Comunicação e Mídias Digitais Lições da história da Internet.
Lições da carne
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Lições da Carne ®
Anderson Ramos
Prefácio
Mesmo com a evolução do homem, o que realmente mudou foi a tecnologia não os conceitos. O preconceito é um sentimento que não somente marca a história da humanidade, como também, ainda permanece nos dias atuais. Um pouco mais tolerante talvez.
Com os seus 18 anos, Rodrigo prefere estar longe de casa a conviver com o preconceito de seus pais, por causa da sua opção sexual.
Numa sala de bate-papo qualquer Rodrigo conhece por acaso Carlos. Um rapaz mais velho, que juntos brincam em se encontrarem um dia.
Mas esta brincadeira se torna numa sobrevivência, quando Rodrigo quer construir uma nova vida longe da família e Carlos se apaixona loucamente.
Então Rodrigo vai em busca de seu futuro e do seu amado.
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Lições da Carne
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2005
Capítulo Um – Entre a realidade e um sonho parte 1
Rodrigo acordou assustado, um sobressalto no avião
fora a causa. Sonolento, Rodrigo observou o enorme
aeroporto de São Paulo se aproximar. O avião estava
dando seus últimos passos, com seus motores aspirando e
os freios rangendo.
O interfone soou para todos:
“Senhores passageiros sejam bem-vindos a São Paulo”.
Num breve momento o barulho de aplausos ressonou por
todo o compartimento, até as aeromoças que ajudavam
crianças e demais passageiros a retirarem os cintos,
postaram-se eretas e também aplaudiram.
Rodrigo se deslocou pelo estreito corredor e seguiu
por outro, interligado com o compartimento do avião. O
zunido de varias pessoas falando, rapidamente chegou aos
seus ouvidos. Não precisaria parar na parte da bagagem,
pois não trouxera nada então, bastava apenas seguir até o
telefone público mais próximo.
- Sr. Rodrigo? – chamou-lhe um jovem rapaz vestindo um
impecável smoking preto.
- Pois não?
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- Sr. Carlos me fez garantir que isto chegaria a suas mãos
– finalizou o rapaz mostrando um envelope.
Rodrigo pegou-o e agradeceu. Logo a frente sentou
numa das cadeiras da praça de alimentação e mirou o
envelope. Era branco e não havia nada escrito, exceto em
uma das laterais seu nome.
Abrindo o envelope, seu conteúdo se resumia em
notas de dinheiro e um recorte de papel, contendo um
endereço residencial com o aviso “Problemas, me ligue”
seguido de uma seta, apontando um número de celular no
verso. Rodrigo guardou o envelope e executou um
silencioso sorriso sarcástico, Carlos tinha essa mania de
aprontar surpresas. Pensara tantas coisas quando o rapaz
o chamou.
Voltando o olhar para a praça, uma garçonete se
aproximou e fez a tradicional pergunta:
- Deseja algo senhor?
Rodrigo levantou rapidamente e respondeu:
- Não obrigado. Recordo que devo pegar um táxi urgente –
e se retirou do local.
Do lado de fora do aeroporto, à quantidade de
pessoas aguardando um táxi era absurda, por sorte um
logo parou na sua frente e Rodrigo de imediato entrou.
- Onde deseja ir? – perguntou o taxista rispidamente.
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Rodrigo retirou o endereço do envelope e o repassou.
Após alguns segundos, o taxista contornou o veículo para a
saída do aeroporto.
O táxi era bastante confortável, o que possibilitou
Rodrigo a se sentar de forma que pudesse deitar a cabeça
e fechar os olhos. Seu estomago rangia, ele estava meio
enjoado.
Ao abrir os olhos, Rodrigo percebeu que o taxista o
observava.
- É a primeira vez que vem a São Paulo?
- Sim – respondeu Rodrigo desviando o olhar.
- Aconselho que se sente próximo a janela, vai gostar da
paisagem.
- Obrigado – agradeceu Rodrigo fazendo uma careta de
enjôo.
O táxi parou aguardando a liberação do sinal. Rodrigo
observou as ruas sempre movimentadas, prédios quase
sem fim; o céu num clima turvo sinalizando a chegada do
inverno, com o vento frio percorrendo a cidade.
O taxista fez uma curva falando:
- A viajem irá durar uma hora e meia aproximadamente,
agradeça por o transito não estar horrível hoje – mirou seu
passageiro e acrescentou – se quiser vomitar me avise,
sabe, é menos prejuízo sujar o chão do que o táxi.
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Rodrigo riu baixinho e confirmou silenciosa com a
cabeça, mesmo não sendo a intenção do taxista, este seu
ultimo comentário poderia se considerar uma bela critica,
afinal de contas as pessoas jogavam lixo fora do carro,
como se as ruas fossem os lixeiros.
O tempo transcorreu e mais prédios e pessoas
surgiam e sumiam. A infra-estrutura de alguns prédios e
monumentos era incrível. O taxista fez outra curva e falou:
- Esta vendo este campo ao seu lado? Joguei nele quando
tinha sua idade.
Olhando para o passageiro, o próprio condutor do
veículo um senhor na casa dos sessenta se surpreendeu,
após perceber que o garoto havia adormecido e nem
mesmo Rodrigo percebeu, quando o sono o venceu.
Primeiro tudo ficou escuro, logo após imagens
começaram a passar rapidamente, mas não pertenciam a
São Paulo eram da cidade onde o passageiro nasceu no
interior de Pernambuco. Tudo novamente escureceu e num
rápido flash um forte tapa foi transferido na face de alguém.
O barulho ecoou por sua mente e Rodrigo acordou meio
dolorido.
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Ainda estava no táxi. Nas ruas, os prédios só podiam
ser vistos ao longe, pois em seu lugar, havia prédios bem
menores e diversas casas.
O sonho lhe veio à cabeça e Rodrigo tentou afastá-lo,
não queria recordar...
(a tapa)
...os momentos desagradáveis que teve em sua cidade
natal. Prometeu a si mesmo que não dormiria novamente e
voltou a observar as ruas.
A promessa não foi tão difícil de cumprir, uma vez que
só faltavam alguns quarteirões. E assim o táxi logo parou,
frente a um conjunto de casas, como Rodrigo preferiu
chamar os pequenos prédios.
O taxista permaneceu calado e Rodrigo deu-lhe todo o
dinheiro do envelope.
- O troco – bradou o taxista devolvendo quase metade do
dinheiro, junto do endereço.
Já fora do táxi, Rodrigo agradeceu e virou-se para
entrar no conjunto de casas. O barulho do motor sumiu e
antes que subisse as escadas, observou o recorte. O
numero da porta que estava procurando era 83.
Subindo para o primeiro andar, nenhuma porta
continha o numero descrito. O mesmo ocorreu no segundo,
somente após percorrer metade do terceiro andar que
encontrou a porta com o numero.
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Como haviam combinado pela internet, a chave ficaria
debaixo do tapete de boas-vindas e Rodrigo se encontrava
sob ele neste momento.
Abrindo a porta, mil mundos se enraizaram na mente
de Rodrigo. Vontades de rir, chorar e gritar surgiu de uma
só vez. Rodrigo não acreditava que estava ali, que sua vida
recomeçaria. Entrou e sentiu como tudo estava calado,
tranqüilo e organizado algo difícil de encontrar, quando
apenas um homem reside numa casa.
Era um local pequeno, mas de ótima estrutura. No
lado oposto da entrada havia uma janela e em seu trajeto,
uma espaçosa sala-de-estar. Do lado esquerdo ficava a
cozinha. Rodrigo seguiu até a janela e se apoiou nela.
Deixou que o vento o acariciasse um pouco, queria sentir
toda esta nova liberdade.
A direita havia apenas um pequeno corredor, dando
acesso ao quarto, tão bem espaçoso quanto à sala, duas
janelas e uma porta que acabava numa suíte.
Rodrigo se jogou na cama e fechou os olhos, teve
receio que o mesmo sonho se repetisse, mas a vontade de
recarregar as pilhas do corpo prevaleceu.
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Capítulo Dois – O Passado.
