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LEITURA DE IMAGENS: EXPERIÊNCIAS ESTÉTICAS COM ARTE CHINESA E JAPONESA
Valdirene Martins Dias Batista1
RESUMO: Este artigo apresenta um recorte da pesquisa vinculada ao programa de formação continuada do Estado do Paraná, o PDE - Programa de Desenvolvimento Educacional - e trata de duas questões distintas e complementares ao ensino de arte: leitura de imagem e arte oriental. O objetivo foi realizar práticas de leitura de imagens focadas em indagações, percepções e interpretações próprias dos alunos, relacionando-as com a arte oriental japonesa e chinesa, produções artísticas ainda pouco estudadas no espaço escolar. Aborda-se o conceito de leitura, imagem, leitura de imagem e educação estética para explicitar o foco conceitual das atividades apresentadas no caderno pedagógico e realizadas com alunos de quinta série de uma escola pública no ano de 2009. A abordagem metodológica se inscreve na pesquisa-ação, uma ação deliberada de transformação de uma realidade de ensino de arte e de produção de conhecimentos relativos a esta área do saber. Conclui-se que o acesso a saberes de outros contextos e espaços geográficos auxiliam na formação mais humanista e solidária, aonde o diverso é complementar e essencial na percepção do mundo. PALAVRAS-CHAVE: leitura de imagem; arte oriental; educação estética; ensino de arte. ABSTRACT: This article presents an outline of the research bound to the State of Paraná continuing education program, the PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional – and is about two different and complementary issues to the art education: image reading and Oriental art. The goal was to develop image reading practices focused on student’s own questions, perceptions and interpretations, relating them to the Japanese and Chinese Oriental art, artistic productions that still poorly studied in school. Discusses the concept of reading, image, image reading and aesthetic education to explain the conceptual focus of the activities presented in the teaching contract and performed with students from fifth grade in a public school in 2009. The methodological approach falls within the action research, a deliberate act of changing a reality for teaching art and producing knowledge related to this area of knowledge. Conclude that access to knowledge from other contexts and geographical areas assist in a more humane and caring education, where the manifold is complementary and essential in the perception of the world. KEY WORDS: image reading; oriental art, aesthetic education, art education
1 Professora de Arte da rede estadual de ensino vinculada à Secretaria de Estado da Educação do Paraná
– SEED. Participa do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE – Disciplina de Arte, turma 2008-09, com orientação da professora Sônia Tramujas Vasconcellos, da Faculdade de Artes do Paraná – FAP.
Este artigo é o resultado de uma pesquisa-ação realizada no ano letivo de
2009, no período da tarde, com duas turmas de 5ª série do Colégio Estadual
Eurides Brandão, envolvendo práticas de leitura de imagens da arte oriental. A
pesquisa vincula-se ao Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE –
destinado a capacitação dos professores do Quadro Próprio do Magistério
Estadual.
O PDE, no Paraná, iniciou suas ações no ano de 2007 e se insere no
âmbito de uma política pública de formação continuada de professores que atuam
na rede pública estadual de ensino do Estado do Paraná. Tem como proposta
embasar teoricamente a prática pedagógica do professor através de um diálogo
entre a Educação Básica e o Ensino Superior.
Esse programa de capacitação propicia, ao professor selecionado,
afastamento integral de sala de aula no primeiro ano, com inserção em atividades
acadêmicas e de orientação relacionadas ao projeto, e de retorno parcial às
atividades de sala de aula no ano seguinte para efetivação do Plano de Trabalho.
Afirmo, com clareza e convicção, que esta capacitação diferenciada me
possibilitou embasamento teórico-reflexivo sobre o ensino e a aprendizagem em
arte e, por conseqüência, novos olhares sobre a disciplina e a minha prática como
professora.
No meu percurso como aluna e como professora nunca havia tido a
oportunidade de realizar um estudo mais aprofundado e reflexivo da arte oriental,
pois relacionava este espectro da Arte com questões formais, curriculares e
distantes da realidade brasileira. Contudo, fatores externos me fizeram questionar
esta visão. As Olimpíadas de 2008 ocorreram na China e, paralelamente,
comemorou-se os 100 anos da imigração japonesa no Brasil, mas o que sabíamos
realmente deste povo? Qual a sua história? Que características foram
incorporadas à cultura brasileira? Como perceber o outro que é diferente, diverso,
num amplo exercício de alteridade?
Desse modo, e devido aos escassos estudos sobre a cultura oriental nas
escolas, decidi realizar uma pesquisa focada na leitura de diversas imagens
orientais subsidiada pela experiência estética, a fim de propiciar acesso,
percepções, interpretações e análise deste contexto imagético a um grupo de
alunos. E a mim.
ARTE: EXERCÍCIOS DO OLHAR
O mundo atual é composto de informações imediatas e esse ritmo
acelerado da vida diária pouco permite ao ser humano tempo para olhar, ver,
interpretar, compreender e usufruir. Estamos imersos num mundo de imagens
instantâneas que se renovam a todo instante, mas dispomos de poucos elementos
para analisá-las, confrontá-las e, assim, estabelecer diálogos e olhares mais
fecundos com este entorno imagético.
