Leonardo Tetsuo Yamaguchi

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Introdução ao pensamento jurídico-político brasileiro Coronelismo, Enxada e Voto Resenha Crítica ao surgimento do coronelismo na obra de Vitor Nunes Leal 1 Originalmente publicada em 1949, a obra procura analisar a semântica do vocábulo ”Coronel” bem como suas implicações históricas, apresentado pelos dicionários como brasileirismo, que se traduz a um consenso quase universal de liderança política. Palavras chaves: Regionalismo, municipalismo e latifúndio, mandonismo filhotismo e nepotismo. Não é possível entender a historia política no interior do Brasil, sem se deparar com a questão ou o fenômeno do “coronelismo”. Fruto de um processo histórico do período colonial (1831), data da distribuição das patentes entre os comandantes regionais e municipais, a estes desígnios serão fatores fundamentais o prestígio econômico e também social dos titulares. Entende-se prestígio econômico e social a concentração de terras, base de uma estrutura capaz de garantir o poder, firmando-se o caráter da propriedade privada como mantenedora da caudilhagem. Alberto Torres 2 definiria como “eixo de uma vegetação caudilha” o ciclo de dependências irresistíveis que se formaria nos arredores dos Coronéis, que firmado na troca de favores e guarda de um considerado numero de votos de cabresto, seriam as bases de organizações partidárias e políticas. 1 Jurista e Ex-ministro do STF 2 Jornalista e Advogado do período Republicano

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RESENHA CORONELISMO, ENXADA E VOTO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Introdução ao pensamento jurídico-político brasileiro

Coronelismo, Enxada e Voto

Resenha Crítica ao surgimento do coronelismo na obra de Vitor Nunes Leal1

Originalmente publicada em 1949, a obra procura analisar a semântica do vocábulo ”Coronel” bem como suas implicações históricas, apresentado pelos dicionários como brasileirismo, que se traduz a um consenso quase universal de liderança política. Palavras chaves: Regionalismo, municipalismo e latifúndio, mandonismo filhotismo e nepotismo.

Não é possível entender a historia política no interior do Brasil, sem se deparar com a questão ou o fenômeno do “coronelismo”. Fruto de um processo histórico do período colonial (1831), data da distribuição das patentes entre os comandantes regionais e municipais, a estes desígnios serão fatores fundamentais o prestígio econômico e também social dos titulares. Entende-se prestígio econômico e social a concentração de terras, base de uma estrutura capaz de garantir o poder, firmando-se o caráter da propriedade privada como mantenedora da caudilhagem. Alberto Torres2 definiria como “eixo de uma vegetação caudilha” o ciclo de dependências irresistíveis que se formaria nos arredores dos Coronéis, que firmado na troca de favores e guarda de um considerado numero de votos de cabresto, seriam as bases de organizações partidárias e políticas. 1 Jurista e Ex-ministro do STF 2 Jornalista e Advogado do período Republicano

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O fenômeno social em suas mudanças diárias daria novas feições ao “coronelismo” trazendo ao meio urbano uma nova roupagem ao contexto mandonista, se antes os coronéis se viam na necessidade de manutenção do poder através da reciprocidade entre o curral eleitoral, por exemplo, e as façanhas no que tange a construção de vias e utilidades públicas, a partir de 1975 o termo ganharia conotações contemporâneas sublimando “coronel” a “Doutor” e a fábrica ocuparia, portanto o lugar da fazenda. Liderança e Terra. O processo do coronelismo é entendido antes de tudo como uma forma particular do poder privado somada a uma estrutura econômica social inadequada, nesse sentido o esquema de trocas entre poder público e privado se vê fortalecido, no interior do país, através da concentração fundiária. É importante ressaltar o aspecto de liderança que é incorporado ao coronel que enxerga em suas mãos ampla jurisdição, provido muitas vezes de arbitramentos, exercendo por vezes funções policiais auxiliado de empregados agregados ou capangas. (...) O papel da capangagem e do cangaço nas lutas políticas locais tem sido muito relevante, embora diminua com o desenvolvimento da policia, que não raro faz as suas vezes (pg. 23). Nos anos 40 vê-se ainda mais forte a questão da liderança pela convergência de interesses entre poder publico que através do sufrágio universal, buscaria os votos da população rural, vale lembrar que parte desta herança é vista principalmente no que concerne a votos de vereadores e deputados que diferente do poder executivo é encarado por um viés mais intimista margeando muitas vezes a troca de favores locais. Vemos ainda que a preocupação referente ao IDH (índice de desenvolvimento humano), nos dias atuais traduz o quão longe vão às redes clientelistas que através do capital privado garantem além do lobby eleitoral, as concessões de obras e favores dos mais variados, o que nos possibilita uma breve reflexão sobre quão arraigado estaria em nossa cultura estes padrões viciosos, ou ainda se seria possível classificá-la como cultural, as apresentações dos novos coronéis modernos. Municípios e oligarquias. Na medida em que adentramos no trabalho do autor, abrem-se uma gama de conceitos que por vezes confunde-se história e filosofia, tamanha é a complexidade de se encontrar um ponto que seja central, pois a este processo