Eram cinco e vinte da manhã quando os primeiros
raios numa pálida quarta, decepavam a neblina nas ruas de
Vitória de Santo Antão. Rodrigo acordou com o alarme
ressonando por todo o quarto, às seis horas iria até a praça
da cidade, pois o mesmo tinha um compromisso com os
idosos.
Faria três meses hoje da criação do seu curso ainda
sem nome. Rodrigo levantou ainda demente, esticando os
braços nas alturas. O celular emitiu um bip e Rodrigo o
pegou de imediato. Era uma mensagem de sua namorada,
Pamela. Começaram um namoro confuso no colégio, fazia
duas semanas que não se viam. Pamela era uma garota
atraente e dona de um defeito, que na opinião de Rodrigo
era inaceitável: nunca tomar a iniciativa. O namoro era
praticamente robótico e isto já estava lhe afetando nos
nervos.
Mirou o horário da mensagem, sendo de cinco
minutos anteriores. Decidiu responder da seguinte forma:
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“Pamela quero acabar o namoro, caso queira conversar
depois aceito. Não reataremos. Beijos.”.
A mensagem foi enviada e após pouco segundos
Rodrigo pensou ter sido muito grosso, mas o relógio logo
mudara seus pensamentos. Passara quinze minutos
pensando sobre o namoro, então preparou uma rápida
vitamina e saiu, não gostava de se atrasar.
Nas ruas caminhou tranqüilo até a praça. Desde que
completou dezessete anos, Rodrigo criou o hábito de correr
pelas manhãs. Vários idosos o observavam, mais da parte
das idosas. Diversas vezes Rodrigo os ajudava nos
exercícios e assim surgiu o curso. Todos se reuniram e
após muita conversa, ficou decidido que Rodrigo seria o
“Personal Boy”. Rodrigo por sua vez, aceitou surpreso e
dias depois a pacata cidade soube da sua existência,
ganhando olhares de gratidão e inveja.
Momentos antes de chegar à praça, Rodrigo refletiu
sobre o fim do seu namoro e se sentiu mais leve, livre.
Aprofundou-se tanto nos sentimentos que quando se deu
conta, uma das senhoras chamava sua atenção:
- Esta tudo bem querido?
Rodrigo se viu rodeado de idosas o paparicando,
então decidiu contar sobre o fim do namoro.
- Estas jovens não sabem mais amar – comentou uma
das senhoras e começaram os exercícios.
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Chegou a escola a tarde descansado e logo avistou
Pamela no corredor, ela o viu e apenas riu.
- Quer conversar agora? – perguntou Rodrigo.
- Não – respondeu Pamela e dobrou o corredor.
As duas últimas aulas se resumiram numa rápida
prova de Português. Rodrigo foi um dos primeiros a
entregá-la e saiu satisfeito. Era mês de Outubro, o mês das
folhas. Percorreu alguns corredores e decidiu beber água,
se aproximando do bebedouro coletivo Rodrigo observou
Pamela conversar com um garoto e ao vê-lo se aproximar,
Pamela começou a conversar no ouvido do garoto.
“Idiota”, xingou Rodrigo. “É assim que descobrimos as
verdadeiras aparências”. Fingiu não vê-la e tomou água.
De volta aos corredores relembrou dos momentos e se
perguntou se Pamela dizia gostar dele de verdade ou era
apenas para manter o status nos corredores.
Tratou de afastá-la da cabeça e mirou o céu. A tarde
estava deslumbrante, folhas caiam aqui e ali. Sentiu-se
espiritualizado, não entendia porque as pessoas eram tão
cegas. Porque elas não conseguiam sentir todas estas
boas energias que as rodeavam.
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Dentro de casa, foi direto para o banho. Não havia
ninguém. Simplesmente agradeceu por poder contemplar o
próprio silêncio, mas não durou muito. Logo sua mãe
chegou, falando num tom alterado com sua irmã:
- Rafaela, não comprarei mais nada. Por mim você fica
sem roupas.
- Mas mãe, eu iria comprar uma blusa que não gostei?
- A blusa ficou ótima, você que é cheia de frescuras...
Rodrigo encostou a cabeça na parede e respirou
fundo. Poderia parecer falta de respeito, mas às vezes até
a família o cansava e os pais se mostravam cegos diante
deste fato.
- Rodrigo vá a padaria comprar pão – bradou sua mãe.
...Comprou o pão, jantou sozinho e se recolheu no
quarto logo após. A casa era para ser um lar de paz, mas
em seu lugar reinava o estresse.
Na penumbra do quarto se viu retraído, seus
sentimentos brotaram e o levaram a horas de solidão.
Sentiu a necessidade de ter alguém, mas quem? Quem
realmente o servia? Tinha corpo para atrair quem quisesse
e isto às vezes o colocava numa situação desconfortável.
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Era impossível chegar num local e não chamar
atenção. Seus cabelos lisos, olhos tão claros quanto
cristais perdidos no fundo-do-mar.
(Aff...)
Seu pensamento cansou de tédio. Estava sempre
rodeado de garotas, mas nenhuma delas o atraía a ponto
de elevar seus sentidos. Deixou-se afundar na cama e
lembrou de algo bem pior, além das garotas interesseiras,
os comentários. Garotos de sua sala e de outras que nem
conhecia chamando-o de gay.
Começou a pensar nos garotos quando a porta do
quarto abriu bruscamente, fazendo-o virar assustado. A luz
foi acesa e a voz áspera do seu pai percorreu todo o
quarto, até então silencioso:
- Você acabou o namoro?
- Sim.
- Gostava dela?
- Sim.
- Então porque acabou?
Fitou seu pai. Por mais que o respeitasse, tinha
vontade de lhe dizer poucas e boas. Mais isto não saia da
vontade, por fim respirou fundo e respondeu:
- Porque não tava dando certo.
- Não estou entendendo nada.
- Pai, deixa a minha vida!
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O silêncio reinou. Já não bastasse a chatice do
colégio, as discussões familiares; tinha que suportar um
pai, que só vinha no seu quarto para discutir os fatos, fatos
de uma vida que ele não se preocupava em acompanhar.
Sua vida se resumia em trabalho e a cada novo ano, se
tornava mais estressado por isso. Seu coração disparou
após a exclamação, mas não se arrependeu.
- Só quero saber o que você quer da vida – falou seu
pai.
- O que eu quero ou o que vocês querem pra mim? –
rebateu Rodrigo e antes que seu pai respondesse,
aumentou o tom: - É sempre assim não é?
- Assim como?
- Toda vez discutimos e depois de algum tempo
voltamos pro mesmo canto.
- Eu só quero o seu bem.
- Não parece.
- Ah! É né? Eu não quero o seu bem, é isso que você
quer dizer?
- Não pai. Apenas estou cansado disto tudo.
- Cansado do quê? Não é você quem trabalha!
- Pai, eu estudo, tiro boas notas. Estou sempre
respeitando suas opiniões e decisões, mas porra me dá um
pouco de espaço para viver. Não existe um porque, acabei
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o namoro e pronto, não vou voltar somente porque vocês
querem.
- Eu não disse que queria – retrucou seu pai num tom
firme.
- Pois não parece!
- Ela ligou hoje de manhã para sua mãe, falando que
você não a valorizava...
- Aquela rapariga fez o quê? – interrompeu Rodrigo
incrédulo.
- Rapariga? Pensei que fosse sua namorada.
- Não é mais!
- E isto lhe dá o direito de chamá-la assim?
- Também não, mas relacionando os fatos ela
realmente se torna uma rapariga.
- Pois eu e sua mãe...
- Não me importa o que você ou mãe fizeram...
- Você esta muito rebelde.
- Não é rebeldia. É ter saco para suportar tudo isto.
- Saco de que, hã? Vamos diga. Eu vou escutar você
agora. Você é o certo e eu o errado.
- Porque vocês sempre distorcem as coisas? É preciso
disto tudo só por causa de um fim de namoro?
- Eu estou fazendo como você quer.
- Não pai. Eu não quero assim.
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- Então o que você quer filho? É isto que quero saber.
