada no era um simplesmensageiro de amor era o esprito moderador entre a paixo e a dignidade:protegia Leandro mas zelava os direitosda auctoridade e a Yirtude do lar; in-cumbia-se de levar e trazer cartas maslia-as primeiro em parte por entreteni-mento em parte por moralidade c

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    16 LISBO.\. DE HO:XTEMsendo preciso, dara-as tambem a ler aospaes. Era o homem de confiana da es-cada. Pagara aos baleeiros o aluguel datraquitana, indo elle mesmo chamar asege praa e recebendo d elles umaprecentagem, maneira do que faz aSapa, em Cintra, aos cocheiros que preferem a sua casa a outra; espreitava oscriados nas compras que faziam, discutiacom elles, sendo preciso, o excesso dosroes, dava informaes dos inquilinos,ajuisando dos seus haveres pelo quecada um comia em sua casa; sentava-sede noite porta cantando em ar de be-bedo, para no lhe escapar coisa algumado que se passava na visinhana; e ac-ceitava uma de seis, que como se diziad antes seis vintens, por qualquer eps-tola que levava, com a dignidade de

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    LISBOA DE H O ~ T l l 17um banqueiro ao receber o juro de umatransaco. A lembrana d esse func-cionario parece recordar-nos a patriaausente.

    Em casa que no tircsse este guardaamigo, estara-se sempre em cuidadosde no deixar aberta a porta da rua.Os ladres, ainda pittorescos, entraramento pela janella. ~ m dos homens maisengraaJos d cssa poca, riro ainda hoje,o sr. Domingos Ardisson, saLenJo lllleera esse o costume d ellrs; n;Jo se deuao cncommoJo de fechar a janclla doseu quarto n uma noite de vero. nicamente, por precauo de sccnario, poz umpar de pistollas cabeceira. Pelas treshoras da noite, o ladro appareceu, -preitou, e entrou. Logo que o Yiu, agradavelmente entretido, ahrir uma gaveta, o

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    18 LISBOA E H O ~ T Isr. Ardisson sentou-se na cama, apon-tou-lhe uma pistolla, e com serenidadr:Ponha para ahi o que traz com-sigo lhe disse.

    O ladro queria ajoelhar.Xada de attitudes. Quanto trazcomsigo Conserre-se de p . . .Senhor . . .Conserre se de p, e respondaDezoito tostes, senhorDeixe os rr.Que os deixe n ~ r ? para q u ~Para os pr ahi rpletinhos. Qurr

    antes um tiro?Gesto negatiw.Y nham os dezoito t o s t e s ~

    O ladro, com ar mortificado desprjou o bolso r a dr noro saltar pela janella, quando, por attender aos prrl eitos

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    LISBOA DE H O ~ T E l \ 19da hospitalidade, o sr. Ardisson lhe offereceu um phosphoro.

    Um phosphoro'?lPara descer a escada

    E convidou-o gentilmente a sair pelaporta, assegurando-lhe soL palarra dehonra, que por igual preo poderia Yoltar quando lhe appromesse.

    Succcdiam a cada instante os casosmais chistosos promoYidos pela larapicee fazendo ella m figura, pelo contrariode hoje, que, animada pela gloria quelhe rercrtc de rir da perspicacia dos Antunes, tem quasi sempre o melhor papelnas llliadas que empreende. De umaoccasio, por exemplo, entrou com umachaYc falsa n'um terceiro andar ao soecorro, um gatuno.

    Fechou a porta Yisitou us moreis em

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    20 LISBOA DE H O X T E ~ Ique havia chave explorou os cantos casa c no achando dinheiro nem coisaque o valesse tratou de se vestir dosps at cabea custa d'aquelle morador.

    Escolheu cala sobre casaca colleteum chapo alto e urnas botas de polimento que era at um c l ~ d o de queellc sempre gostra e nunca tinha tido.Depois foi-se commoda que estavacheia de roupa escolheu uma camisafina abriu-a e estendeu-a sobre a cama.

    Feitos estes preparativos, despiu-se.Na occasio em que a mudar Jeroupa ouriu bulha na escada. Apurou

    o omido. s passos vinham a che3ar-se.Parram porta-Oh com a brca murmurou elle.~ i c t t e r m a chave na fechadura

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    LISBOA DE H \ T E ~ I ~E elle, zs, acocorou-se c sumiu-separa baixo da cama.Aberta a porta, entrou quem quer

    que era.O ladro coitado, no podia Yer-lheseno os ps e um pedao das pernas,

    giraiHlo, de um laJo para o outro, compressa, com muita pressa E elle tudoera acachar-re, sem bulir, a tremer tloque iria sair d"aquelle caso.

    Xem talrez cinco minutos fossem passados, quando o reccm-chegaJo se dirigiu para a porta foi pela escada abaixo.O malfeitor saiu da tocca.

    Apre I disse elle. Safra Apanheium susto )las

    A camisa j no estaYa cm cima dacama c o fato, que ha,ia tiraJo das g < l ~Yetas, tamLem tinha desapparecido

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    22 LISBOA E H O ~ T IQue pena balbuciou elle. Por umboccadinho I

    RcJ.usido a ir outra rez buscar a suapropria fatiota, chegou-se aos ps dacama onde a dcixra, e poder calcular-se o pasmo m que ficou quanJ.o anao nu

    Que lo fato'? dizia elle. Que do fato ?

    E, por cumulo de desgraa, as garetas da commoda estaram rasias, e aroupa desapparecra.

    O indiriduo que o ladro cuidra sero domno da casa, era nem mais nemmenos do que outro ladro, que fizera asua trouxa e se puzera a andar.

    A refle \o uma coisa optima, masJeya tempo, e em quanto elle estara a meditar sobre qual seria a melhor maneira

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    ~ LISBOA DE H O : \ T E ~ . IOnde que vamos'?A estaro proxima.Para fazer o que? Para vossa se-

    nhoria me deixar preso'? Isso o resultado de no fazer reparo n uma coisa, e a seguinte: que eu que fui roubado O que Incra ern me fazer mal?l'o lucra nada. Nem a policia poderoccupar-se d'este negocio, porque notem temp0Xo tem tempo . . . Sim, isso, tamLem, rerdade

    E tudo estam dito ..1\ o ter tempo Quereria ler isto,quereria escrerer aquillo, Yr esta pes

    soa, desempenhar aquelle t]e,er, mas notem tempo, no tenho tempo, no hatempo . . . De quantas locues banaes,de toda::; as palanas que o rio das con-

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    LISBOA E IIO:\TDI ':t5versaes de cada dia revolve no seucurso, no ha outras que saiam em Lisboa ainda hoje com mais frequcncia doque estas:

    N o t r t e n1poE o caso que o tempo falta, falta

    porque no descemos a querer aproreital-o. Temos tempo, temol o fartamas recreamo-nos em dar cabo d elle

    como se tivessemos a eternidade s nossas ordens. Fogem com a rapidez dosrelam pagos os dias, os mezcs, os annos:vem cada passo chegando-nos mais aotermo da Yitla, mas no trememos Oque vae, vae. Roma no se fez n um dia.A mandrice uma prenda, n um povoque saLe conservar como documento dasdescobertas e expedies antigas este

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    6 LISBOA DE H O : \ T E ~ Iresto de soberania, a que se chama-no fazer nada. Por isso olhamos comdesdcm para o ga1lego, esse bruto vilque trabalha

    E o mais que de 1836 a 1850 apolicia em Lisboa no tinha effectivamente tempo seno para andar na pingada das conspiraes. Toda a genteconspirava. No se fazia mais nada, nose tratava de outra coisa. As reroluessuccediam-se. quasi sem intervallo. Ninguem se entendia, ninguem j i sabia oque queria; febre de conspirar, de mudar, le alterar, de deshancar: capricha,a-se em que Portugal deixasse de sermudo; reinava um appetite invencvel derevoher tudo. no havia portuguezes,j no havia liberaes, havia patuleas,setrmbristas, cartistas, cahralistas . . .

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    LISBOA DE H O ~ T ~ I 27Ma dottore, wzrt parola

    Che parola Xo haYia tempo Erapreciso conspirar, fundar sociedades secretas, escolher nm gro-mestre inicia-dor, fazer discursos incendiarios, planostrrrificos:

    Pe ahi a mo n chamma; pe amo na chamma, pe a mo, faze o quete digo: para te lavares de toda a iniquidade. Pe-a agora n estepapel, c a outramo no corao. e jura para ahi, juraqnc has de trabalhar com toJas as tuasforas para que se propaguem os nossosprincpios, os princpios do nosso parti-do . . . Jura que matas o Costa Cabral,se fr preciso'?

    Juro.Jura tres vezes

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    28 LISBO.\ DE HO:\"lE:\1-Jum, juro, juro.Jura que has de matar a rainlw,

    sendo necessario.-Juro, juro. j u r o ~-Resignas-te morte, tu propno,

    s para que triumphem as nossas idei3se possmos aLater o Jns dos C o n r g - o ~mats o . .-Resigno.E levas em gosto que te queimemo c o r ~ 1 o e que t o faam em torresmos

    e deitf'm ao Yento as cinzas, no caso denos atraioares . . .

    -PalanaE se a lgt:m de ns renlar este se

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    LISBOA DE HO: \TE:\1 2911has. Substitua-se a vontatle tuannica, o capricho despotico, liberdadedos cidados. 1\o se esclarecia o esprito que devera encaminhar a mo;no se indicava a escolha, as razes dese derer fazei-a: ia-se de pistola aospeitos, tle varapau. de c sse tte estavam muito em moda-fazia-se desordens nas egrejas foraram-se as urnasatropelia ra-se tudo, e triumplw.ra-se gentihnente pela fora e pelo terror. Conta a qualquer como caso corrente osystema engenhoso e galante que adoptra para a sua freguezia: escondia-sena cgreja deixara sair toda a gente efecharem-se as portas a-se s urnastirava as listas e, de manh quando osachristo entrau fazia-lhe presente deuma Lofetatla que lhe ventlasse os olhos,

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    30 LISBOA DE HO:\"TE:\1e aprowitaYa esse ensejo de se pr :10fresco.

