Letras de Música - Oswaldo Montenegro, Seu Francisco 1992

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Seu Francisco - 1992 (Polygram) 1. O velho Francisco (Chico Buarque) / Hino de Duran (K.Weill / B. Brecht-Adapt: Chico Buarque) 2. "Fazenda modelo"(Chico Buarque) / Primeiro amor (Pattapio Silva / E.A.M.)/Maninha (Chico Buarque) / A banda (Chico Buarque) / Vassourinhas (C.C.M.Vassourinhas) / Agora falando sério (Chico Buarque) / Almanaque (Chico Buarque) / Urubu malandro (Aldacir Louro/João de Barro) 3. Teresinha (Chico Buarque) / João e Maria (Sivuca/Chico Buarque) / Roda viva (Chico Buarque) 4. Lamentos (Pixinguinha) / Trocando em míudos (Francis Hime/Chico Buarque) / Samba do grande amor (Chico Buarque) 5. Baioque (Chico Buarque) / Um bilhete pra Didi (Jorginho Gomes) 6. Menestrel urbano (Oswaldo Montenegro/Sérgio Chiavazzoli) / Pedaço de min (Chico Buarque) 7. Fado tropical (Chico Buarque/Ruy Guerra) / Pororocas (Armandinho/Luiz Brasil) / Caçada (Chico Buarque) 8. Deus lhe pague (Chico Buarque) 9. Lili -Hi-Lili-Hi-Lo (Deutsch/Kaper-Versão: Haroldo Barbosa) / Ciranda da Bailarina (Edu Lobo/Chico Buarque) 10. Ilmo.Sr. Ciro Monteiro ou receita pra virar casaca de nenem (Chico Buarque) / Bom conselho (Chico Buarque) / Rosa dos ventos (Chico Buarque) 11. Assanhado (Jacob do Bandolim) / Pelas tabela (Chico Buarque) / Brasileirinho (Waldir Azevedo) / Não sonho mais (Chico Buarque) 12. Construção (Chico Buarque)

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Ótimas letras de ótimas músicas...

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Seu Francisco - 1992 (Polygram)

1. O velho Francisco (Chico Buarque) / Hino de Duran (K.Weill / B. Brecht-Adapt: Chico Buarque)2. "Fazenda modelo"(Chico Buarque) / Primeiro amor (Pattapio Silva / E.A.M.)/Maninha (Chico Buarque) / A banda (Chico Buarque) / Vassourinhas (C.C.M.Vassourinhas) / Agora falando sério (Chico Buarque) / Almanaque (Chico Buarque) / Urubu malandro (Aldacir Louro/João de Barro)3. Teresinha (Chico Buarque) / João e Maria (Sivuca/Chico Buarque) / Roda viva (Chico Buarque) 4. Lamentos (Pixinguinha) / Trocando em míudos (Francis Hime/Chico Buarque) / Samba do grande amor (Chico Buarque)5. Baioque (Chico Buarque) / Um bilhete pra Didi (Jorginho Gomes)6. Menestrel urbano (Oswaldo Montenegro/Sérgio Chiavazzoli) / Pedaço de min (Chico Buarque)7. Fado tropical (Chico Buarque/Ruy Guerra) / Pororocas (Armandinho/Luiz Brasil) / Caçada (Chico Buarque) 8. Deus lhe pague (Chico Buarque)9. Lili -Hi-Lili-Hi-Lo (Deutsch/Kaper-Versão: Haroldo Barbosa) / Ciranda da Bailarina (Edu Lobo/Chico Buarque)10. Ilmo.Sr. Ciro Monteiro ou receita pra virar casaca de nenem (Chico Buarque) / Bom conselho (Chico Buarque) / Rosa dos ventos (Chico Buarque) 11. Assanhado (Jacob do Bandolim) / Pelas tabela (Chico Buarque) / Brasileirinho (Waldir Azevedo) / Não sonho mais (Chico Buarque)12. Construção (Chico Buarque)13. O que será (Chico Buarque) / "Fazenda modelo" (Chico Buarque) / A Banda (Chico Buarque)