Você não gosta de mulher?
- O que tem isso?
- Responda minha pergunta!
- Sim, gosto.
- Mas não parece!
- Quem é você para dizer isto de mim? – berrou
Rodrigo com o coração saltando.
- Quem eu sou? Sou seu pai rapaz – berrou seu pai em
resposta.
Era isto que sempre acontecia. Mais pareciam dois
animais do que pai e filho.
- Não! Você não é meu pai. Só vive para o trabalho...
- Então você quer que eu pare de trabalhar?
- Não pai, apenas quero que o senhor me entenda.
- Então me diga como. Eu quero te entender!
- Você esta sempre distante, só me procura nestes
momentos para brigar. Nunca tenho espaço para falar
nesta casa. As pessoas lá fora me compreendem melhor
do que vocês, eu fui criado pelo mundo não por meus pais,
esta é a verdade.
- Como é?! Quer dizer que não nos preocupamos com
você? As pessoas lá fora vinham falar mal, dizendo que
você era gay, que fazia isso, aquilo. Eu pensava “Meu
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Deus, não acredito que meu filho seja isto. Só quero que
ele seja feliz”.
- Pai, entenda de uma vez por todas. Eu não sou gay. E
não fico com outro homem porque não quero. Não será
papai ou mamãe que irá me proibir, lugares e
oportunidades não faltam! Se eu quisesse ficar, faria de um
jeito que vocês jamais saberiam. Além do mais, tenho
corpo para atrair quem eu quiser, mas prefiro ficar só.
Simplesmente não venha falar do que não entende.
(Sim!)
Exclamou sua mente em meio a um turbilhão de
emoções. Cada palavra saiu como um tiro esperou
dezessete anos para dizê-las, mas agora que as disse
mesmo nervoso, se sentiu mais encorajado por dentro.
- Agora você passou dos limites – bradou seu pai
avançando.
Num rápido salto, Rodrigo foi da cama para chão e
gritou o mais alto que pôde, chegando até a fechar os
olhos:
- PAI NÃO SE APROXIME, SE VOCÊ ME BATER EU
REVIDO. JURO POR DEUS!
Seu pai parou de imediato, ficaram se fitando. As
pernas de Rodrigo tremiam, mas ele não estava nem aí.
Aos poucos, a face do pai de Rodrigo se contorceu, o nariz
ganhou uma coloração avermelhada e as lágrimas caíram.
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- O que?! – exclamou Rodrigo boquiaberto.
(Meu pai... chorando?!)
Sua mãe surgiu e em poucos segundos o retirou do
quarto. Sua irmã ainda passou tentando ver algo, mas
Rodrigo esmurrou a porta bem a tempo na sua cara. O
choro do seu pai pode tê-lo desarmado, mas a raiva que
sentiu deste momento e de tantos outros ainda explodiam
do seu consciente.
Esta era a verdadeira face da sua família. Bases
desequilibradas, desentendimentos. Bastava o novo dia
chegar para que tudo magicamente voltasse ao normal,
ninguém dizia um “A” sobre o que aconteceu, às vezes
Rodrigo se perguntava se havia mesmo acontecido tal
briga. Procurou respostas para tudo aquilo amparado na
janela do quarto, mas acabou por dormir em companhia da
própria agonia.
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Capítulo Três – Primeiro Contato.
Rodrigo despertou com uma mão balançando seus
cabelos. Levantou e primeiro reparou num notebook que
antes não viu ao desabar na cama, então quando se virou
deparou com Carlos sentado.
- Como foi à viagem?
- Dormi na maioria do percurso – respondeu Rodrigo
sonolento.
Carlos riu e se calou.
- Então... Aqui estamos – falou Rodrigo de pés mirando
a cama.
- É – se limitou Carlos a responder.
O silêncio reinou. Cada um avaliava suas
expectativas, era como se toda a intimidade conquistada
pela internet houvesse sumido. O clima ficou tenso, a
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pouca luminosidade do quarto ajudou a esconder a
tremedeira na perna de Rodrigo. Carlos levantou e abriu
uma janela, suas mãos estavam suando frio.
- Então... – começou Rodrigo e se calou ao ver Carlos
fitá-lo.
- Vamos tirar esta noite para conversar. Mas antes preciso
de um banho. Pode ficar a vontade enquanto isso. Volto
num instante – anunciou Carlos e seguiu para a suíte.
Rodrigo mirou o quarto agora vazio e respirou fundo.
Queria se acalmar, mas sua mente não permitia. Uma
adrenalina incontrolável domou seu corpo. Mirou a rua pela
última vez e foi sentar-se na beirada da cama. Tirou o tênis
e aguardou apreensivo.
Teria que reviver as mágoas do passado mais uma
vez. Sendo que nesta, seria apenas algo contado, mas
ainda assim se perguntava se estava pronto o suficiente
para falar tudo o que viveu lá.
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Capítulo Quatro – Natal.
Era dezembro. Em poucos dias Papai Noel entraria
escondido na sua casa e deixaria os presentes. Rodrigo
deu uma gostosa risada quando recordou da lenda, que ele
acreditava, ou melhor, fingia acreditar. Pois com sete anos
flagrou seus pais entrarem no seu quarto com os
presentes, mas por sorte conseguiu fingir o sono.
Agora aos dezessete Rodrigo analisava o Papai Noel.
Mesmo que muitos da sua idade considerassem o Papai
Noel um babaca, Rodrigo nunca cultivou tais sentimentos
mesmo após o tal flagra. Pois, se existiam coisas boas no
natal, estas eram em sua opinião a harmonia e os
presentes.
Ajeitou-se na cadeira enquanto esperava o site
carregar, faltava seis dias para o natal e Rodrigo se
perguntava qual seria seu presente este ano.
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- Vamos lá Papai Noel, me surpreenda – sussurrou
para si mesmo.
“Digite o apelido”, anunciou a janela. Amante da
música; digitou tudo junto e aguardou novamente a
carregar. Hoje a sala de bate-papo estava lotada, foi o
último permitido a entrar. A página carregou por completo.
Uma barra de rolagem exibia uma lista com cinqüenta
apelidos, textos de outros internautas conversando surgiam
constantemente. Rodrigo selecionou uma figura com cara
de solidão e digitou: “Alguém quer teclar com um novo
amigo?”.
E enviou. Mirou o teto e alisou os cabelos, a pergunta
sobre o presente de natal voltou a sua mente. Rodrigo se
surpreendeu, aos dezessete anos não sabia o que queria
ganhar de presente de natal. Suspirou fundo e retornou o
olhar para o monitor, sua mensagem já havia sumido barra
de rolagem acima. Talvez alguém o tivesse respondido.
Subiu ansioso e nada, encontrando apenas sua pergunta.
Repetiu a pergunta e aguardou. Outra vez ninguém
respondeu. Sentiu-se impaciente: “Onde esta a bondade do
natal?”, digitou e enviou. Mais uma vez nada. Este era o
seu presente de natal? Ser rejeitado? Observou a janela do
quarto e foi até ela, deixou o vento acariciar sua face. Não
deveria se estressar por causa de uma mera sala de bate-
papo, existiam muitas outras.
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Retornou para a cadeira e numa última tentativa, subiu
a barra de rolagem. Nenhuma mensagem. Decidiu por fim
sair da sala, mas num último instante antes do clique, uma
mensagem surgiu na tela: “Quer teclar?”.
Rodrigo observou incrédulo, o dedo suspenso no ar.
Como isto poderia acontecer? Procurou o apelido na lista,
respondeu “Sim” e aguardou.
Sorriso: Fala de onde?
Amantedamusica: PE e você?
Sorriso: SP. Qual tua idade?
Amantedamusica: 17 e a sua?
Sorriso: 32.
Amantedamusica: Você faz o que da vida?
Sorriso: Trabalho e você?
Amantedamusica: Apenas estudo. Você é H ou M?
Sorriso: Você tem MSN?
As duas últimas perguntas foram feitas ao mesmo
tempo. Rodrigo aguardou ansioso, mas decidiu responder
primeiro. Enviou seu endereço eletrônico e a resposta
surgiu.