A Arte, amparada por leituras e interpretações, torna-se um dos caminhos
para o exercício do olhar, possibilitando análises e percepções de diferentes
contextos históricos. Uma disciplina imprescindível na formação do aluno, porque
exercita o conhecimento sensível e cognoscível atrelado à especificidade de
produções artísticas, produzidas pela humanidade em diferentes espaços e
tempos.
Os valores estéticos e as diversas funções da arte assumiram, ao longo do
tempo, papéis diferenciados devido às determinações econômicas, sociais e ao
modo de organização da sociedade. Desse modo, o professor de arte deve
propiciar exercícios de apreensão estética, desvelando aspectos culturais da
nossa cultura e de outras, apresentando práticas pedagógicas que aticem a
curiosidade, permitindo, ao aluno, a apropriação da realidade através de outras
perspectivas.
No campo da educação, a arte assume papel de aproximar o aluno do
universo artístico existente, de entrar em contato com sua especificidade e
fomentar a criação e a reflexão. É uma área do conhecimento que interage nas
diferentes instâncias – políticas, sociais e culturais – interferindo e influenciando o
pensar, o fazer e sentir. É um dos canais que favorece a imaginação e a criação,
possibilitando o enriquecimento de experiências artísticas e estéticas.
A disciplina de Arte merece maior espaço no processo de socialização e
formação do aluno brasileiro. Vários estudos enfocam a importância da arte na
educação, pois suas práticas e conhecimentos específicos contribuem para a
percepção da diversidade cultural, com distintas leituras de mundo.
A LEITURA
Quando o assunto é leitura o mais comum é a associarmos ao domínio da
escrita; alguém que possa ler todo tipo de publicação, como um livro, revista, ou
cartaz. Porém, o ato de ler vai muito além, é pré-existente à escrita. Neste
contexto, é necessário:
[...] considerar a leitura como um processo de compreensão de expressões formais e simbólicas, não importando por meio de que linguagem. Assim, o ato de ler se refere tanto a algo escrito quanto a outros tipos de expressão do fazer humano, caracterizando-se também como acontecimento histórico e estabelecendo uma relação igualmente histórica entre o leitor e o que é lido (MARTINS, 1992, p. 30).
Lemos sempre, conscientemente ou não. Ao acordar, identificamos a hora
no relógio, deciframos sons, mapas, notas musicais e placas de trânsito para
chegarmos ao trabalho, à escola. Percebemos o outro pela “leitura” que fazemos
de seus gestos, atitudes, fisionomia e até intenções. O mundo é o que lemos dele.
Para Paulo Freire, “a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a
leitura desta implica a continuidade daquela” (1987, p. 22).
Segundo Houaiss et alli. (2001) e Chauí (1997), a palavra ‘leitura’ é
proveniente do verbo latino legere, que significa colher, reunir, recolher, escolher e
ler. Portanto, o exercício da leitura envolve uma rede ativa de descobertas e de
ajuntamentos, um diálogo entre leitor e texto que se expande, pois o
texto/imagem/objeto evoca inúmeras possibilidades de leitura e interpretações.
A IMAGEM
A imagem se particulariza no olhar, é o resultado de um conjunto de
percepções a partir do que se observa e se sabe. Vemos de forma
multidirecionada, na qual a forma corpórea, a materialidade, o entorno e o
significado dos signos se mesclam na produção de uma determinada imagem.
O homem sempre quis, através da imagem, cristalizar a forma, perpetuar o
acontecido. Todavia, falar da imagem não é tarefa simples, pois envolve um
complexo universo cultural, pessoal e histórico. Alguns estudos apontam também
para as imagens mentais, dos sonhos e alucinações.
Nossa relação com a realidade é dinâmica. Neiva Junior diz que tudo é
fluente, “não há ordem estável no mundo” (1994, p. 46). Uma imagem pode
aparecer através de manchas, nuvens ou florestas onde podemos visualizar
formas de animais, rostos ou o que nossa imaginação permitir.
O ser humano, ao longo do tempo, foi incansável na tentativa de reproduzir
o que o olho vê, o que a imaginação produz. Segundo Maria Lucia Kern (2006), a
origem da palavra ‘imagem’ vem do latim imago que significava uma máscara de
cera utilizada nos rituais funerários para reproduzir a face dos mortos no mundo
antigo. “Ela nasceu, assim, da morte para prolongar a vida e apresentou, com
isso, as noções de duplo e de memória” (KERN, 2006, p. 15-16).
A imagem perpetua a forma, reais e irreais. Rostos, paisagens e batalhas
dissipam-se no tempo, mas são eternizadas, de modos distintos, pelas mãos do
ser humano nas imagens produzidas por ele.
Kern (2006) comenta que somente a partir do século XVIII a constituição da
imagem perde sua intenção de cópia da realidade. O artista começa a exercer sua
autonomia frente às obras e suas criações não estão atreladas somente ao
universo da representação. Com o surgimento da fotografia, do cinema e da
televisão, a esperança de tornar a realidade onipresente foi alcançada, mas essas
descobertas abriram portas para outros caminhos e novas técnicas de composição
e de criação surgem.