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Letras

Hino de Duran (Hino da Repressão) (Kurt Weill/B. Brecht Adapt.: Chico Buarque)

Se tu falas muitas palavras sutisE gostas de senhas, sussurros, ardisA lei tem ouvidos pra te delatarNas pedras do teu próprio lar

Se trazes no bolso a contravençãoMuambas, baganas e nem um tostãoA lei te vigia, bandido infelizCom seus olhos de raio-x

Se vives nas sombras, freqüentas porõesSe tramas assaltos ou revoluçõesA lei te procura amanhã de manhãCom seu faro de dobermann

E se definitivamente a sociedade só te temDesprezo e horrorE mesmo nas galeras és nocivoés um estorvo, és um tumorA lei fecha o livro, te pregam na cruzDepois chamam os urubus

Se pensas que burlas as normas penaisInsuflas, agitas e gritas demaisA lei logo vai te abraçar, infratorCom seus braços de estivador

Texto Fazenda Modelo(trecho)(Chico Buarque)

ERA ASSIM: o que quiser que tenha, tinha.Tinha arrebol? Tinha. Rouxinol? Tinha.Luar do sertão, palmeira imperial, girassol, tinha.Também tinha temporal, barranco, às vezes lamaçal, o diaboDepois bananeira, até cachoeira, mutuca, boto, urubu, horizonte,pedra, pau, trigo, joio, cactus, raios, estrela cadente,incandescências. Enfim

A Banda (Chico Buarque)

Estava à toa na vida O meu amor me chamouPra ver a banda passarCantando coisas de amor

A minha gente sofridaDespediu-se da dorPra ver a banda passarCantando coisas de amor

O homem sério que contava dinheiro parouO faroleiro que contava vantagem parouA namorada que contava as estrelas parouPara ver, ouvir e dar passagemA moça triste que vivia calada, sorriuA rosa triste que vivia fechada, se abriuE a meninada toda se assanhouPra ver a banda passarCantando coisas de amor

O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensouQue ainda era moço pra sair no terraço e dançouA moça feia debruçou na janelaPensando que a banda tocava pra elaA marcha alegre se espalhou na avenida e insistiuA lua cheia que vivi escondida surgiuMinha cidade toda se enfeitouPra ver a banda passarCantando coisas de amor

Mas para meu desencantoO que era doce acabouTudo tomou seu lugarDepois que a banda passou

E cada qual no seu cantoEm cada canto uma dorDepois da banda passarCantando coisas de amor

Agora Falando Sério (Chico Buarque)

Agora falando sérioEu queria não cantarA cantiga bonitaQue se acreditaQue o mal espantaDou um chute no lirismoUm pega no cachorroE um tiro no sabiáDou um fora no violinoFaço a mala e corroPra não ver banda passar

Agora falando sérioEu queria não mentirNão queria enganar

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Driblar, iludirTanto desencantoE você que está me ouvindoQuer saber o que está havendoCom as flores do meu quintal?O amor-perfeito, traindoA sempre-viva, morrendoE a rosa, cheirando mal

Agora falando sérioPreferia não falarNada que distraísseO sono difícilComo acalantoEu quero fazer silêncioUm silêncio tão doente Do vizinho reclamarE chamar polícia e médicoE o síndico do meu tédioPedindo para eu cantar

Agora falando sérioEu queria não cantarFalando sério

Agora falando sérioPreferia não falarFalando sério

Almanaque (Chico Buarque)

Ô menina vai ver nesse almanaque como é que isso tudo começouDiz quem é que marcava o tique-taque e a ampulheta do tempo que disparouSe mamava de sabe lá que teta o primeiro bezerro que berrouMe diz, me responde, por favorPra onde vai o meu amorQuando o amor acaba

Quem penava no sol a vida inteira, como é que a moleira não rachouMe diz, me dizQuem tapava esse sol com a peneira e quem foi que a peneira esburacouQuem pintou a bandeira brasileira que tinha tanto lápis de corMe diz, me responde por favorPra onde vai o meu amorQuando o amor acaba