Sorriso: Isto importa para você?
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Rodrigo riu e respondeu: “Não”.
Segundos depois outra janela surgiu, sendo esta do
MSN.
- Você que é sorriso? – perguntou Rodrigo.
- Sim.
Rodrigo saiu do bate-papo e retornou para o MSN,
então sorriso era homem. Não entendeu o porquê, mas
sentiu um rápido frio no estomago.
- Pode ligar a cam? – perguntou Carlos.
- Claro, sem problemas.
Ambos ligaram, mas a de Carlos apareceu primeiro.
Ele sorria de alguma coisa, era um belo sorriso, aliás, era
lindo considerou Rodrigo. Olhou para baixo surpreso e
percebeu que estava excitado.
- O que foi? – perguntou Carlos.
- Hã?
- Você estava olhando para baixo, meio assustado...
Rodrigo recordou que havia ligado a cam e riu.
- Pensei que meu celular tivesse caído no chão –
desculpou rápido.
- Ah! Isto não seria um bom presente de natal
concorda?
- Concordo.
Ambos riram. A conversa fluiu mais um pouco e
Rodrigo escutou sua mãe berrar da cozinha:
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- Rodrigo vá à padaria.
Não queria sair agora, Carlos era muito legal, olhou
perdido para o monitor.
- Seus olhos – comentou Carlos.
- Que têm eles?
- Lente? – perguntou Carlos rindo.
- Não. São naturais.
- Lindos.
- Seu sorriso também.
Riram por um bom tempo.
- Tenho que ir à padaria – informou Rodrigo.
- E eu, tenho que trabalhar.
- Agora à noite?
- Sim, estou no horário da janta. Trabalho até as dez.
- Rapaz trabalhador hein? Até mais então!
- Tranqüilo. Tchau.
- Tchau.
Fechou o MSN e foi à padaria. Estava flutuante, sorria
por nada. Nunca sentiu atração do tipo. Pensou em mil
loucuras e por isso, quase errou na compra do pão.
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Capítulo Cinco – A infância de sonhos perdidos.
Carlos retornou ao quarto e sentou-se na outra
extremidade da cama fitando Rodrigo.
- O que foi? – perguntou Rodrigo procurando entender
aquele olhar.
- Momento engraçado este – comentou Carlos seguindo
até a janela e lá ficou apoiado – meus amigos definiram
tudo isso como algo extremamente desnecessário. Eles
falavam “Você é louco? Já tem sua vida formada aqui.
Procure alguém mais próximo e ele é muito jovem, nunca
se sabe o que pode acontecer de verdade.”.
Rodrigo riu e comentou:
- Compreendo. O que será que eles diriam disto agora?
- Não consigo imaginar – respondeu Carlos rindo. – Estou
bem mais tranqüilo. Tive medo de sair do banheiro e
encontrar meu quarto vazio. Eu também deveria ter tirado o
dia de folga, mas me chamaram para trabalhar de última
hora.
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- Tudo bem.
- O André te entregou o bilhete?
- O rapaz de smoking preto? Sim. Tomei um susto.
- Imagino. Pensei que você iria me ligar.
- Eu já tinha tudo decorado. Endereço, telefone. A
propósito, o troco. – terminou Rodrigo colocando a mão no
bolso.
- Deixa isso pra depois. – Carlos seguiu até o guarda-roupa
e tirou algo - Tenho uma bermuda que deve caber em
você. Esta calça já deve estar desconfortável. Toma – e a
jogou na cama.
Rodrigo mirou Carlos sem graça e não conseguiu
entender porque sentira uma vergonha de despir-se em
sua frente tão de repente. Carlos entendeu o recado e
tornou a apoiar-se na janela, observando o céu rindo.
- Desculpa por isso.
- Tudo bem. Posso sentar aí com você?
- Claro que pergunta! – respondeu Rodrigo sem jeito.
Os dois se acomodaram na cama e ficaram em
silêncio.
- Começou quando eu tinha sete anos... – suspirou
Rodrigo.
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A imagem mudou, agora era de outra sala, mas
diferente do apartamento era um único vão. Ao fundo se
localizava a cozinha e na parede do lado direito da sala,
havia entradas sem portas que davam acesso para os
quartos.
Esta fora à casa de Rodrigo em 1995, já era tarde
próximo do relógio tocar suas doze badaladas noturnas.
Sua avó estava em casa junto de sua mãe, enquanto o
tempo passava Rodrigo tentava imaginar o que aconteceria
desta vez.
Desde os sete anos, Rodrigo aprendeu a lidar com o
fato de que seu pai era um bêbado e que por vezes,
chegava a bater na esposa. Mas agora melhor entendendo
as coisas tomou uma decisão, caso seu pai chegasse
embriagado e fosse bater na sua mãe, Rodrigo faria isto
parar.
A porta abriu violentamente e os gritos ecoaram pela
casa, junto com o homem bêbado vinham os tios e primos
de Rodrigo, provavelmente o encontraram no bar.
Rodrigo ficou um pouco feliz, como estavam todos ali
talvez não houvesse brigas. Mas, bastou seu pai mirar sua
mãe para começar com os xingamentos, Rodrigo podia
sentir seu mau hálito de cerveja de longe.
Sua irmã de apenas seis anos começou a chorar,
então juntas tia e avó levaram Rodrigo, seus primos e sua
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irmã para o quarto. E pediram ao seu primo mais velho
para que não deixasse ninguém sair.
Os gritos ecoavam pela casa. Ora de seu pai
ameaçando quebrar os moveis, ora dos parentes pedindo
em vão para que ele parasse. No quarto Rodrigo observou
sua irmã cair em lágrimas, que logo também escorreram
por sua face. Estava cansado disto, tentou sair mais foi
impedido por seu primo, que segurou seu braço.
Rodrigo nada falou, apenas deu um puxão e correu
parando entre seu pai e sua mãe. Todos se calaram,
Rodrigo observou sua mãe sentada encolhida com o joelho
machucado e mais abaixo estava caída uma bicicleta.
Voltou o olhar para seu pai que caiu num choro sem
fim.
- Eu e sua mãe... estamos conversan... – soluçou seu
pai incapaz de terminar a frase.
Rodrigo apenas o fitava com os punhos cerrados.
- Vem cá dar um abraço no seu pai – soluçou
novamente estendendo os braços.
Rodrigo continuou neutro, as lágrimas que vinham do
seu pai não o atingiam em nada, era pouco para ele sentir
o sofrimento da família, por causa de um vício idiota de
cerveja. Rodrigo olhou para sua mãe e deu um passo para
trás.
- Vem meu filho, seu pai não vai te machucar.
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- Vá Rodrigo, abraça ele – mandou sua avó indo
amparar sua filha.
Rodrigo desejou que seu pai sumisse, acabaria com
todo este sofrimento, mas em seu lugar caminhou para dar
o abraço e parou surpreendido quando sua irmã surgiu e o
fez primeiro. Rodrigo fechou os olhos e sentiu uma enorme
dor de cabeça, nunca sentiu tanto nojo de seu pai como
naquele momento.
Carlos segurou as mãos trêmulas de Rodrigo e falou:
- Pare agora, relaxe. Você parece fraco.
Rodrigo se endireitou na cama e respirou fundo.
- Eu não consigo entender Carlos como as pessoas
perdem o controle sob si mesmo. Sei lá, às vezes penso no
meu pai e me pergunto o que ele espera da existência
dele? Esses tipos de pessoas só parecem compreender a
vida quando estão próximas a morte e enquanto isto não
ocorre, caminham em companhia da própria ignorância.
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Capítulo Seis – Presente de natal.
Rodrigo acordou na sua rotina de sempre. Mesmo
sendo hoje o natal, iria se exercitar com os idosos, afinal
eles eram muito compreensivos e às vezes, mais dispostos
que muitos jovens. Cinco e vinte o alarme ressonava como
de costume, levantou-se feliz por dois motivos: o natal e
Carlos.