Na modernidade e na contemporaneidade, as imagens produzidas não
focam somente o registro, a representação do que se vê, mas a autonomia do
artista na produção de formas e sensações.
A LEITURA DE IMAGEM NA ARTE
Para Analice Dutra Pilar (2003), o interesse pela leitura da imagem nas
aulas de Arte surgiu na década de 1970 com os estudos de Feldman, Housen e
Parsons, entre outros. Estes estudos enfocavam o processo como cada criança
reagia a uma determinada obra, apontando caminhos para uma “compreensão
contextualizada” desta obra (PILAR, 2003, p. 75). Tais pesquisas visavam debater
o papel da leitura de imagem para uma educação do olhar.
No Brasil, a leitura de imagem começa a se destacar no final dos anos de
1980, em especial pelo trabalho desenvolvido pela arte educadora Ana Mae
Barbosa no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo. Após este período,
estudos e práticas educativas se intensificaram e a leitura de imagem despontou
como um paradigma norteador do ensino de arte no Brasil.
O nosso olhar é diverso, não absorvemos o mundo/imagem de uma
mesma maneira todos os dias. Ao longo do tempo não somos os mesmos e nem
os nossos olhares sobre coisas, fatos e pessoas. Olhar é diferente de ver:
“começamos olhando para depois chegarmos ao ato de ver” (PILAR, 2003, p. 72).
Uma paisagem, um filme ou uma obra de arte revela-se para cada pessoa de
modo diferente. Ler uma imagem envolve percepção visual, memória e
experiências. Mas é preciso aprofundar este olhar para que se realize o ato de ver.
Nossa visão não é ingênua, ela está comprometida com nosso passado, com nossas experiências, com nossa época e lugar, com nossos referenciais. Desse modo, não há o dado absoluto, a verdade, mas múltiplas formas de olhar uma mesma situação (PILAR, 2003, p. 74).
Mas que tempo estamos dando para este olhar? As grandes cidades
vivem num ritmo acelerado, grande parte da população não tem tempo e nem
oportunidade de experimentar um contato mais aguçado e duradouro perante uma
obra/imagem. Pessoas passam anos seguidos por um mesmo lugar, uma mesma
praça e não percebem sua composição e estrutura, seus detalhes, as marcas
impregnadas nas texturas visuais e táteis.
Esse olhar efêmero revela o mundo a que estamos subjugados. Os meios
publicitários investem milhões para que olhares rápidos, de passagem, sejam
canalizados para as propagandas da televisão, do outdoor, dos anúncios. Desse
modo, o olhar passageiro não permite “escrutinar” as várias camadas de leitura, os
valores impingidos pela mídia.
Como professores e pessoas, carregamos uma história particular, um
olhar construído que deve dialogar com o que o outro vê. Nesse sentido, o
importante é que estejamos abertos para melhorar nossa prática de ensino,
revendo nossos conceitos, metodologias e enfoques educativos em arte. Tendo
como referência para o ensino de Arte as Diretrizes Curriculares de Arte2 do
Paraná, a leitura de imagens torna-se ferramenta indispensável para a aquisição
de conhecimentos destinados a uma criação artística emancipatória e criativa.
Analice Dutra Pilar (2003, p. 75) alerta:
A densidade visual das imagens cresceu em progressão geométrica nas últimas décadas. Se fala numa ecologia da imagem que se ocupa da pressão visual a que estamos submetidos no cotidiano. Esta invasão de imagens combinada com seu caráter predominante “realista” é o que tem levado à falsa afirmação de que as imagens comunicam de “forma direta”, sem necessidade de uma análise de como comunicam, como funcionam enquanto discursos visuais.
Essa reflexão aponta para a necessidade de que professores,
principalmente os de Arte, trabalhem a leitura de imagens enquanto instrumento
de comunicação, de sedução e de estranhamento. Que discursos estão visíveis e
que outros permanecem nas entrelinhas? Como a leitura de cada um pode se
beneficiar desta análise mais decodificada da imagem? Sabemos que cada
criança, cada adulto compreende a imagem/mundo de modo diferente, faz
interpretações e julgamentos próprios. As experiências de vida determinam o seu
2 Denominação completa: Diretrizes Curriculares de Arte para anos finais do Ensino Fundamental e Médio.
olhar, o seu pensar e criar, mas é papel da escola e do professor ampliar e
questionar estas visões de mundo.
O aluno tem o direito de pensar, expor suas idéias, rever conceitos,
estabelecer relações, criticar e chegar a suas conclusões. Partindo do princípio de
que há um processo de desenvolvimento estético, no qual os alunos alcançam
novas etapas, devemos, como professores, em nosso dia-a-dia em sala de aula,
criar condições para embates e leituras, propiciando uma educação estética e
adequando a prática aos objetivos estéticos do ensino da Arte. Vários autores
ressaltam que é o acesso às linguagens da Arte que permite a modificação e
ampliação do olhar.
Para uma relação consistente e consciente “do mundo” e “para o mundo”,
a apropriação dos conhecimentos específicos da Arte deve partir da realidade
cultural - local, regional, nacional ou internacional, - levando em consideração o
período, o lugar e o contexto histórico. Assim, o aluno compreende as construções
simbólicas de pessoas pertencentes a realidades culturais diversas, contribuindo
para sua formação crítica e criativa, dando perspectivas de um futuro mais atuante
na transformação de uma sociedade mais igualitária e mais humana.