    Nunca mais LisLoa, desde ento, wr-dadeiramente conspirou. Querem ainda,de tempos a tempos, tlgurar isso, mas,como nos pequenos theatros, no temoscompanhia, e so os proprios aetoresuns relles comparsas, que se apres:::unem enterrar a pea antes d ella snLir scena. Diz ento a gente por ahi aosmnspiradores, quando os encontra:

    -Ento yocemec anda conspiralldo?E elles, com modestia:-Ora, no tanto assimJ c se saLe tudo . . .Elles com uma ancierlade importante:-Serio ?Ns, para os enganarmos:Foi gra(."a.

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    LISBOA DE H O : \ T E ~ I 31Elles com despeito:-No o meu amigo que o diz, al-

    guma coisa sabe . . .-No sei-Pala rra de honra'?-Palana de honra.- Ah ento, eu lhe conto . . .E conta-nos a conspirao.Pelas ultimas sarafuscas que hom-e,

    temerosas pelo prologo, como as velhaspeas do Salitre, estava eu em casaquando Yeiu dizer-me um d'estes amigos que andam mais bem informados:

    -Pois tu ainda aqui ests? Arran-ja-te, vamos, aYia-te; ha barulho

    l i a barulho? Porque?-Isso e p o i s ~ Arranja-te Despacha.-Aonde o Larulho ?-f-Ia de ser logo, ali pelo Rocio . . .

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    32 LISBOA DE H O ~ T E MNo ~ l a r t i n h o que se sabe Isso sabe-sesempre no ~ I a r t i n h o

    Yesti -me pressa: larguei a corrercomo um gaiato de caixas de assucm-no deixemos cair em desuso esta locuo nacional,- at ao sitio indicado: eraainda cedo: encontrei tudo socegado.

    No me deixaste jantar, amigoIDPU

    No tem 1Jmida. Yamos rua doPrncipe, ao Liffe.Pois sim. ~ l e s m o para fazer horas

    comeniente, e, se a policia nos virestar a ~ o m e r , no desconfiar de que euesteja ao facto do que tu me informaste merc de andares sempre em diacom estas coisas.

    Calluda.Jantei ao lado tle um sujeito que se

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    LISBOA DE H O . : \ T E ~ I 33entretinha solitariamente com um biffesito n>lhote : a modo de bifJe da v spera, bitTe reaccionario; como que umsimptoma politico Diacho Comi pressa, ancioso de ir para o fco.

    Yamos para o fco?Yamos.

    Convers::11:es animadas; magotes fuscos; segredos aos ouvidos uns dos outros; [dguns apertos de mo. Lobrigueino Suisso gente a tomar caf. militaressentados fraternalmente em bancos jo-gaml.o o xaJrez e funiando Foi-megrato rer esses bravos n uma tal hora,descansarem pacificamente Je sua activa .vigilancia; a dois passos d elles maismilitares: depois um grupo depois outro, e uma infiniuade d elles; eahi entrou.um capito de grand,s higodes disse

    3

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    3.\ LISBOA DE H O ~ T ~ Iadeus a um e a outro foi desarmar-sea um canto e bebeu depois genebra auma mesa onde estaYam tambem doisfurrieis. 1\ o fallou com elles, mas no

    d e ~ d e n h o u estar a seu lado, e aquellecomportamento demonatico teve logopara mim uma alta significao politica.

    eiu um 4ue da policia sentar-se mesma mesa em que estaramos. e notirou os olhos de ns. Eu por disfarce,lsse ao meu amigo:-Queres tu jogar o dominLi ?

    ~ b s o policia tudo era olhar-nos fixamente:Omeu ~ u n i g o resolutamente respon

    deu-me:-XoO da policia Jisse-mc:

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    LISBOA DE HmTEM 35S e me acceita para parceiro, aqui

    estou.Com muitogosto responui, eston

    teado j pela ebriedade reYulucionaria.JoguemosYein domin.Jogamos a copos de genebra? per-

    guntou o da polir:ia.A cognac.Venha coguacDo fino gritou o criaJo n'um tom,

    que parecia assonar uma n0ma ao sys-tema que nos rege.

    Uns que estaram entrada, disseramentre si olhando para a nossa mesa:

    - Aqnelles so da obra L est ja policia com elles.

    Formaram-se grupos a obserrar-nos.Vieram mais bolegin.3 para a porta.

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    36 LISBOA DE HO:\"TEMJogmos alguns copinhos, e o policia

    foi quem perdeu, ou antes, quem perdeu foram os fundos secretos.

    Entretanto, desde aquella hora, ficmos compromettidos.

    Vamos ao .Martinho? disse eu aomeu amtgo.

    Vamos l disse o outro.E fomos._ \ excepo de dois rapasitos, queestaYam ali aprendendo a beber sem ter

    sede, no estaYa l mais ninguem do quens de policia atraz.

    - Diga-me c uma coisa, pergunteiao moro, aqui nunca vem mais gente?Das oito s nove, o poder do mun

    do. _\ntcs, c depois, ninguem.E lJoa Yamos ao Rocio, sem demora

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    L I S B O ~ \ DE HOXTKU 37Fomos ao Rocio. L estavam alguns

    passeando, outros como que a desfiaremidylios; sentados nos seus IKmquinhos,de costas voltadas para o funtlador daliberdade, Yerdadeira altitude Je Jisfarcepara revolucionarios, que luclem contraa influeneia do gowrno, entretendo alios seus coneiliabulos at soar a horagloriosa Como vssemos o homem dabilha pedimos-lhe um copo d agua, ebebmol-a, perdidos na con::;pirao c nanoite. Depois, fizemos meia Yolta direita e dirigimos-nos para nossas casas.O pianista das Figuras de cera commovido da situao em que nos vira, mimoseou-nos de longe com o quer que fossedo OfTenbachA coisa est feia dissemos em

    casa, ao recolher.

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    :JS LISBOA DE HOXTEllA cidade. antigamente, auxiliaYa pela

    escurido, a boa mise en scene d estasf a r ~ a s gora ha luz de mais para topouco assumpto. Era tudo quedo, tudosoturno. morto. Apenas o prego dealgum aguadeiro, aqui ou ali, roncandolugubremrnte:

    At i .As lojas m a ~ o n i c a s tralJalharam com

    ancia desde as \ re- ~ I a r i a s em successiras iniciaes, e as sociedades politicas limparam os neophitos de todaa docilidaJe, obrigando-os a juramen-tos giarissimos, para que ajudassem adar cabo de todos os tramas no maishrere e s p a ~ o de tempo. PassaY:\-se porem tu1Jo cm sesses, e nunca essaspaixes exaltadas fizeram outro mal queno fosse o de moer a pacicncia Je

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    LISBOA DE ll: \TE:\1 3 :1quem ouvia os discursos que ellas inspiravam.

    Em se saindo do Chiado e da baixamudava logo o aspecto Ja populao; aciJade era outra: ruas Yelhas ruas toscas que offereciam medocre interesseaos archeologos e r ~ c i m ter sido edificadas em plano de labyrintho para queuma pessoa i n e ~ p e r i e n t e com difficuldade encontrasse sabida Cidade deproYincia. Sem cerimonia. Cordas ja-nella com roupa a seccar. Gallinhas porta; rebanhos Je rapasitos a brincaremnas escadas accocorados nos degrausaos cinco e aos seis o mais velho como mais novo s costas

    ..\ hora de largar a agulha fallava-sede janclla. para j:mella. O facto Je servisinho authorisava a ravar conheci-

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    l,O LISBOA DE HO.\ TENmento. Pedia-se um rt:m o de salsa umfio tlc azeite Ao cair da noite fechaYa-se toda a gente nos difTerentes an-dares do predio. como objectos que searrecadassem nas ~ r a - e t a s de uma com-cmoda. Tinha-se horror ao mormento.Kingucm s n s p c i t ~ n a que a actividade,a distraco. pudessem agradar s creaturas e que at a raso se recuse, por algum modo, a admittir quehaja felicidade immorel e St'mprc igual,por mais completa que seja doutrinaque no dcre parecer opposta ao sentimrnto religioso que goren1::1 as creaturas porque a conlradit;o s naapparencia listo no estar ainda Jeter-minado que juLilos nos sejam promettidus para depois de morrermos nemhaYer motiro para que se nos affigurem

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    LISBO.\ DE H o : \ T E ~ Icom a perspectiYa de um descanro estagnado

    E entretanto. coisa nataYcl, foi porentre a monotonia d essa vida velha, quesurgiram os homens mais importantesdos ultimos tempos de Portugal E issona politica, nas letlras, nas artes, nasciencia, na elegancia at

    A gerao nora olhou para elles pasmada; e achou-os excessivos, achou-osexaltados ... Quando um d'elles ouviuisto, sorriu-se, e, cm plena sesso doparlamento, atirou-lhes em resposta umimproriso, que bastaria para ganhar famade eloquente a um orador: depois delhes ensinar o que eram os eultados,quiz mostrar-lhes tambem no que vinhaa dar no o ser . . .

    No exaltado, disse elle, foi o se-

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    ~ 2 LISBO_-\. DE H O : \ T E ~ Inado de TiLerio, quando subscrevia oscaprichos d aquelle furioso: no exaltadoera o senado de Diocleciano, quando assentado nas sedes curues discutia emque caarola deYia coser-se o redm-alho:no exaltados foram os consules de Calgula, quando aceitaram para seu companheiro ocaYallo Intatus no exaltadaera a dieta de Stockolmo, quando estavapara ser presidida pela hotta suja deCarlos xn: no rxaltada a lama dasruas, a Yasa das mars, o lodo das praias,e a poeira das praas

    ChamaYa-se Antonio da Cunha Sotto~ I a i o r o que assim deffendeu os e'{altados. Que original. esse Antonio daCnnha Yejamol-o um pouco, fra dasexaltaes da Yida publica: mais curiosop a r e c ~ r ; p o r ~ J u e desde qne o mundo

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    LISBOA DE HO:\ TE:\1 i3mundo, e em toda a parte sempre osgrandes homens procuraram distrair-seda gloria que os acompanha, e no hamais curioso exame do que o de obser-var os homens de talento na occasio cmque descanam. Conta-se que estandoem Londres o ano Tom Ponce, que allichegra haria apenas rinte e quatro ho-ras, c fra morar para um hotel que haem Leicester Square Lcicester Place, ohotel da Yima Granra, tamLcm chamadohotel da Europa estaYa alli um estrangeiro sempre bom que se diga j queno era portugurz conformr, pelo me-nos, ao que me aflianaram quando lmesmo em 1862 me contou esta historiaum dos creados do hotel, que era italianoe me tratara nas palminhas desde umdia cm que riu o tenor Tamberlik. que

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    H LISDO_\ DE H O X T E ~ Iera o seu dolo, tlar-me a honra de irYisitar-me estaYa alli um estrangeiroe, mesa. o estrangeiro disse a quem oqmz ounr:

    Tenho pena que o Tom Pouce esteja por um preo fabuloso; dois guineuspara o YCI , acho pe.sauo Em estandomais barato heide ir wl-o eu tambem

    Anda por ahi n"uma carruagem e s p r e i t a i o ~- Impossircl. A carruagem to pequena e elle Yae to escondidinho dentrod elia que no ha pesca l-o Esperareique baixe de preo . . .Porque preo lhe faz conta"?