Tinham conversado sobre muitas coisas, Carlos falou
de seu vida. Relatou que morava sozinho e trabalhava
numa grande empresa, e mesmo que ambos se excitassem
ao se verem pela webcam, a conversa nunca tomou um
rumo obsceno.
Carlos brincou dizendo que queria casar-se e Rodrigo
aceitou a brincadeira. Logo após, começaram a trocar
beijos e outras palavras de carinho, a cada dia a conversa
se tornava mais prazerosa.
Rodrigo achava Carlos o máximo. Era ótimo ter um
homem atencioso como amigo e poder trocar beijos sem
toda essa frescura de ser chamado de gay. Rodrigo
imaginava o que aconteceria caso seus pais descobrissem
32
sobre esta amizade, mas logo descartava tal pensamento,
não estava fazendo nada de ruim.
Chegou à praça quinze minutos adiantado e sentiu a
prazerosa brisa da manhã. Era natal, tudo estava tão lindo.
As primeiras pessoas chegaram e ao vê-lo abriram um
sorriso, seguido da frase “Feliz Natal”. Rodrigo retribuiu o
sorriso e a frase, e ficou os observando se exercitar. Vinte
minutos depois todos já estavam presentes, algumas
senhoras apresentavam um misterioso sorriso.
- Como todos já sabem – começou Rodrigo – hoje é
natal. Apenas agradeço estes cinco meses que estamos
juntos e por esta enorme alegria que sinto. Desejo a todos
felicidades, mas peço que não fiquem felizes apenas no
natal, multipliquem esta felicidade todos os dias. Feliz
Natal.
Mãos aplaudindo um Rodrigo meio tímido ecoaram
por toda a praça. Rodrigo sorriu satisfeito e começaram
com os costumeiros exercícios.
Passado algum tempo seu celular tocou no bolso.
Rodrigo o pegou e o celular tocou outra vez, recebera duas
mensagens, ambas de Carlos. A primeira tinha escrito feliz
natal e os desejos de felicidade; Rodrigo começou a ler a
segunda mensagem e paralisou qualquer movimento.
“Tenho umas coisas pra te dizer... vergonha, mas...
toda vez que penso em você, enlouqueço. Beijos”. Rodrigo
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sorriu radiante, então Carlos também sentia o mesmo por
ele. Levantou os braços e os jogou para o alto, exclamando
baixinho “Obrigado!”.
- Ta tudo bem? – perguntou uma senhora passando ao
seu lado.
Rodrigo a mirou com cara de menino nas nuvens e
respondeu:
- Sim. É o fogo do natal.
- Bom pessoal, o treino hoje foi ótimo mais agora
daremos uma breve despedida. Dia três de Janeiro
estaremos de volta, enquanto isso, cuidado na alimentação
e alongar sempre. Até lá, quero ver todos sadios e que
tenham ido a muitas festas – finalizou Rodrigo.
Cada um deu um abraço e os desejos de felicidade,
paz e prosperidade. As senhoras que chegaram rindo
sarcasticamente mostraram o motivo, estavam com
presentes escondidos nas sacolas. Uma delas comentou:
- Percebi o seu entusiasmo quando leu a mensagem.
- Foi o alarme – mentiu Rodrigo.
- Sei, ou será que foi de uma futura namorada?
Rodrigo riu e pensou “Quase isso”. Esperou que todos
fossem e pulou diversas vezes. Releu a mensagem e
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sentiu seu coração explodir de felicidade. Não sabia o que
dizer. O que Carlos estaria pensando agora?
Papai Noel realmente o surpreendera, a mensagem foi
o seu melhor presente de natal.
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Capítulo Sete – A família morta.
Carlos mirou aquele garoto sentado em sua cama.
Tão jovem e ao mesmo tempo magoado por causa de
maus momentos com a família. Ele sabia que apesar da
felicidade que sentia, precisaria agir com calma. Afinal,
Rodrigo era um jovem diferente, vivendo tudo a frente de
seu tempo. Para afastar o silêncio começou a contar um
pouco da sua história.
- Eu não passei pelos mesmos problemas que você.
Perdi meus pais relativamente cedo. Minha mãe morreu
assim que nasci nunca soube direito o que ocorreu na noite
do parto. E a partir disto meu pai me criou como algo mais
valioso de sua vida. Eu não sou natural daqui, apenas fui
criado. Quando minha mãe morreu, ele falou para si
mesmo que a vida naquele local não fazia mais sentido e
decidiu vir para São Paulo. Na minha infância e parte da
adolescência moramos em Sorocaba. Diferente do seu,
meu pai procurava estar sempre conversando comigo, ele
me dizia que não havia sentido ter uma vida sem alguém
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para conversar, nem que fosse uma única pessoa, mas
deveríamos ter alguém.
- Então aos vinte e três anos quando já estudava numa
faculdade aqui em São Paulo, consegui um estágio e a
partir disto me fixei aqui. Meu pai ficou doente e voltou para
a família em Lituânia. Faleceu dois anos depois e após este
tempo eu passei a viver sozinho. Claro que tenho amigos e
às vezes vou visitar meus familiares lá, mas na maior parte
do tempo estou sozinho.
Rodrigo escutou tudo aquilo mudo e deitou-se na
cama. O silêncio reinava outra vez.
- Passaram-se três anos...
Carlos afastou seus pensamentos e prestou atenção
nos desabafos de Rodrigo.
Seis e vinte da noite, Rodrigo havia acabado de tomar
seu banho. Ao chegar ao quarto, percebeu que um par de
roupas já estava separado.
Trocou-se calado e não perguntou para onde iriam,
porque já sabia. Sua mãe queria verificar se o seu pai
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estava bebendo, era quarta-feira dia de movimento no
trabalho dele.
Rodrigo, mãe e irmã saíram às ruas numa noite de lua
nova. Não havia estrelas e o clima estava um pouco
quente.
Dobraram algumas ruas com a sua mãe pedindo para
andarem mais rápido a todo instante. Finalmente chegaram
ao estabelecimento e como sua mãe esperava seu pai não
estava no trabalho.
- Eu sabia – sussurrou sua mãe.
Andaram mais um pouco e não foi difícil avistar seu
pai no bar, graças aos seus cabelos loiros. Ele próprio
percebeu e tentou se esconder, correndo para detrás do
bar.
Sua mãe disparou na frente e Rodrigo arrastou sua
irmã, não queria deixar os dois a sós. Se aproximando do
esconderijo, Rodrigo ouviu os gritos de sua mãe e não
chegou mais perto para evitar o choro de sua irmã.
- ...pare de beber, você quer destruir nossa família?
- Eu só estava conversando – argumentou seu pai.
- Se você chegar bêbado outra vez em casa, não
espere que eu esteja lá – ameaçou sua mãe.
- Fátima! Fátimaaa – gritou seu pai, mas ela já estava
decidida.
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Em casa, o silêncio foi total. Sua mãe os colocou para
dormir e se trancou no quarto. Aos poucos, Rodrigo
escutou as lamentações e as suplicas nas rezas feitas por
sua mãe.
- Eu acordei e soube que meu pai não havia dormido
em casa – falou Rodrigo e se calou, queria reunir fôlego
para continuar.
Carlos apenas o observava, absorvendo cada palavra.
- Eu podia sentir que a minha família estava morrendo,
não sentia mais amor por eles, apenas piedade... –
recomeçou Rodrigo.
A manhã passou rápida e Rodrigo foi para o colégio
sem saber onde seu pai havia dormido. Na escola não
assistiu uma única aula, muito menos falou com os
colegas.
Pediu a professora para ir ao banheiro e no seu lugar,
passou toda a tarde perambulando. Sempre que algum
funcionário surgia, ele se escondia por detrás das moitas.
Tudo o que ele queria era encontrar um porque, sua família
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estava em crise e mesmo assim seu pai continuava
bebendo.
Ele observava outros adultos e chegava a sentir inveja
de como eles tratavam um ao outro. Como era possível seu
pai agir daquela forma? Ele não queria voltar para casa.
Como de costume, sua mãe o esperava sair com sua
irmã, que largava mais cedo do primário. No caminho de
volta, ninguém trocou uma palavra, sua mãe estava
impassível. Rodrigo apenas caminhou observando seus
outros colegas conversarem alegremente com seus pais.