A EDUCAÇÃO ESTÉTICA
A arte é uma manifestação própria. Cada artista dá forma às suas
inquietações de uma maneira particular, mas que também é histórica, social e
coletiva. Formamo-nos e interagimos com diversas pessoas e ambientes, numa
constante e distinta relação de troca. Vigotsky (1999, p. 10) pontua que “em
diferentes épocas do desenvolvimento social, o homem recebe da natureza
diversas impressões, porque ele a considera de diferentes pontos de vista”.
Vemos diferentemente a cada dia. No âmbito da arte, cada obra possui
características próprias de seu tempo, mas também elementos estéticos que
transcendem o tempo/espaço e se transformam pelo nosso olhar. Martins,
Picosque e Guerra (1998, p. 61) enfatizam esta questão, ao dizerem que:
A verdade é que a arte não envelhece porque o ser humano que a contempla é sempre novo, ou terá um olhar outro e estará realizando uma infinidade de leituras porque infinita é a capacidade do homem de perceber, sentir, pensar, imaginar, emocionar-se e construir significações diante das formas artísticas.
As autoras afirmam que toda obra transcende o tempo, pertence a quem
tiver o privilégio ou a oportunidade de usufruí-la. O mundo, o artista, a obra e o
espectador estabelecem uma relação de troca e interdependência. Isso indica
que, ao promover atividades de leitura em sala não é somente o artista ou sua
forma de produção que está em jogo, mas as percepções que os alunos
constroem no contato com as imagens. “O aspecto mais importante é o processo
de relacionar o próprio mundo significativo do receptor com o mundo do artista,
objetivado na peça de arte” (LEONTIEV, 2000, p. 132).
Deste modo, não podemos esperar leituras similares de uma mesma
imagem, pois o olhar de cada um é distinto e renovável a cada nova leitura. É o
que afirma Luigi Pareyson (1997, p. 229): “cada verdadeira leitura é como um
convite a reler, porque a obra de arte tem sempre alguma coisa a dizer, e o seu
discurso é sempre novo e renovável, a sua mensagem é inexaurível”.
Educar esteticamente é possibilitar que o aluno entre em contato com
diferentes produções artísticas, propiciando uma ampliação de repertório, de
leituras e de saberes. Compete a nós, professores, proporcionar esse olhar
sensível para o mundo que envolve a arte.
A experiência estética, por conseguinte, parece constituir um elemento precioso na maturação e desenvolvimento do cérebro humano e em sua atuação perante a vida. A ficção, a imaginação daquilo que ainda não é, mas poderia ser, consiste, pois, numa das mais eficazes ferramentas de que dispõe a humanidade para a criação do saber (DUARTE JUNIOR, 2001, p. 135).
O autor destaca o quanto estamos deixando de lado o nosso saber pelos
sentidos em detrimento do conhecimento intelectual. Sons, cheiros, paladares,
cores, superfícies nos escapam em nossa correria diária e, o que é pior, nem
damos conta de sua participação em nossa apreensão da realidade. “O corpo
conhece o mundo antes de podermos reduzi-lo a conceitos e esquemas abstratos
próprios de nossos processos mentais” (DUARTE JUNIOR, 2001, p. 126).
Sendo assim, o ensino de arte precisa relacionar os saberes produzidos
pela humanidade em distintos tempos e espaços, com os saberes mais próximos
e cotidianos, de forma que o aluno possa refletir e questionar sobre o
conhecimento sistematizado.
A sensibilidade para com o nosso ambiente imediato e a atenção voltada para os antigos saberes, assim, parecem constituir também um sólido ponto de partida para pesquisas científicas especializadas, sendo que a valorização desse contato com o saber comum, histórico, tradicional, precisa ser considerada uma missão da educação, não só com vistas à sua preservação, mas ainda para que tal saber possa ser aperfeiçoado e sofrer aprimoramentos (DUARTE JUNIOR, 2001, p.178).
Nesse sentido, a educação estética procura equilibrar saberes a partir dos
sentidos, do cotidiano, da realidade do aluno e dos acumulados historicamente,
todos considerados importantes e necessários para a formação e humanização do
aluno.
A ARTE ORIENTAL
Quando ouvimos falar em grandes civilizações, logo pensamos em feitos
gregos, romanos e egípcios. Dificilmente nos recordamos das façanhas dos povos
do extremo oriente. E de outros. O mundo ocidental privilegia determinados povos
e culturas, mas, por quê?
A história vivida por uma sociedade tem reflexos na sua arte, mas cada
povo, grupo, constrói determinados signos e modos de representação que
merecem ser estudados e debatidos por todos. Sendo assim, no processo
educativo, devemos considerar que:
As obras artísticas, os elementos da cultura visual, são, portanto, objetos que levam a refletir sobre as formas de pensamento da cultura na qual se produzem. Por essa razão, olhar uma manifestação artística de outro tempo ou de outra cultura implica uma penetração mais profunda do que a que aparece no
meramente visual: é um olhar na vida da sociedade, e, na vida da sociedade, representada nesses objetos. Essa perspectiva de olhar a produção artística é um olhar cultural (HERNÁNDEZ, 2000, p. 53).