Quem é que sabe o signo do capeta, o ascendente de Deus Nosso SenhorQuem não fez a patente da espoleta explodir

na gaveta do inventorQuem tava no volante do planeta que o meu continente capotouMe responde por favorPra onde vai o meu amorQuando o amor acaba

Vê se tem no almanaque, essa menina, como é que termina um grande amorSe adianta tomar uma aspirina ou se bate na quina aquela dorSe é chover o ano inteiro chuva fina ou se é como cair o elevadorMe responde por favorPra que tudo começouQuando tudo acaba

João e Maria (Chico Buarque/Sivuca)

Agora eu era heróiE o meu cavalo só falava inglêsA noiva do cowboyEra vocêAlém das outras trêsEu enfrentava os batalhõesOs alemães e seus canhõesGuardava o meu bodoqueEnsaiava um rockPara as matinês

Agora eu era o reiEra o bedel e era também juizE pela minha leiA gente era obrigada a ser felizE você era princesa Que eu fiz coroarE era tão linda de se admirarQue andava nua pelo meu país

Não, não fuja nãoFinja que agora eu era o seu brinquedoEu era o seu piãoO seu bicho preferidoSim, me dê a mãoA gente agora já não tinha medoNo tempo da saudadeAcho que a gente nem tinha nascido

Agora era fatalQue o faz-de-conta terminasse assimPra lá desse quintalEra uma noite que não tem mais fimPois você sumiu no mundoSem me avisarE agora eu era um louco a perguntar

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O que é que a vida vai fazer de mim

Roda-Viva (Chico Buarque)

Tem dias que a gente se senteComo quem partiu ou morreuA gente estancou de repenteOu foi mundo então que cresceuA gente quer ter voz ativaNo nosso destino mandarMais eis que chega a roda vivaE carrega o destino pra lá

Roda mundo, roda-giganteRodamoinho, roda piãoO tempo rodou num instanteNas voltas do meu coração

A gente vai contra a correnteAté não poder resistirNa volta do barco é que senteO quanto deixou de cumprirFaz tempo que a gente cultivaA mais linda roseira que háMais eis que chega a roda-vivaE carrega a roseira pra lá

A roda da saia, a mulataNão quer mais rodar, não senhorNão posso fazer serenataA roda de samba acabouA gente toma a iniciativaViola na rua, a cantarMas eis que chega a roda-vivaE carrega a viola pra lá

O samba, a viola, a roseiraUm dia a fogueira queimouFoi tudo ilusão passageiraQue a brisa primeira levouNo peito a saudade cativaFaz força pro tempo pararMas eis que chega a roda-vivaE carrega a saudade pra lá

Trocando em Miúdos (Francis Hime/Chico Buarque)

Eu vou lhe deixar a medida do BomfimNão me valeuMas fico com o disco do Pixinguinha, sim?O resto é seuTrocando em miúdos, pode guardarAs sobras de tudo que chamam lar

As sombras de tudo que fomo nósAs marcas do amor nos nossos lençóisAs nossas melhores lembranças

Aquela esperança de tudo se ajeitarPode esquecerAquela aliança, você pode empenharOu derreterMas devo dizer que não vou lhe darO enorme prazer de me ver chorarNem vou lhe cobrar pelo seu estragoMeu peito tão dilacerado

AliásAceite uma ajuda do seu futuro amorPro aluguelDevolva o Neruda que você me tomouE nunca leuEu bato o portão sem fazer alardeEu levo a carteira de identidadeUma saideira, muita saudadeE a leve impressão de que já vou tarde

Samba do Grande Amor (Chico Buarque)

Tinha cá pra mimQue agora simEu vivia enfim o grande amorMentiraMe atirei assimDe trampolimFui até o fim, um amador

Passava um verãoA água e pãoDava o meu quinhão pro grande amorMentiraEu botava a mãoNo fogo entãoCom meu coração de fiador

Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peitoExijo respeito, não sou mais um sonhadorChego a mudar de calçadaQuando aparece uma florE dou risada do grande amorMentira