De volta ao quarto, Rodrigo ainda se encontrava na
cama enxugando algumas lágrimas:
- Havia uma cadeira nos fundos que eu passava todo o
fim de tarde sentado nela e mirando o céu.
Rodrigo chegou em casa e logo correu para o quintal,
largou a bolsa e sentou-se na cadeira. Estava um fim de
tarde lindo. Bem ao longe as nuvens se mostravam laranjas
e foi nesta paisagem que Rodrigo se perdeu nos
pensamentos.
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Tentou encontrar um porque da sua mãe aceitar tanto
sofrimento. Rodrigo a amava e também sentia raiva por vê-
la sofrer tanto.
- Em que esta pensando mocinho? – perguntou sua
mãe se aproximando.
Rodrigo piscou os olhos rapidamente para voltar à
realidade.
- Nada! – exclamou num pulo e abraçou sua mãe.
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Capítulo Oito – Feliz Aniversário.
O fim de ano passou e embora estivessem distantes,
Rodrigo conseguiu se divertir. Na família não houve brigas,
apenas comemorações.
O curso voltou a todo vapor, todos se mostravam
ansiosos a espera do professor para contar-lhe sobre as
festividades do fim de ano.
Um mês passou e o tempo estacionou em Fevereiro,
Carlos e Rodrigo já se conheciam intimamente. Não existia
mais vergonha para dizer o que sentiam. Os dois
simplesmente se amavam e como dia 23 seria o
aniversário de Rodrigo, Carlos mandou uma carta uma
semana antes.
E o dia chegou exceto o que Rodrigo mais queria a
carta de Carlos. O tempo voou. Saiu com os amigos,
observou os preparativos da cidade para o carnaval.
Zoaram muito e só retornaram a noite, com a cozinha farta
de doces e um suculento bolo no centro.
Um de seus amigos retirou uma câmera digital do
bolso e em poucos segundos muitos flashs clarearam a
cozinha. “Discurso!”, pediram seus colegas. Rodrigo os
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fitou e mesmo contra sua vontade, um curto começou
discurso:
- Eu só tenho a agradecer a Deus e a todos vocês pela
amizade.
Todos riram e comemoraram. A festança durou até as
dez, seu pai chegou e foi direto para o quarto, nem se
preocupou em dar os parabéns, parecia estar num
daqueles dias de estresse supremo.
Quando todos se foram, Rodrigo correu para o quarto
e ligou o computador. Talvez Carlos já tivesse chegado do
trabalho, queria vê-lo dizer que o amava. Mas não havia
nenhum sinal dele.
Decepcionado, Rodrigo se jogou na cama e sentiu
algo ser amassado por suas costas, olhou e parou
estupefato. Era a carta de Carlos. Pegou-a e o presente
caiu na cama, um livro. Mas não foi isso que o deixou
boquiaberto, a carta já havia sido aberta. Procurou dentro
do livro e não encontrou o que Carlos disse também ter
enviado.
A porta do quarto bateu. Com um olhar acusador,
respiração ofegante e a mão esquerda amassando
um ,bilhete, o pai de Rodrigo o fitava.
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Capítulo Nove - A espera de uma nova vida.
- Quanto a minha sexualidade – comentou Carlos – vim
descobrir o que realmente queria após os vintes. Eu não
tive muito tempo de conversar sobre isso com meu pai.
Nestes últimos anos estive tentando encontrar aquilo que
chamam de alma gêmea. Até tentei viver com alguns, mas
não deu certo. Então surge você, um jovem que causa uma
reviravolta incrível em minha vida. Nunca imaginei que
passaria por algo do tipo. Naquele primeiro dia que nos
falamos pelo bate-papo, entrei por coincidência. Nunca fui
muito fã disto. Queria apenas encontrar algo diferente e
acredito que consegui.
- Teve uma vez que beijei meu primo e minha mãe
flagrou. Fugi de casa e pensei em me matar, mas não
consegui. Meu pai me encontrou e deixei ele me bater, não
sabia se o que tinha feito era certo ou errado. Lá na cidade
tinham uns gays que se vestiam como mulheres, mas
nunca tive contato, não gostava do modo como eles viviam.
- Aos dezessete anos, bem antes de te conhecer pela
internet, comecei a me rotular como bissexual. Era
engraçado porque, mesmo estando sozinho nunca me
bateu aquela louca vontade de ter um homem. Sempre
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controlei meus instintos e nas baladas que ia com os
colegas raramente ficava com alguém, porque eu detesto
ficar e ser apenas mais um – terminou Rodrigo.
- Continue... – pediu Carlos.
- Nos conhecemos e tudo foi muito novo. Naquele
mesmo tempo, comecei o namoro com uma vizinha louca e
aos poucos fui perdendo o desejo por ela.
- Entendo – falou Carlos num suspiro indo até a janela.
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Capítulo Dez – Troca de sentimentos.
Rodrigo se jogou na cama e suspirou longamente,
conhecera uma garota que nem ele mesmo sabia ser sua
vizinha. Após o flagra do pai com a carta, Rodrigo passou a
viver numa espécie de prisão. Não podia mais acessar a
internet, pois seu pai havia retirado o computador do seu
quarto. Ele também queria confiscar o celular, mas Rodrigo
conseguiu impedi-lo. O clima em casa estava horrível, o
inferno parecia ter se transportado para lá.
A tal vizinha se chamava Patrícia. Sua ex Pámela
surgiu na sua mente e Rodrigo deu outro longo suspiro.
“Porque sempre P?”, se perguntou. Começou o namoro
com patrícia sem saber o porquê e agora não sabia como
terminá-lo.
Ele apenas a beijou por carência, queria mesmo era
estar com Carlos. Fora apenas um beijo e mais nada, mas
Patrícia enlouqueceu e disse querer namorá-lo de qualquer
jeito.
Rodrigo não entendeu todo este escândalo emocional
dela, ele a beijava por beijar. E nesta tarde combinaram de
ir ao cinema.
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Às duas da tarde patrícia o puxava pelo braço, não
queria perder a primeira sessão. Avistaram Pámela na fila
com outro garoto. Rodrigo observou Patrícia estufar o peito
ao passar por ela.
O filme começou e Rodrigo não conseguiu prestar
atenção, pois Patrícia não calava a boca. Ao saírem da
sala, Patrícia o deixou no corredor esperando enquanto ela
iria retocar a maquiagem. Para sua surpresa Pámela saiu
do banheiro e baixou a cabeça ao vê-lo.
Momentos depois Patrícia saiu do banheiro triunfante.
Caminharam pelo shopping e ela fazia de tudo para chamar
atenção. Soltava gritinhos, pulava e dava-lhe beijos
agarrada no seu pescoço. Ela queria se mostrar com quem
estava andando.
Foi no estacionamento que Rodrigo soltou sua mão e
perguntou:
- Você fez algo a Pámela no banheiro?
Patrícia o mirou surpresa e respondeu:
- Não fiz nada.
- Não minta!
- Que importância tem isto? – perguntou Patrícia se
aproximando para beijá-lo.
Rodrigo a afastou com as mãos e insistiu:
- Vamos, me diga.
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- Pára de agir como um viado garoto – soltou Pámela e
levou as mãos à boca – desculpa, não tive a intenção...
- Você é muito oferecida – bradou Rodrigo.
Patrícia levantou a mão e Rodrigo a segurou bem a
tempo falando:
- Jamais volte a me tocar, você me dá nojo.
E jogou sua mão com força para o longe. Patrícia se
viu chocada, nunca imaginou Rodrigo assim. Logo ele que
estava sempre rindo, fazendo todos os seus gostos. Tinha
que recuperá-lo. Correu atrás dele e o puxou.
- Rodrigo...
- ME SOLTAAA! – berrou Rodrigo tão alto que sentiu
todo o ar sair dos seus pulmões.
Patrícia viu seu mundo desabar e ficou paralisada
chorando. Rodrigo entrou no carro e seguiu para casa. No
caminho, estacionou em uma rua e ficou por um bom
tempo mirando o aeroporto. Pensara em Carlos como
nunca havia pensado antes.