A arte desenvolvida na China e no Japão revela um povo, um lugar, uma
época e uma cultura. Sua grandiosidade, detalhamento e riqueza estética
denotam uma concepção peculiar de mundo e de homem.
Duarte Junior (2001) comenta sobre a maneira oriental de viver, na qual
chineses e japoneses, mesmo sofrendo influências ocidentais na atualidade, ainda
valorizam e exaltam o saber a partir do cotidiano. A vida diária, para esses povos,
é o grande campo do conhecer e aprender, e que, por isso, deve estar sintonizada
com todos os sentidos.
Além desse entrelaçamento do viver com o saber, outra influência
marcante nos dois povos é religião, dentre elas o budismo, que enfatiza a
importância da meditação, com reflexo no modo de viver e na arte produzida.
Ou seja, a apreciação do mundo artístico oriental por parte da comunidade
escolar exige uma postura reflexiva sobre estas visões e percepções de mundo
distintas das nossas. E é pelo caminho da investigação, da abertura para o
diverso, que oportunizamos conhecê-la, percebê-la, interpretá-la e compreendê-la.
Deste modo, ampliamos o raio de abrangência da história da arte, ainda
bastante atrelada à arte grega, romana, renascentista, barroca, neoclássica,
impressionista, expressionista e modernista. Tais recortes são importantes, mas
não abarcam a diversidade cultural do mundo. As particularidades, quando
universalizadas, se tornam verdades e nos impedem de perceber e conhecer
outros contextos e saberes (BORDIEU apud NOGUERIA; CATANI, 2002).
As produções visuais orientais estão carregadas de valores culturais,
históricos e sociais; sendo assim, precisam ser desvelados no cotidiano escolar
por meio da leitura. As relações estéticas desta cultura reverberam no plano das
linguagens artísticas, mas na maioria das vezes se resumem ao exótico. Dar
conotação exótica para a arte desse povo é negar sua importância na construção
da identidade humana. Portanto, a disciplina de Arte na escola torna-se
imprescindível na formação do aluno, porque aproxima, sensibiliza e desvela
diversas produções artísticas produzidas pela humanidade em diferentes espaços
e tempos.
OPÇÕES DE PERCURSO
Tendo como ponto de partida essas perspectivas, o presente estudo
buscou articular arte oriental chinesa e japonesa nas práticas de leitura de imagem
em sala de aula. Ciente de que pouco se conhece e pouco se trabalham tais
abordagens no cotidiano escolar, inicialmente foi realizado um estudo teórico e
imagético sobre a arte oriental e, em seguida, uma pesquisa-ação em sala de
aula, focalizando as ações e resultados de cada etapa do trabalho.
A implementação do projeto “Leitura de imagens: experiências estéticas
subsidiadas pela arte oriental chinesa e japonesa” ocorreu no período da tarde em
duas turmas de 5ª séries, cada uma com aproximadamente 30 alunos na faixa
etária entre 10 e 11 anos. Para preservar a identidade dos alunos foi utilizado o
código série, turma e número, ou seja, “5A1” refere-se a 5ª série, turma A, primeiro
aluno da lista de chamada.
Ciente da ampla produção artística oriental, fiz um recorte da arte chinesa
e japonesa, selecionando produções artísticas relacionadas às pinturas, desenhos
e objetos, priorizando a relação com os saberes do cotidiano do aluno. Ou seja,
procurou-se oportunizar contatos sistemáticos e diversificados com diferentes
imagens e a leitura individual de cada um sobre o que viam.
O projeto iniciou-se com perguntas sobre povos ou países que os alunos já
conheciam, estudaram, ouviram falar ou viram em algum meio de comunicação.
Em seguida, solicitei que trouxessem na próxima aula imagens ou objetos que
tivessem relação com o oriente. O resultado foi além do esperado: 43% dos
alunos da 5ªA e 53% da 5ªB trouxeram material para apreciação. Ao inquirir os
alunos que não trouxeram material constatei a seguinte situação:
- 64% esqueceram de trazer;
- 24% não encontraram material que se relacionasse à cultura oriental;
- 12% a família não permitiu que trouxessem.
Ainda que o percentual seja pequeno, este fato me fez perceber que,
enquanto professores, pouco investigamos os motivos que fazem com que o aluno
não traga determinado material para a escola. E mais: o peso do valor afetivo que
se agrega a determinados objetos e imagens e que poderia auxiliar na sua leitura,
com a participação da família.
No dia da apresentação dos materiais todos estavam empolgados e
interessados. Mesmo aqueles que esqueceram, não encontraram ou não puderam
trazer algo ficaram atentos à explanação dos colegas e às minhas perguntas,
orientações e leituras. Dentre os materiais trazidos estavam figuras da internet e
de revista, livros, desenhos, brinquedos e objetos de decoração. Eis alguns
exemplos:
Figura 1 - Shuriken3 Figura 2 - Gato da sorte Figura 3 - Brinquedo japonês
Várias indagações foram feitas: o que eram aqueles objetos, quais os seus
formatos, onde eram usados, que cores se destacavam, as diferentes
composições, dimensões e materiais, etc. Estas leituras foram essenciais para
aproximar o campo de interesse e de domínio do aluno com outras questões e
premissas da arte oriental. Não se pode conceber que após tantas discussões
sobre cultura visual, aprendizagem significativa e construção de conhecimento
alguns professores de arte considerem que “leitura de imagem” é somente aquela
realizada diante de uma obra de arte (de preferência européia ou de ‘grandes’
artistas).