    Para wr um ano to possante eproporcionado como dizem que elle acho bem empregada meia libra: mais,nem um p nny

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    LISBOA E HO:\ TDI ~-Pode vel-o de graa, se quizerDe graa ?De graa.

    -D essa maneira ainda me parece-ria mais curioso. Como hade ser?

    - Elle est no primeiro andar . . .-Est, sim.O meu amigo est no segundo ...No segundo qne eu moro, no

    quarto 78.O quarto d'elle o 16: o meu

    amigo de manh desce do seu quartopara ir tomar um banho: mette-se pelocorredor onde arish:1.r onumero do quarto:elle s sete horas est sempre a p, bata-lhe porta.

    -Bato-lhe porta. , .-Ellc cuida que o creado, e abre:

    o meu amigo olha para elle, Y-o bem,

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    .\6 LISBOA DE HO.\"TEllpctle-lhe desculpa de se haYer enganadoe ter batido na porta 1Grm wz da porta . . .

    -78 que a minhaIsso mesmo; em vez da porta 78,

    que a sua, no segundo andar; acilequivoco Pedirias as desculpas, viu oTom Ponce, apenas chegado a Londres,Tom Pouce fresco, e de graa . . .

    - J manh vou fazer essa Quartoi ~

    Quarto lG.Xa manh immeJiata o amavel espe

    culador leYanton-se s s i ~ horas e meia;wstiu-se: desceu ao primeiro andar ebateu porta do quarto lG.

    Quem est ahi? perguntou de dentro uma voz gmssa e formidanda.Faz famr de abrir.

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    LISBOA DE HO:\TK\1 7Abriu-se a porta e apparcceu um ho

    memzarro immenso e tremebunuo ofamoso Lablache cantor. o figuro maisalto e mais gordo que a I_nglaterra temcontemplado.

    Oestrangeiro. sem se lembrar que pormaganice haviam cassoado com elle indicando-lhe o quarto d este gigante emvez do quarto do ano, balbuciou timidamente:

    - Hade desculpar senhor . . .O U I ~

    -Creio que me enganei . . .-Ah-Procuraya . . .-Quem'?0 sr. Tom Pouce?O anosinho Tom Poure . . .

    -Sim, senhor . . .

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    q8 LISBOA DE 1 1 0 : : \ T E : ~ ISou eu. o senhor ?

    -Sou eu.0 sr. que o sr. Tom Pouce A

    mim tinham-me dito que elle era to pequenino, to pequenino . . .

    -Sim mas, quando estou s, ponhome vontade . . .

    Assim acontece de algum modo aos homens de talento. Surpreendei-os quanuoelles estirerem vontade, vr o que hamais differente de elles proprios; no s pelo que respeita a maneiras, a excentricidades, a celebreiras, como as que secitam do marqucz lle P o n ~ x l gostar deexerccios fatigantes e ter havido quemo visse saltar mesas e caueiras, o Bocagecomer papel, Rehcllo ua Silva comer asunhas a deixar o sabugo em sangue, Ca-

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    LISBOA DE H O ~ T ~ I imillo Castellc Branco fazer soeieciarle comum gato como dois amigos para a vidae para a morte; ha muito da naturesaJe creana em toclo o homem de talento;isso sabido, mas o que para ver. quanto mesmo aquelles que no so ex-centricos differem na Yida intima e emtudo que wrdadeiramente revela o ho-mem, do conceito que o mundo qw>rsempre formar d el\es e da apparenciaque elles mesmo sr do.

    Antonio da Cunha Sotto .\laior, que hoje ministro de P t ~ r t n g a l em Stockol-mo, foi aqui um taful d estronclo, umelegante lc:>gendario. mn janota da raados Alcibiades. Parece qne ainrb hojepor l consena g r a n d ~ s restos do antigodandysmo. e qne no ahJicou ainda dase:x3geraes 1ue o c a r < ~ e t e r i ; ; ; a a m . Fm

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    50 LISBOA DE HO.XTEMi87 ou 1872 senJo adJido da legaoportugueza em Dinamarca um dos raroselegantes portuguezes, noros que temdado que fallar Je si no estrangeiro pelo

    l u ~ o de restuario trens, despesas grossase, principalmente pelo amor excentricidade, o sr. e r o n ~ m o Condeixa, terede ver com smpresa que, apezar da suajurentude e da flr de mociJade que de-veria Jar-lhe sobre o wlho ministro umasuperioridaJe que no seria para estranhar attenta a edade d aquelle prncipeda elegancia, princeps elegantiarum Sto-ckolmo lhe chamara como para lhe fa-zer sentir que elle ia apenas no caminhoalcibiJiaco que o outro j conhecia mais,o Sotto Menor .:\Ir. Sotto Mineur paralhe marcar bem a patente inferior emproporo para com Sotto Maior.

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    LISBOA DE H O X T ~ I 51O meu conhecimento com Antonio dl

    Cunha foi o caso mais gallante, direi melhor o menos gallante, mas o maisexcentrico que tem havido n Pste mundo.Eu tinha dezoito annos n esse tempo.Um cavalheiro cujo nome no wm parao caso, havia-me convidado a ir ao bailede S. Carlos, no Carnaval; elle tinha umcamarote que uma velha do seu conhecimento havia ofTerccido a uma pessoaque lhe era querida, e a quem Pile acompanhava. Antonio da Cunha Solto ::\Iaiorfazia a crte a essa pessoa, crte que oproprio cavalheiro nada tinha que estranhar, porque parecia limitar-se a olhal-acom atteno, cortejando-a com a delicadesa de um gentleman e o respeito af e-ctuoso de um admirador. Ent.rct:mto oszuns zuns da vida, a diligencia que a

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    LISBOA E HO.XTDIinveja, a ruindade, a cobardia fazem sempre Je prejudicar alguem, levra porventura ao seu distrahido omido por maisde uma rez como que nas azas deuma inteno maliciosa, o nome de Antonio da Cunha.Chegaramos a S. Carlos, o theatroestava cheio de mascaras e de curiosos,rompemos pelo sallo trepmos a largaescadaria e eis-nos n'um camarote desegunda ordem. Por baixo zumbia a fallacia das mascaras, c a bulha da orchestra: n'esse tempo no se dava opera emS. Carlos na noule de baile. O calor eraimmenso, e, l mais a mais, o camaroteficara por tal forma fronteiro ao lustreque a vista perturhara-se. O cavalheirodisse: Que calor c que r.a.marote

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    LISBOA DE Ho: \TDI 53A pessoa querida no se queixou.-Vamos l abaixo dis:;;e elle para

    mim.Fomos l abaixo. Julio, Yoc Yisto ser traductor do

    Gymnasio, deYe por fora conhecer ol\Iaia

    -Qual :Maia"O )laia camaroteiro de S. Carlos,

    que, quando no est mettido na sua respectira tcca de camaroteiro. est sempre no Gymnasio . . .

    -Conheo, sim; o l i alto, que temo mais bonito burro das dua:;; Castellas.-Isso; Yoc falia-lhe?-Fallo fallo-lhe toJos os dias.-:Magnifico; Yamos ns wr se elle

    nos troca o camarote . . .-Pois Yamos.

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    :;i LISBOA DE H O ~ T MO laia camaroteiro estava no exerci

    cio das suas funces, entregando chaYes, tomando nota. recebendo dinheiro. o mesmo jJaia hoje dono da casa depasto do Campo Grande, que faz esquina estrada que segue para o Lumiar.- sr. Jlaia, di:;se-lhe eu, seria possvel trocar por outro o camarote numero

    t n t o s ~Trocar outro por esse? -- Yem a dar na mesma.Com a Jifrerena de que o sr. Ma-

    chado engana-se no numero, esse camarote que me diz parece-me que do . . .Veja ahi na lista, faa favor, que eu noposso agora interromper o que estou fazendo . . .

    E, c-ontinuando a contar dinheiro, indicou-me a lista.

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    56 LI BOA DE HO \TE \1Tanto haYia de qu. que o propno

    Antonio da Cuulw rindo a saber, nosei como que eu haria eritado uma in-

    . discrio que poderia ser fatal disse aLopes de lenJona, com quem eu medara muito que me apresentasse e tivemos depois excellentes relaes.

    O mundo exterior era tudo para :SottoMaior. Pela pratica da riJa, e pelo estudo. t ~ 1 e g r a a estimar acinia de tudoo trabalho, o bom senso. a r a z ~ w a famlia. todas as cousas uteis e salutares,mas nunca gostou rreio eu seno

    das outras, das que no so to salutaresnem to uteis, porm so mais brilhan-tes. Comquanto educado grandemente,e luxuosamente comquanto habituadodesde pequeno a quanto ha mais raro,mais luzido mais rico e mais elegante,

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    LISBOA DE HO.XTEM 57haria n elle uma tendencia que cu nuncasoube explicar para vaidades ostentosas.J no seu vestuario elle era s wzcsum elegante suspeitoso: de gustibus noest disputandwn mas sempre ha o direito, seno de questionar pelo menosde obserrar: a abundancia c variedade decres com que elle matisava o seu restuario; o prazer que elle tinha cm annunciar o fausto que o distinguia, e ocuidado permanente de pr bem ei n evidencia as raridades da sua guarda-roupatinham de wz cm quando seu que deostentoso, c pode c dere dizer-se isto comtanto mais desafogo que, todos sabemque era um original. Resgatara porm,isso tudo, e fazia-o perdoar pela mocidade de um esprito gracioso e pelo rigorde uma argunwntao sempre prompta

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    58 USBO.A DE H O N T ~ Ie habil. Dominava pela palaua no snas camaras, mas pela rua nas casasno theatro. As palauas teem importancia cm toda a parte mas principalmenten estc povo impressionavel e leviano, quetantas vezes at em coisas serias paranegocio se contenta com palavras e se dpor brm pago. Com palarras se embalam os lisboetas, e se caa com elles ; facil explorai-os escolhendo-as bonitasbrilhantes; assustai-os evocando termos, que so corno phantasmas:

    Decimas.RPaco.Deficit.Republica.Bancarrota.Iberia.Direitos.