Rodrigo se perguntava o porquê de ser tão
diferente do lugar e da família que vivia. Durante um bom
tempo pensou que aceitaria e viveria em paz, que
aprenderia algo importante com tudo aquilo, mas quanto
mais o tempo passava mais lhe mostrava que ele estava
apenas sendo sufocado pela ignorância da própria família.
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Por ter de viver com pais que embora tentassem,
jamais aceitariam com normalidade sua sexualidade. Então
porque de nascer ali, com essas pessoas? Enquanto os
outros pensavam coisas a seu respeito, Rodrigo apenas
sonhava com a verdadeira vida que o chamava por dentro.
Não se sentia parte de nada ali. O próprio sentia que não
nascera para seguir o mesmo ritmo de vida deles. Porque
nasceu tão distante de sua realidade?
Rodrigo encostou a cabeça no volante e chorou.
Descarregou para si mesmo as dores que noite e dia
ardiam em seu peito. E ali mesmo sentiu o vento preencher
o carro. Sua alma revigorou-se com aquele toque invisível.
A natureza sempre o mostrava para não se desesperar
totalmente, mas em dias como este era impossível não
explodir com as tantas indiferenças que enfrentava.
- O que aconteceu meu filho? – perguntou sua mãe
assim que entrou em casa.
- Acabei o namoro – contou Rodrigo antes que alguém
o fizesse.
- Ainda bem – desabafou sua mãe.
- Hã?
- Ninguém nunca falava bem dela – falou sua mãe.
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Rodrigo riu sem jeito e pensou em contar a sua mãe
sobre como ocorrera, mas estava louco para tomar um
banho e relaxar. O aeroporto não saia da sua cabeça.
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Capítulo Onze – Voando para o futuro.
- Me diga – pediu Carlos - Teve algum bom momento em
sua adolescência?
- Sim... Nos meus quinze anos, meu pai parou de
beber...
Em outra casa, agora Rodrigo tinha seu próprio
quarto. Ainda era cedo, mas Rodrigo estava muito
cansado.
Iria fechar a porta de seu quarto quando escutou seu
pai chegar chorando.
- Parei Fátima! Parei!
Sua mãe não se conteve e também caiu em lágrimas.
Rodrigo deduziu que sua irmã estivesse dormindo, pois não
abrira a porta do quarto, que ficava de frente para o seu.
Rodrigo escutou o relato de seu pai colado na parede:
- Eu estava no bar, iria tomar o segundo copo de
cerveja quando escutei uma voz “Pare de beber”. Olhei
para os lados e percebi que ninguém falou comigo.
Sua mãe continuava a chorar.
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- Ignorei e pensei que era impossível já estar bêbado.
Mas bastou pegar o copo que a voz ressurgiu mais forte
“Pare de beber!”. E naquele momento senti algo ruim por
dentro, minha consciência e meu corpo tiveram nojo
daquela cerveja que eu tanto bebia. Paguei ao rapaz do
bar e vim correndo para te contar. Eu sinto Fátima, estou
curado! – exclamou.
- Oh! Fernando, graças a Deus – falou Fátima lhe
retribuindo o abraço.
- Ele bebeu novamente? – perguntou Carlos.
- Não. A família ganhou outra vida, ele não parava de
repetir o que aconteceu, achou que Deus lhe enviou um
anjo para salvá-lo – respondeu Rodrigo sentando-se na
cama.
- Então você perdeu a raiva que sentia por ele?
- Não. – respondeu Rodrigo.
A resposta surpreendeu Carlos que parou de mirar as
ruas para fitá-lo.
- Sabe... Eu cresci vivenciando meus pais brigarem, isto
ainda hoje me doe. São marcas que me traumatizaram
quando criança e a felicidade não podem substituí-las. – E
antes que Carlos falasse algo, ele prosseguiu – Mas as
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coisas pioraram, passei muito tempo perdido nos meus
conflitos. Não sabia direito quem eu era, queria parecer um
adolescente maduro. Namorei com mulheres e fiquei com
homens. Nunca namorei homens porque não acreditava no
amor homossexual.
Carlos se manteve em silêncio, esperando que
Rodrigo concluísse sua história.
- Completei dezoito anos e você me enviou um
presente. Meu pai abriu a carta primeiro e explodiu, disse
que me expulsaria de casa caso eu continuasse a me
comunicar com você.
- Isto você não me contou – falou Carlos surpreso.
- Meus pais perderam a confiança em mim, a casa virou
um inferno. Minha mãe tentava esconder, mas eu a via me
olhando desconfiada. Para ela ser gay é sofrer na vida e
nenhuma mãe quer ver seu filho sofrer. Mas ela não
entende, não sou igual a muitos gays que existem por aí,
não sou movido pelo prazer do sexo fácil.
- E o que você sente por um homem?
- Acho que... atração.
- Eu sou uma atração para você?
- Não sei dizer – respondeu Rodrigo sem jeito.
- Continue a história – pediu Carlos.
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- Eu queria sair de casa, morar em outra cidade. Então
você me disse que me acolheria, mas achei que fosse
brincadeira. Eu estava perdido, quebrado por dentro. Parte
de mim ainda esta.
Carlos se agitou na janela, sabia que hora com que
tanto sonhara estava chegando:
- Agora me diga, foi apenas por isso que você quis vir?
Rodrigo percorreu o quarto com o olhar antes de
responder:
- A principio sim... Ainda pensei em desistir de tudo,
continuar com aquela vida, mas como pode alguém nascer
em um lugar e não se sentir partir de nada dali? Cada dia
para mim era uma tortura indescritível, eu amo minha
família, amo de verdade mesmo. Mas o modo que eles
queriam aplicar a minha vida, nunca daria certo.
- Você é a primeira pessoa que eu conheço tão a frente
de seu tempo. Eu cheguei a pensar que tudo o que você
me enviava era apenas a seleção das melhores palavras.
Quando estamos apaixonados, sempre dizemos que a
idade não importa. Mas a realidade é tão diferente Rodrigo,
muito diferente mesmo. Você compreende o quanto é
único? Eu não saberia dizer o que você deve estar
pensando ou sentindo neste momento, mas eu estou feliz.
Jamais imaginei em meu destino, surgir algo do tipo. –
desabafou Carlos.
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- Carlos?
- Hum?
- Obrigado por tudo!
- Ah! Não começa.
- Serio, se não fosse você... Não sei como ainda estaria
vivendo lá – falou Rodrigo baixinho.
- Tem mais alguma coisa para me contar?
Rodrigo não respondeu, o mesmo flash da tapa surgiu
na sua mente. Seguiu até a outra janela e respirou fundo,
virou-se, parando a poucos passos de Carlos e narrou sua
última lembrança...
Rodrigo estava no aeroporto do Recife, comprando
sua passagem.
- Uma passagem apenas de ida para São Paulo, por
favor.
Em seguida deu todos os dados necessários e
agendou a viajem para a próxima quinta-feira. Apesar de
tudo não se sentia totalmente seguro para esta viagem,
repassaram todo o trajeto várias vezes. Como faria assim
que chegasse a São Paulo e todos os outros detalhes.
Carlos lhe perguntou sobre a bagagem e Rodrigo
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respondeu que não levaria nada que pertencesse a sua
antiga família, tudo ficaria para trás.
Seus pensamentos se confundiam constantemente.
Em casa, foi direto para o banho e depois se trancou no
quarto. Queria dormir esquecer um pouco toda esta
situação, mas não conseguiu. Tudo voltou a se confundir,
não sabia como diria aos seus pais. Lágrimas caíram
complementando o silêncio que o rondava. Por fim,
adormeceu. Bastante incerto sobre os próximos dias da
sua vida.
Numa quarta-feira a noite toda a sua família estava
reunida na sala, pois Rodrigo havia decidido contar tudo.
Sobre a passagem que havia comprado e Carlos, onde iria
morar com ele.