3 Peça de um jogo representando arma de arremesso no formato de uma lâmina. Fonte: SBB,
2009.
Dando seguimento ao projeto, propus que agrupassem as imagens e
objetos a fim de compor uma história visual. O aluno 5B10 aproveitou a ocasião
para contar uma lenda que envolvia o “gato da sorte” japonês (figura 2), história
que eu também desconhecia. Novamente percebi que na prática pedagógica
ainda pouco oportunizamos momentos de fala para o nosso aluno e, desta forma,
as informações e saberes deles advindos não são incorporados ao processo
formativo escolar.
Penso que a quantidade de alunos em sala interfere de forma significativa
no processo de ensino e aprendizagem; porém, é preciso oportunizar espaço de
fala para o aluno, senão corremos o risco de “falar para as paredes”, ou de ser
apenas um discurso que logo é esquecido.
A primeira obra artística oriental escolhida para leitura foi “Pescador solitário
no rio”, do chinês Man Yuam, feita no século XIII. Nenhum aluno conhecia a obra,
mas identificaram prontamente a forma do barco e responderam que já haviam
realizado desenhos deste meio de transporte. Solicitei que observassem
detalhadamente a imagem no livro e na TV multimídia4 e escrevessem, numa
folha de papel, o que viam e percebiam. Incentivei que olhassem as formas, as
texturas e procurassem elementos que tinham passado despercebido num
primeiro olhar.
Figura 4 - Observação da obra chinesa
4 A TV multimídia é um recurso disponível em todas as salas de aula da rede estadual de educação do
Paraná e é composto por um televisor de 29 polegadas com entradas para VHS, DVD, para cartão de memória e pen drive e saídas para caixas de som e projetor multimídia.
As leituras apresentadas pela turma A e B foram bastante descritivas;
alguns alunos realizaram interpretações e poucos focaram os elementos formais.
Não houve comentários sobre o papel do artista na concepção da obra. Somente
alguns alunos da 5ªB relacionaram a obra com povos orientais. Tendo como
referência os estudos de apreciação estética realizados pela psicóloga
estadunidense Abigail Housen (apud ARSLAN;IAVELBERG, 2006, p.21-22), a
maioria dos alunos se encontrava nos níveis iniciais de leitura, o que ela denomina
de Primeiro Estágio (descritivo, narrativo, enumerativo): “O que é isto? O que mais
chama a atenção? O que mostra esta imagem? O que está acontecendo? Qual
narrativa pode ser contada?”.
É importante que o professor exercite leituras, debates e inserções de
outros aspectos na apreciação visual realizada pelos alunos, para que a
consciência estética se aprofunde e transforme suas percepções sobre arte e
cultura.
Nas atividades de leitura de imagens também procurei contemplar os três
momentos da organização pedagógica prescritos nas Diretrizes Estaduais (2008),
(1) teorizar; (2) sentir e perceber; (3) trabalho artístico, com ênfase nos conteúdos
estruturantes: elementos formais, composição, movimentos e períodos.
As atividades práticas foram realizadas com interesse e empolgação.
Destaco o trabalho de decalque de texturas, na qual a finalidade era explorar e
descobrir diferentes texturas, visto que as obras orientais exploram em profusão
este recurso. A diversidade de resultados foi expressiva e na leitura e análise dos
trabalhos realizados percebi que os alunos se tornaram mais exigentes na
execução de novas composições.
Figura 5 - Exercícios explorando linhas
O contato visual e os exercícios de exploração e de investigação
possibilitaram novas percepções e aprofundamento de elementos como
composição, claro/escuro, figura/fundo. Os trabalhos artísticos realizados pelos
alunos durante todo o desenvolvimento deste projeto comprovam a compreensão
dos conteúdos apresentados e as particularidades de interpretação.
O KUSUDAMA: ORIGAMI MODULAR
Iniciei uma conversa com as duas turmas de 5ª série sobre a palavra
‘módulo’. Em seguida, apresentei definições extraídas do dicionário Houaiss
(2001, p.1.305): “4. unidade de mobiliário, de material de construção, etc.,
planejada para compor, com unidades análogas, determinada estrutura. 5.
unidade destacável de aeronave espacial”. Várias foram as opiniões dos alunos e
as associações com alguns de seus brinquedos. Finalizamos com uma pesquisa
visual (desenho, objeto) sobre a presença de módulos no caminho da escola e em
suas residências.