Fui muito fielComprei anelBotei no papel o grande amorMentiraReservei hotelSarapatel

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E lua-de-mel em SalvadorFui rezar na SéPra São JoséQue eu levava féNo grande amorMentiraFiz promessa atéPra OxumaréDe subir a pé o Redentor

Baioque (Chico Buarque)

Quando eu cantoQue se cuideQuem não for meu irmãoO meu cantoPunhaladaNão conhece o perdãoQuando eu rio

Quando rioRio secoComo é seco o sertãoMeu sorrisoÉ uma fendaEscavada no chãoQuando eu choro

Quando choroÉ uma enchenteSurpreendendo o verãoÉ o invernoDe repenteInundando o sertãoQuando eu amo

Quando amoEu devoroTodo o meu coraçãoEu odeioEu adoroNuma mesma oraçãoQuando eu canto

Mamie, não quero seguirDefinhando sol a solMe leva daquiEu quero partirRequebrando um rock and rollNem quero saberComo se dança o baiãoEu quero ligarEu quero um lugarAo som de Ipanema, cinema e televisão

Pedaço de Mim (Chico Buarque)

Oh, pedaço de mimOh, metade de afastada de mimLeva o teu olharQue a saudade é o pior tormentoÉ pior do que o esquecimentoé pior do que se entrevar

Oh, pedaço de mimOh, metade exilada de mimLeva os teus sinaisQue a saudade dói como um barcoQue aos poucos descreve um arcoE evita atracar no cais

Oh, pedaço de mimOh, metade arrancada de mimLeva o vulto teuQue a saudade é o revés de um partoA saudade é arrumar o quartoDo filho que já morreu

Oh, pedaço de mimO, metade amputada de mimLeva o que há de tiQue a saudade dói latejadaÉ assim como uma fisgadaNo membro que já perdi

Oh, pedaço de mimOh, metade adorada de mimLeva os olhos meusQue a saudade é o pior castigoE eu não quero levar comigoA mortalha do amorAdeus

Fado Tropical (Chico Buarque/Ruy Guerra)

Oh, musa do meu fadoOh, minha mãe gentilTe deixo consternadoNo primeiro abril

Mas não sê tão ingrataNão esquece quem te amouE em tua densa mataSe perdeu e se encontrouAi, esta terra ainda vai cumprir seu idealAinda vai tornar-se um imenso Portugal

"Sabe, no fundo eu sou um sentimental

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Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo (além da sífilis, é claro)Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidarMeu coração fecha os olhos e sinceramente chora..."

Com avencas na caatingaAlecrins no canavialLicores na moringaUm vinho tropicalE a linda mulataCom rendas de AlentejoDe quem numa bravataArrebata um beijoAi, esta terra ainda vai cumprir seu idealAinda vai tornar-se um imenso Portugal

"Meu coração tem um sereno jeitoE as minhas mãos o golpe duro e prestoDe tal maneira que, depois de feitoDesencontrado, eu mesmo me confesso

Se trago as mãos distantes do meu peitoÉ que há distância entre intenção e gestoE se o meu coração nas mãos estreitoMe assombra a súbita impressão de incesto

Quando me encontro no calor da lutaOstento a agida empunhadora à proaMas meu peito se desabotoaE se a sentença se anuncia brutaMais que depressa a mão cega executaPois que senão o coração perdoa"

Guitarras e sanfonasJasmins, coqueiros, fontesSardinhas, mandiocaNum suave azulejoE o rio AmazonasQue corre Trás-os-montesE numa pororocaDeságua no TejoAi, esta terra ainda vai cumprir seu idealAinda vai tornar-se um imenso PortugalAi, esta terra ainda vai cumprir seu idealAinda vai tornar-se um império colonial

Caçada (Chico Buarque)

Não conheço seu nome ou paradeiroAdivinho seu rastro e cheiroVou armado de dentes e coragemVou morder sua carne selvagemVaro a noite sem cochilar, aflito