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    LISBOA DE H O ~ T ~ I 59Liberdade.Patriotismo.E outros roncos de parolagemDepois de haver assustado o parla-

    mento sem se lhe importar atirara certocom tanto que atirasse forte e que fe-risse fogo cortou as azas do anjo e noquiz saber se a humanidade to feiacomo a pintam tratou antes de lhe met-ter medo para a deter em seus mpetose de exagerai-a para a corrigir: isso feznas cartas de Gracco Tullia e emdifferentes escriptos nomeadamente noFr. Paulo ou do ;e rnisterios de queapenas escreveu os primeiros talvez porw que a baixesa campo rasto e quetanto faz na crte corno nos cantos dasruas nas assemblas brilhantes ou noscoios escuros as plantas luxuriantes do

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    60 LISBOA DE HO:\"TE:\1Yicio, dahypocresia. da aYidez. da lisonja,da contradico, da mentira, da tolice naambio c da chatesa na Yontade, germinam por ahi em tal aLundancia e emtal fartura, que doze misterios era umabagatela para to momentoso e to rendoso assumpto

    Foi essa a hora em que a :::ociedade, oque se chama sociedade-isto , a maispequenina poro d ella. isso a que chamam hoje hygh-life, pareceu enfadai-o:desdenhou o grande aparato da :u-istocracia, aparato que principiaYa a achar-secm ~ a u estado como os aJereces dasmagicas ranadas ou as estropiaJas Yistas do theatro de S. C.arlos. tle r ue a genteno pode Jeixar de rir quantlo a rubricamarca no folheto da opera salo ex-plen ido e magniftro Borlmleteou. em

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    LISBOA E H O ~ T I 61folhetins do Estandarte, divagando ares-peito de l_,ailes, de mulheres, de amores,fazendo o retrato e a critica de uma ououtra, brincando, dcvaneiando, sorrindo,e, che lo s vingando. Tinham portitulo esses folhetins, Esta, essa, uquella,

    aquel outra e eram de um fulgor deimaginao que fazia com que aquel ou-tra tivesse ciumes d aquella, d essa, ed esta.

    As suas maiores excentricidades foram exactamente o segredo da nomeadaque elle alcanou. De uma occasio estava jogando o wist: caiu um pinto aum dos parceiros, homem extremamenterico: o sujeito tirou o c:mdieiro de cima da mesa, c poz-se a procurar o seu

    p i n ~ oQue faz, meu charo? perguntou-lhe

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    ~ LISBOA DE H O : \ T E ~ IAntonio da Cunha. Quer d e i ~ a r n o s sescuras?-Cahiu-mc um pinto respondeu ooutro.-Ah escusado tirar-nos a luz;

    eu o alumio.E accendendo uma nota de quatromoedas fez com ella um archotinho parao ajudar a procurar o pinto . . .-Veja se o acha disse.N'um bello dia, para no augmentara conta no Keil, entendeu que seria bom

    regular a sua vida, e fazer aos credoresuma pequena amabilidade-pagar-lhes;.isso fez-se e foi-se embora para Dinamarca como nosso ministro: pagar-lhes eficar, seria amabilidade grande de mais,-seria fazer conta nova.Era homem de bons dotes. de um gosto

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    LISBOA DE HO::\TK\1 63fino para algumas coisas e sabendo ap-plicar as suas raras faculdades a concep-es que apresentaYam sempre um ca-racter de orignalidade. Tinha muitas vezesa maneira do cavalheirismo antigo e he-roico. No deve esquecer o seu nome:como homem de talento no lhe ficou quedesejar brilhou no parlamento pela Yiva-cidade explendor e ousadia dos seusdiscursos brilhou na moda como o primeiro janota do seu tempo -no Passeiopublieo o vi eu de uma wz com uma capade casemira branca- brilhou na im-prensa como ounico folhetinista que pdeconseguir esse titulo no tempo de Lopesde Mendona e foi ainda brilhar na di-plomacia merc do alcanee das suas fa-culdades e dos recursos da sua feioelegante. Se a gloria alguma coisa

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    LISBO_\ DE HO.XTK.\1podem os mais illustres do nosso tempoinvejar-lhe a sorte. Por muitos annos,quando elle estava ainda em Lisboa, seouviu dizer de vez em quando :O Antonio da Cunha velho. n ~ o

    nos illudmos. J no anno de. . . - \O seu elegante bigode branco continuava a ser to moo como os rapasesd esse tempo, bem mais moo que os rapases d agora. Esse bigode legendarioera. como por graciosa malcia, m:s alrejante que nenhum outro, merc de umdos seus segredos de garridie: lavava-otodos os dias com sumo de limo. parao tornar de uma alvura ntida c magnifica.

    Daram os antigos uma foi( e ao tempoe estavam longe por certo de cuidar. aprsar da allegoria, quanto esse ceifeiro cruel

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    LISBOA DE H m T ~ I 65havia ue devastar a Lisboa de hontem,fazendo uesapparecer cm poutos annos,e como que de repente, quantos brilharam n'ella na unica quadra elegante queella teve . . .

    Cma foice, noCma foice no poderia com tanto. ~ e -lhor graa teve Oridio, em dar ao wlhodentes e um appetite Pnorme. Tempusedax rerwn Na monotonia portugucza,no delirio ua vida de Paris, nas brumasuo noJte, nos fJios ua Russia, Antonioua Cunha Sotto ~ a i o r tem conseguidoat hoje rir-se dos annos . . .Falia-se agora ...-mito em typos: -Que typo um typo Tu s typoNo se fallava d'isso ento, e era en

    to que elles existiam. De mais a maisn'essa I]UaJra havia. por assim dizer,5

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    66 LISBOA DE H O ~ T Mem Lisboa, uma aula de alegria: eramas peas do Gymnasio. O francez mileDoux ensaiara n esse theatrid10 as co-medias mais engraadas do epertoriode Frana, que parecia inexg tarel deratices e jorialidades. a Porta da ruao Morgado da rentosa as Duas Ben-gallas o Ensaio da lYorma o DoutorGramma e as galantes composies deScrilJe, Beijo ao portador recolhidao Coronel sem fallarmos na fara im-mortal do Taborda, a Velhice 1Yamoradaem que este copira, um celebre fiel defeito::, chamado Paixo. que era muitoconhecido no StJ nos cartorios, mas emtodas as lojas de Lisboa por contende-rem com elle os caixeiros.

    Esse Pai.ca foi a primeira rictimada troa popular. no to amargurado

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    LISBOA DE HOXTE:II 67assim t ~ s o pela furia casso ista da garotada das ruas como o Jos das caixinhas;o Francisquinho; as tluas irms rnaizaacerta passo pobres Yelhas a quem -zeram inclcmencias s pelo crime de ellasdizerem isso uma outra quando iampasseiando; o boticario da rua. do OuroRoberto pim pim que pagou caro o haver usado d esta expresso pittorescapara indicar a aria do baixo no Robertodo diabo; e mais que todos o pallido ephantastico figuro que Lisboa conheceupelo nome de Escalado.

    OEscalado era um pobre homem quedcixra crescer o cnLello as unhas e asugido mais do que permittido. rs ros suspcnsorios por cima da jaqueta:qninse anncis: chapeu esboracado postoum pouco banda; hotias melancholi-

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    68 LISBOA E HO:\ TDIcamentc e.stropiauas. Ar de philo.sopho,e de louco: certa clegancia burlescamentelugubre: a mi.seria da se rte e da vida,passeando pelo seu p, como uma theoria extra,-agante e stoica, ~ sol das Portas Je Santo AntoHa poucas alegrias n'este mundo queno custem lagrimas a alguem. feitaassim. a humanidade. Ko que uns achamoccasio de se Jiwrtirem, teem outrosrazes para chorarem. O rapazio era feliz correndo a raz d'esse. poLre louco;no haYia garoto fino ou grosso, dosque iam ao collegio ou dos que noaprendiam a ler, que no aproreitasseo ensejo de implicar com o E.scalauo,se o acaso lhes sorria ao ponto de o encontrarem no seu caminho . A infancia cruel, e o ex.centrico personagem Jes-

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    LISBOA DE I I O : \ T E ~ [ 69afiava a curiosidade; tinha a excentricidade ca ralheiresca, andaYa em passodemorado e garboso: dir-se-hia a caricatura de um deus do hellenismo. HaYiaentretanto, algumas Yezes o qu qu rque fosse sublime n aquelle uesgraado.Diziam-se differentes coisas a s u respeito; que era de boa famlia que framilitar, que enlouquecra por amores.Y l saber O nada da sua existenciaera a unica coisa facil de aYeriguar. EstaYa incapaz de sentir. Tudo o affastayado mundo; ninguem na Yida tinha ternura para elle; dizia-se tamhrm, erauma das legendas, que ellc expiaYa nosei que praga que _haviam rogado a alguem da sua famlia. Historias A fatalidade antiga no tinha j n'esse temponada que Yer com as Portas de Santo

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    iO LISBOA DE H O ~ T YAnto, mas as idas que grassavamn essa epocha a respeito da justia aindatinham sua relao com as que faziam,outr ora. expiar por um innocente ocrimede um culpado. Inspirat da BiLlia quepoderiam levar-nos longe; hoje -se menos sonhador; o cordeiro do sacrifciode Abraham era cordeiro, no era homem; mal iria aos ministros, que Ycemdepois de outros, se tiressem de pagaro que elles dei,.am por solrer: quantomais o pobre Escalado pagar o que nofez Era louco, e pobre: males -vergonhosos: e estava em terra onde nuncahouve policia, por isso os gaiatos, comobons portuguezes, o apedrejaram castigando-o de ser pobre e louco

    \ sociedade media tinha o seu excentrico; chamara-se oMorgado das cebo/las

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    LISBOA DE HmTE.\1 71Era o morgado um Lello rapago, bem

    parecido, de presena esbelta, Yestindo moda, e deitando o p para fra. Pas-saYa por ser bom moo, e ter pilheria.Dizia coisas chistosas, que daYam nogto s bellas, por certa originalidaJe,n este genero :

    [m a senhora, que se prese; falta aos de,eres da boa socieJade sempreque deixar as Yisitas fazerem escarneodas pessoas que ro a sua casa, muitomais quando essas pessoas voltarem cos-tas e se retirarem. Elia mesma que devefazer isso, a ella que isso compete

    As meninas riam.A civilidade tudo, minhas senho-

    ras I accrescentara elle, preparanJo jnovo gracejo. No ha nada que chegue civilidade I Ahi est tambem que, quando

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    7j LISBOA DE H O ~ T E Iuma Yisita se leYante para se ir embora,nunca as senhoras l'w deYem pucharpela soLrecasaca, para\ a fazerem sentaroutra Yez ao ponto de a rasgarem. Bastadizer-lhe com um arsinlw de saudade:

    Ento, j E quando elle for naescaJa, Jepois de se fechar a porta, que se Jere usar a exclamao usadaem taes casos Oh que massaJor

    E outra Yez as meninas riam, riamEra preciso Yel-o uum celebre Circoda rua da Procisso, aos Jomingos detarde, de p, entrada, namorando asformosas que iam para a galeria: j jan-taJinhas, J.e palito na bocca, e toil tt sque no tinham nada que ,er com o -gurino da ultima moda .