Figura 6 - Pesquisa de módulos
A figura 6 apresenta o desenho da aluna 5B15 sobre a mobília modular de
seu quarto e um quebra cabeça montado da figura de um animal, e retrata,
também, uma forma realizada pelo aluno 5B1, com uso de encaixes de peças tipo
“lego”. A percepção dos alunos de que já conheciam distintos módulos, mas não
sabiam sua denominação, trouxe um sentimento de que “aprendi algo novo e útil”,
o que propiciou maior entusiasmo e interesse nas investigações sobre a arte
oriental.
Do módulo conhecido, partimos para o estudo do kusudama e o uso
múltiplo do origami, uma “arte de criar figuras bi ou tridimensionais feitas a partir
de folhas de papel dobradas manualmente” (SANTA ROSA, 2008, p. 24). A
maioria dos alunos já havia feito origamis em anos anteriores, mas não se
lembravam do seu processo. Solicitei uma pesquisa na família e a realização de
exercícios. Discutimos também a origem e desenvolvimento do origami e sua
relação com o domínio da fabricação do papel.
Figura 7 – Dobraduras elaboradas por familiares dos alunos
A figura 7 mostra origamis realizados por familiares dos alunos e utilizados
nas discussões em grupo para montagem de composições.
Retomamos a discussão sobre o kusudama, sua composição com várias
dobraduras e o hábito de se usá-lo pendurado5. Na aula seguinte, o aluno 5B11
trouxe um enfeite oriental suspenso que sua mãe ganhou quando trabalhou na
casa de uma chinesa (figura 8).
Figura 8 - Objeto decorativo oriental
Vários alunos quiseram saber aonde o objeto era colocado na casa e
alguns se lembraram de outros objetos pendurados em suas residências. O
debate foi bastante rico e propiciou um novo olhar para objetos do cotidiano
presentes no nosso dia-a-dia.
A abertura para questionamentos, valorizando as opiniões e indagações,
colaborou sobremaneira para a troca de informações e para a inserção de novos
pontos de vista. Em uma das aulas sobre dobradura, foram marcantes as
respostas dos alunos sobre o que poderia ser dobrado, além do papel:
- “dobrar os braços”
- “dobrar as pernas, os dedos”
- “dobrar a orelha”
Em seguida à última resposta, o aluno 5A22 demonstrou para a turma que
conseguia dobrar a sua orelha de modo singular.
Novamente percebi o quanto é imprescindível criar momentos de diálogos
para ouvir os alunos. Não podemos subestimar sua capacidade de interagir,
5 Antigamente o Kusudama era pendurado em quartos de pessoas doentes com ervas medicinais no seu interior. Atualmente é utilizado como enfeite ou amuleto.
raciocinar e acrescentar novas idéias e soluções. As diversas opiniões fecundam
um espaço de interação e troca e é ponto de partida para trabalharmos o que já
conhecemos e o que foi socialmente construído pelo homem. O repasse formal de
conteúdos, sem o exercício de confrontação com o que conhecemos ou o que
julgamos conhecer, tornam-no abstrato e sem significado para o aluno e, assim,
está fadado ao esquecimento.
A GRANDE ONDA
Durante a leitura da xilogravura japonesa “A grande onda”, realizada entre
os anos de 1831-33 por Hokusai Katsushika, muitos elementos referentes à obra
foram destacados pelos alunos:
- “bastante linhas onduladas” (5A7)
- “linhas diferentes” (5A22)
- “estranho, parece que os dois barcos estão correndo” (5A26)
- “as ondas estão chamativas” (5B12)
Os alunos, após analisarem a imagem da obra mostrada na TV multimídia,
realizaram registros sobre suas impressões.
Figura 9 – Exercício sobre a obra japonesa
Após as discussões sobre a imagem, suas formas e texturas, comentei
sobre o autor e os créditos da obra: título, material, dimensões e onde se
encontra. Em seguida, expus alguns dados históricos e descrevi o material usado
para a sua produção. O intuito foi propiciar aos alunos uma reflexão sobre a
relação do artista com a época, o lugar e o papel do autor/artista na constituição
de uma obra.
Na atividade prática, os alunos realizaram desenhos com linhas e outros
que, depois, foram sulcados em pratos de isopor para serem impressos em papel
sulfite. Todos ficaram muito empolgados e queriam ver o resultado “ao contrário”6
do desenho do colega. Vários alunos apresentaram dificuldade em transpor o
desenho para o isopor e a quantidade de alunos interferiu no atendimento. Em
alguns momentos, atendi um por um e, em outros, agrupei os que estavam com
dificuldades similares e solicitei a outros alunos que explicassem e auxiliassem
seus colegas. O interesse e envolvimento foi significativo e a maioria quis realizar
mais de uma gravura em isopor.
Figura 10 – Gravuras produzidas pelos alunos
Nas imagens apresentadas é possível perceber a diversidade de
explorações e de produções realizadas pelos alunos no exercício de investigação
de linhas, formas, movimentos e texturas e de transposição do desenho do isopor
para o papel.
Nas discussões focadas nos trabalhos realizados por eles e nas imagens
da arte oriental, percebeu-se uma mudança na tipologia das leituras. Além da
leitura descritiva, narrativa e enumerativa (primeiro estágio), percebeu-se uma
inserção na leitura construtiva (Como isto é feito? Quais os elementos formais?