Amanheço imitando seu gritoMe aproximo rodando a sua tocaE ao me ver você me provocaVocê canta sua agonia loucaÁgua que borbulha na bocaMinha presa rugindo sua raçaPernas se debatendo e o seu fervorHoje é o dia da graçaHoje é o dia caça e do caçador

Eu me espicho no espaço feito um gatoPra pegar você, bicho do matoSaciar sua avidez mestiçaQue ao me ver se encolhe e me atiçaQue num impulso me expulsa e abraçaNossa peles grudando de suorHoje é o dia da graçaHoje é o dia caça e do caçador

De tocaia fico a espreitar a feraLogo dou-lhe o bote certeiroJá conheço seu dorso de gazelaCavalo brabo montado em peloDominante, não se desembaraçaOfegante, é dona do seu senhorHoje é o dia da graçaHoje é o dia caça e do caçador

Deus lhe Pague (Chico Buarque)

Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormirA certidão pra nascer e a concessão pra sorrirPor me deixar respirar, por me deixar existirDeus lhe pague

Pelo prazer de chorar e pelo "estamos aí"Pela piada no bar e o futebol pra aplaudirUm crime pra comentar e um samba pra distrairDeus lhe pague

Por essa praia, essa saia, pelas mulheres daquiO amor malfeito depressa, fazer a barba e partirPelo domingo que é lindo, novela, missa e gibiDeus lhe pague

Pela cachaça de graça que a gente tem que engolirPela fumaça, desgraça, que a gente tem que cair

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Pelos andaimes, pingentes, que a gente tem que cairDeus lhe pague

Por mais um dia, agonia, pra suportar e assistirPelo rangido dos dentes, pela cidade a zunirE pelo grito demente que nos ajuda a fugirDeus lhe pague

Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspirE pelas moscas-bicheiras a nos beijar e cobrirE pela paz derradeira que enfim vai nos redimirDeus lhe pague

Ciranda da Bailarina (Edu Lobo/Chico Buarque)

Procurando bemTodo mundo tem perebaMarca de bexiga ou vacinaE tem piriri, tem lombriga, tem amebaSó a bailarina que não temE não tem coceiraBerruga nem frieiraNem falta de maneira Ela não tem

Futucando bemTodo mundo tem piolhoOu tem cheiro de creolinaTodo mundo tem um irmão meio zarolhoSó a bailarina que não temNem unha encardidaNem dente com comidaNem casca de feridaEla não tem

Não livra ninguém Todo mundo tem remelaQuando acorda às seis da matinaTeve escarlatinaOu tem febre amarelaSó a bailarina que não temMedo de subir, genteMedo de cair, genteMedo de vertigemQuem não tem

Confessando bemTodo mundo faz pecadoLogo assim que a missa termina

Todo mundo tem um primeiro namoradoSó a bailarina que não temSujo atrás da orelhaBigode de groselhaCalcinha um pouco velhaEla não tem

O padre tambémPode até ficar vermelhoSe o vento levanta a batinaReparando bem, todo mundo tem pentelhoS;o a bailarina que não temSala sem mobíliaGoteira na vasilhaProblema na famíliaQuem não tem

Ilmo Sr. Ciro Monteiro (ou receita pra virar casaca de neném)(Chico Buarque)

Amigo CiroMuito te admiroO meu chapéu te tiroMuito humildementeMinha petizAgradece a camisaQue lhe deste à guisaDe gentil presenteMas caro negoUm pano rubro-negroÉ presente de gregoNão de um bom irmãoNós separadosNas arquibancadasTemos sidos tão chegadosNa desolação

Amigo velhoAmei o teu conselhoAmei o teu vermelhoQue é de tanto ardorMas quis o verdeQue te quero verdeÉ bom pra quem vai terDe ser bom sofredorPintei de branco o teu pretoFicando completo O jogo de corVirei-lhe o listrado do peitoE nasceu nesse peitoUma outra tricolor

Bom Conselho (Chico Buarque)

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Ouça um bom conselhoQue eu lhe dou de graçaInútil dormir a dor não passaEspere sentadoOu você se cansaEstá provado, quem espera nunca alcança