    A lleusas da companhia, que attraiamf(tiClle pequenino circo todos os ama-

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    LISBOA E IIOXTDI 73dores pela sua elegancia e pela per-feio do seu trabalho, eram mulheresbonitas coisa que j no se usa nosdivertimentos. Os grandes janotas dotempo affiuiam Ui para as ver. Reinavauma suave admirao da parte do publico para os artistas, e por ser grandeo calor n aquelle diYertimento j porqueo circo s trabalhava de vero j porque o vero era ardentissimo os elegantes de vez em quanuo mandaram buscarrefrescos e enviavam-os l para dentropor um moo qualquer, que trepava gra-emente o estrado e ali mesmo lh osofferecia is a do publico dando occasio a que ellas os bebessem trocandoao mesmo tempo amaveis sorrisos comos seus adoradores corno se lhes dissessem:

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    74 LISBOA DE HONTEllA sua sande l

    De uma o c c s i ~ o estava uma a beberum cabaz bebida ie qne se perdeu amoda, e que constan de caff e licores,e bebia isso em plena\pantomima

    N isto ouve-se uma voz no fim da plata:No bebas mais Olha que te pde

    fazer mal . . .Era a me da diva que lhe atiraracom aquelle conselho hygienico, do Jo

    gar onde estava saboreando, ella propria,uma mistura.

    Quando no fim da funco dispersaYa a sociedade, aquellas ruas estreitasregorgitavam de frequentadores do Circo;iam uns cantando, para celebrarem avictoria d aquella tarde e noite, outroscantavam tamhem para esquecerem o

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    7G LISBOA DE H O : i T E ~ ITire excellente ida em Yir hoje a

    este diwrtimento Ganhei o prazer deconhecer Y ex.a nja helleza rara . . .D esse Circo de rua da Procisso,

    passaram os artista\ para o Circo doGymnasio_. o famoso barraco onde apantomima e a gymnastica floresceramdurante tres mezes: Jo h a r r ~ o nas-ceu o theatro, o antigo tlieatrinho quefoi to alegre pelo seu repertorio comopela Yida que leYaYam os seus artistas .

    .Amigos todos e dando-se bem unscom os outros, o que a mais curiosarariLlade de quantas tem succedido emtheatro. trabalhara-se hora propria, eo rest0 elo tempo era para a alegria.

    Cada qual se divertia alli a seu sabor.Romo era homem dado a amores e

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    LISBOA DE 110.:\TK\1 i7a aventuras; tinha uma ktgagcm permanente de raminhos de flores, c decartas ma,iosas: nunca passou tantos bi-lhetes de beneficio, como bilhetes deamores. A legenda apontava uma listaabundante de favoritas d este imperadordo ensaio. A wrdadc que elle ensinavaas actrizes com immenso gosto, e queesse gosto augmentava em ellas lambemgostando d elle. ez prodigios. l\o ha-via discipula formosa, que a varinha ma-gica d estc ensaiador, que parecia quererperpetuar ocapricho gallante dos faunas,no transformasse, a poder de dedicao,em artista distincta. Depois, como sem-pre foi homem intelligcnte, sinceramenteaffeioado ao thcatro, tendo o zelo e ofanatismo da arte, ainda que acabasseo amante, continuava o ensaiador, e ia-as

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    78 LISBOA DE HO:XTDlauxiliando sempre com as suas lies,elle que por um momento estivera aponto de as desvairar com o ensinar-lheso jogo das paixes nas praticas da vida,mais arriscadas ainda que as do palco t

    O gordo Pereirac.;Homem por excellenciaBom e ualmente mesa. ao caYaco..e no tablado.Para elle a difficuldade de um papelconsistia simplesmente em o decorar.

    lima \ez aprendido de cr o p p e l ~ dizia-o pam alli de corrida como um rapaza papaguear a lio, e suppria pela suagraa nalural o que deria s vezes pea e ao personagem. Era jorial convira, e bebellor audaz. Tinha a casacheia u linos: mui los em lingua quenem elle sabia. Lerara-o para as letlras

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    LISBOA DE H O ~ T ~ I 79e para o talento, uma simpathia irresistivel: depois do talento e das lettrasessa mesma simpathia lev:.1xa-o para ovinho. De uma vez, por Jistraco ecuriosidade, nan1orou; elle mesmo confessava que no havia gostado e que sedeixra d'isso sem mesmo haver percebido o que seria ser amado e amar. Eraum philosopho.

    .Moniz, tetrico patibular lugubrementetriste de cara de modo, de expressoe de sistema, na rida alegrara-se duashoras todas as noites-emquanto estavarepresentando e que ri,-ia da alegriaque inspirava. Precisara fazer rir toJo opublico, para estar contente elle. Aodescer do panno, os espectadores retiravam-se, e Moniz ficava sem a sua alegria: levaram-lh a elles.

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    80 LISBOA E H O ~ T I~ I a r t 1 u e s era um sabio um cavalhei-

    ro um piteirciro e um sachristo. Tudoisto. Sabia latim dizia a proposito dequalquer coisa uma maxima valiosa ebebia-lhe em cima meio quartilho. Feza fortuna e a fama de uma tasca quepor muitos annos existiu ao lado doGymnasio; foi o imentor do Barra-co.

    Braz ~ l r t i n s estudava trabalhava. emassaw Em apanhando lo impingia asua historia toda: fra rico. elegante jo-ven. e sempre fanhoso: de todas estasprendas s lhe ficara a ultima. O repertorio original do theatro portuguez foipor uns tempos seu. Para o theatro deD. ~ I a r i a n escreYia a Mendiga; para oGymnasio:Fernando ou o juramento O chinello

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    LISBO.\ DE H O X T E ~ I 8da cantora Vou para a Californiagarrafa monstro Santo Antonio.

    Era homem de habilidade, mas infeliz. Temperamento oscilante; caracterfraco: dominaJdo pelas mulheres. Boanaturesa, no fundo d isso, e sempre generos nos assomos de audacia que eram sutTocados na paixo amorosa. Esmorecia no trabalho por causa dos amores;nem estudava nem progredia; pelo contrario, como succecle aos fracos foi apeior como escriptor e como artista, medida que os casos do corao o saltearam. Os grandes talentos medram eaYldtam quando amam: os pequenos enfesam c murcham. a diiTerena.

    Diga-se tambrm n este ponto a verdade toda e que a vida de theatro n esse temvo tinha sctluces que no

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    82 LISBOA DE H O . \ T E ~ ltornou a ter; o publico adorava os artis-tas: as mulheres davam o caYaco porelles. Os theatros particulares prepara-vam habilmente esses cffeitos amorosos;o maim numero de actores comearamn'esses tablados amaveis, nunca perigo-sos. de theatrinhos de comitc. .Ali seJa ramo gosto Je representar toda a qua-lidauc de papeis a seu sabr, Pedro oGrande on a escram de MariemburgoA 11 doa de sangue . . Braz ::\Iartinsganhra fama n esses recreios tomadossempre em conta de gloria, e dispendracom taes dirertimentos o melhor Je umaherana que tirera. Ao entrar para oGymnasio, protegido e aconselhado porum ca alheiro que lhe foi dedicadosempre, o tabellio Cardoso, mais eo-nhecido n aquella epocha por cunhado

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    LISBOA DE 110:\ TEM 83do Visconde da Luz, homem engraadssimo, extremamente afeioado ao theatro, e auctor de uma farcita que fezepocha, Um Bernardo wmo ha muitos;ao entrar para o Gymnasio, Braz :\Iartins era annunciado como uma ressurreio do Talnta. Durante annos essehomem teve a arte de prender a atteno do publico s suas peas e ao seunome, e alcanou o suffragio dos litteratos pela prenda de recitar poesias no intervallo das comeJias.

    Foi, merc d essa um-idade. a quaJra do Ave Cesar, do Abdel-Kader, ol eterano, a .Minha Patria a Lua deLondres, o Cames

    Estabeleceu-se a moda.A sr.a Emlia das l es entendeu

    logo que deria tambem molhar a sua

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    8i: LISBOA DE H m T ~ Isopa no mel, n aquelle puro Hymeto dapoesia lyrica, e comeou a recitar a Cei-feira o Se cras no conto o Sonho daactriz entre applausos.

    O actor Rosa no poude tambem suster-se, e foi-se ao Veterano apesar doBraz Iartins.

    Os litteratos tinham um trabalho enorme para contentar estes tres interpretes,que, no contentes de recitarem durantemezes a fio quantas poesias appareeiam,algumas nem sempre muito ricas de idasnem de rimas,-mas emfim, l isso, costuma dizer-se que no a riqueza fj ed a felicidade os obrigaram a julgamentos imparciaes e sinceros.

    Rosa apresentava razes para evidenciar que s elle tinha a grande arte darecitao lyrica; a sr.a Emilia das 1'\eres

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    LISCOA DE H O : \ T E ~ I 85valia-se da sua voz lindssima para darao Yerso uma musica que no deixavade ter sua graa; e o Braz :Martins iafungando poesia e mais poesia, tirandorecursos, at ento no conhecidos, dayoz nasal.