Como o artista o construiu?), e algumas características da leitura classificatória
6 Na impressão em papel das marcas realizadas no isopor, estas (as marcas) saem no sentido oposto, como se fosse um desenho espelhado.
que, mesmo sendo inserida por mim, foi discutida entre os alunos em vários
momentos do projeto (quem é o artista e por que ele construiu esta imagem ou
obra desta maneira? Em que data foi feita? Quais os materiais? Qual época?)
(HOUSEN apud ARSLAN;IAVELBERG, 2006, p. 22).
Deste modo, foi possível comprovar que o trabalho vertical, que delonga
mais tempo sobre um tema, possibilita o desenvolvimento estético do aluno e
potencializa sua experiência como o diverso e com seus próprios trabalhos. A
discussão sobre a arte oriental, o modo peculiar com que os japoneses e chineses
realizam seus trabalhos, a exploração de materiais, a relação com o contexto do
aluno, tornaram-se momentos de aprendizagem e de percepção de cidadania.
Fazemos parte do mundo e nosso modo de olhá-lo o transforma e nos transforma.
PERCURSOS TRILHADOS E A TRILHAR
Ao concluir este trabalho, percebo que os alunos construíram novas leituras
sobre o que os cerca. Durante a efetivação desta proposta didático-pedagógica
percebi que não trabalhei somente com conteúdos da arte oriental, mas com a
apropriação do conhecimento e seu uso e usufruto pelo aluno. Eis o que o aluno
5B17 me disse: “professora, vou montar um kusudama para minha avó, ela adora
enfeites”. Ou seja, a experiência vivenciada em sala de aula transpôs o espaço
escolar e abrangeu o contexto familiar. O que discutimos fez sentido e o aluno
quis partilhar o que aprendeu com a sua avó.
Para Maria Helena Wagner Rossi (2006, p. 133), é essencial que a escola
propicie ao aluno um contato fecundo com a Arte, pois de outro modo estamos
usurpando o seu direito de se desenvolver esteticamente.
Ficou evidente a defasagem na construção do pensamento estético dos alunos sem familiaridades com a arte. Há que se lastimar que mentes ricas em possibilidades, como essas, estejam sendo alijadas das possibilidades de um desenvolvimento estético adequado, por não terem oportunidade de refletir sobre a arte. Urge pensar em como as habilidades permitidas pelo
desenvolvimento cognitivo podem ser incrementadas pela discussão estética na escola.
Portanto, temos que arregaçar as mangas para que essa defasagem não
persista, que os alunos se desenvolvam cognitiva e esteticamente. Esta pesquisa,
ainda que iniciante, me propiciou importantes descobertas e pretendo continuar
este percurso para a ampliação do repertório artístico do aluno e de seu
desenvolvimento estético. E mais: para a ampliação de exercícios de alteridade,
na qual percebemos que o outro pensa, constrói e age de forma distinta da nossa.
Vale ressaltar a fala do aluno 5B11 ao ver a imagem da obra chinesa de Man
Yuan: “o homem está em seu barco pescando numa água diferente de todas que
eu já vi”. Esta percepção do modo diferente de representação da água, ou seja, a
explicitação deste pensamento, me mostra que estou no caminho certo e que as
reflexões relacionadas aos elementos de outras culturas podem, e muito, nos
auxiliar na construção de uma sociedade que apóia a diversidade e a
especificidade de cada grupo, de cada região e povo.
Sou professora da disciplina de Arte desde 1993, 16 anos de muito trabalho
e realizações. O PDE surgiu como uma oportunidade jamais imaginada, ou seja,
afastar-me da sala aula para dedicar-me exclusivamente aos estudos e a
construção de uma proposta de trabalho. Este exercício de formação continuada
foi marcante, pessoal e profissionalmente, pois me possibilitou realizar um
‘feedback’ do meu trabalho como professora, perceber acertos e falhas na minha
trajetória profissional. Possibilitou-me, também, aprender a valorizar os detalhes,
as falas e gestos que surgem no decorrer das aulas, minúcias que, muitas vezes,
passam despercebidas, mas que, incorporadas à aula, tornam-se
importantíssimas para a efetiva aprendizagem dos alunos.
Questões referentes à arte oriental e à leitura de imagem não se esgotam
por aqui. Espero que este artigo incite professores e pesquisadores a realizarem
novos trabalhos com este enfoque para que suas conclusões se somem às
minhas.
Somos mais de 60.000 professores atuando nas escolas públicas estaduais
paranaenses e pouco compartilhamos nossas práticas, angústias e escolhas. Este
modelo de formação continuada propicia, e com muito êxito, a oportunidade de
pensarmos sobre nossa prática pedagógica. O afastamento da sala de aula por
um ano e a inserção em cursos e em leituras relacionadas ao universo do ensino e
da aprendizagem em arte me permitiu redimensionar o meu trabalho em sala de
aula. O distanciamento reflexivo me fez enxergar detalhes da minha caminhada
que, na correria diária, desaparece, dilui, perde o foco.
Almejo que outros professores tenham essa oportunidade para que as
posturas pedagógicas sejam repensadas e que o aluno, objetivo maior de nosso
trabalho, seja o grande beneficiário desta transformação.
REFERÊNCIAS
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