Venha, meu amigoDeixe esse regaçoBrinque com meu fogoVenha se queimarFaça como eu digoFaça como eu façoAja duas vezes antes de pensar

Corro atrás do tempoVim de não sei ondeDevagar é que não se vai longeEu semeio o ventoNa minha cidadeVou pra rua e bebo a tempestade

Rosa-dos-Ventos (Chico Buarque)

E do amor gritou-se o escândaloDo medo criou-se o trágicoNo rosto pintou-se o pálidoE não rolou uma lágrimaNem uma lástimaPra socorrer

E na gente deu o hábitoDe caminhar pelas trevasDe murmurar entre as pregasDe tirar leite das pedrasDe ver o tempo correr

Mas, sob o sono dos séculosAmanheceu o espetáculoComo uma chuva de pétalasComo se o céu vendo as penasMorresse de pena E chovesse o perdão

E a prudência dos sábiosNem ousou conter nos lábiosO sorriso e a paixão

Pois transbordando de floresA calma dos lagos zangou-seA rosa-dos-ventos danou-seO leito dos rios fartou-seE inundou de água doceA amargura do mar

Numa enchente amazônicaNuma explosão atlânticaE a multidão vendo em pânicoE a multidão vendo atônitaAinda que tardeO seu despertar

Pelas Tabelas (Chico Buarque)

Ando com minha cabeça já pelas tabelasClaro que ninguém se toca com minha afliçãoQuando vi todo mundo na rua de blusa amarelaEu achei que era ela puxando um cordãoDão oito horas e danço de blusa amarelaMinha cabeça talvez faça as pazes assimQuando vi a cidade de noite batendo panelasEu pensei que era ela voltando pra mimMinha cabeça de noite batendo panelasProvavelmente não deixa a cidade dormirQuando vi um bocado de gente descendo as favelasEu achei que era o povo que vinha pedirA cabeça de um homem que olhava as favelasMinha cabeça rolando no MaracanãQuando vi a galera aplaudindo de pé as tabelasEu jurei que era ela que vinha chegandoCom minha cabeça já pelas tabelasClaro que ninguém se toca com minha afliçãoQuando vi todo mundo na rua de blusa amarelaEu achei que era ela puxando o cordãoDão oito horas e danço de blusa amarelaMinha cabeça talvez faça as pazes assimQuando ouvi a cidade de noite batendo panelasEu pendei que era ela voltando pra mimMinha cabeça de noite batendo panelasProvavelmente não deixa a cidade dormirQuando vi um bocado de gente descendo as favelasEu achei que era o povo que vinha pedirA cabeça de um homem que olhava as favelasMinha cabeça rolando no MaracanãQuando vi a galera aplaudindo de pé as tabelasEu jurei que era ela que vinha chegandoCom minha cabeça já numa baixelaClaro que ninguém se toca com a minha afliçãoQuando vi todo mundo na rua de blusa amarela

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Eu achei que era ela puxando um cordão

Não Sonho Mais (Chico Buarque)

Hoje eu sonhei contigoTanta desdita, amorNem te digoTanto castigoQue eu tava aflita de te contar

Foi um sonho medonho Desses que às vezes a gente sonhaE baba na fronha E se urina todaE quer sufocar

Meu amorVi chegando um trem de candangoFormando um bandoMas que era um bando de orangotangoPra te pegar

Vinha nego humilhadoVinha morto-vivoVinha flageladoDe tudo que é ladoVinha um bom motivoPra te esfolar

Quanto mais tu corriaMais tu ficavaMais atolavaMais te sujavaAmor, tu fediaEmpestava o ar

Tu, que foi tão valenteChorou pra gentePediu piedadeE olha que maldadeMe deu vontadeDe gargalhar

Ao pé da ribanceiraAcabou-se a liçaE escarreite inteiraA tua carniçaE tinha justiçaNesse escarrarTe rasgamos a carcaçaDescemo a ripaViramo as tripaComemo os ovoAi, e aquele povoPôs-se a cantar