    . Tudo isto fazia com que Braz Martins disfructasse uma considerao litte-raria, que promoria o assombro dos seuscompanheiros, e o auctorisara a descar-regar massadas homicidas n aquellespobres homens, que Yiam n elle umMolire, com a mesma facilidade epromptido com que annos depois, semmotivo para uma coisa nem para a outra, principiaram a ver n elle unica:mente um actor impossvel e um auctorinaceitaYel. Para este ultimo conceito havia concorrido em parte o nenhum sue-

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    86 LISBO.-\ DE H O X T ~ Icesso oas suas ultimas peas, e a quedadesastrada de uma celebre lha gatariaem que o panno tew de descer indo apea em meio, para maior comenienciado theatro e Yantagem do auditorio.

    Xo estou certo se, emqnanto duroua sua hora de celebridade e de voga,lhe enfeitaram a primeira casa do ladoesquerdo da casaca com um hahitosito;tenho ida que se pensou n isso. masno poderia assegurar se o conseguiramou no. A coisa apresentam difficuldades. As condecoraes no palco eramd ante.s assumpto de grandes discussesno nosso paiz. Por occasio de ser condecorado o actor Epiphanio, abalou-seo paiz. A geraro nova approvou o facto; os Yclhos solJresaltaram-se. Homemurmurio grande, ficou sempre memo-

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    LISBO_-\ DE H O ~ T ~ l 87aye] este caso na famlia portugueza.Por muito tempo actor que levasse pal-mas esperava no dia seguinte f Ue o ministro lhe puzesse uma fitinha na casaca;os ministros deixaram de applaudir pa-ra no se comprometerem a dar prenda.

    Tinham os artistas em recitas de noitede gala distraces imperdoareis na declamao dos seus papeis e arregala-Yam os olhos a cada instante para ascommendas e habitos que ornavam opeito de alguns espectadores. Os governos fingiam no perceber e tudo continuou no palco em grande calmaria decondecoraes.

    Yinte annos depois pensou-se que eratempo de arriscar outro habitosito eacudiu logo muito naturalmente a s -ou quero dizer o talento de Taborda.

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    88 LISBOA DE HOXTEMEntretanto. como um presente d aquelles no poJia lerar-se a etTeito de um Jiapara o outro, passou-se um pouco detempo a scismar.

    -Pmos-lhe a fita?No lhe pmos a fita?

    GraYe problema, que rasgou Jesdelogo o vo Jas ambies secretas, Jissipou o neYoeiro de desejos que no sedeclaram. e descobriu radiante no horisonte a fita de S. Thiago, que estavafresquinha.

    - Pomo3-lhe fita? tornaram ellesa dizer.

    No lhe pmos fita?Perigosissimo ponto de interrogao

    que suspendeu de repente a graYitaosilenciosa Jc alguns aspirantes ordinarios roda Jo seu astro central, c cha-

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    LISBOA DE HO:XTE.\1 89mou a atteno da imprensa e do publico.

    Appareceu a noticia nos jornaes ...O ecco repetiu ...Foi uma alegriaDepois de tantas questes. que por

    ahi suscitra, S. Thiago Yinha em fimdar gosto gente.

    Estimou-se nas salas saudou-o a imprensa, o theatro sentiu-se glorioso pelasegunda wz, nos seres foi esse o assumpto das palestras, e at nos botequinsruidosos calou-se o cavaco soporferopara deixar fallar a voz do triumpho.

    E de ento para c ora para o actorRosa ora para o actor Tasso ora parao actor Santos Ol'a para o grande Rossiora para Salvini ora para o Isidoroainda de vez em quando se pensara:

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    90 LISBOA DE HOW Y-Damos-lhe a fita ?- ~ lhe damos a fita ?Porque dizia-se, se no lhe damos a

    fita, os actores podero gritar que continuam os preconceitos, a injustia, omartyrio: podero allegar a importanciasocial da sua arte as difficulclades quea cercam, o talento de que teem dadoproyas, o incessante caminhar para obem. a pureza progressiYa dos seus costumes. -a estima moderna em que sotidos.

    Se lhe damos a fita, o que dir S.Thiago?O que dir a arte dramatica ?

    O que dir a logica?Pensemos um momento como se fos

    semos ns a logica, a arte dramatica, eS. Thiago:

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    LISBOA DE HO:.\"TE:\1 91E u sou o distinctiYo uo merito. Se

    o no engenuro, pelo menos aprego-o;se no ando pendurado em todas as golas illustres, estimo ao menos como celebres totlos os peitos que enfeito, cjulgo que me pagam cortezia com cortezia. Como hei de ,er-mc no tablado,embrulhado nos ouropeis agora do ridculo, logo do ricio, e d alli a nada do

    c r i m e ~ Pois hei de trepar-me na nizade ).fanuel ).fentles, e receber tramhulhes de Rebollo. de \Iichaella e do capito de milcias? Hei de ser o traidor,o papa-ratos, o paspalho, e o malrado?Hei de ministrar veneno, cravar punhaes,

    b . l ">Eou ar creanas, e sair a estrat a sea pea fr m, se o papel fr pateado,se a plata enraivecida atirar patacos aoactor, hei de ser eu que os receba? \

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    92 LISBOA DE HO.\TEllcasaca dos pintores, dos esculptores, doshomens ue letras. posso eu muito bempendurar-me; se qualquer d elles tiwrum rerez, no me succeuer mal algumporque no appareo. las com os

    actores no assim, porque os actorespagam com a sua pessoa, pagam de COt]JOpresente Embora me deixem no camarim, sente-se que ,-ou com elles para otablauo. Yisirel ou imisivcl, brilho aosolhos de toda a gente. Como heide preserrar-me eu tlas humilhaes a que elles proprios se sujeitam?

    Dizia a arte dramatica:Dom foi que assim como o deramaos tragicos, tambem o dessem aos jocosos; alis, ahi principiaram os actores a l ~ g r e s os que fazem rir, a scismarna fita e a mudar degenero, deixando-me

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    LISBOA E H O ~ T M 95quas1 nunca com a do outro. indispensaYel por isso que continue a haver cautela e a ponderar-se a cada c -v lheiro noYo que aponte no horisonte:- Pmos-lhe a fita?

    - No lhe p mos a fita? -Braz Martins merecia-a decerto tanto

    como alguns que por ahi a teem ; estamaneira de dizer tem a Yantagem deservir para o direito e para o ayesso eo leitor ter a bondade de ageital-a sua opinio por frma que conclua queo homem merecia a fita ou no mereciaa fita.

    verdade que os mesmos poetas cujas composies elle decoraYa e repetiatambem no se acharam nunca enfeitados d esse adorno glorioso e decorati,o, excepo do sr. Mendes Leal que lo-

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    96 LISBO_-\ E HO.:\ TDIgrou a escalla chromatica de toda essamusica.O que havia de poetas por aquellaepocha, coisa incalculawl: pouco duraram quasi todos elles: mas. por maisde tres ou quatro annos, foi um enxame.A mythologia grega dizia que o somno pae da morte: tanto adormeceram osleitores, que morreram elles- proprios,coitados lOs que resistiram eram homens a valer. O paiz. que lhes apprcndera os nomes, no os esqueceu mais._ I u i t o s destinados a outras especialidades e consagrando a sua atteno a

    uma ordem de trabalhos completamentealheios poesia, deram-se ao verso comoquem se pe moda.O primeiro poeta que me mostraram,

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    LISBOA DE I I O ~ T ~ I 97no sei j em que rua, foi o sr. Antoniode Serpa. \ agro, pallido, de cabello corredio deitado para traz da orelha, e sobie-casaca abotoada, admirei n elle otypo completo, excellente, que a burguezia attribue aos poetas: era melancholico, enfsaJo, amarelito

    Pareceu-me lugubre.Apertou-se-me o corao quando o

    VI.-Este o Antonio tle Serpa, hein?

    perguntei pasmado. .

    -Est bom poeta. Deve ser muitoinfeliz

    -Infeliz-Sim muito doente, muito perse-

    guido pelos homens, muito atribulado,muito atllicto

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    LISBOA DE 110: \TEli 99cipal instrumento de que Iupiter se ser-\u para dar com a gente em doida ;ambos os sexos e todas as classes sepozeram de repente n aquelle regimenexclusivo de versalhada. O destemperoa pieguice a lamuria produziram umeiTeito to agradawl que a chochice ri-mada tomou o logar ao juiso. arte, e moral. Rompeu uma multido de poe-tas a discorrer sem metro nem rithmoque arrasou o gosto a raso com umaex.huberancia tremenda de semsaboriaguindada de sublimidade pascasia. Erao Banana em PathmosTiveram um instante de moda : nasphilarmonicas; nas casas particularesrecitando versos ao piano. em que secelebrava o surriso liso e nas barcasde banhos para irem gargarejar com

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    100 LISBOA DE H O X T ~ Iaeompanhamento de exclamaes e extasis:-Temos um bello rio-Oh-Um bello rio IAs barcas eram muito concorridas:faltava s uma cousa ,felecidade dos

    donos ,J esses estabeleeimentos; a noser isso, a rentura d'elles seria completa:era no terem l emprazadores.O rmprazador producto incestuosoJa vadiagem e do mau olhado, floresciamuito entre ns: deleitava-se em no terque fazer, e entretinha-se em prejudicar.Tomava no bote o lugar que comiessea algum freguez srio, que ficava no caes espera, ou saltava para outro bote e iaa outra barca; sentava-se na cadeiradestinada a quem estivesse esperando

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    LISBOA DE H O X T ~ I 101banho; ia pespegar-se no toucador dassenhoras, pasmado para quem comia umbiscoitinho e bebia um copinho de licrdepois do banho; afugentava famliaspela balda que tinha de se fazer chistosomofando em roz alta da figura de cadaqual; e namorava sem incommodo nemdespeza, chegando a fazer com que asfilhas alheias se dessem por constipadaspara a me tomar banho ssinha, e -carem rUas a rl-o; do que resultara,para o estabelecimento, baixa de filhasna venda dos bilhetes I

    Na barca dos Tonneis tinham por el-les cordeai antipathia, e trataram,.os comum rigor, que s n uma imagem poderizer se como quem trata um co.