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vê-se envolvido de contínuos entrelaces e desenvolvimentos. Talvez por ser encarado como o próprio autor indica o coronelismo uma instituição informal. A questão dos municípios abordada nos capítulos seguintes traz o problema referente à descentralização política e administrativa por parte do federalismo, que poria fim ao chefe de província e agora caberia ao poder federal a composição de alianças entre Estado e o primeiro. O problema seria visto na base dos Estados, ou seja, os municípios que agora traziam consigo a desorganização calcada em nepotismos e filhotismos. Haverá o já conhecido ciclo vicioso vez que os Estados agora dependeriam de votos para se sustentar e a maneira “natural” foi a já conhecida usurpação por parte deste sistema informal. Organização policial e judiciária Neste capitulo encontraríamos uma importante reflexão sobre a origem histórica do poder policial, próprio do período colonial, onde há forte acumulação de poderes administrativos, judiciais e de policia nas mãos das mesmas autoridades, por vezes se confundem os papéis do júri, por exemplo, com a polícia e o governante local. A organização judiciária neste contexto serviria para legitimar ações de cunho mandonistas através de ações coercitivas de repressão policial (...) Os juízes ordinários e os de fora, tinham funções policiais e jurisdicionais, além das administrativas. (capitulo 5. pg. 181). Em1891 porem observa-se maior autonomia dos Estados nas atribuições das funções policiais por conta do federalismo, cada Estado passa a organizar livremente seu aparelhamento policial. De certa forma os melhoramentos nos sistemas democráticos que deliberavam maiores garantias aos magistrados e também no sistema eleitoral fizeram enfraquecer o sistema coronelista. Destaque ao Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, data da criação da justiça eleitoral que entre outros benefícios instaurou o voto feminino e o sufrágio universal, direto e secreto. Embora secreto seria lenta a mudança no que tange ao sigilo, dada as imbricações e vícios arraigados no sistema judiciário, por vezes seria presenciado diferentes modos de burlar o processo de voto seja por

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sobrecartas de tamanho, cor e formato diferente possibilitando assim fácil identificação da escolha no momento da urna. Não obstante, era comum o favorecimento de correntes políticas, seja na composição de mesas partidárias, ou nomeando para a mesma os membros mais ativos dos partidos adversários.

Breve conclusão acerca das conseqüências do “coronelismo”

O que nos chama atenção no final do capitulo, é a quebra de paradigma ou senso comum, em atribuir o fenômeno coronelista a um legado do sistema colonial somente, ainda nessa premissa, cabe a diferenciação entre pratriarcalismo e o tema em questão e também não seria apropriado incorporar aos modernos grupos econômicos influentes no Estado este termo. Embora em sua gênese esteja a semente do poder privado o “coronelismo” não significa a afirmação de tal poder, mas vai além, vez que procura a conservação de seu conteúdo residual demonstrando certo caráter decadente das elites. O autor estabelece a relação de compromisso entre o poder privado decadente e o poder publico fortalecido, o que se vê como compromisso pode ser encarado como vicio ou o que esclarece o autor como fraqueza de ambos. A questão agrária é ponto fundamental no trabalho de Victor Nunes Leal, que vê uma relação quase que simbiótica entre a estrutura rural e o fenômeno coronelista onde ambos se nutrem. O fim do coronelismo estaria fadado a principio pelo processo lento das mudanças de mercado, crescimento das cidades e transportes. Mas encontra seu principal entrave justamente no impasse econômico que procura agradar as principais vertentes das elites econômicas nacionais. Por fim seria então o coronelismo parte integrante de um longo processo de evolução política de toda população, e como parte deste

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processo, fatalmente terá que acompanhar o desencanto desta inesperada democracia.