Foi um sonho medonhoDesses que às vezes a gente sonhaE baba na fronhaE se urina todaE já não tem paz

Pois, eu sonhei contigoE cai da camaAi, amor, não brigaAi, não me castigaAi, diz que me amaE eu não sonho mais

Construção (Chico Buarque)

Amou daquela vez como se fosse a últimaBeijou sua mulher como se fosse a últimaE cada filho seu como se fosse o únicoE atravessou a rua com seu passo tímidoSubiu a construção como se fosse máquinaErgueu no patamar quatro paredes sólidasTijolo com Tijolo num desenho mágicoSeus olhos embotados de cimento e lágrimaSentou pra descansar como se fosse sábadoComeu feijão com arroz como se fosse um príncipeBebeu e soluçou como se fosse um náufragoDançou e gargalhou como se ouvisse músicaE tropeçou no céu como se fosse um bêbadoE flutuou no ar como se fosse um pássaroE se acabou no chão feito um pacote flácidoAgonizou no meio do passeio públicoMorreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o últimoBeijou sua mulher como se fosse a únicaE cada filho seu como se fosse pródigoE atravessou a rua com se passo bêbadoSubiu a construção como se fosse sólidoErgueu no patamar quatro paredes mágicasTijolo com tijolo num desenho lógicoSeus olhos embotados de cimento e tráfegoSentou pra descansar como se fosse um príncipeComeu feijão com arroz como se fosse o máximoBebeu e soluçou como se fosse máquinaDançou e gargalhou como se fosse o próximoE tropeçou no céu como se ouvisse músicaE flutuou no ar como se fosse sábadoE se acabou no chão feito um pacote tímidoAgonizou no meio do passeio náufragoMorreu na contramão atrapalhando o público

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Amou daquela vez como se fosse máquinaBeijou sua mulher como se fosse lógicoErgueu no patamar quatro paredes flácidasSentou pra descansar como se fosse um pássaroE flutuou no ar como se fosse um príncipeE se acabou no chão feito um pacote bêbadoMorreu na contramão atrapalhando o sábado

Fragmentos (Re)Construção

Amou daquela vez como se fosse a últimaBeijou sua mulher como se fosse a únicaE cada filho seu como se fosse o pródigoE atravessou a rua com seu passo tímidoSubiu a construção como se fosse máquinaErgueu no patamar quatro paredes sólidasTijolo com tijolo num desenho lógicoSeus olhos embotados de cimento e lágrimaE flutuou no ar como se fosse um pássaroE se acabou no chão feito um pacote bêbadoAgonizou no meio do passeio públicoMorreu na contramão atrapalhando o tráfego

O Que Será (À Flor da Pele)(Chico Buarque)

O que será que me dáQue me bole por dentro, será que me dáQue brota a flor da pele, será que me dáE que me sobe às faces e me faz corarE que me salta aos olhos a me atraiçoar

E que me aperta o peito e me faz confessarO que não tem mais jeito de dissimularE que nem é direito ninguém recusarE que me faz mendigo, me faz suplicarO que não tem medida, nem nunca teráO que não tem remédio, nem nunca teráO que não tem receita

O que será que seráQue dá dentro da gente e que não deviaQue desacata a gente, que é reveliaQue é feito uma aguardente que não saciaQue é feito estar doente de uma foliaQue nem dez mandamentos vão conciliarNem todos os ungüentos, vão aliviarNem todos os quebranto, toda alquimiaQuem nem todos os santos, será que seráO que não tem descanso, nem nunca teráO que não tem cansaço, nem nunca teráO que não tem limite

O que será que me dáQue me queima por dentro, será que me dáQue me perturba o sono, será que me dáQue todos os tremores me vêm agitarQue todos os ardores me vêm atiçarQue todos os suores me vêm encharcarQue todos os meus nervos estão a rogarQue todos os meus órgãos estão a clamarE uma aflição medonha, me faz implorarO que não tem vergonha, nem nunca teráO que não tem governo, nem nunca teráO que não tem juízo