    Mas, por mais duras que fossem as se-veridades, nunca esses petimtres como

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    102 LISBO.-\ DE H O ~ T E : t lento se lhes chamava lho levavam amal cada wz pareciam deliciar-se maiscom aquella comirencia, e logo querompia a manh j lhe appareciam-aligeirando a barca da sua presenra apenas por alguns inten-allos empregadosem viajar at ao Terreiro do Pao e doTerreiro do Pao outra wz para l, oracom os que iam ora com os que voltavam rindo e brincando, corno pedia obom humor.o encanto uas barcas brilhava porepisodios diversos; saltava. por exemplo de repente, entrando de um ladoatrawssando com rapidez, e saindo pelooutro um banhista nmado amhulantede coecas de malha que andava de botevisitando as barcas n aquella t 11ette -a bem dizer, casaca de visita para o

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    LISBOA DE HO: \Tnl 103Tejo de crystal; quando no andava nadando t e q u e ~ saindo das ondas comoum co d agua, lhe dava a lineta de entrar nas barcas, movido do desejo defazer de aguaceiro e encharcar as pessoas por quem se roava.A iligencia pela respeitabilidade deprincpios classicos, esquivava-se umpouco a essas correrias gallantes, mercde ser a barca das velhas que iam sduas e s Ires, de mos dadas, outrasvezes com um ~ d i o t no meio, dand?lhe a mo, uma de cada lado, p c, pl, n uma contradana, que levava treshoras primeiro que embarcassem

    Tenazmente disputaram essas duascom aFlr do Tejo o imperio do mar, co ;mo outr ora Tyro, Carthago eRoma, nopara fazer vogar os seus triremos licto-

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    Wi LISBOA DE HO:XTE:)Iriosos, mas para darem quarto e lenolpor sete Yintens em honra de AmphitritetA dos Tonneis deu-se por wncida.J estava canat.la d'a1Iuella lida, de vigilancia, seriedade, doura, engenho,rispidez, bonito modo: no bonito modo1am as conwmencms soctaes; cumpn-mentar para um lado, e para o outro,prestar a maior attenro a qualquer desabafo contra o lenol, que estiresse umpouco humido: do tempo. minha senhora. do

    tempoEstou desconfiada que mo troca

    ramPde v. ex.a estar certa que . . .Passou de linho a algodo. nm-

    dou-se Je novo em wlho, tinha umafarrusca . . . etc.

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    LISBOA DE llli:\ TEl'tl 105E depois, saber o nome de toda a

    gente (ha pessoas que gostam muito deque lhes saibam o nome )Muito bom dia, sr. Joo CancioSenhora D. Leoeadia, minha se-

    nhora IE o que valia era n'esse tempo ap-parecerem poucos titulos, e no ser pre-ciso carregar a memoria com bares.viscondes e condes.Em tudo ha especialistas. Existem collecionadores que no querem saber senode certos e determinados objectos; unsprocuram louas da China, este quercont dores antigos, o outro moedas deoutras eras, este medalhn.s. aquelle caixas de rap; os bibliomaniacos no doestimao seno a certa qualidade de linos, ha um que tem os folhetos todos

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    106 LISBOA DE H O ~ T ~de S. Carlos outro a colleco de avi-sos de touros que espalha o homem dobando : mas comearam a apparecern'esse tempo alguns que por no seremnumismatas nem amadores de ceramicanem bibliophilos gostavam de espelhose descaladores dos quartos das barcas Que variedade nos collecionado-res A barca dos onneis no gostoud'essa eivilisao e tambem se affiigiucom a confuso que reinava no corre-dor da sada, e que era vivo prenunciodo progresso Esse corredor era um

    perigo para os costumes : para ali sepassar, era-se pisado; todas as gordasiam para o corredor: o motiv no sesabia, mas o certo era qne todas as gor-das iam com meninos dois ou tres me-ninos que punham frente:-Chega-te

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    LISBOA DE H O ~ T ~ I 07para diante, menino E ahi ia um sujeito passar por cima do pequeno, e porbaixo d'ella, sem pisar ninguem, e agorase lhe prendia a aba do casaco, e l lheficava a manga, e ahi lhe cabia o chapeu, e tropeo de um lado, encontrodo outro, tres ps em cima de um d'elle,e tudo isto conforme manda a cortesia,indo ainda em cima a pedir perdes :

    Perdo minha senhora I--Perdo, meu senhor IDepois, mal chegava o bote, ia tudo

    em onda; os que estavam adiante caiamsobre os que desembarcavam, os que desembarca\am caiam outra vez no bote;a criada, que n'esse tempo ia para todas as funces com os amos, deixava-seficar para traz, na inteno ladina de sever livre d'elles por um pedao:

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    LISBOA DE H O ~ T ~ I 109odiar-se essa palaua e essa ida: pro-gresso

    Todas as epochas em Portugal tcemtido alguma raivinha de predileco, argumento sem replica, 11/tima ratio, contra a qual no haja que dizer, por serao mesmo tempo absurda e victoriosa;tem sido sempre assim na politica, naarte e nas letras. Por um tempo a injmia suprema, com que os cortezos dopoder fechavam a boca a todas as objeces, era ser republicano ; depois foiacoimado de retrogado, Je repente, todoo pobre homem que continuou a sercomo era, a viver como vivia. . . N umhelio dia, a mocidade partiu com a mania dominante da economia politica, efoi dar comsigo na politica sem economia; chamou-se a isso oprogresso: d ali

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    HO LISBOA DE HONTEMa pouco como se um furaco nos tiyesse Yoltado j no embirravamos seno com os progressistas; comediasjornaes, e a rua tudo mettia o progresso bulha; dizia-se de qualquer cousa ridcula. prejudicial ou futil o pro-gresso I

    Foi-se embirrando sucessivamentecom uns poucos de grupos : um homemandava pelo seu p ou parava ou punhao c h p e u ~ ou tira,a-o, ou respirava, outossia, era cabralista; o homem depoistossia ou respiraYa ou punha o chapetl ou tirava-o, ou parava, ou ia andando era p fresco era la: arista oupeior de que tudo era litterato

    Poucos tiferam a coragem de noquererem ser poetas n esse tempo. Doisou tres resistiram. Rebello da Silva en-

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    LISBOA DE HO?\TEM ltre elles. Um homem raro. O mesmotalento at ao fim da vida. A mesma facilidade de fallar e de escrever. Rapidoe exaltado. Escriptor professor, orador,e animando-se por igual no parlamento,no curso superior de lettras e deanteda mesa da escripta. Improvisador semp r o seu grande segredo; porque,bem sabem, que, at nas paginas deum livro de larga meditao e por maisabafado que alli parea estar nunca ofogo sagrado do improviso, nos preYilegiados talentos que dispem d essedote, deixa de romper em clares vivificantes.

    Quando elle se estreou, a impressoromantica domina,-a o esprito da epocha. Dados os primeiros passos e ganhosos primeiros triumphos, elle conseguiu

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    W LISBOA DE H O ~ T ~ Ilogo depois que um romance portuguezdisputa_sse em popularidade a estimaos concedida n esse tempo s attrahen-tes novellas historicas de Alexandre Du-mas.

    Com que anciedade se procura' amna Revista Universal Lisbonense os capitulos soltos da Jlocidade de D. Joo Vque pela frescura e graa do estylo nos mereceu a aclmirao da gente quefaz a barba, mas a sympathia espontanea e enthusiastica das doces creaturasque a phraseologia de ento ainda chamaYa galantemente mais bel/a poroda humanidade.

    )Jas. o que foi sobretnt lo raro, a fluencia, o aroma de poesia, todos os dotesemfim que, n'aquelle afamado mmance,lhe alcanaram to justa voga, encon-

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    LISBOA DE H O ~ T Y H3travam-se ainda e sempre com a mesmafor\a, a mesma inspirao a mesmaJescripo opulenta e florida nos seusultimos livros que nunca ali[ts ganha-ram celebridade.

    Quando elle appareceu a moda eraquerer ser cada contist um pintor docorao humana Sempre entre ns setem gostado d esta phrase, e por isso adeixo ir tal qual, comquanto a mim seme figure risvel. um infeliz esse pobre cora\O humano de quem toda agente tem abusado escandalosamente naimprensa. O coraro humano de quem?o corao humano de que? Creio quetamhem tenho corao eu; e que o leitor tambem tem co1aro; e o meu Yizinho outro; e outro o seu vizinho; e quetoda a gente tem corao mais ou me-

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    lH LISBOA DE HOXTE::,Inos, mas sem corao humano alisquantos romances se incumbiram dedescrever o dito corao, teriam todosde seguir o mesmo molde

    O romance o homem - e ahi esttahez a explicao de haver tantos ro-mances maus, e serem to raros os quese citam por excellentes.

    Ha romancistas de analyse romancis-tas de imaginao, e at romancistas deacontecimento, de caso, de drama: noescrewm contam, ajudam a matar otempo, entretm; ha tambem romancis-tas ntimos como foi por essa epocha,Barbosa e Siha no rirer sotfrer; eromancistas historicos, que foi ao queRebello da Siha se propoz, por enten-der decerto que chegra a hora de reco-lher as tradices.

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    LISBOA DE H O ~ T E : \ HElle gostava do romance de imagina-

    o, e nunca abandonou essas predileces no romance historico. O seu gostoera vir eomo um amigo intimo visitar oleitor sem se embuar n tun capote esem se embrulhar n uma nmem; Yirconversar, mudando de tom, risonho,caustico, sensvel: fazer o romance desentimento, que de certa maneira jhistoria, a historia de uma existencia,de uma paixo: - mas a Yida portugueza principiava a no ter feio propria e sua; comeayamos a fazer tudo moda estrangeira, imitando constan-temente a Frana no modo de pensar,de fallar, de trajar, de sentir: e elle, porver que se iam apagando cada vez maisos costumes e esmorecendo o gosto pelapintura d elles, entendeu que o romance

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    116 LISBOA DE HO:-;TE:\ihistorico era o umco romance possvelem Portugal, mas realisou-o a seu modofazendo concesses s suas tendenciasde homem de imaginao fugaz, como ofoi sempre em tudo, no s no romance,mas no jornal, no parlamento, na vida.Primoroso como orador. Como con,ersador fluentissimo, brilhante, inexgotavel, mas esquecendo-se um poucos vezes e alargando-se em dicursosque no eram propriamente o que constitue conversao, superiores a ella talwz, mas que, em todo o caso, de algum modo a transforma\"am n um longoainda que admiraYel monologo, que fazia lembrar o discorrer de Angelo .MaIipieri com a comica Tysbe no meio darua

    Como artista. e por amor do pitoresco

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    LISBO.\. DE H o : \ T E ~ I H7era capaz de moer um homem, de o estrafegar, de o aniquilar, de espalhar aownto as suas cinzas, e depois caindo emsi, serenando da fmia da palarra, chorar por elle com sinceridade Yehemented'um admiradorGuerreou Rodrigo da Fonseca ~ l a g a -lhes no jornal A imprensa atrozmente,horriYelmente; e toda a gente lhe ouviupor muitas vezes exaltar o talento, agraa, o encanto especial d aquelle esprito e d aquelle temperamento:

    Bom homem dizia elle de Rodrigocquando contava o caso e recordava episodios em que pudera aYalial-o. Bomexcellente homem ninguem gosta tantod elle como eu l

    E, recolhido em si, entregava-se aopoor Jorik de Hamlet

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    118 LISBOA DE HO:XTE lTeYe sempre uma paixo e sempre

    se sacrificou a parecer ter outra ; a daslettras era yerdadeira. A da politicaEm politica era um phantasista ; e custou-lhe essa phantasia bens e saude.Foram tristes os ultimos tempos da suaYida. No jantar do seu ultimo dia de annos sentiu-se como que o ftio dos pres-sagias, no sorriso com que elle acolheua saude que se lhe fez. Estayam mesaunicamente a famlia uma filha do sr.Rodrigo Felner, o Yelho actor Theodorico Jayme ~ I o n i z e eu. CustaYa-lhe je:xcessiramente a fallar e deixava trans-parecer a tristeza que elle de ordinariodisfarara com tanto cuidado.