Uma grande discussão varou a noite, queriam prendê-
lo, soltavam ameaças, alertavam e argumentavam que
conhecer alguém pela internet era perigoso, a vida dele
estava em risco. Mas Rodrigo já estava cegamente
decidido.
Passaram-se oito horas de gritos, lágrimas e silêncio
até que um táxi buzinou no lado de fora.
- Minha hora chegou – suspirou Rodrigo.
- Meu filho não vá, por favor – suplicou sua mãe.
Sua irmã estava em choque, não disse uma só
palavra. Rodrigo queria abraçar sua mãe, atender ao seu
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pedido, mas ele não se sentia completo ali. Apesar de
serem uma família, não queria passar mais um minuto ao
lado deles.
No seu lugar mirou seu pai. Fernando que estava
encolhido na parede, caminhou até seu filho e ficaram cara-
a-cara. Rodrigo pensou que ganharia um abraço, que eles
o aceitariam, mas sentiu sua face ferver com uma tapa e
cambaleou para trás.
Lembrou de todos os bons e maus momentos que
teve com aquela família. Aquele tapa o fez querer esquecê-
los de vez. Sua mãe gritou e correu para segurar o marido.
Rodrigo se apoiou na porta, abriu-a e assim a deixou,
saindo de casa.
- Podemos ir? – perguntou o taxista.
- Sim, vamos – respondeu Rodrigo tentando conter as
lágrimas.
Mas chorou. Estava cansado, frustrado. Sua cabeça
doía e o coração estava envolvido num aperto enorme, que
quase não o deixava respirar.
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Capítulo Doze – Entre a realidade e o sonho parte 2.
- O que você pretende fazer agora? - perguntou Carlos.
Rodrigo não soube o que responder e no próximo
instante estavam colados, num abraço. Lágrimas caíram
sem controle. Carlos nada disse, apenas apertou o abraço.
Em meio a soluços e gaguejos Rodrigo começou:
- Já so-sou maior de idade...
- Calma, calma – sussurrou Carlos.
- Pó-po-posso trabalhar.
O choro se intensificou. Carlos o afastou e levantou a
face chorosa de Rodrigo, pela primeira vez mirou um lindo
par de olhos azuis, com o nariz vermelho de tanto chorar.
- O que você pretende fazer agora? - repetiu Carlos
docemente.
Rodrigo engoliu em seco e após um breve silêncio
respondeu:
- Quero esquecer o passado... – e mirou o chão.
- Hum – murmurou Carlos.
- ...e todas as loucuras que fiz...
- Continue – pediu Carlos.
Rodrigo levantou a cabeça e fitou aquele homem
parado a sua frente.
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- Quero construir meu futuro com você! – exclamou
Rodrigo sem chorar.
Carlos puxou a cabeça de Rodrigo e encostou-a no
seu peito falando:
- Isto era tudo que eu queria ouvir...
A frase ficou suspensa no ar. Rodrigo apenas se
apertou no corpo de Carlos e escutou batidas monótonas,
porém felizes de um coração apaixonado.
Rodrigo sentiu as mãos de Carlos acariciar suas
costas. Então levantou a face e o beijou.
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Capítulo Treze - Entregues sob o luar.
Os lábios se separaram e ambos tentaram enxergar a
própria alma naquela troca de olhares.
- Lembra daquele poema que você me enviou?
Rodrigo respondeu com um curto “Hum-hrum”.
- Você me disse que estaríamos abraçados perante o
luar... Quer tentar? – perguntou Carlos mirando a janela.
Rodrigo mirou tudo a sua volta. Seria mesmo verdade
o que estava acontecendo ali? Seu coração ainda batia
rapidamente, o beijo era a única coisa que se passava em
sua mente, queria novamente sentir aqueles lábios, mas
sentiu vergonha de pedir outro beijo. Em seu lugar, segurou
firme a mão de Carlos e a trouxe vagarosamente para
alisar seu rosto. Seguiram até a janela e ali permaneceram
abraçados. Tantas coisas boas e ruins ocorrendo lá fora e
ali estavam dando vida a um novo romance. Aos poucos,
Carlos entoou o poema:
“Morro de desejo
Por teu corpo
Tua boca
Incendeia-me
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E o teu olhar
Me dilacera...
Minha única decepção
É à distância
Pois caso estivéssemos juntos
Estas tristes e monótonas horas
Tornar-se-iam em infinitas noites felizes
E nas madrugadas
Com um enorme luar
O tempo seria paralisado...”
Ao ouvir suas palavras, Rodrigo sentiu seu coração
explodir. Lembrou-se da noite que o escrevera, estava
triste e sozinho. Seus olhos lacrimejaram, mas fez o
possível para impedir a queda das lágrimas.
“Pois na janela estaríamos
Coladinhos
Observando tudo
Sem a preocupação das horas
Deixando o corpo ser banhado
Por uma leve brisa fria
Com tua boca aquecendo meu corpo
Através dos beijos
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E pequenas baforadas de ar
Em meu pescoço...”
Rodrigo se arrepiou totalmente quando Carlos deu-lhe
um beijo no pescoço, não estava mais nervoso, apenas
queria ficar ali ouvindo estas palavras.
“Cada palavra dita por ti
Percorreria minha mente
E toda a noite
Estaríamos ali, parados na janela.
Vestindo apenas trazes íntimos...”
Rodrigo chorou.
“O tempo jamais ousaria passar
Porque o dia
Apenas nasceria novamente
Assim que acabássemos
De contar
As inacabáveis estrelas do céu.”
O poema acabou. Carlos abraçou forte o corpo de
Rodrigo e declarou:
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- Eu sempre duvidei que este momento realmente viesse a
acontecer. E de tudo o que conversávamos pela internet,
eu sempre duvidei que um jovem como você pudesse ser
tão diferente. Mas não me compreenda mal, estávamos
distantes e a distância como você mesmo me disse uma
vez mata e fortalece aos poucos. Mas agora que posso te
sentir, sei que estava errado. O que eu imaginava ser uma
loucura é na realidade o mais belo capítulo de nossas
vidas, o dia do nosso encontro.
- Eu não sei o dizer – sussurrou Rodrigo – apenas estou
aliviado por estar aqui. Sempre que eu chorava, apenas me
sentia mais magoado. E agora por incrível que pareça,
estas lágrimas estão me fazendo bem.
- Carlos?
- Fala querido.
- Me beija.
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Epílogo
Rodrigo contemplava o quarto que há meses
atrás havia chorado, narrando todo o seu passado.
Estava deitado na cama, com Carlos do seu lado
adormecido. Ambos estavam nus e cobertos pelos
lençóis.
Conseguira um emprego e faziam planos para
as férias de fim de ano. Pretendiam passá-la em
algum lugar onde ninguém os conhecesse.
A família de Rodrigo nunca entrou em contato.
E Rodrigo tão pouco sabia o que estavam
comentando dele naquela cidade. Sentiu saudade
do antigo curso que tinha, dos poucos colegas de
colégio e principalmente da sua mãe.
E assim Rodrigo também dormiu e sonhou com
o diálogo que teve, logo após ter beijado Carlos.
- Quando eu entrei na sua vida, nem sabia direito
o que queria. O principal objetivo era esquecer o
preconceito da minha família e também tive medo
de que nada disto desse certo – sussurrou Rodrigo
com a cabeça encostada do ombro do parceiro.
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Carlos suspirou se perguntando se em algum
dia viveriam sem o preconceito.
- De uma certa forma, tudo é inevitável.
Traçamos as curvas do nosso destino meio que
cegos e quando vemos, somos obrigados a seguir
em frente. Eu tive muito medo de que você
desistisse de tudo – falou Carlos no mesmo
sussurro.
- Eu... – sibilou Rodrigo.
- Não fale mais nada – interrompeu Carlos. – Eu
te amo.
Rodrigo mirou Carlos silencioso. Queria dizer
tantas coisas que não conseguia expressar.
Juntaram as mãos.
Colaram os corpos.
Uniram os suspiros e fundiram a alma.
Naquele momento estariam juntos, para
sempre, ainda era muito cedo para afirmar, mas
fosse eterno ou não, naquele momento eles
estavam se amando.
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