    J iam longe os triumphos do Russopor Homisio, da Tourada de Salt-aterra,e da ll ocidade de D. Joiio r E de-

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    LISBOA DE H O X T ~ I 119pois a doena a solido que estranhamos que saem do poder as surprezas daastucia as da ingratido

    Talento viYaz talento fluente mais quetodos e mais qne todos Incido Ensaiogigantesco que Deus fez Foi sempreeste o effeito que este homem de grandes qualidades produziu a todos que oconheceram. Veiu ao mundo destinadoaos triumphos da palavra, da escriptada politica do professorado. Como quelhe tiritava o talento n'aquclle corpo.fragil e a chamma sagrada pairava en-tregue aos 'entos, sempre gloriosa e esplendida nas lutas, parecendo defendidapelo noli me t ngere dos poetas

    Quando a ida da associao irrompeucm Portugal, os litteratos soffreram umpequeno abalo porque as attenes des-

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    1:0 LISBOA DE H O ~ T ~ Idenharam-os durante um tempo e voltaram-se exdusiYamente para os corajososiniciadores traquelle grande e util pensamento.

    Os que se riam do progresso, riam-se.tambem da associaro. :\las qu A -ctoria parecia decisiYa. Era uma febrenermsa, uma preocupao indomaYel.Associao Assoriao Associao Foia ida; foi a pala\Ta. EsperaYa-se tudod ella. Associao Parecia chegada ahora em que o regimento mr dos des-_..herdados poderia saeudir de yez o fardosecular, que lhes tem pesado J se deita,am contas a que o povo que soflie,que trabalha. que aguenta o peso dodia, o vento, a dmYa, o calor, tivessetambem o seu quinho de regaliasIas o problema era difficil de resolrer;

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    LISBOA DE HOXTE.\1 tdifficil continuou a ser. Agora mesmoque el l estou escrenndo, bem sentado,est um pedreiro, a c.aiar uma casa,encarapitado no parapeito tla janella,segurando-se ninguem sabe como, malpodendo assentar os ps, e exposto sventanias; se. o pedreiro pozer um pem falso, se t, er um momento de descuido, de esquecimento, de distJaro,estar perdido, ir bailar rua. Porqueser elle, e no eu?Porque lei da natureza a desigualdade ?

    D aquellas duas arYores que estoacol, porque motivo maior a da direita do que a da esqnerJa, mais copada, mais alta, mais rica ? Qual sero destino que marca quella roseirafinar-se e murchar, emquanto esta d a-

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    H LISBO_\ DE HOXTimqu riceja e triumpha em todo o explen-dor e em todo o desabrochar das flres ?Pde o homem, mais feliz que a arrore e a flr, remediar s wzes por avontade e pelo t1abalho a desigualdadede origem e de meios ; mas custoso, eua maior parte das vezes no se con-segue; o problema subsistiu, subsisteainda doloroso, ralando cm meditaesos mais pacientes; a associao no haveria podido nunca resolrel-a mas,que no pouco, podia, e pde, porvezes attenuar-lhe a aspereza e as tris-tezas.

    Appareceu ento o jornal de SousaBrando e Lopes dr. Mendona, Ecco dosOpperarios ~ c n d o n a andava n uma ale-gria extrema. Com que orgulho elle apresentava os seus collaboradores, Chaves,

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    . LISBOA DE H O ~ T l l 1: 3e Vieira da ilva Iam s tardes ao Passeio Publico, ao ~ I a r t i n h o ao Suisso,e ~ I e n d o n a reria-se n,elles. Yieira daSilm o i ~ lhe sempre sympathico; muitosannos depois d essa epocha, Mendona,que se animara e perdia em sonhos crde rosa, set;npre bons e propcios aosseus amigos, sentimento que o distinguiu em todo o tempo que esteve nogozo e segurana das suas faculdades, eque ainda o acompanhou por entre asprimeiras perturbares da loucura. dizia-me n'uma manh:A minha ida fundar uma typog,aphia, pr frente d ella o Yieira da

    Silm, e fazer-me editor de algumasobras. Isto principalmente por ter emYista o Yieira, que eu desejo ver collocado por modo quP possa viver rom de-

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    i: \ LISBOA DE IIO:'iTEl\1safogo e occupar-se de trabalho de queelle goste e enten1JaX' esse tempo o eJitor em Portugalera como a are Phenix de que toda agente falla e que ninguem ,iu nunca.Apenas dois homens asseguraram queisso existia, Garrett e Alexandre Herculano: mas, quando se queria Yerificar,era impossiwl; dizia-se ali para oChiado, esquina ou cousa assim, deuma tramssa perto da egreja dos ~ l r -tyres nma loja, uns relhos, muito honrados, uns occulos . . . E nada mais, oo muito, o muito, este nome- Bertrands loja escura casa incertatudo vago

    Lopes de ~ l e n d o n r no chegou in-felizmente a realisar nem esse, nem outros dos seus sonhos: mas logrou uma

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    LISBOA DE H O X T E ~ I i ~alegria, alegria venladeira para aqnelletemperamento nobre e so; foi a de auxiliar, celebrando-os, quantos em Portugal se interessaram de corao n essapocha pelo espirita destinos das clas-ses operanas.associao em Portugal teve os seusfanaticos e os seus martyres, e at, para,no escapar sorte das grandes reuniese por obedecer aos preceitos de uma po-cha em que a haLilidaJe tudo os seusltabeis Essa habilidade ainda assim nofoi nunca mais longe do que a grangeata algum um pouco mais ambicioso po-der brilhar melhor na associao do quese estivesse ssinho ficando a parecer-sen isso com os diamantes, que devem sem-pre o brilho luz a que esto expostose fj e reflectem.

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    LISBOA DE HOXTDI t ide Jesus-Christo, e depois racionalismopositivismo pantheismo naturalismo,critica at chegar ao doce desafogo dechamar tolos aos que se interessam poralguma cousa que se dediquem quetenham f que trabalhemPor isso um ou outro no entendeubem que a associao poJesse ser oespirita e a ndole d este tempo.

    Os descrentes no eram simplesmenteteimosos; de ordinario no se assim denascena: prmc1pw a cousa por umaborbulhinha e alastra depois pelo corpotodo; raspar a unha nos queixososque se do mal com tudo e de tudo ede todos tem que murmurar e quasisempre se acha logo um ambicioso maiorou mais pequeno que no acertou notiro e que se vinga a querer queimar o

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    128 LISBOA DE HO.XTEllque no pde tornar seu ou o que adorou em vo. assim em t u o ~ Nunca se ha de verconjuges felizes quererem divorciar-senem omir patentes grandes queixarem-se da tlureza do servio militar:no so as formosas que se conspiram contra a injustia da naturezaque dividiu o mundo feminino em doisrepartimentos deseguaes de um ladoas bonitas e do outro as feias; decerto que no seria Jos ~ t e v o quemse queixasse do imperio da palavrapara Jominar as multides; no serCarlos Bento que reprehenda a camarapor admirar a finura e o aticismo deum epigramma que faa s vezes aphilosophia de uma situao melhore mais profundamente do que largos

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    LISBOA DE I I O ~ T ~ I 129discursos pesades; e D. Joo de parecer que as mais su ns divindades,os entes mais perfeitos da creao, soas mulheres, por gostarem d'elle.

    Quem mocho que se d mal comtudo, e tem odio sociabilidade. Convem na opinio d esses sujeitos enclausurar-se um homem, beber agua, comerervas, deitar-se s _-he-1Iarias, empregar odia em cousas de interesse proprio,e ser a todos os respeitos de uma morigerao propria para dar e ~ e m p l o aomundo; sem isso, na opinio d elles,nunca se chega a qualquer cousa parecida com o ser gente; amor, paixo,prazer,-isso mesmo so associaes einspiram-lhes tedio Alguns levavamo odio pela associao a no quereremsequer a da famlia. Foi por elles que

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    130 LISBOA DE HOXTDlse espalhou que no ha cousa melhorque no gostar de ninguem, seno cadaum de si, e isso j boato velho quemais ou menos agradou sempre - aprova ~ que os antigos p s m ~ m dacelebre associao pequena de dois amigos, e mais eram irmos, e mais eramgemeos: e, maravilhados de wr quenunca tireram bulhas e sempre se deram bem, elevaram-os ao posto de deuss, e puzetam-os em eritlencia emconstellaro, para os mostrarem s associares futuras: Ca5tor e Polluxl

    Tudo isto acabava sempre por ir parar aos gracejos Jo theatro. Nada escapa,a farra f s cplas. At s andarlores tias almas tiwram de b r i n c ~ t r notablado Coitados: como que ainda ser ~ s n t m d"isso.

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    LISBOA DE H O ~ T M t3- Pam as almas I diziam estendendoa bandejinha.

    E por consenar-sc o costume, daYamlhe alguns os seus cinco ris para ajudaras despezas da missa da maJrugada, einque se pede pelos mortos par